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NATALIA COSTA DAS NEVES A ‘QUESTÃO PALESTINAE OS ACORDOS DE OSLO: SEGURANÇA SEM PAZ Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ como requisito à obtenção do grau de Mestre em História. Área de concentração: História das Relações Internacionais. Orientador: Prof. Dr. Williams da Silva Gonçalves Rio de Janeiro 2007

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NATALIA COSTA DAS NEVES

A ‘QUESTÃO PALESTINA’ E OS ACORDOS DE OSLO: SEGURANÇA SEM PAZ

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do

Estado do Rio de Janeiro – UERJ como requisito à obtenção do grau de Mestre em

História. Área de concentração: História das Relações Internacionais.

Orientador: Prof. Dr. Williams da Silva Gonçalves

Rio de Janeiro 2007

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CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CCS/A

N518q Neves, Natalia Costa das A ‘Questão Palestina’ e os acordo de Oslo : segurança sem paz/ Natalia Costa das Neves – Rio de Janeiro, 2007. 139f. Orientador: Williams da Silva Gonçalves. Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto

de Filosofia e Ciências Humanas. 1.Conflitos árabe-israelenses – Teses. 2.Conflito israelo-palestino – Teses.

3.Acordos pacíficos para conflitos internacionais – Teses. 4. Palestina – Teses. 5. Relações internacionais – Teses. I. Gonçalves, Williams da Silva. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

CDU- 327.5

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese. ____________________________________ ________________.

Assinatura Data

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por mais uma oportunidade.

A meus pais, por todo apoio e paciência, por tudo que me proporcionaram até aqui e

pelo seu amor.

A toda minha família, pelo incentivo e pela fé.

Ao meu noivo muito amado, por ter ficado ao meu lado pacientemente e pela força

quando a minha faltou.

A meu orientador, Prof. Dr. Williams da Silva Gonçalves, pela confiança que depositou

em mim.

Ao Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD) e toda sua equipe,

especialmente ao Embaixador Alvaro da Costa Franco e a Maria do Carmo Strozzi

Coutinho, pela compreensão, amizade e incentivo, sem o que este trabalho não teria sido

possível.

A todos que, de uma forma ou de outra, fizeram parte da minha caminhada até aqui.

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RESUMO

Entre os conflitos do Oriente Médio, a Questão Palestina é o mais perene, senão o mais

premente da região, dado seu apelo em meio aos povos árabe-muçulmanos em geral. Os

acordos de Oslo, negociados entre 1993 e 2000, foram a tentativa de solução desse

conflito que mais esperanças suscitou no cenário internacional. Contudo, os sete

acordos mediados pela diplomacia norte-americana revelaram-se incapazes de satisfazer

as principais demandas palestinas e pôr fim à violência em campo. O presente trabalho

tem por fim analisar as propostas acordadas ao longo daquele “processo de paz”, sua

evolução e conteúdo, considerando também o papel dos Estados Unidos como mediador

preferencial e seu peso na correlação de forças entre as partes. Para tanto, necessário é

definir e situar o conflito israelo-palestino no complexo regional do Oriente Médio, para

entender em que medida ele se confunde e se distingue dos conflitos que marcaram a

região. Este estudo começa, portanto, pela gênese da Questão Palestina, passando pela

análise do contexto internacional que permitiu o início das negociações, para, em

seguida, analisar os acordos propriamente ditos e as tentativas ulteriores de retomar as

negociações até o lançamento do “Mapa do Caminho”, marco final deste trabalho.

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ABSTRACT

Among the conflicts in the Middle East, the Question of Palestine is the most perennial,

if not the most urgent of them, given its appeal to the Arab-Muslim peoples. The Oslo

agreements, negotiated between 1993 and 2000, were attempts to solve this conflict that

raised great hopes in the international scene. The seven agreements mediated by the

North American diplomacy were, however, unable to meet the main Palestinian

demands and to end violence on the ground. The purpose of the present work is to

analyse the proposals presented along that “peace process”, its evolution and contents,

also considering the United States’ role as a preferential mediator and its weight in the

correlation of forces between the parties. To understand in which proportion the Israeli-

Palestinian conflict confuses and distinguishes itself from the conflicts that marked the

region it is necessary to define and to place it in the regional complex of the Middle

East. Hence, this work begins studying the genesis of the Question of Palestine,

analyses the international and regional context which induced the beginning of the

negotiations, to finally examine the agreements themselves and the later attempts to

resume negotiations up to the launching of the “Roadmap”, final landmark of this work.

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SUMÁRIO

Apresentação 9

1. Objeto e Delimitação Cronológica_______________________________________9

2. O Problema e Sua Relevância _________________________________________10

3. Hipótese __________________________________________________________13

4. Objetivos _________________________________________________________14

5. Referencial Teórico _________________________________________________14

6. Estrutura do Trabalho________________________________________________18

Introdução 20

CAPÍTULO I

A Gênese da «Questão Palestina» 23

Da Desagregação do Império Otomano à Formação de Israel 23

1. Sob Domínio Otomano_______________________________________________23

2. Sob Domínio Europeu _______________________________________________29

3. O Papel do Nacionalismo_____________________________________________38

3.1. Sionismo Político: O Nacionalismo Judeu ________________________________ 38

3.2. Do Nacionalismo Árabe Ao Nacionalismo Palestino ________________________ 40

4. Do Mandato Britânico à Partilha da Palestina _____________________________45

5. A Palestina entre Israel e os Países Árabes _______________________________51

5.1. A Criação de Israel e a Primeira Guerra Árabe-Israelense___________________ 51

5.2. Os Conflitos Árabe-Israelenses_________________________________________ 54

5.2.1. A Guerra de 1956: _______________________________________55

5.2.2. A Guerra de 1967: _______________________________________56

5.2.3. A Guerra de 1973: _______________________________________58

6. O Que é a ‘Questão Palestina’? ________________________________________61

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CAPÍTULO II

Da Guerra do Golfo à Conferência de Madri: O Caminho para Oslo 64

1. O Contexto Internacional _____________________________________________64

2. A Posição dos Protagonistas __________________________________________69

3. O Papel do Mediador ________________________________________________75

4. O « Processo de Paz » de Oslo_________________________________________78

4.1. A Declaração de Princípios ___________________________________________ 82

4.2. O Acordo do Cairo __________________________________________________ 87

4.3. O Acordo de Taba, ou «Oslo II» ________________________________________ 93

4.4. O Protocolo de Hebron _______________________________________________ 97

4.5. Os Memorandos de Wye River & de Sharm El-Sheikh ______________________ 101

CAPÍTULO III

O Fim do Processo de Paz de Oslo 108

1. O Fracasso da Cúpula de Camp David__________________________________108

2. Novas Tentativas de Retomar as Negociações____________________________117

3. O Mapa do Caminho _______________________________________________122

Conclusão 127

Referências Bibliográficas 133

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NATALIA COSTA DAS NEVES

A ‘QUESTÃO PALESTINA’ E OS ACORDOS DE OSLO: SEGURANÇA SEM PAZ

Rio de Janeiro 2007

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Apresentação

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APRESENTAÇÃO

Superadas duas guerras mundiais e vencido o medo da Guerra Fria, o século XX passou

para a história sem que a ameaça de um novo conflito internacional fosse realmente

relegada ao passado. Entre os inúmeros focos de tensão da atualidade, o Oriente Médio

é, talvez, a região que mais preocupa a comunidade internacional, tamanha a fragilidade

de seu equilíbrio político, constantemente ameaçado por conflitos de ordem social,

étnica e religiosa, em que se opõem interesses locais, regionais e internacionais.

1. OBJETO E DELIMITAÇÃO CRONOLÓGICA

O presente estudo propõe-se, especificamente, à análise da Questão Palestina, da

disputa entre judeus e palestinos sobre a ocupação desse território – disputa que hoje se

define não mais em termos ideológicos de direitos históricos ou direitos adquiridos

sobre a região, porém, sim, pelo impasse na divisão da Palestina em dois Estados, um

judeu, outro árabe-palestino. Seus objetivos principais são dois: em primeiro lugar,

definir o que é a Questão Palestina no contexto regional do Oriente Médio e, em

segundo lugar, analisar a importância dos acordos de Oslo como tentativa de solução

pacífica do conflito.

O corte cronológico foi delimitado entre os estertores do Império Otomano (fins do

século XIX), e o lançamento do Mapa do Caminho (2003), primeiro plano de paz

apresentado como alternativa aos acordos de Oslo. Essa opção não foi determinada

apenas para atender às necessidades de precisão do estudo a que nos propomos, mas

reflete também a nossa percepção de que foram os fatos ocorridos nesse período que

encaminharam as relações entre israelenses e palestinos ao impasse que ainda hoje

perdura, na medida em que, desses fatos resultou, num primeiro momento, a

consolidação de um Estado judeu sem a necessária contrapartida de um Estado árabe-

palestino e que, posteriormente, com o fracasso das negociações de Oslo, não apenas a

idéia de uma solução bilateral se esvaeceu como também ficou patente a dificuldade de

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Apresentação

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se constituir um Estado palestino nos moldes propostos pela Resolução N. 181 do

Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Como conseqüência

desse processo histórico, verifica-se, atualmente, um grande e inevitável desequilíbrio

jurídico-político entre as partes que, por extensão, reflete-se na capacidade de

mobilização desses povos – seja para a ação militar, seja para a organização da própria

sociedade – na busca de seus objetivos.

2. O PROBLEMA E SUA RELEVÂNCIA

Em 1947, a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou a Resolução N. 181 que

tratava da partilha da Palestina. O plano dividiria a região em dois Estados, um árabe e

outro judeu, estabelecendo regime territorial internacional para a cidade de Jerusalém,

que passaria a ser administrada pela ONU.

Essa partilha dava ao Estado judeu cerca de 56,5% do território da Palestina e ao Estado árabe cerca de 42,9%. O critério para tal divisão, até onde foi possível usá-lo, baseou-se na repartição geográfica da população das duas comunidades. (OLIC: 1991, p. 57.)

Quase imediatamente após a aprovação do plano na ONU, os países árabes atacaram o

recém-criado Estado de Israel, para o que contaram com o apoio dos palestinos, que não

haviam abandonado a idéia de criar um outro Estado árabe em toda a extensão da

Palestina histórica. Uma discussão aprofundada sobre as razões – certamente

fundamentais – do conflito maior entre árabes e israelenses não cabe, contudo, neste

projeto, cujo objetivo não é uma revisão das guerras do Oriente Médio, mas, antes, um

entendimento melhor da evolução da Questão Palestina em meio àqueles conflitos

regionais, para, então, compreender a sua persistência. Acreditamos que muitas das

razões do atual impasse nas negociações entre Israel e os palestinos encontram-se no

fracasso do “processo de paz de Oslo” (1993-2000), último esforço político-diplomático

visando à aproximação entre esses dois povos que de fato chegou a reanimar as

esperanças de se alcançar uma solução negociada para a questão.

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Apresentação

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De lá para cá, iniciativa alguma, concreta, foi tomada por qualquer das partes no sentido

de retomar o diálogo, com exceção do “Mapa do Caminho”, proposto pelos Estados

Unidos e apoiado pela União Européia, Organização das Nações Unidas e Rússia (o

“Quarteto”), que previa a criação do Estado palestino em 2005, mas que se revelou

inexeqüível na prática.

No início firmou-se a Declaração de Princípios de Oslo, fundamento do processo de paz. Assinada pelo Estado de Israel e pela Organização de Libertação da Palestina em 13 de setembro de 1993, em Washington, esta declaração e suas preliminares determinavam o reconhecimento da OLP por Israel, a retirada (ou o reposicionamento dos efetivos) do Exército israelense da Faixa de Gaza e de Jericó, bem como outras retiradas, a serem definidas, durante um período provisório de cinco anos, em troca do reconhecimento do Estado de Israel pela OLP e a promessa de pôr fim ao “terrorismo”. As questões cruciais de Jerusalém, da água, das fronteiras, das colônias, dos refugiados e da futura entidade palestina foram adiadas para as negociações sobre o “estatuto final”. (BISHARA: 2003, p. 61.)

Como resultado do descontentamento dos palestinos com as negociações bilaterais

iniciadas em Oslo – cujo resultado julgavam favorável a Israel – Yasser Arafat foi a

Camp David (julho de 2000) com pouco espaço de manobra e acabou por rejeitar a

proposta apresentada por Ehud Barak – então primeiro-ministro de Israel – que previa,

entre outros pontos, a partilha de Jerusalém. A retirada de Arafat1 das negociações selou

o fracasso da cúpula de Camp David e deu força aos grupos da oposição palestina

contrários às negociações, ao mesmo tempo em que, do lado de Israel, consternou e

fortaleceu a direita conservadora após a derrota de Barak. Finalmente, a eclosão da

Intifada de al-Aqsa,2 após a visita de Ariel Sharon ao Haram al-Sharif, à qual se

sucedeu uma explosão de violência recíproca, selou a estagnação do processo de paz.

Desde então, a dificuldade da Autoridade Nacional Palestina (ANP) em restabelecer um

consenso e suplantar a influência dos grupos mais extremistas, por um lado; e, de outro,

o prolongamento da ocupação dos territórios palestinos por Israel e as severas medidas

de controle que essa ocupação exige de suas autoridades têm gerado ciclos de violência 1 Segundo Peter Demant: “Em vez de colocar Israel na defensiva, fazendo uma contra-oferta, Arafat manteve sua posição inicial de tudo ou nada: completa soberania sobre a totalidade da Cidade Velha – preferindo abortar as conversas em vez de concordar com uma saída intermediária.” (2002, p. 56.) 2 A visita se deu em 28/09/2000 e precipitou a revolta palestina contra a ocupação dos territórios de Gaza e da Cisjordânia. A Intifada de al-Aqsa recebeu este nome em homenagem à primeira Intifada (1987-1993) e à mesquita localizada no Haram (local sagrado aberto unicamente para muçulmanos) al-Sharif.

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Apresentação

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contínuos, que, por sua vez, levaram a um endurecimento das posições, o qual tem

minado todas as tentativas ulteriores de retomada do diálogo entre as partes.

O conflito israelo-palestino é um desafio à comunidade internacional, pois, segundo

Vigevani, "parece haver uma verdadeira inversão da idéia que o comportamento estatal

é influenciado pela estrutura internacional geral" (2002, p. 31). O aumento da

interdependência global induz os governantes a sintonizar política nacional e ações

internas aos parâmetros da ordem internacional vigente. No conflito Israel-Palestina,

entretanto, ambas as lideranças são fortemente influenciadas por grupos de interesse

internos; o que explica a falta de coerência de suas ações em relação ao contexto

mundial: passando por cima das condições sugeridas pela comunidade internacional,

Israel aceita o preço político e econômico de suas ações militares, enquanto os

palestinos suportam uma situação de permanentes dificuldades.

Hoje, contudo, diante de um cenário internacional dominado pelo medo de ataques

terroristas e por ameaças de “guerras preventivas”, tal anacronismo tem fugido à

percepção crítica da comunidade internacional, que, dominada por estas questões de

ordem, parece ter perdido de vista a especificidade regional e histórica da Questão

Palestina, bem como o caráter político que sempre esteve subentendido em todas as

decisões tomadas a seu respeito.

O tema aqui proposto não apenas diz respeito a um problema ainda sem resposta para a

comunidade internacional e que dela exige um esforço político-diplomático cada vez

maior – o que, por si, já justifica a necessidade de estudos que esclareçam os

movimentos profundos de tal conflito – como também é um tema condizente com o

objeto das relações internacionais – o estudo do conjunto de interações entre os variados

atores internacionais – quer se tome a Questão Palestina sob o ponto de vista daqueles

cuja definição sobre a realidade das relações internacionais compreende os fenômenos

de guerra e paz, imperialismo e nacionalismo, as relações assimétricas entre sociedades

ricas e pobres, formação e fragmentação dos Estados etc., quer se trate a questão como

um conflito entre os interesses respectivos de cada parte (GONÇALVES: 2003, p. 10-

11), resultante das relações diplomáticas, militares e estratégicas entre Israel e os

palestinos.

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Apresentação

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Portanto, uma análise no âmbito da História das Relações Internacionais que contemple

a discussão dos acordos de Oslo dentro do longo processo de paz para o conflito israelo-

palestino responde às exigências atuais de compreensão da Questão Palestina, trazendo

à baila um tema de irrefutável relevância para as relações internacionais, dentre tantos

outros que a história política vem contemplando ao eleger a sociedade global e as

massas como seu objeto central (RÉMOND: 1993, p. 33).

3. HIPÓTESE

O processo de paz de Oslo é referência obrigatória nas difíceis negociações entre Israel

e os palestinos, por ser, até hoje, o único exemplo concreto de negociações bilaterais

entre as partes. Mais do que um evento, Oslo foi a primeira oportunidade real de

solução da Questão Palestina desde o surgimento do Estado de Israel. Nele estão

expostas, direta ou indiretamente, as demandas de cada lado para a conclusão de um

acordo de paz definitivo.

Nossa hipótese de trabalho é que a forma como os acordos foram estruturados –

mediados pela diplomacia norte-americana –, a dinâmica que o processo seguiu – com

sucessivas violações e reinterpretações das cláusulas dos acordos – e, principalmente, a

natureza mesma do processo – negociações entre dois atores com capacidades

diametralmente opostas – resultaram numa situação de extremo desequilíbrio de poder a

favor da parte mais forte, Israel, condicionando todo o processo aos interesses desse

Estado, notadamente no que diz respeito à questão da segurança. Como hipótese

secundária, sugerimos que os termos dos acordos de Oslo continuam, ainda hoje,

condicionando a luta política entre Israel e os palestinos, não mais nos bastidores da

diplomacia, porém, no campo prático. Por que Oslo tem essa importância é o que

pretendemos demonstrar ao longo desse estudo.

No mais, qualquer afirmação sobre o futuro desse conflito histórico – seja sobre o

acirramento da luta armada, seja sobre a conclusão de um acordo de paz definitivo –,

diante de um cenário por demais instável e incerto, só poderia resultar em reticências ou

mera especulação.

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Apresentação

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4. OBJETIVOS

Como objetivos gerais, este estudo visa definir, primeiramente, o que é a Questão

Palestina no cenário estratégico do Oriente Médio e, principalmente, analisar a

importância dos acordos de Oslo como tentativa de solução pacífica daquela questão.

Como objetivos específicos, o trabalho se propõe a:

• analisar a série de propostas acordadas ao longo dos sete anos das

negociações de Oslo, atentando para sua evolução e seu conteúdo, tendo

em vista a correlação de forças entre as partes;

• comparar os acordos entre si e o seu conjunto com as tentativas

ulteriores de retomada das negociações de paz até o lançamento do

“Mapa do Caminho”, estabelecendo os contrapontos necessários;

• identificar tópicos recorrentes, destacando as questões que são objeto de

controvérsia;

• ressaltar o papel dos Estados Unidos como mediador entre as partes.

5. REFERENCIAL TEÓRICO

O presente estudo segue, principalmente, as idéias elaboradas por Barry Buzan sobre

Regional Security Complex Teory (RSCT), em seu trabalho “Regions and powers: the

structure of international security” (2003), no sentido de que toma a Questão Palestina

em uma análise a nível regional, entendendo que o tema só pode ser compreendido à luz

do cenário estratégico do Oriente Médio e este, por sua vez, à luz das mudanças

ocorridas no sistema internacional desde o fim da Guerra-Fria. A idéia central é que,

desde o fim do conflito bipolar, o nível regional de segurança tornou-se mais autônomo,

colocando novamente em evidência os conflitos locais anteriores àquele período.

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Apresentação

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No caso do Oriente Médio, a região, como complexo de segurança diferenciado,

começou a se distinguir em fins do século XIX e início do século XX, durante o

processo de desfragmentação do Império Otomano. Com a vitória dos Aliados na I

Guerra Mundial, a região passou para o controle da França e, notadamente, do Império

britânico, cuja influência política e militar ainda dominava o nascente sistema de

Estados árabe. Muitas das dinâmicas regionais de conflito – rivalidades pela liderança

do mundo árabe, disputas territoriais, a emergência do pan-arabismo, do nacionalismo

árabe e do sionismo – já eram visíveis no período entreguerras, porém, em grande

medida, subordinadas aos interesses das antigas potências e ditadas por suas políticas

contraditórias. Mas foi só após a onda de descolonização que varreu a região ao final da

II Guerra que o complexo regional de segurança do Oriente Médio, enfim, se

consolidou.

At its peaks, more than twenty states, many relatively equal in weight, formed the RSC [regional security complex]. These numbers, plus dispersed geography, meant that this RSC developed three subcomplexes: two main ones centred respectively in the Levant [Israel, Egito, Jordânia, Líbano e Síria] and the Gulf [Irã, Iraque, Arábia Saudita, Kwait, Barein, Qatar, Emirados Árabes Unidos e Omã], and a considerably weaker one in the Maghreb [Líbia, Tunísia, Argélia, Marrocos, Saara ocidental, Chade e Mauritânia].3 (BUZAN: 2003, p. 188.)

A consolidação de um sistema de Estados soberanos na região, no contexto maior do

processo de descolonização, deu-se, portanto, sob a influência externa das grandes

potências e em associação com os movimentos pan-regionais. A fim de garantir a sua

sobrevivência, os Estados árabes nascentes precisaram sobrepor-se ao sentimento de

identidade coletiva ditado pelo pan-arabismo e pelo pan-islamismo; e, para tanto,

valeram-se de seus recursos naturais e dos vultosos incentivos proporcionados pela

Guerra-Fria para criar regimes autoritários, baseados, sobretudo, no poderio militar e

resguardados por alianças internacionais. Em conseqüência, a história das relações

interestatais no Oriente Médio refletiu, em grande medida, não só as disputas entre esses

3 “No seu auge, mais de vinte Estados, muitos relativamente iguais em peso, formavam o RSC. Esses números, mais a dispersão geográfica, dispuseram esse RSC a desenvolver três subcomplexos: dois principais centrados, respectivamente no Levante e no Golfo e um consideravelmente mais fraco no Maghreb.” (Tradução livre da autora.)

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Apresentação

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Estados, mas também a persistência de atores não-estatais, que têm representado um

desafio à sua soberania e à unidade nacional.

Entre as exceções à primazia do Estado, a Questão Palestina tornou-se a principal

dinâmica de segurança na região e, de certa forma, a chave para todo o complexo

regional de segurança do Oriente Médio (BUZAN: 2003, p. 195). Os refugiados desse

conflito tornaram-se um problema doméstico no Líbano e na Jordânia e, ao mesmo

tempo em que a luta entre israelenses e palestinos consolidou-se como a força motriz do

antagonismo entre o mundo árabe-muçulmano e Israel, para este país, os elementos

religiosos de extrema-direita e as atividades de organizações radicais financiadas por

governos árabes – Hamas, Jihad Islâmica, Hezbolah – tornaram-se elementos de

insegurança tanto para a sociedade israelense, como para os próprios países árabes, onde

o antagonismo a Israel tem gerado resistência interna contra a normalização das relações

com esse país, criando também problemas de legitimidade doméstica para os regimes

árabes mais impopulares.

A Questão Palestina estabeleceu – e ainda hoje sustenta – uma hostilidade maior entre

Israel, seus vizinhos do Levante e o mundo árabe em geral, tendo contribuído para

concentrar e amplificar, em seu torno, os símbolos do pan-arabismo e do pan-

islamismo, que, com suas rivalidades específicas, permitiram designar o Oriente Médio

como um complexo regional de segurança, no qual as dinâmicas de conflito são

motivadas por disputas territoriais, rivalidades ideológicas, competição por poder e

status, divisões culturais, étnicas e religiosas, misturadas com disputas pelos recursos

naturais da região.

Nesse cenário complexo, o papel das grandes potências, embora significativo, nunca

chegou a estabelecer controle completo sobre o comportamento dos regimes árabes

clientes, nem das dinâmicas regionais de segurança. Pelo contrário, a ingerência

internacional nas questões do Oriente Médio tem se mostrado, muitas vezes, incapaz de

resolver os conflitos da região, como é o caso da mediação norte-americana na Questão

Palestina.

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Apresentação

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Os Estados Unidos foram atraídos para a região por interesse nos seus recursos

petrolíferos – principalmente depois da crise dos anos 1970 – e, também, em função dos

desdobramentos da Guerra-Fria. Em todo o caso, já encontraram um cenário tumultuado

pelas disputas locais, com as quais eles não tinham ligação direta. Entretanto, seu

crescente vínculo com Israel – associado aos seus interesses econômicos e estratégicos

no Oriente Médio – contribuiu para colocar os Estados Unidos no centro das dinâmicas

de segurança regionais e em posição censurável perante seus aliados árabes, pois, em tal

situação, a política norte-americana via-se forçada a assumir compromissos

contraditórios na região.

Assim, quando o Iraque invadiu o Kwait em 1990, os Estados Unidos prontamente

assumiram a frente de uma coalizão internacional para restituir a ordem legal, contando

com o apoio de países árabes da região, que foram atraídos para aquela campanha a

custa de novos comprometimentos da diplomacia norte-americana.4 Como resultado

desses compromissos, os Estados Unidos engajaram-se em uma nova campanha para

pacificação da região, agora por meios diplomáticos, com o objetivo de normalizar as

relações entre Israel e os países árabes. Contudo, se num primeiro momento, na esteira

do desaparecimento da antiga União Soviética do cenário internacional, a influência

norte-americana conseguiu dominar as dinâmicas de segurança no Oriente Médio,

suprimindo temporariamente os conflitos interestatais – graças ao processo de paz

lançado em Madri (1991) –, posteriormente, essa influência revelou-se mais uma vez

contraditória, ao jogar todo peso de seu poder político, militar e econômico a favor de

seus aliados – Israel, em primeiro lugar – e contra aqueles que desafiassem esse poderio,

ou se opusessem às regras por ele estabelecidas.

O fracasso do processo de paz em resolver a Questão Palestina, abraçada pelos Estados

Unidos durante toda a década de 1990, demonstra, entretanto, a incapacidade da

superpotência em lidar com elementos não-estatais que, não obstante as influências do

sistema internacional, sempre seguiram uma lógica regional muito específica. Isso

indica a necessidade de uma análise em nível regional, que contemple essas

especificidades e não perca de vista as dinâmicas de segurança médio-orientais.

4 Mais sobre esse assunto no capítulo dois.

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Apresentação

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6. ESTRUTURA DO TRABALHO

No primeiro capítulo, obedecendo a uma abordagem cronológica dos fatos, analisa-se o

período imediatamente anterior à criação do Estado de Israel – qual seja o das grandes

guerras e da substituição da autoridade otomana pelo mandato/protetorado britânico na

região –, destacando-se as mudanças no contexto regional frente à política imperialista e

a mobilização das partes conflitantes, sob o signo do nacionalismo, para, em seguida,

tratar da intervenção da ONU na questão e da constituição de Israel, bem como dos

conflitos que resultaram da emergência desse Estado na região, os quais, por seus

resultados – nitidamente favoráveis a Israel –, tiveram influência determinante na

gênese da chamada Questão Palestina. O objetivo é definir e situar esse conflito no

contexto regional estratégico do Oriente Médio, distinguindo a Questão Palestina como

um caso singular e específico na história dos conflitos que afligem a região e não como

mais uma etapa dos conflitos árabe-israelenses.

O segundo capítulo inicia-se com a análise da conjuntura política internacional (fim da

Guerra Fria e formação de uma nova ordem internacional) que permitiu, naquele

momento, o início do processo de paz entre palestinos e israelenses, inaugurado

precisamente em Madri, mas retomado em Oslo. Tendo em vista esse contexto, a análise

volta-se para o texto de cada um dos acordos assinados ao longo dos sete anos de

negociações, à luz do papel exercido pelos Estados Unidos como mediador entre os dois

lados. O objetivo é avaliar, conforme a dinâmica do processo de paz, o conteúdo das

propostas acordadas e em que medida elas refletiram a relação de forças existente entre

os atores envolvidos.

O terceiro e último capítulo retoma a Questão Palestina a partir do fracasso das

negociações de Oslo, visando especificar os pontos de afinidade entre esses acordos e as

tentativas posteriores de retomada do processo de paz até o lançamento do Mapa do

Caminho pelo “Quarteto”, no sentido de apontar as questões centrais que continuaram

pendentes e, através destas, os interesses e objetivos perseguidos até aquele momento.

Com este trabalho, não pretendemos esgotar todos os aspectos relevantes do debate em

torno da Questão Palestina, que, certamente, envolve muito mais do que a criação e

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Apresentação

19

reconhecimento de um Estado palestino; trata-se de questão muito mais ampla, que

passa por problemas de ordem religiosa, étnica, estratégica e, até, econômica, como

também por questões mais práticas, relativas, por exemplo, à utilização dos recursos

naturais necessários a cada um – como a água. Esperamos, tão-somente, explicitar, ao

longo desse estudo, que a chamada Questão Palestina é anterior ao Estado de Israel,

mas que o recrudescimento desse conflito está, sim, em íntima associação com o não

cumprimento da parte da Resolução 181 que diz respeito à criação de um Estado árabe

na Palestina; não cumprimento este que, por seu turno, deve-se tanto à rejeição, por

parte dos palestinos, dos critérios ditados tanto pela ONU quanto pelos acordos de Oslo,

como também aos obstáculos criados por Israel, que, dispondo de melhor capacidade e

maiores recursos, tem imposto aos palestinos condições dificilmente aceitáveis e

exigências dificilmente exeqüíveis, donde resulta o impasse à solução do problema.

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Introdução

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INTRODUÇÃO

Designa-se como “processo de paz de Oslo” aos esforços diplomáticos e políticos

empreendidos entre os anos de 1993 e 2000, por iniciativa da diplomacia norueguesa,

mas sob os auspícios da diplomacia norte-americana notadamente, com o intuito de pôr

fim ao histórico conflito israelo-palestino e que compreenderam sucessivas reuniões de

cúpula, políticas e econômicas, das quais resultaram uma série de acordos destinados a

equacionar as reivindicações de ambas as partes: Declaração de Princípios (“Oslo I”,

13/09/1993); Acordo do Cairo (04/05/1994); Acordo Provisório (ou de Taba, “Oslo II”,

28/09/1995); Protocolo de Hebron (17/01/1997); Memorando de Wye River

(23/10/1998); Memorando de Sharm el-Sheikh (04/09/1999); e a Declaração Trilateral

de Camp David (25/07/2000) – que não foi propriamente um acordo, mas uma

reafirmação de intenções.

Os acordos de Oslo, como também são conhecidos, não representam um marco histórico

na Questão Palestina porque tenham definido um programa ideal que, devidamente

executado, teria garantido o estabelecimento da paz entre palestinos e israelenses. Esses

acordos definiram tão-somente princípios gerais de um programa voltado para a paz e

seu grande mérito reside em ter assentado a única base política sobre a qual devem

erigir-se, necessariamente, quaisquer conversações de paz: o reconhecimento mútuo da

existência de uma outra nação na Palestina. Para além desta constatação, é grande a

divergência entre os estudiosos da questão acerca de seus méritos ou desacertos.

