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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM SOCIEDADES EMPRESÁRIAS: UM ENFOQUE COM BASE NO ARTIGO 50 DO CÓDIGO CIVIL ALEXANDRE SOARES Itajaí, 28 de junho de 2007

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM SOCIEDADES EMPRESÁRIAS: UM

ENFOQUE COM BASE NO ARTIGO 50 DO CÓDIGO CIVIL

ALEXANDRE SOARES

Itajaí, 28 de junho de 2007

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM SOCIEDADES EMPRESÁRIAS: UM

ENFOQUE COM BASE NO ARTIGO 50 DO CÓDIGO CIVIL

ALEXANDRE SOARES

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em

Direito. Orientador: Professor MSc. Marcelo Pettermann

Itajaí, junho de 2007

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AGRADECIMENTO

A Deus por ter me proporcionado a vida e

por me guiar durante a minha caminhada

até a presente data.

Aos meus pais, Cláudio e Maria, pelo amor,

união e compreensão que sempre me

dedicaram.

À minha querida esposa Isabel, pelo amor e

compreensão e o apoio de seguir em frente,

e principalmente pela paciência.

Ao meu irmão Anderson, pelo tempo cedido

para eu poder concretizar esse sonho, que foi

de fundamental importância.

A todas as pessoas com quem trabalhei e

estudei, que ajudaram para o término deste

trabalho.

Ao Professor Mestre Marcelo Pettermann, por

sua dedicação para a realização desta

monografia.

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DEDICATÓRIA

Dedico esta monografia à minha pequena

filha, Maria Eduarda, que somente com seis

meses de idade, deu novo sentido à minha

vida e me ensinou que amor é incondicional.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a

Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a

Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade

acerca do mesmo.

Itajaí, maio de 2007

Alexandre Soares Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade

do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Alexandre Soares,

sob o título “A Aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade

Jurídica em Sociedades Empresarias: um enfoque com base no artigo 50

do Código Civil”, foi submetida em 28/06/2007 à banca examinadora

composta pelos seguintes professores: MSc. Marcelo Pettermann

[Orientador e Presidente da Banca], Roberto Epifânio Tomaz [Membro] e

Andréa Morgado [Membro], e aprovada com a nota 9,5 (nove vírgula

cinco).

Itajaí, junho de 2007

Professor MSc. Marcelo Pettermann Orientador e Presidente da Banca

Professor MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE CATEGORIAS

Abuso da Personalidade Jurídica

É a má utilização da Personalidade Jurídica, excedendo-se aos limites

estabelecidos em lei.

Confusão Patrimonial

É a ausência de separação entre o patrimônio societário e o patrimônio

pessoal de cada um dos sócios, com o fito de causar dano a terceiro.

Desconsideração da Personalidade Jurídica

É “a ignorância, para casos concretos e sem retirar a validade de ato

jurídico específico, dos efeitos da personificação jurídica validamente

reconhecida a uma ou mais sociedades, a fim de evitar um resultado

incompatível com a função da pessoa jurídica”. 1

Desvio de Finalidade

É a disfunção no uso da Personalidade Jurídica com o fito de causar dano

a terceiro.

Função Social

Função idealizada pela norma jurídica na ocasião da criação de um

instituto jurídico, visando o respeito aos direitos de toda a coletividade.

1 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 56.

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Pessoa Jurídica

É um conjunto formado de pessoas e de bens, reunidos em prol de um

objetivo comum, necessariamente lícito, possuindo Personalidade Jurídica

própria e patrimônio distinto do de seus membros.

Personalidade Jurídica

É “a autorização genérica, conferida pelo direito, para a prática de atos

não proibidos”. 2

Princípio da Autonomia Patrimonial

Princípio que estabelece a separação e a distinção entre os bens sociais e

os bens dos sócios de Pessoa Jurídica.

Sociedade Empresária

Sociedade que tem “por objeto o exercício de atividades econômicas

organizadas para a produção e circulação de bens ou de serviços,

próprias de empresário sujeito a registro (...)”.3

Sócio Gerente

Sócio que exibe poderes de mando e de gestão, sendo o responsável

direto pela condução e administração da Pessoa Jurídica.

2 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 143.

3 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 227.

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SUMÁRIO

RESUMO .............................................................................................X

INTRODUÇÃO .................................................................................... 1

CAPÍTULO 1........................................................................................ 3

A PESSOA JURÍDICA.......................................................................... 3 1.1 DISTINÇÃO ENTRE PESSOA JURÍDICA E PESSOA NATURAL ...........................3 1.2 ORIGEM HISTÓRICA DA PESSOA JURÍDICA ....................................................6 1.3 CONCEITO DA PESSOA JURÍDICA ..................................................................9 1.4 NATUREZA JURÍDICA DA PESSOA JURÍDICA ................................................12 1.4.1 Teorias da Ficção..........................................................................................13 1.4.2 Teorias da Equiparação...............................................................................14 1.4.3 Teorias da Realidade....................................................................................15 1.4.4 Teorias Negativistas.......................................................................................17 1.4.5 Teorias da Instituição ....................................................................................18 1.5 CLASSIFICAÇÃO DAS PESSOAS JURÍDICAS SEGUNDO O CÓDIGO CIVIL 19 1.6 ASPECTOS GERAIS DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS ..................................22

CAPÍTULO 2...................................................................................... 25

A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA......................................................................................................... 25 2.1 A FUNÇÃO SOCIAL DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS ................................25 2.2 O DESVIO DE FUNÇÃO DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS ............................28 2.3 ORIGEM HISTÓRICA DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.................................................................................30 2.4 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.................................................................................34 2.5 PRESSUPOSTOS DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.................................................................................38 2.6 ASPECTOS PROCESSUAIS DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.......................................41 2.6.1 Da responsabilização do Sócio Gerente ..................................................41 2.6.2 Caráter excepcional de aplicação ..........................................................42 2.6.3 Observância aos princípios constitucionais do Devido Processo Legal, Contraditório e Ampla Defesa.............................................................................44

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CAPÍTULO 3...................................................................................... 46

A APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM SOCIEDADES EMPRESÁRIAS: UM ENFOQUE COM BASE NO ARTIGO 50 DO CÓDIGO CIVIL ............ 46 3.1 AS RAZÕES QUE MOTIVARAM A INSERÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO .........................................................................................46 3.2 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA POSITIVAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO ARTIGO 50 DO CÓDIGO CIVIL .....................................................................................................47 3.3 CARACTERÍSTICAS DO ARTIGO 50 DO CÓDIGO CIVIL...............................51 3.3.1 Ato emanado de autoridade judicial .......................................................51 3.3.2 Abuso da Personalidade Jurídica ..............................................................54 3.3.2.1 Desvio de Finalidade.................................................................................56 3.3.2.2 Confusão Patrimonial ................................................................................59 3.3.3 Legitimidade para o requerimento ...........................................................62 3.3.4 Gradação ......................................................................................................63 3.3.5 Imputação aos administradores e sócios .................................................65

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 68

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS .............................................. 71

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RESUMO

A presente monografia trata da aplicação da Teoria

da Desconsideração da Personalidade Jurídica em Sociedades

Empresárias, tomando como base de estudo o artigo 50 do Código Civil

(Lei n.º 10.406/02), que instituiu pressupostos próprios para seu emprego em

litígios de natureza cível. Assim, inicialmente, foi examinado o instituto da

Pessoa Jurídica e suas principais características, natureza jurídica, teorias,

dentre outras questões, para, em momento posterior, analisar a referida

Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica em termos gerais e,

finalmente, analisar sua aplicação mediante a satisfação dos requisitos

previstos no artigo 50 do Código Civil.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho científico tem como objeto de

estudo a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica em

Sociedades Empresárias, tomando como base de estudo o dispositivo

contido no artigo 50 do Código Civil (Lei n.º 10.406/02).

Seu objetivo institucional foi o de produzir uma

monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito, pela

Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.

Teve como objetivo geral examinar o instituto da

Pessoa Jurídica, suas características, finalidades e Função Social, bem

como analisar a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica,

como mecanismo de coibir e punir atos abusivos e fraudulentos

praticados ilicitamente pelos sócios da Pessoa Jurídica.

Já o objetivo específico do estudo é investigar a

aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica em

Sociedades Empresárias, com base no disposto do artigo 50 do Código

Civil, preceptivo legal que, atendendo às necessidades sociais, cuidou de

positivar a referida teoria no ordenamento jurídico pátrio.

O método utilizado para atingir os objetivos propostos

foi o indutivo e a principal técnica empregada foi a de pesquisa

bibliográfica.

A pesquisa foi desenvolvida tendo como base as

seguintes hipóteses:

a) Considerando-se que a Pessoa Jurídica é um

instrumento criado pela norma jurídica objetivando certa finalidade, deve

tal instituto obedecer a uma Função Social;

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2

b) A aplicação da Teoria da Desconsideração da

Personalidade Jurídica em Sociedades Empresárias exigiria a observância

a certos pressupostos, tais como a configuração da prática de atos

abusivos e fraudulentos;

c) O artigo 50 do Código Civil (Lei n.º 10.406/02) tem

como pressupostos de aplicação o Abuso da Personalidade Jurídica,

caracterizado pelo Desvio de Finalidade ou pela Confusão Patrimonial.

As variáveis observadas consistem em eventuais

alterações legislativas ou mesmo em eventuais divergências doutrinárias.

A monografia foi dividida em três capítulos, sendo que

o primeiro trata da Pessoa Jurídica, sua origem história, conceito,

finalidade, características, assim como acerca da Função Social que o

instituto deve obedecer a fim de ser tutelado pelo Direito.

O segundo capítulo, por sua vez, busca investigar os

aspectos e características da Teoria da Desconsideração da

Personalidade Jurídica, a qual se traduz em mecanismo criado pela

técnica jurídica com a finalidade de coibir e punir atos abusivos e

fraudulentos praticados pelos sócios da Pessoa Jurídica.

Por fim, o terceiro capítulo investiga a aplicação da

Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica em Sociedades

Empresárias, com base no disposto no artigo 50 do Código Civil,

examinando o Abuso da Personalidade Jurídica, caracterizado pelo

Desvio de Finalidade ou Confusão Patrimonial, como pressupostos eleitos

pela norma para o seu emprego no caso concreto.

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CAPÍTULO 1

A PESSOA JURÍDICA

1.1 DISTINÇÃO ENTRE PESSOA JURÍDICA E PESSOA NATURAL

Antes de se adentrar o estudo da Pessoa Jurídica,

mostra-se necessário apresentar as principais diferenças existentes entre tal

instituto e a pessoa natural, consideradas evidentes discrepâncias que

impõem sua distinção como sujeitos de direitos independentes e com

Personalidade Jurídica própria.

Inicialmente, convém esclarecer que, segundo Wald4 o

termo “pessoa” deriva da palavra latina persona, que representa a

máscara do ator, através da qual saía o som de sua voz, explicando ainda

que, per sonare, quer dizer ecoar ou fazer ressoar.

Diniz5, por sua vez, explica que:

Para a doutrina tradicional “pessoa” é o ente físico ou

coletivo suscetível de direitos e obrigações, sendo sinônimo

de sujeito de direito. Sujeito de direito é aquele que é sujeito

de um dever jurídico, de uma pretensão ou titularidade

jurídica, que é o poder de fazer valer, através de uma ação,

o não-cumprimento do dever jurídico, ou melhor, o poder

de intervir na produção da decisão judicial.

Venosa6, ao tratar da distinção entre entes

personalizados, aclara que é possível atribuir capacidade tanto à pessoa

4 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 142.

5 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 115-116.

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natural (indivíduo), quanto a um grupo de pessoas ou um conjunto

patrimonial criado em torno de um fim. Por fim, o referido autor conclui:

O traço comum de ambas as entidades é a personalidade;

a pessoa jurídica, na vida civil, age como qualquer pessoa

natural, nos atos que com ela são compatíveis. Os grupos,

portanto, que se unem para realizar determinados fins,

ganham personalidade no direito moderno, tornando-se

sujeitos de direitos e obrigações.

Coelho7 ao explanar sobre os sujeitos personificados,

confirma que o termo “pessoa” pode se referir à pessoa física (sujeito de

direito humano) ou à Pessoa Jurídica (não humano), sendo que ambas

“estão autorizadas à prática dos atos e negócios jurídicos em geral”, isto é,

“podem fazer tudo o que quiserem, desde que para elas não seja

proibido”.

Da mesma forma, o Código Civil, proclama em seu art.

1º que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”,

fazendo presumir que tanto a pessoa física quanto a Pessoa Jurídica tem

aptidão para exercer direitos e contrair obrigações em nome próprio.

Importante ressaltar ainda que, consoante ensina

Diniz8, a Personalidade Jurídica é um conceito básico da ordem jurídica,

porquanto:

Liga-se à pessoa a idéia de personalidade, que exprime a

aptidão genérica para adquirir direitos e contrair

obrigações. Deveras, sendo a pessoa natural (ser humano)

ou jurídica (agrupamentos humanos) sujeito das relações

jurídicas e a personalidade a possibilidade de ser sujeito, ou

seja, uma aptidão a ele reconhecida, toda pessoa é

dotada de personalidade.

6 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 223.

7 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, p. 142.

8 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 116.

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5

Nesse diapasão, Coelho9 considera tanto a pessoa

física quanto a Pessoa Jurídica como um sujeito de direito, conceituando

esse como “o centro de imputação de direitos e obrigações pelas normas

jurídicas”. Mais adiante conceitua a Personalidade Jurídica10 como a “a

autorização genérica, conferida pelo direito, para a prática de atos não

proibidos”.

Assim, constata-se que a própria lei reconhece à

pessoa física e à Pessoa Jurídica a capacidade para serem sujeitos de

direitos e obrigações, fazendo, contudo, distinções entre ambas, visto que

são entidades independentemente consideradas na ordem jurídica.

Seguindo essa linha de raciocínio, Rodrigues11 entende

que o escopo do direito é a proteção dos interesses humanos e é com

esse intuito que a lei empresta Personalidade Jurídica às Pessoas Jurídicas:

A esses seres, que se distinguem das pessoas que os

compõem, que atuam na vida jurídica ao lado dos

indivíduos humanos e aos quais a lei atribui personalidade,

ou seja, a prerrogativa de serem titulares do direito [...].

