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FACULDADE DE PARÁ DE MINAS Curso de Bacharelado em Direito Fiama Silva Batista A ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL Pará de Minas 2016

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FACULDADE DE PARÁ DE MINAS

Curso de Bacharelado em Direito

Fiama Silva Batista

A ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL

Pará de Minas

2016

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Fiama Silva Batista

A ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL

Monografia apresentada à coordenação do Curso

de Direito da Faculdade de Pará de Minas –

FAPAM, como requisito parcial à conclusão do

Curso de Bacharelado em Direito.

Orientador-Professor: Me. Francisco José Vilas

Boas Neto.

Pará de Minas

2016

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Fiama Silva Batista

A ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL

Monografia apresentada à coordenação do Curso

de Direito da Faculdade de Pará de Minas –

FAPAM, como requisito parcial à conclusão do

Curso de Bacharelado em Direito.

Aprovada em ______/______/__________

Assinatura___________________________________________________________________

Me. Francisco José Vilas Boas Neto

Assinatura___________________________________________________________________

Título________ e nome do(a) professor(a) examinador(a)_____________________________

___________________________________________________________________________

Assinatura___________________________________________________________________

Título________ e nome do(a) professor(a) examinador(a)_____________________________

___________________________________________________________________________

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RESUMO

O presente trabalho possuiu como tema “A admissibilidade das provas ilícitas no processo

penal”. O objetivo foi analisar se há a admissão da prova judiciária obtida por meios ilícitos no

processo penal brasileiro. Outra finalidade verificou quais são as posições doutrinárias sobre a

possibilidade ou não de se utilizar a prova ilícita. Mais um fito evidenciou se há conflito de

direitos e garantias fundamentais se existir a admissão desse tipo de prova. Justificou-se a

abordagem desse tema, pelo frequente enfrentamento ideológico entre os doutrinadores e

também pela reiterada apresentação da prova ilícita no Poder Judiciário e como este tem agido

em relação a este fato. Foi aplicada a pesquisa exploratória e bibliográfica ao trabalho

acadêmico. Assim, no desenvolvimento deste trabalho, verificou-se a relevância dos direitos e

garantias fundamentais asseverados pela Lei Maior, fruto de um extenso processo de conquistas

ao longo dos séculos. Nesse sentido, é nítido o valor da prova na atividade jurisdicional

desempenhada pelo Estado, sendo um instrumento fundamental do processo, sobretudo no

penal, em que há o conflito permanente entre o direito estatal de punir e o direito à liberdade da

pessoa humana. Contudo, apesar de haver liberdade probatória, existe também conflitos entre

as garantias constitucionais, pois em muitas situações o exercício de um direito fundamental

gera a ofensa de outro. Por esse motivo, a doutrina entende pela inexistência de

direitos/garantias revestidos de caráter absoluto. Porém, a Constituição de 1988 restringiu o

direito à prova, prevendo a inadmissibilidade de provas ilícitas no processo. Todavia, existem

casos em que a prova ilícita é inserida no processo penal, com o desígnio de provar a autoria,

materialidade e até mesmo circunstâncias do crime. Nessa esteira, surgiram posicionamentos

doutrinários acerca dessa questão, tanto no sentido para a admissão, com a justificativa da

necessidade de buscar a verdade real, pois ilícito foi apenas o modo de obtenção, sendo a prova

em si revestida de veracidade. Como também pela inadmissão, que defende a vedação absoluta

da prova ilícita, não cabendo o emprego dela em nenhuma hipótese. Porém, há ainda outra

corrente, denominada como intermediária, que admite a prova ilícita por meio de um minucioso

estudo de cada caso. Concluiu-se que, pela insuficiência da interpretação constitucional para a

resolução de determinados conflitos, o direito pátrio começou a fazer uso do princípio da

proporcionalidade, que se propõe a solucionar os conflitos entre direitos fundamentais

garantidos pelo ordenamento jurídico brasileiro e que careçam da devida ponderação para

identificar os direitos que se sobressaem em valor diante da oposição. Enquanto isso, a doutrina

minoritária também defende a admissão da prova ilícita pro societate, que teria a função de

possibilitar uma resposta à alta criminalidade, debelando os crimes praticados em face de todos

os indivíduos, tendo como finalidade a responsabilização do acusado. Já em relação a prova

ilícita pro reo, é nítida a consolidação de sua aplicação na jurisprudência brasileira, por

beneficiar o réu, pois não é concebível que alguém seja condenado em razão de existir apenas

prova ilícita que comprova a inocência dele.

Palavras-chave: Admissibilidade. Processo penal. Prova ilícita.

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ABSTRACT

This work has owned the theme “The admissibility of illegal evidence in criminal proceedings”.

The aim was to analyze whether there is admission of judicial evidence obtained by illegal

means in the Brazilian criminal proceedings. Another purpose verified what the doctrinal

positions about whether or not to use the illegal evidence. Another aim is revealed there is a

conflict of fundamental rights and guarantees if there is the admission of such evidence.

Justified to approach this issue, the frequent ideological confrontation between the scholars and

also by repeated presentation of illegal evidence in the judiciary and how it has acted in relation

to this fact. Applied to exploratory and bibliographical research to academic work. Thus, the

development of this work, it was the importance of fundamental rights and guarantees provided

by the Higher Law, the result of an extensive process of achievements over the centuries. In

this sense is distinct the value of the evidence in the judicial activity performed by the state, is

a key instrument of the process, particularly in criminal matters, where there is ongoing conflict

between state law to punish and the right to freedom of the human person. However, although

there probative freedom, there is conflict between the constitutional guarantees, because in

many situations the exercise of a fundamental right creates the offense of another. For this

reason, the doctrine considers the lack of rights/coated guarantees of absoluteness. However,

the Constitution of 1988 restricted the right to prove, providing for the inadmissibility of illegal

evidence in the process. However, there are cases where the illegal evidence is entered in the

criminal proceedings, in order to prove the authorship, materiality and even the circumstances

of the crime. In this sense, there were doctrinal positions on this issue, both in order for

admission, with the justification of the need to seek the real truth as illegal was only the

obtaining mode, and the test itself coated veracity. As well as the inadmissibility, which defends

the absolute seal of illegal evidence, not fitting her job under any circumstances. But there is

another current, referred to as intermediate, which allows the illegal evidence through a detailed

study of each case. It was concluded that the failure of constitutional interpretation to the

resolution of certain conflicts, parental rights began to make use of the principle of

proportionality, which aims to resolve conflicts between fundamental rights guaranteed by

Brazilian law and lack of due consideration to identify the rights that stand in value in the face

of opposition. Meanwhile, minority doctrine also advocates the admission of illegal evidence

pro societate, which would have the function of providing a response to high crime, putting out

the crimes committed in the face of all individuals, with the purpose of accountability of the

accused. In relation to illegal evidence pro reo, is a clear consolidation of its application under

Brazilian law to benefit the defendant, it is not conceivable that someone be convicted because

there is only illegal evidence that proves his innocence.

Keywords: Admissibility. Criminal proceedings. Illegal evidence.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 6

1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROVA JUDICIÁRIA ................................... 8

1.1 Histórico do meio de prova ................................................................................................ 9

1.2 Definição doutrinária ....................................................................................................... 10

1.3 Distinção entre “regras jurídicas” e “princípios jurídicos” ......................................... 11

1.4 Sistemas existentes de apreciação da prova no ordenamento jurídico brasileiro ...... 13

1.5 Meios de prova .................................................................................................................. 14

1.6 Direito à prova .................................................................................................................. 16

1.7 Ônus da Prova ................................................................................................................... 17

2 A PROVA JUDICIÁRIA ILÍCITA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

.................................................................................................................................................. 19

2.1 Considerações iniciais ...................................................................................................... 19

2.2 Distinção entre “prova ilícita” e “prova ilegítima” ....................................................... 20

2.3 Correntes doutrinárias sobre a (in)admissibilidade da prova ilícita ........................... 21

2.3.1 Obstativa .......................................................................................................................... 21

2.3.2 Permissiva ....................................................................................................................... 22

2.3.3 Intermediária ................................................................................................................... 22

3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E A UTILIZAÇÃO DAS PROVAS

JUDICIÁRIAS ILÍCITAS PELO PODER JUDICIÁRIO ................................................. 24

3.1 Aplicação do princípio da proporcionalidade para acolher a prova ilícita no processo

penal ......................................................................................................................................... 25

3.2 Prova ilícita pro reo .......................................................................................................... 27

3.3 Prova ilícita pro societate ................................................................................................. 29

CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 33

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 36

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho possui como tema “A admissibilidade das provas ilícitas no

processo penal”. O objetivo basilar é analisar se há a admissão da prova judiciária obtida por

meios ilícitos no processo penal brasileiro.

Outra finalidade é verificar quais são as posições doutrinárias sobre a possibilidade ou

não de se utilizar a prova ilícita. Mais um fito será evidenciar se há conflito de direitos e/ou

garantias fundamentais com a admissão desse tipo de prova.

Justifica-se a abordagem desse tema pelo frequente enfrentamento ideológico entre os

doutrinadores e também pela reiterada apresentação da prova ilícita no Poder Judiciário e como

este tem agido em relação a este fato.

É preciso expressar que há a tendência dessa modalidade de prova se multiplicar no

decorrer dos próximos anos, justamente pela popularização da tecnologia, sobretudo do uso

mais comum do smartphone, que permite gravar áudio ambiente e das chamadas, filmar, tirar

fotografias, além de textos em mensageiros (WhatsApp, Viber, ICQ, etc.).

E isso tudo pode ser apresentado no judiciário como meio de prova, porém isso não quer

dizer que esse tipo de material será considerado lícito, pois existe a possibilidade de ser

considerada a violação da intimidade do indivíduo, ainda mais quando for sem autorização

deste.

Será aplicada a pesquisa exploratória ao trabalho acadêmico com o objetivo de

proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou com

o escopo de construir hipóteses.

Também utilizar-se-á a pesquisa bibliográfica. Os exemplos mais característicos dessa

espécie são as investigações sobre ideologias ou aquelas que se propõem à análise das diversas

posições acerca de um problema.

E, por último, a técnica indireta é a que será usada para a coleta dos dados da futura

pesquisa. Assim, serão utilizadas as fontes: a) bibliográficas; b) documentais; c) matérias de

sítios eletrônicos; d) revistas impressas e eletrônicas; e) artigos científicos; f) normas jurídicas;

g) jurisprudências; entre outras.