De um lado afirma-se que o processo de paz de Oslo teria sido “uma série de acordos

vagos e ambíguos”, que se sucedeu com o objetivo principal de “reforçar o domínio

israelense sobre os territórios ocupados” (BISHARA: 2003, p. 26), apenas criando uma

ilusão de paz e de um Estado palestino, enquanto a decisão sobre questões fundamentais

– como a extensão dos territórios a serem incorporados ao novo Estado, o problema dos

assentamentos israelenses, o status de Jerusalém e o retorno dos refugiados – eram

preteridas até a discussão do acordo final (GATTAZ: 2002, p. 181).

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Introdução

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Segundo esta visão dos fatos, ter aberto um precedente histórico nas relações israelo-

palestinas foi o grande legado do processo de paz, cujo resultante fracasso já estaria,

para muitos, evidente desde o início das conversações (SAID: 2003), em virtude da

assimetria que separava, e ainda separa, o lado israelense – mais forte – da desfavorável

posição palestina. Assimetria esta que a mediação norte-americana – aliada preferencial

de Israel – teria contribuído para sedimentar.

De outra parte, argumenta-se que a recusa de Yasser Arafat das propostas apresentadas

por Ehud Barak em Camp David foi o desperdício de uma oportunidade histórica, na

medida em que a oferta de um Estado palestino sob regime de autonomia limitada, com

Jerusalém ocupada e os refugiados impedidos de voltar, embora estivesse muito aquém

daquilo que os palestinos desejavam, poderia ter estabelecido, ainda assim, o embrião

de um país independente (SOARES: 2004, p. 99). Segundo essa concepção, Arafat teria

recebido de Barak “o máximo que ele poderia jamais conseguir” (DEMANT: 2004, p.

55-57) e sua recusa a uma solução de “compromisso histórico” – baseado no

reconhecimento do direito à autodeterminação dos palestinos, incluindo o retorno de

parte dos refugiados e o estabelecimento de um Estado-mínimo nos enclaves da

Cisjordânia e da Faixa de Gaza – foi o que teria levado o processo de paz à estagnação.

O ponto fundamental em toda essa discussão em torno da importância dos acordos de

Oslo na Questão Palestina está na contradição entre uma paz quase alcançada e o

impasse persistente no qual as negociações diplomáticas têm se mantido desde o

fracasso daquela iniciativa, prejudicando em grande medida as perspectivas de paz no

Oriente Médio, não apenas entre esses dois povos, mas entre Israel e seus vizinhos

árabes como um todo.

Desde o fracasso do processo de paz de Oslo, o cenário desse conflito tem se

caracterizado por uma situação de nem guerra, nem paz: sem negociações sérias, nem

uma interferência internacional eficaz, com a continuidade dos conflitos de baixa

intensidade, associados ao endurecimento da frente rejeicionista em ambos os pólos.

Nestas circunstâncias, que só reforçam a presença israelense nos territórios ocupados, o

lado palestino poderia se ver forçado a uma maior moderação, sob pena de tornar ainda

mais críticas as condições de subsistência de seu povo, em conseqüência da exaustão de

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Introdução

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recursos já escassos; pois, no que respeita a Israel, se o prolongamento dessa situação

não lhe favorece de todo, também não coloca maiores riscos para além de um alto custo

político, humanitário e de segurança, uma vez que o equilíbrio de poder continua a seu

favor – em comparação aos palestinos, como também no contexto regional mais amplo

– e que sua política de apartheid tende a isolar tanto as manifestações mais violentas,

quanto os próprios palestinos entre si, mantidos em territórios fragmentados.

Num tal cenário, a retomada das conversações é apenas uma hipótese, bastante otimista,

entre outras possibilidades que também não podem ser excluídas, como (1) o aumento

da violência sem guerra imediata, forçando uma intervenção internacional no conflito;

ou (2) uma escalada de violência mais vertiginosa, na região como um todo, levando à

uma guerra internacional com a participação dos países árabes; (3) a definição de novos

limites territoriais por decisão unilateral de Israel; ou, mesmo, (4) a retomada das

negociações com base em outra fórmula diferente daquela dos acordos de Oslo

(DEMANT: 2002, p. 64-65).

Porém, conforme afirma Peter Demant, a retomada das conversações, uma vez iniciada,

deve reverter às linhas esboçadas em Oslo, se não como parâmetro, ao menos como

ponto de partida. Pois, embora esta não seja a melhor opção para os palestinos – que

prefeririam negociar sobre base diversa –, nem para a direita israelense – que preferiria

não ceder em absoluto –, mantidas as relações de força e a conjuntura internacional, será

um anacronismo que Israel venha a oferecer-lhes mais do que eles recusaram naquela

ocasião e que os palestinos, por sua vez, aceitem menos do que aquilo que já lhes foi

proposto, conforme sobressai da análise das tentativas posteriores de negociação.

Enquanto a Questão Palestina existir, os acordos de Oslo serão sempre uma referência

obrigatória nos estudos de relações internacionais sobre o assunto. A razão de ser do

trabalho que se segue é contribuir para um entendimento melhor sobre toda aquela

questão, mas, principalmente, chamar atenção para a importância daquele evento

histórico que a assinatura de Oslo ocasionou, propondo uma análise dos acordos menos

preocupada com seu louvor ou sua condenação sumária – como é freqüente quando o

assunto é o conflito entre Israel e os palestinos – e mais comprometida com uma

explicação histórica isenta de julgamentos a priori.

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A Gênese da Questão Palestina

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A GÊNESE DA «QUESTÃO PALESTINA»

DA DESAGREGAÇÃO DO IMPÉRIO OTOMANO À FORMAÇÃO DE ISRAEL

1. SOB DOMÍNIO OTOMANO

No século XVI, a unidade do mundo muçulmano era sustentada pelos otomanos –

turcos originários das estepes da Ásia central. Mas, ao contrário dos califados

anteriores, a legitimidade do domínio turco derivava menos de suas bases religiosas do

que “de sua capacidade de lutar contra os xiitas1 e as potências cristãs, de defender os

lugares santos e de organizar a peregrinação” (MASSOULIÉ: 1994, p. 13).

A partir de Istambul, coração do Império Otomano, o sultão escorava seu domínio sobre

uma casta militar, sem contato maior com os povos submetidos – judeus, cristãos ou

muçulmanos –, que, apesar da submissão, conservavam sua autonomia e personalidade

próprias, pois o poder intervinha pouco nos negócios internos dessas populações.2 A

lógica política do Império Otomano entendia ser da responsabilidade do sultão apenas

garantir proteção a todos os seus súditos, indistintamente, mesmo que isso significasse

ceder a potências estrangeiras a proteção dos súditos não-muçulmanos.3 A política de

controle dos domínios imperiais permaneceu, assim, alheia à idéia de “nacionalidade”

até a virada do século XVIII para o XIX, quando esta ideologia tornar-se-ia um dos

fatores mais importantes no processo de desagregação do império.

O Império Otomano era uma potência européia, asiática e africana, portanto, um Estado

multiforme, com interesses a proteger e inimigos a combater em todos esses continentes

1 A morte do profeta Maomé (632) gerou dúvidas e disputas sobre a sua sucessão. O Islã dividiu-se, então, em duas seitas principais, xiismo e sunismo. Esta última, majoritária, reúne os fiéis que se identificam com a suna, isto é, com o conjunto das tradições corânicas e da palavra do profeta. O xiismo – do árabe xia, “partido” –, por oposição ao sunismo, compreende aqueles que seguem apenas as tradições do profeta transmitidas por seus descendentes a partir de Ali, genro de Maomé. Os xiitas representam menos de 20% de toda a comunidade muçulmana e estão divididos em várias ramificações, segundo o número de descendentes legítimos reconhecidos. 2 Pelo sistema de millets, cada comunidade étnico-religiosa mantinha sua autonomia, sendo livre a estipulação de seus regulamentos administrativos e sociais. O líder correligionário de cada comunidade da raea – o “gado”, os povos infiéis submetidos – era quem respondia por esta frente ao sultão. 3 Trata-se do conhecido sistema de capitulações, por meio do qual os europeus lograram penetrar nas áreas sob domínio otomano, fazendo as vezes da autoridade imperial em funções vitais – como a fixação das tarifas aduaneiras –, contribuindo, dessa forma, para a gradativa fragilização do império.

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A Gênese da Questão Palestina

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e que, para enfrentar essas tendências centrífugas, adotou como solução o princípio

islâmico de Estado desnacionalizado, elevado a seu mais alto grau. Como uma das

funções vitais do governo consistia em coletar os impostos dos quais dependia a

sobrevivência do império, bastava que o governo otomano reconhecesse grupos

dirigentes locais que se responsabilizassem pelo repasse da receita arrolada e cuidassem

em manter livre as rotas por onde passavam o lucrativo comércio e o exército imperial.

A princípio, até o início do século XVII, a autoridade deste vasto império repousava

mais na família, a casa de Osmã, do que em um membro especificamente designado,

estando à frente do sistema administrativo – e logo abaixo do soberano – um alto

funcionário, o grão-vizir, que controlava o exército, os governos provinciais e o

funcionalismo público. Os membros da casa eram indivíduos das antigas famílias

dominantes, aqueles recrutados para o exército4 nas aldeias cristãs dos Bálcãs e escravos

provenientes do Cáucaso. Os demais cargos de mando do governo eram ocupados por

comandantes do exército, pela população culta das cidades e por membros de grupos

dominantes ou Estados incorporados ao império.

A política fiscal otomana e o crescimento do comércio com a Europa levaram a um aumento da importância dos cristãos e judeus na vida das cidades. Os judeus eram influentes como emprestadores de dinheiro e banqueiros para o governo central ou para os governadores provinciais e como administradores de fazendas fiscais; em outro nível, como artesãos e negociantes de metais preciosos. Os mercadores judeus eram importantes no comércio de Bagdá e, em Túnis e Argel, judeus, muitos deles de origem espanhola, destacavam-se nas trocas com os países mediterrâneos do norte e do oeste. (...) Apesar do aumento de importância dos estrangeiros europeus e dos mercadores cristãos e judeus, o comércio mais importante e lucrativo, o que se fazia entre diferentes partes do império ou com os países do oceano Índico, estava nas mãos de mercadores muçulmanos: eles controlavam o comércio do café do Cairo, aquele associado à peregrinação a Meca, e as rotas de caravanas que atravessavam os desertos da Síria e do Saara. (HOURANI: 1994, p. 243-244.)

No século XVIII, o sistema de governo otomano sofreu duas importantes mudanças do

ponto de vista estrutural: de um lado, o poder passou gradativamente da casa do sultão

4 Desse sistema de recrutamento, conhecido como desvirme, originou-se uma força ativa de cavalaria (janízaros) e infantaria, altamente disciplinada; uma espécie de exército profissional mantido separado das populações locais e proibido de exercer outras atividades, como, por exemplo, o comércio.

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A Gênese da Questão Palestina

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para uma oligarquia de altos funcionários públicos, que se organizara em torno dos

gabinetes do grão-vizir; de outro lado, o enraizamento otomano nos grandes centros

provinciais fez surgir grupos governantes locais capazes de controlar os recursos fiscais

das províncias em seu benefício.

A solução otomana para manter o controle de um império tão vasto e multifacetado – a

adoção do princípio islâmico de Estado desnacionalizado – acabou resultando em um

sistema de governo com grande variação de equilíbrio entre o poder central de Istambul

e os governos locais, de acordo com a proximidade das províncias à capital do império e

da importância de cada uma delas para este último. Dentro de tal contexto, estando a

atenção do governo voltada para suas províncias européias (contra a expansão austríaca

nos Bálcãs), para a Anatólia (contra a expansão russa), para suas províncias árabes da

Argélia (contra a expansão espanhola e, depois, francesa), para Síria, Egito (importantes

pelas receitas que seu comércio gerava) e Hijaz (pelo controle das cidades santas), a

Palestina figurou como uma região de importância secundária até os anos 70 do século

XIX. Parte integrante da província da Síria, dividia-se em três distritos – Acre, Nablus e

Jerusalém – e era subordinada ao governador de Damasco. Contudo, a evidência da

atuação colonial européia e seu interesse na região obrigaram Istambul a voltar maior

atenção para a Palestina, então transformada em subgoverno independente, ligado

diretamente à jurisdição da capital do império, enquanto Acre e Nablus passaram a

responder à recém-criada província de Beirute – atual Líbano (NIGRI: 2005, p. 24).

Do ponto de vista da conjuntura internacional, a ação das potências européias a partir do

século XIX foi, também, um fator de fundamental importância na desagregação do

império otomano, na medida em que, explorando e acirrando suas contradições internas,

engendrou novas relações de poder entre as forças sociais tradicionais e, ao mesmo

tempo, subverteu toda a estrutura produtiva e administrativa em função dos interesses

estratégicos, políticos e econômicos europeus, então voltados para a conquista e a

preservação dos mercados da Ásia Central e do Extremo Oriente – objetivo cuja

consecução passava pelo controle da Palestina e do Oriente Médio como um todo,

pontos de ligação que eram na rota do comércio entre a Europa e aquelas localidades.

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Notadamente após a Guerra da Criméia5 (1853-1856), quando França e Inglaterra

lograram estabelecer um protetorado europeu sobre os cristãos do Império Otomano, o

Líbano, a Síria e a Palestina foram abertos às instituições cristãs – escolas, hospitais,

orfanatos – e às atividades produtivas baseadas na crescente exploração capitalista e na

propriedade privada da terra, que determinaram mudanças profundas na organização

sócio-econômica tradicional da região. A mesha – tipo de regime de terras comunal e

fundiário – foi gradativamente suplantada pela produção nos moldes coloniais europeus

e a comunidade camponesa, por conseqüência, foi convertida em mão-de-obra rural e

urbana. Diante desse cenário potencialmente ameaçador para a integridade e

sobrevivência do império, a autoridade central otomana buscou fortalecer seu controle e

modernizar as estruturas do império; porém, as tanzimats (ordenações) orquestradas

pelo governo com o intuito de reformar a administração pública e modernizar a

produção econômica – através de medidas liberais como a extinção dos janízaros, a

legalização da propriedade privada, a decretação da igualdade civil, a abolição dos

millets e os investimentos na agricultura, entre outras providências – não surtiram o

efeito desejado face à penetração desestabilizadora do colonialismo europeu e, ainda,

deram ensejo ao recrudescimento do discurso revolucionário de um nacionalismo de

aspirações pan-árabes, que já vinha se desenhando à sombra da perda de legitimidade do

sultanato otomano, uma vez que ele se tornara incapaz de garantir a coesão interna da

Umma e de protegê-la das ameaças externas.

Nesse processo de decadência otomana, a Palestina era cada vez mais absorvida pelo

circuito da economia européia. Mas até então, não havia, no seio daquela sociedade,

movimento algum organizado e militante com um projeto nacional próprio para a

criação de um Estado separado. Foram as rivalidades entre as grandes potências no

decorrer das duas grandes guerras que, ao forjarem alianças contraditórias com as

5 Por volta de 1850, o aumento da tensão entre as comunidades grego-ortodoxa e católica, em torno da questão da guarda da Gruta da Natividade (Belém), levou à intervenção da Rússia e da França, protetoras, respectivamente, daqueles grupos. Diante da recusa otomana – apoiada pela França – em ceder às suas exigências, a Rússia invadiu a Romênia, desencadeando o conflito, no qual também interveio a Inglaterra, por temor do expansionismo russo. A Guerra da Criméia foi o segundo caso de intervenção européia em favor da unidade territorial da Sublime Porta. A primeira ocorrera anos antes (1840), quando uma aliança entre Inglaterra, Rússia, Áustria e Prússia conseguiu frear o avanço, sobre a Síria, das forças egípcias anteriormente convocadas pelo próprio sultão otomano para combater a rebelião grega, insuflada pela Rússia, de que resultou a independência da Grécia (1830) – fato com o qual o então poderoso governador do Egito, Mehmet Ali (1769-1849), em plena ascensão, não podia se conformar (HOURANI: 1994, p. 271-280).

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diferentes lideranças locais, suscitaram e, ao mesmo tempo, frustraram, conforme seus

interesses, os movimentos locais que buscavam ou ocupar o vácuo de poder deixado

pelo Império Otomano – caso das disputas inter-árabes – ou alcançar a

autodeterminação – caso dos judeus e outras etnias nos Bálcãs, por exemplo. É nesse

sentido que deve ser entendido o aumento expressivo da presença judaica e de sua

importância na região.

Com efeito, provenientes da Inglaterra, Alemanha e da França, as organizações judaicas

que precederam a primeira onda de imigração sionista propriamente dita (1882)

contribuíram para a implementação do projeto colonial europeu em terras otomanas, ao

subordinar a difusão sócio-cultural e a cooptação dos correligionários judeus residentes

na Palestina, Síria e África do Norte aos objetivos de seus países de origem, a cujo

apelativo discurso sobre os valores da civilização européia missionária eles atendiam.

Ela constitui, a imigração judia, a terceira fase de colonização da palestina por forças estrangeiras, tendo sido iniciada com a fundação de Petah-Tikva, em 1878, e tendo precedido a primeira onda de imigração sionista propriamente dita (...) Tanto na primeira fase, marcada pela instalação das igrejas cristãs (...), que investem na agricultura e na especulação imobiliária, quanto na segunda fase, marcada pela vinda de colonos alemães, em constante fluxo desde 1867-1868 até 1906-1907 (...), com uma tecnologia até então avançada, recorrem, ambos e com regular freqüência, à mão-de-obra árabe. (NIGRI: 2005, p. 35.)

O impacto dessa imigração se fez sentir primeiro na produção agrícola, incentivada por

novas e mais eficientes técnicas trazidas da Europa, em atenção à demanda crescente

pelos cereais, o algodão e a produção de cítricos palestinos; na organização da

propriedade privada, que, também em conseqüência das reformas otomanas,

experimentou um aumento da especulação e da concentração fundiária; e, finalmente,

na ordem social, abalada pela insatisfação crescente de uma população majoritariamente

camponesa, então desalojada de suas terras e privada de seus tradicionais meios de

subsistência. A chegada dos colonos europeus intensificou esse processo de espoliação e

de desestabilização social, pela compra de terras – efetuada também pelas elites egípcia

e síria – junto aos funcionários otomanos encarregados da regularização dos títulos de

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A Gênese da Questão Palestina

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propriedade, junto aos grandes proprietários de terra palestinos ausentes e, também,

junto aos pequenos proprietários, compelidos por altos impostos e juros elevados.

Antes da chegada dos colonos judeus sionistas, a comunidade judaica da Palestina

concentrava-se em torno de Jerusalém, Hebron, Tiberíades e Safad, sendo pobre em sua

maioria e proveniente tanto da Europa (asquenazim), quanto da África do Norte e do

próprio Oriente Médio (sefardim), ou mesmo da África subsaariana e da Ásia (mizraim).

A primeira aliá,6 de 1882, traria para esse cenário colonos que desconheciam as

adversidades climáticas e geográficas de uma terra pobre em recursos naturais, que

ignoravam as dificuldades administrativas quanto à aquisição de terras e subestimavam

o esforço financeiro necessário àquela empreitada. Em pouco tempo, os pioneiros

sionistas viram-se endividados, obrigados a recorrer ao capital privado de judeus

ilustres,7 ligados aos interesses coloniais europeus, para dar seqüência a um projeto que,

em verdade, estava além das suas capacidades materiais para recuperar, sozinhos, terras

recém-adquiridas e mal trabalhadas.

Os imigrantes da segunda aliá (1905-1907) já encontraram os antigos colonos judeus da

primeira onda migratória acomodados à nova situação, integrados à realidade local após

os primeiros revezes enfrentados na fase de assentamento – inclusive, fazendo uso da

farta mão-de-obra árabe-palestina liberada pelo já referido êxodo rural. A segunda leva

sionista era proveniente, em sua maioria, da Rússia, fugida da onda de repressão

desencadeada pelo governo tzarista após a derrota da revolução de 1905; e buscava na

Palestina oportunidades de trabalho e inserção social. Foi a chegada desse segundo

grupo de imigrantes judeus que, de fato, deu início aos desentendimentos entre estes e a

6 A palavra aliá, cujo significado original é “ascensão”, tornou-se, modernamente, sinônimo de “migração” para a terra prometida. A primeira onda migratória, que ainda não possuía um projeto programaticamente voltado para a união de todos os judeus, apropriou-se da expressão para a sua causa, o que explica, mais tarde, o uso desse termo com conotações ideológicas, aplicado mesmo a sionistas ateus. Após o surgimento de Israel e com a afirmação do “direito de retorno” em lei, o termo estendeu-se a todo judeu que decidisse emigrar para o país. 7 É fato notório a ajuda prestada ao sionismo, nesse período, pelo barão Edmond de Rothscild – importante investidor francês, de origem judaica – e, mais tarde, pelo barão Maurice de Hirsch, dono da Jewish Colonisation Association, na forma de patrocínio às colônias judaicas na Palestina. Porém, segundo Nigri: “Entre 1882 e 1889, Rothschild impôs – por meio da administração truculenta do barão Hirsch, seu intendente-administrador e também judeu – (I) um pesado regime de trabalho e obediência em troca da continuada permanência dos judeus na Palestina; e (II) reforçou, com a importação de centenas de trabalhadores braçais negros, trazidos do Egito, o investimento na secagem dos pântanos de Hadera, impulsionando, assim, a futura colonização sionista da Palestina; colonização mistificada posteriormente como resultado da heróica ação de seus ‘pioneiros’ fundadores” (2005, p. 56-57).

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população palestina enraizada, pois os imigrantes recém-chegados, ao contrário da

moderação dos primeiros sionistas, defendiam convictamente a criação de um Estado

nacional, em que o trabalho, em todas as suas dimensões, seria realizado unicamente por

judeus. Assim, o sionismo da segunda imigração, ao defender a “conquista do trabalho

hebreu” e o controle judeu exclusivo sobre a administração e a produção da riqueza na

Palestina, colocou árabes-palestinos e judeus em campos de interesse irremediavelmente

opostos, pois os árabes não estavam mais destinados a ser explorados como mão-de-

obra para os colonos judeus, mas, antes, seriam substituídos em sua totalidade.

O aumento da presença judaica e de sua importância na Palestina constituiu, dessa

forma, mais um elemento desagregador no longo processo de decadência do Império

Otomano, à medida que incitou a população local a buscar sua afirmação identitária e

sócio-política no bojo do movimento nacionalista árabe que, naquele momento, buscava

superar o domínio otomano e que, assim como os sionistas, seria envolvido pelas

potências coloniais européias em uma rede de acordos oportunistas e duvidosos, visando

o desmembramento daquele império, cujo desfecho traria, nos três primeiros decênios

do século XX, conseqüências drásticas para o então nascente conflito entre sionistas e

palestinos.

2. SOB DOMÍNIO EUROPEU

As contradições internas acima analisadas já apontavam para o fim do multisecular

Império Otomano quando as potências européias, enfim, intervieram para colocar termo

à questão do Oriente, isto é, ao problema da partilha das imensas possessões do

“homem doente da Europa”, cujo desaparecimento, tido como inevitável, impunha o

risco de uma nova configuração do equilíbrio de poder.

O declínio do poderio otomano já podia ser notado desde o século XVII, quando o

império fora obrigado a ceder a Hungria em favor da Áustria. O evidente atraso

tecnológico em relação às potências européias, combinado com a depreciação das rotas

comerciais tradicionais após o desenvolvimento do comércio marítimo, somava-se às

disputas internas entre as classes dominantes tradicionais – proprietários de terra e

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militares – e entre as comunidades étnico-religiosas, num processo desenfreado de

desagregação, que foi, em si, resultado da descentralização político-administrativa e da

fragmentação cultural e social do Império Otomano.

Da expedição napoleônica ao Egito (1798-1799) até a I Guerra Mundial, o império

perdeu, pelo êxito de movimentos nacionalistas que alcançaram a independência, ou

pela ação expansionista de potências européias: a Grécia, o próprio Egito, Argélia,

Áden, Túnis, Sérvia, Moldávia, Montenegro, Armênia, Geórgia e outras partes do

Cáucaso, Kwait, Bulgária, Bósnia-Herzegóvina, Albânia e Líbia; restringindo-se os seus

domínios, às vésperas do conflito, a uma estreita zona entre a Trácia européia, a

Anatólia e a península arábica. O término da guerra marcou também o fim do Império

Otomano, reduzido pelos acordos de paz8 ao domínio turco original na Anatólia e a uma

pequena porção no leste do continente europeu, que hoje correspondem à atual Turquia.

A ponta de lança desse processo eram as potências européias, que, movidas, sobretudo,

por interesses econômicos e estratégicos, conspiravam pela eliminação da Sublime

Porta, visando o acesso direto e irrestrito a seus vastos domínios – mercados de

indiscutível relevância, localizados no ponto médio entre três continentes, num

momento de acirrada disputa entre economias concorrentes, em franco processo de

desenvolvimento industrial: a Rússia guiava-se por interesses econômicos no comércio

do Mediterrâneo (para o qual almejava uma saída, via mar Negro e através dos estreitos

de Bósforo e Dardanelos), políticos (o controle das populações eslavas dos Bálcãs) e até

religiosos (influência sobre a Igreja Ortodoxa); os ingleses tentavam impedir a expansão

russa e garantir para si as vantagens comerciais que obtiveram no passado; e os

austríacos temiam que a influência dos movimentos nacionalistas abalasse o status quo

da península balcânica; enquanto a Itália e a França esforçavam-se por controlar

territórios otomanos no norte da África.

A principal característica desse processo desenfreado por ampliação de espaços era a de que a expansão dos Estados europeus tinha sido movida por uma necessidade irrefreável da ampliação de mercados das economias competitivas do capitalismo industrial. Isto significava

8 Tratado de Sèvres (1920) – o agonizante império ficava reduzido a seu núcleo central da Anatólia. Tratado de Lausanne (1924) – a Turquia revolucionária, sob o comando de Mustafá Kemal “Ataturk”, o pai dos turcos, recuperava parte do seu território europeu, definindo as fronteiras do novo país.

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uma mudança radical no modo de organização política dos estados-nações, uma vez que as suas fronteiras tornaram-se restritivas e constrangedoras para a expansão dos mercados capitalistas. Se as fronteiras nacionais tinham sido até então a base de sustentação do edifício político do Estado, as forças avassaladoras do capitalismo industrial pressionavam para que essas fronteiras fossem rompidas e expandidas a uma dimensão sem precedentes. (DECCA: 2000, p. 155.)

Com a entrada do Império Otomano na I Guerra Mundial, ao lado da Alemanha e da

Áustria, suas terras tornaram-se um campo de batalha, onde as rivalidades entre as

potências européias mostraram-se com maior nitidez. Os grandes da Europa,

gradativamente abriam mão do princípio de “hegemonia coletiva” que, desde 1815,

norteava as relações entre aqueles Estados (CERVO: 2001, p. 63-65), em favor de um

“novo imperialismo” (DÖPCKE: 2001, p. 32): abandonava-se o frágil – porém contínuo

– equilíbrio de poder entre as potências do continente, conhecido como o Concerto

Europeu – que se baseava tanto no reconhecimento de regras, instituições e interesses

comuns, como também na busca de soluções negociadas para seus conflitos – e passava-

se à disputa aberta por espaços extra-continentais onde quer que houvesse reserva de

recursos naturais ou onde se pudesse dar vazão à força irresistível do movimento de

mercadorias, dinheiro, armas e população européia, não mais comportáveis dentro do

limite definido pelas fronteiras já estabelecidas daqueles Estados.

O encontro da sociedade internacional européia com o resto do mundo, desde fins do século XVIII e através do seguinte, significou a construção de um sistema internacional mundial e a difusão, menos perceptível, por baixo dele, de uma sociedade internacional. Os europeus determinaram as relações com os novos Estados que eles ou seus descendentes criaram na América e, depois, na África do Sul e na Oceania, e exigiram ou impuseram essas mesmas relações ao mundo muçulmano e ao continente asiático. Ao tornar-se mundial, a sociedade internacional européia montou um efetivo sistema de dominação. (CERVO: 2001, p. 66.)

No processo de desagregação do Império Otomano, o destino da Palestina não podia

seguir outra lógica senão essa da transformação do cenário internacional, marcado pela

expansão da sociedade internacional européia a nível mundial; expansão que,

paradoxalmente, punha em risco o equilíbrio sempre tenso do próprio sistema europeu,

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A Gênese da Questão Palestina

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uma vez que minava as bases do entendimento entre as potências do continente – as

quais, durante dois séculos, o Concerto Europeu pôde conciliar. Foi sob o impulso das

articulações e disputas engendradas no seio do sistema internacional europeu que se

definiram as fronteiras da Palestina – e do Oriente Médio, de maneira geral –,

notadamente sob o impulso das articulações da Grã-Bretanha, que, desde o século XVII

vinha se infiltrando na região, através do estabelecimento de entrepostos comerciais e

por meio de alianças locais com alguns emirados, alterando completamente o equilíbrio

político regional.

Aproveitando-se do vazio de poder deixado pela decadência do Império Otomano, a

Grã-Bretanha – com o auxílio da França – manobrou com os movimentos nacionalistas

que então ganhavam força e com os conflitos inerentes ao mundo árabe, para impor suas

próprias concepções estratégicas à região. Nessa conjuntura é que se deve buscar

entender os acordos, as correspondências secretas e as declarações oficiais – e oficiosas

– do período anterior e posterior à I Grande Guerra, bem como a função que

desempenharam, posteriormente, nas discussões sobre o destino da Palestina.

Num primeiro momento, após o fracasso da ofensiva de Galípoli, ainda no curso da I

Guerra Mundial, os ingleses tentaram formar um front interno contra os turcos e, ao

mesmo tempo, conter possíveis tendências pró-germânicas, incentivando a revolta nas

províncias árabes (1916). Com esse intuito, estabeleceram contato com Hussein, o

xerife de Meca, descendente do profeta Maomé e guardião dos lugares santos, cuja

influência moral a Inglaterra pretendia usar para obter o apoio árabe-muçulmano.

Hussein fora atraído pela promessa inglesa de dar respaldo à reconstituição de um

grande reino árabe: nos seus projetos, um de seus filhos, Faissal, reinaria sobre a Síria e

o Iraque, e o outro, Abdallah, seria o rei da Palestina, ao passo que ele mesmo, Hussein,

restabeleceria o califado árabe em seu proveito.

As negociações entre ingleses e árabes foram estabelecidas por meio de uma série de

quatro cartas trocadas entre o alto-comissário britânico no Egito, Henry McMahon, e o

emir de Meca, conhecida como correspondência Hussein-McMahon, em que se

apresentavam propostas e contrapropostas com o objetivo de delimitar as zonas de

influência e as fronteiras após a guerra. Rica em ambigüidades e desmentidos

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posteriores, foi através dessa correspondência que a Inglaterra conseguiu insuflar a

revolta árabe contra os turcos, abrindo uma frente de batalha oriental que permitiu a

suas tropas, aliadas às francesas, avançar pela Arábia Saudita, Palestina e Síria.

