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A ANÁLISE HISTÓRICA ATRAVÉS DA CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS EM SALA DE AULA Felipe Tavares de Araújo 1 Samuel Jordã da Costa Carvalho 2 O aluno quando sai da escola, seja do ensino fundamental seja do ensino médio, tendo ele uma boa educação, como esta é concebida em nossa sociedade - por exemplo, quando o estudante sai preparado para fazer o exame de vestibular - ele tem a idéia de que sabe toda a história do mundo. Entretanto, quando entra em contato com a realidade da universidade e, por exemplo, com a realidade de um curso superior de história, como é o nosso caso, descobre que a sua idéia é incoerente com o(s) modelo(s) de história pensado(s) na academia. Verifica-se uma descontinuidade abrupta entre esses níveis de ensino: o básico e o superior. Parte disso se deve às ênfases dadas em cada uma dessas realidades, pois enquanto o primeiro ainda valoriza demasiadamente a memorização de conteúdos, o outro preza pela reflexão. Verificamos isso através de nossas memórias enquanto estudantes e da nossa atuação no ensino superior – na condição de graduandos do curso de história Foi essa inquietação que nos levou à confecção de um projeto de pesquisa de História que revisse esse distanciamento e que, sendo colocado em prática, produzisse elementos que fomentassem novas reflexões sobre os pontos frágeis de tal projeto. Assim, o presente ensaio foi produzido a partir da aplicação de um projeto elaborado ainda na disciplina de Estágio Supervisionado de Formação de Professores I. O projeto elaborado intitulava-se “UMA RELEITURA DA HISTÓRIA EM SALA DE AULA: Aprendizagem significativa por meio dos conceitos históricos”. Ele visava uma aproximação entre o pensar a história da sala de aula e o da universidade. Pretendíamos fazer isso através da inserção do pensamento reflexivo no ensino básico, construindo e aplicando conceitos em sala de aula, pois acreditamos que através deles é possível construir uma história crítica que se apropria dos fatos e conteúdos para interpretá-los, ao invés de apenas memorizá-los. O objetivo, assim, era elevar o nível de criticidade e o poder de análise dos alunos para que pudessem refletir historicamente sobre suas realidades. Assim, as atividades relativas ao projeto foram realizadas no 8° ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Jorge Fernandes e este ensaio visa justamente discutir os resultados colhidos pelos professores. Será feita aqui uma descrição e crítica do que foi posto em prática e dos resultados obtidos. Houve fracassos e êxitos. Tudo contribuiu 1 Licenciando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2 Licenciando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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A ANÁLISE HISTÓRICA ATRAVÉS DA CONSTRUÇÃO DE CONCEI TOS EM SALA DE AULA

Felipe Tavares de Araújo1

Samuel Jordã da Costa Carvalho2

O aluno quando sai da escola, seja do ensino fundamental seja do ensino médio, tendo

ele uma boa educação, como esta é concebida em nossa sociedade - por exemplo, quando o

estudante sai preparado para fazer o exame de vestibular - ele tem a idéia de que sabe toda a

história do mundo. Entretanto, quando entra em contato com a realidade da universidade e,

por exemplo, com a realidade de um curso superior de história, como é o nosso caso, descobre

que a sua idéia é incoerente com o(s) modelo(s) de história pensado(s) na academia.

Verifica-se uma descontinuidade abrupta entre esses níveis de ensino: o básico e o

superior. Parte disso se deve às ênfases dadas em cada uma dessas realidades, pois enquanto o

primeiro ainda valoriza demasiadamente a memorização de conteúdos, o outro preza pela

reflexão. Verificamos isso através de nossas memórias enquanto estudantes e da nossa atuação

no ensino superior – na condição de graduandos do curso de história

Foi essa inquietação que nos levou à confecção de um projeto de pesquisa de História

que revisse esse distanciamento e que, sendo colocado em prática, produzisse elementos que

fomentassem novas reflexões sobre os pontos frágeis de tal projeto. Assim, o presente ensaio

foi produzido a partir da aplicação de um projeto elaborado ainda na disciplina de Estágio

Supervisionado de Formação de Professores I. O projeto elaborado intitulava-se “UMA

RELEITURA DA HISTÓRIA EM SALA DE AULA: Aprendizagem significativa por meio

dos conceitos históricos”. Ele visava uma aproximação entre o pensar a história da sala de

aula e o da universidade. Pretendíamos fazer isso através da inserção do pensamento reflexivo

no ensino básico, construindo e aplicando conceitos em sala de aula, pois acreditamos que

através deles é possível construir uma história crítica que se apropria dos fatos e conteúdos

para interpretá-los, ao invés de apenas memorizá-los. O objetivo, assim, era elevar o nível de

criticidade e o poder de análise dos alunos para que pudessem refletir historicamente sobre

suas realidades. Assim, as atividades relativas ao projeto foram realizadas no 8° ano do

Ensino Fundamental da Escola Estadual Jorge Fernandes e este ensaio visa justamente

discutir os resultados colhidos pelos professores. Será feita aqui uma descrição e crítica do

que foi posto em prática e dos resultados obtidos. Houve fracassos e êxitos. Tudo contribuiu

1 Licenciando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2 Licenciando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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para a nossa formação docente e ainda mais para enriquecermos os métodos de construção de

conceitos tendo como um dos pontos de partida a aprendizagem significativa e a atuação na

zona de desenvolvimento proximal.

Pensar conceitos históricos é construir diferenciações no tempo e no espaço. Dessa

forma, o trabalho com eles possibilita a aproximação com uma regra seguida pelos

historiadores e que se liga diretamente à compreensão de seu trabalho: a historicidade. Sem

ela, torna-se improvável compreender o campo histórico como um quadro cheio de

possibilidades - inclusive a de fuga do próprio quadro – com continuidades e rupturas.

Os conceitos históricos possibilitam uma releitura da história, pois a partir deles torna-

se possível a crítica da nossa historicidade e a libertação e desconstrução dos estereótipos

construídos ao longo do tempo. Numa sociedade que busca a inserção social, impulsionada

pela democracia, de grupos marginalizados e mesmo de massas silenciadas, a análise histórica

dessas questões torna-se uma preocupação para o profissional de história, em sua dupla

obrigação: a da pesquisa e a pedagógica.

Como um projeto de estágio, ele se destaca por ser, ao menos nas escolas públicas em

Natal-RN, uma maneira nova de se trabalhar a história em sala de aula e que está em

consonância com a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais3 e Orientações

Curriculares para o Ensino Médio4. O projeto rompe com o ensino tradicional, entendido

como pouco crítico, que valoriza a memorização acrítica, mas que ainda é tão praticado nas

escolas públicas de Natal5.

O ensino de história, pensado aqui como uma tarefa do historiador, é uma pratica de

extrema complexidade, seja pelos conteúdos que aborda, seja pelos sujeitos com que lida e

seja, ainda, pelos objetivos que almeja alcançar: a formação do cidadão e a formação do

indivíduo, enquanto sujeito histórico. Por isso, na formulação desse projeto pensamos o

ensino de história a partir das seguintes questões: pode haver uma aproximação e uma relação

entre o trabalho com conceitos históricos e a aprendizagem significativa? Podemos, a partir

dessa relação, construir um conhecimento dotado de significado/sentido e que possibilite a

historicização dos conceitos e um afastamento dos estereótipos geralmente encontrados no

3 BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: história/ Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1988. 4 BRASIL, Secretaria de Educação Básica. Orientações curriculares para o ensino médio: ciências humanas e suas tecnologias. Brasília: MEC, 2008. 133 f. 5 Verificamos isso através de nossas observações em sala de aula e de nossos contatos com profissionais da área.

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senso comum? Essas foram as questões que nos guiaram e que buscamos responder ao longo

da aplicação.

Como todo trabalho na área de ensino que se preze, temos expectativas de atingir

certas metas, certos objetivos que, embora sempre ideais e dignos de serem revistos e

repensados, servem de referência para o trabalho e é a partir deles que se julgará o êxito ou

fracasso do empreendimento. Dessa forma, o nosso objetivo geral no momento do

planejamento e da formulação do projeto era desenvolver nos alunos a habilidade de perceber

a historicidade dos conceitos históricos. Contudo, como esse objetivo é muito amplo e

aparentemente vago por envolver uma gama de conceitos e de possibilidades de trabalho,

também foram traçadas metas mais específicas que consistiam em trabalhar a abordagem dos

conceitos históricos a partir do conceito de aprendizagem significativa, o que filtraria o nosso

trabalho ao que fosse significativo ao grupo de estudantes; o outro era historicizar conceitos

como os de sociedade, cultura, homem, tempo, democracia, política etc., e a partir deles

refletir acerca das diferentes realidades históricas e suas construções.

Para pensarmos o projeto, foi essencial uma série de leituras que o embasassem e

gerassem reflexões acerca de como seria posto em prática e o que teria por finalidade. Assim,

fizemos uso das Orientações Curriculares para o Ensino Médio6. Na parte referente à História

dessa obra os conceitos são colocados como uma forma de se pensar as fontes e as realidades

históricas de maneira analítica. Eles são considerados representações da realidade social de

uma época que são organizadas pelo pensamento. É demonstrada a necessidade de diferenciar

categorias – que é a aproximação de definições pertencentes a realidades históricas

semelhantes, ou seja, é algo mais geral, como trabalho, revolução, etc. – e conceitos, que são

conhecimentos mais específicos construídos a partir de métodos próprios da disciplina

História, como trabalho escravo ou servil, Revolução Francesa ou Russa. Assim, para se

pensar a história, o documento traz definições fundamentais para o trabalho historiográfico,

como a delimitação do que seria história, processo histórico, tempo, sujeitos históricos,

trabalho, poder, cultura, memória e cidadania.