Após esse pequeno introito, no Capítulo 1 haverá breves considerações sobre a prova

judiciária. Também sobre o histórico do meio de prova, sua definição doutrinária e a distinção

entre “regras jurídicas” e “princípios jurídicos”.

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Nesta parte do trabalho mencionar-se-á acerca dos sistemas existentes de apreciação da

prova judiciária no ordenamento jurídico brasileiro, os meios de prova, o direito à prova e de

quem é o ônus da produção probatória.

Já no Capítulo 2, será abordado sobre a prova judiciária ilícita no ordenamento jurídico

brasileiro, de início haverá algumas considerações iniciais para desenvolver o restante dessa

parcela do trabalho, em seguida expor-se-á acerca da distinção entre “provas ilícitas” e “provas

ilegítimas. Fechando, serão expressas as correntes doutrinárias sobre a admissibilidade ou não

da prova ilícita, que não denominadas como: a) obstativa; b) permissiva; c) e intermediária.

Por último, o Capítulo 3 aludir-se-á sobre o princípio da proporcionalidade e a utilização

das provas judiciárias ilícitas pelo poder judiciário, adiante será apresentado como se dá a

aplicação desse princípio para acolher a prova ilícita no processo penal, conforme expressam

as teorias chamadas de: a) prova ilícita pro reo; b) e prova ilícita pro societate. Ao final serão

feitas as conclusões derradeiras do presente tema.

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1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROVA JUDICIÁRIA

Antes de iniciar os estudos sobre a admissibilidade das provas ilícitas em âmbito

penalista, é necessário compreender e definir o Processo Penal e conhecer os meios de provas

existentes nessa esfera jurídica.

Para Fernando Capez (2012, p. 45), o “Direito Processual Penal é o conjunto de

princípios e normas que disciplinam a composição das lides penais, por meio da aplicação do

Direito Penal objetivo”. Já na definição de José Frederico Marques (2003, p. 20):

“É o conjunto de princípios e normas que regulam a aplicação jurisdicional do Direito

Penal, bem como as atividades persecutórias da Polícia Judiciária, e a estruturação dos órgãos

da função jurisdicional e respectivos auxiliares”. Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar

(2015, p. 30) aduzem que:

“O processo penal deve ser compreendido de sorte a conferir efetividade ao direito

penal, fornecendo os meios e o caminho para materializar a aplicação da pena ao caso

concreto”. Retirando bases da Grécia e da Roma antiga, é possível definir e delimitar o processo

aplicado atualmente. Quem faz isso é Aury Lopes Júnior, ao afirmar o que se segue:

a) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar; b) a iniciativa probatória deve

ser das partes (decorrência lógica da distinção entre as atividades); c) mantém-se o

juiz como um terceiro imparcial, alheio a labor de investigação e passivo no que se

refere à coleta da prova, tanto de imputação como de descargo; d) tratamento

igualitário das partes(igualdade de oportunidade no processo); e)procedimento é em

regra oral (ou predominantemente); f) plena publicidade de todo o procedimento (ou

de sua maior parte); g) contraditório e possibilidade de resistência (defesa); h)ausência

de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convencimento

motivado do órgão jurisdicional; i) instituição, atendendo a critérios de segurança

pública (e social) da coisa julgada; j) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo

grau de jurisdição. (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 95)

Ainda, em relação ao réu, é preciso frisar que o mesmo não é obrigado a criar prova

contra si. Ada Pellegrini Grinover expressa esse direito do polo negativo em uma relação

processual, ipsis litteris:

O réu, sujeito da defesa, não tem obrigação nem dever de fornecer elementos de prova

que o prejudiquem. Pode calar-se ou até mentir. Ainda que se quisesse ver no

interrogatório um meio de prova, só o seria em sentido meramente eventual, em face

da faculdade dada ao acusado de não responder. A autoridade judiciária não pode

dispor do réu, como meio de prova, diversamente do que ocorre com as testemunhas;

deve respeitar a sua liberdade no sentido de defender-se como entender melhor,

falando ou calando-se, e ainda advertindo-o da faculdade de não responder. Por isso

é que Cordeiro afirma categoricamente que a única arma do interrogante é a persuasão

[...]. Como bem aponta Grevi, do silêncio ou da mentira do réu não podem deduzir-se

presunções que superem a presunção da inocência, solenemente proclamada no art. 9º

da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, ou que superem o

“princípio in dubio pro reo”. (GRINOVER apud ROMANO, 2013, p. 01)

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Desse modo, o Direito Processual Penal é a forma de materialização do Direito Material

Penal, bem como as atividades do judiciário, o qual sem ele, não seria possível a efetividade de

um direito que é garantido as partes. Completando, o Direito Processual é de suma importância

para a busca da verdade real, por meio de seus procedimentos em suas diversas fases

processuais.

Para a execução de seu fim, o processo engloba procedimentos, que é uma sequência de

atos independentes até a sentença e/ou trânsito em julgado, o que representa a relação jurídica

processual existente entre o juiz e as partes.

1.1 Histórico do meio de prova

Ao longo de toda a sua história, o Direito se defrontou com o tema da construção da

verdade, experimentando vários métodos e formas jurídicas de obtenção da verdade, desde as

ordálias e juízos divinos da Idade Média, no qual o acusado se submetia a alguma provação

física (ou suplício), de cuja superação, quando vitorioso, se lhe reconhecia a veracidade de sua

pretensão, até a introdução da racionalidade nos meios de prova (OLIVEIRA, 2011). Assim,

segundo Fernando da Costa Tourinho Filho, como exemplos das provas desse período:

Havia a prova da água fria: jogado o indiciado à água, se submergisse, era inocente,

se viesse à tona, era culpado. A do ferro em brasa: o pretenso culpado, com os pés

descalços, teria de passar por uma chapa de ferro em brasa. Se nada lhe acontecesse,

era inocente; se queimasse, sua culpa era manifesta. (TOURINHO FILHO, 2010, p.

270).

Dessa maneira, o julgamento era nitidamente desprovido de qualquer averiguação

acerca dos fatos que compusessem o delito imputado ao acusado. Nesse sentido, cabe trazer à

baila ensinamento de Mougenot Bonfim:

Tal sistema é evidentemente fundado em crenças supersticiosas e desvinculadas de

racionalidade e da busca pela verdade dos fatos, relacionando-se historicamente ao

período da Idade Média, em especial naquelas localidades da Europa Ocidental- a cujo

desenvolvimento o direito brasileiro deve sua origem. (BONFIM, 2011, p. 370).

Posteriormente, esses meios de provas começaram a perder o destaque que possuíam

em âmbito penalista. Eugênio Pacelli de Oliveira salienta que:

De uma verdade inicialmente revelada pelos deuses a outra, produzida a partir da

prova racional, submetida ao contraditório e ao confronto dialético dos interessados

em sua valoração, o Direito, em geral, e, mais especificamente, a partir do século

XVIII, com a evolução da processualização da jurisdição, o processo penal, sempre

se ocupou da reconstrução, judicial dos fatos tidos por delituosos. Ora com a

preocupação voltada exclusivamente para a satisfação dos interesses de uma não bem

definida segurança pública, ora com a atenção também dirigida para a proteção dos

interesses do acusado, sobretudo quando este passou a ocupar a posição de sujeito de

direitos no processo, e não de objeto do processo. (OLIVEIRA, 2011, p. 328).

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Destarte, após breve exposição de períodos anteriores, nas quais as provas eram

confundidas com determinações divinas ou sacrifícios claramente cruéis, interessante adentrar

na definição atual e finalidade da prova judiciária.

1.2 Definição doutrinária

O termo “prova” deriva do vocábulo latino probatio, que representa o conjunto de atos

praticados pelas partes, pelo juiz (incisos I e II, do artigo 156, do Código de Processo Penal -

CPP) e por terceiros (exemplo: peritos), destinados a levar ao magistrado a convicção sobre a

existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma alegação (CAPEZ,

2012).

Capez (2012, p. 360) expressa que: “por outro lado, no que toca à finalidade da prova,

destina-se à formação da convicção do juiz acerca dos elementos essenciais para o deslinde

da causa”. Para Guilherme de Souza Nucci existem:

[...] três sentidos para o termo prova: a) ato de provar: é o processo pelo qual se

verifica a exatidão ou a verdade do fato alegado pela pane no processo (ex.: fase

probatória); b) meio; trata-se do instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo

(ex.: prova testemunhai); c) resultado da ação de provar: é o produto extraído da

análise dos instrumentos de prova oferecidos, demonstrando a verdade de um fato.

(NUCCI, 2007, p. 351).

Oliveira também apresenta a definição dele para a prova judiciária aludindo que:

A prova judiciária tem um objetivo claramente definido: a reconstrução dos fatos

investigados no processo, buscando a maior coincidência possível com a realidade

histórica, isto é, com a verdade dos fatos, tal como efetivamente ocorridos no espaço

e no tempo. A tarefa, portanto, é das mais difíceis, quando não impossível: a

reconstrução da verdade. (OLIVEIRA, 2011, p. 327).

Távora e Alencar mencionam a importância das provas para o processo penal, ipsis

litteris:

Temos, a nosso ver, uma concepção estática, que é a prova em si mesma; uma

expressão dinâmica, através da produção probatória, e uma feição dialética, com a

submissão da prova à discussão processual e posterior valoração na sentença.

Busca-se o melhor resultado possível, a verdade viável dentro daquilo que foi

produzido nos autos. Por isso a importância de processos com qualidade, pois só

poderá haver condenação em face da certeza de culpabilidade, e esta não é obtida

através de conjecturas ou suposições, e sim por intermédio de um escorço probatório

sólido. (TÁVORA; ALENCAR, 2015, p. 560).

Assim, nota-se que a prova é o objeto mais importante em um processo, pois, por meio

dela há a comprovação das alegações feitas no decurso da demanda e isto apenas acontecerá

através de meios probatórios sólidos.

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1.3 Distinção entre “regras jurídicas” e “princípios jurídicos”

Antes de esmiuçar acerca dos princípios jurídicos atinentes a prova judiciária é

necessário abordar o conceito jurídico das expressões “regras” e “princípios jurídicos”, bem

como a sua distinção.

