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AMAZÔNIA COMO POLO DE DESENVOLVIMENTO PERIFÉRICO NO SÉCULO XXI: INOVAÇÃO, TRANSFORMAÇÃO E CONFLITO
TERRITORIAL
ANTÔNIO JÚLIO DOS SANTOS 1
RESUMO: Estudar e analisar os processos de transformações sócio-espaciais em
que a Amazônia Ocidental hoje se reconfigura como potencial polo alternativo de
desenvolvimento regional, tendo como epicentro o município de Manaus e região.
Cujo principal articulador histórico nesse propósito, na implementação e gestão de
políticas públicas para o seu desenvolvimento, a Superintendência da Zona Franca
de Manaus – SUFRAMA. Tendo como ponto de partida, as experiências com
distritos industriais, a exemplo do Distrito Industrial de Manaus (DIM), que gera a
perspectiva do “desenvolvimento local” e a instalação do Polo Naval. Em contraste,
às contradições diante dos conflitos sociais e territorial envolvendo populações
tradicionais e os multinteresses desenvolvimentistas da/na região.
Palavras-chave: Amazônia Ocidental; Desenvolvimento; Conflito territorial
Abstract: To study and analyze the processes of socio-spatial transformations in
which the Western Amazon is now reconfiguring itself as a potential alternative pole
of regional development, with the epicenter of the municipality of Manaus and region.
Whose main historical articulator in this purpose, in the implementation and
management of public policies for its development, the Superintendence of the
Manaus Free Zone - SUFRAMA. Starting from experiences with industrial districts,
such as the Industrial District of Manaus (DIM), which generates the perspective of
"local development" and the installation of the Naval Pole. In contrast to the
contradictions, in the face of social and territorial conflicts, involving traditional
populations and the developmental multi-interests of the region.
1 - Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail de contato: [email protected]
ISSN: 2175-8875 www.enanpege.ggf.br/2017
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Key-words: Western Amazonia; Development; Territorial conflict
1 – Introdução
O referido artigo visa a estudar e analisar os processos de transformações
sócio-espaciais em que a Amazônia Ocidental, mais especificamente o Estado do
Amazonas, hoje se reconfigura como potencial polo alternativo de desenvolvimento
territorial e regional, tendo como epicentro o município de Manaus e região. Cujo
principal articulador histórico nesse propósito, na implementação e gestão de
políticas públicas para o seu desenvolvimento, a Superintendência da Zona Franca
de Manaus – SUFRAMA, se faz presente. Cabendo a referida autarquia federal a
atribuição em estudar, planejar e viabilizar, participando ativamente com outros
atores, públicos e privados, na organização de aglomerados produtivos endógenos,
com foco em um conjunto específico de atividades econômicas e que apresentam
vínculos e interdependência, a partir de uma base social, cultural, política e
econômica comum. Condições estas, se fazem necessárias para a formação dos
arranjos produtivos locais (APLs). Tendo como ponto de partida as experiências
com distritos industriais, a exemplo do Distrito Industrial de Manaus (DIM), que gera
a perspectiva do “desenvolvimento local”, e o estabelecimento do Polo Naval de
Manaus. Como também, suas contradições diante dos conflitos sociais e territorial,
envolvendo populações tradicionais e os multinteresses desenvolvimentistas da/na
região.
Para esse propósito faz-se a necessária abordagem da concepção de
“desenvolvimento territorial”, tendo a mesma se tornado recentemente um dos
métodos de se considerar as formas de atuação do Estado e de atores locais na
promoção de políticas de desenvolvimento e de combate à pobreza no país.
A discussão acerca da formação de territórios como lócus para a articulação
de atores locais no intuito de promover estratégias de desenvolvimento articuladas a
políticas públicas definidas pelos Estados nacionais não é recente. Nesse contexto,
foi-se gerando um tipo de institucionalidade que estabeleceu relações entre os
atores locais; entre eles e os representantes dos territórios; e entre estes últimos e
os Estados nacionais. Podendo considerar que, no âmbito desse debate de
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desenvolvimento, essencialmente econômico, se colocam dois caminhos de
interpretação. De um lado, aquele ligado a modelos econômicos “ortodoxos”, que
defendem a não intervenção do Estado e o liberalismo como forma de se alcançar a
alocação otimizada dos recursos e, de outro lado, aqueles ligados a modelos
“heterodoxos”, que levantam a necessidade de intervenção do Estado, uma vez que
uma das características da economia capitalista é a de ser intrinsecamente
desequilibrada e instável, sendo que o “livre mercado” não resolve necessariamente
os problemas de “arranjos econômicos” em toda a sua amplitude. Observe-se que o
conceito regional faz parte desse segundo caminho e surge como uma interpretação
da natureza desigual do desenvolvimento econômico e das causas do atraso de
algumas regiões do mundo, como também no âmbito dos Estados nacionais em
geral.