Primeira carta de Hussein a McMahon Meca, 2 Ramadã 1333 [14 de julho de 1915]. (...) A nação árabe decidiu solicitar ao governo da Grã-Bretanha que aprove, através de um de seus representantes, as seguintes provisões básicas (...): 1. A Grã-Bretanha reconhece a independência dos países árabes,

limitados por: no norte, da linha Mersina-Adana ao paralelo 37º N e dali ao longo da linha Birejik-Urfa-Mardin-Midiat-Jazirat (ibn ‘Umar)-Amadia, até a fronteira persa; no leste, pela fronteira persa abaixo, até o golfo Pérsico; no sul, pelo oceano Índico (com a exclusão de Áden, cujo status irá permanecer como presente); no leste, pelo mar Vermelho e pelo mar Mediterrâneo, de volta a Mersina.

2. A Grã-Bretanha irá concordar com a proclamação de um Califado Árabe do Islã.

3. O governo do Califado Árabe garante a preferência aos britânicos em todos os empreendimentos econômicos nos países árabes. (...)

Segunda carta de McMahon a Hussein Cairo, 24 de outubro de 1915. Recebi com satisfação e alegria vosso memorando de 29 Shawwal 1333 [9 de setembro de 1915] e vossa prova de amizade sincera encheu-me de satisfação e contentamento. Eu lamento que V. Exa. tenha inferido de minha última carta que minha atitude em relação à questão das fronteiras era hesitante e desinteressada. Esta não foi, em nenhum momento, a intenção de meu memorando. O que quis dizer é que ainda não é o momento para que tal questão seja discutida de maneira conclusiva. Mas, tendo percebido em vosso último memorando que V. Exa., considera o assunto importante, vital e urgente, eu apressei-me em comunicar ao governo da Grã-Bretanha o teor de vosso memorando. Dá-me a maior satisfação transmitir a V. Exa., em nome do governo da Grã-Bretanha, as seguintes declarações, as quais, eu não tenho dúvidas, V. Exa. receberá com satisfação e aprovação. Os distritos de Mersina e Alexandreta, e porções da Síria a oeste dos distritos de Damasco, Homs, Hama e Alepo, não podem ser considerados puramente árabes e devem, portanto, ser excluídos da delimitação proposta. Sujeito a essa modificação e sem prejuízo dos tratados concluídos entre nós e certos chefes árabes, nós aceitamos aquela delimitação.

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Quanto às regiões contidas nas fronteiras propostas, nas quais a Grã-Bretanha está livre para agir sem prejuízo aos interesses de sua aliada França, estou autorizado a dar a V. Exa. as seguintes garantias, em nome do governo da Grã-Bretanha, e responder o seu memorando da seguinte forma: 1. Que, sujeita às modificações mencionadas acima, a Grã-Bretanha

está preparada a reconhecer e apoiar a independência dos árabes em todas as regiões dentro dos limites requisitados pelo xerife de Meca.

2. Que a Grã-Bretanha irá garantir os locais sagrados contra toda agressão externa e irá reconhecer a obrigação de preservá-los de agressões.

3. Que, quando as circunstâncias permitirem, a Grã-Bretanha irá ajudar os árabes com sua assistência e ajudá-los no estabelecimento de governos adequados para aquelas diversas regiões.

4. Que se entende que os árabes já decidiram buscar os conselhos e assistência exclusivos da Grã-Bretanha e que todos os oficiais e conselheiros europeus que possam ser necessários para estabelecer um sistema de administração eficiente devem ser britânicos.

5. Que, em relação aos dois vilayets (províncias) de Bagdá e Basra, os árabes reconhecem que o fato de ali existirem interesses e uma posição estabelecida da Grã-Bretanha, irá exigir o estabelecimento de acordos administrativos especiais para proteger aquelas regiões da agressão estrangeira, para promover o bem-estar de seus habitantes e para salvaguardar nossos interesses econômicos mútuos.

Estou confiante que essa declaração irá convencer a V. Exa., além de toda dúvida, da simpatia da Grã-Bretanha pelas aspirações de seus amigos árabes; e que isto irá resultar em uma aliança sólida e duradoura com eles, das quais uma das conseqüências imediatas será a expulsão dos turcos dos países árabes e a liberação dos povos árabes do jugo turco, que tem pesado sobre eles durante todos esses longos anos. (Apud GATTAZ: 2002, p. 37-39.)

A Inglaterra, contudo, precisava atender, também, aos interesses de sua principal aliada

naquela região e, por isso, apesar de aparentemente aceitar o grandioso projeto de

Hussein, negociou com a França, secretamente, a divisão das províncias árabes do

Império Otomano em áreas de influência, à revelia dos interesses destas. O acordo

assinado em 1916, que teve, ainda, a participação da Rússia tzarista, recebeu o nome

dos secretários de Estado que conduziram as negociações – Mark Sykes, pela Inglaterra,

e Georges-Picot, pela França.

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Correspondência entre o ministro do Exterior inglês, Edward Grey, e o embaixador francês em Londres, Paul Cambon, a respeito do acordo Sykes-Picot 16 de maio de 1906. (...) Fica expressamente acordado entre os governos francês e britânico: 1. Que a França e a Grã-Bretanha estão preparadas para reconhecer e

proteger um Estado árabe independente ou uma Confederação de Estados árabes nas áreas (A) e (B), marcadas no mapa anexo, sob a soberania de um chefe árabe. Que a França na área (A) e a Grã-Bretanha na área (B) terão prioridade de direito de empreendimentos e empréstimos locais. Que a França na área (A) e a Grã-Bretanha na área (B) terão exclusividade para fornecer assessores ou funcionários estrangeiros, a pedido do Estado árabe ou Confederação de Estados árabes.

2. Que a França na área azul e a Grã-Bretanha na área vermelha serão autorizadas a estabelecer a administração direta ou indireta que desejarem e que considerem que possa se harmonizar com o Estado árabe ou Confederação de Estados árabes.

3. Que na área marrom9 será estabelecida uma administração internacional, cuja forma será decidida após consulta à Rússia, e subseqüentemente em consulta aos outros aliados e representantes do xerife de Meca. (Apud GATTAZ: 2002, p. 34-35.)

Os acordos secretos anglo-franceses conciliavam os antigos interesses das duas

potências em relação aos domínios otomanos, mas, por outro lado, inviabilizavam o

projeto do grande reino árabe, rechaçado que foi este pela ofensiva francesa sobre a

Síria (1920), então ocupada por Faissal, que, em compensação, foi posto pelos ingleses

à frente do trono do Iraque, dando início à dinastia Hachemita, enquanto seu irmão

Abdallah recebeu o trono da Transjordânia.

Paralelamente aos acordos com a França e às negociações com os árabes, a Inglaterra

lançou mão de um terceiro artifício, que teria conseqüências determinantes na evolução

da Questão Palestina: o apoio ao movimento sionista, explicitamente afirmado na

declaração Balfour (1917), na verdade, uma carta escrita pelo então chanceler britânico

a lorde Rothschild, representante do comitê político da Organização Sionista, que, por

seu caráter extra-oficial, trouxe reconhecimento internacional ao projeto de

restabelecimento dos judeus na Palestina.

9 No mapa apresentado à página seguinte, a região designada pela cor marrom no acordo está assinalada em púrpura.

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Com esta manobra, o governo inglês, ao mesmo tempo em que colocava mais um

obstáculo ao nacionalismo árabe, conseguia atrair para si o apoio dos judeus da

Palestina, fundamental para garantir o avanço de suas tropas contra a frente turco-

otomana e viabilizar, futuramente, o controle estratégico entre o Mediterrâneo e o Golfo

Pérsico, através da criação de um protetorado.

A legitimidade alcançada pelo movimento sionista com a Declaração Balfour foi

assegurada pela ocupação inglesa da Palestina (1918) antes mesmo da vitória da Entente

sobre a Tríplice Aliança e do estabelecimento do mandato inglês pela Liga das Nações

(1922). Diante da consumação desses fatos, os setores nacionalistas árabes logo

perceberam que a nova definição de fronteiras transparecia, antes, um novo tipo de

submissão do que a criação de nações independentes da dominação otomana.

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3. O PAPEL DO NACIONALISMO

A declaração Balfour, a correspondência Hussein-McMahon e o acordo de Sykes-Picot

fixaram, pois, a partilha das províncias árabes do Império Otomano entre as duas

potências, cujo arbítrio na delimitação de fronteiras artificiais e precárias, que

ignoravam a dinâmica própria da região, contribuiu de maneira definitiva para o

acirramento do embate entre o moderno nacionalismo judeu – o sionismo – e sua

contrapartida, o nacionalismo árabe-palestino, formulado, inicialmente, em articulação

com as aspirações pan-árabes e, posteriormente, como expressão própria dos objetivos

nacionais de um grupo específico dentro da comunidade árabe mais ampla, cujas

rivalidades intrínsecas obstaram, em boa medida, a concretização de um Estado árabe na

Palestina.

3.1. Sionismo político: o nacionalismo judeu

O termo sionismo, que surgiu no final do século XIX, refere-se a Sion, colina de

Jerusalém sobre a qual foi construído o primeiro templo da cidade e que simboliza a

terra prometida. O sionismo, em seu sentido mais amplo, foi uma conseqüência da

emancipação política dos judeus, fruto do amadurecimento do Estado-nação moderno

na Europa: a garantia de direitos civis e igualdade política e jurídica para todos os

cidadãos colocava os judeus frente à ameaça de perda da sua identidade e dos laços de

solidariedade do grupo. Entre as diferentes posturas10 adotadas, o sionismo político era a

10 Sionismo religioso – Considerava a Palestina o berço cultural e espiritual do judaísmo, mas não prescrevia a criação de um Estado judaico, apenas a revalorização das tradições religiosas, pois seus adeptos acreditavam que os dois exílios do povo judeu tivessem sido provocados pelo abandono da aliança com Deus e somente o messias poderia fazer ressurgir Israel. Sionismo cultural – Israel deveria se tornar um refúgio para o judaísmo, como um centro que polarizasse as energias da nação judaica, pois a sobrevivência do judaísmo estava ameaçada pela secularização da sociedade e, principalmente, pelo anti-semitismo. Segundo esta visão, o Estado seria o único capaz de garantir as instituições culturais essenciais a qualquer sociedade. Sionismo trabalhista – Além da criação de um Estado, defendia a necessidade de um estrutura de classes em que todas as funções da sociedade fossem exercidas exclusivamente por judeus; dessa forma não haveria espaço para os árabes. Sionismo prático – Com a morte de Herzl (1904) e o fracasso momentâneo da via diplomática, essa dissidência do sionismo político optou pela imigração ilegal para a Palestina, constituindo a segunda onda de imigrantes judeus (aliá), entre os quais figurava David Ben Gurion, futuro primeiro-ministro de Israel. Restam, ainda, duas tendências minoritárias: a dos territorialistas, que continuavam ligados ao projeto de implantação de um Estado, mas fora da Palestina, em uma terra virgem; e uma extrema esquerda, que

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tendência que defendia o ideal de saída da Europa e reagrupamento dos judeus na

Palestina, como resposta, também, ao anti-semitismo europeu, que, conforme se

acreditava, tornava a assimilação – embora desejável – impossível.

Na contracorrente da emancipação individual, o sionismo político assim concebido por

seus fundadores – Hess, Leon Pinsker e Theodor Herzl – encontrou forte resistência

dentro da própria comunidade judaica, entre aqueles que se opunham ao projeto de

emancipação coletiva, preferindo a proposta de assimilação dos judeus aos países onde

residiam, e entre os que condenavam a valorização do aspecto eminentemente nacional

e secular desse projeto, em detrimento do caráter religioso fundamental do judaísmo.

Por todas essas razões, além, é claro, da falta de apoio – ainda mais evidente – fora dos

meios judaicos, o sionismo político, durante muito tempo, não passou de um movimento

minoritário; e foi preciso que se testemunhassem os pogroms de Odessa (1881) e o

holocausto de Aushwitz para que ele alcançasse legitimidade perante a opinião pública

européia – comovida e, em boa medida, tomada de remorso – e internacional.

A chegada à Palestina dos primeiros imigrantes judeus coincidiu com a desagregação

das províncias árabes do Império Otomano, sob o ímpeto do movimento expansionista

europeu, e foi prontamente associada ao colonialismo: uma vez que a origem e a razão

de ser da imigração judaica, bem como suas referências políticas e culturais, estavam

intimamente ligadas à Europa, a idéia sionista foi considerada como uma manifestação

perniciosa da presença estrangeira na região. Os novos imigrantes, por seu turno,

subestimando possíveis dificuldades de coexistência com a população local, de fato

tomaram para si os ideais de progresso e civilização que escudavam o “novo

imperialismo” das grandes potências e se propuseram a construir “uma Palestina tão

judaica quanto a Inglaterra é inglesa” – nas palavras consagradas do futuro primeiro

presidente de Israel, Chaim Weizman. Os princípios colonizadores do movimento foram

explicitamente formulados em um programa nacionalista com claros objetivos políticos,

elaborado durante o I Congresso Sionista, realizado na Basiléia (Suíça), em agosto de

1897:

apelava à solidariedade de classe entre trabalhadores judeus e árabes em um Estado binacional (GATTAZ: 2002, p. 21; MASSOULIÉ: 1994, p. 49).

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O sionismo propõe-se a construir um lar para o povo judeu assegurado legalmente e reconhecido publicamente na Palestina. Para alcançar seu propósito, o congresso propõe os seguintes métodos: 1. O estímulo programado para o assentamento na Palestina mediante

o esforço de judeus agricultores, trabalhadores e que se ocupem de outros trabalhos.

2. A unificação de todos os judeus em grupos locais e regionais de acordo com as leis de seus respectivos países.

3. O fortalecimento da autoconsciência e da consciência nacional judaica.

4. Fazer os preparativos para obter o consentimento dos governos necessários para a realização dos objetivos do sionismo. (LAQUEUR. Apud GATTAZ: 2002. p. 23-24. Grifos nossos.)

A Declaração Balfour de 1917, que prometia apoiar a criação de um “lar nacional para

os judeus” na Palestina, apenas ratificou, aos olhos da comunidade árabe nativa, o

caráter político do sionismo e sua ligação com os propósitos do imperialismo europeu.

Ela contradizia, formalmente, a promessa de reconhecimento da nacionalidade e da

criação de um reino árabe, feita ao xerife de Meca em 1915, e denunciava, ao mesmo

tempo, o caráter contraditório dos compromissos assumidos pela Grã-Bretanha,

prenúncio de conflitos futuros.

Paradoxo trágico e ambivalência do sionismo: planejado no Ocidente como libertação da opressão anti-semita, ele se realizará no Oriente como uma empreitada colonialista. Para além de todas as justificativas e de todos os erros cometidos de ambas as partes, para os povos do Oriente Médio o conflito se resume a este dado fundamental: a ocupação efetiva, simbólica e política por um grupo humano de um território já habitado por outro grupo humano. (MASSOULIÉ: 1994, p. 47.)

3.2. Do nacionalismo árabe ao nacionalismo palestino

No debate em torno do nacionalismo, são inúmeras as abordagens que se propõem a

estudar e definir esse fenômeno, inexistindo, até o momento, um consenso teórico, quer

seja sobre sua natureza – antropológica, política, sociológica –, quer seja sobre sua

aplicação como conceito, ainda mal definido, a tais e quais situações.

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De forma resumida, pode-se distinguir quatro correntes que permeiam o estudo da

questão nacional (BREUILLY: 2000). A primeira entre todas, refere-se ao problema da

definição dos conceitos operatórios de nação e nacionalismo. Em segundo lugar,

teóricos e historiadores questionam-se sobre quando teriam surgido as nações,

sugerindo uma variedade de quadros referenciais, entre os quais se destacam:

• Primordialistas, que acreditam ser a nação um fenômeno

indeterminável, tendo existido desde tempos imemoriáveis da história da

humanidade, sob diferentes formas.

• Modernistas, de tendência majoritária, vêem o fenômeno como algo

construído em paralelo à formação dos Estados-nação, sendo, portanto,

essencialmente, um fenômeno moderno.

A terceira corrente concentra seus esforços em explicar como as nações e o

nacionalismo se desenvolvem. E, finalmente, pode-se, ainda, distinguir uma quarta

tendência, que restringe sua percepção ao nacionalismo europeu, em detrimento das

experiências não-ocidentais, que seriam apenas um reflexo das idéias apropriadas

daqueles movimentos originais.

Qualquer que seja a abordagem escolhida, o que sobressai na análise desse poderoso

fenômeno é sempre o “caráter político do nacionalismo, como ideologia que defende a

noção de que Estado e nação devem estar em harmonia”, ou ainda, “sua capacidade de

ser um provedor de identidade entre indivíduos cônscios de constituir um grupo baseado

numa cultura, passado e projetos para o futuro comuns, bem como a fixação a um

território concreto” (GUIBERNAU: 1997, p. 11), características que justificam a

tendência irrefreável – e de fácil constatação entre teóricos e historiadores – de associar

essa ideologia ao processo de formação dos Estados nacionais.

Se, por um lado, não há problemas em reconhecer no sionismo um tipo de

nacionalismo, seja considerando-o como produto de transformações societárias

(GELLNER: 2000) de um meio num determinado momento, seja como instrumento da

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identidade de um povo (SMITH: 2000), como forma de resistência a um agente

opressor, seja, ainda, como meio para alcançar fins políticos; por outro lado, no que se

refere aos palestinos, um tal reconhecimento revela-se mais complicado, na medida em

que o nacionalismo palestino não pode ser, até certo ponto, facilmente distinguido do

próprio nacionalismo árabe, que, por si só, já é um emaranhado complexo de interesses

divergentes de povos distintos, cuja maior referência identitária é o islamismo.

Em verdade, o agente catalisador do nacionalismo árabe e, em última instância, do

nacionalismo palestino, foi a dominação estrangeira e, para além da abolição desta, seus

objetivos e suas estratégias – separação, reforma, unificação – para conseguir o apoio

necessário variaram segundo o lugar daqueles que o invocavam.

No seu nascedouro, a primeira manifestação de um nacionalismo árabe teve cunho

religioso: o arabismo surgiu no século VII, do seio do Islã, que reuniu em torno de um

projeto comum as tribos que se espalharam pela península ao longo do tempo. Para os

ideólogos do arabismo, o Islã seria um patrimônio cultural, um elemento essencial e

inseparável da história dos árabes, que seus Estados deveriam conservar.

O arabismo contemporâneo ou o islamismo político, a segunda manifestação do

nacionalismo árabe, teve caráter reformista: confrontados com o esfacelamento do

Império Otomano e diante da influência crescente do elemento estrangeiro (europeu),

representante de uma sociedade extremamente dinâmica e, por isso, envolvente e

conquistadora, os muçulmanos voltaram-se para suas origens, no intuito de encontrar os

elementos da renovação e do progresso, sempre com base no Corão, seu programa

supremo de ação, que deveria ordenar o conjunto das atividades humanas. A Nahda,

esse amplo movimento de renascença cultural, literária e política ocorrido no século

XIX, expressou-se pelo surgimento e desenvolvimento de partidos e movimentos

políticos, num momento delicado da conjuntura internacional, em que nações sem

Estado contrastavam e se chocavam com os interesses de Estados nacionais em franca

ascensão.

Desses dois momentos do nacionalismo árabe, dois problemas já se colocam para os

ideólogos da unidade muçulmana. Em primeiro lugar, a associação do Islã ao

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nacionalismo não é, de todo, simples, pois a mensagem universalista do primeiro não

pode aceitar os vínculos nacionalistas restritivos, um tipo de solidariedade abstrata

inventada no Ocidente. Em segundo lugar, ao levantar a bandeira da modernidade, que

se identifica com o Ocidente – por autodefinição deste ou por simples constatação das

suas potencialidades –, o islamismo político levanta também, em contrapartida, a

questão da autenticidade de origem, que reforça o ideal de um passado glorioso, uma

idade de ouro perdida, o que, fatalmente, tende a levar ao conflito e não à síntese com

seu pólo oposto, os defensores da modernização. O movimento dos Jovens Turcos,11

que se formou ainda no contexto da dominação otomana e que a ela se sobrepôs em

1908, é um exemplo dessa ambigüidade, enquanto expressão de tendências progressistas

e modernizantes que, de outra parte, não conseguiu agregar em torno de seu discurso

pan-islâmico setores mais tradicionais da sociedade muçulmana – como bem o

demonstra a aliança entre o xerife de Meca, Hussein, com as forças britânicas durante a

I Guerra, conforme mencionado anteriormente.

Uma terceira manifestação do nacionalismo árabe foi a do pan-arabismo, melhor

exemplificado na figura do egípcio Gamel Abdel Nasser, já no contexto da Guerra Fria

e sob o peso da derrota árabe na proclamação do Estado de Israel. De caráter

eminentemente político e menos submisso ao referencial islâmico, o grito de unidade

mais uma vez lançado pelo nacionalismo árabe encontrou eco no jogo de equilíbrio de

poder entre as duas novas potências do globo – Estado Unidos e União Soviética –, às

quais o pan-arabismo interpôs uma política de não-alinhamento com qualquer dos

blocos, conseguindo, com isso, obter para os países árabes do Oriente Médio vantagens

e armamentos fornecidos por ambos os lados. O sentimento revanchista contra Israel foi

o que forjou, em última instância, a união pan-árabe, que escondia, no fundo, antigas

rivalidades entre os países que tentavam atrair para si a liderança do movimento.

O oportunismo das lideranças árabes já se revelava ao término da Grande Guerra, no

acordo secreto firmado entre o hachemita Faissal e o sionista Chaim Weizman, pelo

qual o governante árabe se comprometia a apoiar a execução da Declaração Balfour,

11 Os Jovens Turcos formavam um movimento partidário de cunho liberal, que visava a formação de uma monarquia constitucional e que, em 1908, conseguiu romper a hegemonia otomana através de um golpe de Estado. Foram responsáveis pela aliança do Império Turco-Otomano com a Alemanha no primeiro conflito mundial, em resposta ao alinhamento franco-britânico com a Rússia, sua tradicional inimiga.

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apoiando a imigração judaica para a Palestina. E, mesmo durante a vigência da

autoridade otomana – em tese, hostil à imigração e colonização judaicas na Palestina –,

a corrompida e endividada administração imperial, em troca de suporte financeiro e até

como contrapeso ao nacionalismo árabe nascente, facilitou aos judeus a compra de

terras, mesmo com a proibição determinada pelo governo central (1892) da cessão de

propriedades do Estado aos colonos sionistas, obtida por pressão dos “notáveis de

Jerusalém” (NIGRI: 2005, p. 66-68, 72) .

Após a criação de Israel, sem qualquer organização própria independente e atuante, os

palestinos viram-se na contingência de esperar nos exércitos dos países irmãos a

solução de seu problema. No entanto, estes não demonstraram interesse em exigir o

reconhecimento de um Estado palestino autônomo, nem mesmo vontade de integrar os

refugiados às suas respectivas populações; antes, estes Estados optaram por submeter a

causa palestina aos interesses superiores da nação árabe, ou a seus próprios projetos,

deixando a questão em aberto, como instrumento de propaganda ou como arma contra

Israel.

Nem mesmo a criação da Organização para Libertação da Palestina, em 1964, durante a

primeira conferência de cúpula árabe, no Cairo, sob os auspícios da Liga Árabe e de

Nasser, pôde reverter essa incômoda situação. Assim, foi por iniciativa dos próprios

palestinos que sua luta veio a se firmar nos anos subseqüentes, primeiro pela forma de

combate armado, passando pelo terrorismo internacional e, por fim, através da via

diplomática, buscando reconhecimento internacional para a legitimidade de sua causa,

principalmente no seio da Organização das Nações Unidas.

Longa é a lista dos sofrimentos palestinos, Chukeiri [líder da OLP] controlado pelo Egito, o Setembro Negro pela Jordânia, o interminável sítio do acampamento palestino de Tal-al-Zaatar em 1976 no Líbano, o cerco de Trípoli, também no Líbano, pelo exército sírio em 1983, o massacre de Sabra e Chatila perpetrado por falangistas maronitas aliados de Israel (...) Eis como descreve esses sofrimentos o poeta palestino Mahmud Darwich: “Descobrimos o quanto já nos tornamos árabes nas prisões israelenses; descobrimos o quanto já nos tornamos palestinos nas prisões árabes”. (MASSOULIÉ: 1994, p. 97.)

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Assim como o sentimento nacional judaico se fortaleceu na luta contra o anti-

semitismo, o nacionalismo palestino também foi fruto de uma adversidade; ele se

forjou, por um lado, na luta contra aquele mesmo nacionalismo judaico – o sionismo

político – e, de outra parte, na sua lenta individualização no seio do pan-arabismo,

forçada pela falta de coesão dos principais dirigentes árabes – divididos por interesses

conflitantes, habilmente explorados pelas potências mandatárias.

4. DO MANDATO BRITÂNICO À PARTILHA DA PALESTINA

Como mandatária da região, a Inglaterra colocava em prática uma política ambígua,

tentando conciliar com os seus os interesses de árabes e judeus, sem descontentar,

entretanto, a uma e outra parte; pois, num cenário internacional de guerra, um ambiente

de negociações e regateios, era necessário garantir todo apoio possível, principalmente

porque disso dependia a posição privilegiada que o país desejava manter no Oriente

Médio. Durante a I Guerra Mundial, temendo que os judeus, ressentidos pelos pogroms

russos, se aliassem aos alemães, a Inglaterra sinalizou com o apoio aos interesses

sionistas, depois de já haver se comprometido com os árabes.

Em 1917, quando julgava precisar do apoio judaico, ofereceu aos judeus a Palestina. Em 1921, pelas necessidades decorrentes de suas alianças interárabes, desmembrou dela a Transjordânia para oferecer a coroa de um país fictício a um aliado destituído do poder. Em 1933, quando a Alemanha nazista começou a captar as simpatias árabes, restringiu a venda de terras aos judeus. (SOARES: 2004, p. 40.)

Foram os judeus, de maneira geral, os maiores beneficiados pela dual política da

potência mandatária, uma vez que o próprio movimento sionista, no intuito de obter o

respaldo inglês para sua causa, soube associar a criação de um Estado judeu na Palestina

à idéia de um Estado amigo, pronto para defender, naquele ponto estratégico, os

interesses aliados e, notadamente, ingleses. Porém, ao favorecer, de um lado, a

imigração judaica e, ao prometer – para depois impedir – a criação de um novo Estado

árabe, a Inglaterra plantou as sementes de um conflito inevitável.

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Já em 1918, antes da concessão do mandato pela Liga das Nações, em 1922, a Inglaterra

mandara à Palestina uma comissão para verificar como a declaração Balfour poderia ser

reforçada (SOARES: 2004, p. 30). Mas, o aumento espantoso da presença judaica12 na

região resultou na eclosão de conflitos violentos entre a população nativa e os

imigrantes, pois a chegada destes foi seguida pelo deslocamento daquela população não

só de suas terras – que o colono judeu, subsidiado pelo governo inglês, tinha meios para

adquirir –, mas também das demais atividades, como comércio, habitação e, mesmo,

militares,13 as quais a Agência Judaica esforçava-se por controlar, e conseguia, graças às

concessões britânicas.

A mobilização palestina, por seu turno, não possuía o mesmo grau de organização dos

judeus sionistas. Enquanto estes, pouco a pouco, estabeleciam a estrutura básica de seu

futuro Estado, as lideranças palestinas recusavam-se a criar uma Agência Árabe, à

semelhança da Agência Judaica – instância representativa do movimento sionista,

reconhecida nos termos do próprio mandato, que garantiu aos judeus um amplo espaço

nas questões administrativas, ao permitir que fossem erguidas instituições que serviriam

de base para a organização de um futuro governo. Privando-se, assim, de ter qualquer

instituição representativa reconhecida, os palestinos assumiram uma posição de tudo ou

nada, exigindo a anulação da declaração Balfour e a interrupção da imigração

(MASSOULIÉ: 1994, p. 56). Tal atitude, embora os reduzisse à impotência, revelava

uma percepção clara de que não estavam diante de um típico caso de dominação e

exploração, mas sim diante de um projeto ambicioso de criação de um novo Estado,

cuja identidade, senão exclusiva, majoritariamente judaica implicava, por conseguinte,

expulsar os habitantes daquele território.

Até a criação da Liga Árabe (1945) e a fundação da OLP, seu maior interlocutor junto

às autoridades mandatárias foi o grande mufti de Jerusalém, Hajj Amin al-Husseini, 12 Evolução da população judaica na Palestina (MASSOULIÉ: 1994, p. 64):

1882 24.000 4% da população total 1914 85.000 10% da população total 1948 650.341 33% da população total

13 Já em 1909, surgia a primeira força de autodefesa judaica, o Hashomer (Sentinela), fundado por Ben Gurion. Seguiram-se a ele: a Haganah, milícia unificada de defesa, reunindo organizações menores na década de 1920; o Irgun Zvei Leumi (Organização Militar Nacional), braço armado do movimento extremista; e o Lohame Herut Israel, (Combatentes pela Libertação de Israel, Lehi), mais conhecido como Gang Stern, ou simplesmente Stern, inspirado em seu líder Avraham Stern. Os dois últimos da década de 1940.

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dignitário religioso e chefe do Conselho Supremo Muçulmano, cuja influência além dos

limites da Palestina permitiu-lhe obter apoio popular na luta anti-sionista. Sua postura

agressiva e sua manifesta simpatia pelo Eixo, contudo, custaram-lhe, inúmeras vezes, o

exílio e, gradativamente, a perda de seu prestígio. O mufti de Jerusalém tornou-se a

ponta-de-lança da resistência palestina, liderando motins, greves e ataques anti-judaicos

mais violentos; porém, sua posição, mais árabe-islâmica do que propriamente palestina,

pouco contribuiu para a causa desse povo, além de servir para mobilizar suas

insatisfações, sendo por muitos considerado uma influência controversa (SCALERCIO:

2003, p. 33).

Buscando arrefecer a insatisfação árabe, o então ministro das Colônias, Winston

Churchill, lançou mão do primeiro Livro Branco (Command Paper), em julho de 1922,

que procurava impor restrições à imigração judaica, condicionando-a à capacidade de

absorção econômica da região. Mas o problema não era econômico, pois desse ponto de

vista, a Palestina experimentou um impulso modernizador com as novas técnicas e o

capital judeu, que imprimiram maior impulso à produção local. Na realidade, o

problema era, acima de tudo, político e se colocava na oposição entre dois

nacionalismos radicalmente distintos, dois pontos de vista com legitimidade diferente:

os árabes tentando manter a posse sobre um território que há séculos ocupavam; os

judeus forçando o retorno ao lugar de um passado glorioso, de onde haviam saído há

séculos.

Nos anos 1930, com o aumento da chegada de judeus à Palestina, em conseqüência das

perseguições nazistas, desencadeou-se uma série de conflitos entre palestinos e judeus,

que culminaram, em 1936, em uma grande revolta da população árabe contra o colono

judeu, coordenada pelo mufti de Jerusalém, sob a forma de uma greve geral, e que durou

até as vésperas da II Guerra. Os insurgentes exigiam o fim da imigração e da

transferência de terras árabes para os sionistas e a constituição de um parlamento de

formação proporcional ao número de judeus e árabes que habitavam a região. As

propostas foram negadas e o “levante foi esmagado por 25 mil soldados britânicos e

uma dúzia de aviões bombardeiros, auxiliados por contingentes de milicianos judeus”,

com um saldo de cinco mil palestinos mortos (SCALERCIO: 2003, p. 33).