Oscar Joseph de Plácido e Silva (2003, p. 1.187) define as regras do seguinte modo:

“Juridicamente, a regra traz o sentido geral: é o modo de proceder, é a imposição de forma

ou a conduta imposta no texto legal”. Já Paulo Bonavides (2006, p. 271) faz uma correlação

entre os dois institutos jurídicos aduzindo que, “os princípios são normas e as normas

compreendem igualmente os princípios e as regras”. E Silva traz o seguinte conceito para

princípios, ipsis litteris:

[...] princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de

norma a toda espécie da ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em

qualquer operação jurídica.

[...].

Indicam o alicerce do Direito.

E, nesta acepção, não compreendem somente os fundamentos jurídicos, legalmente

instituídos, mas todo o axioma jurídico derivado da cultura jurídica universal.

[...].

Assim, nem sempre os princípios se inscrevem nas leis. Mas, porque servem de base

ao Direito, são tidos como preceitos fundamentais para a prática do Direito e proteção

aos direitos. (SILVA, 2003, p. 1.095).

De acordo com Ruy Samuel Espíndola (2002), a generalidade da regra jurídica não deve

entendida da mesma maneira que a generalidade de um princípio jurídico, pois a regra é geral

quando estabelecida para um número indeterminado de atos ou fatos e especial quando regular

situação jurídica determinada. E que o princípio, ao contrário, é geral porque comporta uma

série indefinida de aplicações.

Denílson Feitosa Pacheco (2007) traz o pensamento de Ronald Dworkin, que

estabeleceu dois critérios para distinguir os dois institutos: a) o do “tudo ou nada”; b) e da

“dimensão de peso”.

Sob o critério do “tudo ou nada” as regras jurídicas são ou não aplicáveis por completo,

isto é, dada uma situação concreta, se presente os pressupostos aos quais a regra se refira, esta

será aplicada. Já com relação aos princípios, estes não são aplicados imediatamente, por

dependerem de condições que tornem necessário o seu uso (PACHECO, 2007). Em referência

a dimensão de peso, Ronald Dworkin aduz que:

Os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm - a dimensão do peso ou

importância. Quando os princípios se intercruzam (por exemplo, a política de proteção

aos compradores de automóveis se opõe aos princípios de liberdade de contrato),

aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um.

Esta não poder ser, por certo, uma mensuração exata e o julgamento que determina

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que um princípio ou uma política particular é mais importante que outra

frequentemente será objeto de controvérsia. Não obstante, essa dimensão é uma parte

integrante do conceito de um princípio, de modo que faz sentido perguntar que peso

ele tem ou quão importante ele é. (DWORKIN, 2002, p. 35-36).

Robert Alexy alega outra diferença, de que os princípios são mandados de otimização,

nas palavras do referido autor:

O ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios é que os princípios são

normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das

possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandados de

otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em

diferente grau e que a medida devida de seu cumprimento não somente depende das

possibilidades reais senão também das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas

é determinado pelos princípios e regras opostos.

Ao contrário, as regras são normas que somente podem ser cumpridas ou não. Se uma

regra é válida, então deve fazer-se exatamente o que ela exige, nem mais nem menos.

Portanto, as regras contêm determinações no âmbito do fática e juridicamente

possível. Isto significa que a diferença entre regras e princípios é qualitativa e não de

grau. Toda norma é uma regra ou um princípio. (ALEXY apud PACHECO, 2007, p.

51).

Entretanto, há quem discorde dos critérios e definições adotados por Dworkin e Alexy,

nesse caso, Humberto Ávila aborda essa discordância da seguinte maneira:

As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com

pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da

correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios

que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceituai da

descrição normativa e a construção conceituai dos fatos.

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e

com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se

demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os

efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção. (ÁVILA,

2003, p. 70).

Como é possível notar, são várias as teorias e argumentos para diferenciar as regras dos

princípios, contudo, José Joaquim Gomes Canotilho traçou alguns critérios (baseados também

nos autores mencionados aqui) para sintetizar essa espécie de distinção, ipsis litteris:

a) abstração - os primeiros são altamente abstratos e vagos, enquanto as segundas

possuem menor grau de abstração;

b) determinabilidade - enquanto os princípios, em virtude do seu alto grau de vagueza

e indeterminação, necessitam ser concretizados através de outras normas, as regras

possuem aplicação direta e imediata, sendo mais fácil apontar a ocorrência de violação

a um princípio do que definir-lhe o conteúdo, pois o seu raio de atuação é maior do

que a das regras;

c) fundamentalidade no sistema - os princípios fundamentam todo o ordenamento

jurídico, e, por isso, possuem maior importância que as regras, preponderando sobre

estas, portanto;

d) proximidade da idéia de direito - os princípios são baseados no ideal de justiça,

tendo acentuada carga valorativa, enquanto as regras possuem conteúdo funcional;

e) natureza normogenética - as regras decorrem dos princípios. (CANOTILHO apud

BRAGA, 2009, p. 40).

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Diante de todo o exposto, é possível dizer que os princípios jurídicos, de um modo geral,

são mais abstratos, tem diversos graus de concretização, podem coexistir quando houver

conflito e se sobrepõe as regras, já que, fundamentam todo o ordenamento de leis, isto é, até

mesmo as próprias regras.

1.4 Sistemas existentes de apreciação da prova no ordenamento jurídico brasileiro

Existem basicamente três sistemas de avaliação de provas, quais sejam: a) da prova

legal, da certeza moral do legislador, da verdade legal, da verdade formal ou tarifado; b) da

certeza moral do juiz ou da íntima convicção; c) e da livre convicção, da verdade real, do livre

convencimento ou da persuasão racional. Adiante, esmiuçar-se-á cada um desses sistemas.

Primeiro, existe o denominado sistema da prova legal, da certeza moral do legislador,

da verdade legal, da verdade formal ou tarifado. Nesta a lei impõe ao juiz o rigoroso acatamento

a regras preestabelecidas, as quais atribuem, de antemão, o valor de cada prova, não deixando

para o julgador qualquer margem de discricionariedade para emprestar-lhe maior ou menor

importância (CAPEZ, 2012).

Nesse tipo, não existe convicção pessoal do juiz na valoração do contexto probatório,

mas obediência estrita ao sistema de pesos e valores imposto pela lei. Desse sistema origina o

absurdo brocardo testis unus, testis nullus, pelo qual o depoimento de uma só testemunha, por

mais detalhado e verossímil que seja, não tem qualquer valor (CAPEZ, 2012).

Em segundo há o sistema da certeza moral do juiz ou da íntima convicção. Nesta é o

extremo oposto do sistema apresentado anteriormente. A lei concede ao magistrado ilimitada

liberdade para decidir como quiser, não fixando qualquer regra de valoração das provas. Aqui,

a convicção íntima, formada não importa por quais critérios, é o que basta, não existindo

critérios balizadores para o julgamento. Ressalta-se que este vigora como exceção, nas decisões

proferidas pelo júri popular, nas quais o jurado profere seu voto, sem necessidade de

fundamentação (CAPEZ, 2012).

Em terceiro existe o sistema da livre (e não íntima) convicção, da verdade real, do livre

convencimento ou da persuasão racional. Este se equilibra entre os dois extremos mencionados

antes. O magistrado possui liberdade para formar a sua convicção, não estando preso a qualquer

critério legal de prefixação de valores probatórios. Todavia, essa liberdade não é absoluta, sendo

imprescindível a devida fundamentação (CAPEZ, 2012).

Assim, o juiz decide livremente conforme a consciência dele, devendo, contudo,

explicitar motivadamente as razões de sua opção e obedecer a determinados balizamentos

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legais, mesmo que flexíveis. Destaca-se que, este é o sistema adotado pelo Código de Processo

Penal brasileiro, cujo caput do artigo 155, que dispõe (CAPEZ, 2012):

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em

contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos

elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares,

não repetíveis e antecipadas. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

[...] (BRASIL, 1941, on-line).

Destarte, este sistema atende às exigências da procura da verdade real, rejeitando o

formalismo exacerbado e impedindo o absolutismo pleno do julgador, comumente gerador de

arbítrio, na medida em que exige motivação. Desse modo, não basta ao juiz embasar a sua

decisão nos elementos probatórios carreados aos autos, deve indicá-los especificamente. Além

disso, apenas a prova produzida em contraditório judicial poderá servir de fundamento para a

sentença condenatória (CAPEZ, 2012).

Ainda, não pode, do mesmo modo, o magistrado buscar como fundamento elementos

estranhos aos autos (quod neon est in actis non est in mundo: o que não está nos autos não está

no mundo). Nessa esteira, trata-se, na realidade, do sistema que conduz ao princípio da

sociabilidade do convencimento, já que a convicção do julgador em relação aos fatos e às provas

não pode ser diferente da de qualquer pessoa que, desinteressadamente, examine e analise tais

elementos (CAPEZ, 2012).

Então, é possível observar que o sistema brasileiro dá liberdade ao julgador de formar a

convicção dele, porém, desde que seja plenamente fundamentada e respeitando determinações

legais, sempre usando as provas produzidas em contraditório judicial.

1.5 Meios de prova

Os meios de prova são os recursos de percepção da verdade e formação do

convencimento. Representa tudo aquilo que pode ser usado, direta ou indiretamente, para

demonstrar (ou provar) o que se alega no processo (TÁVORA; ALENCAR, 2015).

Paulo Rangel (2003, p. 414), explana que os meios de prova “são todos aqueles que o

juiz, direta ou indiretamente, utiliza para conhecer da verdade dos fatos, estejam eles previstos

em lei ou não”. Nas palavras de Capez:

Em primeiro lugar, a título de esclarecimento, convém salientar que o meio de prova

compreende tudo quanto possa servir, direta ou indiretamente, à demonstração da

verdade que se busca no processo. Assim, temos: a prova documental, a pericial, a

testemunhal etc. (CAPEZ, 2012, p. 394).

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Ressalta-se que, o CPP não traz de modo exaustivo todos os meios de prova admissíveis.

Assim, nesse viés, pode-se utilizar as provas nominadas, que são aquelas disciplinadas na

legislação, trazidas nos artigos 158 a 250, do CPP, e ainda as inominadas, aquelas ainda não

normatizadas (atípicas) (TÁVORA; ALENCAR, 2015).