2 – Desenvolvimento
O tema ora estudado, incialmente, nos reporta a promulgação da Constituição
Federal de 1946, quando um programa de desenvolvimento é estabelecido para a
região Amazônica, onde o mesmo passou a ter um conceito oficial e uma
delimitação, com base em critérios geográficos e econômicos, compreendendo 55%
do território nacional. E para melhor administra-la, o Governo Brasileiro cria a
“Amazônia Legal”, instituída pela Lei n.º 1.806, de 06 de janeiro de 1953, e
sancionada pelo então Presidente da República Getúlio Vargas, criando a
Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA),
autarquia federal, tendo sua sede localizada na cidade de Belém (PA) (Amazônia
Oriental), subordinada diretamente à Presidência da República. Estabelecendo em
seu art. 2º (Lei nº 1.806), a fixação dos limites da área de incidência da ação
governamental, conforme o seu texto determina2. Cabendo observar que sua
idealização é fruto de um conceito político e não de um imperativo geográfico, tendo
2 “A Amazônia Brasileira, para efeito de planejamento econômico e execução do Plano definido nesta Lei, abrange a região compreendida pelos Estados do Pará e Amazonas, pelos territórios federais do Acre, Amapá, Guaporé (Rondônia), Rio Branco (Roraima), e ainda, a parte do Estado do Mato Grosso, ao Norte do paralelo 16º S, a do Estado de Goiás, ao Norte do paralelo 13º S, e a do Estado do Maranhão, a Oeste do meridiano de 44º W.” Institui-se assim a Amazônia Legal – com base em critérios políticos, econômicos e geográficos que demandam longos estudos e debates -, abrangendo uma área de 5.057.490 Km2, que corresponde a 59,387% do território brasileiro e extrapola os limites da Amazônia Clássica, restritos ao maciço florestal e à rede hidrográfica característicos da região.
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em vista a necessidade do governo em planejar e promover o desenvolvimento da
região e integra-la ao restante do país. No entanto, com poucos efeitos para a parte
ocidental da Amazônia.
Com a política de unificação dos mercados nacionais, implementados por
intermédio do Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitscheck, através de
energia e transporte, e da transferência da capital federal para Brasília, trouxeram
grandes mudanças para a região. Sendo as rodovias Belém–Brasília e Brasília–
Acre, verdadeiras pinças em torno da floresta amazônica, intensificando a expansão
pioneira que já se processava, atraindo migrantes de vários pontos do país bem
como especuladores de terras.
Implicando em um reordenamento geopolítico, tornando a ocupação da
Amazônia uma prioridade nacional, entre 1964 e 1985, quando da tomada do poder
pelos militares, deu-se uma nova dimensão para o planejamento regional e a
integração efetiva da região ao restante do país.
A preocupação com a ocupação da Amazônia foi expressa em planos
regionais de âmbito nacional, tais como o Programa de Integração Nacional (PIN) e,
posteriormente, o Programa de Polos de Desenvolvimento. Com base nestes
planos, redefine-se o papel da região, no sentido de integrá-la ao esforço de
crescimento nacional, rompendo-se em parte com a visão da Amazônia como região
extrativista, propondo-a, inicialmente, como alternativa de fronteira agrícola.
Dessa forma, as perspectivas econômicas da sub-região da Amazônia
Ocidental nessa mesma época, como de resto de toda a Amazônia, eram pouco
promissoras. Percebendo a precariedade econômica da região, o Governo Federal
passa a tomar uma série de decisões, sendo a primeira delas a “Operação
Amazônia”. Constituindo um “conjunto de leis, medidas e providências, visando a
desenvolver a Amazônia, ocupá-la, povoá-la e fortalece-la economicamente”
(PANDOLFO, p. 35).