Além disso, as Orientações Curriculares7 demonstram a necessidade de se levar em

consideração o conhecimento prévio e a experiência social do aluno para construir os

conceitos em história, pois eles são complexos e variados e dificilmente ganham significados

caso sejam descontextualizados da vida dos jovens. Contudo, os conceitos históricos devem

6 Op. Cit., p. 80. 7 Op. Cit., p. 91.

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apropriar-se do que é produzido no senso comum no sentido de problematizá-lo e não de

legitimá-lo, pois ele geralmente estereotipa realidades passadas e presentes.

Os conceitos que tratamos podem ser denominados como históricos, visto que não

podem ser utilizados de maneira universal pelas outras disciplinas. São os conceitos históricos

que diferenciam a nossa disciplina das demais, pois eles constituem um conjunto de

instrumentos de análise que proporcionam ao aluno a crítica e organização do mundo.

Segundo a professora Schimidt e a professora Cainelli:

Os conceitos podem ser considerados possibilidades cognitivas que os indivíduos têm na memória disponíveis para os arranjos que mobilizem, de forma conveniente, suas capacidades informativas e combinatórias. Como “possibilidade cognitiva”, a construção de conceitos permite a instituição do poder conceitual, isto é, o poder que o aluno tem de identificar e ordenar cientificamente os elementos da realidade social e que pode auxiliá-lo na organização, no reconhecimento e na interpretação do mundo. Esse processo significa, também, a capacidade que o aluno adquire de construir categorias explicativas da realidade social. Assim, os conceitos possibilitam, por exemplo, a identificação dos objetos e fenômenos da realidade, bem como a capacidade de atribuir-lhe sentido e reconhecê-los mediante sua confrontação com o já conhecido8.

Isso nos ajuda a perceber que os conceitos de fato são instrumentos de análise que

devem e podem ser historicizados mediante o confronto com outros conceitos já conhecidos,

criando assim não só o conhecimento da realidade histórica passada, mas também gerando a

reflexão acerca do presente mediante o conhecimento do outro na dimensão temporal.

Em consonância com o nosso objetivo de buscar a construção de um conhecimento

significativo em sala de aula a partir do trabalho com conceitos históricos, trabalhamos aqui

com o pensamento de César Coll e o seu conceito de aprendizagem significativa. Para Coll,

todos nós possuímos esquemas de conhecimento (conhecimento prévio) que são a base para a

construção de significados. A aprendizagem significativa se dá a partir desses esquemas,

somados e assimilados aos novos materiais de aprendizagem.

Por fim, a abordagem do ensino de história a partir dos conceitos é coerente com as

propostas que nos trazem os Parâmetros Curriculares Nacionais ao falar de como a cidadania

sempre foi e ainda é, a partir de perspectivas diferentes, objeto e objetivo do ensino de

história. Os Parâmetros defendem, ainda, entre os objetivos do ensino de história a

8 SCHIMIDT, Maria Auxiliadora;CAINELLI, Marlene. Ensinar História . São Paulo: Scipione, 2004.

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capacitação do aluno em saber diferenciar as diferentes realidades históricas9, sendo a

abordagem dos conceitos uma maneira relevante que caminha nessa direção.

Como fazemos uso do conceito de zona de desenvolvimento proximal, colhido de

Vigotsky, precisamos conhecer os alunos e seus níveis de desenvolvimento. Assim, fizemos

questionamentos sobre o conhecimento deles acerca dos conceitos básicos de história, como

cultura, sujeitos históricos, trabalho, etc.. Coletamos os dados resultantes e trabalhamos a

partir deles, levando em consideração o conhecimento prévio dos alunos, problematizando-os

durante as aulas e durante as atividades que foram realizadas.

Os conceitos foram aplicados em aulas a partir de uma pergunta que o professor

elaborou sobre o presente e que estimularia a busca pelo passado em certa sociedade. Essa

interrogação envolveu determinado conceito – “O que é um Estado Autoritário?” – e assim foi

construída a sua historicidade. A partir disso, a própria sociedade foi posta em perspectiva

histórica e o professor pôde dar informações acerca dela – quem eram os cidadãos, o que

faziam - pois esse trabalho também é necessário, uma vez que outros conceitos podem ser

construídos nesse processo de fornecimento de dados e os alunos não podem simplesmente

questionar tudo aquilo que eles estão em vias de conhecer, numa reflexão que seria esgotante

e que não construiria um fundamento.

Foram feitas atividades orais e escritas em sala de aula com uma freqüência referente

ao término de cada conteúdo ministrado para sabermos se os alunos estavam apreendendo ou

não o que pretendemos com o trabalho com conceitos. A partir disso foi possível encontrar

falhas e repensar as ações durante a prática docente.

Para realizarmos esse trabalho com conceitos, precisamos da leitura de alguns

especialistas que contribuíram com um instrumental teórico-conceitual que proporcionou uma

maior crítica de nosso trabalho e um encaminhamento mais direto em relação à otimização de

resultados. Os autores serão citados ao longo dessa narrativa e será dito o que colhemos das

leituras realizadas. Assim, segundo Vigotski10, que investiga os processos de formação do

conhecimento, existem dois níveis de desenvolvimento da mente humana. O primeiro é o

nível de desenvolvimento real, que é constatado pela capacidade de se resolver problemas de

forma independente. O outro é o desenvolvimento potencial, que é determinado pela

resolução de problemas com o auxílio de um adulto ou de companheiros mais capazes. A

9 BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: história/ Secretaria de

Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1988. 10 VIGOTSKI, Lev Semenovich. A Formação Social da Mente: O desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1988

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distância entre esses níveis é a zona de desenvolvimento proximal. Assim, caso atue nessa

zona, admite Vigotski, o professor pode desenvolver as habilidades de seus alunos, o que no

nosso caso implica dizer em história. Desenvolvendo-se, o aluno ganhará autonomia de

pensamento e poderá pensar historicamente.

Pensando na questão do cidadão, dialogamos com o texto das professoras Maria

Auxiliadora Schimdt e Marlene Cainelli, que discutem os conceitos como possibilidades

cognitivas. Os conceitos são possibilidades cognitivas na medida em que não apenas se

somam às representações dos alunos, ou seja, aos seus conhecimentos prévios, mas,

sobretudo, na medida em que organizam a síntese cognitiva, isto é, o que foi gerado da

relação entre o conhecimento prévio e os conceitos. Isso permite que o aluno seja dotado de

um “poder conceitual”, isto é, “[...] o poder que o aluno tem de identificar e ordenar

cientificamente os elementos da realidade social e que pode auxiliá-lo na organização, no

reconhecimento e na interpretação do mundo.” 11

Por outro lado, o conceito de aprendizagem significativa do qual nos apropriamos é a

definição trabalhada por César Coll, sendo que este faz uso dos estudos de teóricos como

Ausubel. Para Coll:

Ausubel e seus colaboradores insistiram em inúmeras ocasiões sobre as exigências que a aprendizagem significativa coloca. Antes de tudo, é necessário que o novo material de aprendizagem, o conteúdo que o aluno vai aprender, seja potencialmente significativo, isto é, seja suscetível de dar lugar á construção de significados12.

Envolvidos na aprendizagem significativa estão professor, aluno e conteúdos, todos

eles, assumindo papéis decisivos neste processo de aprendizagem. Enquanto o aluno precisa

da motivação para aprender, o professor atua no sentido de despertar e incrementar essa

motivação por meio de recursos por ele escolhidos – e que para fazê-lo, precisa conhecer o

aluno – e, precisamente, por meio dos conteúdos, de modo que estes sejam potencialmente

significativos do ponto de vista lógico e psicológico. De acordo com Coll, o conteúdo é

considerado lógico quando possui uma estrutura interna, quando não é arbitrário e vago. Vale

ressaltar que a maneira como ele é trabalhado em sala de aula contribui decisivamente para

essa significância lógica. Do ponto de vista da significância psicológica, o conteúdo é assim

designado quando é possível a sua relação e assimilação com os significados já construídos

11 SCHIMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar História . São Paulo: Scipione, 2004, p.62. 12 COLL, César. Aprendizagem escolar e construção do conhecimento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994, p. 150.

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pelos alunos, com as suas experiências e conhecimentos prévios.

A aplicação do projeto As nossas experiências como professores foram realizadas em uma escola da rede

estadual de ensino, localizada no município de Natal/RN. A instituição onde foi realizada a

atividade de docência é a Escola Estadual Jorge Fernandes, localizada na Rua Cristal Rocha,

no bairro de Lagoa Nova – Natal/RN. A escola conta com uma estrutura física razoável, com

cerca de oito salas de aula, um auditório, uma cantina, uma biblioteca. A instituição contava,

também, com recursos didáticos importantes, como um aparelho de multimídia, notebook e

uma sala de informática.