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Face ao recrudescimento das ações de violência, o governo britânico nomeou uma

comissão de investigação (nov./1936-jul./1937), que ficou conhecida como Comissão

Peel.14 Em seu relatório, concluía esta comissão que havia uma “incompatibilidade”

entre as aspirações nacionais das duas comunidades e, pela primeira vez, propunha a

partilha da Palestina em dois Estados.

Nos estreitos limites de um pequeno país, há duas comunidades nacionais em conflito inevitável (...) A comunidade árabe é de caráter predominantemente asiático; a comunidade judaica, de caráter predominantemente europeu. Divergem em religião e língua. Sua vida social e sua maneira de atuar e raciocinar são tão incompatíveis quanto suas aspirações nacionais. (SOARES: 2004, p. 41.)

A proposta não podia ser bem acolhida por nenhum dos lados, pois os palestinos não

queriam perder parte alguma do que possuíam, enquanto os judeus pretendiam estender

seu lar nacional por toda a Palestina; mas foi aceita pela comissão sionista, que entendia

ser um grande passo naquela direção ter reconhecida sua soberania plena, ainda que

sobre um pedaço menor do que a Eretz Israel.

Eu sou a favor da partilha do país porque quando nós nos tornarmos uma grande potência, depois do estabelecimento do Estado, iremos abolir a partilha e nos espalhar pela Palestina. (...) O Estado judeu que ora é oferecido para nós não é o objetivo sionista. Dentro desta área não é possível resolver a questão judaica. Mas pode servir como uma etapa decisiva em direção à grande implementação do sionismo. Irá consolidar na Palestina, no menor tempo possível, a real força judaica que irá nos levar a nosso objetivo histórico. (BEN-GURION. Apud GATTAZ: 2002, p. 104.)

14 Chefiada por um ex-secretário de Estado da Índia, lorde Robert Peel, a comissão real apresentou um relatório de 400 páginas, que, em suma, defendia o histórico do governo inglês na Palestina e, seguindo a dupla-face da política inglesa, reafirmava a declaração Balfour, ao mesmo tempo em que reconhecia a justiça das demandas palestinas. Dizia o relatório: “Estimular a imigração judaica, na esperança que pudesse levar à criação de uma maioria judaica e ao estabelecimento de um Estado judeu com o consentimento ou ao menos com a aquiescência dos árabes era uma coisa. Outra coisa muito distinta era contemplar, embora remotamente, a conversão forçada da Palestina em um Estado judeu, contra a vontade dos árabes. Isso claramente violaria o espírito e a intenção do sistema de mandato. (...) Manifestamente, o problema não poderá ser solucionado dando-se aos árabes ou judeus tudo o que eles querem. A resposta à questão qual deles irá, no fim, governar a Palestina? deve ser, seguramente, nenhum. (...) ‘Meio filão é melhor do que nenhum pão’ é um provérbio peculiarmente inglês (...)” (GATTAZ: 2002, p. 69.)

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Os palestinos, novamente, se revoltaram contra os ingleses, obrigando-os a adotar uma

nova política, expressa na divulgação de um segundo Livro Branco, em 1939.

Rompendo com sua postura anterior, a Inglaterra, pela primeira vez desde a declaração

Balfour, tomou posição a favor dos palestinos, tendo em vista a aproximação da II

Guerra Mundial: não era possível afastar de si os países árabes, agitados pela revolta na

Palestina e sensíveis à propaganda antibritânica nazista, graças ao descumprimento das

promessas feitas anteriormente. Em última análise, além de limitar sensivelmente a

imigração, o novo livro branco propunha o estabelecimento de um único Estado

independente na Palestina, em que árabes e judeus gozassem dos mesmos direitos e

deveres e onde fossem respeitadas as características particulares de todas as

comunidades.

De sua parte, os judeus, apesar do apoio aos Aliados na luta armada contra o Eixo,

voltaram o poder de suas unidades paramilitares também contra os ingleses, procurando

reconquistar pela força das armas o que haviam perdido no terreno político.

Paralelamente, no campo internacional, buscaram e obtiveram junto aos EUA – onde a

comunidade judaica já era consideravelmente numerosa e influente – o apoio estratégico

que não podia faltar à sua causa. Em 1945, um Comitê Anglo-Americano foi formado

para revisar a situação na Palestina e, de sua investigação, resultou nova proposta para

criação de um Estado autônomo na Palestina – semelhante à última proposta inglesa –,

com garantias para todas as comunidades religiosas nele inseridas. A proposta, contudo,

não deixava de contemplar os judeus nas facilidades que oferecia para a imigração e

compra de terras, razão por que foi rejeitada pelos árabes.

A Inglaterra, por sua parte, vendo-se impotente para resolver o impasse que ela mesma

ajudara a criar e exaurida em suas capacidades após 20 anos de crises e guerras,

resolveu internacionalizar o problema, entregando sua solução nas mãos da ONU,

criada ao final da II Guerra para assumir o papel da fracassada Liga das Nações. Um

novo comitê de investigação foi criado e optou-se, então, pela partilha da Palestina em

dois Estados, um judeu outro palestino, que seria assim apresentada à Assembléia Geral

da ONU, na forma da Resolução 181, em 29/11/1947: os judeus conservariam 56% do

território, divididos em três áreas distintas; os palestinos, 43%, divididos também em

três áreas; e a cidade de Jerusalém ficaria sob administração internacional.

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A solução15 aprovada por 33 votos a favor, 13 contra e 10 abstenções representou a

declaração de guerra dos árabes contra os judeus. Os combates, que já estavam em

curso, recrudesceram e tornaram-se mais violentos, à medida que se aproximava a data

que a Inglaterra havia fixado para sua completa retirada da Palestina – 15 de maio de

1948 –, encerrando, assim, seu período como mandatária.

5. A PALESTINA ENTRE ISRAEL E OS PAÍSES ÁRABES

Em 14 de maio de 1948, a proclamação do Estado de Israel antecipou em um dia a

retirada oficial inglesa da Palestina, mas a guerra de fato já havia começado em fins de

novembro de 1947, em forma de guerrilha entre as comunidades judaica e árabe-

palestina. A proclamação apenas inaugurou uma nova fase no conflito, que adquiriu

contornos de guerra convencional, travada entre o recém-fundado Estado de Israel e os

exércitos da Transjordânia, Egito, Síria, Líbano e Iraque. A boa organização do exército

judeu – experimentado nos combates da II Guerra e na ação dos grupos paramilitares –,

aliada à ajuda de ativistas correligionários nos EUA e na Inglaterra para a compra de

armamentos, foram fatores preponderantes na vitória sobre as forças árabes, que sobre-

estimaram sua superioridade numérica e subestimaram o poder de fogo do inimigo.

5.1. A criação de Israel e a primeira guerra árabe-israelense

Desde a década de 1930, os colonos judeus estocavam armas para o provável conflito

com os árabes, tendo criado, inclusive, uma estrutura doméstica de fabricação e

manutenção de armas (Ta’as) e outra organização (Rekhesh) voltada para a aquisição e

distribuição de armamentos – amplamente disponíveis no mercado internacional após o

15 Votos a favor: África do Sul, Austrália, Bélgica, Bolívia, Brasil, Bielo-Rússia, Canadá, Costa Rica, Tchecoslováquia, Dinamarca, Equador, Estados Unidos, Filipinas, França, Guatemala, Haiti, Holanda, Islândia, Libéria, Luxemburgo, Nicarágua, Noruega, Nova Zelândia, Panamá, Paraguai, Peru, Polônia, República Dominicana, Suécia, Ucrânia, União Soviética, Uruguai e Venezuela. Votos contra: Afeganistão, Arábia Saudita, Cuba, Egito, Grécia, Iêmen, Índia, Irã, Iraque, Líbano, Paquistão, Síria e Turquia. Abstenções: Argentina, Chile, China, Colômbia, El Salvador, Etiópia, Honduras, Iugoslávia, México, Reino Unido.

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fim da II Guerra. Os palestinos, abalados pela repressão da grande revolta de 1936-

1939, contavam com as forças militares dos países árabes irmãos, reunidas sob o

Exército Árabe de Libertação (SCALERCIO: 2003, p. 47-48). Entretanto, as dissensões

entre estes dificultariam a execução, na prática, da unidade que seu discurso anunciava.

Na época do primeiro conflito, a melhor unidade militar entre os árabes era aquela

formada pela Legião Árabe16 do reino hachemita da Transjordânia, cujo rei, Abdallah –

comandante-geral da Liga Árabe – nutria a esperança de ver senão toda a Palestina sob

seu controle, ao menos os territórios árabes. Com este intuito, o rei hachemita manteve

contatos secretos com a Agência Judaica, sob a liderança de Ben Gurion, que, contando

com a falta de uma estratégia árabe concreta, reconhecia, entretanto, a possibilidade de

derrota se a Legião Árabe passasse à ofensiva de forma determinada. Abdallah temia

também que uma vitória egípcia, no sul, ou síria, ao norte, consolidasse uma autoridade

rival junto às suas fronteiras e não via com bons olhos a influência que desfrutava entre

os palestinos o mufti de Jerusalém – inimigo dos hachemitas. Dessa forma, o lado árabe,

perseguindo unicamente a realização de objetivos particulares, contrastava com os

judeus não pela superioridade numérica total, mas, antes, pela falta de coordenação e de

uma liderança efetiva que unificasse, de fato, o comando das operações em torno de um

plano de combate verdadeiramente estruturado. Prevaleceram as prioridades de cada

sistema de poder na posição ambígua assumida pela Liga Árabe, o papel de seus

Estados membros, que, aproveitando-se da irresistível solidariedade despertada pela

causa palestina entre seus povos – pela experiência otomana compartilhada e ainda

recente –, buscaram catalisar para fora de suas fronteiras as forças populares de

contestação aos regimes políticos internos, visando a ordem vigente. Sem uma

estratégia solidamente montada, que respaldasse no campo militar o discurso

fervorosamente defendido, foram os árabes conduzidos, em pouco mais de ano, à

rendição completa.

Os armistícios de 1949, intermediados pela ONU, foram assinados em separado por

Israel com cada um dos beligerantes. Em relação ao Egito (24 de fevereiro),

16 Originalmente denominada Exército Árabe (Al Jaysh al Arabi), a Legião Árabe, criada pelos ingleses na década de 1920, era composta por soldados nativos, equipados, treinados e comandados por europeus. Na época do conflito, contava com 10 mil homens e possuía formações de artilharia, corpo blindado e uma aviação (SCALERCIO: 2003, p. 56).

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determinava que a Faixa de Gaza ficaria em poder deste país, enquanto Israel ganharia o

Negev, estendendo-se até os limites do Sinai, a oeste, e até o golfo de Ácaba, ao sul.

Com o Líbano (23 de março), estabelecia como limite entre os dois países a antiga

fronteira, retirando-se os israelenses dos povoados libaneses que haviam ocupado. A

Transjordânia (3 de abril) – menos afetada pela derrota, graças aos acertos secretamente

tratados com os judeus –, incorporava a parte oriental de Jerusalém e a Cisjordânia – a

porção a oeste do rio Jordão, também conhecida como Margem Esquerda ou, como

preferem os judeus, Judéia e Samaria –, adotando, a partir de então, o nome de Reino

Hachemita da Jordânia. E, por fim, a Síria (20 de julho) se retirava da zona que ocupara

a oeste da fronteira com Israel.

O resultado dessa primeira guerra árabe-israelense foi a ocupação, pelos judeus, de três

quartos do território da Palestina e a impossibilidade de se instalar o Estado árabe-

palestino previsto pelo plano de partilha da ONU, que permaneceu como letra morta. O

nacionalismo judeu impunha uma grande derrota ao nacionalismo árabe, mas,

sobretudo, aos palestinos, povo que foi, em verdade, o grande derrotado na Guerra de

Independência de Israel, vítima do próprio conflito, da retórica extremista do arabismo e

da ambição de seus países irmãos – que passaram a controlar a parte restante do

território que lhes havia sido destinada.

As perdas e os ganhos da vitória, junto com o trauma histórico acumulado dos judeus, criaram entre os israelenses uma ambigüidade: uma confiança excessiva em sua invencibilidade, ao lado de um sentimento igualmente exagerado de catástrofe iminente. Ao mesmo tempo que se apresentavam ao Ocidente como Davis mal armados, em luta contra gigantes filisteus, frente aos árabes, os israelenses se viam como um Golias de força incalculável. (...) Entre os árabes, porém, esse tipo de contradição não se manifestava. Para eles, a guerra de 1948 fora al-Nakbah, “O desastre”, e um desastre consumado. (...) A anexação da Margem Ocidental (Cisjordânia) pela Transjordânia (...) e a ocupação egípcia de Gaza apenas assinalavam a perda palestina de um Estado que deveria conter ambos os territórios. (OREN: 2004, p. 27.)

Sem um território próprio, os palestinos dispersaram-se e tornaram-se refugiados em

países alheios, vivendo em campos miseráveis, com a precária assistência da ONU.

Ironia trágica da história do conflito, o fim da diáspora para os judeus representou, para

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A Gênese da Questão Palestina

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os palestinos, a “catástrofe”, al-Nakbah, cuja lembrança uniria esse povo em torno do

movimento nacional em formação (PAPPE: 2004, p. 141).

5.2. Os conflitos árabe-israelenses

Os conflitos árabe-israelenses que se sucederam à vitória de Israel em 1949 tiveram

importante repercussão na dinâmica do conflito entre judeus e palestinos, à medida que

determinavam uma nova reavaliação da relação de forças entre as partes e de suas

pretensões, face aos resultados observados ao final de cada rodada de tensões. Em

última instância, a supremacia conquistada pelas forças israelenses no decorrer desses

conflitos implicou, de um lado, o fortalecimento daqueles que, respaldados na vantagem

alcançada pelas armas israelenses, passaram a defender a rejeição a qualquer negociação

ou concessão que tivesse por fim melhorar a relação do Estado judeu com seus vizinhos

árabes; e, por outro lado, tornou cada vez mais difícil o retorno às fronteiras

determinadas pelo plano de Partilha da ONU para um Estado palestino.

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A Gênese da Questão Palestina

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5.2.1. A guerra de 1956:

O primeiro desses conflitos foi a Crise de Suez, também chamada Guerra do Sinai, cuja

relação com o conflito israelo-palestino revela-se nos objetivos então traçados por Israel

neste incidente. A causa imediata da crise foi a nacionalização do Canal de Suez pelo

Egito, o que levou à intervenção militar da Inglaterra e da França, sob a alegação de que

a proibição da livre-navegação no canal feria o direito internacional e prejudicava seus

interesses comerciais na região. Em verdade, pesava também em suas considerações o

fato de que o presidente egípcio, Gamal Abdel Nasser, insuflava os demais países

árabes a lutar por sua independência.

Da parte de Israel, havia a preocupação com a segurança de suas fronteiras, face à

aliança da Síria com o Egito – na forma de uma República Árabe Unida – e ao crescente

armamento egípcio favorecido pela URSS. Seus objetivos eram atacar as bases de

guerrilheiros palestinos em Gaza, sob controle do Egito; prevenir um ataque desse país

contra Israel, destruindo o sistema logístico egípcio; e reabrir o golfo de Ácaba à

navegação, já que por ali passava a maior parte do suprimento de petróleo importado

pelo país.

A tripla ofensiva não encontrou resistência do exército egípcio, mas foi obrigada a

recuar, diante da pressão exercida pelas novas potências sobre os “ex-grandes”. Aos

EUA interessava abrir vantagem sobre as ex-mandatárias na competição pelas reservas

de petróleo. À URSS figurava a oportunidade de recuperar o prestígio perdido entre os

árabes, por ocasião da Guerra de Independência de Israel, quando os soviéticos

apoiaram as forças sionistas, facilitando a compra de armamentos fornecidos pela

Tchecoslováquia, com o intuito de criar embaraços à Inglaterra, sua tradicional rival em

interesses naquela região.

Em tempos de Guerra Fria, a interferência dessas potências nas rivalidades locais,

armando exageradamente suas contrapartes, teve um peso significativo na eclosão dos

conflitos no Oriente Médio. O próprio Egito fora levado a uma aproximação com a

URSS após a negativa norte-americana de subsidiar a construção da barragem de Assuã,

que visava minorar o problema da falta de água no país. A nacionalização da companhia

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A Gênese da Questão Palestina

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que controlava o canal foi, em tese, o meio encontrado pelo governo para conseguir os

recursos necessários à obra. Apesar de uma clara derrota em terra, Nasser obteve uma

importante vitória política, atraindo para si não só a simpatia do mundo árabe, mas do

movimento dos países “não-alinhados” como um todo.

Para Israel, a vitória militar significou a realização de todos os seus objetivos, com a

derrota do Egito e a conquista de quase todo o Sinai. Mas o desfecho do conflito

representou uma derrota no plano político-estratégico, pois o país foi forçado a

devolver, gradativamente, todos os territórios que havia conquistado, voltando, por fim,

às fronteiras de antes da guerra.

Ao insuflar mais uma vez o voluntarismo árabe, a Guerra de 1956 plantou os germes de

um novo conflito contra o Estado judeu, então indissociavelmente ligado, no imaginário

coletivo médio-oriental, ao mesmo campo do imperialismo das grandes potências. Para

o conflito israelo-palestino, a maior implicação desse incidente revelou-se justamente na

revivescência da solidariedade pan-árabe por ele despertada: foi durante a primeira

conferência de cúpula árabe – realizada no Cairo, em junho de 1964 – que ganhou corpo

a idéia lançada por Yasser Arafat, em 1959, de criação de um organismo de defesa da

causa palestina, que viria a ser a Organização para a Libertação da Palestina (OLP).17

5.2.2. A guerra de 1967:

A retórica provocativa dos dirigentes árabes continuou a estimular as incursões de

guerrilheiros em território israelense e os incidentes militares entre Israel, o Egito, a

Síria e a Jordânia, durante os quase 10 anos que separam a Crise de Suez e a guerra de

1967.

17 Conforme Soares (2004, p. 59-60): “A OLP passou a ser considerada a plataforma representativa do povo palestino, estando nela integrados todos os grupos, partidos, organizações e associações palestinos”. Compreendia o Conselho Nacional Palestino, autoridade máxima para a formulação de planos e programas políticos; o Fundo Nacional Palestino, responsável pela captação e administração de fundos; o Exército de Libertação da Palestina; e os departamentos de Saúde, Educação e Informação, o da Terra Ocupada – que cuidava da população palestina dos territórios ocupados – e o Político – uma espécie de chancelaria.

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A Gênese da Questão Palestina

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Insatisfeito com a permanência de tropas da ONU em seu território, a qual julgava

ofensiva à sua soberania, visto que não fora o Egito, mas sim Israel, o Estado que, de

fato, teve a iniciativa da agressão no último conflito, Nasser exigiu a retirada das tropas

do Sinai, poucos dias antes do início da nova hostilidade. Por trás desse cenário

estavam, evidentemente, de um lado, os interesses de Estados Unidos, Inglaterra e

França, que tratavam de armar os israelenses; e, de outro, os soviéticos, que forneciam

armamentos aos árabes, buscando consolidar sua influência na região.

No dia cinco de junho daquele ano, Israel – que, desde 1956, havia adotado a doutrina

do ataque preventivo como forma de garantir sua segurança – desfechou nova ofensiva

contra os três países árabes, sob o pretexto de reabrir o golfo de Ácaba à navegação

israelense – novamente interditada pelo Egito –, mas visando, dessa vez, a conquista de

pontos que se revelaram estratégicos para a segurança de Israel na guerra de Suez: as

colinas de Golan, a leste do rio Jordão, fronteira com a Síria; o estreito de Tiran, que

domina a entrada para o golfo de Acaba; e a Cisjordânia, incluindo o controle de

Jerusalém, que deveria ser a capital indivisível do país. Em seis dias, Israel triplicou sua

superfície, tomando as colinas de Golan, da Síria; a Cisjordânia e Jerusalém oriental, da

Jordânia; a Faixa de Gaza e toda a península do Sinai, do Egito.

A Guerra dos Seis Dias modificou significativamente o quadro do conflito entre Israel e

os países árabes: daí por diante, a recusa total mudava de campo. Respaldado no apoio

dos EUA – que vetaram o projeto soviético de evacuação completa dos territórios

ocupados –, Israel buscaria negociar a paz com os árabes tomando por base as novas

posições conquistadas e, mesmo após a adoção da Resolução 242 (de 22 de novembro

de 1967) pela ONU, manteria sua recusa de entregar aquelas áreas; enquanto os árabes,

pouco a pouco, passariam a aceitar a idéia de co-existência com o Estado judeu. Para os

palestinos, especialmente, as conseqüências da guerra foram as piores possíveis: tendo

Israel conquistado a soberania sobre os territórios antes destinados à construção do

Estado palestino, submetendo boa parcela da população a seu controle militar e

administrativo – o que provocou uma nova onda de refugiados –, foi iniciada a

implantação maciça de assentamentos nos territórios ocupados, principalmente na

Cisjordânia, com vistas a obter uma maioria israelense entre a população daquelas

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A Gênese da Questão Palestina

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zonas, que configurasse, no menor tempo possível, um fato consumado a favor de

Israel, no caso de negociações futuras sobre fronteiras definitivas.

5.2.3. A guerra de 1973:

O fim da Guerra dos Seis Dias não significou o fim das hostilidades entre Israel e os

países Árabes do Oriente Médio; persistia a mesma situação de combates esporádicos e

incidentes isolados que nunca deixaram de ocorrer desde a Guerra de Independência de

Israel. Mas, a partir de então, os atritos dar-se-iam sob um aspecto diferente,

concentrando-se nos novos territórios conquistados por Israel.

Diante da fragorosa derrota de seus tradicionais parceiros – Egito, Síria e Jordânia –, a

resistência palestina começou a se mobilizar de forma mais independente, agindo dentro

das fronteiras de Israel, tendo em vista promover a desobediência civil entre a

população dos territórios ocupados e desencadear operações de sabotagem contra alvos

civis e militares. Iniciava-se uma fase de violentos atentados de fedayins (guerrilheiros

palestinos) contra pontos israelenses e de retaliações, não menos violentas, das forças de

Israel nos territórios ocupados, que, não raro, estenderam-se para os países árabes onde

esses grupos mantinham suas bases e de onde, portanto, partiam os ataques.

Todas as tentativas de mediação realizadas depois de 1967 fracassaram, ao passo que a

Resolução 242 permaneceu como letra morta. Enquanto os países árabes inquietavam-se

com a situação, Israel, seguindo sua estratégia de permanecer nos territórios

conquistados, alegava um problema semântico para o cumprimento da resolução do

Conselho de Segurança da ONU: não estava claro, no seu entender, se o texto

determinava sua retirada dos ou de territórios ocupados, isto é, se de todas as áreas

conquistadas desde a Guerra de Independência, ou apenas de algumas áreas

conquistadas em 1967. Para os árabes, tratava-se, sem dúvida, de recuperar todos os

territórios perdidos na última guerra; mas para os palestinos, a Resolução 242 pouco

alterava sua situação, já que, apesar de preconizar uma “paz justa e duradoura no

Oriente Médio”, afirmava tão-somente a necessidade “de se alcançar uma solução justa

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A Gênese da Questão Palestina

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para o problema dos refugiados” (grifo nosso), sem mencionar, em ponto algum do

texto, a questão flagrante da autodeterminação do povo palestino.

A intransigência israelense deu ensejo a mais uma aliança entre os países árabes –

Egito, Síria e, em menor escala, Jordânia – com o objetivo de retomar os territórios sob

controle de Israel, usando como tática o ataque surpresa, deflagrado no dia seis de

outubro de 1973 – data em que se comemora, no calendário judaico, o Yom Kippur (Dia

do Perdão) e, no calendário muçulmano, o jejum do Ramadan. A Guerra do Yom

Kippur, ao contrário das antecedentes, revelou uma boa dose de planejamento

estratégico, por parte do Egito, que, num primeiro momento, fez crer em Israel que nada

se planejava contra o país – dispensando, inclusive, os assessores militares soviéticos –

e garantiu à Síria que prestaria todo apoio necessário para que o Golan fosse retomado;

quando, na verdade, seu maior objetivo era atravessar o canal de Suez e fixar posição

para, mais tarde, entrar em negociação com Israel e reaver a península do Sinai

(SCALERCIO: 2003, p. 190).

Mais uma vez, a interferência das potências foi determinante no desfecho do conflito,

não só pela ajuda em armamentos durante a fase ofensiva, como também pela pressão

exercida nas negociações posteriores ao cessar-fogo (27 de outubro). A URSS atuou

junto à ONU e ao gabinete israelense, ameaçando intervir no conflito caso Israel não

recuasse, pois não podia permitir o esmagamento de seus principais aliados. Os EUA,

sem abandonar o apoio a Israel, desejavam também atrair para sua influência o Egito,

importante aliado soviético na região, pela liderança política e militar que o país árabe

exercia. Diante do impasse, o então presidente egípcio Anuar Sadat – que sucedera

Nasser, após a morte deste em 1970 –, desejando pôr termo à disputa para poder

dedicar-se à crise interna de seu país, efetuou uma grande reviravolta, buscando o apoio

norte-americano para romper a lógica da Guerra Fria e facilitar as negociações com

Israel, o que resultou na assinatura do histórico acordo de Camp David, em 1978.

Como parte desse acordo, o Egito recuperou a península do Sinai (gradativamente

desmilitarizada até 1982) em troca do reconhecimento oficial da existência do Estado de

Israel, fato considerado uma traição aos olhos da comunidade árabe, que via no país o

protagonista central do pan-arabismo. Israel conseguia, assim, o isolamento do Egito no

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A Gênese da Questão Palestina

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mundo árabe, o que ia ao encontro de seus objetivos estratégicos, uma vez que, tendo

neutralizado seu mais poderoso inimigo – afinal, em todos os conflitos após a guerra de

1947-1949, foi o Egito quem forneceu sempre os maiores contingentes militares e

humanos –, Israel podia se voltar de forma mais efetiva para a contenção da revolta

palestina nos territórios ocupados e, mesmo, dentro de suas fronteiras.

No que diz respeito aos palestinos, a segunda parte do acordo de Camp David previa

negociações a fim de se adotar uma regulamentação que concedesse autonomia

definitiva à Faixa de Gaza e à Cisjordânia, após um período transitório de cinco anos,

em que estes territórios ficariam, em verdade, sob uma mal disfarçada soberania

israelense. Os palestinos, que não foram consultados sobre esse acordo, ao final da

guerra de 1973, viram-se, mais do que nunca, isolados em sua causa dentro do próprio

mundo árabe, pois a derrota dos exércitos árabes nessa guerra, combinada com o

distanciamento egípcio, foi também a derrota definitiva da via nasserista, que almejava

a construção de uma grande nação árabe unida. Mas, por outro lado, o grande revés

trouxe legitimidade à idéia de construção de um Estado palestino independente, a partir

de então desvinculado dos interesses superiores da nação árabe – na verdade, um

punhado de interesses conflitantes das nações árabes entre si. Também no campo

diplomático, os palestinos alcançaram visibilidade, graças também à repercussão da

crise energética criada pelo embargo de petróleo18 imposto pela Organização dos Países

Exportadores de Petróleo (OPEP) aos países do Ocidente, ainda no início do conflito:

em decorrência disso, EUA e Europa passaram de uma postura de indiferença a um

envolvimento crescente com a causa palestina.

Com o fim da Guerra do Yom Kippur e, com ele, o fim da guerra aberta entre árabes e

israelenses, não só o conflito entre estes entraria em uma nova fase, como também dele

se distinguiria ainda mais o conflito israelo-palestino, que tomaria o formato de guerra

assimétrica entre as forças israelenses e os guerrilheiros palestinos. Era a Questão

Palestina que então passaria a figurar no centro das atenções, ficando os conflitos entre

18 Durante a Guerra de 1973, a recusa de Israel em aceitar a proposta de Sadat de uma negociação internacional em torno da Resolução 242 – baseada na evacuação israelense dos territórios ocupados em 1967 e no reconhecimento dos direitos legítimos do povo palestino –, seguida da decisão norte-americana de fornecer armamentos pesados para aquele seu aliado, levou a OPEP a usar o petróleo como arma política contra as nações que apoiavam Israel, causando uma grande crise de abastecimento mundial, com o aumento vertiginoso do preço desse produto.

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A Gênese da Questão Palestina

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Israel e os países árabes reduzidos a incursões esporádicas nos territórios destes, mas

sempre ligados à lógica própria daquele premente e duradouro conflito.

6. O QUE É A ‘QUESTÃO PALESTINA’?

O que ora chamamos Questão Palestina não é mais um fator, mais um dado no histórico

dos conflitos do Oriente Médio, ou um desdobramento do conflito mais restrito entre

árabes e israelenses nessa parte do globo. A Questão Palestina é, em si mesma, um

problema distinto desses dois universos – que são paralelos, mas distintos entre si –, nos

quais ela, certamente, tem o seu papel, mas não pode ser considerada um mero apêndice

deles, acima de tudo porque, entre os três, ela é o único conflito que ainda persiste, sob

todos os aspectos – ideológica, simbolicamente e de fato, por meio das armas e

diplomaticamente.

A Questão Palestina é um problema no sentido literal da palavra: algo que é difícil de

explicar ou resolver. Mas é, antes do mais, uma questão, porque envolve um litígio

entre dois povos e uma demanda por reconhecimento e justiça por uma das partes.

Como um problema – ainda sem solução –, a Questão Palestina tem suas próprias

variáveis. São elas: os interesses das potências estrangeiras no plano internacional e dos

países árabes no âmbito regional, somados aos nacionalismos judeu e palestino. Outras

variáveis, certamente, poderiam e devem ser levadas em conta – como a religião e a

cultura. Porém, dentro da abordagem política que aqui se privilegia, problematizando a

emergência da Questão Palestina no cenário internacional, as três variáveis apontadas

são, por ora, bastantes: combinadas, elas fornecem os motivos (aspirações

nacionalistas), os meios (a ação diplomática e/ou armada) e a conjuntura (interesses em

conflito e ingerência externa), que configuram o quadro referencial necessário para

explicar o desenvolvimento deste conflito.

Conforme se pretendeu mostrar neste capítulo, a Questão Palestina é um problema que

veio se desenhando no cenário internacional gradativamente, do final do século XIX até

a concretização do Estado de Israel, cuja independência e as guerras com os países

árabes que a ela se sucederam marcaram a consolidação do impasse fundamental: a

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A Gênese da Questão Palestina

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disputa de uma mesma terra entre dois povos que tinham como objetivo final

estabelecer sua própria soberania sobre a totalidade dos territórios em disputa. Ainda

hoje, não é possível afirmar se este objetivo foi, de todo, abandonado; pois, se os

palestinos foram obrigados a mudar sua estratégia depois das sucessivas e fragorosas

derrotas árabes, buscando no meio diplomático internacional o reconhecimento da

legitimidade de sua causa e, a partir daí, o estabelecimento de um Estado autônomo –

ainda que nas condições da Resolução 181, pouco favoráveis e incompatíveis com suas

reais necessidades –, por outro lado, Israel tem demonstrado pouca vontade política em

devolver os territórios ocupados, onde, inclusive, preocupou-se em estabelecer colonos

seus, à revelia da opinião pública internacional.