Pois, o princípio da verdade real (verdade processual, rectius), iluminando a persecução

criminal, admite o emprego de meios probatórios não disciplinados em lei, desde que

moralmente legítimos e não afrontadores do próprio ordenamento (TÁVORA; ALENCAR,

2015). Mais uma vez, Capez aduz que:

Como é sabido, vigora no direito processual penal o princípio da verdade real, de tal

sorte que não há de se cogitar qualquer espécie de limitação à prova, sob pena de se

frustrar o interesse estatal na justa aplicação da lei. Tanto é verdade essa afirmação

que a doutrina e a jurisprudência são unânimes em assentir que os meios de prova

elencados no Código de Processo Penal são meramente exemplificativos, sendo

perfeitamente possível a produção de outras provas, distintas daquelas ali enumeradas.

(CAPEZ, 2012, p. 394).

Destaca-se que, esta não-taxatividade pode ser extraída do parágrafo único, do artigo

155, do CPP (redação dada pela Lei nº 11.690/2008), quando assevera que “somente quanto ao

estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil” (TÁVORA;

ALENCAR, 2015).

É o que acontece, por exemplo, com a demonstração do estado de casamento, que deve

ser provada com a certidão do respectivo registro civil. Do mesmo modo, o Superior Tribunal

de Justiça (STJ), na Súmula nº 74, assevera que “para efeitos penais, o reconhecimento da

menoridade do réu requer prova por documento hábil” (TÁVORA; ALENCAR, 2015).

Dessa maneira, no ordenamento jurídico brasileiro a liberdade probatória é a regra e as

limitações figuram na esfera da exceção. Esta também a égide do Código de Processo Penal

Militar (CPPM), que, em seu artigo 295, elucida ser admissível “qualquer espécie de prova,

desde que não atente contra a moral, a saúde ou a segurança individual ou coletiva, ou contra

a hierarquia ou a disciplina militares” (TÁVORA; ALENCAR, 2015). Capez reafirma e

complementa afirmando que:

Ocorre, no entanto, que o princípio da liberdade probatória não é absoluto, sofre

restrições. No Código de Processo Penal, vislumbram-se, dentre outras, as seguintes

limitações ao princípio da liberdade dos meios de prova: o art. 155, parágrafo único,

que manda observar as mesmas exigências e formalidades da lei civil para a prova

quanto ao estado das pessoas (casamento, morte e parentesco são situações que

somente se provam mediante as respectivas certidões); art. 158, que exige o exame de

corpo de delito para as infrações que deixarem vestígios (não transeuntes), não

admitindo seja suprido nem pela confissão do acusado; art. 479, caput, com a redação

determinada pela Lei n. 11.689/2008, que veda, durante os debates em plenário, a

leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com

a antecedência mínima de três dias úteis, dando-se ciência à outra parte; e a

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inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (CF, art. 5º, LVI). (CAPEZ,

2012, p. 394-395).

Assim, a própria legislação abre a possibilidade de se utilizarem provas não previstas

em Norma, desde que moralmente legítimos e não afrontem o ordenamento legal. Entretanto,

mesmo que pareça assentado esse entendimento, mais adiante será demonstrado que existem

provas consideradas ilícitas e modo como são tratadas no processo penal brasileiro.

1.6 Direito à prova

O direito à prova possui ligação com a verdade real, isto é, a verdade apenas será

comprovada por meio de uma prova consistente. Assim, este direito é uma garantia

constitucional. De acordo com Antônio Magalhães Gomes Filho, deve ser considerado como

direito público subjetivo:

O reconhecimento de um verdadeiro direito subjetivo à prova, cujos titulares são as

partes no processo (penal, no nosso casso), supõe considerar que as mesmas devem

estar em condições de influir ativamente em todas as operações desenvolvidas para a

constituição do material probatório que irá servir de base á decisão; nessa visão, a

prova, antes de tudo, deve ser atividade aberta à iniciativa, participação e controle dos

interessados no provimento jurisdicional.

[...].

O direito à prova compreende, em segundo lugar, um poder de iniciativa em relação

à introdução do material probatório no processo; trata-se do direito de proposição

(indicação, requerimento) de provas [...]. (GOMES FILHO, 1997, p. 85).

O Código de Processo Penal (CPP) trata do assunto no artigo 156, que dispõe, in verbis:

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao

juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas

consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e

proporcionalidade da medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de

diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (Incluído pela Lei nº 11.690, de

2008) (BRASIL, 1941, on-line).

Percebe-se que, pelo regramento processual penal, existem três possibilidades do direito

a prova, sendo por parte: a) do acusador; b) do acusado; c) ou do Juiz. Cabe então ao acusador,

provar sua pretensão punitiva, ao acusado provar de modo defensivo que existe um fato

impeditivo ou modificativo e, até mesmo, uma excludente e ao juízo cabe buscar um

esclarecimento maior sobre as alegações das partes.

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1.7 Ônus da Prova

O termo “ônus” origina do vocábulo latino “ônus”, que significa “carga”,

“incumbência”, etc. Nesse sentido, a prova não constitui uma obrigação, mas sim ônus, ou seja,

mesmo deixando de praticá-lo, não estará agindo contra a lei. Capez explica que:

A prova é induvidosamente um ônus processual, na medida em que as partes provam

em seu benefício, visando dar ao juiz os meios próprios e idôneos para formar a sua

convicção. Ônus da prova é, pois, o encargo que têm os litigantes de provar, pelos

meios admissíveis, a verdade dos fatos. (CAPEZ, 2012, p. 396).

O ônus da prova, como o direito à prova, vem dirimido no artigo 156, do CPP.

Geralmente no Processo Penal quem alega o fato é o Ministério Público, autor da ação

representando o Estado, que faz a denúncia devendo prova-la. E por outro lado, cabe ao acusado

comprovar as causas modificativas ou extintivas da pretensão autoral. Oliveira completa esse

entendimento aludindo que:

Em primeiro lugar, cumpre observar que o ônus da prova da materialidade e da autoria

incumbe ao Ministério Público, órgão estatal responsável pela persecução penal. Não

comprovadas estas, por inércia na atuação ministerial, e tendo o juiz de primeira

instância se convencido da inexistência de provas suficientes para a condenação, a

manutenção da absolvição parece-nos imperativa.

Em segundo lugar, não tendo o Ministério Público cumprido a contento a sua função

constitucional, pensamos não ser possível deferir-se ao juiz o exercício supletivo de

atividade exclusivamente acusatória. A objeção, de ordem estrutural, funda-se na

configuração atual de nosso modelo acusatório de pro1 cesso, no qual não se pode

permitir que o juiz possa exercer funções ou adotar posições nitidamente acusatórias.

De tal perspectiva, parece-nos que a tanto não haverá de chegar a regra do livre

convencimento motivado, pela qual se reserva ao jui2 a possibilidade da iniciativa

probatória não como atividade substitutiva daquela atribuída por lei à acusação, mas

apenas quando necessária ao esclarecimento de dúvidas sobre pontos relevantes e

controvertidos da prova. (OLIVEIRA, 2011, p. 835).

Capez também aduz sobre essa questão, ipsis litteris:

De se notar, porém, que a regra de o “ônus da prova incumbir a quem alega” não é

absoluta, uma vez que, conforme o art. 156, II, com a redação determinada pela Lei

n. 11.690/2008, é facultado ao juiz de ofício: “determinar, no curso da instrução, ou

antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvidas sobre ponto

relevante” (inciso II). Note-se, contudo, que, em razão de nosso Código de Processo

Penal adotar o sistema acusatório, e não inquisitivo, tal faculdade de produção de

provas pelo magistrado é supletiva, devendo, pois, ser comedida, nesse sentido, sua

atuação. Somente em casos excepcionais, quando a dúvida persistir no espírito do

magistrado, é que este poderá dirimi-la, determinando as diligências nesse sentido.

Essa pesquisa probatória a ser efetivada pelo juiz deve restringir-se a uma área de

atuação por ele delimitada, com o fito de evitar a quebra da imparcialidade. Em

segunda instância, no entanto, o princípio da verdade real só prevalece desde que a

prova resultante não implique violação ao princípio da proibição da reformatio in

pejus, quando houver recurso exclusivo da acusação. Note-se, finalmente, que ao art.

156 foi acrescida uma nova hipótese, pois faculta ao juiz “ordenar, mesmo antes de

iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e

relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida” (cf.

inciso I). Tal previsão legal é bastante discutível em face do processo penal acusatório,

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pois admite a figura de um juiz investigador e, portanto, de um processo inquisitivo.

(CAPEZ, 2012, p. 396-397).

Assim, o juízo possui o direito de produzir provas, desde que atendidas as determinações

legais e com a pretensão precípua de buscar a verdade real. Após toda essa exposição, no

próximo Capítulo abordar-se-á acerca da prova judiciária ilícita no ordenamento jurídico.

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2 A PROVA JUDICIÁRIA ILÍCITA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Neste Capítulo haverá alusão sobre a prova judiciária no ordenamento jurídico,

sobretudo daquela obtida por meios ilícitos e quais correntes doutrinárias existentes atualmente

que buscam dirimi-la, tanto para usá-la, como para descarta-la.

2.1 Considerações iniciais

Inicialmente, a Lei Maior de 1988 garantiu o direito de ação, nascendo como resultado

deste, o direito à prova, no qual, ao retirar o judiciário da inércia, empregar-se-á de provas, tanto

as pré-existentes como as solicitadas, com o desígnio de influenciar no convencimento do juízo.

José Carlos Barbosa Moreira salienta que:

No pensamento praticamente unânime da doutrina atual, não se deve reduzir o

conceito de ação, mesmo em perspectiva abstrata, a simples possibilidade de instaurar

um processo. Seu conteúdo é mais amplo. Abarca série extensa de faculdades cujo

exercício se considera necessário, em princípio, para garantir a correta e eficaz

prestação da jurisdição. Dentre tais faculdades sobressai o chamado direito à prova.

Sem embargo da forte tendência, no processo contemporâneo, ao incremento dos

poderes do juiz na investigação da verdade, inegavelmente subsiste a necessidade de

assegurar aos litigantes a iniciativa – que, em regra, costuma predominar –no que

tange à busca e apresentação de elementos capazes de contribuir para a formação do

convencimento do órgão judicial. A finalidade da prova é convencer o juiz da

veracidade dos fatos narrados na exordial ou refutados pela defesa e, por

conseqüência, pode-se dizer que ele (o juiz) é o destinatário da prova. (MOREIRA,

1996 apud PETRY, 2003, p. 02).