O principal objetivo do texto é, certamente, construir uma narrativa sobre a

experiência. Tal narrativa não se resumirá à mera descrição dos eventos ocorridos em sala de

aula, mas, sobretudo, ela implicará numa reflexão sobre a experiência. Duas considerações

essenciais precisam ser colocadas com o intuito de esclarecer o leitor desse texto, pois elas

representam a opinião dos seus construtores. A primeira delas diz respeito à atuação do

professor como sujeito do processo de ensino-aprendizagem. De forma alguma, as ações do

processo restringem-se à atuação do professor. Nele, outros sujeitos estão envolvidos, como

os responsáveis pela gestão da escola, a coordenação, a equipe pedagógica, os outros

professores e, sobretudo, os alunos, que serão aqui chamados de estudantes. Um dos objetivos

do Estágio Supervisionado é formar um professor autônomo, que seja sujeito do processo de

ensino-aprendizagem. Quando direcionamos o olhar para a escola em que realizamos as

atividades de docência, o que vemos é um pensamento regressivo de professores que sequer

sabem o sentido de tal autonomia. São professores que desacreditam da própria profissão, que

se apresentam como reprodutores de manuais, parâmetros e livros didáticos e, às vezes,

sequer isso, preferindo reduzir o esforço da labuta a monólogos repetitivos alcançados com a

longa “experiência” em sala de aula e que, na nossa opinião, apenas vitimam os seus alunos.

O niilismo do professor acaba se transferindo para a crença que os estudantes não podem

aprender. O professor não pesquisa, não constrói, não inova, não produz, não é sujeito do

processo e, o mais grave, não quer que seus alunos sejam. Tudo se apresentava como uma

loucura de prostração diante de um determinismo que nem os sujeitos que o disseminam – os

próprios professores – conseguem explicar, apenas “reproduziam o sistema”. Tal cenário, para

dois historiadores e professores em formação, ambos em sua terceira experiência de

aproximação com o espaço da Escola, representa tudo o que se pode desprezar, porque,

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simplesmente, naquele contexto nada tem solução, “o jeito”, nas palavras do professor, “era a

morte”, ao se referir a alguns estudantes.

A segunda consideração que gostaríamos de apresentar e que está em conexão com a

primeira, refere-se à postura crítica do educador sobre as suas próprias experiências. A

modernidade deixou a experiência em um plano secundário, como diria Walter Benjamin.

Vamos tentar aqui experimentar a experiência e, assim, conforme nos apresenta Elison Paim:

É necessário pensar a experiência na sua dimensão de totalidade, para além do científico e racional, pois, como Benjamin defende, é preciso 'escovar a história a contrapelo' e assim trazer o insignificante, o miúdo, o relegado para a história.13

O que pretendemos aqui é nos tornar narradores da nossa experiência, das nossas

memórias, não no sentido de descrever o que aconteceu, mas de refletir sobre o fazer-se

professor e como tal construção passa necessariamente pelo êxito das relações humanas,

relações estas que abrangem diferentes sujeitos. Ela é uma construção que se molda, enfim, na

interação com o outro.

Nas atividades de pesquisa realizadas na Escola Estadual Jorge Fernandes, buscamos

desenvolver, por meio da coleta de dados, o que Marli André aborda como Pesquisa-Ação.

Buscamos, na medida do possível, trabalhar com a coleta e sistematização de dados, a análise

sobre eles e a sua melhora. O objetivo era fazer da nossa prática docente um meio de

intervenção positiva na sala de aula. Ao falar da corrente australiana, que trabalha com esse

método se pesquisa qualitativa, Marli André desta que ela:

Considera que o processo de pesquisa-ação envolve o estabelecimento de uma série de ações que devem ser planejadas e executadas pelos participantes e devem ser sistematicamente submetidas a observação, reflexão e mudança. Apoia-se, em seus fundamentos, na teoria crítica.14

.

A nossa experiência, assim, partiu de um método de trabalho que, através de algumas

leituras apresentadas ao longo deste ensaio e de acordo com nossas vivências como docentes

em formação, julgamos ser o melhor para a proposta que defendemos e que assim poderia nos

ajudar a obter um maior êxito no sistema de ensino-aprendizagem. Assim, a maneira como

13 PAIM, Elison Antonio. Do formar ao fazer-se professor. In: MONTEIRO, Ana Maria; GASPARELLO, Arlette

Medeiros; MAGALHÃES, Marcelo de Souza Magalhães (org.). Ensino de História: Sujeitos, saberes e práticas. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007, p. 166.

14 ANDRÉ, Marli Eliza D.A. de. Etnografia da prática escolar. 12ed. Campinas: Papirus, 1995, p.32.

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escolhemos trabalhar foi partindo dos conhecimentos prévios dos alunos realizando perguntas

sobre os conteúdos que iriam ser estudados para que assim soubéssemos se possuíam ou não

informações acerca deles. A partir disso, buscamos problematizar essas informações ou dar

um sentido a elas dentro de um quadro mais crítico do período em análise. Esse novo sentido

às informações e conhecimentos prévios dos alunos foi buscado e muitas vezes construído

através da elaboração de uma narrativa histórica realizada pelos professores, mas que tinha

como ponto de partida o aluno. Através desse esquema foi possível ressignificar concepções

acerca dos processos históricos trabalhados, visto que o que era falado por eles era colocado

pelo professor dentro da narrativa histórica de maneira a gerar reflexão entre o que se pensava

antes e o que passou a ser pensado com o desequilíbrio cognitivo gerado. Assim, para coletar

as representações dos estudantes acerca dos conteúdos trabalhados, foram aplicadas

avaliações que muitas vezes eram orais por questão de tempo de trabalho em sala de aula –

avaliações escritas demandam muito tempo e aquelas destinadas para casa não eram bem

recebidas pelos alunos, que costumavam resistir em fazê-las. Essas avaliações orais

geralmente consistiram em pedir relações entre os conceitos, para que fossem realizadas

diferenciações entre eles. Dessa maneira, quando a meta de construir junto com os alunos uma

criticidade maior sobre o período histórico não era atingida, quando as idéias deles se

assemelhavam mais a julgamentos ou a memorizações, os professores intervieram, fazendo

novos questionamentos ou revisando algum conteúdo de maneira a evitar a formação de

estereótipos.

Já em sala de aula, no primeiro encontro, após as apresentações dos professores

estagiários e dos alunos, aproveitamos o tempo restante para explicarmos aos estudantes quais

seriam os nossos objetivos durante o período de realização do Estágio. Expusemos, de

maneira sucinta, em que consistia o Estágio Supervisionado de Formação de Professores e o

que era um projeto de pesquisa na área do Ensino da História, sendo posto que iríamos

justamente colocá-lo em prática naquela turma para sabermos em que medida ele funciona e o

que merecia ser repensado para que ele se tornasse eficiente em seus aspectos falhos. Logo

em seguida questionamos a turma se alguém sabia o que era um conceito. Foi respondido por

alguns alunos que isso significava “dizer o que é”. Contudo, como o objetivo imediato não era

debater o que significa a palavra conceito, então apenas passamos para o teste de sondagem.

Essa passagem foi feita sob a justificativa de que o teste de sondagem nos daria informações

sobre o que eles pensavam acerca da História e do ensino da mesma, sendo isso importante

para que os estagiários analisassem os conhecimentos prévios dos alunos e atuassem na zona

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de desenvolvimento proximal, ajudando a reelaborar os conceitos – complexificando-os – e

otimizando o processo de ensino-aprendizagem. Além disso, pretendia-se conhecer melhor os

alunos e seus pensamentos sobre a escola e a disciplina História. Assim, esse teste de

sondagem consistia em sete perguntas: 1. O que você gosta de estudar?Justifique; 2. Você

gosta de ler? Gosta da sua escola? Justifique; 3. Você gosta de estudar História? Justifique; 4.

Como você aprende melhor História?; 5. Na sua opinião, o que é a História? Para que ela

serve?; 6. Qual parte da história você mais gosta de estudar e qual você menos gosta?; 7. Na

sua opinião, o que pode melhorar no ensino de História?

Dos vinte e quatro alunos que fizeram o teste de sondagem, destacamos algumas

respostas:

No que diz respeito à área de conhecimento favorita:

Ciências, porque eu pretendo me formar em medicina (Cássio Vinicius). Ciências, porque a professora é legal (Maria Cibele). Eu gosto de inglês e ciências, essas matérias são as quais me interesso mais (Stephany Louise). Ciências, porque fala tudo sobre o planeta, o corpo e outras coisas (Rayssa de Oliveira). História, pois o professor é muito massa (Marília Gabriella). Ciências, por ter muitas experiências sabe não fica só do quadro pra caderno (Não identificado). História, porque é mais fácil (João Marcos). História, porque tipo assim o professor já da ‘bem dizer a prova já feita’ (Emmanoel Breno).

Na questão “Na sua opinião, o que é a história? Para que ela serve?”, algumas das

respostas foram:

História pra mim é o que ta acontecendo hoje e até no passado (Cássio Vinicius). Olha para que ela serve eu não sei, mais a história é para aprendermos mais do passado (Maria Cibele). História pra mim é um ensino, que fala da época dos antepassados, etc. (Stephany Louise). História é uma disciplina, serve para falar tudo sobre os antepassados (Rayssa de Oliveira). Cultura, a história muitas vezes serve para revelar histórias das antiguidades (Marília Gabriella). A história serve para aprender sobre os séculos passados (Kaionara). É uma matéria para estudar o passado, para a gente ter uma idéia do que aconteceu a anos atrás (Simone Aparecida Figueiredo). História é a história de outros povos e cidades para aprendermos muitas

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histórias passadas (Não identificado). Rapaz, sei não (Raphael Sena). A história para mim é cultura. E serve para nós sabermos histórias de antigamente (Livia Beatriz). História é contando sobre tudo antigamente, serve para que os alunos saibam como o mundo era, ou seja, muito diferente do tempo de hoje (Fabíola da Silva).