Estabelecida em meados dos anos de 1960, a “Operação Amazônia”, em sua
primeira fase, parece ter causado limitado impacto sobre a Amazônia Ocidental e
poucas repercussões econômicas sobre Manaus. Tal argumento pode ser
fortalecido com base nos benefícios gerados por esse programa. A abertura de
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ramais na Belém-Brasília, assim como a transformação da SPVEA
(Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia) em SUDAM
(Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia), e a implantação dos
incentivos fiscais, vão sobremaneira concentrar-se na Amazônia Oriental. O afluxo
de recursos e benefícios para esta área incrementa o desequilíbrio regional entre as
“duas Amazônias”. Nesse contexto, o poder central busca alternativas para
incentivar o desenvolvimento da Amazônia Ocidental, procurando diminuir o
desequilíbrio regional.
Em decorrência disso, ainda no mesmo período, o Governo brasileiro, a
exemplo da posição já definida pelo Governo do Peru, que instituía a “lei da selva
peruana”, concedendo favores fiscais consistentes para ocupar produtivamente a
sua porção amazônica, opta por fazer completa reestruturação na política brasileira
de incentivos então vigente para a Amazônia brasileira, promovendo um conjunto de
mudanças consubstanciadas na “Operação Amazônia”, aqui já dimensionadas. Em
que o Banco de Crédito da Amazônia S.A, ao ceder lugar ao Banco da Amazônia
S.A (Basa), este último concebido com perfil de banco de desenvolvimento, com a
dinamização da Zona Franca de Manaus, um enclave industrial em meio à economia
extrativista e próximo à fronteira Norte, ao ser reformulada pelo Decreto-Lei nº 288,
de 28 de fevereiro de 1967, alterando a Lei nº 3.173, de 06 de junho de 1957
(origem da criação da Zona Franca de Manaus, durante a gestão do então
Presidente da República Juscelino Kubtschek), dando-lhe uma nova dimensão,
convertendo-a em área de exceção fiscal, abrindo um novo capítulo na história
econômica da parte ocidental da Amazônia brasileira.
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Delimitação territorial da Zona Franca de Manaus (Manaus e região) (10.000Km2)Fonte: http://www.blogdosarafa.com.br/wp content/uploads/2015/03/LIMITES- 2.png. Acesso em 09 JAN 17.
Atualmente ao analisar os potenciais segmentos que estão se desenvolvendo
na microrregião do Médio Amazonas, nos faz mister compreender o foco e os
reflexos das políticas públicas do Governo Federal implementadas no período de
2003 a 2014, em relação ao desenvolvimento econômico de modo estrutural e
conjuntural, visualizando aspectos relevantes como metas e programas, e sua
inserção num novo plano de integração nacional e desenvolvimento regional.
Nesse contexto, a instalação de um Polo Naval em Manaus se constitui na
necessidade premente em organizar os meios de produção do setor, devendo ser
estrategicamente articulada, de forma a contribuir com a construção de toda a
história naval brasileira, desde os seus primórdios. Mesmo que para o setor, nos
dias de hoje, não seja favorável, diante de uma política econômica recessiva
preconizada por um conjunto de medidas inibidoras implementadas pelo atual
“governo” central.
Ao comparar à conjuntura política e econômica brasileira recente, houve uma
série de ações de políticas públicas na direção de políticas territoriais. Algumas
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delas se dirigiram a apoios para a consolidação e o desenvolvimento de arranjos
produtivos locais, partindo da perspectiva apontada pelos estudos empíricos e
teóricos envolvendo o debate de distritos industriais, clusters, a exemplo de
experiências mencionadas. Para além dessas políticas, as ações no Brasil tomaram
um escopo mais amplo e as políticas territoriais passaram a incorporar a perspectiva
de combater a pobreza em espaços deprimidos do país, implementadas durante os
governos Lula e Dilma.
Diante desse debate, o programa de APL’s no médio Amazonas, seguindo as
proposições do Ministério de Desenvolvimento, da Indústria e Comércio Exterior
(MDIC), foi apresentado durante a Oficina de Orientação a instalação de Núcleos
Estaduais de Apoio aos Arranjos Produtivos Locais – Região Norte, em Fevereiro de
2007, envolvendo a colaboração mútua entre instituições do poder público e atores
do setor privado, tendo como propósito comum, desenvolver estratégias e ações que
possibilitassem a consolidação e o fortalecimento de potenciais segmentos
econômicos, por meio da cooperação entre os atores locais, identificados a partir de
seu envolvimento no setor correspondente, em especial a pesquisa técnico-científica
para a melhoria dos processos produtivos.