Revela-se necessário esclarecer também qual é o

conceito de capacidade jurídica. Nesse ínterim, Diniz12 preleciona que

capacidade é a medida jurídica da Personalidade Jurídica, sendo que

“para ser ‘pessoa’ basta que o homem exista, e, para ser “capaz”, o ser

humano precisa preencher os requisitos necessários para agir por si, como

sujeito ativo ou passivo de uma relação jurídica”.

9 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, p. 138.

10 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, p. 143.

11 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 86.

12 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 117.

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6

Venosa13, ao seu tempo, preleciona que a

capacidade da pessoa natural é plena e a capacidade da Pessoa

Jurídica é limitada à finalidade para a qual ela fora criada, sendo que

seus poderes encontram-se delimitados nos seus atos constitutivos, bem

como pela própria lei.

De todo o exposto, verifica-se que tanto a doutrina

quanto a própria lei são uníssonas ao reconhecerem que, a Pessoa

Jurídica possui Personalidade Jurídica que a habilita a adquirir direitos e

contrair obrigações, possuindo também capacidade jurídica para o

exercício de vários atos em nome próprio. Logo, conclui-se que,

independentemente de seus membros, a Pessoa Jurídica deve ser

encarada como sujeito ativo e passivo de relações jurídicas.

1.2 ORIGEM HISTÓRICA DA PESSOA JURÍDICA

A Pessoa Jurídica é um instituto, cuja exata origem

histórica é desconhecida, não podendo ser apontado, com certeza, o

momento específico do seu nascimento no seio da sociedade.

Entretanto, é possível perceber que seus primeiros

contornos nasceram no Direito Canônico, observando-se também que

suas características foram sofrendo transformações ao longo dos tempos,

de acordo com as necessidades sociais que se apresentavam em cada

época.

Nesse sentido, Marinoni e Lima Júnior14 explicam que

“a idéia de pessoa jurídica foi construída ao longo dos séculos, fundada

13 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, p. 240-241.

14 MARINONI, Luiz Guilherme. LIMA JÚNIOR, Marcos Aurélio de. Fraude – configuração – prova – desconsideração da personalidade jurídica. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 783, jan. 2001, p. 138.

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7

especialmente na necessidade de congregação de esforços e capitais

para a consecução de objetivos comuns”.

Ao adentrar o tema em apreço, Coelho15 esclarece

que “os alicerces da teoria da pessoa jurídica encontram-se na Idade

Média, em noções destinadas a atender às necessidades de organização

da Igreja Católica e a preservação de seu patrimônio”, visto que:

(...) o direito canônico separava a Igreja, como corporação,

de seus membros (clérigos), afirmando que aquela tem

existência permanente, que transcende a vida transitória

dos padres e bispos. (...) A afirmação da vida da igreja em

separado leva à distinção entre o patrimônio dela e o de

cada membro do clero.

Monteiro16 seguindo tal linha, leciona que na primeira

fase do Império Romano havia associações de interesse público, tais

como as universitates, sodalitates, corpora e collegia, mas que “foi o

direito canônico que desenvolveu tal instituto com o incremento das

fundações, então denominadas corpus mysticum”.

Compactuando, Venosa17 ressalva que no Direito

Romano não se tinha a noção abstrata de Pessoa Jurídica, uma vez que

os romanos acreditavam que, se um patrimônio pertencia a diversas

pessoas, seus titulares não formavam uma entidade abstrata

(corporação), entendendo que tais bens “pertenciam aos diferentes

indivíduos que constituíam o conjunto, sendo cada um, titular de uma

parte dos bens”.

15 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, p. 230.

16 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 127.

17 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, p. 224.

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Mais adiante, Venosa18 assinala, ainda, a existência de

duas grandes categorias de Pessoas Jurídicas designadas por

denominações não romanas, quais sejam: universitates personarum e

universitates rerum, explicando que as primeiras eram “as associações de

pessoas que têm personalidade própria, distinta de seus membros (...)”; e

as segundas, “as fundações formadas por uma massa de bens destinada

a fins determinados, como fins pios, religiosos ou de instrução”.

Do apresentado, extrai-se que a provável origem

histórica da Pessoa Jurídica remonta aos tempos medievais, mais

precisamente, das necessidades da Igreja Católica que, exercia papel

fundamental na sociedade, haja vista, a conhecida confusão existente

entre Estado e Igreja, que vigorava durante esse período histórico.

Por sua vez, Justen Filho19 salienta que embora a

Pessoa Jurídica tenha tomado contornos mais definidos na Idade Média,

foi a partir do século XIX, que se observou “a ampliação da aplicação do

conceito para agrupamentos contingentes, situacionais”, denotando uma

verdadeira “generalização da personificação” que, com a Revolução

Industrial, alcançou seu apogeu, dadas as necessidades econômicas que

emergiam.

Em que pese a necessidade de se demonstrar a

origem e desenvolvimento da Pessoa Jurídica em épocas passadas,

entende-se que mais relevante é o estudo do instituto nos tempos atuais,

eis que, conforme frisa Venosa20 “o século XX (...) foi o século da pessoa

jurídica”, já que, hodiernamente, “sentimos um crescimento exacerbado

da importância das pessoas jurídicas”. Com isso, passa-se ao estudo de

18 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, p. 224.

19 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro, p. 18-19.

20 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, p. 231.

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9

seu conceito e contornos atuais, segundo o entendimento da doutrina

pátria.

1.3 CONCEITO DE PESSOA JURÍDICA

Do até então apresentado, é certo afirmar que a

origem da Pessoa Jurídica está invariavelmente ligada à necessidade de

conjugação de forças a fim de possibilitar a realização de

empreendimentos, isto é, de desígnios comuns a seus integrantes, servindo

a mesma, também, como um instrumento jurídico de separação de bens.

Nessa esteira, Venosa21 frisa que “é por meio da pessoa

jurídica que o homem sobrepuja suas limitações e transcende a brevidade

de sua vida”.

Não é outro o posicionamento de Rodrigues22 sobre a

questão:

A pessoa jurídica surge para suprir a própria deficiência

humana. Freqüentemente o homem não encontra em si

forças e recursos necessários para uma empresa de maior

vulto, de sorte que procura, estabelecendo sociedade com

outros homens, constituir um organismo capaz de alcançar

o fim almejado.

Wald23 faz referência a outras terminologias

empregadas ao instituto da Pessoa Jurídica, como: pessoa moral, civil,

fictícia, incorpórea, intelectual, elucidando:

Algumas vezes, trata-se de uma formação histórica

necessária, como ocorre em relação ao Estado – pessoa

21 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, p. 229-230.

22 RODRIGUES, Silvio. Direito civil, p. 86.

23 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro, p. 141.

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10

jurídica de Direito Público – outras vezes, é um grupo de

homens que trabalha para um fim lucrativo ou não

(associações ou sociedades) e, finalmente, em certos casos,

é um patrimônio afetado pelo seu proprietário a uma

finalidade determinada de acordo com normas fixadas

pelo instituidor (fundação).

Ao seu turno, Diniz24 destaca que o ser humano é um

ser eminentemente social e que por essa condição une-se a outros

homens, formando agrupamentos, com o fito de atingir seus objetivos.

Adiante deduz o seguinte conceito:

Assim, a pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais ou

de patrimônios, que visa à consecução de certos fins,

reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e

obrigações. Três são os seus requisitos: organização de

pessoas ou de bens; liceidade de propósitos ou fins; e

capacidade jurídica reconhecida por norma.

Já Monteiro25 entende que a criação da Pessoa

Jurídica encontra-se baseada em duas forças fundamentais, simultâneas e

concorrentes, ou seja da “tendência inata do homem para o convívio em

sociedade” e, também da “acenada vantagem que resulta da

conjugação de forças que se expressa pelo princípio mecânico da

composição de forças no paralelogramo (...)”.

Fabretti26 define que “a associação de duas ou mais

pessoas, que visam a um objetivo comum e que se vinculam por um

contrato, constitui a pessoa jurídica”. Na seqüência, aduz: “por ser um

ente abstrato, é representada pelos administradores, sócios ou não, aos

quais o contrato social atribui esse poder”.

24 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 205-206.

25 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, p. 126.

26 FABRETTI, Láudio Camargo. Direito de Empresa no Novo Código Civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 48.

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De outro norte, Coelho27 emprega posicionamento

mais voltado à questão dos bens, aduzindo que “o instituto da pessoa

jurídica é uma técnica de separação patrimonial” e que, em razão do

Princípio da Autonomia Patrimonial28, contemplado pelo art. 20 do Código

Civil de 191629, “a pessoa jurídica e cada uma dos seus membros são

sujeitos de direito autônomos, distintos e inconfundíveis”.

Ao examinar o instituto da Pessoa Jurídica

propriamente dito, Diniz30 afirma que, embora sofra algumas limitações

decorrentes de sua condição jurídica, sua capacidade se estende a todos

os ramos do direito, sendo que seus direitos subjetivos não se limitam à

esfera patrimonial, posto que:

Tem direito à identificação, sendo dotada de uma

denominação, de um domicílio e de uma nacionalidade.

Logo, tem direito à personalidade, como o direito ao nome,

à liberdade, à própria existência, à boa reputação (CC, art.

52); direitos patrimoniais ou reais (ser proprietária,

usufrutuária etc); direitos industriais (CF, art. 5º, XXIX); direitos

obrigacionais (de contratar, comprar, vender, alugar etc) e

direitos à sucessão, pois pode adquirir bens causa mortis.

Desse modo, considerados os ensinamentos

pesquisados, é preciso partir da idéia de que a Pessoa Jurídica, uma vez

registrada31, é um mecanismo criado pelos homens e ratificado pela lei, a

27 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, p. 232-233.

28 Coelho [In Curso de Direito Civil, p. 232-233] aclara que “em decorrência do princípio da autonomia da pessoa jurídica, é ela (e não os seus integrantes) que participa dos negócios jurídicos de seu interesse e titulariza os direitos e obrigações decorrentes. Também é ela quem demanda e é demandada em razão de tais direitos e obrigações. Finalmente, é apenas o patrimônio da pessoa jurídica (e não o de seus integrantes) que, em princípio, responde por suas obrigações”.

29 O Código Civil de 1916 (Lei n.º 3.071, de 1º/01/1916) dispunha, em seu art. 20, que “as pessoas jurídicas não se confundem com as pessoas que a integram”.

30 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 237.

31 Segundo preceitua o Código Civil (Lei n.º 10.406/02) em seu artigo 45 “Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou

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fim de possibilitar não somente a distinção patrimonial, mas também a

realização de atividades que demandam o esforço de mais uma pessoa

natural.

Há que se salientar ainda o fato de que nem sempre as

Pessoas Jurídicas são constituídas com fins econômicos, ou seja, visando o

lucro, haja vista existirem entidades criadas para praticar caridade,

assistência social, ou mesmo com objetivos religiosos ou culturais. Contudo,

para fins desse trabalho, considerar-se-á somente as primeiras, isto é, as

Pessoas Jurídicas instituídas com finalidade empresarial.

Por derradeiro, tem-se que a Pessoa Jurídica é tratada,

de modo geral, como um conjunto formado de pessoas e de bens,

reunidos em prol de um objetivo comum, necessariamente lícito,

possuindo Personalidade Jurídica própria e patrimônio distinto do de seus

membros, conceito este que operacionaliza esse trabalho.

1.4 NATUREZA JURÍDICA DA PESSOA JURÍDICA

Apresentados possíveis conceitos propostos para o

instituto sob exame, emerge igualmente importante tratar acerca da

natureza jurídica da Pessoa Jurídica; tema que, segundo a doutrina pátria,

é sobremodo controverso, ensejando o surgimento de diversas teorias que

buscam elucidar o assunto, as quais passa-se a examinar.

aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo”. Na seqüência, o art. 46 do mesmo diploma dispõe que “o registro declarará a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver; o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores; o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente; se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo; se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais; as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso”.

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1.4.1 Teorias da Ficção

Conforme aclara Venosa32, para os adeptos dessa

teoria, dentre eles Savigny, apenas o homem possui prerrogativas de

direitos, sendo que “quando se atribuem direitos a pessoas de outra

natureza, isso se trata de simples criação da mente humana, construindo-

se uma ficção jurídica”.

Do mesmo modo, Rodrigues33 expõe que, segundo a

Teoria da Ficção Legal, “enquanto a personalidade natural é uma criação

da natureza e não do direito, a personalidade jurídica somente existe por

determinação da lei”.

A respeito de tal corrente, Monteiro34 propugna que a

mesma fora sustentada por Savigny e defendida por Vareilles-Sommières,

para os quais a Pessoa Jurídica não existiria senão na inteligência humana,

como uma imaginação, uma realidade sem objetividade. Explica ainda

que, no fundo, essa teoria não diverge da teoria propalada por Ihering,

para o qual “a pessoa jurídica não é senão um sujeito aparente, um

expediente técnico, a ocultar os verdadeiros sujeitos, que são sempre os

homens”.

Já Diniz35 critica tais teorias, sob o seguinte argumento:

Não se pode aceitar esta concepção, que, por ser abstrata,

não corresponde à realidade, pois se o Estado é uma

pessoa jurídica, e se se concluir que ele é ficção legal ou

doutrinária, o direito que dele emana também o será.

Com efeito, nota-se que tanto Diniz36 quanto Venosa37

e Monteiro38 entendem que tais teorias são contraditórias, apresentando

32 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, p. 235.

33 RODRIGUES, Silvio. Direito civil, p. 87.

34 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, p. 130.

35 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 207.

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um defeito que as coloca numa posição de franco descrédito, pois não

explicam o fato de que o próprio Estado é uma Pessoa Jurídica e, como

tal, não pode ser considerado como mera invenção legal.

Ademais, adotando-se tal exegese, ter-se-ia,

invariavelmente, que o próprio direito é uma ficção, vez que emanado do

Estado, o que é igualmente inadmissível.

1.4.2 Teorias da Equiparação

Para essa doutrina, defendida por Windscheid e Brinz,

“a pessoa jurídica é um patrimônio equiparado no seu tratamento jurídico

às pessoas naturais”, segundo ilustra Diniz39.