A CRFB/1988 coaduna com tal pensamento, isso está expresso no inciso LVI, do artigo

5º, proclama que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”

(BRASIL, 1988, on-line).

Desse modo, após o mandamento constitucional acima, surgiu forte controvérsia da

utilização ou não da prova ilícita, pela aparente taxatividade dessa determinação e, por essa

razão, Fernando da Costa Tourinho Filho assevera que se deve abolir a taxatividade na busca

da verdade real, in verbis:

Vigorando no Processo Penal o princípio da verdade real, é lógico não deva haver

qualquer limitação à prova, sob pena de ser desvirtuado aquele interesse do Estado na

justa atuação da lei. A atitude do Juiz no cível, doutrina Dellepiane, é em certo modo,

passiva, e a prova reveste, então, o caráter de uma confrontação. No juízo criminal é

diferente. Não se achando em presença de verdades feitas, de um acontecimento que

se lhe apresente reconstruído pelas partes, está obrigado a procurar, por si mesmo,

essas verdades. [...]. Sendo assim, podemos afirmar que a tendência, hoje, é no sentido

de se abolir a taxatividade, tendo-se, contudo, o cuidado de se vedar qualquer meio

probatório que atente contra a moralidade ou violente o respeito à dignidade humana.

(TOURINHO FILHO, 2010, p. 237-238).

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É preciso explanar que a redação do mandamento constitucional é muito direto,

praticamente taxativo, porém, a discussão que se seguiu é se essa determinação deve obedecida

com exceções, ou seja, de maneira absoluta.

2.2 Distinção entre “prova ilícita” e “prova ilegítima”

Como pode se observar, a produção de provas no processo penal não é tarefa fácil, pois

seu o trâmite existe obstáculos a serem superados, como é o caso das limitações legais quanto

produção da prova e a sua obtenção.

Sendo assim, Aury Lopes Júnior (2010, p. 581) salienta que: “Os limites à atividade

probatória surgem como decorrência do nível de evolução do processo penal que conduz à

valoração da forma dos atos processuais enquanto ‘garantia’ a ser respeitada”.

Nesta vertente, a Lei nº 11.690/2008 inseriu no CPP tratamento acerca da prova ilícita,

declarando, no caput do artigo 157, que: “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do

processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais

ou legais”.

Assim, diante da temática das proibições da prova, verifica-se a necessidade de

distinguir “prova ilícita”, “ilegítima” e “ilegal”. Segundo entendimento majoritário, a “prova

ilegal” é o gênero, sendo suas espécies a “prova ilícita” e a “prova ilegítima”.

Lopes Junior (2010, p. 584) ensina que a prova ilícita “é aquela que viola regras de

direito material ou a Constituição no momento da sua coleta, anterior ou concomitante ao

processo, mas sempre exterior a este (fora do processo)”. Já prova ilegítima é “quando ocorre

a violação de uma regra de direito processual penal no momento da sua produção em juízo,

no processo”.

Destaca-se ainda que, a prova ilícita é aquela que viola o direito material tutelado a

pessoa humana. Como exemplo: a) as provas produzidas por meio da violação do domicílio

(XI, do artigo 5º, da CRFB/1988); b) comunicações (XII, do artigo 5º, da Lei Maior); c)

mediante tortura ou maus tratos (III, do artigo 5º, da Carta Maior); d) com violação à intimidade

(X, do artigo 5º, da Constituição de 1988); etc. (GRINOVER, FERNANDES; GOMES FILHO,

2001).

Já a prova ilegítima viola direito processual, existindo, portanto, violação de norma

garantidora de interesse vinculado ao processo e sua finalidade. É o caso dos indivíduos que

em função de ofício ou profissão devam guardar sigilo, ou seja, se for tomado depoimento de

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tais profissionais sobre fatos que tem conhecimento em decorrência do seu ofício ou profissão,

a prova será nula (AVOLIO, 2003).

Contudo, é preciso salientar que as provas obtidas por meios ilícitos são compreendias

de modo diverso pela doutrina brasileira, havendo correntes diferentes admitindo e negando o

uso desse tipo prova judiciária.

2.3 Correntes doutrinárias sobre a (in)admissibilidade da prova ilícita

A prova ilícita encontra guarida em sua admissibilidade como válida e eficaz no

ordenamento jurídico brasileiro, fazendo-se imprescindível apresentar os diferentes

posicionamentos quanto ao assunto.

2.3.1 Obstativa

A teoria obstativa defende a inadmissibilidade absoluta da prova obtida por meio ilícito,

não importando a relevância do direito discutido, devendo esse tipo de prova ser rejeitada

sempre, por afrontar o direito positivo, como aos princípios jurídicos, sem exceção (LIMA

FILHO, 1998 apud PETRY, 2003).

Nas palavras de Francisco das Chagas Lima Filho (1998 apud PETRY, 2003, p. 02),

defensor dessa corrente, “a prova obtida por meios ilícitos deve ser banida do processo, por

mais altos e relevantes que possam se apresentar os fatos apurados”.

Lopes Júnior (2010) salienta as críticas referentes a essa teoria, que destaca pauta-se na

aplicação literal dos dizeres constitucionais quanto à inadmissibilidade das provas ilícitas.

Segundo o mesmo:

A “absolutização” da vedação, num momento em que a ciência (desde a teoria da

relatividade) e o próprio direito constitucional negam o caráter absoluto de regras e

direitos. Para nós, desde Einstein, não há mais espaços para tais teorias que têm a

pretensão de serem “absolutas”, ainda mais quando é evidente que todo saber é datado

e tem prazo de validade e, principalmente, que a Constituição, como qualquer lei, já

nasce velha diante da incrível velocidade do ritmo social. Logo, a inadmissibilidade

absoluta tem a absurda pretensão de conter uma razão universal e universalizante, que

pode(ria) prescindir da ponderação exigida pela complexidade que envolve cada caso

na sua especificidade. (LOPES JÚNIOR, 2010, p. 585).

Apesar das fortes e contundentes argumentações dessa corrente doutrinária, existem

outras que entendem pela admissibilidade completa ou temperada da prova alcançada mediante

meios ilícitos ou não-legais.

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2.3.2 Permissiva

A teoria permissiva (minoritária atualmente) admite a prova obtida por meios ilícitos,

devendo sempre ser reconhecidas pelo processo penal como válidas, sendo suficiente e

necessário para a demonstração da verdade real no feito.

Segundo essa corrente, a admissão da prova ilícita se justifica pelo interesse da justiça

na busca pela verdade real, sendo que a ilicitude no momento da obtenção da prova não terá a

capacidade de macular/inutilizar o elemento verídico que a compõe e que tem o fito de

influenciar a convicção do julgador (LOPES JÚNIOR, 2010).

Outra vertente importante é a responsabilização daqueles que deram ensejo à atividade

ilícita para obter a prova, ficando sujeitos a penalidade prevista em lei (LOPES JÚNIOR, 2010).

Obviamente essa teoria também padece de críticas, que serão expressadas a seguir nas palavras

de Lopes Júnior:

A crítica a essa corrente nasce exatamente dessa paradoxal situação criada: um mesmo

objeto, diante da ilicitude com que foi obtido, seria considerado como corpo de delito

para ensejar a condenação de alguém e, ao mesmo tempo, seria perfeitamente válido

para produzir efeitos no processo penal. [...] no Brasil hoje, é uma posição que não

encontra mais qualquer abrigo na jurisprudência. (LOPES JÚNIOR, 2010, p. 585).

Sob esse aspecto, Avólio (2003, p. 45) afirma que: “Embora partindo de pressupostos

diversos, as teorias englobadas sob a rubrica da admissibilidade das provas ilícitas postulam

a sua utilizabilidade no processo, reservando ao infrator as sanções cabíveis”.

2.3.3 Intermediária

A corrente intermediária buscou um ponto de equilíbrio, não se posicionou pela

inadmissibilidade completa da prova obtida por meios ilícitos e nem se filiou aos seguidores da

admissibilidade absoluta e irrestrita.

Sendo assim, essa teoria prega que as provas alcançadas infringindo os mandamentos

constitucionais apenas serão admitidas em circunstâncias excepcionais e graves, quando se

evidenciar um conflito de garantias asseguradas pela Lei Maior, assegurando dessa maneira a

prevalência de valores mais relevantes daqueles desobedecidos no instante da colheita

probatória (FERNANDES, 2007).

Ainda, essa corrente é conhecida como “teoria da proporcionalidade”, “teoria da

razoabilidade” ou “teoria da preponderância dos interesses”, sendo caracterizada como uma

construção doutrinária e jurisprudencial, se posicionando ao lado dos sistemas

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de inadmissibilidade da prova alcançada mediante meios ilícitos, permitindo desse modo, no

caso concreto, a escolha entre os valores constitucionalmente relevantes que estão em conflito

(AVOLIO, 2003).

Antônio Scarance Fernandes (2007, p. 85) explana que que na teoria intermediária:

“Admite-se a produção de prova obtida em violação de norma constitucional em situações

excepcionais quando, no caso, objetiva-se proteger valores mais relevantes do que aqueles

infringidos na colheita da prova e também constitucionalmente protegidos”.

Vicente Greco Filho (2015) sintetiza que esta teoria considera admissível a inserção de

provas obtidas por métodos ilícitos ao processo penal, nas hipóteses em que o bem jurídico

tutelado pela prova ilícita, ser considerado de maior valor jurídico do que aquele que foi

sacrificado pela ilicitude da produção.

Assim, é preciso ressaltar antes de adentrar no Capítulo seguinte, que esta corrente

aplica a proporcionalidade dos bens tutelados que estão em questão e aqueles que devem

prevalecer para ver aplicada a justiça que é o verdadeiro objetivo do ordenamento jurídico. No

Capítulo seguinte tratar-se-á com mais afinco sobre isso.

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3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E A UTILIZAÇÃO DAS PROVAS

JUDICIÁRIAS ILÍCITAS PELO PODER JUDICIÁRIO

De início, é sabido que o Poder Judiciário brasileiro tem se deparado rotineiramente

com a questão da admissibilidade ou inadmissibilidade da prova judiciária obtida por meios

ilícitos. Porém, essa questão não é exclusiva do judiciário pátrio e também não é recente.