A partir da inclusão do APL da Construção Naval, podemos caracterizar a
indústria naval no Estado do Amazonas como a maior indústria autônoma do setor
no planeta. Só no Amazonas são mais de 300 (trezentos) estaleiros – sendo em sua
maioria de pequeno porte - espalhados por todos os municípios daquele Estado
Federativo (SINDINAVAL, 2014).
Segundo dados levantados pelo Sindicato de Reparo e Construção Naval do
Amazonas (SINDINAVAL), a frota da região gira em torno de 5.000 (cinco mil)
embarcações. Sendo que cerca de 90% são feitos de madeira, seguindo as mesmas
características gerais. Ainda conforme aquele Sindicato, 95 % do abastecimento dos
municípios amazonenses, como também de grande parte da Amazônia Ocidental,
incluindo toda sorte de produtos, são feitas por via fluvial. O mesmo valendo para o
transporte de passageiros entre os municípios e Estados Federativos da Região
Norte. E de acordo com os dados fornecidos pela entidade representativa do setor
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na região, os estaleiros de reparos ocupam 20% da orla fluvial de Manaus, sendo
um dos maiores polos de conserto do Estado.
As embarcações de madeira não são produzidas em estaleiros, mas por
artesãos que, historicamente, fizeram e continuam fazendo as embarcações de
madeira, mantendo a tradição e a cultura herdadas de seus antepassados indígenas
com as técnicas adquiridas quando da chegada do colonizador europeu por aquelas
águas.
Contudo, tal tecnologia estaria se perdendo pela substituição de matéria-
prima. Os poucos construtores que poderiam ser caracterizados como estaleiros
migraram para outros materiais, como o aço. A tendência de substituição de insumo
é, possivelmente, irreversível, dada a questão crítica das exigências em segurança
e, principalmente, a ambiental, da classificação visando a validação dos projetos,
segundo as atuais normas impostas pelo mercado e do financiamento quando se
trata de embarcações de madeira.
Com relação a situação atual em que se encontra a APL da Construção Naval
no Amazonas, prevalecem 03 (três) vertentes no setor, com a seguinte configuração:
a) Fabricação doméstica – os ribeirinhos constroem suas próprias embarcações
em madeira, encontrados em todas localidades da região. As embarcações atendem
as suas necessidades básicas, atingindo pequenas distâncias; b) Estaleiros de Reparos e de Construção de Pequenas Embarcações – considerado a maior
indústria naval autônoma do mundo, onde a maioria se utiliza da madeira. Sendo a
maioria informais, tendo capacidade produtiva para atender ao transporte de
passageiros e cargas da região. Trazem conhecimento de seus ancestrais, mas já
introduziram novas tecnologias como o “casco duplo”, etc; e c) Estaleiros de Construção de Pequenas, Médias e Grandes Embarcações – capazes de
atender tanto o mercado regional, nacional e internacional; são minoria, mas
formais. Possuem tradição, tendo em vista o mais antigo estaleiro em atividade em
Manaus, o Estaleiro São João; pois atendem as exigências das Sociedades
Classificadoras.
E quanto ao seu mercado, pode ser descrito da seguinte forma: a) Mercado Local – na região amazônica, principais clientes são os armadores de embarcações
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de passageiros, de pequenas cargas e as mistas; os governos do Estado e dos
Municípios; b) Mercado Nacional – principais clientes são os operadores que
transportam cargas ao/do Polo Industrial de Manaus. Além de organizações não-
governamentais, as Forças Armadas, etc; e c) Mercado Internacional – clientes
particulares de padrão socioeconômico elevado com interesse em iates e lanchas
em madeira e alumínio, ONG’s, empresas multinacionais, etc.
De maneira que, a implantação de um Polo Naval seria de grande importância
para o Distrito Industrial de Manaus (DIM), em face do seu alto potencial em geração
de renda e de empregos, por ser uma atividade industrial pouco agressiva em
termos ambientais, segundo especialistas no assunto, sem falar na oportunidade
mercadológica com a construção de novos estaleiros para atender parte significativa
das demandas de construção, manutenção e reparo de navios e plataformas de
petróleo.