A definição de uma Questão Palestina passa também por razões metodológicas:

primeiramente, porque ela remete à questão judaica do período imediatamente anterior

ao início efetivo do sionismo, permitindo, desse modo, que se associe a situação do

judeu apátrida, perseguido na Europa, com a realidade presente dos palestinos, dispersos

em campos de refugiados, oprimidos e confinados no que restou de seu próprio

território, paradoxo este que ressalta a dramaticidade do problema e explica o apelo que

ele desperta na opinião pública; e, segundo, porque essa analogia reforça a idéia do

encontro entre dois nacionalismos concorrentes, postos frente a frente.

Depois da [segunda] guerra, tornou-se evidente que a questão judaica, que era considerada a única sem solução, havia sido, de fato, resolvida – notadamente, através de um território colonizado e, depois, conquistado –, mas isso não resolveu nem o problema das minorias, nem o dos apátridas. Ao contrário, assim como todos os eventos do nosso século, a solução da questão judaica simplesmente produziu uma nova categoria de refugiados, os árabes, que, dessa forma, engrossavam o número de apátridas em mais 700 mil a 800 mil pessoas. (ARENDT: 1989, p. 290.)

Finalmente, por tudo o que fica exposto acima, a definição de Questão Palestina se faz

também em oposição ao uso dessa expressão como algo vago e indefinido, ou como um

eufemismo que não ousa tocar o cerne do problema, mas, antes, de acordo com o que

definiu Edward Said em seu trabalho “The Question of Palestine”, um marco na

problematização dessa questão:

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A Gênese da Questão Palestina

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When we refer to a subject, place, or person in the phrase “the question of”, we imply a number of different things. For example, one concludes a survey of currente affairs by saying, “And now I come to the question of X”. The point here is that X is a matter apart from all the others, and must be dealt with apart. Secondly, “the question of” is used to refer to some long-standing, particularly intractable and isistent problem: the question of rights, the Eastern question, the question of free speech. Thirdly, and most uncommonly, “the question of” can be used in such a way as to suggest that the status of the thing referred to in the phrase is uncertain, questionable, unstable (...) The use of “the question of” in connection with Palestine implies all three types of meaning. (SAID: 1992, p. 4.)19

19 “Quando nos referimos a um tema, lugar ou pessoa na expressão ‘a questão de’, sugerimos um número de coisas diferentes. Por exemplo, alguém conclui um exame sobre assuntos correntes dizendo ‘e agora eu chego no X da questão’. O ponto aqui é que X é um assunto separado de todos os outros e deve ser tratado à parte. Segundo, ‘a questão de’ é usada para se referir a algum problema duradouro, particularmente intratável e persistente: a questão de direitos, a questão oriental, a questão do discurso livre. Terceiro, e mais incomum, ‘a questão de’ pode ser usada de maneira a sugerir que o status da coisa referida na expressão é incerta, questionável, instável (...) O uso de “a questão de” em relação à Palestina implica todos os três tipos de acepção.” (Tradução livre da autora.)

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O Caminho para Oslo

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DA GUERRA DO GOLFO À CONFERÊNCIA DE MADRI: O CAMINHO PARA OSLO

O presente capítulo tem por objetivo analisar as circunstâncias que permitiram que

palestinos e israelenses se sentassem à mesa de negociações naquele momento, bem

como o conteúdo das propostas acordadas e seu significado prático, à luz da mediação

norte-americana.

1. O CONTEXTO INTERNACIONAL

Do ponto de vista político, existem três dinâmicas fundamentais que movimentam o

conflito israelo-palestino. A primeira refere-se à estratégia adotada por Israel para

reprimir as manifestações palestinas, marcada pelo uso de força desproporcional (com

uso de caças-bombardeiros, blindados e tanques pesados) contra uma população

amplamente desarmada. A segunda dinâmica é a resistência palestina – pacífica ou

armada – contra a ocupação definitiva de seus territórios. E a terceira compreende a

mediação norte-americana nesse contencioso. Nos anos que antecederam as negociações

de Oslo, as mudanças ocorridas no cenário internacional permitiram que esta última

dinâmica se sobrepusesse àquelas duas, criando uma situação propícia ao diálogo que se

seguiria.

O período compreendido entre o final do século XX e início do século XXI foi marcado

por uma série de alterações estruturais no sistema internacional, melhor simbolizadas

pela queda do Muro de Berlim e o subseqüente desmoronamento da União Soviética e

do bloco socialista por ela liderado.

Por um lado, o fim da estrutura bipolar – em que as relações internacionais articulavam-

se de tal forma que a confrontação Leste-EUA/Oeste-URSS marcava significativamente

a relação entre os demais países, condicionando um tipo de alinhamento automático –

deu lugar ao reaparecimento da crença em premissas mais universalistas e menos presas

à lógica do equilíbrio estratégico-militar entre as potências, criando uma atmosfera de

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O Caminho para Oslo

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otimismo no sistema internacional (LAFER & FONSECA JR.: 1994, p. 55-60), dentro

da qual eram favoráveis as condições para iniciativas como a Conferência de Madri e as

negociações de Oslo.

Oslo e Madri foram seguidos de conferências internacionais onde se discutiram as novas possibilidades de desenvolvimento regional, de todos os países árabes, inclusive os do Maghreb, e de Israel, contando com o apoio dos Estados Unidos, da União Soviética e de outros países (...) Para a região do conflito pensaram-se hipóteses cooperativas significativas, até de áreas de livre-comércio compreendendo Jordânia, Palestina e Israel, talvez outros países. A viabilidade de uma área com capacitação high-tech também foi considerada, como caminho para contornar a escassez de recursos, até mesmo de água. (DUPAS: 2002, p. 29.)

Por outro lado, a partir da Guerra do Golfo (1990), essa “lógica iluminista” cedeu lugar,

gradativamente, à percepção de que os valores ligados à cooperação política e

econômica não haviam superado, de todo, as questões estratégico-militares. O fim do

confronto Leste-Oeste não significou, verdadeiramente, o fim das tensões regionais.

Pelo contrário, tendo então se tornado mais improvável – ao menos aparentemente – a

possibilidade de intervenção externa das potências, os conflitos regionais recobraram o

ímpeto, influenciados também pelo ressurgimento de particularismos nacionais onde

antes dominava o Estado supranacional soviético.

Em verdade, o fim da Guerra Fria trazia de volta a possibilidade de retomar as

discussões, no âmbito nas Nações Unidas, sobre a instrumentação da segurança

coletiva,1 isto é, sobre as medidas coercitivas que poderiam ser aplicadas a um Estado

1 Segundo Antonio de Aguiar Patriota, a idéia de segurança coletiva, enquanto formulação jurídica, foi primeiramente definida nos artigos 10 e 16 do Pacto da Liga das Nações, que prescreviam, respectivamente, o respeito à soberania territorial e política dos Estados-membros, de um lado, e, de outro, o uso da força militar para coagir aqueles que infringissem esse princípio. Na Carta das Nações Unidas, a segurança coletiva é tratada em dois capítulos: o capítulo seis estipula que as partes envolvidas em disputas estão obrigadas a buscar uma solução pacífica – por negociação, conciliação, mediação ou arbitragem – enquanto o capítulo sétimo estabelece que, esgotados os meios pacíficos e em situações de “ameaças à paz”, “ruptura da paz” e de “atos de agressão”, o Conselho de Segurança pode adotar medidas de segurança para restaurar a paz, primeiramente não-militares (artigo, 41) – como sanções e embargos – e, em último caso, o recurso ao uso da força (artigo 42). Entretanto, como afirma Patriota, na ausência de definições claras dessas três situações na Carta da ONU, “o julgamento do Conselho se tornaria menos jurídico do que político, não havendo (...) um fio condutor que permita uma classificação coerente das diversas situações enumeráveis sobre o artigo 39”, o qual julga se uma determinada situação internacional poderia ser enquadrada sob o capítulo sete, para poder sancionar ou coagir militarmente um país. (PATRIOTA: 1998, p. 19-20.)

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considerado agressor, visando a manutenção da paz e da segurança internacionais. A

despeito da falta de consenso sobre que tipo de situação representaria, de fato, uma

ameaça à paz no seio da comunidade das nações, o paradigma da segurança coletiva,

esquecido no período da Guerra Fria, foi invocado mais de uma vez ao longo da década

de 1990 – Iugoslávia (1990), Somália (1992), Ruanda (1993), Haiti (1993), todas

classificadas como “intervenções humanitárias” – para justificar o recurso continuado à

intervenção internacional, então sob uma nova lógica.

(...) intensificava-se um processo experimental, não sistemático, pouco transparente de articulação de um paradigma diferente de segurança coletiva. Aos poucos se ampliaria o horizonte de pretextos desencadeadores de ações coercitivas, segundo uma interpretação nova da finalidade da segurança coletiva, que passaria a incluir o combate à instabilidade regional ou mesmo interna, causada por crises humanitárias, sociais e econômicas, institucionais. (PATRIOTA: 1998, p. 46.)

A lógica militarista e estratégica não fora suplantada pelo otimismo idealista com o fim

da bipolaridade. Na nova ordem internacional do pós-Guerra Fria – que tampouco veio

a se constituir um sistema multilateral –, a intervenção externa em contenciosos

localizados não foi abandonada e, o que é mais significativo, passou sim a ser definida

segundo os interesses e o poder econômico e militar da hegemonia norte-americana, que

pouco a pouco se desenhava no cenário internacional. Dentro desse novo contexto, a

Questão Palestina passou a figurar como um caso excepcional entre aqueles que têm

suscitado a intervenção internacional por razões de segurança coletiva: ao mesmo tempo

em que desperta grande preocupação aos olhos da comunidade internacional, por se

tratar da sobrevivência de dois povos com capacidade de mobilizar frentes diretamente

opostas – o que pode representar um risco considerável à paz e, em última instância, à

própria ordem internacional –, esse conflito não provocou, até o presente momento,

intervenção alguma direta – por meio de embargos, sanções ou pelo uso de força militar.

A razão para a não-interferência da comunidade internacional nesse conflito só pode ser

entendida à luz do peso que exercem os Estados Unidos na atual ordem mundial, desde

que o desmembramento da ex-URSS os deixou na posição de potência hegemônica,

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como bem ficou demonstrado na Guerra do Golfo.2 Foi este conflito o marco

fundamental da nova era pós-Guerra Fria e, no que concerne à Questão Palestina, o

acontecimento que, num primeiro momento, precipitou a aproximação entre palestinos e

israelenses.

Ao tomar para si a responsabilidade de defender a soberania do Kuwait e os interesses

internacionais naquela região, a diplomacia norte-americana – que logrou obter, nesse

conflito, o apoio não apenas de aliados ocidentais já conhecidos, mas também de países

árabes tradicionalmente opostos à sua política externa – comprometeu-se igualmente

com a defesa de uma nova ordem mundial, baseada no respeito à legalidade

internacional e na cooperação política e econômica global. Toda sua articulação no

interior da ONU, visando conseguir autorização internacional para o uso de todos os

meios necessários para desocupar o Kuwait,3 culminando com o desembarque de forças

aliadas no Oriente Médio, foi uma vitória4 política importante para os EUA e um sinal

de que as alianças forjadas durante a Guerra Fria começavam a desmoronar e uma nova

ordem deveria se instalar.

Afora o apoio egípcio – incondicional desde os acordos de Camp David – e a reticente

posição iraniana em tomar atitudes que pudessem prejudicar seu adversário de há

pouco, foi a presença da Síria – inimiga histórica do Iraque, mas também centro de

oposição à política norte-americana no Oriente Médio – o elemento-chave para o

sucesso da coalizão montada pelos Estados Unidos, pois o envio de tropas ocidentais

acompanhadas de tropas árabes negava o caráter de “cruzada imperialista” que Saddam

2 Em 02/08/1990, recém-saído de uma guerra de oito anos contra o Irã, o Iraque, sob o comando de Saddam Hussein, invadiu o Kuwait – a quem devia cerca de U$ 10 bilhões –, sob o pretexto de corrigir as fronteiras artificialmente criadas pelas potências colonialistas, mas visando, de fato, o controle das reservas petrolíferas daquele país e o acesso sem restrições ao golfo Pérsico – o qual não conseguira obter na guerra contra o Irã. (O Iraque possui uma estreita saída para o golfo, através do canal Chatt al Arab – junção dos rios Tigre e Eufrates –, cujo meio marca a fronteira exata com o Irã.) A agressão, contudo, foi prontamente reprovada e rapidamente contida por uma coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos, sob a chancela das Nações Unidas. 3 Resolução N. 678 do Conselho de Segurança. 4 Em verdade, a despeito do furor entusiástico da mídia em relação à coalizão contra o Iraque liderada pelos EUA, a “vitória” não foi total, pois boa parte dos países árabes não se aliou aos Estados Unidos, ou melhor, às forças aliadas. Na reunião da Liga Árabe, que teve lugar no Cairo a 9 e 10 de agosto – logo após a invasão do Kuwait –, dos 27 chefes de Estado presentes, apenas 12 endossaram seu apoio ao embargo imposto pela ONU ao Iraque, condenando a anexação daquele país por este último. Alguns se abstiveram (Argélia, Iêmen) e outros apresentaram reservas (Jordânia), enquanto uns boicotaram a reunião (Tunísia) ou votaram contra a resolução tomada – entre estes, a OLP (CORM: 2006, p. 620-621).

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Hussein quis ressaltar na reação internacional5 contra a anexação do Kuwait pelo

Iraque.

O ditador iraquiano buscava, com isso, atrair para a causa de seu país as simpatias da

opinião pública árabe e internacional, tentando estabelecer um paralelo entre a invasão

do Kuwait e a ocupação israelense na Cisjordânia, em Gaza e no Golan.

Je propose – dit Saddam Hussein – que tous les problèmes d’occupation, ou tous les problèmes présentés comme tels, dans la région tout entière, soient réglés sur la même base et selon les mêmes principes (...) Les mesures prises par le Conseil de Securité à l’égard de l’Irak devraient être aussi appliqués à quiconque ne se conformerait pas ou ne répondrait pas positivement à ces dispositions.6 (CORM: 2006, p. 616-617.)

Ainda segundo Hussein, a execução de um plano de desocupação dessas áreas deveria

começar pela ocupação mais antiga – ou seja, a de Israel nos territórios palestinos, o que

explica o apoio dessa população ao Iraque – e pela aplicação de todas as resoluções

pertinentes já aprovadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas até chegar à

ocupação mais recente – ou seja, a iraquiana no Kuwait. Mesmo contestado, o

paralelismo que Saddam Hussein tentou assim estabelecer entre a ocupação do Kuwait,

de um lado, e a da Palestina, da Síria e do Líbano, de outro, contribuiu para solidificar a

idéia de que a estabilidade do Oriente Médio só poderia ser garantida por uma solução

conjunta de todos os conflitos, dentre os quais a Questão Palestina mais uma vez se

apresentava como aquele capaz de provocar as maiores dissensões.

Justamente, ao vincular a situação no Kuwait com a solução do problema palestino e ao

atacar Tel Aviv, Bagdá esperava que uma retaliação israelense pudesse realinhar a

frente árabe-islâmica a seu favor. Entretanto, consciente da suscetibilidade árabe quanto

ao conflito israelo-palestino, os Estados Unidos, durante toda a campanha contra o

5 É importante ressaltar, por exemplo, que boa parte desse contingente usou como base para suas operações de guerra o território da Arábia Saudita, cujo governo havia feito um pedido oficial de envio de tropas de segurança para se prevenir de um possível ataque iraquiano. 6 “Eu proponho – dizia Saddam Hussein – que todos os problemas de ocupação, ou todos os problemas que tais, em toda a região, sejam regulados sob a mesma base e segundo os mesmos princípios (...) As medidas tomadas pelo Conselho de Segurança a respeito do Iraque deverão ser também aplicadas a qualquer um que não se conforme ou não responda positivamente a essas disposições.” (Tradução livre da autora.)

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Iraque, mantiveram Israel à distância do conflito, por entender que essa era uma

condição sine qua non para assegurar o apoio dos governos árabes à coalizão.

Ao contrário, a OLP, impressionada pela retórica de Saddam Hussein, tomou o partido

do lado iraquiano, pois vislumbrava em toda essa agitação a possibilidade de solucionar

o conflito com Israel de uma maneira mais favorável aos interesses palestinos.

2. A POSIÇÃO DOS PROTAGONISTAS

De fato, a posição palestina era, sem dúvida, a mais delicada. Influenciada pela détente

americano-soviética, mas desacreditada após a Guerra do Golfo, a OLP encontrava

dificuldades, internamente, para conciliar aqueles que apoiavam as iniciativas de

entendimento com Israel e aqueles grupos dissidentes – de inspiração islamista

principalmente – que eram contrários a qualquer tentativa de aproximação com os

israelenses. De um lado, havia o desejo de se engajar em um processo de negociações

em que os palestinos pudessem participar das decisões sobre seu futuro e garantir o

reconhecimento de seus direitos políticos legítimos pela transferência e exercício da

autoridade nos territórios ocupados. De outro lado, reafirmavam-se os direitos

inalienáveis do povo palestino a seu próprio Estado, mas também a necessidade de

prosseguir com a luta armada até a recuperação total dos territórios ocupados por Israel,

ao qual se negava o direito de existir.

No decurso dos anos 1980, após a dispersão egípcia na década anterior e a eclosão de

novos conflitos locais (guerra civil do Líbano – 1975-1990, guerra entre Irã e Iraque –

1980-1988), a conjuntura regional do Oriente Médio, marcada pela desintegração da

solidariedade inter-árabe e pelo dinamismo do poderio militar israelense, refletiu

negativamente sobre o movimento palestino, que, depois de ter alcançado o

reconhecimento internacional em 1974,7 sofreu novo revés com o envolvimento de

facções palestinas em atos de violência que ultrapassavam as fronteiras médio-orientais.

7 Yasser Arafat foi recebido pela primeira vez na Assembléia Geral das Nações Unidas, no dia 13 de novembro de 1974, ocasião em que discursou – “com um fuzil na mão e um ramo de oliveira na outra”,

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Les années 1985 et 1986 vont en effet être placées sous le signe de grandes opérations terroristes en Europe et de prises en otages de citoyens europpéens et américains au Liban (...) Signées des étiquettes les plus diverses – Islam chiite militant, factions de l’OLP dissidentes, telle celle d’Abou Nidal, ou non, chrétiens radicaux pan-syriens ou panarabes du Liban –, toutes ces opérations sont autant de messages violents issus des blocages de la situation moyen-orientale que l’invasion du Liban et le développement du conflit irako-iranien n’ont fait qu’amplifier.8 (CORM: 2006, p. 537.)

Enquanto os partidários da recusa a qualquer compromisso se aproveitavam da situação

para pôr em prática seu ideal de libertação da Palestina através da revolução armada, a

liderança oficial da OLP – tendo à frente o Fatah de Yasser Arafat – tentava

reaproximar-se do Egito e da Jordânia – pró-ocidentais –, na esperança de uma

hipotética negociação com Israel, patrocinada pelos Estados Unidos. Igualmente

pressionada pela diplomacia norte-americana e pelas demonstrações de

descontentamento da população, a OLP começava a dar sinais de abertura nesse sentido,

renunciando a certas posições tradicionais do movimento palestino, como por exemplo,

o recurso ao terrorismo e ao ponto da sua carta nacional, adotada em 1964, que previa a

reconstrução de um Estado palestino em todos os lugares históricos e onde só seriam

reconhecidos os judeus lá residentes antes de 1948; ao passo que o Conselho Nacional

Palestino, ao proclamar a constituição de um Estado palestino democrático (dezembro

de 1998), propunha-se a reconhecer o Estado de Israel e a aceitar as resoluções 242 e

338 do Conselho de Segurança9 da ONU.

segundo suas palavras – a favor da criação de um único Estado na Palestina, laico e democrático. A OLP ganhou então um posto de observador oficial do povo palestino na ONU. Naquele mesmo ano, “o primeiro da existência internacional da OLP” (ZAMBOUX: 2005), Arafat se encontrou, em Beirute, com o ministro das Relações Exteriores da França e fez sua primeira visita oficial ao Egito, à Arábia Saudita e à URSS, da qual recebeu convite para abrir um escritório da OLP em Moscou. 8 “Os anos 1985 e 1986 serão, com efeito, colocados sob o signo de grandes operações terroristas na Europa e de seqüestros de cidadãos europeus e americanos no Líbano (...) Assinados com etiquetas as mais diversas – Islã xiita militante, facções dissidentes da OLP, tal como a de Abou Nidal, ou não, cristãos radicais pan-sirianos ou pan-árabes do Líbano –, todas essas operações são mensagens violentas decorrentes da estagnação da situação médio-oriental, que a invasão do Líbano e o desenvolvimento do conflito Irã-Iraque só fizeram ampliar.” (Tradução livre da autora.) 9 Resoluções aprovadas em 22/11/1967 e 22/10/1973. Apesar de reprovar a ocupação israelense, essas resoluções não fazem referência a um Estado palestino soberano, nem ao direito de retorno dos refugiados. Decorre daí a relutância palestina e árabe em acatá-las sem a garantia de aplicação das resoluções mais antigas.

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Em verdade, essa mudança de estratégia em direção a uma atitude mais realista era uma

necessidade ditada pelo equívoco de haver anteriormente se colocado como uma espécie

de “poder paralelo” (OLIC: 1991, p. 71) nos países onde se refugiou, incentivando o

aparecimento de grupos armados, responsáveis por uma série de atentados que levaram

à expulsão da OLP da Jordânia e, sucessivamente, do Líbano.10 Tendo sido transferida

sua base de operações para a Tunísia – longe, portanto, de seu alvo (Israel) e de seus

objetivos (os territórios ocupados) –, o movimento palestino perdeu ainda mais em

unidade, com o conseqüente aumento da disputa entre facções11 pelo controle da

organização e da liderança do movimento. A difícil situação da OLP, exilada em Túnis,

e a impossibilidade de prosseguir com a luta armada levaram Arafat a mudar de

estratégia e a partir para uma ofensiva diplomática.

10 Em setembro de 1970, o rei Hussein da Jordânia empreendeu uma violenta perseguição aos guerrilheiros palestinos que desafiavam a sua autoridade dentro do país, acusando o regime de derrotista e conclamando a resistência a lutar contra este tipo de governo e contra os interesses imperialistas e colonialistas. O episódio, conhecido como Setembro Negro, inspirou, mais tarde, a ação de um grupo terrorista homônimo que, durante as Olimpíadas de Munique (1972), assassinou 12 atletas israelenses. Depois desse episódio, a OLP procurou fortalecer sua posição no Líbano, país profundamente marcado por diferenças étnicas e religiosas, as quais a presença palestina só fez aumentar. Em 1978, pretextando acabar com os ataques perpetrados por fedayns (“aqueles que se sacrificam”) com bases no sul do país, Israel invadiu o Líbano até o rio Litani – a “fronteira certa”, reivindicada pelos sionistas. Já em 1982, as forças israelenses alcançavam a capital Beirute: a operação Paz na Galiléia conseguiu expulsar a maioria dos combatentes ligados à OLP; uma outra parte, refugiada em Trípoli, foi expulsa pelos sírios no ano seguinte. 11 O Fatah foi o primeiro grupo voltado para a criação de um Estado Palestino. Criado em 1959, desde o início de sua atuação colocou-se como anti-sionista e antiimperialista. Com a criação da OLP, em 1964, o Fatah, entre outros grupos, passou para sua esfera de influência. Na década de 1960, a OLP viu surgir uma série de grupos como al Saika e a Frente Popular para Libertação da Palestina, em 1967, e a Frente Democrática e Popular para Libertação da Palestina, em 1969, que concordavam sobre a criação de um Estado palestino, mas discordavam quanto aos métodos para alcançá-los e a forma como deveriam se colocar diante da comunidade internacional (OLIC: 1991, p. 70-71). Ao redor do Fatah, que dominava a OLP, esses grupos de importância muito variável evoluíam ao sabor das conjunturas, dos Estados que lhes apoiavam, ou da tendência ideológica de seus líderes (CORM: 2006, p. 399). Além destes, formaram-se outros grupos mais intransigentes quanto ao conflito com Israel e que acabaram se colocando em oposição à OLP. A Jihad Islâmica foi fundada em 1975, por um grupo de estudantes palestinos no Cairo, com o objetivo de destruir Israel por meio de uma guerra santa e fundar um Estado palestino islâmico. O Hezbolah – “Partido de Deus” – foi fundado por clérigos xiitas em 1982, inspirado na Revolução Iraniana e em resposta à invasão israelense ao Líbano. Tendo alcançado a retirada das tropas israelenses (2000), a milícia tornou-se uma grande organização política e paramilitar com assentos no parlamento libanês, operando uma vasta rede de serviços sociais no país e dando também apoio à resistência palestina nos territórios ocupados. O Hamas – “Movimento de Resistência Islâmica”– surgiu apenas em 1988, derivado da Irmandade Muçulmana – organização com raízes no nacionalismo egípcio dos anos 1920. Bem estruturado, passou a controlar fundações de ajuda à população mais pobre e uma rede de mesquitas, tendo recebido apoio norte-americano e israelense como parte de uma estratégia para enfraquecer a OLP (GRESH: 2002, p. 181). A Brigada dos Mártires de Al-Aqsa, criada em meio à segunda Intifada (2000-2003), é uma facção com origem no Fatah, que defende a luta armada como o único meio para a independência palestina.

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A partir da segunda metade da década de 1980, o conflito entre Israel e os palestinos

nos territórios ocupados agravou-se, na medida em que o assentamento de colônias

judaicas na Faixa de Gaza, em Jerusalém oriental e na Cisjordânia se intensificou.

Segundo relatório apresentado pelo Comitê Especial das Nações Unidas para Investigar

as Práticas Israelenses Afetando os Direitos Humanos da População Palestina dos

Territórios Ocupados, o nível de violência havia atingido um patamar inédito, em

conseqüência da repressão, por parte das autoridades israelenses, às lideranças

palestinas locais: os casos de punição coletiva da população; expropriações,

deportações; toques de recolher; demolição de casas; fechamento de aldeias, campos de

refugiados e escolas tornaram-se mais freqüentes, ao mesmo tempo em que aumentaram

os choques entre estes e colonos judeus, acompanhando a retomada da construção de

assentamentos judaicos nos territórios ocupados de Gaza e da Cisjordânia.

The accumulation of frustrations suffered by the civilian population over the years as a result of the persistent policy of annexation and colonization pursued by the Government of Israel in the territories occupied in June 1967, and the humiliation and suffering brought about by that policy, were bound to provoke a violent reaction on the part of the oppressed civilians. Acts of aggression committed by Israeli settlers against Palestinians have contributed to a further deterioration in the climate of tension and terror prevailing in the occupied territories. Information and evidence collected by the Special Committee reveal other serious infringements of fundamental rights and freedoms, including the arbitrary deportation of Palestinians from the occupied territories; the illegal demolition of houses used as a form of collective punishment; the severe limitations on the freedom of expression, tending in particular to limit or prevent an adequate media coverage of events related to the uprising; the general closure of all educational institutions for several months, resulting in the loss of an academic year for students and serious delays in the schooling of Palestinian children. 12 (ONU: 1988, A/43/694.)

12 “O acúmulo de frustrações sofridas pela população civil palestina ao longo dos anos, como resultado de uma persistente política de anexação e colonização adotada pelo governo de Israel nos territórios ocupados em junho de 1967, e a humilhação e sofrimento acarretados por essa política destinaram-se a provocar uma violenta reação por parte dos civis oprimidos. (...) Atos de agressão cometidos por colonos israelenses contra palestinos têm contribuído para uma maior deterioração do clima de tensão e terror que prevalece nos territórios ocupados. Informações e evidências coletadas pelo Comitê Especial revelam outras infrações de direitos e liberdades fundamentais, incluindo a deportação arbitrária de palestinos dos territórios ocupados; a demolição ilegal de casas, usada como uma forma de punição coletiva; limitações severas à liberdade de expressão, visando particularmente a

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Duas décadas de ocupação territorial haviam contribuído sobremaneira para o

aprofundamento do controle exercido pela administração militar israelense sobre todos

os aspectos da vida palestina, desde a distribuição e consumo de água até a aprovação

de qualquer medida legislativa, passando pelo controle da construção civil e da

circulação de bens e produtos consumidos ou produzidos, importados ou exportados

pelos palestinos, que, na ausência do poder público, tinham sua capacidade de ação

limitada à organização, por iniciativa da sociedade civil, de uma precária rede de

serviços sociais, assistenciais (GATTAZ: 2002, p. 169-172; SAID: 1996, p. 149-151).

A frustração crescente com uma situação intolerável e a falta de perspectiva para o

futuro levaram os palestinos a um levante (Revolta das Pedras ou Primeira Intifada,

1987-1991) contra a ocupação de seus territórios.

Até esse momento, Israel havia sido usado pelos Estados Unidos como instrumento para

zelar pelos interesses ocidentais no contexto da Guerra Fria. Porém, muito além de uma

mudança no equilíbrio militar do Oriente Médio, a Guerra do Golfo significou, naquele

momento, uma transformação de ordem política na região: com o desmantelamento do

bloco soviético e o desembarque maciço de tropas ocidentais na região, Israel ficava

relegado à sua dimensão real, a de uma potência regional, ora neutralizada face à

incrível demonstração de poder das forças norte-americanas estacionadas na Arábia

Saudita.

De sua parte, mesmo acossado diante da insistência norte-americana em forçar uma

aproximação com os árabes, o Estado israelense não podia abrir mão do princípio de só

negociar com cada um destes separadamente, isto é, em conversações bilaterais. Para

ele, ceder à estratégia daqueles países de negociar coletiva e simultaneamente, no

âmbito das Nações Unidas ou de uma conferência internacional, significava se colocar

numa posição nitidamente desfavorável, uma vez que, em qualquer dos casos, estaria

sujeito à superioridade numérica destes e de outros países pouco simpáticos à causa

israelense, como bem demonstram as inúmeras resoluções contrárias a Israel aprovadas

limitar ou impedir uma cobertura adequada da mídia sobre eventos relacionados com a rebelião; o fechamento generalizado de todas as instituições educacionais durante vários meses, resultando na perda de um ano acadêmico para os estudantes e em atrasos significativos na educação de crianças palestinas.” (Tradução livre da autora.)

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naquela organização, notadamente na esfera da Assembléia Geral. Seguindo uma lógica

estritamente realista, Israel exortava a seu favor a regra universalmente aceita em

matéria de guerra e paz, segundo a qual o lado vencido não tem o direito de reivindicar

o retorno a um status quo ante (CORM: 2006, p. 635). No caso em questão, o preço que

os árabes deveriam pagar pela derrota era, portanto, a negociação daqueles territórios

incondicionalmente e de maneira favorável a Israel.