Conforme ensina Monteiro40, essa corrente se

assemelha à da ficção, pois nega à Pessoa Jurídica qualquer

Personalidade Jurídica como substância. O referido autor esclarece:

Ela admite, tão somente, que há certas massas de bens,

determinados patrimônios, equiparados, no seu tratamento

jurídico, às pessoas naturais. As pessoas jurídicas não passam

de meros patrimônios destinados a um fim específico, ou

patrimônios personificados pelo direito, tendo em vista o

objetivo a conseguir.

Porém, ao concluir seu raciocínio, Diniz41 critica tal

pensamento, classificando-o como “inaceitável porque eleva os bens à

36 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 207.

37 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, p. 235.

38 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, p. 130.

39 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 207.

40 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, p. 130.

41 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 207.

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categoria de sujeito de direitos e obrigações, confundindo pessoas com

coisas”.

Sob a mesma ótica, Monteiro42 explica que segundo

Del Vecchio, tal concepção é inadmissível, uma vez que “personifica o

patrimônio, elevando os bens ao plano de sujeitos de direitos, e, por outro

lado, rebaixa as pessoas, até confundi-las com as coisas”.

Sopesados tais argumentos, infere-se que a doutrina da

equiparação também não encontra mais respaldo entre os doutrinadores

mais atuais, não sendo segura, haja vista a clara distinção que há que se

fazer entre pessoas e bens.

1.4.3 Teorias da Realidade

Acerca dessa doutrina, Venosa43 expõe que a mesma

considera a Pessoa Jurídica como realidade social.

Uma de suas vertentes, a “teoria da realidade objetiva

ou orgânica”, na visão de Diniz44, “recai na ficção quando afirma que a

pessoa jurídica tem vontade própria, porque o fenômeno volitivo é

peculiar ao ser humano e não ao ente coletivo”.

Para Monteiro45, a “teoria da realidade objetiva”

considera que pessoa não é somente o homem, eis que “junto deste há

entes dotados de existência real, tão real quanto a das pessoas físicas”,

tomando as Pessoas Jurídicas como “realidades vivas”. Por fim, explicita

42 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, p. 130-131.

43 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, p. 207.

44 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 207.

45 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, p. 131.

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16

que o principal defensor dessa corrente foi Otto Gierke, tendo ela grande

difusão na Alemanha, com Von Tuhr e Zitelmann.

Sobre a mesma subcorrente, Rodrigues46 consigna que

a mesma é de procedência germânica e que, segundo o que divulga,

“[...] as pessoas jurídicas, longe de serem mera ficção, são uma realidade

sociológica, seres com vida própria, que nascem por imposição das forças

sociais”.

Por outro lado, “a doutrina da realidade técnica ou

jurídica”, outra subdivisão das doutrinas sob comento, segundo Monteiro47,

é eclética, pois se posiciona entre a Teoria da Ficção e da Realidade

Objetiva, reconhecendo em cada uma, parcela de verdade, sob o

argumento de que “do ponto de vista físico e natural, só a pessoa física é

realidade. Sob esse aspecto, portanto, a pessoa jurídica não passará de

ficção”.

A respeito da Teoria da Realidade Técnica, Rodrigues48

propugna que a mesma considera a Personalidade Jurídica com um

expediente de ordem técnica, útil para alcançar indiretamente alguns

interesses humanos.

Consoante bem ensina Monteiro49, a Pessoa Jurídica é

dotada do mesmo subjetivismo outorgado à pessoa física, sendo que a

mesma possui uma realidade jurídica e não uma realidade física como a

pessoa natural ou física. De tal modo, constata-se que a Personalidade

Jurídica não é uma ficção, mas um atributo concedido pela própria lei a

certos entes merecedores de tal prerrogativa.

46 RODRIGUES, Silvio. Direito civil, p. 88.

47 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, p. 131.

48 RODRIGUES, Silvio. Direito civil, p. 88.

49 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, p. 132.

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1.4.4 Teorias Negativistas

Em conformidade ao já exposto, verifica-se que há

teorias que reconhecem às Pessoas Jurídicas o atributo da Personalidade

Jurídica. A contrario sensu, existem teorias que negam a própria existência

da Pessoa Jurídica, reconhecendo somente os seres humanos como

sujeitos de direitos.

Venosa50 leciona que nessa categoria pode ser

enquadrado M. Planiol, para quem “a denominação ‘pessoa jurídica’

mascara um ‘patrimônio coletivo’ ou uma ‘propriedade coletiva’ (...)”. Ao

final, registra:

A identificação que faz M. Planiol da propriedade coletiva

com a pessoa jurídica complica mais o problema da

natureza jurídica, pois é evidente que a existência de um

patrimônio deve ter como referência uma coletividade;

contudo, essa coletividade não pode ser confundida com

seus membros integrantes. Não podemos negar, portanto,

que ao lado da pessoa natural existe uma pessoa criada

pelo Direito, uma pessoa jurídica.

Todavia, conforme já fartamente exposto, é

incontroverso em termos doutrinários e legais, que a Pessoa Jurídica possui

Personalidade Jurídica própria e distinta de seus membros, o que impõe,

inevitavelmente, a rejeição da teoria ora sob estudo, posto que a mesma

contraria o que fora até então apurado acerca do instituto.

50 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, p. 238.

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1.4.5 Teorias da Instituição

Por último, explanar-se-á acerca das teorias da

instituição, para as quais, segundo explica Rodrigues51, “uma instituição

preexiste ao momento em que a pessoa jurídica nasce”, porquanto

“envolve uma idéia que cria um vínculo social, unindo indivíduos que

visam a um mesmo fim; (...)”.

Diniz52, ao tratar dessas teorias, preleciona que para

elas, o direito tanto pode conceder a Personalidade Jurídica aos

humanos, como também a “agrupamentos de pessoas ou de bens que

tenham por escopo a realização de interesses humanos”.

Sob o título de “doutrina da instituição”, Venosa53

informa que a mesma foi criada por Maurice Hariou e desenvolvida por

George Bonnard, sendo que, de acordo com essa opinião, “existe na

realidade social uma série de realidades institucionais que se apresentam

à observação como constituindo uma estrutura hierárquica”. Ao fim,

assinala que para Hariou, “uma instituição dá idéia de obra, de empresa

que se desenvolve, realiza e projeta, dando formas definidas aos fatos

sociais”.

Ainda, importante transcrever o ensinamento de

Rodrigues54 sobre tais teorias:

A instituição tem uma vida interior representada pela

atividade de seus membros, que se reflete numa posição

hierárquica estabelecida entre os órgãos diretores e os

demais componentes, fazendo, assim, com que apareça

uma estrutura orgânica. Sua vida exterior, por outro lado,

manifesta-se por meio da sua atuação no mundo do direito,

51 RODRIGUES, Silvio. Direito civil, p. 88.

52 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 207.

53 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, p. 239.

54 RODRIGUES, Silvio. Direito civil, p. 89.

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com o escopo de realizar a idéia comum. Quando a

instituição alcança certo grau de concentração e de

organização torna-se automaticamente pessoa jurídica.

Arrematando sua explanação sobre a matéria, Diniz55

aponta que “essa teoria é a que melhor atende à essência da pessoa

jurídica, por estabelecer, com propriedade, que a pessoa jurídica é uma

realidade técnica”.

De outra banda, Rodrigues56 se furta de criticar tais

correntes, sob o entendimento de que “cada qual, de certo modo,

oferece um adminículo para melhor compreensão do fenômeno”,

completando: “a título de conclusão provisória sobre o assunto”, pode-se

concluir que “tais instituições existem efetivamente”.

Por fim, contrariando a tese recém esposada por Diniz

e Rodrigues, Venosa57 argumenta que “tal doutrina nada aclara sobre a

existência da pessoa jurídica”.

Em que pese a existência de eventuais divergências

doutrinárias, infere-se que as teorias ora examinadas são as que melhor se

coadunam com a hodiernos contornos exibidos pelo instituto da Pessoa

Jurídica, haja vista considerar tal ente como um fruto da técnica jurídica,

positivado e regulamentado pelo direito, razões pelas quais, adotar-se-á a

mesma como norte nesse trabalho.

1.5 CLASSIFICAÇÃO DAS PESSOAS JURÍDICAS SEGUNDO O CÓDIGO CIVIL

Consoante já explanado, a Pessoa Jurídica constitui-se

em instituto que, ao longo da evolução da sociedade humana, sofreu

55 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 207.

56 RODRIGUES, Silvio. Direito civil, p. 89.

57 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, p. 239.

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consideráveis transformações que visavam adequá-la às necessidades e

interesses de cada época histórica. Com isso, atualmente, é possível

vislumbrar que a Pessoa Jurídica assume variadas formas.

Com o escopo de esclarecer acerca das principais

diferenças existentes entre as distintas espécies de Pessoas Jurídicas

existentes, tomar-se-á como ponto de partida a critério de diferenciação

legal, adotando a classificação realizada pelo Código Civil, Lei n.º 10.406,

de 10/01/2002.

Assim, cumpre registrar que a referida lei, preceitua em

seu artigo 40, que “as pessoas jurídicas são de direito público, interno ou

externo, e de direito privado”.

Adiante, em seu artigo 41, o citado diploma

substantivo enuncia que as Pessoas Jurídicas de direito público interno são:

a União; os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; os Municípios; as

autarquias, inclusive as associações públicas; e as demais entidades de

caráter público, criadas por lei.

Na seqüência, proclama no artigo 42 que “são pessoas

jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as

pessoas que forem regidas pelo direito internacional público”. Por fim,

arrola como Pessoas Jurídicas de direito privado, as associações; as

sociedades; as fundações; as organizações religiosas; e os partidos

políticos.

Impende destacar, desde já, que o presente trabalho

limita-se à análise de somente uma das espécies recém citadas, qual seja:

das sociedades, especialmente as empresárias. Porém, em um primeiro

momento, necessário se mostra esclarecer acerca das diferenças

existentes entre tais categorias explicitadas pelo Código Civil.

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Para tanto, cumpre parafrasear Coelho58, para quem a

fundação se diferencia da associação e da sociedade, porquanto resulta

da afetação de um patrimônio59 a uma determinada finalidade60,

enquanto que estas resultam da união de esforços de pessoas em torno

de um objetivo. Continuando, o aludido autor preleciona que na

associação, as pessoas se reúnem com fins não econômicos61 e que nas

sociedades62, observa-se que as pessoas visam a exploração de uma

atividade econômica, com o fito de lucro. Enfim, completa:

As sociedades se dividem em simples e empresárias,

segundo a forma como organizam a exploração da

atividade econômica a que se dedicam. As sociedades

empresárias, por sua vez, podem ser de cinco tipos: nome

coletivo, comandita simples, comandita por ações, limitada

ou anônima.

Com isso, objetivando atingir os fins colimados pelo

presente estudo e, em observância à necessidade de delimitação do

tema, passar-se-á à investigação dos principais aspectos atinentes às

Sociedades Empresárias, isto é, às Pessoas Jurídicas instituídas com

finalidade precipuamente econômica e empresária.

58 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, p. 237.

59 Conforme redação do artigo 62 do Código Civil, “para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la”.

60 Ex vi do parágrafo único do artigo 62 do Código Civil, “a fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência”.

61 Nos termos do artigo 53 do Código Civil, “constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos”.

62 O artigo 981 do Código Civil preceitua que “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”.

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1.6 ASPECTOS GERAIS DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS

Segundo proclama o Código Civil, em seus artigos 982

e 983, salvo as exceções expressas, considera-se Empresária a sociedade

que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário, sujeita

a registro e, simples, as demais; ressaltando-se que as Sociedades

Empresárias devem constituir-se, obrigatoriamente, segundo um dos tipos63

regulados nos artigos 1.039 a 1.092 do citado Código.

A fim de conceituar o instituto Sociedade Empresária,

mister transcrever a seguinte diferenciação, proposta por Coelho64:

As sociedades, como já dito, podem ser empresárias ou

simples, de acordo com a forma como é organizada a

exploração da atividade econômica. Se esta é explorada

pela forma empresarial, isto é, com a articulação de quatro

fatores de produção (capital, mão-de-obra, insumo e

tecnologia), considera-se empresária a pessoa jurídica da

sociedade. (...) Quando ausentes os elementos

caracterizadores da empresa, porém, a sociedade é

simples.

Estabelecida a distinção entre as espécies do gênero

sociedade, cumpre tecer explanação acerca dos aspectos primordiais

que caracterizam a categoria Sociedade Empresária.

Examinando o assunto, Mamede65 explicita que o

conceito de empresa está ligado à idéia de organização, explicando que

“a palavra orgam (...), em grego, refere-se a ‘cada uma das partes dum

mecanismo que exercem função especial’ (...)”. Em remate, conclui seu

pensamento, ensinando:

63 Nome coletivo, comandita simples, comandita por ações, limitada ou anônima.

64 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, p. 253.

65 MAMEDE, Gladston. Empresa e Atuação Empresarial. 1. v. São Paulo; Atlas, 2004, p. 42.

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A empresa, na sua qualidade de organização, é um

conjunto de partes com funções específicas, constituída

artificialmente pelo engenho humano, com a finalidade de

otimizar a atuação no plano econômico, ou seja, de

produzir riquezas. Opõe-se ao trabalho essencialmente

individual, ainda que desempenhado em grupo, pois nesse

não há divisão de categorias, não há ligação entre atos

coordenados, nem definição de procedimentos voltados

para a concretização dos resultados.

Ao tratar acerca das Sociedades Empresárias, Diniz66

aclara que estas têm “por objeto o exercício de atividades econômicas

organizadas para a produção e circulação de bens ou de serviços,

próprias de empresário sujeito a registro (CC, arts. 982 e 967)(...)”.

Nesse rastro, Fabretti67 expõe seu entendimento,

aduzindo que “quando duas ou mais pessoas vinculam-se por um contrato

social, reunindo seus capitais e trabalho, para alcançar determinado

objetivo comum, está formada uma sociedade”. Adiante, o autor destaca

que o fator fundamental do sucesso é o bom entendimento entre os

sócios68 (affectio societatis), anotando, ainda, que “a sociedade pode ser

constituída por pessoas físicas, ou por pessoas físicas e jurídicas, ou, ainda,

só por pessoas jurídicas”.

Corroborando, Mamede69 entende que o intuito

econômico ou mercantil, pode ser aferido pela conjugação de quatro

fatores concomitantes, sendo eles:

(1) a prática constante de atos voltados para a produção

de vantagem econômica; (2) a instituição de uma estrutura

66 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 227.