E para sua concretização, fez-se as necessárias discussões e debates entre
os agentes envolvidos sobre a mais conveniente localização para a instalação e
desenvolvimento do empreendimento. Para tanto, fora escolhido e designado a
região entre os lagos do “Puraquequara” e do “Jatuarana” (ver imagem de satélite),
na margem esquerda do rio Amazonas, dentro dos limites do município de Manaus,
distante aproximadamente 25 Km da área de tombamento do “Encontro das Águas”
(junção dos rios Negro e Solimões, origem do grande rio Amazonas). E
principalmente, por estar abrangida no interior dos limites territorial da Zona Franca
de Manaus, proporcionando-lhe disfrutar dos benefícios fiscais e incentivos
creditícios para a sua implantação.
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Local previsto para a construção do Polo Naval em Manaus. Fonte: Google Earth, com a adaptação feita pelo COGEC/SUFRAMA/2010
Em contrapartida, a intenção de implantar o Polo Naval na localidade
pretendida não foi considerada, em estudos técnicos, os possíveis impactos
ambientais e sociais, ao ser instalado no lugar intencionado. Uma vez que, não
houve a devida consulta prévia, livre e informada às 05 (cinco) comunidades
ribeirinhas que seriam afetadas pelo empreendimento, conforme previsto na
Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), como
destacado na ação pública impetrado pelo Ministério Público Federal no Amazonas,
autor da ação. A qual enfatiza a ausência de consulta prévia, livre e de
consentimento claro das comunidades tradicionais envolvidas no processo de
desapropriação, tornando a implantação ilegal e ilegítima.
Conforme Almeida (2008) , na construção da identidade por meio de embates,
como decorrência dos conflitos na luta pela terra, a territorialização e a
tradicionalidade foram além do aspecto histórico, sendo fruto da combinação de
vários fatores, que envolveram a capacidade de mobilização em torno de uma
política de identidade e os espaços de enfrentamento para reivindicar direitos junto
ao Estado, sendo que a definição de uma fisionomia étnica e autodefinição coletiva
acompanharam as formas de organização desses ribeirinhos na luta por direitos.
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Assim representando um aceno a essas comunidades e a possibilidade de não
assentir com visões unilaterais de mundo nem com a hierarquia quanto aos modos
de vida, contribuindo para a luta, ao firmar-se em sua identidade como componente
da estrutura social na qual está inserida.
3 – ConclusãoAo concluir, no que concerne à necessidade da instalação do Polo Naval na
localidade pretendida, e seus impactos sobre os Planos Diretores de Manaus e da
Região Metropolitana, pretende-se como estratégia a potencialização de Manaus e
região como centro articulador da dinâmica econômica da Amazônia Ocidental.
Estratégia no sentido de apoiar às políticas públicas dando suporte as atividades da
construção naval, de modo a favorecer a criação de um setor dinâmico e de apoio a
outras atividades econômicas, priorizando a melhoria da infraestrutura e de toda
uma cadeia produtiva. Em face disso, julga-se condição preponderante a
configuração, estruturação e implantação do Polo em tela, pleiteado pelos agentes
diretamente interessados – SINDINAVAL -, como também é compreendido pela
Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA) e o governo do Estado,
como indispensável ao fomento do segmento e na contribuição no desenvolvimento
e produção de conhecimentos sobre a região, nas atividades que favoreçam a
complementaridade entre diversos setores da economia e amplie a oferta de
trabalho e geração de renda.
Mas, por sua vez, a criação desse empreendimento descontextualizado da
realidade social em que vivem a séculos as populações tradicionais não ouvidas,
esta propiciando de forma conflituosa um laboratório para as ciências humanas, na
medida em que se produz um cenário de lutas sociais por uma “justiça cartográfica”
na Amazônia. Pois o surgimento de cartografias com denominações como “nova
cartografia social”, “cartografias participativas”, distinguem-se pela representação de
aspectos da realidade pouco valorizados nas representações espaciais cartográficas
hegemônicas - aspectos transformados em “não existências”, como afirma
Boaventura de Sousa Santos. No caso, equivale a dizer que, para a cartografia
imposta pelo Estado para o Polo Naval, é como se as populações tradicionais
afetadas simplesmente não existissem.
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De uma forma ou de outra, não pode a justiça baseada na ética, nos
princípios morais e legais, ficar inerte e dar o beneplácito para esse quadro incerto e
sombrio, onde o principal prejuízo está relacionado ao desaparecimento da
identidade social da Amazônia, da cultura de suas populações tradicionais, da
harmonia desses povos com a floresta e os ciclos da natureza.
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