Do lado árabe, a lógica era inversa. Israel não era visto como o país vencedor, mas

como um agressor, a quem deviam ser aplicadas todas as medidas coercitivas e

militares previstas – à semelhança do Iraque – para obrigar aquele Estado a acatar não

somente as resoluções 242 e 338, mas também todas aquelas aprovadas desde 1947, as

quais nunca foram postas em prática. Por isso mesmo que, segundo os árabes,

negociação alguma deveria ocorrer senão na ONU, sob a vigilância das duas grandes

potências – que funcionariam, assim, como contrapesos a cada parte envolvida. Ceder à

lógica israelense e tomar parte em negociações bilaterais, face a face com Israel – como

havia feito o Egito anteriormente – significava, para os árabes, uma traição da causa

palestina – cujo poder de mobilização entre a população continuava sendo um fator de

risco para a situação interna de cada país – e implicava, indiretamente, o

reconhecimento tácito de Israel como um Estado soberano e, conseqüentemente, o

abandono da posição histórica de recusa do direito de existência desse país.

Assim sendo, ao final da crise do Golfo, não apenas a resistência palestina encontrava-

se em posição delicada, desmoralizada no meio diplomático internacional pelo apoio

prestado ao Iraque, enfraquecida pelas disputas internas entre as diferentes correntes do

movimento e sem poder contar com o apoio de seus principais aliados árabes – então

comprometidos com a diplomacia norte-americana –, como também Israel via diminuir

sua posição privilegiada de aliado de primeira instância dos Estados Unidos na região.

Estes, por sua vez, tendo imposto a aplicação do direito internacional no caso do

Kuwait, arvorando-se como símbolo maior da nova ordem moral internacional,

deveriam, a partir de então, exercer forte pressão sobre Israel para pôr fim às ocupações

irregulares e, enfim, normalizar a situação deste país junto a seus vizinhos. Era

imprescindível provar aos aliados árabes que os EUA não apelavam ao direito

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internacional e à moral apenas quando estavam em jogo seus interesses de curto prazo,

mas que havia sim interesse real em estabelecer a paz no Oriente Médio.

Cet effort est indispensable pour montrer le caractère malveillant de la accusation des “deux poids deux mesures” que pratiquerait l’Occident au Moyen-Oriente en matière de respect du droit international. Is est aussi nécessaire pour montrer que l’ordre nouveau annoncé par George Bush lors de la préparation de la Guerre du Golfe n’est pas un slogan creux, lancé pour les besoins de la mobilisation contre l’Irak.13 (CORM: 2006, p. 631.)

Em resumo, se para os árabes e palestinos tratava-se de negociar a paz com Israel em

troca dos territórios ocupados para normalizar a situação deste país na região; para

Israel, essa normalização não se faria em detrimento de sua segurança ou sob quaisquer

condições previamente impostas.

3. O PAPEL DO MEDIADOR

Nessas circunstâncias, o papel dos Estados Unidos como mediador nas conversações

que deveriam ter lugar consistia em promover, pouco a pouco, a aproximação das partes

em seus diferentes pontos de vista, através da sugestão de medidas simples e parciais,

que garantissem cada uma em relação à outra e, assim, ajudassem a diminuir as

hostilidades recíprocas. Essa tática, que ficou conhecida como a dos pequenos passos –

originalmente utilizada por Henry Kissinger para promover a aproximação do Egito –,

tinha por mérito evitar constrangimentos para os envolvidos: Israel não ficava exposto

ao conjunto de seus adversários, nem estes eram forçados a fazer concessões

importantes, que colocassem em perigo a estabilidade dos regimes.

Assumindo o papel do mediador honesto, os Estado Unidos aceitaram, de fato, duas

grandes exigências árabes: negociações multilaterais e a presença da URSS. Mas, por

13 “Esse esforço é indispensável para mostrar o caráter malevolente da acusação de ‘dois pesos, duas medidas’ que praticaria o Ocidente no Oriente Médio em matéria de direito internacional. É também necessário para mostrar que a nova ordem anunciada por George Bush quando da preparação da Guerra do Golfo não é um slogan vazio, lançado pelas necessidades de mobilização contra o Iraque.” (Tradução livre da autora.)

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outro lado, garantiram a Israel que a conferência de paz a se realizar não teria poder

algum de impor qualquer decisão e que as negociações com os palestinos seriam sim

feitas bilateralmente, logo após a conferência. Quanto a estes, a diplomacia norte-

americana foi hábil em atrair representantes da sociedade civil palestina, desvinculados

da liderança revolucionária que se solidificara na OLP – com quem Israel se negava a

negociar –, com a promessa de apoiar suas pretensões sobre os territórios ocupados, mas

sem garantias explícitas à independência de seu povo.

Toutes ces assurances furent formalisées dans des lettres dites “d’assurance” que le secrétaire d’État américain envoya à la Syrie, à Israël, aux personnalités palestiniennes destinées à faire partie de la délégation mixte jordano-palestinienne à la Conférence de la Paix, et même au Liban (...) Le lettre d’invitation marquait bien que la conférence n’aurait aucun pouvoir de décision et qu’elle n’était qu’un lancement pour la mise en route d’un processus de paix devant se dérouler à deux niveaux: négociations bilatérales directes commençant quatre jours après l’ouverture de la conférence; negociations miltilatérales sur toutes les questions d’intérêt régional, telles que le contrôle des armements et la sécurité, l’eau, les réfugiés, l’environnement, le développement économique. Les négociations directes – disait le document – se dérouleraient sur un double “registre”, entre Israël et les États arabes d’une part, entre Israël et les Palestiniens d’autre part; cependant, les Palestiniens seraient formallement inclus dans une délégation mixte du jordano-palestinienne.14 (CORM: 2006, p. 650-651.)

14 “Todas essas garantias foram formalizadas em cartas ditas “de segurança” que o secretário de Estado norte-americano [James Baker] enviou à Síria, a Israel, às personalidades palestinas indicadas para fazer parte da delegação mista jordano-palestinas à conferência da Paz e, mesmo, ao Líbano (...) O convite assinalava bem que a conferência da Paz não teria poder algum de decisão e que ela seria apenas um lançamento para a colocação em prática de um processo de paz que devia se desenrolar em dois níveis: negociações bilaterais diretas, começando quatro dias após a abertura da conferência; negociações multilaterais sobre todas as questões de interesse regional, tais como o controle dos armamentos e a segurança, a água, os refugiados, o meio ambiente, o desenvolvimento econômico. As negociações diretas, dizia o documento, se desenrolariam sob um duplo “registro”, entre Israel e os Estados árabes de uma parte, entre Israel e os palestinos de outra; entretanto, os palestinos seriam formalmente incluídos em uma delegação mista jordano-palestina.” (Tradução livre da autora.) Apesar de a Jordânia ter renunciado, em 1988, a qualquer envolvimento com o status da Cisjordânia e de ter reconhecido a OLP como único interlocutor dos palestinos com Israel, vê-se aqui mais uma vez sugerida, implicitamente, uma “solução jordaniana” para a Questão Palestina, que vem ao encontro da negativa israelense quanto à existência de um problema nacional palestino: não tendo existido nunca um Estado nacional palestino, a população palestina teria se dividido e passado da soberania otomana à inglesa e, depois de 1948, à da monarquia hachemita jordaniana e, mesmo, de Israel. Na visão deste país, o problema dos refugiados – e por que não a Questão Palestina como um todo – poderia ser resolvido se, assim como a Jordânia, os países árabes absorvessem os palestinos apátridas.

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Afora a tentativa de conciliar interesses tão divergentes, a estratégia norte-americana

para atrair cada um dos participantes à Conferência de Paz para o Oriente Médio, que se

realizaria em Madri (31/10 a 01/11/1991), apresentava uma grave contradição: ela

buscava conciliar os princípios defendidos pelos palestinos, apoiados por seus aliados

árabes, baseados no direito internacional e no direito específico ditado pela ONU em

suas resoluções a respeito da Questão Palestina e dos conflitos árabe-israelenses com os

princípios de segurança defendidos por Israel, baseados numa rígida concepção realista

sobre as condições de paz no Oriente Médio, ou seja, a idéia segundo a qual os

interesses objetivos desse Estado – sua sobrevivência e segurança – são motivos

bastantes para o recurso à força armada e que a superioridade por ele alcançada no

quadro político-militar da região é o que deve guiar as negociações de paz com os

outros Estados, independente de qualquer princípio moral universal.

Os Estados Unidos não poderiam permitir que seu principal aliado no Oriente Médio

fosse assim levado a negociações fundadas em princípios gerais de direito ou no direito

onusiano específico, em tudo contrários a seus interesses. Sua estratégia não visava,

portanto, estabelecer a paz definitiva entre israelenses, árabes e palestinos a um só

tempo, mas tão-somente, criar uma dinâmica favorável a um processo de paz em que os

beligerantes, colocados frente à frente, pudessem superar progressivamente suas

divergências, até o ponto em que se estabelecessem entre eles relações normais de

comércio, políticas, etc.: uma nova ordem regional, em que Israel estivesse

perfeitamente integrado.

A estratégia adotada pela diplomacia norte-americana tinha ainda, como vantagem,

manter à boa distância a URSS, a Europa e as Nações Unidas, espectadores

privilegiados, mas sem poder de interferência direta sobre o curso das negociações,

ficando, assim, os Estados Unidos como árbitro oficial e principal mediador de tudo o

que dissesse respeito ao Oriente Médio.

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4. O « PROCESSO DE PAZ » DE OSLO

– Nous sommes le seul peuple qui ait vécu sur la terre d’Israël sans interruption depuis près de quatre mille ans; nous sommes le seul peuple, à la exception du bref royaume des croisés, à avoir exercé une soveraineté indépendante sur cette terre; nous sommes le seul peuple à avoir consacré Jérusalem pour capitale; nous sommes le seul peuple dont les lieux saints ne se trouvent que sur la terre de Israël. [Discurso de abertura pronunciado pelo primeiro-ministro israelense Yitzhak Shamir na Conferência de Paz de Madri.] – Nous sommes venus ici pour la faire appliquer (la résolution 242) et non pour perdre du temps en exégèses et sur des points de sémantique, ou pour contribuer à la nier ou à l’exclure du programme de paix (...) Israël doit reconnaître l’idée de frontières – politiques, juridiques, morales et territoriales – et doit décider de rejoindre la communauté des nations en acceptant les termes de la loi internationale et la volonté de la communauté internacionale. [Discurso de encerramento do delegado palestino à Conferência de Paz de Madri, Abdel Shafi.] – Les négociations ne continueront à jouir d’un soutien que si la dimenson humaine est prise en considération par toutes les parties. Il faut trouver un moyen d’envoyer des signaux de paix et de réconciliation qui affecteront les populations de la région. N’attendez pas que l’autre côte fasse les premiers pas: chacun de vous doit prendre rapidement le départ. Vous devriez savoir mieux que quiconque ce qui est nécessaire. [Discurso de encerramento do ministro das Relações Exteriores dos EUA, James Baker, na Conferência de Madri.]15 (Apud CORM: 2006, p. 670, 675-677.)

A despeito da troca de hostilidades que marcaram os dois dias da Conferência de Madri,

o encontro foi considerado mais uma vitória da diplomacia norte-americana, na medida

em que logrou colocar em torno de uma mesma mesa, pela primeira vez desde 1949,

delegações de diversos países árabes, da Palestina e de Israel. Como estava previsto, as

15 “– Nós somos o único povo que viveu sobre a terra de Israel sem interrupção desde aproximadamente quatro mil anos; nós somos o único povo, à exceção do breve reino dos cruzados, a ter exercido uma soberania independente sobre essa terra; nós somos o único povo a ter consagrado Jerusalém como capital; nós somos o único povo cujos lugares santos não se encontram fora da terra de Israel. – Nós viemos aqui para fazer cumpri-la (a resolução 242) e não para perder tempo em exegeses e sobre pontos de semântica, ou para contribuir a negá-la ou a excluí-la do programa de paz. (...) Israel deve reconhecer a idéia de fronteiras – políticas, jurídicas, morais e territoriais – e deve decidir juntar-se à comunidade das nações, aceitando os termos da lei internacional e a vontade da comunidade internacional. – As negociações não continuarão a gozar de apoio a não ser que a dimensão humana seja levada em consideração. É preciso encontrar um meio de enviar sinais de paz e de reconciliação que afetarão as populações da região. Não espereis que o outro lado dê os primeiros passos: cada um de vós deve tomar a iniciativa rapidamente. Vós deveis saber melhor do que qualquer um o que é necessário.” (Tradução livre da autora.)

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negociações bilaterais prosseguiram após a conferência: entre dezembro de 1991 e

agosto de 1993, sucederam-se onze sessões, todas em Washington, sem alcançar,

contudo, qualquer resultado concreto. E mesmo a reunião, em diversas cidades, dos

grupos de trabalho criados para tratar de questões referentes à água (Washington,

Genebra), controle de armamentos e segurança regional (Moscou, Washington), meio

ambiente (Haia, Tóquio), cooperação econômica (Paris, Roma) e refugiados (Oslo),

nem mesmo este artifício foi capaz de evitar que as negociações começassem a

desacelerar, primeiro porque as atenções internacionais se voltaram para os eventos na

Bósnia, Somália, Ruanda e nas ex-repúblicas soviéticas e, segundo, porque a eleição de

Clinton no final do ano teve como reflexo uma retração norte-americana das

negociações, pois o governo recém-eleito priorizou, a princípio, questões da agenda

doméstica do país.

Já no início de 1992, os palestinos haviam apresentado uma proposta de autonomia para

os territórios ocupados que ia de encontro ao objetivo israelense de só conceder

autonomia nos termos de uma administração municipal.

Além do problema sobre a constituição e o reconhecimento de uma autoridade

palestina, havia duas questões problemáticas que impediam as negociações de avançar:

(1) a retirada de Israel dos territórios ocupados em 1967, conforme determinado pela

resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU; e (2) o alcance da jurisdição

territorial do futuro autogoverno palestino, que, para este, deveria abranger todos

aqueles territórios, enquanto para Israel ela deveria se limitar apenas à população, pois

era uma questão de segurança o seu controle sobre esses territórios. Mas, por outro lado,

havia uma razão mútua para que ambos se sujeitassem a seguir com as negociações.

Após a eclosão da primeira Intifada, a situação nos territórios ocupados, notadamente

em Gaza, tornou-se demasiadamente custosa para israelenses e palestinos: a OLP perdia

espaço para o Hamas, que aumentava sua influência e atuação; as deportações em massa

de palestinos para o Líbano estreitavam os laços destes com o Hezbolah e, dos dois

lados, a sensação de insegurança era crescente.

Longe do teatro das negociações diplomáticas, no campo prático, a despeito de todos os

esforços, a violência persistia na forma de enfrentamentos entre palestinos partidários

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do processo de paz e simpatizantes do Hamas e de outros movimentos palestinos ditos

de “recusa”; na exterminação de palestinos acusados de colaborar com as autoridades de

ocupação para desmobilizar a intifada; nos ataques recíprocos de colonos israelenses e

palestinos não engajados em qualquer movimento. Havia ainda, como foco de tensão, os

numerosos bombardeios impostos pelo exército de Israel, as prisões arbitrárias e o

fechamento dos territórios ocupados, que impedia a passagem de trabalhadores

palestinos para território israelense. Todas essas ações, além de acarretar a degradação

das condições de vida nos territórios ocupados, contribuíam para alimentar o ceticismo

de determinada parcela da população palestina quanto às reais intenções de paz

israelenses; o que permitia ao Hamas, naquelas áreas, e ao Hezbolah, no sul do Líbano,

aumentar suas bases de recrutamento e, dessa forma, radicalizar e justificar sua posição

de recusa.

Subseqüentemente, os ataques desses grupos, contra a ocupação israelense, cada vez

mais audaciosos, desencadeavam contínuas represálias de Israel, onde, por seu turno, a

posição do partido governista, Likud, contrária ao diálogo com os palestinos, suscitava

duras críticas do Partido Trabalhista, que acusava o governo de ter conduzido as

negociações ao impasse em que se encontravam.

O impasse só foi rompido pela iniciativa norueguesa de oferecer sua capital para a

continuação, em sigilo, das negociações entre palestinos e israelenses. A publicidade em

torno da movimentação dos atores em Madri restringia a possibilidade de diálogo; a

forma de a Noruega ajudar era promovendo contatos políticos mais informais

(EGELAND, apud DUARTE: 2003, p. 107), valendo-se de sua reputação de país

imparcial e independente – como bem parecia aos palestinos –, mas sem poder para

exercer pressão sobre as partes em disputa – como convinha a Israel.

A Noruega era um dos poucos países que tinham boas relações com as duas partes e

conseguiu o consentimento de ambas para agir como mediador graças às ligações que

havia estabelecido com os israelenses, desde o final da II Guerra Mundial, e com alguns

palestinos influentes dos territórios ocupados e da própria OLP, a quem fornecia ajuda

financeira. Diante das dificuldades encontradas pelos Estados Unidos, os noruegueses

assumiram temporariamente o papel de “mediador de 2ª via”, agindo como uma espécie

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de “facilitador”, dando assistência à comunicação entre as partes e sugerindo fórmulas

de compromisso para permitir que o impasse do processo de Madri fosse desbloqueado

(DUARTE: 2003, p. 126).

Ainda mais significativo, as eleições legislativas israelenses, em junho de 1992, que

deram maioria expressiva ao Partido Trabalhista, foram fundamentais para a mudança

de atitude de Israel em direção ao rompimento do impasse nas negociações com os

palestinos. A vitória trabalhista nas urnas condenava a postura intransigente sustentada

até então pelo Likud e sancionava a política apaziguadora e mais flexível defendida pelo

Partido Trabalhista. Sua eleição foi acolhida com alívio pela OLP, que também se

mostrava tanto mais inclinada à conciliação quanto desejava voltar ao primeiro plano da

liderança palestina, da qual estava afastada desde que se exilara em Túnis (1992). A

recusa americana e israelense a manter contato oficial direto com a organização, bem

como a crescente popularidade da equipe que negociava oficialmente em nome dos

palestinos desde a Conferência de Madri, tanto no interior dos territórios ocupados – de

onde ela provinha –, quanto perante a comunidade internacional e, mesmo, entre as

comunidades da diáspora – de onde provinham os membros da OLP –, punham em

xeque seu caráter de representante exclusivo do povo palestino e sua posição de

elemento-chave para a solução do conflito.

Israel aceitou negociar diretamente com a OLP e Arafat, visando controlar o movimento

rebelde em nome de sua própria segurança e também por razões econômicas: a intifada

prejudicou os investimentos estrangeiros, ao passo que a persistência da colonização nos

territórios ocupados levou à suspensão das garantias norte-americanas para a obtenção

de empréstimos adicionais (CORM: 2006, p. 664) no momento em que Israel recebia

um grande número de imigrantes judeus provindos da ex-URSS. Já para Arafat,

negociar com Israel significava tirar a OLP da posição marginal em que se encontrava e,

ao mesmo tempo, legitimar e assegurar sua autoridade dentro do movimento palestino e

no meio internacional. Durante as doze sessões secretas que antecederam a assinatura

dos acordos, mediadas pela diplomacia norueguesa em sua capital, os negociadores

oficiais da rodada aberta em Madri foram postos de lado, de maneira que aquelas

conversações, já então periclitantes, enfraqueceram-se ainda mais com a abertura, à sua

revelia, de um novo canal de negociações, através do qual o recém-empossado governo

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trabalhista poderia testar até que ponto a OLP estaria disposta a avançar em troca de seu

reconhecimento como representante e negociador oficial dos palestinos perante Israel e

os Estados Unidos.

Os acordos anunciados no dia 13 de setembro de 1993, na Casa Branca, em

Washington, foram recebidos, nos meios diplomáticos e na mídia internacional, como

uma solução harmoniosa entre a necessidade de segurança por parte de Israel e, de outro

lado, a aspiração palestina a um governo autônomo que conduzisse à sua independência.

A análise dos acordos, contudo, revela que foi a segurança o ponto privilegiado ao

longo das negociações iniciadas em Oslo, a favor de Israel e em detrimento dos

palestinos.

4.1. A Declaração de Princípios

A declaração de princípios, datada de 13 de setembro de 1993, foi precedida de uma

troca de correspondência entre o primeiro-ministro israelense, Yitzhak Rabin, e o líder

da OLP, Yasser Arafat, da qual ressalta a diferença de conteúdo entre os seis parágrafos

dirigidos pelo líder palestino ao premier israelense, no dia nove de setembro, e as quatro

linhas protocolares da resposta dada àquele por este último no mesmo dia. Ao passo que

Arafat comprometia-se explicitamente com o reconhecimento de Israel e com a

segurança deste Estado, “renunciando ao uso de terrorismo e outros atos de violência”,

Rabin, da parte de Israel, abstinha-se de assumir compromissos por demais precisos –

como fizera Arafat – e afirmava apenas que seu governo “decidiu reconhecer a OLP

como representante do povo palestino” e que, “à luz dos compromissos” assumidos,

aceitava negociar com a organização, no quadro do processo de paz do Oriente Médio.

Mr. Chairman, In response to your letter of September 9, 1993, I wish to confirm to you that, in light of the PLO commitments included in your letter, the Government of Israel has decided to recognize the PLO as the representative of the Palestinian people and commence negotiations

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with the PLO within the Middle East peace process. Yitzhak Rabin, Prime Minister of Israel.16

Não houve, do lado israelense, engajamento algum com as questões que, do lado

palestino, eram consideradas prementes para a paz, tais como a contenção dos

assentamentos de colonos israelenses nos territórios ocupados e o compromisso de

suspender, nestes, as medidas de restrição e controle impostas à população, bem como,

em última instância, a retirada, propriamente dita, das autoridades ocupantes destas

áreas. A resposta de Rabin sequer mencionava estas questões, sendo, contudo, bastante

objetiva quanto às condições impostas aos palestinos em troca do engajamento

israelense: primeiro, que a OLP honrasse o compromisso de conter a oposição violenta

– que representava uma ameaça para Israel –, assumindo sua “responsabilidade sobre

todos os elementos e pessoal da OLP, de maneira a garantir sua aquiescência, prevenir

violações e disciplinar transgressores”, conforme afirmava a carta de Arafat; e segundo,

que Israel entendia que a paz com os palestinos inscrevia-se num contexto maior de paz

em toda a região do Oriente Médio.

A troca de correspondência já revelava, desde o início, o caráter que assumiriam as

negociações dali por diante: a priorização das questões relativas à segurança – de Israel,

em primeiro plano, e do Oriente Médio, por extensão – em detrimento da criação de um

Estado palestino independente.

Na Declaração de Princípios, que sucedeu às cartas, é característica sintomática dessa

tendência a forma imprecisa como foram elaborados os 17 artigos que compõem o

documento, os quais cuidam em definir as responsabilidades de cada parte no campo da

segurança, mas, em parte alguma, fazem menção a um Estado palestino independente. O

artigo I da declaração, que define o propósito das negociações, já afastava, de início,

qualquer conjetura sobre tal possibilidade:

The aim of the Israeli-Palestinian negotiations within the current Middle east peace process is, among other things, to establish a

16 “Sr. Presidente, Em resposta à sua carta de 9 de setembro de 1993, eu desejo confirmar-lhe que, à luz dos compromissos da OLP incluídos em sua carta, o governo de Israel decidiu reconhecer a OLP como representante do povo palestino e iniciar negociações com a OLP, no quadro do processo de paz do Oriente Médio. Yitzhak Rabin, primeiro-ministro de Israel.” (Tradução livre da autora.)

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Palestinian Interim Self-Government Authority, the elected Council (the “Council”), for the Palestinian people in the West Bank and the Gaza Strip, for a transitional period not exceeding five years, leading to a permanent settlement based on Security Council Resolutions 242 and 338.17 (Grifos nossos.)

E, embora o mesmo artigo especificasse que os ajustes provisórios eram “parte

integrante de todo o processo de paz” e que as negociações sobre o status final levariam

à implementação das resoluções, ficava entendido que “as duas partes concordavam que

o resultado das negociações do status final não deveria ser prejulgado ou antecipado por

acordos concluídos para o período provisório” (artigo V, § 4). Essa contradição permitiu

que israelenses e palestinos seguissem negociando sobre questões contingentes –

estrutura, número de membros e jurisdição de um Conselho de Representantes

palestinos a ser eleito (artigos III, IV e anexo I); criação de comitês e programas de

cooperação mútua e regional (artigos X, XI, XII e anexos III e IV) – sem tocar no fundo

do problema – Jerusalém, refugiados, colônias israelenses e independência palestina –,

conservando, assim, ambas as partes, suas posições contraditórias: de um lado, o

raciocínio político-estratégico israelense, que supõe poder anular ou adiar “os direitos

legítimos do povo palestino e suas justas reivindicações” (artigo III, § 3) em função do

comportamento palestino; e de outro, a crença palestina na possibilidade de reverter

uma situação de ocupação total a favor de uma independência de fato.

Segundo essa lógica da ambigüidade construtiva – conforme a expressão usada pela

diplomacia norte-americana para justificar o avanço das negociações, apesar da

contradição de aspirações verificada entre as partes e nos termos dos acordos –, a paz

não se realizaria por meio de um acordo solene sobre as questões de base que

constituem o cerne do conflito e cuja solução permitiria a normalização das relações

entre israelenses e palestinos; a paz resultaria, antes, da implementação de medidas de

segurança que não representavam, entretanto, garantia alguma de solução definitiva para

aquelas questões primordiais.

17 “O objetivo das negociações israelo-palestinas, dentro do atual processo de paz do Oriente Médio, é, entre outras coisas, estabelecer uma autoridade palestina interina de autogoverno, o Conselho eleito (o ‘Conselho’), para o povo palestino na Cisjordânia e na faixa de Gaza, por um período transitório não excedente a cinco anos, levando a uma solução permanente baseada nas Resoluções 242 e 338 do Conselho de Segurança.” (Tradução livre da autora.)

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Durante o período provisório de 5 anos, a declaração previa apenas uma retirada parcial

de Israel da “Faixa de Gaza e de Jericó primeiro”, onde, em contrapartida, o Conselho

palestino deveria estabelecer uma vigorosa força policial para garantir a ordem pública e

a segurança interna dos palestinos residentes nesses territórios,

(...) while Israel will continue to carry the responsibility for overall threats, as well as the responsibility for overall security of Israelis for the purpose of safeguarding their internal security and public order.18 (Artigo VIII.)

Israel não abria mão da segurança de seus cidadãos ou de suas fronteiras externas, o

que, por um lado, significava que os israelenses assentados em colônias, nos territórios

ocupados, lá permaneceriam e que, por outro lado, os palestinos não poderiam exercer

plenamente sua soberania, nem tê-la reconhecida pela comunidade internacional,

ficando assim privados desta condição essencial para a afirmação de um Estado

independente.19 E mesmo a transferência de responsabilidades da Administração Civil

israelense para os palestinos, através de seu Conselho, não era garantia para o exercício

da soberania palestina, visto que essa transferência limitar-se-ia às esferas da educação e

cultura, saúde, bem-estar social, impostos e turismo, além das já citadas ordem pública e

segurança interna, na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, “exceto para questões que serão

negociadas nas negociações do acordo final: Jerusalém, assentamentos, posições

militares e israelenses” (Agreed Minutes..., art. IV, § 1), cabendo ainda a Israel o

exercício de poderes e responsabilidades não transferidas para o Conselho (Agreed

Minutes.., art. VII) – e tampouco especificados.

18 “(...) enquanto Israel continuará arcando com a responsabilidade por quaisquer ameaças, bem como a responsabilidade pela segurança total dos israelenses, com o fim de salvaguardar sua segurança interna e ordem pública.” (Tradução livre da autora.) 19 Segundo GONÇALVES (2002, p. 14): “Na ótica jurídica, a definição de Estado como sujeito de direito internacional continua a ser aquela atribuída pela Convenção de Montevidéu (1933), segundo a qual todo Estado deve possuir: 1) população; 2) território; 3) governo; e 4) capacidade de honrar os compromissos contraídos com os outros Estados (...) Essas quatro características do Estado podem ser sintetizadas no conceito de soberania. Por soberania entende-se o poder supremo, que é o poder de fazer as leis que modelam as instituições e organizam as relações em sociedade. Em virtude do caráter territorial do Estado, a soberania é exercida exclusivamente no âmbito interno; não pode haver soberania externa. Um Estado, por ser soberano, não pode acatar leis formuladas por outro Estado. Em relação aos demais Estados, que são soberanos e, por conseguinte, juridicamente iguais, o Estado desfruta de independência.”

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A declaração de princípios fixava, pois, os direitos (eleição e jurisdição do Conselho) e

as obrigações (todas relativas à segurança) atribuídas aos palestinos; e deixava Israel

relativamente desembaraçado do cumprimento das suas (relativas à desocupação

gradual dos territórios), já que ficava acertado que:

2. In redeploying its military forces, Israel will be guided by the principle that its military forces should be redeployed outside populated areas. 3. Further redeployments to specified locations will be gradually implemented commensurated with the assumption of responsibility for public order and internal security by the Palestinian police force pursuant to Article VIII above.20 (Artigo XIII.)

O grande estratagema da Declaração de Princípios, e o que permitiu, de fato, a

continuidade das negociações, foi justamente a definição de duas fases distintas de

negociação: um período provisório, em que seriam tratados assuntos relativos à

administração civil da Autoridade Palestina nos territórios liberados por Israel –

mormente quanto à ordem e segurança públicas – e acordos de cooperação em diversas

áreas – mormente quanto ao desenvolvimento econômico –; e a negociação do acordo

final, não necessariamente vinculado aos resultados do período anterior e em que seriam

abordadas questões chaves, tais como a extensão dos territórios a serem liberados por

Israel, a natureza da “entidade” Palestina a ser estabelecida, o futuro dos assentamentos

e dos colonos israelenses, direitos sobre a água, a situação dos refugiados e o status de

Jerusalém.

A declaração estabeleceu um processo de negociação sem um resultado pré-definido.

Durante o prolongado período provisório,21 inúmeros atrasos, devidos à relutância de

Israel em abrir mão do controle sobre os territórios ocupados e fazer as concessões

necessárias, aliados a explosões periódicas de violência por parte de grupos palestinos

contrários ao processo de Oslo legaram os palestinos a uma posição cada vez mais fraca 20 “2. Ao redispor suas forças militares, Israel será guiado pelo princípio de que suas forças devem ser desdobradas fora de áreas povoadas. 3. Desdobramentos ulteriores para posições especificadas serão implementados gradualmente, proporcionalmente à assunção de responsabilidade pela ordem pública e segurança interna pela polícia palestina, conforme o Artigo VIII acima.” (Tradução livre da autora.) 21 O período provisório, estendido até 1998 – precisamente 23/10/1998, data da assinatura do Memorando de Wye River – estava previsto para acabar em meados de 1996, quando deveriam começar as negociações sobre o acordo final, por sua vez previstas para acabar em maio de 1999, mas só iniciadas em julho de 2000.

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nas negociações, pois a declaração também não estabeleceu qualquer mecanismo de

compensação para prevenir ou corrigir prováveis violações que pudessem criar, na

prática, fatos e situações novas impossíveis de se reverter em um acordo final.