Já que, as provas ilícitas foram reconhecidas pela Suprema Corte norte-americana, com

base na teoria dos “frutos da árvore envenenada” (fruits of the poisonous tree), segundo a qual

o vício da planta é transmitido a todos os seus frutos. A partir de uma decisão proferida no caso

Siverthorne Lumber Co. vs. United States, em 1920, as cortes americanas passaram a não

admitir qualquer prova, ainda que lícita em si mesma, proveniente de práticas ilegais (CAPEZ,

2012).

Assim, em face de sedimentado entendimento doutrinário e jurisprudencial, o artigo

157, do CPP, albergou a teoria dos frutos da árvore envenenada e trouxe limites a ela,

inspirando-se na legislação norte-americana, de modo a se saber quando uma prova é ou não

derivada da ilícita, ou seja, a lei procurou trazer contornos para o estabelecimento do nexo

causal entre uma prova e outra (CAPEZ, 2012). Eis os limites legais nas palavras de Capez:

(a) Limitação da fonte independente (independent source limitation): o § 1º do art.

157 prevê que são inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, “salvo quando não

evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas

puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”. Trata-se de teoria

que já foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal, no qual se entendeu que se deve

preservar a denúncia respaldada em prova autônoma, independente da prova ilícita

impugnada por força da não observância de formalidade na execução de mandado de

busca e apreensão (STF, HC-ED 84.679/MS, rel. Min. Eros Grau, j. 30-8-2005, DJ,

30 set. 2005, p. 23). Portanto, a prova derivada será considerada fonte autônoma,

independente da prova ilícita, “quando a conexão entre umas e outras for tênue, de

modo a não se colocarem as primárias e secundárias numa relação de estrita causa e

efeito” (Grinover, Scarance e Magalhães, apud Antonio Scarance Fernandes,

Processo penal constitucional, 5. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007, p. 96-

97).

(b) Limitação da descoberta inevitável (inevitable discovery limitation): afirma

Scarance, lançando mão do ensinamento de Barbosa Moreira, que, na jurisprudência

norte-americana, tem-se afastado a tese da ilicitude derivada ou por contaminação

quando o órgão judicial se convence de que, fosse como fosse, se chegaria

“inevitavelmente, nas circunstâncias, a obter a prova por meio legítimo” (apud

Antonio Scarance Fernandes, Processo penal constitucional, cit., p. 97, nota de rodapé

n. 52). Nesse caso, a prova que deriva da prova ilícita originária seria inevitavelmente

conseguida de qualquer outro modo. Segundo o § 2º do art. 157, “Considera-se fonte

independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios

da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da

prova”. O legislador considera, assim, fonte independente a descoberta inevitável,

mas tal previsão legal é por demais ampla, havendo grave perigo de se esvaziar uma

garantia constitucional, que é a vedação da utilização da prova ilícita. (CAPEZ, 2012,

p. 372-373).

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Após essa breve exposição sobre a teoria dos frutos da árvore envenenada, é imperioso

entender o tema em destaque aludir primeiramente sobre o princípio da proporcionalidade, que

sopesa direitos e garantias para buscar que um prevaleça em detrimento de outros em busca da

aplicação da justiça.

3.1 Aplicação do princípio da proporcionalidade para acolher a prova ilícita no processo

penal

Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes

Filho já anunciavam a teoria da proporcionalidade no âmbito das provas ilícitas desde o início

do Século XXI, ao aduzirem que:

A teoria, hoje dominante, da inadmissibilidade processual das provas ilícitas, colhidas

com infringência a princípios ou normas constitucionais, vem, porém, atenuada por

outra tendência, que visa corrigir possíveis distorções a que a rigidez da exclusão

poderia levar em casos de excepcional gravidade. Trata-se do denominado

verhaltnismassigkeit prinzcip (sic), ou seja, de um critério de proporcionalidade, pelo

qual os tribunais da então Alemanha Federal, sempre em caráter excepcional e em

casos extremamente graves, têm admitido a prova ilícita, baseando-se no princípio do

equilíbrio entre valores fundamentais contrastantes. (GOMES FILHO, 2001, p. 115).

Destaca-se que Nucci (2007) discorda dessa posição, argumentando que o sistema

processual penal brasileiro é ainda imaturo em garantir, efetivamente, os direitos e garantias

individuais, sendo, em função disso, inoportuna a adoção da teoria da proporcionalidade.

O autor acima alega, também, que é necessário manter o critério da proibição plena da

prova ilícita, exceto nos casos em que o preceito constitucional se choca com outro de igual

relevância (NUCCI, 2007).

Assim, a teoria da proporcionalidade ganha mais espaço entre a doutrina e a

jurisprudência, com base no Princípio da Proporcionalidade, essa atenuação prevê hipóteses em

que as provas ilícitas, em caráter excepcional e em casos extremamente graves, poderão ser

usadas, já que nenhuma liberdade pública é absoluta (MORAES, 2007).

Segundo Marcellus Polastri Lima (2009, p. 80), a teoria em questão, quando há “conflito

(mesmo aparente) entre garantias individuais, impõe-se a prevalência do interesse maior a ser

protegido, no caso em concreto”.

No entanto, tratar de modo absoluto o princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas

estabelece, para José Carlos Barbosa Moreira (2007), como sendo um autêntico fantasma

retardatário de uma espécie de individualismo exasperadamente antissocial. Em igual sentido

já se manifestou o Supremo Tribunal Federal (STF):

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OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER

ABSOLUTO. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que

se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público

ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda

que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas

das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos

estabelecidos pela própria Constituição (BRASIL. Supremo Tribunal Federal.

Mandado de Segurança nº 23.452. Relator: Ministro Celso de Mello. Órgão Julgador:

Tribunal Pleno. Brasília. Julgado em: 16 set. 1999. Publicado em: DJ 12 maio 2000.

Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000020700&b

ase=baseAcordaos>. Acesso em: 29 ago. 2016).

Nessa esteira, Avolio explana que a concepção atual da teoria da proporcionalidade:

É, pois, dotada de um sentido técnico no direito público a teoria do direito germânico,

correspondente a uma limitação do poder estatal em benefício da garantia de

integridade física e moral dos que lhe estão sub-rogados [...]. Para que o Estado, em

sua atividade, atenda aos interesses da maioria, respeitando os direitos individuais

fundamentais, se faz necessário não só a existência de normas para pautar essa

atividade e que, em certos casos, nem mesmo a vontade de uma maioria pode derrogar

(Estado de Direito), como também há de se reconhecer e lançar mão de um princípio

regulativo para se ponderar até que ponto se vai dar preferência ao todo ou às partes

(Princípio da Proporcionalidade), o que também não pode ir além de um certo limite,

para não retirar o mínimo necessário a uma existência humana digna de ser chamada

assim. (AVOLIO, 2003, p. 53).

Em relação as provas ilícitas, Moreira (2007) sustenta que os princípios processuais não

devem ser considerados como “dogmas religiosos”, mas sim, ser interpretados conforme a sua

significação instrumental e seu escopo à consecução dos fins do processo.

Segundo Thiago André Pierobom de Ávila (2007), o princípio da inadmissibilidade,

erigido pela Carta Maior como vetor geral no tratamento das provas ilícitas, deve ser

equilibrado com a razoabilidade intrínseca ao devido processo legal.

E que se deve conciliar a dupla instrumentalidade do processo penal, qual seja: a) filtro

do direito penal máximo (garantismo); b) e concretização do direito penal mínimo necessário

(funcionalismo). Ainda, que essa perspectiva de processo penal proporcional regula

abertamente essa problemática das provas ilícitas (ÁVILA, 2007).

Oliveira (2011) também tece comentários sobre essa questão e aduz que se trata das

mais complexas e problemáticas do processo penal. E o referido estudioso entende que isso

ocorre, especialmente, pela impossibilidade de se fixar um critério minimamente objetivo para

o aproveitamento da prova ilícita, pela aplicação da proporcionalidade.

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3.2 Prova ilícita pro reo

Destarte, é preciso mencionar que existe a admissibilidade da prova ilícita no processo

penal para beneficiar o réu (pro reo), há também o que é denominado como “prova ilícita pro

societate ou em favor do Estado (será visto a seguir). É o que ratifica Gomes Filho:

No confronto entre uma proibição de prova, ainda que ditada pelo interesse de

proteção a um direito fundamental e o direito à prova da inocência parece claro que

deva este último prevalecer, não só porque a liberdade e a dignidade da pessoa humana

constituem valores insuperáveis, na ótica da sociedade democrática, mas também

porque ao próprio Estado não pode interessar a punição de um inocente, o que poderia

significar a impunidade do verdadeiro culpado; é nesse sentido, aliás, que a moderna

jurisprudência norte-americana tem afirmado que o direito à prova de defesa é

superior. (GOMES FILHO, 1997, p. 106).

Segundo Grinover, Fernandes e Gomes Filho (2001, p. 137), a admissibilidade da prova

ilícita pro reo, “trata-se de aplicação do princípio da proporcionalidade, na ótica do direito

de defesa, também constitucionalmente assegurado, e de forma prioritária no processo penal,

todo informado pelo princípio do favor rei”. Acrescentam, também, que se “a prova,

aparentemente ilícita, for colhida pelo próprio acusado, tem-se entendido que a ilicitude é

eliminada por causas legais, como a legítima defesa, que exclui a antijuridicidade”.

Moraes (2007) delineia alguns exemplos: a) a vítima, ameaçada e coagida, poderia

realizar uma gravação clandestina, sem o conhecimento do interlocutor, em legítima defesa de

sua liberdade pública (liberdade), utilizando-a no processo para comprovar a prática da

extorsão; b) o filho, vítima de maus-tratos e sevícias, poderia usar uma gravação clandestina

contra o pai, agressor, em legítima defesa de suas liberdades públicas (liberdade, integridade

física); c) a família do sequestrado poderia usar uma possível “carta confidencial”, remetida

pelos sequestradores do ente querido, para comprovar o sequestro judicialmente e contribuir

para a libertação do sequestrado, vítima da agressão aos seus direitos humanos fundamentais

(liberdade, integridade física, etc.).