A maior parte dos alunos demonstrou ter como saber preferencial, o campo das

ciências Naturais e Exatas, como Ciências e Matemática. Essas escolhas se justificam,

segundo os alunos, por que tais matérias são “instigantes”, “intrigantes”, “exatas”, são

“legais”, “interessantes”, porque tem “experiências, não fica só do quadro para o caderno”.

Uma apreciação mais aprofundada do conhecimento histórico não pôde ser constatada entre

as respostas, muito menos algum elogio consistente. A História, ao contrário das demais

disciplinas – incluam-se, também, Língua Portuguesa e Língua Inglesa – foi mencionada

cerca de duas vezes como a matéria preferida. Não queremos aqui dar lugar a algum tipo de

frustração por ter o nosso campo de atuação desprezado pela avaliação dos estudantes. Pelo

contrário, as respostas proferidas, para o bem ou para o mal, já eram esperadas. Isso será

explicado no decorrer do texto. A História, na linguagem utilizada pelos alunos, é “cultura”,

“contar sobre o mundo antigamente”, “histórias passadas”, um conhecimento que “ensina

sobre o passado e o futuro” e, a mais clássica e compreensível, “a história é como um museu”.

Tais respostas só demonstraram a dificuldade de se entrar no espaço em que estávamos

prestes a desenvolver a aplicação da pesquisa. Associar a história ao mero estudo do passado

pelo passado não é um crime. Tal associação, entretanto, não faz mais sentido quando a

discussão sobre o estatuto da disciplina especializada História dá-se entre seus profissionais.

Cabe ao profissional da história disseminar tal perspectiva, hoje, como se vê, ainda muito

distante da educação básica. A história, como diria Marc Bloch, é, talvez, a ciência dos

homens no tempo. O nosso objetivo, enquanto profissional que atua em tal área de saber, é

combater a história que Marc Bloch já combatia há um século.

Da proposta feita pelo professor colaborador acerca dos conteúdos a serem

trabalhados, decidimos construir um tema geral no qual eles seriam englobados. O conteúdo

perpassava a primeira metade do século XX, indo da Revolução Russa de 1917 ao período

inicial da Guerra Fria. Portanto, fizemos uso da cronologia usualmente empregada pelos

professores da Educação Básica, pois não nos sentimos no direito de interferir em qualquer

seleção ou, ainda, alteração do conteúdo programado pelo professor colaborador. Tínhamos,

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desse modo, cinco subtemas a serem trabalhados: 1. A Revolução Russa de 1917; 2. O

período entre guerras: a crise econômica; 3. A ascensão dos Regimes Totalitários: Nazismo e

Fascismo; 4. A Segunda Guerra Mundial; 5. A Guerra Fria. “Da Era da Catástrofe à Era da

Prosperidade” foi o tema que escolhemos para englobarmos e problematizarmos esses

conteúdos.

Como veremos, do teste de sondagem às atividades finais dos seminários, bem como

nas questões lançadas oralmente durante a própria aula – a maioria das nossas atividades

foram questões orais – buscamos o tempo inteiro apresentar as respostas para os estudantes,

discuti-las, quando necessário, modificá-las e melhorá-las. Os seminários, por exemplo, foram

encarados como uma avaliação final do rendimento da turma.

Quando iniciamos de fato o conteúdo, deixamos claro para os alunos a nossa proposta

de trabalhar tais conteúdos inseridos em um tema geral. Tal idéia seria posta em prática com o

intuito de buscar uma possível aproximação entre a realidade histórica tratada naqueles

conteúdos com o tempo presente, pois quando falamos em questões como Segunda Guerra

Mundial (1939-1945), Liberalismo, Capitalismo e Socialismo, percebemos como tais temas

ainda se apresentam de maneira pertinente no cotidiano ou ainda estão presentes, de alguma

forma, na nossa memória. A nossa pretensão era transformar conteúdos que na realidade

daquela escola eram geralmente reduzidos a esquemas simplistas escritos no quadro pelo

professor da disciplina, que sequer fazia uso do livro didático destinado à turma, em

conteúdos potencialmente significativos, ou seja, que possibilitassem a construção de

significados. Logo, queríamos que os alunos compreendessem como a história do século XX

foi fruto daquela era de catástrofes marcada por guerras e revoluções, como àquele período de

turbulências seguiu-se uma época de prosperidade moldada pelo Estado de bem estar social,

pelo crescimento populacional, pela expansão do capitalismo, simultaneamente ao medo de

um novo conflito entre as duas maiores potências da época, Estados Unidos e União

Soviética. E mais, como hoje enxergamos as rupturas e continuidades em relação àquela

realidade. Do ponto de vista histórico, estaríamos próximos ou distantes daquela época?

Feita tal explicação, entraríamos no conteúdo sobre a Revolução Russa de 1917. Para

compreender a Revolução Russa, seria necessário trabalhá-la a partir de três conceitos

históricos: Tempo Histórico, Sujeito Histórico e História. Simultaneamente a esses conceitos,

desenvolveríamos outros conceitos, aqui chamados de secundários, tais como: Revolução

Russa, Socialismo, Capitalismo, Bolcheviques e Mencheviques. Para introduzirmos o

conceito de Tempo Histórico, escolhemos as letras de duas músicas: Oração ao tempo

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(Caetano Veloso) e Tempo Rei (Gilberto Gil). A escolha dessas músicas foi feita com o

objetivo de buscarmos compreender o que seria o tempo. Apesar de possuir uma linguagem

rebuscada e, em grande medida, incompreensível para uma turma de 8º Ano do Ensino

Fundamental que não tem o costume da leitura na disciplina de História, selecionamos alguns

trechos e pedimos para que os estudantes realizassem a leitura. O tempo, para os dois

compositores, se apresenta como algo irreversível, que não pode voltar a acontecer, que não

trará de volta nem gregos nem troianos, pois o tempo deles já se foi. Mas o tempo é também

cura de turbulências, de situações ruins pelas quais passam o ser humano. A contribuição

maior dada pelas duas músicas foi de desnaturalizar um tempo que é essencialmente humano.

Quando afirmamos, em tom provocador, para a turma que “o tempo não existe”, as

interrogações e até mesmo a indignação fizeram-se presentes nas feições dos estudantes.

Discutimos, então, como o tempo pode ser desmistificado, como ele é uma invenção,

necessária, mas nada mais que uma invenção do homem para dar sentido ao mundo.

Quando voltamos ao tema da Revolução Russa, a partir da noção de tempo histórico

lançamos questões que fizessem compreender aquele episódio como significativo para uma

época específica. A idéia era que a Revolução Russa foi o marco de uma determinada

realidade que não se repetirá. O sentido da Revolução só é inteligível quando inserido na

realidade do início do século XX. Fizemos menção também à Revolução Francesa para inseri-

la, da mesma forma, na sua realidade, no seu tempo específico. A falta de um saber

sistemático da turma sobre o assunto das duas revoluções, juntamente com o tempo,

sugestivamente contra nossos objetivos enquanto estagiários, nos impediram de buscar

compreender o elo, equivocado, que algumas interpretações fazem entre os dois episódios. De

qualquer forma, a participação de alguns alunos que possuíam certo conhecimento sobre a

Revolução Francesa nos fez parecer clara a compreensão acerca da impossibilidade de

aproximar essas duas realidades históricas, inseridas em seus tempos próprios, como parte de

um mesmo sentido.

Pensar a Revolução Russa a partir da noção de tempo histórico nos direciona para o

entendimento das rupturas e continuidades representadas naqueles episódios. Para pensarmos

um pouco sobre a questão, um exercício de imaginação com os estudantes nos deu uma

oportunidade interessante de entender a realidade de uma revolução. Imaginamos, pois,

estarmos inseridos no contexto da Rússia do início do século XX, um país liderado por um

Czar, sob a égide de um Regime Absolutista, cuja população, em sua maioria, vivia no meio

rural e sob condições miseráveis para a época. A partir de uma oportuna indagação de um

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estudante, que nos perguntou “se a Revolução Russa teria ocorrido apenas em 1917 e pronto”,

introduzimos o conceito de revolução enquanto processo.

Ora, se analisarmos as revoltas dos Sovietes que conseguiram tomar o poder em 1917,

veremos que as condições históricas que possibilitaram tal feito tiveram sua gênese muito

antes daquele ano. Já em 1905, no episódio conhecido como “Domingo Sangrento”, “forças

subversivas” já demonstravam insatisfação com o regime político em vigor. “A revolta não foi

uma coisa que surgiu do nada, então?” “Certamente não” foi a resposta imediata à questão

levantada pela estudante. O ano de 1917 foi um marco sim, mas ele não se explica por si só.