Although Article IV of the Declaration of Principles talks about preserving the “integrity” of the West Bank and Gaza during negotiations, it did not prevent Israel from “creating facts” on the ground which completely prejudiced the talks. From the signing of the Oslo Accords in September 1993 until the collapse of the negotiations in February 2001, Israel more than doubled its settler population to 400.000, adding dozens of new settlements – even whole cities (…)22 (HALPER: 2001.) Passage between Gaza and Jericho, sixty miles away from each other, was supposed to have been guaranteed for Palestinians; until now it has not been, thereby violating the principle granted by the Israelis that the West Bank and Gaza are one territorial unit (...) Palestinians displaced in 1967 are supposed to be able to return, but the joint committee intended for facilitating this hasn’t even been named (...) In the meantime, and completely against the letter and the spirit of Oslo agreement, Israel has continued to change the status quo in Jerusalem, and to build a huge road system conecting the settlements, bypassing Arab villages and towns throughout the Occupied Territories.23 (SAID: 1996, p. 104-105.)

4.2. O Acordo do Cairo

O acordo de 4 de maio de 1994, Agreement on the Gaza Strip and the Jericho Area, que

inaugurou, de fato, o período provisório, limitou o alcance da retirada das forças

israelenses a cerca de 65% da Faixa de Gaza, definiu a extensão da área de Jericó e

22 “Apesar de o artigo IV da Declaração de Princípios falar sobre preservar a ‘integridade’ da Cisjordânia e da Faixa de Gaza durante as negociações, isso não impediu Israel de ‘criar fatos’ na prática, o que prejudicou completamente as conversações. Desde a assinatura dos Acordos de Oslo, em setembro de 1993, até o colapso das negociações, em fevereiro de 2001, Israel mais do que dobrou sua população assentada para 400.000, somando dúzias de novos assentamentos – mesmo cidades inteiras (...)” (Tradução livre da autora.) 23 “A passagem entre Gaza e Jericó, sessenta milhas distantes uma da outra, deveria ter sido garantida para os palestinos; até agora, não foi, violando, dessa maneira, o princípio admitido pelos israelenses de que a Cisjordânia e Gaza são uma unidade territorial (...) Palestinos desalojados em 1967 deveriam poder voltar, mas o comitê conjunto que deveria facilitar isso não foi sequer nomeado (...) Nesse ínterim, e completamente contra o espírito de Oslo, Israel continua a mudar o status quo em Jerusalém e a construir um amplo sistema de estradas conectando os assentamentos, cortando povoados e cidades árabes por todos os territórios ocupados.” (Tradução livre da autora.)

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O Caminho para Oslo

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estabeleceu a Autoridade Nacional Palestina como órgão governante nos territórios

liberados, apto a exercer – em cooperação com Israel – o policiamento local.

Em verdade, o novo acordo desdobrava em detalhes o que fora anteriormente estipulado

na Declaração de Princípios quanto a arranjos de segurança, retirada das forças

israelenses, transferência de poderes e responsabilidades civis e legislativas, questões

legais, sem qualquer alteração substancial do que já havia sido disposto. Conforme o

Acordo de Gaza/Jericó, a Administração Civil israelense era dissolvida e seus poderes e

responsabilidades transferidos para a Autoridade Palestina, em esferas civis tais como:

educação, construção, turismo, bem-estar social, telecomunicações, assuntos religiosos,

transportes, saúde, agricultura, etc. Os palestinos adquiriam uma autonomia limitada, ao

passo que Israel continuava responsável pela segurança dos israelenses, dos

assentamentos e das fronteiras externas, bem como outras áreas de responsabilidade não

transferidas para a Autoridade Palestina, tais como relações exteriores.

1. The authority of the Palestinian Authority encompasses all matters that fall within its territorial, functional and personal jurisdiction, as follows: a. The territorial jurisdiction covers the Gaza Strip and the Jericho Area territory, as defined in Article I, except for Settlements and the Military Installation Area. b. Territorial jurisdiction shall include land, subsoil and territorial waters, in accordance with the provisions of this Agreement. c. The functional jurisdiction encompasses all powers and responsibilities as specified in this Agreement. This jurisdiction does not include foreign relations, internal security and public order of Settlements and the Military Installation Area and Israelis, and external security.24 (Artigo V.)

Assim como na Declaração de Princípios, a preocupação central continuava sendo a

segurança, paralelamente à normalização das relações entre Israel e a Autoridade

24 “A autoridade da Autoridade Palestina abrange todas as matérias compreendidas na sua jurisdição territorial, funcional e jurídica, como segue: a. A jurisdição territorial cobre a Faixa de Gaza e o território da área de Jericó, conforme definido no Artigo I, à exceção dos assentamentos e da área de instalação militar; b. Jurisdição territorial deve incluir terra, subsolo e águas territoriais, de acordo com as provisões desse Acordo; c. A jurisdição funcional abrange todos os poderes e responsabilidades conforme especificado nesse Acordo. Essa jurisdição não inclui relações exteriores, segurança interna e ordem pública dos assentamentos e da área de instalação militar, israelenses e segurança externa.” (Tradução livre da autora.)

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O Caminho para Oslo

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Palestina, sem que disso resultasse, necessariamente, a criação de um Estado palestino.

Nada do que ficava acertado deveria “prejulgar ou antecipar o resultado das negociações

sobre o período provisório ou sobre o status permanente” (artigo XXIII, §5) e a

transferência da responsabilidade pela segurança dos territórios liberados para a Polícia

Palestina não tinha outro objetivo senão “prevenir atos de terrorismo, crime e

hostilidades dirigidos um ao outro” (artigo XVIII). Segundo o artigo III, do anexo I

(Protocol concerning withdrawal of Israeli Military Forces and security arrangements)

do acordo, nas áreas sob jurisdição palestina, eram obrigações da Polícia Palestina:

1. performing normal police functions, including maintaining internal security and public order; 2. protecting the public and its property and acting to provide a feeling of security and safety; 3. adopting all measures necessary for preventing crime in accordance with the law; and 4. protecting public installations and places of special importance.25

O grande diferencial do Acordo do Cairo estava na parte concernente às relações

econômicas, separadamente negociadas em Paris, a 29 de abril de 1994, e incluídas no

acordo como anexo IV (Protocol on Economic Relations), o qual tratava principalmente

de questões relativas à política monetária, circulação de mercadorias, impostos e

movimento de trabalhadores – notadamente da força de trabalho palestina empregada

em Israel.

Para muitos especialistas, a componente econômica do processo de paz era um objetivo

tão característico daquelas negociações quanto a preocupação com a segurança.

Segundo essa percepção, a normalização das relações econômicas entre Israel e os

países árabes era vista como a chave para concretizar a paz (CORM: 2006, p. 715) e a

constituição de uma economia capitalista de livre-mercado seria igualmente a melhor

resposta para os problemas que anos de ocupação haviam trazido não só para os

palestinos, como também para os setores mais pobres da sociedade israelense (PAPPE:

25 “1. desempenhar funções normais de polícia, incluindo a manutenção da segurança interna e ordem pública; 2. proteger o público e suas propriedades e atuar para prover uma sensação de segurança e proteção; 3. adotar todas as medidas necessárias para prevenção de crime, de acordo com a lei; e 4. proteger instalações públicas e lugares de especial importância.” (Tradução livre da autora.)

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2004, p. 256). Implícito na posição de todas as partes envolvidas no processo de paz

desencadeado pela Conferência de Madri em 1991 estava o esforço para criar em todo o

Oriente Médio um regime econômico cujo maior propósito era garantir o acesso aos

mercados árabes, seus consumidores e mão-de-obra barata.

A própria Declaração de Princípios já indicava a formação de grupos de trabalho

multilaterais como instrumento para promover uma espécie de programa de

desenvolvimento econômico regional, incluindo a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, que

funcionaria como um “Plano Marshall” (artigo XVI) no Oriente Médio, financiado pelo

G-7, pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, membros do

setor privado e por instituições e países árabes da região (anexo IV, § 1).

Para a frágil economia palestina, com um baixo PIB, já dependente da economia

israelense e sob forte controle das autoridades ocupantes,26 a introdução de um modelo

israelense de sociedade capitalista, representava um risco maior de transformar as áreas

sob jurisdição da Autoridade Palestina em periferias da economia israelense.

Under the Paris Agreement, which was the economic component of Oslo signed in 1994, Israel and Palestine were to be one economic unit, with interconnected customs systems and a joint taxation policy (...) The economic vision of Oslo, like the rest of the accord, was determined by the balance of power, to the Palestinians’ detriment. The Paris Agreement granted Israel the right of veto on any development scheme put forward by the PA [Palestinian Authority]. This meant that the monetary and developmental policies of Israel and its currency exchanges were to play a dominant role in the Palestinian economy. Other aspects of the economy, such as foreign trade and industry, were also totally dominated by the Israelis according to the Interim Agreement.27 (PAPPE: 2004, p. 256.)

26 Um panorama apurado da dependência econômica palestina em relação a Israel foi traçado por Edward Said, em estudos esparsos. Segundo o autor: “De acordo com o Escritório Especial do Coordenador das Nações Unidas nos Territórios Ocupados, o comércio com Israel corresponde a 79.8% das transações comerciais palestinas; o comércio com a Jordânia, corresponde a 2.39%. Que esse quadro seja tão deficiente atribui-se diretamente ao controle de Israel sobre a fronteira Palestina-Jordânia – além das fronteiras síria, libanesa e egípcia” (2000: p. 28-29. Tradução livre da autora). “Aparte o pequeno empreendedor e a classe média, a grande maioria dos palestinos são pobres e sem-terra, sujeitos às vagas das comunidades manufatureiras e comerciais israelenses, que empregam palestinos como mão-de-obra barata” (1996: p. 13. Tradução livre da autora). 27 “Sob o Acordo de Paris, que era o componente econômico de Oslo assinado em 1994, Israel e Palestina deveriam ser uma unidade econômica, com sistemas alfandegários interconectados e uma política tributária conjunta (...) A visão econômica de Oslo, como o restante do acordo, foi determinada pelo

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O Protocolo sobre Relações Econômicas definia as relações econômicas entre Israel e os

territórios palestinos e, embora concedesse alguns poderes econômicos para estes e

eliminasse antigas restrições, o poder de decisão sobre os aspectos mais críticos da

economia palestina continuava nas mãos de Israel, apesar de o acordo garantir aos

palestinos o exercício de “seu direito de tomar decisões econômicas de acordo com seu

próprio plano de desenvolvimento e prioridades” (anexo IV, preâmbulo). Segundo Sara

Roy, o protocolo esboçava a criação de uma “quase-união aduaneira” entre as partes, o

que pressupõe comércio sem barreiras entre as fronteiras das economias participantes e

idênticas restrições de importação; porém, dado o controle de Israel sobre todas as

fronteiras, o comércio e toda a economia palestina continuariam sujeitos a sérias

restrições. Por exemplo, o protocolo estipulava que a Autoridade Palestina teria “todos

os poderes e responsabilidades na esfera da importação e política aduaneira” (artigo III,

§ 2, item a) e que os palestinos teriam “o direito de exportar seus produtos agrícolas sem

restrições” (artigo VIII, § 11, grifos nossos), entretanto, as importações estavam sujeitas

a uma gama de restrições, como cotas para determinados produtos, ao passo que, para

alguns gêneros agrícolas palestinos – tomates, ovos, batatas, etc. –, cuja exportação

concorria com os israelenses, as fronteiras seriam abertas “gradualmente, durante um

período de cinco anos, com imposição de cotas anuais” (ROY: 2000, p. 98. Tradução

livre da autora).

Afora as estipulações de natureza econômica, o Acordo do Cairo manteve-se fiel às

linhas esboçadas pela Declaração de Princípios e, mesmo a retirada das forças militares

israelenses – prevista para começar imediatamente após assinatura do acordo e ser

concluída dentro de três semanas (artigo II, §1) – continuou seguindo a mesma lógica de

protelação dos compromissos assumidos.

equilíbrio de poder, em detrimento dos palestinos. O Acordo de Paris garantiu a Israel o direito de veto em qualquer esquema de desenvolvimento apresentado pela Autoridade Palestina. Isso significava que as políticas monetárias e de desenvolvimento de Israel e suas trocas cambiais deveriam ter um papel predominante na economia palestina. Outros aspectos da economia, tais como comércio exterior e indústria, também eram totalmente dominados pelos israelenses, de acordo com o Acordo Provisório.” (Tradução livre da autora.)

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4.3. O Acordo de Taba, ou «Oslo II»

O adiamento da retirada das forças israelenses dos territórios palestinos, sob a

justificativa de que a Autoridade Palestina não cumpria com o seu compromisso de

conter ações violentas dirigidas contra a segurança de Israel, funcionou como uma

estratégia para enfraquecer a posição dos negociadores palestinos e obter destes

concessões cada vez mais amplas. Nesse sentido foi firmado o Acordo de Taba em 28

de setembro de 1998.

Mais conhecido como Oslo II, pelo alcance de suas estipulações, esse acordo foi o mais

amplo concluído entre a OLP e Israel ao longo das negociações. O “Acordo Provisório

sobre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza” implementou a eleição da Autoridade Palestina e

do Conselho Legislativo, estipulou a divisão e o controle conjunto sobre os territórios

ocupados e estabeleceu arranjos complexos nas esferas política, legal, econômica e,

notadamente, de segurança, criando uma nova ordem nos territórios. Oslo II deveria

facilitar a retirada das forças israelenses das áreas palestinas, conforme a nova e

detalhada divisão territorial acertada, mas o acordo nunca chegou a ser implementado

na íntegra.

O Acordo de Taba redividiu a Cisjordânia em três subseções:

A cerca de três por cento do território, compreendendo as seis cidades

palestinas que deveriam ser seqüencialmente liberadas pelas forças

israelenses (Nablus, Jenin, Tulkaren, Qalqilya, Ramallah e Bethlehem),

sobre as quais a Autoridade Palestina exerceria governo exclusivo, com

controle sobre a segurança interna e assuntos civis;

B cerca de 23 por cento do território, parcialmente controlados pela

Autoridade Palestina, que ficaria responsável por algumas funções

municipais, ao passo que a segurança interna seria exercida conjuntamente

com Israel;

C cerca de 73 por cento do território, sob controle total de Israel, incluindo

os assentamentos e os novos bairros judeus construídos dentro e em torno

de Jerusalém oriental.

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Dessa forma, erguia-se uma “matriz de controle” (HALPER, apud SAID: 2000, p. 38)

em torno dos palestinos, cujos territórios descontínuos e, ao contrário dos israelenses,

sem garantia de livre passagem entre eles, ficavam também privados de qualquer

fronteira com outros países que não Israel: afora as patrulhas conjuntas, Israel

conservaria em suas mãos a segurança de fato da área A, dominaria toda a área C e

controlaria todo movimento de entrada e saída das principais cidades palestinas da

Cisjordânia, que teoricamente ficariam sob poder da Autoridade Palestina após a

retirada das tropas israelenses.

Ao invés de exigir de Israel a retirada completa de suas forças dos territórios ocupados

ou, ao menos, o cumprimento do que fora estipulado nos acordos anteriores, a

Autoridade Palestina concordou em abrir mão da maior parte da Cisjordânia e da

possibilidade de impedir a expansão dos assentamentos, aceitando, assim, as

reivindicações israelenses de soberania sobre esses territórios e a alegação de que sua

presença maciça e seus investimentos na área C legitimavam tais reivindicações

(PACHECO: 2000, p. 188-191).

Com base em tal concessão, o Acordo de Taba reapresentou todos os pontos

anteriormente discutidos – relações econômicas, transferência de autoridade, assuntos

legais, segurança e ordem pública, etc. –, ampliando-os ou alterando-os sempre

conforme à disposição israelense de cumprir ou adiar os compromissos assumidos de

acordo com seu interesse exclusivo. No que diz respeito, por exemplo, ao planejamento

para a retirada das forças israelenses, já acordado na Declaração de Princípios (artigos

XIII, XIV e anexo I) e detalhado no Acordo do Cairo (artigo II e anexo I), o novo

acordo estipulou que a redisposição das tropas deveria então começar 10 dias após a

assinatura deste:

The first phase of Israeli military forces redeployment will commence 10 days after the signing of this Agreement. The Israeli Government intends to complete the first phase of redeployment in all areas but the city of Hebron by the end of December 1995, in which redeployment will be completed by six months after the signing of this Agreement. Within two weeks of the signing of this Agreement, the two sides will

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decide on a precise redeployment schedule on a district-by-district basis.28 (Anexo 1, artigo XIV, apêndice 1, item A.)

Contudo, determinou também que redisposições adicionais das forças israelenses para

posições militares específicas seriam gradualmente implementadas em três fases, em

intervalos de seis meses, começando a primeira fase seis meses depois da eleição do

Conselho, inicialmente marcada para nove meses após a entrada em vigor da

Declaração de Princípios (artigo III desta), mas, até aquele momento, ainda sem data

específica para acontecer; o que, na prática, adiava o prazo para a implementação da

retirada israelense por pelo menos dois anos (SAID: 2003, p. 15).

The further redeployments of Israeli military forces to specified military locations will be gradually implemented in accordance with the DOP [Declaration of Principles] in three phases, each to take place after an interval of six months, after the inauguration of the Council, to be completed within 18 months from the date of the inauguration of the Council.29 (Artigo XI, § 2, item d.)

As questões cruciais da agenda de negociações do processo de Oslo – definição de

fronteiras, refugiados, assentamentos e colonos israelenses, o status de Jerusalém e de

uma futura entidade palestina – foram igualmente adiadas, mais uma vez, de maneira

que os palestinos não garantiram, de forma alguma, sua soberania ou o controle sobre as

fronteiras, a água e sobre a segurança geral dos territórios como um todo. Ao contrário,

o que os palestinos conseguiram com Oslo II foi uma série de poderes civis e

responsabilidades municipais, em cantões isolados entre si e controlados de fora por

Israel, que, de sua parte, conseguia novamente prolongar sua permanência nos

territórios ocupados e, conseqüentemente, seu controle sobre a população palestina.

28 “A primeira fase do desdobramento das forças militares israelenses começará 10 dias após a assinatura desse Acordo. O governo israelense tenciona completar a primeira fase do desdobramento em todas as áreas em fins de dezembro de 1995, excetuada a cidade de Hebron, onde o desdobramento será completado seis meses após a assinatura desse Acordo. Dentro de duas semanas a contar da assinatura desse Acordo, os dois lados decidirão sobre um plano de desdobramento preciso, distrito por distrito.” (Tradução livre da autora.) 29 “Os desdobramentos ulteriores de forças militares israelenses para posições militares especificadas serão gradualmente implementados, de acordo com a Declaração de Princípios, em três fases, cada uma a se realizar após um intervalo de seis meses, depois da inauguração do Conselho, a serem completados dentro de 18 meses a partir da data da inauguração do Conselho.” (Tradução livre da autora.)

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4.4. O Protocolo de Hebron

Assinado em 17 de janeiro de 1997, o Protocolo de Hebron foi, na verdade, um adendo

ao Acordo de Taba, na parte referente à exceção feita, naquela ocasião, à cidade de

Hebron, que não fora incluída entre as cidades palestinas da Cisjordânia de onde as

forças israelenses deveriam se retirar. De acordo com Oslo II (Anexo I, artigo VII):

1. a. There will be a redeployment of Israeli military forces in the city of Hebron except for places and roads where arrangements are necessary for the security and protection of Israelis and their movements. The areas of such redeployment are delineated by red and blue lines and shaded in orange stripes on a yellow background on attached map30 No. 9 (hereinafter “Area H-l”). b. This redeployment will be completed not later than six months after the signing of this Agreement.31 (Grifos nossos.)

Não obstante o descumprimento da previsão inicial, o Protocolo de Hebron manteve a

divisão dessa cidade conforme ao princípio estabelecido pelo Acordo de Taba de

“salvaguardar sua [dos israelenses] segurança interna e ordem pública” (anexo 1, artigo

VII, § 3), sob as mesmas cláusulas restritivas quanto à divisão de poderes e

responsabilidades:

1. The Palestinian Police will assume responsibilities in Area H-1 similar to those in other cities in the West Bank; and 2. Israel will retain all powers and responsibilities for internal security and public order in Area H-2. In addition, Israel will continue to carry the responsibility for overall security of Israelis.32 (Protocolo de Hebron, § 2, item a.)

30 O mapa que ilustra esse acordo, à página seguinte, não indica o movimento das forças israelenses, mas apenas a divisão da cidade em duas áreas, H-1 e H-2, conforme delimitadas pelo protocolo. 31 “1. a. Haverá um desdobramento de forças militares israelenses na cidade de Hebron, à exceção de lugares e estradas onde ajustes são necessários para a segurança e proteção de israelenses e seus deslocamentos. As áreas de tal desdobramento estão delineadas em vermelho e azul e sombreadas de listras laranja sobre um fundo amarelo no anexo mapa n. 9. b. Esse desdobramento será completado, no mais tardar, até seis meses após a assinatura desse Acordo.” (Tradução livre da autora.) 32 “1. A polícia palestina assumirá responsabilidades na Área H-1 similares àquelas em outras cidades na Cisjordânia; e 2. Israel conservará todos os poderes e responsabilidades pela segurança interna e ordem pública na Área H-2. Em aditamento, Israel continuará arcando com a responsabilidade pela segurança total dos israelenses.” (Tadução livre da autora.)

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Vinte por cento da cidade, correspondentes ao centro comercial, ficariam sob o controle

de cerca de 400 colonos israelenses, cercados e guarnecidos pelo exército de Israel,

enquanto aos 120 mil habitantes palestinos (SAID: 2000, p. 36) garantir-se-ia o direito

de administrar assuntos civis (saneamento, saúde, educação, segurança local, etc.) na

área colocada sob jurisdição da Autoridade Palestina – oitenta por cento do território da

cidade. Os palestinos residentes na área H-2, separados dos seus, ficariam subordinados

ao controle militar de Israel, ao passo que os cidadãos israelenses continuariam gozando

de todos os direitos e privilégios garantidos pela lei de seu Estado. Mas, apesar dessa

segregação civil e da partilha física da cidade, segundo os termos do protocolo, Hebron

deveria continuar como uma unidade indivisível, sem perturbação do movimento

“normal” de pessoas e mercadorias.

Both sides reiterate their commitment to the unity of the City of Hebron, and their understanding that the division of security responsibility will not divide the city. In this context, and without derogating from the security powers and responsibilities of either side, both sides share the mutual goal that movement of people, goods and vehicles within and in and out of the city will be smooth and normal, without obstacles or barriers.33 (Protocolo de Hebron, § 9.)

Uma análise do mapa da divisão da cidade revela, entretanto, que a parte sob jurisdição

palestina era, além do mais, entrecortada por estradas e passagens secundárias, que

servem aos assentamentos israelenses e sobre as quais a Autoridade Palestina não tem

qualquer poder legal. Essas vias, que se estendem por toda a Cisjordânia, formam

“fossos” estrategicamente posicionados em torno de áreas povoadas e áreas agrícolas

palestinas, eliminando, assim, qualquer aparência de contigüidade entre os territórios

(PACHECO: 2000, p.192-193). Nenhuma compensação foi estipulada em troca das

terras expropriadas para a construção desse sistema de estradas, que foi edificado com o

aval da Autoridade Palestina, como parte do Acordo de Taba, para supostamente

facilitar a retirada das forças de Israel e a entrada da Autoridade Palestina nos territórios

33 “Ambos os lados reiteram seu compromisso com a unidade da cidade de Hebron e seu entendimento de que a divisão de responsabilidade sobre a segurança não dividirá a cidade. Nesse contexto, e sem derrogar os poderes de segurança de um e outro, ambos os lados compartilham o mútuo objetivo de que o movimento de pessoas, mercadorias e veículos no interior, para dentro e para fora da cidade será tranqüilo e normal, sem obstáculos ou barreiras.” (Tradução livre da autora.)

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de sua jurisdição. Pelo contrário, Israel obteve o respaldo necessário para confiscar

largas porções de terra palestina sem o devido ressarcimento de seus proprietários.

When some Palestinians landowners petitioned the Israeli occupation authorities and courts against the widescale land confiscation, the government argued that the PA had consented to the roads through the Oslo agreements and that this effectively barred private landowners from contesting the confiscations. Attempts to obtain official cooperation from the PA in the High Court petitions were in vain.34 (PACHECO: 2000, p. 193.)

A assinatura do Protocolo de Hebron implicava uma nova jurisprudência na questão dos

territórios ocupados por Israel, uma vez que a divisão da cidade criava um precedente

no processo de paz para que Israel legitimasse sua reivindicação de soberania em todos

os assentamentos, estendendo seu alcance por toda a Cisjordânia.

Em troca de sua concordância, os palestinos obtiveram garantias indiretas dos Estados

Unidos para adoção de um suposto cronograma visando uma nova retirada de Israel da

área B e, mesmo, da área C, durante os 18 meses seguintes, sem que a extensão dessa

retirada fosse, contudo, precisada (CORM: 2006, p. 728).

(...) I have advised Chairman Arafat of U.S. views on Israel's process of redeploying its forces, designating specified military locations and transferring additional powers and responsibilities to the Palestinian Authority. In this regard, I have conveyed our belief, that the first phase of further redeployments should take place as soon as possible, and that all three phases of the further redeployments should be completed within twelve months from the implementation of the first phase of the further redeployments but not later than mid-1998.35 (Carta do secretário de Estado norte-americano, Warren Cristopher, ao premier israelense, Benjamin Netanyahu, apresentada na ocasião da assinatura do protocolo de Hebron, em 17 de janeiro de 1997.)

34 “Quando alguns proprietários de terra palestinos requereram às autoridades ocupantes e cortes israelenses contra a confiscação de terra em larga escala, o governo argumentou que a Autoridade Palestina havia consentido com as estradas através dos acordos de Oslo e que isso efetivamente impedia proprietários de terra privados de contestar contra as confiscações. Tentativas de obter cooperação oficial da AP na Corte Suprema de apelações foram em vão.” (Tradução livre da autora.) 35 “(...) Eu dei ciência ao presidente Arafat das opiniões dos Estados Unidos sobre o processo de desdobramento por Israel de suas forças militares, designando posições militares especificadas e transferindo poderes e responsabilidades adicionais para a Autoridade Palestina. A esse respeito, eu expressei nossa convicção de que a primeira fase de desdobramentos adicionais deve ter lugar o mais rápido possível e que todas as três fases dos desdobramentos adicionais devem ser completadas dentro de 12 meses a partir da implementação da primeira fase dos desdobramentos adicionais, mas não mais tarde do que meados de 1998.” (Tradução livre da autora.)

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4.5. Os Memorandos de Wye River & de Sharm el-Sheikh

Após a assinatura do Protocolo de Hebron, o processo de paz entrou em uma nova fase

de estagnação, devida, notadamente, à inflexibilidade do governo de Benjamin

Netanyahu, do Likud, em relação às questões de segurança, condicionando qualquer

avanço nas negociações – isto é, as retiradas adicionais estipuladas nos acordos

anteriores e até então proteladas – às medidas que a Autoridade Palestina deveria tomar

para garantir a ordem e fazer cessar quaisquer atos de violência.

Apenas em outubro de 1998, mais de um ano e meio depois da assinatura do último

acordo e somente após o arrefecimento do impacto causado pelo escândalo Mônica

Lewinsky, a diplomacia americana logrou retomar as negociações, com a subscrição do

Memorando de Wye River, no dia 23.

O novo documento visava facilitar a implementação de tudo o que fora acordado

anteriormente, a fim de que israelenses e palestinos pudessem “executar mais

eficazmente suas responsabilidades recíprocas, incluindo aquelas relacionadas a

retiradas adicionais e segurança, respectivamente”. Quanto a Israel, Wye River

determinava que:

1. Pursuant to the Interim Agreement and subsequent agreements, the Israeli side’s implementation of the first and second F.D.R. [further redeployments] will consist of 13% from Area C as follows: 1% to Area (A); 12% to Area (B). (...) 2. As part of the foregoing implementation of the first and second F.R.D., 14.2% from Area (B) will become Area (A).36 (Item I-A.)

Embora dessa vez a extensão da retirada das tropas israelenses tenha sido especificada,

a definição sobre que partes da Cisjordânia seriam liberadas continuava em aberto, da

mesma forma que a terceira fase das retiradas, prevista no Acordo Provisório de 28 de

setembro de 1995, era submetida a um “comitê para tratar dessa questão” (item I-B); o

que significava dizer que qualquer retirada além daqueles treze por cento dependeria da

36 “De conformidade com o Acordo Provisório e acordos subseqüentes, a implementação da primeira e segunda fase de redisposições adicionais, pela parte israelense, consistirá de 13% da Área C, como segue: 1% para Área (A); 12% para Área (B) (...) 2. Como parte da precedente implementação da primeira e segunda redisposições adicionais, 14.2% da Área (B) tornar-se-ão Área (A).” (Tradução livre da autora.)

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O Caminho para Oslo

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boa execução das medidas de segurança confiadas à Autoridade Palestina e, por

extensão, da interpretação unilateral de Israel sobre que partes evacuar, se e quando.

Demais, o Memorando de Wye River desdobra-se em uma série de determinações sobre

segurança imputadas sobretudo aos palestinos, como parte de um esforço conjunto para

combater a violência, proscrever o terrorismo e prevenir atos hostis.

Both sides recognize that it is in their vital interests to combat terrorism and fight violence in accordance with Annex I of the Interim Agreement and the Note for the Record. They also recognize that the struggle against terror and violence must be comprehensive in that it deals with terrorists, the terror support structure, and the environment conductive to the support of terror. It must be continuous and constant over a long-term, in that there can be no pauses in the work against terrorists and their structure. It must be cooperative in that no effort can be fully effective without Israeli-Palestinian cooperation and the continuous exchange of information, concepts, and actions.37 (Item II.)

A criação de um comitê trilateral, envolvendo as duas partes em conjunto com os

Estados Unidos, para “avaliar ameaças correntes, lidar com quaisquer impedimentos à

efetiva cooperação e coordenação em segurança e tratar dos passos tomados para

combater o terror e as organizações terroristas” (item II-B, § 3), seguiu também o

mesmo raciocínio estratégico calcado prioritariamente na preocupação com a segurança.

Efetivamente, ao aceitar esse concerto, comprometendo-se a “informar detalhadamente

os membros do comitê sobre os resultados de suas investigações” – sem reciprocidade

dos outros membros –, a Autoridade Palestina não apenas aceitava, mais uma vez, as

medidas de segurança exigidas por Israel, como também permitia que os serviços de

inteligência norte-americanos e israelenses se imiscuíssem nos territórios palestinos

autônomos (CORM: 2006, p. 736), colocando-se, assim, aos olhos da própria população

palestina, como garante e executor das medidas de repressão contra todo tipo de

oposição ao processo de paz.

37 “Ambos os lados reconhecem que é de seu interesse vital combater o terrorismo e lutar contra a violência, de acordo com o Anexo I do Acordo Provisório e a Nota para Registro. Também reconhecem que o esforço contra o terrorismo e a violência deve ser amplo para lidar com terroristas, a estrutura de apoio ao terror e o ambiente conducente ao apoio ao terror. Ele deve ser contínuo e constante a longo-prazo, para que não haja interrupções na ação contra os terroristas e sua estrutura. Ele deve ser cooperativo, de vez que nenhum esforço pode ser efetivo sem a cooperação israelo-palestina e a troca contínua de informação, conceitos e ações.” (Tradução livre da autora.)