67 FABRETTI, Láudio Camargo. Direito de Empresa no Novo Código Civil, p. 46-47.

68 Nos termos do art. 966 do Código Civil, empresário é o profissional exercente de “atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços”.

69 MAMEDE, Gladston. Empresa e Atuação Empresarial, p. 42.

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interna estável, humana e procedimental, para

concretização da atividade geradora de vantagens

econômicas; (3) a destinação, quando necessário, de bens

materiais (como imóveis, mobiliário ou maquinário) e

imateriais (marca, patente etc.) para a consecução das

atividades produtivas e negociais; como se só não bastasse,

completa-se com (4) um elemento subjetivo, qual seja a

percepção do intuito (animus) empresarial por parte da

pessoa natural ou jurídica que engendra essa estrutura.

Ainda nessa seara, Fabretti70 comenta que as

Sociedades Empresárias, no exercício de suas atividades sociais, efetivam

negócios jurídicos com terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, cujas relações

poderão ser de direito privado (clientes, fornecedores, prestadores de

serviços, instituições financeiras etc.) ou de direito público (obrigações

tributárias, federais, estaduais e municipais).

Como se vê, as Sociedades Empresárias nascem com

objetivo precípuo da obtenção do lucro, denotando que todas as forças

reunidas são empregadas e direcionadas a consecução de tal

desiderato.

Todavia, mesmo com tal finalidade, as Sociedades

Empresárias estão sujeitas à obediência à ordem jurídica, sendo que todas

as suas condutas, bem como as de seus integrantes, que agem em seu

nome, devem pautar-se na lei. Daí a necessidade de examinar a Função

Social das Sociedades Empresárias, um dos temas do próximo capítulo.

70 FABRETTI, Láudio Camargo. Direito de Empresa no Novo Código Civil, p. 21.

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CAPÍTULO 2

A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

2.1 A FUNÇÃO SOCIAL DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS

Em que pese a evidente finalidade empresarial e

lucrativa das Sociedades Empresárias, entende-se que tal intuito encontra

seus limites de atuação na própria lei, haja vista essa estabelecer

parâmetros com o fito de proteger não somente as Pessoas Jurídicas de

modo geral, como também terceiros de boa-fé que, com elas, mantêm

relações jurídicas e comerciais.

Portanto, a lei busca salvaguardar interesses legítimos

em detrimento de eventuais condutas ilícitas praticadas por empresários.

Em outras palavras, observa-se que o Estado, através do direito, cuidou de

bem balizar os institutos jurídicos, traçando para os mesmos, limites e

finalidades que devem ser cumpridas, sob pena de não serem tutelados

pelo próprio direito.

Nessa exigência, inclui-se a Pessoa Jurídica, em

especial a Sociedade Empresária que, a partir do advento dos novos

valores trazidos pela Constituição da República Federativa do Brasil de

1988 e pelo Código Civil de 2002, recebeu como incumbência, o respeito

aos interesses de terceiros, como consumidores, fornecedores, credores,

empregados, bem como o meio ambiente e o próprio Fisco, denotando a

criação de uma verdadeira Função Social71 da empresa.

71 Convém mencionar que a própria Lei n.º 6.404, de 15/12/1976, estabelece em seu artigo 154, a necessidade do cumprimento da função social, enunciando que “o administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr

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Andrade Filho72 tece o seguinte comentário a respeito

da necessidade de observância aos valores constitucionalmente

preconizados às Sociedades Empresárias:

A função social, no caso da sociedade empresária, projeta-

se na função social da empresa, reconhecida como um

centro que catalisa diferentes interesses que transcendem,

em importância, as figuras dos sócios e da empresa em si.

De fato, a empresa e os empreendedores em geral devem

participar da realização dos princípios fundamentais da

República previstos no art. 1º da Constituição Federal,

promovendo ações em favor (ou abstendo-se de ações

contrárias) à cidadania, dignidade da pessoa humana, dos

valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa. (...) No

mundo contemporâneo, os interesses empresariais não

podem ficar confinados à persecução do lucro.

Analisando a questão recém levantada, Arnoldi e

Michelan73 anotam que, atualmente, a ênfase reside no aspecto social

das empresas e não somente do econômico, salientando que “já não é

novidade o bem relacionamento que deve prevalecer entre as empresas

e os seus empregados, clientes, acionistas e a comunidade”.

Ratificando esse entendimento, são as palavras de

Requião74 a respeito:

O exercício de seus direitos, embora privados, deve atender

a uma finalidade social. A função social do direito, que se

refere, sobretudo aos contratos e à propriedade, deve, pelo

indivíduo ser atendida. Assim, o sujeito não exercitará seus

os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa”.

72 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 54.

73 ARNOLDI, Paulo Roberto Colombo. MICHELAN, Taís Cristina de Camargo. Novos enfoques da função social da empresa numa economia globalizada. Revista de Direito Privado, São Paulo, ano 3, n. 11, jul-set. 2002, p. 249.

74 REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica – disregard doctrine. Aspectos modernos de direito comercial, São Paulo, v. 1, 1977, p. 16.

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27

direitos egoisticamente, mas tendo em vista a função deles,

a finalidade social que objetivam.

Igualmente não diverge o enfoque adotado por

Guimarães75, para quem “a personalidade jurídica expressa-se como

modalidade especial de exercício do direito de propriedade, devendo,

portanto, cumprir função social”.

Vale registrar que uma Sociedade Empresária somente

cumpre sua Função Social quando consegue aliar, numa mesma postura,

sua atividade social, o objetivo do lucro e os a preservação aos interesses

legítimos de terceiros, sempre em observância à lei e aos ditames do bom

senso. Desse raciocínio, infere-se que a autonomia privada encontra-se

limitada pela Função Social dos direitos.

Assim, tem-se que quando a Sociedade Empresária

comete ilícitos e crimes, infringindo às leis trabalhistas, consumeristas, fiscais

e previdenciárias, deixa de cumprir sua Função Social, não fazendo jus à

proteção jurídica estatal, vez que sua conduta desafia o bem comum.

No dizer de Andrade Filho76, “o cumprimento da

função social não se esgota na observância das restrições impostas pela

ordem jurídica”. Por fim, o autor assevera ainda que “é necessário um agir

em dar aos bens de produção em geral um destino compatível com os

interesses coletivos”.

Inobstante a relevância de tais premissas, as

Sociedades Empresárias nem sempre atendem à finalidade para a qual

foram criadas, deixando de cumprir sua Função Social, haja vista que,

comumente, são observados desvios de função, provocados pelos

75 GUIMARÃES, Flávia Lefréve. Desconsideração da personalidade jurídica no Código do Consumidor – aspectos processuais. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 183.

76 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil, p. 55.

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28

integrantes das mesmas que, ilicitamente, se valem delas, para praticarem

atos abusivos e fraudulentos.

2.2 O DESVIO DE FUNÇÃO DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS

A atuação das Pessoas Jurídicas deve estar pautada

pelos ditames da lei, devendo seus administradores agir sempre com

cautela e bom senso, de modo a preservar não somente os interesses

dessas, mas também os interesses legítimos de terceiros de boa-fé.

Dessa forma, tem-se que as Pessoas Jurídicas,

especialmente das Sociedades Empresárias, devem cumprir sua Função

Social, sob pena de não receberem a devida tutela do direito.

Entretanto, nem sempre sua Função Social é fielmente

cumprida, pois ao mesmo tempo em que uma Sociedade Empresária

pode ser utilizada como um instrumento para a consecução de atividades

lícitas, pode também ser usada como um mecanismo para burlar a

própria lei, observando-se, ato contínuo, um desvirtuamento do instituto.

Nesse sentido, Koury77 afirma:

As sociedades de modo geral especialmente as chamadas

de sociedades de capitais, prestam-se como instrumentos

para alcançarem os fins mais variados, pois, como todos os

institutos jurídicos, encontram-se em permanente

desenvolvimento, decorrendo disso o contraste entre as

funções típicas do instituto e as funções às quais ele acaba

por responder.

77 KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A Desconsideração da Personalidade Jurídica (Disregard Doctrine) e os Grupos de Empresas. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 69.

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29

Tal cenário decorre do fato de que a Sociedade

Empresária considerada como Pessoa Jurídica que é, afigura-se como

uma realidade autônoma, capaz de direitos e obrigações e com

personalidade e patrimônios distintos dos de seus membros, situação que

propicia a ocorrência de fraudes e abusos, haja vista que, em grande

parte das sociedades, seus sócios somente responderão por débitos até o

limite do seu capital social.

Ao enfrentar tal polêmico tema, Diniz78 assim se

manifesta acerca da questão:

Se a pessoa jurídica não se confunde com as pessoas físicas

que a compõem; se o patrimônio da sociedade

personalizada não se identifica com o dos sócios, fácil será

lesar credores, ou ocorrer abuso de direito, para subtrair-se a

um dever, tendo-se em vista que os bens particulares dos

sócios não podem ser executados antes dos bens sociais,

havendo dívida da sociedade. Ante sua grande

independência e autonomia devido ao fato da exclusão da

responsabilidade dos sócios, a pessoa jurídica, às vezes,

tem-se desviado de seus princípios e fins, cometendo

fraudes e desonestidades, provocando reações doutrinárias

e jurisprudenciais que visam coibir tais abusos.

Como se vê, o instituto da Pessoa Jurídica enfrenta

crise em razão do mau uso do Princípio da Autonomia Patrimonial, que

estabelece a separação entre bens sociais e bens particulares.

Isto porque ao se prestigiar o Princípio da Autonomia

Patrimonial, eventual ato ilícito perpetrado pelo sócio acaba

permanecendo oculto, resguardado sob a licitude do manto jurídico da

Pessoa Jurídica. Logo, na medida em que a Pessoa Jurídica é titular de

direitos, vindo a contrair obrigações em seu nome, pode ser manipulada

de forma a frustrar créditos de terceiros.

78 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 256.

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Requião79, um dos vanguardistas no estudo do tema

no Brasil, ressalva que “a personalidade jurídica pode vir a ser usada como

anteparo da fraude, sobretudo para contornar as proibições estatutárias

do exercício do comércio ou outras vedações legais”.

Adotando a mesma linha de raciocínio, Venosa80

explica que “a pessoa natural procura um escudo de legitimidade na

realidade técnica da pessoa jurídica, mas o ato é fraudulento e ilegítimo”.

Nas palavras de Koury81, o Princípio da Autonomia

Patrimonial não pode ser tomado como um dogma, “pois a

personificação só legitima-se enquanto servir aos propósitos para os quais

foi concebida”. Adiante, frisa a necessidade de desconsiderar-se tal

Personalidade sempre for utilizada com outros intuitos.

O desvio de função resta, pois, caracterizado pela

ocorrência de fraudes e abusos na condução da Pessoa Jurídica,

situação que provocou, ao longo dos tempos, variadas reações no meio

jurídico, culminando na criação de um remédio que visa, justamente,

coibir e punir tais práticas nocivas. Surgiu, assim, a Teoria da

Desconsideração da Personalidade Jurídica, tema do próximo tópico.

2.3 ORIGEM HISTÓRICA DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA

PERSONALIDADE JURÍDICA

Diante do quadro de crise enfrentado pela Pessoa

Jurídica e ante o considerável risco de desvirtuamento do instituto no

79 REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 2, p. 61.

80 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, p. 289.

81 KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A Desconsideração da Personalidade Jurídica (Disregard Doctrine) e os Grupos de Empresas, p. 13.

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31

mundo jurídico, a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica

nasceu fruto de sucessivas construções doutrinárias e jurisprudenciais.

Rodrigues82, abordando a origem da Teoria estudada,

leciona que:

Essa concepção desenvolvida por alguns tribunais

americanos e alemães é conhecida naquele primeiro país

pela denominação de disregard theory ou disregard of the

legal entity, ou ainda pela locução lifting the corporate veil,

ou seja, erguendo-se a cortina da pessoa jurídica. O que

pretendem os adeptos dessa teoria é justamente permitir ao

juiz erguer o véu da pessoa jurídica, para verificar o jogo de

interesses que se estabeleceu em seu interior, com o escopo

de evitar o abuso e a fraude que poderiam ferir os direitos

de terceiros e o Fisco.

Em exame à matéria, Mamede83 pontua que “a

utilização ilícita ou fraudatória da personalidade jurídica não poderia

jamais merecer a acolhida do Direito”, situação que, conforme aduz,

justificaria a criação e o desenvolvimento da “Doctrine of disregard of

legal entity”, na doutrina estrangeira, proposição essa, “acolhida primeiro

nos tribunais e, depois, pelo legislador”.

Koury84 ensina que foi a partir do século XIX que tanto a

doutrina, quanto a jurisprudência, passou a se preocupar com a má

utilização da Pessoa Jurídica, para fins estranhos àqueles tipicamente

considerados pelos legisladores. A autora destaca, ainda, que a Teoria

examinada nasceu no âmbito da Commom Law e teve como precedente

a “Teoria da Soberania”, elaborada pelo alemão Haussmann e

82 RODRIGUES, Silvio. Direito civil, p. 96.

83 MAMEDE, Gladston. Direito Societário: Sociedades Simples e Empresárias. 2.v. São Paulo: Atlas, 2004, p. 243.

84 KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A Desconsideração da Personalidade Jurídica (Disregard Doctrine) e os Grupos de Empresas. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 63.

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desenvolvida na Itália por Mossa, a qual, segundo afirma, “visava a

imputar ao controlador de uma sociedade de capitais as obrigações

assumidas pela sociedade controlada e por ela não satisfeitas (...)”.

Entretanto, adverte que “tal teoria não alcançou grande repercussão no

plano prático”.

Marinoni e Lima Júnior85, por sua vez, esclarecem que,

embora a Teoria da Desconsideração tenha se originado nos Tribunais

Americanos, teve grande fecundidade na doutrina alemã, recebendo o

nome de Durchgriff e tendo como estudiosos os seguintes expoentes:

Müller-Freienfelds, Martin Wolff, Reinhardt, Erlinghagen, Drobnig, Kuhn,

Erman, Wiedemann, Winter, Kalter, Coing, Paul Hoffmann, dentre outros. Já

na Itália, a Teoria teve como principais defensores, Tullio Ascareli e Piero

Verrucoli.