Houve uma conjuntura histórica que dá a ele sua possibilidade de existência. O olhar sobre a

Revolução Russa a partir da noção de tempo histórico nos permite ver suas rupturas – em

1917, colocou-se um fim ao regime do Czar Nicolau II, a propriedade privada foi dividida – e

suas continuidades – a partir da Revolução de outubro, as estruturas sociais da Rússia não

mudaram, a maioria da sua população continuou na profunda miséria. Estes são apenas alguns

exemplos que foram citados.

Os sujeitos que fizeram a Revolução no início do século XX abrangem não apenas os

mais famosos, como Lênin e Trotsky. A História tem se voltado cada vez mais no sentido de

dar voz aos anônimos, às mulheres, às crianças, sujeitos antes renegados ao silêncio. Quem

fez a Revolução? A atuação dos líderes é inegável, mas uma importância maior deveria ser

dada aos partidos políticos envolvidos, Mencheviques e Bolcheviques. A questão foi lançada,

também, para a turma: Nós fazemos a história? A idéia era mostrar a jovens de 12 a 15 anos

que a história está o tempo todo sendo construída por pessoas de carne e osso como eles. Qual

seria a força que move o mundo senão aquela que vem do próprio homem? O objetivo era

fazer os próprios alunos se perceberem enquanto sujeitos históricos.

A História da Revolução Russa seria não apenas o relato cronológico dos

acontecimentos ocorridos em 1917, mas narrativas históricas, com diferentes pontos de vista,

de caráter interpretativo. Por exemplo, a aula expositiva sobre o assunto era uma das possíveis

narrativas sobre o tema, de modo algum a única possível.

É interessante observar como certas afirmações proferidas diante de uma turma de

Ensino fundamental podem causar tanto espanto. O que existe é um confronto entre visões

diferentes, não que uma seja melhor do que a outra. Ao longo de todo o estágio buscamos

acabar com os momentos em que esses estranhamentos entre o professor estagiário e

graduando, teoricamente acostumado a um “conhecimento crítico” e o estudante

desacostumado a ler e a questionar, não por incapacidade própria, mas por covardia e

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incapacidade de professores que não acreditam no aprendizado dos alunos da rede pública de

ensino, reservando a eles nada além de “algo bem leso”. Apresentar os contratempos

ocorridos nas atividades do estágio nos serve para identificarmos os seus efeitos perversos no

processo de ensino-aprendizagem.

Desenvolvidos tais conceitos, o trabalho passou ser o de construir um conceito para a

Revolução Russa. Para a construção dele, fazia-se necessário entender o que seria o

Socialismo, tantas vezes falado durante a aula. O conceito de Socialismo, fundamental para a

compreensão da Revolução Russa, foi trabalhado em confronto com o conceito de

Capitalismo, sistemas que na visão dos seus respectivos idealizadores, não podem coexistir.

Tais conceitos foram trabalhados tendo em vista uma aproximação com o nosso mundo atual.

Como poderíamos exemplificar o sistema capitalista e como seria um mundo socialista?

Como manifestação do Capitalismo, a turma citou exemplos como o consumo de massas, a

busca pelo lucro através da exploração da mão-de-obra assalariada, concretizadas em

referências às lojas de shoppings centers, onde o trabalhador não possui os meios de produção

e vende a sua força de trabalho. Em confronto com esse conceito, o socialismo seria a partilha

igualitária dos meios de produção entre toda a sociedade, discurso largamente disseminado

pelos agentes da Revolução Russa, o que fez da história do século XX um confronto entre

dois mundos que se autoproclamavam, cada um à sua maneira, como modelos ideais.

Compreender o sentido da história do século XX implica, portanto, o conhecimento da

Revolução Russa e do mundo que surgiu após ela.

A atenção e participação demonstradas durante a aula não se manifestou, da mesma

forma, no exercício escrito no qual pedíamos o conceito de Revolução Russa. A

indisponibilidade de um livro didático nos fez pedir uma pequena pesquisa pela Internet, onde

a partir da leitura do material encontrado, o estudante elaboraria o conceito. O que

percebemos foi uma turma apática quando o assunto era leitura, acostumados que eram a

aulas expositivas feitas com base em esquemas que geralmente ocupavam um quarto do

quadro da sala. Tais esquemas elaborados pelo professor serviam, e apenas eles, para

responder às questões sobre os conteúdos. Mudar tais práticas, exigindo a leitura dos livros,

que alguns alunos possuíam, ou recorrer à biblioteca nunca era uma tarefa empolgante e,

muito menos, era uma iniciativa apoiada pelo professor colaborador.

Além disso, vale ressaltar que o trabalho com esse tipo de pesquisa qualitativa não foi

empregado em sua completude, pois convivemos, durante grande parte dos trabalhos, com

dificuldades trazidas pelo professor colaborador, como por exemplo, quando este nos

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fornecia, nos dias combinados de aula, a possibilidade de trabalhar em apenas uma aula. Isso

dificultou o emprego do método, o que nos obrigou a limitar-nos à tentativa de aproximação

com o que nos apresenta Marli André: a Pesquisa-Ação.

Dos alunos que entregaram as atividades – no universo de 28 alunos, apenas duas

entregaram – percebemos um resultado decepcionante, pois elas haviam feito verdadeiras

cópias de sítios online e o pior, sem ter a mínima noção do que haviam copiado.

As respostas que encontramos:

No início do século XX a Rússia era um país pobre e atrasado tecnologicamente. O povo não agüentava mais e, em janeiro de 1905, os mujiques (camponeses), operários e demais pessoas da comunidade organizaram uma passeata e, São Petersburgo, liderados pelo padre Capon, da Igreja Ortodoxa Russa. Nessa passeata levariam ao czar Nicolau II um documento clamando por alguns diretos sociais e contando ao querido czar a situação do povo russo. Veio a Primeira Guerra Mundial e a situação de miséria da Rússia piorou ainda mais. Fome, epidemias e a prática de violências provocada pela miséria espalharam-se por todo o país. As passeatas contra Nicolau II multiplicaram-se e suas tropas, cansadas da guerra provocada pelos ricos e por seus interesses, desertava em número cada vez maior, e tornavam o lado do povo. A situação tornava-se insustentável15. (Aluna: FSS) A Revolução Russa de 1917 foi uma série de eventos políticos na Rússia16 que, após a eliminação da autocracia russa, e depois do governo provisório (Tataks), resultou no estabelecimento do poder soviético sob o controle do partido bolchevique. O resultado desse processo foi a criação da União Soviética, que durou até 1991, com a dissolução da união dos povos soviéticos, criando os países hoje independentes. 17 (Aluna: KPF)

As duas alunas argumentaram que as respostas estavam ali, conforme havíamos

pedido. Entretanto, aquelas não foram as respostas que esperávamos. Pedimos uma definição

da Revolução Russa construída com palavras próprias e não copiadas da internet. As alunas

voltaram a se defender afirmando que nós havíamos pedido uma pesquisa na internet. Contra-

argumentamos afirmando que a pesquisa deveria ser feita para que os estudantes lessem o que

foi encontrado, já que não tinham o livro didático, e não que copiassem o que foi encontrado.

Pedimos, então, que elas nos explicassem o que haviam escrito. A reposta não foi outra, senão 15 A aluna Fabíola retirou este fragmento do seguinte sítio: www.mundovestibular.com.br/articles/6150/1/Revolução -

Russa/ paacutegina1.html. 16 Todas as palavras em negrito foram grafadas pela “autora” no texto escrito, seguindo a página online de onde ela

retirou o trecho. 17 A aluna Kwyll Peixoto retirou este trecho da Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Russa_de_1917

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o silêncio. Bastava uma pergunta simples e simplesmente calavam-se.

Perguntamos à turma por qual motivo eles não entregaram a atividade. As

justificativas variaram, pois ressaltaram a dificuldade, a incompreensão do que havíamos

solicitado que respondessem ou simplesmente, a irrelevância de se fazer tal tarefa, já que eles

estavam todos aprovados. Conversamos com o professor colaborador a respeito disso e ele

apenas repetiu sua opinião acerca do estado deplorável da realidade escolar, nos afirmando

que os alunos tinham razão. De qualquer forma, ele nos aconselhou a pedir algo mais simples

da próxima vez, pois os alunos não estavam acostumados a escrever muito. Tais atividades

foram refeitas em grupos18, cujo objetivo era envolver uma maior participação dos estudantes.

Nas respostas (re)feitas, as referências às aulas aumentaram, bem como percebemos uma

ligeira melhora na iniciativa de escrever com palavras próprias. A maior parte das respostas

melhorou, pois os estudantes mencionaram a relevância de se estudar o tema Revolução

Russa. Em um universo de 28 alunos, três grupos de 4 componentes entregaram as questões

respondidas:

A Revolução Russa foi uma revolta que ocorreu na Rússia. Ela foi feita por várias pessoas, Lenin, Trotsky. Além desses, havia os socialistas que pertenciam aos partidos políticos dos mencheviques e bolcheviques. Essa rebelião tomou o poder das mãos de Nicolau II que mantinha na miséria a população daquele país. Só que quando os socialistas tomaram o poder pouca coisa mudou. Eles dividiram as terras para a população, mas não impediu a população de continuar miserável. (Grupo: Fabiana, Fabíola, Larissa, Rafael e Camila)

A Revolução foi uma rebelião que tomou o poder das mãos do rei, que dividiu as terras, mas manteve a sociedade na miséria. Os bolcheviques tiveram papel importante na revolução russa, pois eles eram os socialistas que tomaram o poder. Lenin era o seu maior representante. (Grupo: Cássio, Marília, Livia e Túlio) A Revolução Russa foi em 1917 mais as suas causas já vinham de muito antes. Em 1904 teve o Domingo Sangrento [em que o] Czar mandou matar centenas de pessoas que protestavam contra a miséria. Só que quando os socialistas tomaram o poder em 1917, muita coisa continuou na mesma. Mas Lenin decretou a divisão de terras que antes estavam nas mãos de poucas pessoas, isso pode ser visto como algo positivo. A Revolução Russa pode ser vista como algo negativo ou positivo, depende da visão. (Grupo: Stephany Ferreira, Ana Gabriella, Kwyll e Simone Aparecida)

18 Para que fossem refeitas, entregamos aos alunos uma questão melhor elaborada. Tal questão se encontra no plano

de aula Nº1. Nessa questão, também não exigimos dos estudantes um mínimo de páginas estabelecido, deixando isso a critério deles. Todavia, exigimos respostas originais e não simplesmente cópias.