Desse modo, percebe-se que a admissibilidade nesses casos é latente, devendo usar a

prova obtida por meios ilícitos para proteger outros bens jurídicos tutelados. Desse modo,

conclui Antonio Scarance Fernandes que “é ampla a aceitação de que ele [o princípio da

proporcionalidade] seja aplicado aos casos em que a prova da inocência do réu depende de

prova produzida de maneira ilícita”. Paulo Rangel (2009, p. 426) endossa este entendimento:

Assim, surge em doutrina a teoria da exclusão da ilicitude, onde a conduta do réu é

amparada pelo direito e, portanto, não pode ser chamada de ilícita. O réu,

interceptando uma ligação telefônica, sem ordem judicial, com o escopo de

demonstrar sua inocência, estaria agindo de acordo com o direito, em verdadeiro

estado de necessidade justificante. [...]. Dessa forma, é admissível a prova colhida

com (aparente) infringência às normas legais, desde que em favor do réu para provar

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sua inocência, pois absurda seria a condenação de um acusado que, tendo provas de

sua inocência, não poderia usá-las só porque (aparentemente) colhidas ao arrepio da

lei. (FERNANDES, 2005, p. 94).

O STF já se pronunciou a favor da licitude da gravação de conversa telefônica, realizada

por um dos interlocutores, sem a ciência do outro, em determinadas circunstâncias, como em

um caso em que se considerou lícita a gravação/divulgação de conversa telefônica sem o

conhecimento de terceiro/praticante do delito, desde que cometida em legítima defesa, in verbis:

Evidentemente, seria uma aberração considerar como violação do direito à

privacidade a gravação pela própria vítima, ou por ela autorizada, de atos criminosos,

como o diálogo com sequestradores, estelionatários e todo tipo de achacadores. No

caso, os impetrantes esquecem que a conduta do réu apresentou, antes de tudo, uma

intromissão ilícita na vida privada do ofendido, esta sim merecedora de tutela. Quem

se dispõe a enviar correspondência ou a telefonar para outrem, ameaçando-o ou

extorquindo-o, não pode pretender abrigar se em uma obrigação de reserva por parte

do destinatário, o que significaria o absurdo de qualificar como confidencial a missiva

ou a conversa. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 74.678-1/SP.

Relator: Ministro Moreira Alves. Órgão Julgador: Primeira Turma. Brasília.

Publicado em: DJU 15 ago. 1997. Disponível em: <http://tj-

ro.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/294792154/apelacao-criminal-apr-

20003272520008220000-ro-2000327-2520008220000/voto-294792182>. Acesso

em: 29 ago. 2016).

Oliveira expressa outros julgados do STF e do STJ que utilizaram igual tese, in verbis:

Por sua vez, a jurisprudência do Superior Tribunal de justiça tem acolhido com alguma

frequência a tese da proporcionalidade, sobretudo quanto à questão das gravações de

conversas por um dos interlocutores sem a autorização do outro (RSTJ n° 109/269;

RJDTACrim nº 39/550).

Percebe-se, porém, que, muitas vezes, a fundamentação dos julgados não encontra

apoio na hipótese concreta, porquanto o caso seria de gravação obtida durante situação

de flagrante delito, na qual nem sequer haverá ilicitude da prova (STF - HC nº 75.338-

8/RJ, DJU 25.9.1998). Em alguns outros casos (STF - HC n° 69.818/SP, DJU

27.11.1992), haveria, a nosso aviso, violação do direito ao silêncio, porque a gravação

teria obtido uma confissão extrajudicial, sem as exigências legais, parecendo-nos, por

isso, inadmissível no processo. (OLIVEIRA, 2011, p. 381).

Assim, a prova alcançada com a violação de direitos fundamentais deve ser aceita pelo

órgão julgador mediante aplicação do princípio da proporcionalidade, desde que destinada a

provar a inocência do acusado (adequação), que seja o único modo existente (necessidade) e

que se respeite a proporcionalidade do bem lesado com o bem a ser protegido

(proporcionalidade estrita) (ÁVILA, 2007).

Por fim, a prova da inocência do réu sempre deve ser aproveitada, em quaisquer

circunstâncias. Pois, em um Estado de Direito é intolerável imaginar a tese da condenação de

alguém que o próprio Ente Público sabe ser inocente.

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3.3 Prova ilícita pro societate

Se a admissão da prova ilícita pro reo é acolhida pacificamente nos dias atuais, tanto

pela doutrina como pela jurisprudência, bem mais problemática é a questão da

proporcionalidade em desfavor do réu. Fernandes é um dos doutrinadores que defende a

admissibilidade da prova ilícita pro societate:

A proporcionalidade verificada entre duas normas constitucionais de natureza

material: a proteção ao sigilo da correspondência, superada pela necessidade de ser

preservada a segurança do presídio e a vida do juiz de direito, aqui, a prova obtida não

será considerada ilícita e, por isso, não há afronta à regra de sua inadmissibilidade no

processo. Em suma, a norma constitucional que veda a utilização no processo de prova

obtida por meio ilícito deve ser analisada à luz do princípio da proporcionalidade,

devendo o juiz, em cada caso, sopesar se outra norma, também constitucional, de

ordem processual ou material, não supera em valor aquela que estaria sendo violada.

[...].

[...] não se trata, contudo, de ser o princípio invocado a favor ou contra o acusado,

mas de se verificar, em cada situação concreta, se a restrição imposta a algum direito

do acusado é necessária, adequada e justificável em face do valor que se protege.

(FERNANDES, 2005, p. 81-82).

Moreira (2007) prega a admissibilidade da prova ilícita por aplicação do princípio da

proporcionalidade à acusação (prova ilícita pro societate), com base no princípio da isonomia

e pela crescente criminalidade organizada.

Ainda, relata Moreira (2007) que se a defesa, diferente da acusação, fica isenta do veto

ao uso de provas ilegalmente obtidas, não seria essa disparidade de tratamento incompatível

com o princípio, de nível constitucional, da igualdade das partes? E o mesmo autor responde

que, é sempre mais cômoda a posição da acusação, já que os órgãos de repressão penal

dispõem de maiores e melhores recursos que o réu. E que em tal perspectiva, ao favorecer a

atuação da defesa no campo probatório, não obstante posta em xeque a igualdade formal, se

estará tratando de restituir entre as partes a igualdade substancial.

Segundo Adalberto José Queiróz Telles de Camargo Aranha (2008), o que é mais

importante: a) absolver ou não um inocente acusado de um crime grave quando a única prova

em seu favor é uma gravação obtida clandestinamente?; b) condenar ou não um grupo de

encarcerados que organiza uma quadrilha de sequestradores, quando a prova única é uma

gravação ambiental obtida ocultamente em uma cela de presídio?; c) e como falar-se na defesa

do princípio da moralidade do serviço público quando a prova existente for proveniente de uma

gravação clandestina feita pela vítima da “chantagem”?

Desse modo, são situações que precisam de soluções, pois apesar de serem hipótese

levantadas pelo doutrinador supratranscrito, são fatos que podem muito bem acontecer. Assim,

é preciso analisar o caso concreto para ponderar qual princípio jurídico deve prevalecer.

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Oliveira (2011) exemplifica o entendimento dele ao expor o julgamento do RE nº

251.445/GO, de 2000. Acontece que um terceiro invadiu o local de trabalho do acusado e

subtraiu várias fotografias que exibiam crianças nuas e/ou mantendo relações sexuais. Depois

exigiu dinheiro para devolver as imagens e diante da recusa do suspeito, o terceiro entregou as

fotos à Polícia. Em função disso, o STF confirmou a absolvição proferida em segunda instância,

com fundamento na inadmissibilidade da prova obtida ilicitamente, com violação ao domicílio

do réu.

Assim, o estudioso supramencionado critica que a violação dos direitos fundamentais

(à segurança, à proteção da incapacidade, à intimidade, etc.) de diversos menores de idade não

mereceu a aplicação do princípio da proporcionalidade, preferindo-se proteger o domicílio do

acusado (XI, do artigo 5º, da CRFB/1988) (OLIVEIRA, 2011).

Outro caso concreto que demonstra a aplicação do princípio da proporcionalidade pelo

STF. Trata-se de julgamento envolvendo a extradição de uma artista mexicana, que alegou ter

sido vítima de estupro no interior das dependências da Polícia Federal. Neste caso, a Corte

Suprema deferiu a produção de exame de DNA na placenta da gestante, sem a autorização desta,

com base em ponderação entre valores constitucionais contrapostos, admitindo a aplicação da

proporcionalidade na produção da prova (OLIVEIRA, 2009).

Oliveira (2011) salienta que não existe autorização legal para o exame de DNA sem a

anuência do titular do material recolhido e não existe lei que possibilite prévia autorização

judicial para a criação de meios de prova não estabelecidos na legislação pertinente.

Inegavelmente, que o STF utilizou o critério de proporcionalidade para a aceitação de prova

não prevista em lei. Nesse sentido, eis Acórdão do STF, que sopesou os bens jurídicos em

colisão, acolhendo a orientação de que é possível limitar um direito fundamental em prol da

sociedade:

HABEAS CORPUS - ESTRUTURA FORMAL DA SENTENÇA E DO ACÓRDÃO

- OBSERVANCIA - ALEGAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO CRIMINOSA DE

CARTA MISSIVA REMETIDA POR SENTENCIADO - UTILIZAÇÃO DE

COPIAS XEROGRAFICAS NÃO AUTENTICADAS - PRETENDIDA ANALISE

DA PROVA - PEDIDO INDEFERIDO. [...]. - A administração penitenciaria, com

fundamento em razoes de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação

da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma

inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84, proceder a interceptação da

correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da

inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de

práticas ilícitas. - O reexame da prova produzida no processo penal condenatório não

tem lugar na ação sumaríssima de habeas corpus. (BRASIL. Supremo Tribunal

Federal. Habeas Corpus nº 70.814-5/SP. Relator: Ministro Celso de Mello. Órgão

Julgador: Primeira Turma. Brasília. Julgado em: 01 mar. 1994. Publicado em: DJU 24

jun. 1994. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/748560/habeas-

corpus-hc-70814-sp>. Acesso em: 29 ago. 2016).