Além disso, há registros da disseminação da Teoria em

outros países europeus, como Inglaterra, França, Espanha e Portugal, bem

como na América do Sul, mais precisamente na Argentina e no Brasil.

A respeito da propagação da Teoria, também

conhecida como Disregard Doctrine, importante colacionar as outras

denominações que a mesma recebeu, segundo trecho de autoria de

Koury86:

(...) fala-se em piercing the corporate veil, lifting the

corporate veil, cracking open the corporate shell, nos

Direitos inglês e americano; superamento della personalità

giuridica, no Direito italiano; Durchgriff der juristichen Person,

no Direito alemão; teoria de la penetración ou desetimación

de la personalité morale, no Direito francês.

85 MARINONI, Luiz Guilherme. LIMA JÚNIOR, Marcos Aurélio de. Fraude – configuração – prova – desconsideração da personalidade jurídica, p. 142-147.

86 KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A Desconsideração da Personalidade Jurídica (Disregard Doctrine) e os Grupos de Empresas, p. 65.

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33

Já no Direito Brasileiro recebeu o nome de “Teoria da

Desconsideração da Personalidade Jurídica” ou, sinonimamente, “Teoria

da Desconsideração da Pessoa Jurídica”, sendo produto da reiterada

construção jurisprudencial dos tribunais pátrios, para, posteriormente,

passar a integrar o direito positivo.

Após tecer comentários sobre as experiências no

direito inglês, norte-americano, francês e italiano na aplicação da teoria,

Diniz87 consigna que “no Brasil não havia que se falar em

“desconsideração” no âmbito legal”, uma vez que “esse princípio só

existia, entre nós, em alguns casos jurisprudenciais esparsos”.88

Importante elucidar também que, no Brasil, o primeiro

dispositivo a contemplar, de forma expressa, a citada teoria, foi o artigo 28

da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990, diploma também conhecido

como “Código de Defesa do Consumidor” que, dentre outras inovações,

incorporou a possibilidade de Desconsideração da Personalidade Jurídica,

mediante a satisfação de alguns pressupostos legalmente estabelecidos.

A redação do caput do citado preceptivo é a seguinte:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica

da sociedade quando, em detrimento do consumidor,

houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei,

fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato

social. A desconsideração também será efetivada quando

houver falência, estado de insolvência, encerramento ou

inatividade da pessoa jurídica provocados por má

administração.

87 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 258.

88 Na seqüência, Diniz exemplifica, citando os seguintes julgados: “RT, 711:117, 786:163, 778: 211, 657:120, 614:109, 457:141, 342:181, 387:138, 418:213, 484:149, 580:84, 492:216, 511:199, 673:160, 713:138; JB, 147:286, 152:247, 164:294; Ciência Jurídica, 63:107”.

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34

Em conclusão, constata-se que tanto a doutrina,

quanto a jurisprudência dos Tribunais pátrios e alienígenas, pretendeu criar

um mecanismo para coibir e punir práticas abusivas e fraudulentas,

praticadas sob o véu da Personalidade Jurídica da Pessoa Jurídica, o que

se deu mediante a aplicação da Teoria da Desconsideração da

Personalidade Jurídica, cujo conceito e natureza jurídica são os temas do

próximo tópico.

2.4 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA

PERSONALIDADE JURÍDICA

Como já visto, a Teoria da Desconsideração da

Personalidade pode ser encarada como uma elaboração técnica

nascida da necessidade de preservar o instituto da Pessoa Jurídica de

atos ilícitos praticados por seus próprios sócios.

Ao negar o absolutismo do Princípio da Autonomia

Patrimonial através de sua relativização de acordo com as necessidades

do caso concreto, a citada teoria age como um mecanismo repressivo-

punitivo, que visa justamente impedir a consumação de atos abusivos e

fraudulentos que, do contrário, permaneceriam impunes, posto que

encobertos pelo manto da Personalidade Jurídica.

Com efeito, revela-se importante o estudo da natureza

jurídica da teoria, a fim de que se possa vislumbrar quais os seus

verdadeiros contornos e aspectos jurídicos que assume.

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Interessante e, na mesma medida curiosa, se

apresenta a analogia realizada por Mamede89 com relação às Pessoas

Jurídicas e seus sócios, o qual tece as seguintes considerações:

Respeitada a finalidade legal, o véu da personalidade

jurídica cobrirá tais pessoas, em situação análoga à das

fantasias que vestem um ou mais atores para, no cenário

teatral, significar as personagens. (...). Assim como o ator

não é igual à personagem, o sócio ou sócios não são iguais

à sociedade; há uma distinção de contexto, fruto da

atribuição de significados e valores que é própria do Direito.

Justamente por isso, é comum no Direito que o ator (o sócio)

relacione-se com a personagem (a sociedade), não como

um só, mas como dois entes distintos (...).

Sob um outro enfoque, Diniz90 observa que a Teoria

examinada “visa impedir a fraude contra credores, levantando véu

corporativo”, isto é, “declarando a ineficácia especial da personalidade

jurídica para determinados efeitos, portanto, para outros fins permanecerá

incólume”. Arrematando suas considerações sobre o tema, a autora

salienta que “com isso, alcançar-se-ão pessoas e bens que dentro dela se

escondem para fins ilícitos ou abusivos, pois a personalidade jurídica não

pode ser um tabu que entrave a ação do órgão judicante”.

Nessa esteira de pensamento, Venosa91, ao discorrer

sobre a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, entende:

(...) quando a pessoa jurídica, ou melhor, a personalidade

jurídica for utilizada para fugir de suas finalidades, para lesar

terceiros, deve ser desconsiderada, isto é, não deve ser

levada em conta a personalidade técnica, não deve ser

tomada em consideração sua existência, decidindo o

julgador como se o ato ou negócio houvesse sido praticado

89 MAMEDE, Gladston. Direito Societário: Sociedades Simples e Empresárias, p. 241.

90 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 257.

91 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, p. 289.

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36

pela pessoa natural (ou outra pessoa jurídica). (...) Imputa-se

responsabilidade aos sócios e membros integrantes da

pessoa jurídica que procuram burlar a lei ou lesar terceiros.

Coelho92, ao seu turno, destaca que a referida Teoria

não visa atingir “a validade do ato constitutivo, mas a sua eficácia

episódica”. Na seqüência, explica que “uma sociedade que tenha a

autonomia patrimonial desconsiderada continua válida, assim como

válidos são todos os demais atos que praticou”. Por fim, o autor defende

que “a separação patrimonial em relação aos seus sócios é que não

produzirá nenhum efeito na decisão judicial referente àquele específico

objeto da fraude”.

Relevante, também, é transcrever o conceito

formulado por Justen Filho93 para a Teoria da Desconsideração da

Personalidade Jurídica, para quem a mesma se traduz como:

(...) A ignorância, para casos concretos e sem retirar a

validade de ato jurídico específico, dos efeitos da

personificação jurídica validamente reconhecida a uma ou

mais sociedades, a fim de evitar um resultado incompatível

com a função da pessoa jurídica. (...) tal ignorância não

tem cunho permanente. Ou sejam não se confunde com

uma invalidação da personificação societária, com efeitos

ex tunc ou ex nunc. Não é definitiva e não retira, por isso, o

cunho de pessoa jurídica à sociedade.

Por fim, cumpre colacionar ainda o comentário

deduzido por Andrade Filho94, o qual sustenta que a Teoria da

Desconsideração “visa dar ao direito positivo uma interpretação funcional

92 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial, 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 127.

93 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro, p. 56.

94 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil, p. 85-86.

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de modo a evitar que o formalismo exacerbado seja um instrumento de

injustiça”.

Considerado o teor das lições doutrinárias

apresentadas, é possível concluir que a Teoria da Desconsideração da

Personalidade Jurídica deve ser concebida como um verdadeiro remédio

jurídico criado pela doutrina e pela jurisprudência que, ao vislumbrarem o

reiterado mau uso do instituto da Pessoa Jurídica, optaram por sistematizar

tecnicamente uma possibilidade de relativização do Princípio da

Autonomia Patrimonial.

Assim, tem-se que tal linha de entendimento não

pretende abolir o citado princípio do ordenamento jurídico, mas tão

somente impedir que o mesmo seja utilizado com fins ilícitos, contrários à

lei e aos bons costumes.

Através de tal elaboração, verifica-se que fica

autorizada a responsabilização pessoal do Sócio Gerente em relação a

obrigações originalmente contraídas pela Pessoa Jurídica, desde que,

comprovada sua participação na prática de ato abusivo ou fraudulento,

lesivo ao próprio ente coletivo, como também a legítimos interesses de

terceiros.

Igualmente necessário frisar que a Desconsideração

da Personalidade Jurídica se opera como medida de caráter

excepcional, pois exige a plena satisfação de seus pressupostos de

aplicação, atingindo somente atos específicos e pré-determinados.

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38

2.5 PRESSUPOSTOS DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA

PERSONALIDADE JURÍDICA

De todo o revelado, é de se perceber que a Teoria

estudada originou-se da preocupação em criar soluções para a

problemática nascida das constantes manipulações que a Pessoa Jurídica

vinha sofrendo, sem que tal remédio implicasse, necessariamente, no

aniquilamento do Princípio da Autonomia Patrimonial, vez ser esse um dos

pilares sobre os quais se encontra alicerçado o modelo jurídico-societário

contemporâneo.

Diante de tal premissa, aflorou necessário o prévio

estabelecimento de pressupostos para que a Teoria da Desconsideração

da Personalidade Jurídica pudesse ser aplicada de forma justa e segura

aos casos que exigiam a adoção da medida.

Essa conclusão decorre logicamente do fato de que a

responsabilização e expropriação de bens particulares dos sócios para o

fim de satisfazer obrigações de titularidade da Pessoa Jurídica se traduz,

indiscutivelmente, em provimento de extrema ofensividade, reclamando,

além de muita cautela e bom senso, a prévia eleição de critérios e

pressupostos.

Nesse sentido, Mamede95 ressalta que “é preciso

redobrado cuidado com a aplicação do instituto”, expondo:

A desconsideração está diretamente ligada ao mau uso da

personalidade jurídica pelo sócio ou administrador, não

prescindindo do aferimento de dolo, abuso de direito,

fraude, dissolução irregular da empresa, confusão

patrimonial ou desvio de finalidade. Para aplicar o instituto,

portanto, o Judiciário – atendendo ao comando do artigo

93, IX, da Constituição da República – deverá,

95 MAMEDE, Gladston. Direito Societário: Sociedades Simples e Empresárias, p. 243.

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obrigatoriamente, fundamentar seu ato, apontando fatos e

provas que demonstrem (quaestio facti) estarem presentes

as condições para desconsiderar a personalidade jurídica.

Das palavras de Coelho96, colhe-se o entendimento de

que “não é suficiente a simples insolvência do ente coletivo, hipótese em

que, não tendo havido fraude na utilização da separação patrimonial, as

regras de limitação da responsabilidade dos sócios terão ampla vigência”.

Adiante, o referido autor ressalva ainda que:

A desconsideração é instrumento de coibição do mau uso

da pessoa jurídica; pressupõe, portanto, o mau uso. O

credor da sociedade que pretende a sua desconsideração

deverá fazer prova da fraude perpetrada, caso contrário

suportará o dano da insolvência da devedora.

Na mesma linha, Justen Filho97 sustenta que “a

desconsideração da pessoa jurídica tem por pressuposto a ocorrência de

evento que impede a consecução dos fins que conduziram à adoção da

personificação”. Na seqüência, o mesmo autor98 salienta que a aplicação

da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica somente pode

“decorrer da contradição entre os resultados visualizados como desejáveis

pelo ordenamento jurídico e os resultados que seriam atingidos se mantida

a incidência do regime jurídico personificatório”.

Como se vê, a Teoria da Desconsideração da

Personalidade Jurídica exige, para fins de aplicação ao caso concreto, a

configuração de um dos pressupostos que ensejam e autorizam sua

adoção. Tais requisitos são, necessariamente, atos abusivos ou

96 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial, p. 127.

97 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro, p. 95.

98 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro, p. 97.

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fraudulentos praticados pelos sócios na condução da Pessoa Jurídica que,

mediante atitudes eivadas de má-fé, lesam direitos de terceiros.

A respeito, Marinoni e Lima Júnior99 assim se

manifestam:

(...) todos aqueles que, valendo-se do manto societário,

agiram de modo fraudulento ou abusivo, burlando à lei,

violando obrigações contratuais ou prejudicando terceiros,

responderão pelos créditos insatisfeitos dos credores sociais.

O prévio estabelecimento de tais pressupostos

encontra importante justificativa no fato de que a Teoria da

Desconsideração da Personalidade Jurídica não pode ser banalizada ou

aplicada de forma indiscriminada a todo e qualquer caso que se

apresente ao exame do Poder Judiciário.

Não menos importante é esclarecer que a Teoria da

Desconsideração da Personalidade Jurídica não possui um pressuposto

único, situação que tem gerado reiteradas controvérsias, tanto em sede

doutrinária, quanto jurisprudencial. Até mesmo porque, em razão das

peculiaridades inerentes a cada um dos ramos do Direito, a citada teoria

tem ensejado uma série de entendimentos, muitas vezes, controversos

entre si.

99 MARINONI, Luiz Guilherme. LIMA JÚNIOR, Marcos Aurélio de. Fraude – configuração – prova – desconsideração da personalidade jurídica, p. 155.

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2.6 ASPECTOS PROCESSUAIS DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

2.6.1 Da Responsabilização do Sócio Gerente

Convém esclarecer que somente os sócios com

poderes de mando e de gestão é que poderão ser responsabilizados por

obrigações assumidas pela Pessoa Jurídica. Com efeito, tem-se que a

simples condição de sócio não implica, necessariamente, na

responsabilização, pois o que gera a responsabilidade é a condição de

administrador de bens alheios e não a condição de simples sócio.

Diniz100 assevera que a Teoria da Desconsideração

objetiva tão somente responsabilizar “o acionista controlador (maître dde

l’affaire ou active shareholder) e não os diretores assalariados ou

empregados, não participantes do controle acionário”.