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As respostas melhoraram, essa é a nossa hipótese, porque os estudantes nos

consultaram e alguns, também, buscaram o auxílio do livro didático na biblioteca, algo bem

melhor do que virar as folhas dos cadernos para buscar respostas chulas nos esquemas triviais

elaborados pelo professor. A evolução na construção do conceito ficou perceptível, sobretudo

quando comparamos com os conhecimentos prévios dos alunos acerca do que teria sido a

Revolução Russa. Os poucos alunos que responderam, limitavam-se a dizer: “foi uma

revolução que aconteceu na Rússia”. Todavia, não desprezar esse conhecimento foi

importante para construir sobre ele, um conceito e, assim, um conhecimento mais

sistematizado à maneira como nos aconselha Circe Bittencourt:

O importante, na aprendizagem conceitual, é que sejam estabelecidas as relações entre o que o aluno já sabe e o que é proposto externamente – no caso, por interferência pedagógica -, de maneira que se evitem formas arbitrárias e apresentação de conceitos sem significados, os quais acabam sendo mecanicamente repetidos pelos alunos [...] 19

Outro conceito trabalhado foi o de liberalismo. Ele surgiu quando encerramos a

temática da Revolução Russa e passamos para o período entre - Guerras. Assim, escrevemos

no quadro a palavra liberalismo. Em seguida interrogamos os estudantes: qual o significado

dessa palavra para vocês? As respostas obtidas continham palavras diferentes, mas seguiam a

linha do mesmo significado. Liberalismo para eles era liberar alguma coisa – que eles nunca

sabiam dizer o que – significava deixar algo livre, libertar. Essa idéia foi levada em

consideração pelo professor estagiário, visto que de fato, no conteúdo apresentado, o conceito

tinha uma conotação nesse sentido. Obviamente, como é a nossa proposta, a idéia dos

estudantes não foi apenas confirmada, mas problematizada e confrontada com acontecimentos

do período estudado. Assim, dissemos aos estudantes que o liberalismo tinha sido uma das

causas da Primeira Guerra Mundial, que eles já tinham visto. Isso porque houve a busca

incessante por novos mercados para a venda dos excessos de produtos fabricados sobretudo

na Europa, o que gerou uma série de conflitos justamente porque os diversos países europeus

passaram a disputar áreas comuns. O que se visava com isso não era uma mera revisão da

Primeira Guerra Mundial, mas sim a compreensão do liberalismo como algo existente e forte

antes mesmo da crise de 1929. Outra coisa importante nessa retomada da guerra foi a

19 BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. 3.ed. São Paulo: Cortez,

2009, p.189-190.

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possibilidade de relacioná-la à crise. Isso foi feito em certo momento. Contudo, como o

objetivo primeiro era compreender o que era liberalismo, dissemos aos alunos que,

primeiramente, poderíamos compará-lo ao socialismo, que já havia sido trabalhado junto com

a Revolução Russa. Assim, quando houve a comparação os alunos sentiram-se meio confusos,

dizendo não saber a diferença entre os dois. Por isso o professor sentiu necessidade de revisar

o conceito de socialismo construído em aulas anteriores. Após essa revisão, os alunos

relembraram o que poderia ser compreendido como socialismo e assim tornou-se mais fácil o

confronto com o liberalismo para a conseqüente diferenciação. Para eles, simplificadamente –

mas, interessante, com as próprias palavras - socialismo era “sem propriedade”. Como a

comparação com o liberalismo não estava funcionando, desistiu-se parcialmente disso para

que fosse feita uma comparação com o capitalismo mesmo. Assim, eles caracterizaram esse

último como “com propriedade”. Após essa etapa, dissemos que liberalismo era uma forma de

pensar a economia dentro do capitalismo. Isso gerou enfim uma compreensão relativa do

conceito. Relativa porque ainda não sabiam o que ele era, mas apenas dentro de qual sistema

estava. Mas agora havia mais ferramentas para ajudar na compreensão, e enfim um exemplo

muito prático foi realizado e gerou o que consideramos de êxito na compreensão. Foi feito um

exemplo sobre vendas de produtos entre Brasil e Estados Unidos. O exemplo consistia em

uma venda de camarão mais barato do Brasil para o outro país. Como o camarão brasileiro

estava mais barato, estava sendo mais consumido pelos americanos, gerando queda de venda

nos produtos locais. Em um Estado liberal, nada seria feito para gerar equilíbrios de venda de

produtos, pois o liberalismo era justamente isso, a livre concorrência, sem a intervenção do

Estado. Após essa explicação, enfim a turma compreendeu o conceito de liberalismo.

Após essa etapa, era ainda necessário relacionar a Primeira Guerra Mundial, o

liberalismo e a crise de 1929. Assim, fizemos a seguinte explicação. A Primeira Guerra

Mundial provocou uma grande destruição na Europa, visto que esse foi o principal espaço

onde aconteceu. Devastados, os países desse continente, onde localizavam-se diversas

indústrias, foi devastado e consequentemente a produção foi prejudicada. Assim, com a

necessidade de abastecer esse mercado, os Estados Unidos elevaram a sua produção.

Processualmente essa produção encontrou uma recuperação da economia e da indústria

européia. Contudo, como o liberalismo ainda vigorava em grande parte do mundo naquela

época, não houve intervenção do Estado norte-americano na economia no intuito de diminuir

a produtividade, o que gerou excesso de produtos nas prateleiras. Em seguida perguntou-se à

turma. Quando existe um excesso de mercadorias, o que acontecem com seus preços? Ao que

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se respondeu “Caem!”. “E o que isso provoca?”. Ao que seguiram-se hipóteses como

“demissões”, “acaba o lucro”. Essa etapa foi assim concluída, pois chegava-se enfim à crise

de 1929, com o problema da superprodução e da quebra da bolsa valores em Nova York.

Ainda dentro do tema da crise econômica de 1929 havia o trabalho com o conceito de

keynesianismo. Este era um contraponto imediato ao liberalismo, pois enquanto um diz

respeito ao livre mercado, o outro é justamente a intervenção do Estado na economia, fato que

aconteceu como uma resposta à crise, ao desemprego e às falências do período. Trabalhamos

que a grande expressão do keynesianismo aconteceu nos Estados Unidos através do New

Deal, que compreendia uma série de medidas do governo para contornar a situação. Assim,

quando interrogados sobre a diferenciação entre liberalismo e keynesianismo, duas alunas

responderam que liberalismo é a não intervenção do Estado na economia e keynesianismo “o

contrário”. Esse resultado, dentro do universo trabalhado, foi considerado satisfatório.

Outros conceitos trabalhados foram os de nazismo e fascismo. Eles foram colocados

em relação para que assim fossem percebidas as diferenças e semelhanças entre ambos.

Contudo, para se chegar à justificativa de estudá-los e no intuito de torná-los significativos,

primeiramente falamos sobre a democracia em que vivemos no Brasil do começo do século

XXI. Como no período atravessávamos as eleições para governador, presidente, etc.,

colocamos que justamente esse processo eleitoral era a forma mais explícita que tínhamos de

que vivemos em um regime democrático no qual podemos escolher nossos representantes de

acordo com as nossas concepções políticas, de acordo com nossas opiniões. A partir disso

colocamos o questionamento que guiaria a aula: todas as formas de governar são

democráticas? Esse questionamento era importante, dentre outros motivos, porque iríamos

justamente estudar a formação de Estados totalitários na Europa. Outra coisa importante de

ser dita é que essa problemática não previa uma resposta imediata da turma, mas uma

interrogação a ser respondida ao fim da aula.

O caminho seguido para explicar os conceitos de fascismo e nazismo foi iniciado pela

comparação de como ambos chegaram ao poder. Dessa maneira, explicamos que o fascismo

aconteceu na Itália. Ele foi liderado por Benito Mussolini, que já havia sido da esquerda, mas

que mudou de concepção política e, com fim da Primeira Guerra e a destruição da Itália,

pensou que apenas a força seria capaz de reerguer o país. Assim, tornou-se líder de uma tropa

de milhares de soldados que atuava sem ser necessariamente confundida com o Exército

oficial do país. Contudo, pela sua força militar e política, foi convidado pelo então rei para

tornar-se primeiro ministro. Tendo aceitado, ganhou para si grandes poderes e passou a

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perseguir qualquer opositor a sua forma de governar. Provocou o massacre da oposição e

consequentemente da livre expressão, o que caracteriza um Estado autoritário. Além disso, o

fascismo também se caracterizou pela sua aliança muito firme com a Igreja Católica, visto que

Benito Mussolini reconheceu a legitimidade do Vaticano como país independente no território

de Roma. Essa medida em muito ajudava na aceitação de seu domínio sobre as várias esferas

da vida daquele povo, visto que a Itália era – talvez ainda seja – um país predominantemente

católico e a iniciativa de Mussolini ajudou-o a conseguir aliados e aprovação de seu governo.