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A jurisprudência do STJ também já acolheu a tese da proporcionalidade, em relação à

questão das gravações de conversas por um dos interlocutores sem a autorização do outro,

valendo-se da teoria da proporcionalidade pro societate:

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. “HABEAS CORPUS”. ESCUTA

TELEFÔNICA COM ORDEM JUDICIAL. Réu condenado por formação de

quadrilha armada, que se acha cumprindo pena em penitenciaria, não tem como

invocar direitos fundamentais próprios do homem livre para trancar ação penal

(corrupção ativa) ou destruir gravação feita pela polícia. O inciso LVI do art. 5, da

constituição, que fala que “são inadmissíveis as provas obtidas por meio ilícito”, não

tem conotação absoluta. Há sempre um substrato ético a orientar o exegeta na busca

de valores maiores na construção da sociedade. A própria constituição federal

brasileira, que é dirigente e programática, oferece ao juiz, através da “atualização

constitucional” (verfassungsaktualisierung), base para o entendimento de que a

clausula constitucional invocada e relativa. A jurisprudência norte-americana,

mencionada em precedente do supremo tribunal federal, não é tranquila. Sempre e

invocável o princípio da “razoabilidade” (reasonableness). O “princípio da exclusão

das provas ilicitamente obtidas” (exclusionary rule) também lá pede temperamentos.

Ordem denegada. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 3.982/RJ

– processo nº 1995/0053161-5. Relator: Ministro Adhemar Maciel. Órgão Julgador:

Sexta Turma. Brasília. Julgado em: 05 dez. 1995. Publicado em: DJU 26 fev. 1996.

Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/548539/habeas-corpus-hc-

3982>. Acesso em: 29 ago. 2016).

PENAL. PROCESSUAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFÔNICA POR UM

DOS INTERLOCUTORES. PROVA LÍCITA. PRINCÍPIO DA

PROPORCIONALIDADE. "HABEAS CORPUS". RECURSO. 1. A gravação de

conversa por um dos interlocutores não é interceptação telefônica, sendo lícita como

prova no processo penal. 2. Pelo Princípio da Proporcionalidade, as normas

constitucionais se articulam num sistema, cujo harmonia impõe que, em certa medida,

tolere-se o detrimento a alguns direitos por ela conferidos, no caso, o direito à

intimidade. 3. Precedentes do STF. 4. Recurso conhecido mas não provido (BRASIL.

Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 7.216/SP –

Processo nº 1998/0004035-8. Relator: Ministro Edson Vidigal. Órgão Julgador:

Quinta Turma. Brasília. Julgado em: 28 abr. 1998. Publicado em: DJ 25 maio 1998.

Disponível em: < http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/489220/recurso-ordinario-

em-habeas-corpus-rhc-7216-sp-1998-0004035-8>. Acesso em: 29 ago. 2016).

Nota-se que o entendimento supramencionado continua reverberando, pois em decisão

recente, o Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região utilizou a mesma tese, in verbis:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL.

CONCUSSÃO E CORRUPÇÃO PASSIVA. TRANCAMENTO.

INCAMBIMENTO. GRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFÔNICA POR UM DOS

INTERLOCUTORES SEM O CONSENTIMENTO DO OUTRO. PROVA LÍCITA.

QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. CABIMENTO. 1. A gravação de conversa

telefônica efetuada por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, é prova

lícita e pode servir de elemento probatório para a persecução criminal. 2. Não é ilegal

a quebra de sigilo bancário de investigados quando, além de devidamente

fundamentada, resta considerada a preponderância do interesse público sob o privado

e a existência de graves indícios de corrupção de funcionário público por outro.

(BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Habeas Corpus nº 29.967/PR –

Processo nº 2009.04.00.029967-7. Relator: Ministro Tadaaqui Hirose. Órgão

Julgador: Sétima Turma. Julgado em: 06 out. 2009. Publicado em: DJE 14 out. 2009.

Disponível em: < http://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6923534/habeas-corpus-

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Ainda, registre-se o posicionamento favorável de Capez sobre a questão em tela, ipsis

litteris:

Entendemos que o princípio da proporcionalidade deve também ser admitido pro

societate, pois o confronto que se estabelece não entre o direito ao sigilo, de um lado,

e o direito da acusação à prova, do outro. Trata-se de algo mais profundo. Quando o

conflito se estabelecer entre a garantia, o sigilo e a necessidade de se tutelar a vida, o

patrimônio e a segurança, bens também protegidos por nossa Constituição, o juiz,

utilizando-se do seu alto poder de discricionalidade, deve sopesar e avaliar os valores

contrastantes envolvidos. Suponhamos uma carta apreendida ilicitamente, a qual seria

dirigida ao chefe de uma poderosa rede de narcotráfico internacional, com extensas

ramificações com o crime organizado. Seria mais importante proteger o direito do

preso ao sigilo de sua correspondência epistolar, do qual se serve para planejar crimes,

do que desbaratar uma poderosa rede de distribuição de drogas, a qual ceifa milhões

de vidas de crianças e jovens? Certamente não. (CAPEZ, 2012, p. 370).

Após toda a exposição feita neste trabalho sobre a prova judiciária obtida ilicitamente e

da ponderação feita pela doutrina e jurisprudência com o uso do princípio da proporcionalidade,

a seguir serão apresentadas as ponderações derradeiras do tema em comento.

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CONCLUSÃO

Assim, no desenvolvimento deste trabalho, verificou-se a relevância dos direitos e

garantias fundamentais asseverados pela Lei Maior, fruto de um extenso processo de conquistas

ao longo dos séculos. Nestas conquistas, acha-se o direito à prova, proveniente de diversos

princípios jurídicos, como do contraditório, da ampla-defesa e inclusive do direito de ação.

Nesse sentido, é nítido o valor da prova na atividade jurisdicional desempenhada pelo

Estado, sendo um instrumento fundamental do processo, sobretudo no penal, em que há o

conflito permanente entre o direito à liberdade da pessoa humana e o direito estatal de punir.

Desse modo, há amplitude legal na produção probatória, pela imperiosidade que existe

de reconstruir um fato pretérito aos olhos do julgador. E isso é necessário para que o Poder

Judiciário busque a verdade real dos fatos.

Contudo, apesar de haver liberdade probatória, existe também conflitos entre as

garantias constitucionalmente, pois em muitas situações o exercício de um direito fundamental

gera a ofensa de outro. Por esse motivo, a doutrina entende pela inexistência de

direitos/garantias revestidos de caráter absoluto.

Porém, a Constituição de 1988 restringiu o direito à prova, prevendo a inadmissibilidade

de provas ilícitas no processo, sem qualquer exceção. Que na prática objetivou proteger o

indivíduo de toda violação aos seus direitos e garantias, que tenha como justificativa a produção

probatória.

Já que, é preciso rememorar que houve um período em que ocorreram graves violações

aos direitos fundamentais do indivíduo, restando ao Estado o dever de impedir a obtenção de

provas mediante tortura, como também toda modalidade de violação a intimidade.

Todavia, destaca-se que no dia-a-dia forense existem casos em que a prova ilícita é

inserida no processo penal, com o desígnio de provar a autoria, materialidade e até mesmo

circunstâncias do crime.

Nessa esteira, surgiram posicionamentos doutrinários acerca dessa questão, tanto no

sentido para a admissão, com a justificativa da necessidade de buscar a verdade real no processo

penal, pois, salientam que ilícito foi apenas o modo de obtenção, sendo a prova em si revestida

de veracidade.

Como também pela inadmissão, que defende a vedação absoluta da prova ilícita, não

cabendo o emprego dela em nenhuma hipótese, devendo ser imediatamente desentranhada dos

autos. Porém, há ainda outra corrente, denominada como intermediária, que admite a prova

ilícita por meio de um minucioso estudo de cada caso.

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Dessa forma, pela insuficiência da interpretação constitucional para a resolução de

determinados conflitos, o direito pátrio começou a fazer uso do princípio da proporcionalidade,

que se propõe a solucionar os conflitos entre direitos fundamentais garantidos pelo ordenamento

jurídico brasileiro e que careçam da devida ponderação para identificar os direitos que se

sobressaem em valor diante da oposição.

Assim sendo, o princípio supratranscrito é aplicado através do estudo do caso em

concreto. Nessa vertente, com o fito de analisar a aplicabilidade desse instituto jurídico, foi

preciso assinalar a prova ilícita pro reo, ou seja, aquela que se beneficia o réu, e a prova ilícita

pro societate, que prejudica o acusado.

Notou-se a posição majoritária da doutrina e jurisprudência em admitir, por meio do

princípio da proporcionalidade, a prova obtida mediante meios ilícitos em favor do réu, tendo

em vista a hipossuficiência deste diante do aparato do Estado com relação a produção

probatória.

Destarte, parcela doutrinária entende que nessa situação ocorreria um caso de

excludente de antijuricidade, como é a legítima defesa, já que não poderia exigir outra atitude

do indivíduo que possua a sua liberdade cerceada, especialmente, se for acusado injustamente.

Nessa esteira, através desse pensamento dos bens jurídicos tutelados, o réu poderá usar

a prova ilícita com escopo de comprovar a inocência dele, pautada na maior importância do

direito de liberdade em face dos outros direitos garantidos à pessoa humana.

Enquanto isso, a doutrina minoritária também defende a admissão da prova ilícita pro

societate, que teria a função de possibilitar uma resposta à alta criminalidade, debelando os

crimes praticados em face de todos os indivíduos, tendo como finalidade a responsabilização

do acusado.

Conclui-se que, embora haja a defesa de alguns doutrinadores em favor da admissão da

prova ilícita pro societate, esta contraria claramente a atual ordem constitucional. Porém, apesar

disso, a jurisprudência tem aceito de maneira isolada esse entendimento.

Já em relação a prova ilícita pro reo, é nítida a consolidação de sua aplicação na

jurisprudência brasileira, por beneficiar o réu, pois não é concebível que alguém seja condenado

por existir apenas prova ilícita que comprova a inocência dele.

Desse modo, o princípio da proporcionalidade é usado para relativizar o inciso LVI, do

artigo 5º, da CRFB/1988, que expressa ser inadmissível no processo provas obtidas por meios

ilícitos. A ponderação dessa determinação constitucional é pautada na tese de que não há no

ordenamento jurídico brasileiro direito ou garantia fundamental com natureza absoluta.

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Nesse sentido, é proveitoso usar a prova ilícita para beneficiar o réu inocente, entretanto,

utilizar a mesma prova para prejudica-lo é bem temeroso, mas é um entendimento que está

começando a ser usado e isso precisa ser acompanhado com minúcia pelos profissionais do

direito.

Por último, salienta-se que o presente trabalho não intentou pacificar ou esgotar

entendimentos, mas sim, suscitar a discussão, fomentando as divergências sobre o tema em

questão aqui apresentado.

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