Compactuando, Andrade Filho101 sustenta:

É regra geral de direito penal de que ninguém pode ser

punido sem culpa. Assim, a imputação, como pena, não

pode, em princípio, atingir todo e qualquer sócio ou

administrador, mas somente aquele que, de certa forma,

concorreu para o abuso ou beneficiou-se indevidamente

do não cumprimento da prestação.

Se o sócio não é diretor, nem gerente, isto é, se não

pratica atos de administração e gestão da Sociedade Empresária, não

pode ser responsabilizado por dívidas dessa, haja vista inexistir

participação sua no ato ilícito ensejador da aplicação da Teoria da

100 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 257.

101 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil, p. 131.

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42

Desconsideração. Logo, resta igualmente delineada, a necessidade de

demonstração do elemento subjetivo culpa lato sensu do Sócio Gerente.

Desta feita, imprescindível a prévia distinção entre os

sócios de uma Sociedade Empresária, a fim de que somente ao Sócio

Gerente, responsável pela sua administração, seja atribuída eventual

responsabilidade, observando-se, ainda, os demais pressupostos legais

atinentes, visto que também não basta ser responsável, é mister que o ato

praticado seja abusivo ou fraudulento.

2.6.2 Caráter excepcional de aplicação

Segundo já estudado anteriormente, para que se

possa aplicar a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, é

imprescindível a plena configuração de seus pressupostos no caso

concreto, não podendo tal medida ser aplicada de forma indiscriminada

ou descriteriosa, a toda e qualquer hipótese.

A justificativa para tanta cautela reside na importância

da preservação do Princípio da Autonomia Patrimonial nos sistemas

jurídicos atuais, pois é mediante esse, que se garante a independência

entre os bens da Sociedade Empresária e os dos seus sócios. Assim, a regra

é a manutenção da personificação jurídica da Sociedade Empresária,

respondendo essa pelas obrigações sociais.

Diniz102 ressalta a excepcionalidade da aplicação da

Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, discorrendo:

(...) opera-se sua extensão aos casos graves de negligência

ou imprudência na conduta negocial (reckless trading),

admitindo que se acione o administrador se houver culpa

102 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 257.

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43

grave (misfeasance e breach of trust), para que sejam

indenizados prejuízos causados à sociedade por atos

praticados contra ela.

Corroboram as considerações tecidas por Mamede103,

quando afirma que “(...) a aplicação da teoria da desconsideração da

personalidade jurídica não pode ser encarada como panacéia para

atender a toda e qualquer situação”. Finalizando, defende ainda que “a

desconsideração da personalidade jurídica é medida de exceção, a ser

utilizada apenas em hipóteses específicas”.

Rodrigues104 expõe sua opinião sobre a relevância da

aplicação da Teoria da Desconsideração, ressalvando:

Embora me pareça útil a eventual invocação dessa

concepção, mesmo fora dos casos em que a lei o ordena,

acho que ela só deve sê-lo em hipóteses excepcionais, pois,

caso contrário, se passasse a ser procedimento rotineiro, iria

negar-se vigência ao princípio básico da teoria da

personalidade jurídica, (...).

Daí a reiterada preocupação manifestada pelos

estudiosos do tema, em estabelecer requisitos e critérios de aplicação da

Teoria ao caso concreto, de modo a impedir uma generalização

indiscriminada, vez que tal circunstância acarretaria, certamente, no

desaparecimento ou na desvalorização do Princípio da Autonomia

Patrimonial, fato que deve ser evitado.

103 MAMEDE, Gladston. Direito Societário: Sociedades Simples e Empresárias, p. 246.

104 RODRIGUES, Silvio. Direito civil, p. 97.

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44

2.6.3 Observância aos princípios constitucionais do Devido Processo Legal,

Contraditório e Ampla Defesa

Em que pese a ausência de normas processuais e

procedimentais específicas para a aplicação da Teoria estudada,

observa-se a reiterada preocupação da doutrina ao enfrentar a

necessidade de observância às regras processuais previstas no Código de

Processo Civil, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

bem como nos demais diplomas aplicáveis, como forma de se garantir a

higidez do procedimento no caso concreto.

Diante de tal quadro, mister que se obedeça aos

Princípios Constitucionais do Devido Processo Legal105 (artigo 5º, inciso LIV)

e do Contraditório e Ampla Defesa106 (artigo 5º, inciso LV) no momento da

aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica.

Ao tratar das garantias constitucionais recém citadas,

assim se manifesta Andrade Filho107:

No campo das relações privadas em que existem interesses

contrários em jogo, e a fim de que esta garantia

constitucional tenha eficácia normativa, é imperativo que

os atos dos órgãos judiciais motivem e justifiquem a decisão

para que o sujeito ativo da sanção (responsável) tenha

condições de apresentar as provas e aduzir as razões que

entender necessárias à sua defesa.

Resta ao Poder Judiciário, através do magistrado

condutor do processo, o dever de garantir ao Sócio Gerente a plena

defesa dos seus direitos através de ampla dilação probatória,

105 LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

106 LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, a aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

107 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil, p. 156.

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45

especialmente em relação à configuração dos pressupostos necessários à

aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica.

Deparando-se com possível hipótese de aplicação da

Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, entende-se que

cabe ao juiz agir com cautela e bom senso, garantindo a legalidade de

todo o procedimento por meio da constante observância aos princípios

constitucionais identificados, bem como das demais regras processuais

aplicáveis, sob pena de se criar um perigoso precedente.

Assim, à luz das considerações já tecidas a respeito da

Teoria estudada, será examinado o artigo 50 do Código Civil, suas

características e requisitos, tema do próximo capítulo dessa monografia.

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46

CAPÍTULO 3

A APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM SOCIEDADES EMPRESÁRIAS: UM

ENFOQUE COM BASE NO ARTIGO 50 DO CÓDIGO CIVIL

3.1 AS RAZÕES QUE MOTIVARAM A INSERÇÃO DA TEORIA DA

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO

Consoante ficou demonstrado, o Estado, através da lei,

cuidou de traçar limites bem definidos para a atuação das Sociedades

Empresárias, estabelecendo inclusive uma Função Social para tais entes.

Nessa busca pela concretização da Função Social do

instituto da Pessoa Jurídica, a Teoria da Desconsideração da

Personalidade Jurídica se revela como um forte e eficaz mecanismo que

auxilia na concretização desses novos valores jurídicos e sociais, pois visa

justamente coibir condutas abusivas e fraudulentas que provavelmente

permaneceriam impunes em caso de sua não aplicação.

Embora a referida Teoria somente tenha ingressado de

forma expressa no ordenamento jurídico pátrio em 1990, com a

promulgação do Código de Defesa do Consumidor, cumpre relembrar

que a mesma já vinha sendo aplicada pelos Tribunais Brasileiros há

décadas.

Todavia, por ser o sistema jurídico brasileiro do tipo Civil

Law, isto é, na predominância do direito escrito, tendo a lei como norte

para a aplicação dos institutos jurídicos, mostrava-se necessária a

positivação da aludida teoria, a fim de garantir a segurança jurídica dos

julgados. Daí as positivações expressas contempladas no artigo 28 do

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Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de

1990) e no artigo 50 do Código Civil (Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de

2002), sendo esse último o objeto de estudo do presente capítulo.

3.2 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA POSITIVAÇÃO DA TEORIA DA

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO ARTIGO 50 DO

CÓDIGO CIVIL

Antes de realizar o estudo da atual redação legal do

citado dispositivo, convém esclarecer que o mesmo sofreu algumas

alterações até sua promulgação.

De início, vale registrar que o Projeto do atual Código

Civil, elaborado na década de 70 sob a coordenação de Miguel Reale, já

previa a possibilidade de inserção da Teoria da Desconsideração da

Personalidade Jurídica no sistema jurídico brasileiro. Contudo, tal projeto

apresentava termos diferentes dos atualmente observados no artigo 50 do

Código Civil.

Conforme explica Koury108, Miguel Reale,

Coordenador dos trabalhos da comissão redatora e responsável pela

Exposição de Motivos do Projeto, deixou claro que a intenção era coibir

desvios praticados através da Pessoa Jurídica, vindo a afirmar que:

Não abandonamos o princípio que estabeleceu a distinção

entre pessoa jurídica e os seus membros componentes, mas

também não convertemos esse princípio em tabu, até o

ponto de permitir sejam perpetrados abusos em proveito

ilícito dos sócios e em detrimento da comunidade.

108 KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A Desconsideração da Personalidade Jurídica (Disregard Doctrine) e os Grupos de Empresas, p. 143.

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48

Nessa rota, Venosa109 pontua que a versão primitiva

do artigo 59 do Projeto do Código Civil de 1975, tratava da teoria “de

forma tímida e não enfrentando diretamente a questão”, enunciando:

A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins

estabelecidos no ato constitutivo, para servir de instrumento

ou cobertura à prática de atos ilícitos, ou abusivos, caso em

que poderá o juiz, a requerimento de qualquer dos sócios

ou do Ministério Público, decretar a exclusão do sócio

responsável, ou, tais sejam as circunstâncias, a dissolução

da entidade.

Parágrafo único. Neste caso, sem prejuízo de outras sanções

cabíveis, responderão, conjuntamente com os da pessoa

jurídica, os bens pessoais do administrador ou representante

que dela se houver utilizado de maneira fraudulenta ou

abusiva, salvo se norma especial determinar a

responsabilidade solidária de todos os membros da

administração.

Ao examinar o texto recém transcrito, Koury110 afirma

que tal proposta de normatização foi alvo de rígidas críticas por parte de

vários doutrinadores, já que previa a dissolução da Pessoa Jurídica como

sanção à conduta abusiva ou fraudulenta, em flagrante contrariedade à

finalidade primordial perseguida pela mencionada teoria. Diante disso, a

citada autora ressalva:

Na verdade, não se pode falar em consagração normativa

da Disregard Doctrine no artigo em questão, pois esta não

visa a coibir atos não previstos no objeto social, já que, uma

vez ocorrendo tais atos, o objeto deixa de ser lícito e pode

109 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, p. 290.

110 KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A Desconsideração da Personalidade Jurídica (Disregard Doctrine) e os Grupos de Empresas, p. 144.

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haver a dissolução da sociedade. A Disregard Doctrine

procura, isso sim, sancionar o desvio de função da pessoa

jurídica, quer tal desvio seja qualificado como abusivo de

direito, quer ele se choque com os princípios consagrados

pelo ordenamento jurídico, desvio este que pode ocorrer no

estrito desempenho da atividade empresarial, conforme os

estatutos ou atos constitutivos.

Silva111 também critica a referida redação do

anteprojeto sustentando que “o texto do anteprojeto não corresponde às

idéias de desconsideração; mistura desconsideração com dissolução

quando a sociedade passa a servir a finalidades ilícitas”.

Na mesma linha de entendimento, Venosa112 aduz que

tal dispositivo era mal-redigido, ressaltando que “não se referia à

possibilidade de iniciativa de terceiro interessado no reconhecimento do

desvio de finalidade”. Por fim, acrescenta: “essa redação pouco tinha a

ver com a consagrada doutrina estrangeira sobre a matéria”.

Xavier113 menciona que o jurista Rubens Requião,

descontente com o rumo que estava sendo seguido para a normatização

da teoria, apresentou uma proposta de redação, nos seguintes termos:

A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins

determinaram a sua constituição, para servir de instrumento

ou cobertura à prática de atos ilícitos ou abusivos de sócio.

Neste caso, o juiz, desconsiderando a existência da

personalidade jurídica, a pedido do credor do sócio,

poderá permitir a efetivação de sua responsabilidade sobre

111 SILVA, Alexandre Couto. Aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro. São Paulo: LTr, 1999. p. 86.

112 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, p. 291.

113 XAVIER, José Tadeu Neves. A teoria da desconsideração da pessoa jurídica no novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 328, 31 maio 204. Disponível em: <http:⁄⁄jus2.uol.com.br⁄ doutria⁄texto.asp?id=5259>⁄. Acesso em: 02 de maio 2007, p. 3.

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50

os bens incorporados na sociedade para a sua

participação no capital social.

Entretanto, conforme assevera Xavier114, “o substitutivo

apresentado por esse renomado jurista não foi bem acolhido pela nossa

doutrina (...)”.

Em atendimento às críticas recebidas, o Projeto

originário foi modificado, constando hoje no artigo 50 do Código Civil, o

seguinte mandamento:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica,

caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão

patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou

do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo,

que os efeitos de certas e determinadas relações de

obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos

administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Com a positivação da Teoria da Desconsideração da

Personalidade Jurídica no artigo 50 do Código Civil foram estabelecidos

requisitos para sua aplicação em litígios de natureza cível, contribuindo

sobremaneira para a concretização da segurança jurídica e da própria

justiça, já que prevê a punição de condutas que, antes de tal advento

legal, provavelmente permaneceriam impunes.

Isto posto, conclui-se que tal dispositivo espelha a

evolução do sistema jurídico pátrio, constituindo-se em verdadeiro

avanço, pois possibilita ao Poder Judiciário uma aplicação mais segura da

Desconsideração da Personalidade Jurídica.

114 XAVIER, José Tadeu Neves. A teoria da desconsideração da pessoa jurídica no novo Código Civil, p. 4.

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3.3 CARACTERÍSTICAS DO ARTIGO 50 DO CÓDIGO CIVIL:

Nos itens seguintes, serão examinadas

detalhadamente as principais características do texto legal contido no

artigo 50 do Código Civil (Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002) que,

segundo o doutrina pátria, contemplou uma possibilidade de aplicação

da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica em lides de

natureza cível. Assim, buscar-se-á esclarecer quais os elementos que

compõe a estrutura do dispositivo, bem como os requisitos para sua

aplicação no caso concreto.

3.3.1 Ato emanado de autoridade judicial

Do próprio texto legal inserido no artigo 50 do Código

Civil, é possível extrair que a sua aplicação decorre exclusivamente de ato

emanado do juiz competente para julgar a causa.

Importante destacar que nesse conceito de “Juiz”,

ficam compreendidas também as demais instâncias judiciárias, isto é, o

tribunal também poderá decretar a Desconsideração da Personalidade

Jurídica no caso concreto, desde que competente para tanto e desde

que obedecidos os demais requisitos legalmente estabelecidos pelo

dispositivo estudado.