O nazismo, por outro lado, teve uma ascensão que seguiu vias democráticas. No

período pós- Primeira Guerra Mundial a Alemanha estava arrasada pela perda do conflito e

pelo Tratado de Versalhes que assinou, no qual estava prevista uma multa por ter provocado a

guerra e uma série de restrições, como não poder mais fabricar armas. Nesse período houve

uma eleição em que disputaram o poder três partidos: O Partido Comunista, o Social-

Democrata e o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemãs (Partido Nazista). Este

último era liderado por Adolf Hitler e não possuía uma concepção socialista verdadeiramente.

Apenas aproveitava-se de uma conjuntura em que o socialismo desfrutava de grande

estima pelos trabalhadores e assim previa alcançar um número de eleitores mais vasto. No

período da campanha, a soma dos dois primeiros partidos citados era bem maior que a do

partido Nazista, mas a União Soviética, que influenciava diretamente o Partido Comunista, o

impediu de fazer uma aliança com os sociais-democratas, o que dispersou os votos e provocou

a vitória de Hitler e seus aliados. Apesar de ter sido eleito – ou seja, em um regime

democrático, quando assumiu o poder , ele caçou toda a oposição, minando a livre expressão

e constituindo um Estado autoritário. Sustentando esse Estado, também havia uma série de

concepções raciais, como a crença na superioridade ariana em relação a outras raças, o que

provou a homologação das Leis de Nuremberg, famosas por fomentarem o aprisionamento e a

tomada de bens de judeus.

Devido ao tempo, foi complicado realizar alguma atividade com os alunos para avaliar

como eles construíram os conceitos de fascismo e nazismo, mas durante a aula os alunos

sempre queriam que o professor estagiário falasse um pouco mais sobre o que era o

arianismo, quais eram os símbolos e os cumprimentos nazistas, se Hitler era louco ou não.

Contudo, apesar dessa diversidade, um fato chamou mais atenção dentre todas essas

inquietações: a busca, pelos estudantes, de mais informações sobre o arianismo. Isso

aconteceu principalmente porque existia uma descendente de alemães na sala e porque uma

garota de tez negra também quis saber como era que os nazistas entendiam-se como uma raça

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superior. A explicação realizada, por questão de horários, foi feita ao fim da aula. Dissemos a

ela que atualmente a ciência despreza a concepção de raça e trabalha com etnia, sendo que

não se entende uma como superior a outra. Insatisfeita, ela questionou se ainda existem

pessoas que pensam da mesma maneira como os nazistas pensavam. Explicamos que ainda

havia grupos como os “skinheads” que se baseiam no pensamento racialista para promover

atos de violência, mas que esse é uma minoria e não possui embasamentos científicos. A

garota descendente de alemães, entretanto, não se manifestou. Apenas comentou um pouco

sobre a origem de seus antepassados Cremos que essa reação imediata serve como avaliação

positiva do cumprimento do objetivo de trabalhar com a aprendizagem significativa.

Seguindo, foi trabalhada a Segunda Guerra Mundial. A colocamos sob uma ótica

militar e política, predominantemente. Entretanto, houve a preocupação em relacioná-la com a

ascensão dos regimes totalitários, especialmente ao nazismo, sendo posta a idéia de que

alguns pensamentos, sentimentos e crenças também foram responsáveis pelo surgimento do

conflito. Assim, explicamos que na Alemanha e na Itália havia de maneira muito forte o

sentimento de injustiça em relação ao Tratado de Versalhes, que foi assinado com o fim da

Primeira Guerra Mundial e que previa uma série de restrições militares e de pagamento de

multas pelos perdedores. Além disso, a crise de 1929 gerou a crença em que apenas um estado

forte poderia manter o bem estar da população. Foram esses estados centralizados e munidos

de uma série de sentimentos de revanche, como no caso da Alemanha que buscava recuperar a

Alsácia e a Lorena da França, que, em defesa de seus interesses e de sua população, provocou

os primeiros conflitos. Obviamente, eles não foram apresentados como os “maus” do processo

histórico em perspectiva, mas como defensores de certos interesses que naquele momento

dificilmente seriam defendidos diplomaticamente, uma vez que a busca por expansão

territorial era um desses interesses. Essa expansão, da mesma forma, foi apresentada não

como um mero aumento físico de país, mas sim, no caso da Alemanha, como a concretização

de uma forma de pensar. Para eles, aquele espaço da Europa que eles buscavam para si era

realmente deles, visto que a sua raça – ariana – havia sido a habitante daqueles espaços em

outros tempos. Era um direito que vinha do passado. Além disso, havia também o pan-

germanismo, que consistia em arianos habitarem juntos uma grande área na Europa Central.

Essa ideologia teria ajudado a fundamentar o expansionismo alemão.

Em seguida, explicamos a aliança entre Alemanha, Itália e Japão, que teria sido fruto

da defesa de interesses que giravam em torno da recusa das restrições das grandes potências

da época em relação a esses países. Os interesses dos dois países europeus do Eixo foram

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citados acima. No caso do Japão, a aliança foi feita principalmente porque os Estados Unidos

não reconheciam a sua soberania na Ásia e principalmente em relação à China. Dessa

maneira, o Eixo iniciou a prática de seus ideais, deflagrando o conflito que duraria cerca de

seis anos e que terminaria com a vitória dos Aliados. Por falta de tempo, a questão dos

campos de concentração, que seria uma discussão interior ao arianismo, foi mencionada

apenas de passagem.

O que buscamos mostrar, embora tenham sido trabalhadas as articulações militares, foi

que a Guerra foi a articulação de uma série de interesses e que não seria uma análise correta

partir de um julgamento sobre quem seria o culpado ou quem teria sido o primeira a disparar o

primeiro tiro. A Segunda Guerra Mundial foi fruto de um processo que continha remorsos

oriundos da Primeira Guerra e outras ideologias ainda mais antigas, visto que o pan-

germanismo data do século XIX. Assim, o conflito em questão merecia ser analisado em sua

complexidade.

Imaginar um mundo arrasado por armas de destruição em massa, ou simplesmente,

imaginar o medo de viver em um lugar sob constante ameaça dessa mesma destruição, foi o

exercício que nos fez adentrar no tema da Guerra Fria. Um esforço para recordar ou a mera

atividade de intuição a partir do nome do tema, fez alguns alunos definir o que teria sido a

Guerra Fria. “Um conflito mundial entre Estados Unidos e União Soviética” foi a resposta

mais proferida. Questionamos sobre o emprego dos termos “mundial” e “Estados Unidos e

União Soviética” como designativos da abrangência do conflito. Não seria contraditório?

Diante do silêncio da maioria, a inquietação de alguns que possuíam certo saber sobre o

conteúdo se manifestou com tom um enfático “Não, pois Estados Unidos e União Soviética

eram os grandes líderes do mundo”. Foi um ótimo começo.

Por questões de limitação do tempo, resolvemos realizar uma aula expositiva dialógica

com muitos questionamentos, o que nos desobrigou – não que seja o ideal – a aplicar um

exercício escrito ao final do encontro. Os principais conceitos problematizados foram “Guerra

Fria”, “Corrida armamentista”, “vida privada” e “individualismo”. Perpassando o estudo

desses conceitos, o principal objetivo da aula era compreender as transformações sociais

ocorridas, sobretudo, na Europa, que deram ao período em questão o nome de Era da

prosperidade ou Era de ouro.20 Sem sombra de dúvida, apresentamos e os próprios alunos

20 Ver HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2005; e PROST, Antoine e VICENT, Gérard (org.) História da Vida Privada 5 : da Primeira Guerra a nossos dias. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

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apresentaram, também, muitos elementos ainda presentes no nosso mundo. Os conflitos que

ainda hoje marcam as relações entre EUA e URSS, com escândalos de espionagem que

lembram a época da CIA e KGB, a ameaça que representa, de maneira profunda, as questões

relacionadas aos armamentos nucleares, bem como a configuração espacial dos nossos lares,

divididos em cômodos que nos permitem exercer a intimidade da nossa vida privada, foram

algumas questões que fizeram os estudantes estabelecerem conexões entre tempos históricos e

realidades históricas marcadas por rupturas e continuidades.

Uma questão interessante foi tratada no âmbito desse conteúdo: a mulher. O que é ser

mulher hoje? A pergunta, inicialmente destinada a uma das estudantes, causou espanto, como

se não pudesse ser respondida. E se compreendêssemos a mulher não como algo natural, mas

como um sujeito sempre em construção? Trabalhamos com um exemplo que, acreditávamos –

e mais tarde isso se confirmou – fazer parte do cotidiano dos alunos. Mesmo sem levar para a

sala de aula as composições, decidimos, a partir das letras de uma banda de forró, cujo nome é

“Garota Safada”, perguntar aos estudantes como a mulher era geralmente abordada por tais

canções. Foi importante atentarmos para o próprio nome da banda, que já sugeria muita coisa.