Andrade Filho115 explica que a imputação autorizada

pelo artigo 50 do Código Civil é matéria sob “reserva de jurisdição”, ou

seja, é providência que somente pode ser tomada por juízes ou tribunais

judiciais. Adiante o autor salienta que a Administração Pública deve

pautar-se pelo princípio da legalidade, aduzindo:

115 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil, p. 154-155.

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52

Logo, a administração pública não pode, com base

naquele preceito, de ofício ou a requerimento de outrem,

determinar a desconsideração da personalidade jurídica

num determinado caso em que esteja representando

interesses estatais.

Das considerações tecidas por Diniz116 é possível a

mesma conclusão a respeito do ponto estudado:

A personalidade jurídica, como pode se ver, será, então,

considerada como um direito relativo, permitindo ao órgão

judicante derrubar a radical separação entre a sociedade e

seus membros, para decidir mais adequadamente, [...].

Portanto, o magistrado, segundo a disregard doctrine,

poderá desconsiderar a autonomia jurídica da pessoa

jurídica, quando utilizada abusivamente, para fins contrários

à lei.

O entendimento de Mourão117 também não destoa,

ao defender que “caberá ao magistrado ante as regras genéricas

estabelecidas pelo novo Código a aplicação fundamentada do instituto”.

Face ao exposto, não resta dúvida de que a

Desconsideração da Personalidade Jurídica de uma Pessoa Jurídica

somente poderá ser validamente operada se provinda de decisão judicial,

sendo forçoso concluir que qualquer outra autoridade pública não

poderá proceder à aplicação do referido dispositivo ao caso concreto,

sob pena de cometer uma ilegalidade. Até mesmo porque, consoante é

ressabido, qualquer ato titularizado pela Administração Pública deve,

obrigatoriamente, estar adstrito aos limites do princípio da legalidade.

116 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 262.

117 MOURÃO, Gustavo César de Souza. Uma abordagem crítica da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Curso Avançado de Direito Civil. V.1. Coordenador César Fiúza. São Paulo: IOB Thomson, 2004, p. 149.

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53

Por outro lado, é de se ressaltar ainda, que embora a

redação do artigo 50 do Código Civil adote a expressão “pode o juiz

decidir”, entende-se que, por força do princípio da inafastabilidade da

jurisdição, o juiz deverá obrigatoriamente decidir a questão, seja num

sentido ou no outro.

Tratando acerca da questão, Andrade Filho118

sustenta:

O juiz é obrigado a decidir, de modo que ele poderá

determinar ou não a desconsideração. Ninguém submete

uma questão a um juízo se não for para obter uma decisão

que, no entanto, pode ser favorável ou contrária a si.

Portanto, o verbo “poder” deve ser encarado dentro da

perspectiva que há um “dever” de decidir, num sentido ou

outro, de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas

do caso concreto, como, aliás, prescreve o art. 131 do

Código de Processo Civil.

Portanto, constata-se que, após verificar se houve a

configuração de Abuso da Personalidade Jurídica, caracterizado pelo

Desvio de Finalidade ou pela Confusão Patrimonial, o juiz poderá ou não

determinar a Desconsideração da Personalidade Jurídica, pois seu dever é

de decidir e não de determinar a imputação, a qual sempre ficará

condicionada à comprovação dos requisitos legais.

Nessa linha de raciocínio, Andrade Filho119 destaca

que “o poder-dever de decidir requer, todavia, que a atuação do juiz seja

pautada pela lei e pela consideração dos valores em jogo no conflito de

interesses que lhe é submetido”.

118 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil, p. 157.

119 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil, p. 154.

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54

Desse modo, observa-se que, ao examinar a hipótese

in concreto, o juiz deverá sempre sopesar as provas apuradas no processo

e explicitar os fundamentos que sustentam sua decisão, em obediência

ao princípio do livre convencimento motivado.

3.3.2 Abuso da Personalidade Jurídica

O artigo 50 do Código Civil prevê, genericamente, que

o Abuso da Personalidade Jurídica é o requisito primordial para a

aplicação da norma nele contida, isto é, para a Desconsideração do

Princípio da Autonomia Patrimonial.

Nesse ínterim, cumpre esclarecer que o referido Abuso

da Personalidade Jurídica pode ser entendido como abuso de direito,

instituto previsto no artigo 187 do mesmo diploma, sendo que, da dicção

desse dispositivo, extrai-se que o abuso de direito configura ato ilícito e se

caracteriza sempre que o titular de um direito, ao exercê-lo, excede

manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela

boa-fé ou pelos bons costumes.

Analisando o artigo 187 do Código Civil, Andrade

Filho120 esclarece:

(...) atos abusivos são, em essência, atos ilícitos perpetrados

com ofensa à finalidade de uma ou mais de uma norma, ou

em flagrante contrariedade a valores (princípios) protegidos

e consagrados pela ordem jurídica positiva. (...) O exercício

abusivo do direito exterioriza-se, via de regra, pela adoção

de formas autorizadas pelo direito positivo que são utilizadas

com a finalidade de causar dano a alguém fora do campo

120 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil, p. 89-90.

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55

do direito de prejudicar que é inerente à vida em

sociedade.

Ao explanar sobre o abuso de direito relacionado ao

Princípio da Autonomia Patrimonial, Tomazette salienta que no abuso de

direito, o ato praticado é, a princípio, lícito; todavia, por fugir de sua

finalidade social, gera um mal estar no meio social, não podendo

prevalecer, vez que, conforme explica, “os direitos se exercem tendo em

conta não apenas o seu titular, mas todo o agrupamento social, o

exercício dos mesmos normalmente não é absoluto, é relativo”.

No parágrafo seguinte, Tomazette121 admite que no

uso da Personalidade Jurídica, tais abusos podem ocorrer, exemplificando:

Quando existem várias opções para usar a personalidade

jurídica, todas lícitas a princípio, mas os sócios ou

administradores escolhem a pior, isto é, a que mais

prejudica terceiros, nos deparamos com o abuso de direito.

Este “mau uso” da personalidade jurídica, isto é, a utilização

do direito para fins diversos dos quais deveriam ser

buscados, é que primordialmente autoriza a

desconsideração [...].

Justen Filho122 afirma que “o abuso da pessoa jurídica

indica a atividade atípica, descontrolada e insuportável, não prevista e,

até mesmo, imprevisível (...)”, sendo que a “teoria da desconsideração

envolve, por assim dizer, um abuso abusivo na utilização da pessoa

jurídica”.

121 TOMAZETTE, Marlon. A desconsideração da personalidade jurídica: a teoria, o CDC e o novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago 2002. Disponível em: <http:⁄⁄jus2.uol.com.br⁄ doutria⁄texto.asp?id=3104>⁄. Acesso em: 02 de maio 2007, p. 8.

122 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro, p. 121.

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56

Mais à frente, Justen Filho123 sustenta que “o abuso que

conduz à desconsideração é o abuso não permitido – ou melhor, não

assumido pelo direito e pela comunidade”, ou seja “quando a ofensa a

faculdades e a regras jurídicas tiver ultrapassado o limite do previsto e do

assumido pelo direito e pela comunidade”. Por fim, o autor conclui: “é a

situação de excessiva ofensa aos princípios jurídicos”.

Com base nos posicionamentos apresentados, infere-

se que o Abuso da Personalidade Jurídica caracteriza-se pela má

utilização da Personalidade Jurídica, excedendo-se aos limites

estabelecidos em lei.

Por fim, importante anotar que, dos termos do artigo 50

do Código Civil, infere-se que são dois os fatos relevantes para aplicação

da Desconsideração, a saber: Abuso da Personalidade Jurídica por Desvio

de Finalidade e Abuso da Personalidade Jurídica por Confusão

Patrimonial, pressupostos específicos, examinados nos itens subseqüentes.

3.3.2.1 Desvio de Finalidade

Conforme já apresentado no segundo capítulo dessa

monografia, as Pessoas Jurídicas, especialmente as Sociedades

Empresárias, devem cumprir as funções para as quais foram criadas, ou

seja, obedecer à finalidade preconizada pela lei para tais institutos, sob

pena de não serem tutelados pelo próprio Direito. Além disso, há

necessidade de observância aos objetivos sociais, previstos no contrato

social, vez que a criação do ente se deu com base nesses desígnios.

123 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro, p. 121-122.

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57

Ensina Andrade Filho124 que “à idéia de ‘finalidade’

convém o conceito de ‘função’ de modo que o desvio de finalidade

seria, em verdade, um problema de disfunção no uso da pessoa jurídica”.

Ao seu turno, Tomazette125 afirma que “os direitos em

geral , como o de usar a pessoa jurídica, têm por origem a comunidade, e

dela recebem sua finalidade, da qual não pode o seu titular se desviar”.

Já Mamede126 explica que a idéia de direito (facultas

agendi) encontra-se demarcada por limites que não devem ser

ultrapassados, sob pena de não cumprir sua finalidade jurídica, a

chamada ratio legis, que justifica e legitima a sua existência e a sua

eficácia. Na seqüência, o autor esmiúça a questão, explicando:

Quando a previsão concretiza-se no universo jurídico de

uma pessoa, no plano das relações jurídicas que lhe dizem

respeito (universitas iuris, ou, como visto, no patrimônio),

apresenta-se como uma faculdade (facultas agendi). E

nesse plano, inevitavelmente, deve manter-se fiel àquela

finalidade de instituição normativa (norma agendi), ou seja,

deve cumprir os objetivos da intenção legislativa (mens

legislatoris), a razão da lei (ratio legis). Conserva-se, assim, o

equilíbrio fundamental entre o interesse de uma pessoa e os

interesses das demais (de uma, algumas ou de todas, ou

seja, o interesse da coletividade, o interesse público),

mantendo o pacto fundamental do Estado Democrático de

Direito.

124 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil, p. 113.

125 TOMAZETTE, Marlon. A desconsideração da personalidade jurídica: a teoria, o CDC e o novo Código Civil, p. 9.

126 MAMEDE, Gladston. Direito Societário: Sociedades Simples e Empresárias, p. 252.

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58

Após apurada análise acerca do instituto do Desvio de

Finalidade, Andrade Filho127 conclui que a possibilidade prevista no artigo

50 do Código Civil “abrange tanto o desvio de finalidade da pessoa

jurídica enquanto instituição e dela quando voltada a um fim específico e

que motivou sua criação”.

Adiante Andrade Filho128 ressalva ainda que a simples

disfunção da Pessoa Jurídica não enseja a Desconsideração, sendo

necessária a demonstração do prejuízo do credor, ou seja, o dano. Afirma

ainda o autor: “o desvio de finalidade punível é aquele necessário e

suficiente para causar dano a terceiro e que seja, ao mesmo tempo,

contrário à boa-fé, ou que seja contrário aos bons costumes”.

Pinto129 comenta acerca da abrangência do instituto,

formulando, ao final, o seguinte conceito:

Esse objetivo formal, constante dos fins determinantes de

sua constituição, uma vez violado ou arredado, possibilita

seja decretada a desconsideração da pessoa jurídica.

Assim qualquer ato revestido de abuso de direito, de

excesso de poder, de infração à lei, da prática do fato ou

ato ilícito e assim por diante, se constitui em desvio de

finalidade, dada a abrangência do significado desse

enquadramento legal. Da mesma forma, qualquer óbice,

manobra, expediente ou qualquer fato impeditivo que

possa vir a atingir seus propósitos sociais pode, por igual,

constituir-se em abuso de personalidade jurídica,

caracterizando-se a figura do desvio de finalidade.

127 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil, p. 115.

128 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil, p. 116.

129 PINTO, Eduardo Viana. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 78.

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59

Dos entendimentos expostos, resta demonstrado que o

Desvio da Finalidade ocorre sempre que se observar uma disfunção no

uso da Personalidade Jurídica com o fito de causar dano a terceiro, sendo

pressuposto autorizador da aplicação do artigo 50 do Código Civil.

3.3.2.2 Confusão patrimonial

De acordo com o Princípio da Autonomia Patrimonial,

há uma separação entre o patrimônio societário e o patrimônio pessoal

de cada um dos sócios. Tal limitação é estabelecida, principalmente, em

benefício dos próprios sócios, aos quais cabe o dever de efetivar essa

separação formal.

Porém, nem sempre tal separação é concretizada, na

forma preconizada pela lei, originando, ato contínuo, uma confusão entre

os bens pessoais dos sócios e os bens sociais da Pessoa Jurídica.

Andrade Filho130 esclarece que a “confusão

patrimonial decorre da promiscuidade entre os negócios da sociedade

com os dos sócios que negligenciam a separação (...)”, defendendo,

ainda, que “a confusão patrimonial acarreta, assim, a supressão do

interesse social com a prevalência do interesse pessoal do sócio”.

Pinto131 entende que a Confusão Patrimonial ocorre

quando:

O acervo de haveres da sociedade se mesclam com os

bens individuais e particulares de seus sócios, de molde a

gerar dificuldade para se alcançar e estabelecer sua

130 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil, p. 128.

131 PINTO, Eduardo Viana. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil, p. 126.

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60

distinção. Esse enleio patrimonial, essa mistura de haveres,

não permite que se reconheça a sua adequada e

indispensável separação, podendo a autoridade

monocrática em tal situação decretar a desconsideração

da pessoa jurídica em relação aos bens que atrás dela se

escondem.

Ao enfrentar o tema, Xavier132 ressalta que nesse

contexto, devem se distinguidas duas situações, a saber: “a mistura de

sujeitos de responsabilidade e a mistura de massas patrimoniais”. A seguir,

o autor leciona:

Nos grupos econômicos, a mistura de sujeitos de

responsabilidade é verificada quando houver a identidade

dos membros da administração ou gerência de duas ou

mais sociedades, quando houver desrespeito às

formalidades societárias ou, ainda, pela utilização e uma

única sede para a atuação de várias sociedades de

responsabilidade, com firmas e ramos de atuação

assemelhados, o que pode vir em prejuízo dos credores

sociais.