Todavia, se utilizássemos uma canção com traços mais refinados, como as composições de

Chico Buarque, já que muitas delas pregam a idealização e/ou o respeito pela mulher,

teríamos um outro ponto de vista. Citamos a música Angélica, na qual o compositor exalta o

amor materno de uma mãe desesperada com a morte de seu filho. A mulher poderia se

apresentar como uma criatura “vulgar”, mas também, como um ser humano portadora de

atitudes consideradas nobres pela sociedade. O objetivo foi não apenas problematizar as

diferentes visões que se podem construir da mulher hoje, mas sobretudo, mostrar o

surgimento da mulher como sujeito histórico, por tanto tempo silenciada, mas que hoje tem

buscado cada vez mais a sua emancipação política, econômica e social.

Como forma de analisar o conhecimento da turma trabalhando com ela numa última

avaliação, lançamos o desafio de construir seminários sobre os temas até então abordados. Os

seminários serviram, também, para avaliarmos o aprendizado acerca dos conteúdos que não

havíamos, por questões de força maior, trabalhado exercícios escritos. Não era o objetivo dos

seminários trocar o monólogo do professor pelo do aluno. Pelo contrário, gostaríamos de uma

interação entre os grupos e os conteúdos a serem trabalhados. Conforme nos aponta Veiga21,

era necessário desconstruir alguns equívocos que vêm à tona quando decidimos trabalhar com

21 VEIGA, Ilma Passos Alenncastro. O Seminário como técnica de ensino socializado. In: __________. Técnicas de

Ensino: Por que não? Campinas: Papirus, 1991.

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seminários. Além da visão que transforma o seminário em monólogo proferido pelos

estudantes e que apresentam conteúdos fragmentados, sem interação entre si, não gostaríamos

de ver os seminários reduzidos a apresentações superficiais dos conteúdos já trabalhados. Os

alunos buscaram, por meio dos capítulos dos livros por nós disponibilizados, já que grande

parte da turma não possuía o material didático, mas também, por meio de pesquisas na

internet e, mais uma vez, da consulta aos professores, apresentar um conhecimento mais

crítico dos conceitos propostos. Não seguimos à risca o que nos aconselha Veiga, pois fomos

nós que fornecemos os conceitos a serem trabalhados nos seminários. As pressões externas à

sala de aula nos impossibilitava de ter uma autonomia mais ampla nesse trabalho final com os

seminários, o que causava, quase sempre, alterações nos planos.

A partir dos cinco conteúdos incluídos no planejamento inicial, dividimos a turma em

grupos, cada um ficando com um conteúdo. O objetivo era que os estudantes fizessem

apresentações objetivas, não-decorativas, deixando espaço, também, para a intervenção dos

professores e demais estudantes, caso estes quisessem lançar algum questionamento ou

colocação.

Convidamos o professor colaborador para assistir às apresentações, o que mais tarde

nos tornou perceptível ser um grande erro, pois ele argumentava que a turma “não funcionava

com seminários”. Os desempenhos dos grupos variaram de bons a regulares, isso do ponto de

vista da análise de um seminário perfeito. Os grupos se apresentaram bastante interativos,

trabalhando de forma mais profunda do que as atividades escritas e as questões lançadas

durantes as aulas os conceitos problematizados durantes as aulas. Conceitos como Revolução

Russa, Socialismo, Capitalismo, liberalismo, Guerra Fria, família e escola, voltaram à sala

pela voz, desta vez, dos estudantes. A superficialidade se fez presente em algumas

apresentações, o que foi ponderadamente comentado e, na medida do possível, corrigido após

as apresentações. Com o intuito de ajudar nas apresentações e já que os materiais

disponibilizados não forneciam tudo o que queríamos, disponibilizamos um texto elaborado

pelos próprios professores estagiários.

A avaliação foi positiva, mas poderia ter sido mais eficaz se os estudantes tivessem

apresentado uma maior dedicação. É preciso levar em consideração, também, que nós estamos

acostumados a seminários na universidade feitos com um maior rigor e, geralmente, avaliados

com um maior rigor ainda. Não era esse o nosso objetivo, apesar de reconhecermos um

choque de realidades e querermos sempre que os estudantes fizessem algo melhor. Os

estudantes, por outro lado, não estavam acostumados a seminários, visto que, pelo que

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sabemos, o professor de História daquela escola não costuma pedi-los. Assim, eles ainda

costumavam ler suas apresentações e ficavam muito nervosos na frente da turma. Além disso,

estavam tão familiarizados com a única presença do professor a sua frente que desrespeitavam

com conversas os colegas que estavam apresentando os trabalhos.

Reservamos uma aula para cada grupo, mas as apresentações duravam um tempo

menor, o que nos fazia aproveitar o restante para fazermos comentários que consideramos

relevantes e, também, para pedir a participação da turma. Um grande problema identificado

foi ocasionado pela presença do professor colaborador na sala de aula, durante as

apresentações. Isso causava um grande transtorno entre os alunos, pois quando exigíamos

silêncio, os alunos buscavam se retratar ao professor e não a nós, estagiários, frequentemente

chamados pelos estudantes de “aprendizes de professor”, o que em sua visão, nos retirava

qualquer autoridade sobre eles. As origens desse termo apelativo merecia ser investigado,

apesar de supormos já quem o teria elaborado.

Os seminários foram importantes para os estudantes apresentarem relações entre os

conceitos trabalhados e a nossa realidade. Por exemplo, questões como as tensões da Guerra

Fria foram remarcadas pelas relações que ainda são tensas entre Estados Unidos e Rússia; o

caso de Chernobyl, por exemplo, foi trabalhado como resultado da corrida armamentista, o

liberalismo foi bastante comentado e exemplificado pela atual crise econômica pela qual

passa o mundo. Conflitos políticos entre Socialistas e Capitalistas foram retratados a partir de

exemplos que se tornam evidentes nas campanhas eleitorais, como no próprio caso do Brasil.

Outro tema bastante pertinente foi enfocado pelos grupos que trabalharam os conceitos de

Nazismo e Fascismo, trazendo exemplos de preconceitos racistas que se manifestam

atualmente contra homossexuais, nordestinos e negros. Sem dúvida, esta foi uma das

melhores apresentações, sobretudo porque entre os estudantes, havia um descendente de

alemão que fizera questão de trabalhar com essa temática. Conceitos como vida privada foram

trabalhados a partir de exemplos cotidianos, como o quarto em que dormimos, a configuração

dos nossos lares, as suas subdivisões etc. Os temas que mais se aproximavam do tempo

presente e que ainda se manifestam de maneira profunda, sem dúvida foram os mais

potencialmente significativos, os mais pesquisados e apresentados de maneira mais

convincente.

Considerações Finais

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A iniciação à pesquisa em educação é importante por nos fazer colocar em prática as

hipóteses que são formuladas ao longo do Estágio Supervisionado de Formação de

Professores I. Como propõe qualquer metodologia de pesquisa, é necessária a aplicação de

hipóteses não apenas para que sejam confirmadas ou desprezadas por completo, mas para que

seus pontos frágeis sejam revistos e melhorados. A disciplina Estágio Supervisionado de

Formação de Professores III nos proporcionou justamente essa experiência, pois a aplicação

do projeto em uma turma do 8º ano do Ensino Fundamental gerou uma série de resultados que

nos fizeram enxergar que certas práticas, como os seminários, ainda são vistos com muita

resistência não só por professores da rede pública, mas também dos próprios estudantes.

Algumas técnicas, como os seminários, não produzem resultados imediatos e fazê-las

funcionar é um trabalho que precisa amadurecer dentro do próprio corpo discente. É um

trabalho a longo prazo. Por outro lado, outra expectativa de nossa parte foi apenas

confirmada. A aprendizagem significativa através da construção de conceitos históricos é de

fato o caminho a ser seguido pelo docente, visto que ele contribui para a formação de

cidadãos críticos de sua realidade, que podem assim se localizar no mundo de uma maneira

mais consciente e se libertar de estereótipos fabricados e difundidos acriticamente, mas que

geram incompreensões que culminam em preconceitos vis e até em atos de violência. Assim,

o trabalho com conceitos é sobretudo democrático por fabricar nos adolescentes a reflexão

necessária para a formulação de idéias de tolerância que advém da compreensão de quem é

você e de quem o outro. Foi isso que nos mostrou a aplicação do projeto na disciplina de

Estágio Supervisionado de Formação de Professores III e por isso o ato de pesquisa realizado

nela é importante.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRÉ, Marli Eliza D.A. de. Etnografia da prática escolar. 12ed. Campinas: Papirus, 1995 BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2009, p.189-190.

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PILETTI, Nelson; PILLETI, Claudino. História e Vida Integrada. São Paulo: Ática, 2005.

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VIGOTSKI, Lev Semenovich. A Formação Social da Mente: O desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

Como citar o artigo: ARAÚJO, Felipe Tavares de; CARVALHO, Samuel Jordã da Costa. A análise histórica

através da construção de conceitos em sala de aula. In: SEMINÁRIO DIDÁTICA E ENSINO

DE HISTÓRIA. 20 a 22 de junho de 2011. Anais. Natal, Universidade Federal do Rio Grande

do Norte. Disponível em: <http://sedeh.webnode.com.br/artigos >. Acesso em: DIA mês

ANO.