Já na mistura de patrimônios, consoante explica

Xavier133, “as fronteiras da autonomia patrimonial da sociedade e de seus

sócios torna-se fluída, ensejando a perda da responsabilidade limitada de

quem lhe dá causa”. Na seqüência, assevera ainda:

Tal situação pode apresentar-se em várias configurações,

desde a inexistência de separação patrimonial adequada

na escrituração social até a situação em que, na prática, os

patrimônios de ambos não foram suficientemente

132 XAVIER, José Tadeu Neves. A teoria da desconsideração da pessoa jurídica no novo Código Civil, p. 4.

133 XAVIER, José Tadeu Neves. A teoria da desconsideração da pessoa jurídica no novo Código Civil, p. 4.

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diferenciados. Nessas situações, os membros da sociedade

não poderão invocar, perante os credores sociais a sua

propriedade sobre os objetos que eles próprios classificam

alternadamente como seus ou da sociedade.

De outro norte, colhe-se ainda o entendimento de

Tomazette134, para quem a Confusão Patrimonial pode servir como meio

de prova, para se chegar a Desconsideração, mas não pode ser tomada

como seu fundamento principal. O autor justifica sua opinião, ressalvando:

A confusão patrimonial não é por si só suficiente para coibir

todos os casos de desvio da função da pessoa jurídica, pois

há casos, nos quais não há confusão de patrimônios, mas

há desvio da função da pessoa jurídica, autorizando a

superação da autonomia patrimonial.

Compactuando com a tese recém mencionada,

Andrade Filho135 sustenta que a existência de Confusão Patrimonial não

autoriza a imputação prevista no artigo 50 do Código Civil, devendo

sempre estar, invariavelmente, relacionada a um abuso na utilização da

Pessoa Jurídica. Argumenta o autor:

No caso, o que a lei tem em mira é, unicamente, a

confusão patrimonial prejudicial, ou seja, aquela que é

utilizada como escudo por alguém para evadir-se de

obrigação legal ou contratual. Logo, a confusão patrimonial

não é suficiente, por si só, para legitimar a desconsideração;

antes, é necessário que haja um dano e que este tenha

alguma relação com a confusão.

134 TOMAZETTE, Marlon. A desconsideração da personalidade jurídica: a teoria, o CDC e o novo Código Civil, p. 8.

135 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil, p. 128.

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62

Por fim, constata-se que a Confusão Patrimonial enseja

a aplicação do artigo 50 do Código Civil e se traduz pela caracterizada

ausência de separação entre o patrimônio societário e o patrimônio

pessoal de cada um dos sócios, com o fito de causar dano a terceiro.

3.3.3 Legitimidade para o requerimento

O artigo 50 do Código Civil explicita que o juiz decidirá

pela aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica, a

requerimento da parte ou representante do Ministério Público.

Entretanto, há parte da doutrina pátria que tem

entendido que a decisão judicial que determinar a Desconsideração da

Personalidade Jurídica independe de qualquer pedido, podendo o juiz ou

o tribunal decidir ex officio.

Nesse sentido, Venosa136 aduz que “nem sempre há

que se entender que há necessidade de requerimento do interessado ou

do Ministério Público, embora essa deva ser uma regra geral”. Mais a

frente, o autor137 conclui: “a iniciativa do juiz nem sempre dependerá de

requerimento do interessado”.

Diante do entendimento colacionado, conclui-se que,

embora o artigo 50 do Código Civil contenha determinação expressa

acerca da necessidade de requerimento prévio, pode o juiz decidir de

ofício, sempre que se deparar com eventual situação de Abuso da

Personalidade Jurídica, caracterizado por Desvio de Finalidade ou por

Confusão Patrimonial.

136 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, p. 291.

137 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, p. 293.

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63

Deverá o magistrado, todavia, oportunizar a ampla

dilação probatória em homenagem às garantias constitucionais do

Contraditório, Ampla Defesa e Devido Processo Legal, bem como

explicitar suas razões de decidir.

3.3.4 Gradação

Da parte final do dispositivo contido no artigo 50 do

Código Civil, colhe-se que o juiz pode decidir que “os efeitos de certas e

determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens

particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”. Do trecho

transcrito, conclui-se que a Desconsideração poderá ser operada em

maior ou menor grau, de acordo com critério do juiz condutor do

processo.

Venosa138 salienta que o juiz deve “avaliar até que

ponto o véu da pessoa jurídica deve ser descerrado para atingir os

administradores ou controladores nos casos de desvio de finalidade”.

Continuando, o mesmo autor ressalva:

[...] a aplicação da desconsideração possui gradação. Por

vezes, a simples desconsideração no caso concreto é

suficiente para restabelecer o equilíbrio jurídico. Outras

vezes, será necessário ato mais abrangente, como a própria

decretação da extinção da pessoa jurídica. Ainda, a

gradação da desconsideração estará na medida da

prática de um ato isolado abusivo ou fraudulento, ou de

uma série de atos, o que permitirá a desconsideração

equivalente.

138 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, p. 293.

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Justen Filho139, por sua vez, classifica a

Desconsideração da Personalidade Jurídica segundo os critérios de

extensão e intensidade, propondo nove espécies distintas. Argumenta o

autor que “a ignorância do regime jurídico das sociedades personificadas

pode manifestar-se sob uma multiplicidade de formas”. Na seqüência,

Justen Filho140 assevera:

Tal como o próprio conceito de pessoa jurídica é variável e

múltiplo, produzido pelas contingências da experiência

cultural humana, também o mesmo se aplica quanto à

desconsideração. Trata-se de manifestação que atende

necessidade e circunstâncias de cada ordenamento

jurídico, em momentos históricos específicos. E, perante o

mesmo sistema jurídico, as manifestações da

desconsideração são múltiplas.

Já Andrade Filho destaca que norma estudada tem

como destinatário o juiz da causa e “encerra um poder de legislar em

sentido amplo na medida em que outorga a ele uma autorização para

expedição de uma norma jurídica individual e concreta”.

Assim, infere-se que a aplicação da Desconsideração

da Personalidade Jurídica, com base no artigo 50 do Código Civil, poderá

ser decretada em maior ou menor grau, cabendo ao juiz analisar com

bom senso as particularidades de cada caso concreto, de modo que o

provimento jurisdicional entregue seja adequado e oportuno à hipótese

jurisdicionada.

139 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro, p. 64-65.

140 JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro, p. 65.

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3.3.5 Imputação aos administradores e sócios

É notório que, aplicando-se a Desconsideração da

Personalidade Jurídica, com base no artigo 50 do Código Civil, os sócios

ou administradores da Pessoa Jurídica serão responsabilizados por atos

praticados pela mesma, arcando pessoalmente com obrigações

originalmente contraídas em nome dessa.

Contudo, o artigo 50 do Código Civil não cuidou de

oferecer critérios objetivos para a imputação da responsabilidade,

obrigando o órgão judicante a encontrar os responsáveis pelo ato ilícito

ensejador da Desconsideração da Personalidade Jurídica.

Corrobora a opinião de Venosa141 acerca da matéria,

pois esse afirma que “cabe ao juiz avaliar esse aspecto no caso concreto,

onerando o patrimônio dos verdadeiros responsáveis [...]”.

É de fácil constatação também que a problemática

da imputação da responsabilidade reside basicamente na questão de

saber se a regra estudada pode abranger todos os sócios indistintamente

ou se deve ser imposta somente ao Sócio Gerente.

A respeito da imputação da responsabilidade,

Andrade Filho142 preleciona:

Embora não existam, na lei, critérios a priori que possam

sustentar que a responsabilidade pelos efeitos da

imputação deva recair única e exclusivamente sobre o

sócio ou acionista controlador, o fato é que tal possibilidade

não pode ser desconsiderada se admitirmos que ele

141 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, p. 291.

142 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil, p. 136.

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poderia e deveria ter adotado as providências necessárias

para evitar a ocorrência do evento danoso.

Seguindo o mesmo raciocínio, Mamede143 aduz que o

sócio que não seja responsável pela ação ou omissão não pode ser

responsabilizado pessoalmente pelas obrigações sociais, uma vez que:

Se seu ato resumiu-se ao investimento de capital para a

produção de lucro ou se suas posições não foram acordes

com as assumidas pela maioria, não coadunando com a

administração que, ao final, mostrou-se ilícita – por dolo

(incluindo fraude, desvio voluntário de finalidade, confusão

patrimonial voluntária), culpa (má administração, desvio

culposo de finalidade, confusão patrimonial culposa) ou

abuso de direito (incluindo excesso de poder) – no poderá

ser responsabilizado pela obrigação social, ainda que fruto

de desconsideração da personalidade jurídica.

Já em relação aos administradores, sócios ou não,

Mamede144 ressalta que a eles cabe a função legal e contratual de

coordenar as atividades por meio das quais a Pessoa Jurídica cumpre sua

finalidade, haja vista ser “ele quem supre a ausência de vontade e

expressão da vontade que é inerente a tais entes de existência real (...)”.

Aduz ainda que “sempre que o administrador desborde tais limites, traz

para si a responsabilidade pelos efeitos de seus atos, (...)”, sendo esse o

“fundamento para a desconsideração da personalidade jurídica em tais

hipóteses”.

143 MAMEDE, Gladston. Direito Societário: Sociedades Simples e Empresárias, p. 264.

144 MAMEDE, Gladston. Direito Societário: Sociedades Simples e Empresárias, p. 264-265.

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67

Andrade Filho145 salienta que a imputação da

responsabilidade ao administrador ou sócio da Pessoa Jurídica constitui-se

em “sanção por ato ilícito”. Um tanto adiante, o autor esclarece que a

decisão que autoriza a Desconsideração não determina o rompimento da

separação que existe entre a Pessoa Jurídica e seus membros,

argumentando:

A norma individual e concreta opera a transferência da

responsabilidade de um sujeito para outro e faz mediante o

rompimento do vínculo jurídico anteriormente formado

entre a pessoa jurídica e o credor da obrigação e

estabelece uma relação jurídica com o responsável, sócio

ou administrador, que adquire o dever de suportar os efeitos

da obrigação que é imputada.

Importante mencionar que, consoante lembra

Venosa146, não apenas os patrimônios das pessoas naturais responsáveis

(controladores, administradores, diretores etc.) poderão ser atingidos,

como também outras pessoas jurídicas ou naturais que diretamente ou

indiretamente detêm o capital e o controle da pessoa desconsiderada.

Com base nos trechos citados e considerados os

argumentos já aduzidos no item 2.6.1 do segundo capítulo do presente

estudo, infere-se que a imputação de responsabilidade por obrigações da

Pessoa Jurídica, com base no artigo 50 do Código Civil, somente poderá

atingir o Sócio Gerente ou administrador que exercer poderes de mando e

gestão, ou seja, que participar diretamente da administração.

145 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil, p. 80.

146 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, p. 291.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na sociedade contemporânea a Pessoa Jurídica se

apresenta como um poderoso e útil instrumento para a realização de uma

série de atividades, especialmente empresariais, haja vista os moldes

econômicos capitalistas adotados pela maioria dos Estados nos dias

atuais.

Assim, como qualquer outro instituto jurídico, o

desempenho das Pessoas Jurídicas, especialmente das Sociedades

Empresárias, deve estar adstrito aos limites da própria lei, de modo a

obedecer à finalidade para qual foi criada, em respeito à sua Função

Social, que somente é cumprida quando a mesma respeita os interesses

de toda coletividade.

Todavia, em que pese a relevância dos argumentos

expostos, observa-se que nem sempre as Pessoas Jurídicas são conduzidas

de forma lícita, situação que motivou uma reação no meio jurídico, que

através da doutrina e da jurisprudência, criou a Teoria da

Desconsideração da Personalidade Jurídica.

Tal mecanismo, construído pela técnica jurídica, visa

coibir e punir atos abusivos e fraudulentos praticados pelos sócios da

Pessoa Jurídica, em detrimento de interesses de terceiros de boa-fé, que

podem ser empregados, fornecedores, consumidores, bem como o

próprio Fisco.

No Brasil, a Teoria da Desconsideração da

Personalidade Jurídica já vinha sendo aplicada pelos tribunais pátrios em

diversos casos, desde meados no século passado. Contudo, o sistema

jurídico pátrio tem suas raízes na Civil Law, fato que reclamava a

positivação da teoria.

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Visando dar segurança jurídica à aplicação da Teoria

em litígios de natureza cível, o artigo 50 do Código Civil (Lei n.º 10.406/02)

elegeu como pressupostos o Abuso da Personalidade Jurídica,

caracterizado pelo Desvio de Finalidade ou pela Confusão Patrimonial,

tema central do trabalho.

Assim, em relação às hipóteses levantadas pela

pesquisa, é possível concluir que as mesmas restaram confirmadas, eis

que:

a) O sistema jurídico pátrio tem caminhado no sentido

de entender a Pessoa Jurídica, especialmente a Sociedade Empresária,

como um instituto que deve ser utilizado em constante observância à sua

Função Social, a qual somente se cumpre quando são respeitados

interesses de toda a coletividade, de modo a realizar o bem comum.

b) A Teoria da Desconsideração da Personalidade

Jurídica se traduz em um eficaz mecanismo para o fim de coibir e punir

atos abusivos e fraudulentos praticados pelos sócios em detrimento de

terceiros, devendo, entretanto, ser utilizado de forma cautelosa e

criteriosa, sob pena de colocar em risco um dos mais importantes

princípios do Direito Societário, o Princípio da Autonomia Patrimonial. Logo,

somente é autorizada sua aplicação quando configurada a prática de

atos abusivos ou fraudulentos;

c) A aplicação da Teoria da Desconsideração da

Personalidade Jurídica em Sociedades Empresárias, com base no disposto

no artigo 50 do Código Civil prescinde da comprovação de um dos seus

pressupostos, quais sejam: o Abuso da Personalidade Jurídica,

caracterizado pelo Desvio de Finalidade ou pela Confusão Patrimonial.

Além da comprovação de um dos pressupostos

mencionados, conclui-se que, de acordo com o artigo 50 do Código Civil,

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a Desconsideração da Personalidade Jurídica deve proceder de ato de

autoridade judicial que, examinando as circunstâncias de cada caso

concreto, determinará a extensão e a intensidade da medida.

Da mesma forma, deverá ser apurado qual o

responsável pelo ato ensejador da Desconsideração, seja ele sócio ou

administrador da Sociedade Empresária.

Por fim, relevante destacar ainda, que a aplicação da

Teoria estudada não deve ser banalizada, devendo-se sempre observar

os princípios constitucionais do devido processo legal, ampla defesa e

contraditório, bem como garantir dilação probatória suficiente a

possibilitar a imputação da responsabilidade de forma segura.

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