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O Caminho para Oslo

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O Caminho para Oslo

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Em última análise, o Memorando de Wye River, de 23 de outubro de 1998, deveria,

enfim, pôr em andamento as negociações sobre o estatuo final, já que o prazo de cinco

anos estabelecido pela Declaração de Princípios para o período provisório esgotar-se-ia

em maio do ano seguinte. Isso não impediu, contudo, que Israel descumprisse

novamente os prazos para retirada de suas tropas, detalhados no cronograma anexo ao

memorando, não obstante o fracionamento deste em quatro etapas, sendo que a última

etapa (após a décima segunda semana da entrada em vigor do memorando) não tinha

prazo para conclusão.

Wye River definiu uma retirada adicional das forças israelenses de treze por cento da

Cisjordânia, porém, Israel suspendeu a implementação das cláusulas do acordo após

retirar-se de apenas dois por cento daquele território. Um novo acordo fez-se, então,

necessário, para implementar as cláusulas pendentes – não apenas daquele memorando,

mas, de maneira geral, de todos os acordos anteriores – e para retomar, ou melhor, dar

início às negociações sobre o acordo final.

Nesse sentido, o Memorando de Sharm El-Sheikh, de 4 de setembro de 1999, ratificava

as estipulações feitas no último acordo, alterando o cronograma de execução das fases

um e dois das retiradas adicionais a serem cumpridas por Israel.

The Israeli Side undertakes the following with regard to Phase One and Phase Two of the Further Redeployments: a. On September 5, 1999, to transfer 7% from Area C to Area B; b. On November 15, 1999, to transfer 2% from Area B to Area A and

3% from Area C to Area B; c. On January 20, 2000, to transfer 1% from Area C to Area A, and

5.1% from Area B to Area A.38 (Memorando de Sharm el-Sheikh, § 2.)

38 “O lado israelense encarrega-se do seguinte, com relação à fase um e fase dois das redisposições adicionais: a. em 5 de setembro de 1999, transferir 7% da Área C para Área B; b. em 15 de novembro de 1999, transferir 2% da Área B para Área A e 3% da Área C para Área B; c. em 20 de janeiro de 2000, transferir 1% da Área C para Área A e 5.1% da Área B para Área A.” (Tradução livre da autora.)

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O Caminho para Oslo

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Em comparação com o memorando anterior, a transferência de território sob controle

israelense (área C) para a jurisdição palestina (área A) mantinha-se a mesma, um por

cento do território da Cisjordânia. Contudo, o percentual de território da área B que

também deveria passar para a jurisdição palestina caía de 14.2 por cento para 7.1 por

cento, metade do previsto no Memorando de Wye River. Portanto, os palestinos

incorporariam apenas 8.1 por cento a mais aos territórios sob sua jurisdição, e não mais

15.2 por cento, conforme resultaria do cronograma anterior. No final das contas, Israel

continuaria com 60 por cento dos territórios ocupados sob seu controle exclusivo,

abrindo mão apenas dos mesmos 13 por cento determinados em Wye River e

conseguindo, ainda, diminuir o total dos territórios que efetivamente passariam para a

jurisdição palestina exclusiva (área A) – conforme dito acima. E note-se bem que Israel

abriria mão, de fato, de apenas um por cento da área sob seu controle (área C); pois os

demais 12 por cento passariam a área de controle conjunto com os palestinos (área B).

Quanto à segurança, Sharm el-Sheikh reiterava a necessidade de medidas tendentes a

controlar “qualquer incidente envolvendo uma ameaça ou ato de terror, violência ou

incitamento” que ameaçasse a ordem geral e o andamento das negociações, conforme

sobressai do § 8 do memorando:

a. The two Sides will, in accordance with the prior agreements, act to ensure the immediate, efficient and effective handling of any incident involving a threat or act of terrorism, violence or incitement, whether committed by Palestinians or Israelis. To this end, they will cooperate in the exchange of information and coordinate policies and activities. Each side shall immediately and effectively respond to the occurrence or anticipated occurrence of an act of terrorism, violence or incitement and shall take all necessary measures to prevent such an occurrence; b. Pursuant to the prior agreements, the Palestinian side undertakes to implement its responsibilities for security, security cooperation, on-going obligations and other issues emanating from the prior agreements, including, in particular, the following obligations emanating from the Wye River Memorandum: 1. continuation of the program for the collection of the illegal

weapons, including reports; 2. apprehension of suspects, including reports; 3. forwarding of the list of Palestinian policemen to the Israeli Side

not later than September 13, 1999;

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O Caminho para Oslo

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4. beginning of the review of the list by the Monitoring and Steering Committee not later than October 15, 1999. 39

39 “a. Os dois lados agirão, conforme os acordos anteriores, para garantir o imediato e eficiente manejo de qualquer incidente envolvendo uma ameaça ou ato de terrorismo, violência ou incitamento, seja cometido por palestinos ou israelenses. Para esse fim, eles cooperarão na troca de informação e em políticas e atividades coordenadas. Cada lado responderá imediatamente à ocorrência ou ocorrência prevista de um ato de terrorismo, violência ou incitamento e tomará todas as medidas necessárias para prevenir tal ocorrência. b. Conforme os acordos anteriores, o lado palestino compromete-se a cumprir suas responsabilidades pela segurança, cooperação em segurança, obrigações correntes e outras questões procedentes dos acordos anteriores, incluindo, em particular, as seguintes obrigações decorrentes do Memorando de Wye River: 1. continuação do programa para apreensão de armas ilegais, incluindo relatórios; 2. prisão de suspeitos, incluindo relatórios; 3. expedição da lista de policiais palestinos para o lado israelense o mais tardar em 13 de setembro de 1999; 4. início da revisão da lista pelo Comitê de Monitorização e Direção o mais tardar em 15 de outubro de 1999.” (Tradução livre da autora.)

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O fim do processo de Oslo

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O FIM DO PROCESSO DE PAZ DE OSLO

As negociações sobre o estatuo final deveriam ter começado em meados de 1996, mas

só entraram em cena em julho de 2000, durante a Cúpula de Camp David, e após o mau

êxito alcançado pela tentativa precedente, o Memorando de Sharm el-Sheikh, do ano

anterior, bem como de todos os acordos anteriores, através dos quais teria sido

concedido à Autoridade Palestina o controle direto ou parcial sobre cerca de 40 por

cento da Cisjordânia e 65 por cento da Faixa de gaza, por meio de uma série de retiradas

parciais de Israel, penosamente negociadas.

Até a Cúpula de Camp David, Israel vinha se recusando a comprometer-se com

quaisquer das principais demandas nacionais palestinas – primordialmente, a liberação

dos territórios ocupados, o fim dos assentamentos, o retorno dos refugiados e o status de

Jerusalém – que visavam à criação de um Estado independente. Os palestinos, por sua

vez, fizeram grandes concessões às demandas de Israel já no início do processo de Oslo:

reconheceram o direito desse Estado sobre 78 por cento da Palestina mandatária e

concordaram em abandonar a luta armada. Em contrapartida, os palestinos esperavam

que Israel assumisse alguma responsabilidade pela questão dos refugiados e

reconhecesse também o direito palestino a um Estado soberano nos 22 por cento

restantes daquele território – Faixa de Gaza e Cisjordânia, incluindo Jerusalém oriental

–, conforme determinava o plano de partilha traçado pela Resolução N. 181, do

Conselho de Segurança da ONU. Entretanto, com o respaldo norte-americano, Israel

recusou-se sistematicamente a codificar, nos acordos, qualquer garantia às expectativas

palestinas.

1. O FRACASSO DA CÚPULA DE CAMP DAVID

Durante a Cúpula de Camp David, houve, portanto, pouca disputa sobre a criação de um

Estado palestino; a verdadeira discussão só podia girar em torno do nível de controle

que Israel exerceria sobre os territórios palestinos e sua limitada autonomia, bem como

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O fim do processo de Oslo

109

sobre a resolução das questões cruciais sobre os assentamentos, os refugiados e a cidade

de Jerusalém. Israel chegava a Camp David com um grande poder de barganha sobre os

palestinos, pois detinha todos os trunfos daquelas questões sob seu controle, já que

havia transgredido as cláusulas do Acordo Provisório1 que impediam a criação de fatos

novos, no campo prático, que favorecessem a uma das partes na fase final de

negociações.

From 1992 to 1996, when the Labor-Meretz2 government was in office, the West Bank settler population expanded by 39 percent to 145.000. Only 16 percent of this growth was due to natural increase. The government constructed a vast network of bypass roads to provide easy access to the settlements preparing the way for annexing several large settlement blocs. In East Jerusalem, the Jewish population grew by 25.000 to over 170.000, and the government authorized completion of 10.000 subsidized housing units began under the previus Likud regime. In violation of international law and Oslo’s principles Yitzhak Rabin and Shimon Peres reaffirmed Israel’s annexation of East Jerusalem.3 (BEININ: 1999.)

Israel é o poder econômico e militar dominante no Oriente Médio e, além do mais, seu

poder é realçado por sua aliança com os Estados Unidos. De fato, após sete anos de

negociações, o balanço de poder continuava a seu favor. Os compromissos palestinos –

renúncia à violência e reconhecimento total de Israel – foram consignados na troca de

correspondência entre Arafat e Rabin, antes mesmo da assinatura da Declaração de

1 Segundo o artigo XXXI, §§ 7 e 8, do Acordo Provisório: “Neither side shall initiate or take any step that will change the status of the West Bank and the Gaza Strip pending the outcome of the permanent status negotiations. The two Parties view the West Bank and the Gaza Strip as a single territorial unit, the integrity and status of which will be preserved during the interim period.” / “Nenhum lado iniciará ou dará qualquer passo que mude o status da Cisjordânia e da Faixa de Gaza até as negociações sobre o status permanente. Os dois lados vêem a Cisjordânia e a Faixa de Gaza como uma única unidade territorial, cuja integridade e status serão preservados durante o período provisório.” (Tradução livre da autora.) 2 Partido de extrema-esquerda, formado nos anos 1990, pela união de três facções menores: o movimento Shulamit Aloni de direitos humano; o partido liberal radical Shinui (“mudança”); e o partido socialista Mapam (“Partido dos Trabalhadores Unidos”) Meretz significa “energia” em hebraico, mas também é um acrônimo das três facções de que o partido era composto (PAPPE: 2004, p. 224). 3 “De 1992 a 1996, quando o governo Trabalhista-Merezt3 estava no comando, a população de colonos da Cisjordânia cresceu em 39 por cento, para 145 mil. Apenas 16 por cento desse aumento deveu-se a crescimento natural. O governo construiu uma vasta rede de estradas secundárias para promover acesso fácil aos assentamentos, preparando o caminho para anexar vários blocos extensos de assentamentos. Em Jerusalém oriental, a população judaica aumentou de 22 mil para mais de 170 mil e o governo autorizou a conclusão de 10 mil construções subsidiadas de casas, iniciadas sob o regime anterior do Likud. Em violação à lei internacional e aos princípios de Oslo, Rabin e Shimon Peres reafirmaram a anexação de Jerusalém oriental a Israel.” (Tradução livre da autora.)

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O fim do processo de Oslo

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Princípios; ao passo que Israel fez suas concessões – fim da ocupação militar,

transferência de poderes e autonomia civil – gradualmente e de forma incompleta,

sempre sujeitas à sua interpretação unilateral. Durante o período provisório do processo

de Oslo, as diferenças entre as partes foram repetidamente resolvidas por imposição

categórica de Israel – ou dos Estados Unidos –, seguida de queixas palestinas, mas

invariavelmente acatada pela Autoridade Palestina, como foi o caso notório do

Protocolo de Hebron.

Under pressure from the Palestinians residents of Hebron not to sign an agreement that would give 450 Israeli settlers encamped in the center of town separate rights and an army to guard them, Yasir Araft theatrically pulled out of his eleventh-hour meeting with Shimon Peres. “We are not slaves!” Arafat shouted. Moments latter he was reached on the telephone by Dennis Ross, the U.S. State Departament’s “coordinator” in charge of the Middle East peace process. “If you don’t sign now,” Ross was reported to have said, “you don’t get the $ 100 million” – a reference to America’s early pledge toward Palestinian development projects in the West Bank.4 (SAID: 1996, p. 147.)

Parte da resignação palestina aos termos impostos por Israel e Estados Unidos

certamente foi devida à sua posição como o pólo mais fraco na disputa com aquele

poderoso Estado e seu aliado histórico, para os quais pendia o equilíbrio de poder em

toda essa questão. Outra parte decorreu, ainda, da falta de qualquer mecanismo de

compensação para esse desequilíbrio fundamental, no que diz respeito à forma como

deveriam ser resolvidas as disputas suscitadas ao longo do processo de paz e as

infrações cometidas. Segundo os acordos, as diferenças que não fossem resolvidas pelo

Comitê Conjunto Israelo-Palestino poderiam ser decididas “por um mecanismo de

conciliação a ser combinado entre as partes” (Declaração de Princípios, artigos X e XV;

Acordo Provisório, artigo XXI) ou por arbitragem, se o primeiro recurso falhasse, mas,

em nenhum dos casos, pelo uso de sanções.

4 “Sob pressão dos residentes palestinos de Hebron para não assinar um acordo que daria a 450 colonos israelenses, encampados no centro da cidade, direitos separados e um exército para guardá-los, Yasser Arafat teatralmente saiu de sua reunião de 11 horas com Shimon Peres. ‘We are not slaves!’, gritou Arafat. Momentos depois, ele foi contatado, pelo telefone, por Dennis Ross, ‘coordenador’ do Departamento de Estado dos Estados Unidos, encarregado do processo de paz do Oriente Médio. ‘Se você não assinar agora’, Ross teria dito, ‘você não recebe os $ 100 milhões’ – uma referência à caução anual dos Estados Unidos para projetos palestinos de desenvolvimento na Cisjordânia.” (Tradução livre da autora.)

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O fim do processo de Oslo

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Contudo, o desequilíbrio de poder entre as partes não explica, por si só, a atitude

resignada dos negociadores palestinos na assinatura dos sucessivos acordos. É preciso

compreender o dilema em que se encontravam as lideranças palestinas à frente do

processo de Oslo para entender como essas negociações puderam se estender, durante

sete anos, até o fracasso da Cúpula de Camp David.

Foi dito no capítulo anterior que, quando os Estados Unidos acenaram com a

possibilidade de um processo de paz na região do Oriente Médio, entre os países árabes

e Israel e entre este os palestinos, não apenas o cenário internacional apresentava-se

propício para iniciativas que tais, como a OLP encontrava-se enfraquecida, pelo

resultado de uma série de eventos desfavoráveis. A genialidade da mediação norte-

americana foi oferecer a uma organização falida, cindida e isolada a oportunidade de

escolher entre a marginalidade completa e a chance de participar de um processo de paz

que a colocaria como autoridade municipal em uma parcela dos territórios ocupados,

com sua própria força policial e autonomia para assumir algumas responsabilidades

civis. Depois de conseguir forjar uma unidade entre os palestinos da diáspora, os dos

territórios ocupados e os cidadãos de Israel (SAID: 1996, p. 156), e depois de alcançar o

reconhecimento internacional, a OLP, ao assinar a Declaração de Princípios,

indiretamente aceitava transformar os territórios ocupados em territórios em disputa,

aceitando, assim, colocar em discussão o direito palestino à soberania dos mesmos e o

direito de retorno dos refugiados à Palestina, na esperança de que, ao final de todo o

processo, Israel liberasse boa parte da Palestina ocupada em 1967 e reconhecesse um

Estado palestino soberano e igual.

Abrindo mão dos princípios estabelecidos pela lei internacional, Arafat aceitou o

simples reconhecimento nominal das resoluções 242 e 338 das Nações Unidas, que

exigiam a retirada de Israel dos territórios ocupados até as linhas anteriores a 1967, e

deixou que outras resoluções – reconhecendo o direito palestino a um Estado,

censurando as anexações irregulares em Jerusalém oriental, afirmando o direito de

retorno dos refugiados e condenando ações ilegais de Israel na Cisjordânia e na Faixa de

Gaza – fossem ignoradas, assim como a própria Autoridade Palestina concorreu para a

violação desses princípios relevantes do direito internacional.

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O fim do processo de Oslo

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Até a Cúpula de Camp David, a oposição palestina aos acordos fora controlada pelo

recurso a duras medidas de segurança, tribunais militares, julgamentos sumários,

perseguições, torturas e outras táticas repressivas adotadas pela Autoridade Palestina

contra a população, com o pretexto de manter a ordem interna nos territórios e evitar

que atos hostis contra Israel pudessem prejudicar a evolução do processo de paz, mas

visando também preservar sua própria autoridade, desgastada pelas denúncias de

corrupção alimentadas pela falta de transparência e autoritarismo de sua administração.

Having effectively dismembered the PLO – the only organization that Palestinians throughout the Diaspora have had to represent their national aspirations – Arafat now surrounds himself with a formidable network of hangers-on, sycophants commission agents, spies, and informers (...) The total number of people employed directly by Arafat for the PA is estimated at 48.000; this includes the 19.000 polices plus about 29.000 members of the civil administration. Whatever money Arafat gets from donors (about $ 10 million a month), local taxes and taxes collected for him by the Israelis (a total of nearly $ 30 million a month) is all he has to spend. Little is left over for improving sewage, health services, or employment.5 (SAID: 1996, p. 157-158.)

A Autoridade Palestina, sob a liderança de Arafat, colocava-se, assim, em uma situação

difícil de sustentar: sob pressão de Israel e dos Estados Unidos, via-se forçada a entrar

numa lógica exclusivamente securitária, que assegurava seu poder local, mas, por outro

lado, a impelida a tomar medidas que diminuíam seu apoio popular. À media que se

aproximavam as negociações sobre o status final, tornava-se mais patente aos olhos

dessa população que as promessas feitas por seus líderes dificilmente seriam cumpridas.

A margem de manobra para os negociadores palestinos no campo doméstico era,

portanto, inversamente proporcional ao poder de barganha de Israel em Camp David.

Para a Autoridade Palestina, a cúpula era uma armadilha e um dilema: enquanto Israel

detinha o poder e o respaldo norte-americano para ditar os termos de um acordo final,

5 “Tendo efetivamente desmantelado a OLP – a única organização que os palestinos de toda a diáspora tinham para representar suas aspirações nacionais – Arafat agora cerca a si mesmo com uma formidável rede de sequazes, bajuladores, agentes comissionados, espiões e informantes (...) O número total de pessoas empregadas diretamente por Arafat para a AP é estimado em 48.000; isso inclui os 19.000 policiais, mais cerca de 29.000 membros da administração civil. Todo o dinheiro que Arafat recebe de doadores (cerca de $ 10 milhões por mês), impostos locais e impostos recolhidos para ele pelos israelenses (um total próximo a $ 30 milhões por mês) é tudo o que ele tem para gastar. Pouco é deixado para melhorar o saneamento, os serviços de saúde ou emprego.” (Tradução livre da autora.)

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O fim do processo de Oslo

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Arafat não poderia continuar satisfazendo as demandas israelenses sem pôr em xeque a

legitimidade de sua própria liderança (NORMAND: 2000); assinar ou não o acordo

significava escolher entre a perda de sua legitimidade perante os palestinos – pela

aceitação de um acordo que repudiava suas principais demandas – ou a perda do

reconhecimento norte-americano e um provável retorno à condição de marginalidade no

meio internacional – optando pela continuação da resistência.

Em ambos os cenários, as perspectivas não eram boas para os palestinos. Entretanto,

diante das ofertas – supostamente vantajosas – feitas por Barak em Camp David, Arafat

não tinha outra escolha senão recusar o acordo.

Ao convite do presidente norte-americano para concluir as negociações sobre o atrasado

acordo final, o primeiro ministro israelense, Ehud Barak, deixou claras suas “linhas

vermelhas”: Israel não retornaria às fronteiras anteriores a 1967; não abriria mão da

soberania exclusiva sobre Jerusalém; e não permitiria o retorno dos refugiados

palestinos, sobre os quais também não assumiria responsabilidades morais ou legais. Na

questão da terra e das fronteiras, os assentamentos menores seriam desfeitos e os

colonos israelenses voltariam a seu país, mas os palestinos deveriam aceitar a anexação,

por Israel, dos principais assentamentos, incluindo uma população de 200 mil colonos

alocados na porção central da Cisjordânia, correspondente a cinco por cento de um

futuro Estado palestino (HALPER: 2001). Israel propunha-se a devolver aos palestinos

entre 90 e 95 por cento daquele território – proposta que foi considerada, por muitos,

como generosa. Mas esse elevado percentual não se referia a toda a Palestina, e sim a 95

por cento dos 22 por cento previstos no plano de partilha da ONU para o Estado

palestino e que foram ocupados por Israel em 1967. Considerando-se, ainda, que desses

22 por cento foram excluídas as áreas colocadas sob controle israelense e as áreas de

reserva natural temporária do vale do rio Jordão, o território da Cisjordânia a ser

devolvido aos palestinos cairia dos 95 por cento oferecidos a pouco mais de 60 por

cento, como bem demonstra o mapa na página seguinte, apresentado por Israel durante a

Cúpula de Camp David.

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O fim do processo de Oslo

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And when we look at that 50-60 percent in terms of former Palestine, it amounts to about 12 percent of the land from wich the Palestinians were driven in 1948. The Israelis talk of “conceding” these territories. But they were taken by conquest and, in a strict sense Brak’s offer would only mean that they were being returned, by no means in their entirety.6 (SAID: 2000, p. 32.)

Mas, se havia alguma chance de aceitação pela Autoridade Palestina dessa divisão

territorial – já esboçada e aprovada nos acordos anteriores –, por outro lado, a distância

entre as duas partes quanto à Jerusalém e ao problema dos refugiados mostrou-se de

difícil conciliação, tornando impossível que se chegasse a um acordo na Cúpula de

Camp David.

Embora ambos tenham aceitado quebrar o tabu sobre o caráter negociável de Jerusalém,

a insistência de Israel em manter sua soberania sobre toda a cidade, inclusive em

Jerusalém oriental, onde alguns bairros árabes seriam colocados sob administração

autônoma dos palestinos, era proposta inaceitável para os palestinos, que esperavam

uma fórmula mínima para administração conjunta e divisão da soberania sobre a cidade

– cujos limites Israel havia expandido (1967) e anexado (1980), para promover

sistematicamente o crescimento de bairros judeus e novos assentamentos, alterando

completamente a geografia e os contornos históricos da cidade escolhida como sua

capital “eterna e indivisível”. Ao invés de desocupar Jerusalém oriental, conforme

estabelece a Resolução N. 242, Israel propunha expandir os limites da cidade para

incluir povoações adjacentes e, então, dividi-la com os Palestinos, que fariam dos novos

bairros incorporados sua capital, chamando-a Jerusalém oriental (BISHARA: 2000).

A mesma tática foi usada para a solução do problema dos refugiados, que também

parecia calculada para servir aos interesses israelenses. Israel propunha-se a fazer uma

“generosa contribuição” para um fundo internacional de compensação para os

refugiados impedidos de voltar – mais de 3.6 milhões, segundo os registros oficiais da

época (BISHARA: 2000) – e concordava com o retorno de outros 100 mil refugiados,

6 “E quando nós olhamos para os 50-60 por cento em relação à antiga Palestina, isso corresponde a cerca de 12 por cento da terra de onde os palestinos foram expulsos em 1948. Os israelenses falam em ‘conceder’ esses territórios. Mas eles foram tomados por conquista e, num sentido exato, a oferta de Barak só poderia significar que eles estavam sendo devolvidos, de maneira alguma em sua totalidade.” (Tradução livre da autora.)

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O fim do processo de Oslo

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sob o título de “reunificação familiar” (BEININ: 2000), repatriados para a Palestina e,

um pequeno número, para Israel. Mas, em hipótese alguma, reconheceria seu papel

ativo na criação do problema dos refugiados palestinos, hoje, a maior e mais antiga

destas populações em todo o mundo (SAID: 2003, p. 361).

Como resultado dessas posições destoantes, as negociações sobre o status permanente

da Palestina na Cúpula de Camp David terminaram em um impasse e não produziram

qualquer acordo sobre as questões postas em discussão, mas tão-somente uma

declaração trilateral, divulgada à imprensa através da Secretaria de Imprensa da Casa

Branca, em 25 de julho de 2000.

Between July 11 and 24, under the auspices of President Clinton, Prime Minister Barak and Chairman Arafat met at Camp David in an effort to reach an agreement on permanent status. While they were not able to bridge the gaps and reach an agreement, their negotiations were unprecedented in both scope and detail. Building on the progress achieved at Camp David, the two leaders agreed on the following principles to guide their negotiations: 1) The two sides agreed that the aim of their negotiations is to put an end to decades of conflict and achieve a just and lasting peace. 2) The two sides commit themselves to continue their efforts to conclude an agreement on all permanent status issues as soon as possible. 3) Both sides agree that negotiations based on UN Security Council Resolutions 242 and 338 are the only way to achieve such an agreement and they undertake to create an environment for negotiations free from pressure, intimidation and threats of violence. 4) The two sides understand the importance of avoiding unilateral actions that prejudge the outcome of negotiations and that their differences will be resolved only by good faith negotiations. 5) Both sides agree that the United States remains a vital partner in the search for peace and will continue to consult closely with President Clinton and Secretary Albright in the period ahead.7

7 “Entre 11 e 24 de julho, sob os auspícios do presidente Clinton, o primeiro-ministro Barak e o presidente Arafat encontraram-se em Camp David, num esforço para alcançar um acordo sobre o status permanente. Embora eles não tenham sido capazes de superar os obstáculos e chegar a um acordo, suas negociações foram sem precedentes tanto em escopo quanto em detalhe. Baseados no progresso atingido em Camp David, os dois líderes concordaram com os seguintes princípios para guiar suas negociações: 1) Os dois lados concordam que o objetivo de suas negociações é pôr fim a décadas de conflito e atingir uma paz justa e duradoura. 2) Os dois lados comprometem-se a continuar seus esforços para concluir um acordo sobre todas as questões do status permanente o mais rápido possível. 3) Os dois lados concordam que negociações baseadas nas Resoluções 242 e 338 do Conselho de Segurança da ONU são o único meio

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O fim do processo de Oslo

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Apesar de afirmar o progresso alcançado pelas negociações empreendidas durante a

cúpula, “sem precedentes em escopo e detalhes”, a declaração não acrescentava

novidades aos termos dos acordos anteriores. O fim primeiro era acabar com o conflito,

mas não através da solução das questões principais, que vêm em segundo lugar, mas,

antes, pela suspensão da guerra de atritos e o controle da violência em campo. A

referência nominal às Resoluções N. 242 e 338 do Conselho de Segurança da ONU era

reiterada, assim como o papel norte-americano como mediador entre as partes. No

entanto, o recurso aos princípios do direito internacional que asseguram os direitos

nacionais palestinos foi omitido, assim como as demais resoluções da ONU – que

também constituem princípios geralmente aceitos em matéria de direito internacional –

e, notadamente, a menção a um futuro Estado palestino independente.

Arafat optou por não assinar um acordo que ele certamente não conseguiria fazer passar

pela aprovação palestina e deixou Camp David com seu prestígio revigorado por não ter

se rendido à pressão israelense e norte-americana. Barak, por sua vez, retornou a Israel

para enfrentar uma crise política em seu governo, atacado por colonos radicais e aliados,

para quem, de fato, ele teria ido muito além do previsto.

2. NOVAS TENTATIVAS DE RETOMAR AS NEGOCIAÇÕES

O fracasso de Camp David foi acompanhado de uma nova explosão de violência,

quando, em 28 de setembro do mesmo ano, a visita de Ariel Sharon à esplanada da

mesquita de Al-Aqsa, cercado de soldados israelenses, provocou outro levante

palestino, duramente repreendido por Israel. As razões da revolta, contudo, eram

anteriores a esse episódio isolado de demonstração de poder. Ela foi uma catarse de

desânimo e raiva contra anos de expropriação, exploração e molestamentos sem fim,

para atingir tal acordo e obrigam-se a criar um ambiente para negociações livre de pressão, intimidação ou ameaças de violência. 4) Os dois lados entendem a importância de evitar ações unilaterais que prejulguem o resultado das negociações e que suas diferenças serão resolvidas apenas por negociações de boa-fé. 5) Ambos os lados concordam que os Estados Unidos continuam como um parceiro vital na busca pela paz e continuarão a aconselhar-se junto ao presidente Clinton e à secretária Albright no período adiante.” (Tradução livre da autora.)

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O fim do processo de Oslo

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alimentados por uma crescente frustração com um processo de paz que não teve êxito

em pôr fim à prolongada ocupação israelense.

Como resultado, recomeçaram os confrontos entre palestinos e israelenses e,

conseqüentemente, boa parte da Faixa de Gaza e da Cisjordânia voltaram ao controle de

Israel. Porém, mesmo antes da eclosão dessa revolta, tornara-se claro para muitos

palestinos e israelenses que os acordos de paz da década anterior estavam condenados a

falhar: uns identificavam o processo de Oslo como mais uma forma de ocupação e

outros acreditavam que ele não garantia sua segurança (PAPPE: 2004, p. 254).

The New Intifada began as popular revolt by Palestinians against the continuing and deepening Israeli occupation. But it is also an expression of popular rejection of the severe flaws in the Oslo agreements. (...) It was a restatement of the unity amongst all Palestinians – those under occpuation, those within 1948 Palestine, and those in exile. It is the reaffirmation of the dignity of the Palestinian people, and of their willingness to confront and resist the occupier as long as the occupier shows no sings of recognizing their rights and ending the occupation.8 (ABUNIMAH: 2001.)

O receio de que o acirramento dos choques entre Israel e os palestinos alcançasse níveis

incompatíveis com a continuação do processo de paz – que, afinal não havia sido

abandonado – deu ensejo a novas tentativas de retomar as negociações, apesar da

postura nitidamente mais aguerrida do novo governo israelense, liderado por Ariel

Sharon, que sucedeu o criticado governo de Barak nas eleições de fevereiro de 2001.

Em 27 de janeiro de 2001, após uma nova rodada de seis dias de negociação em Taba,

outra declaração conjunta reafirmava o desejo das partes de “atingir um acordo

permanente e estável” e que elas “nunca estiveram tão próximas” desse objetivo. A

declaração tinha o claro propósito de restabelecer a confiança mútua e recolocar o

processo em andamento “na primeira oportunidade prática”. Pela primeira vez, embora

8 “A Nova Intifada começou como uma revolta popular dos palestinos contra a continuação e aprofundamento da ocupação israelense. Mas é também uma expressão da rejeição popular às severas falhas nos acordos de Oslo. (...) Ela foi uma reafirmação da unidade entre todos os palestinos – aqueles sob ocupação, aqueles dentro da Palestina de 1948 e aqueles no exílio. É a reafirmação da dignidade do povo palestino e de sua vontade de confrontar e resistir a seu ocupante enquanto o ocupante não der sinais de reconhecer os seus direitos e acabar com a ocupação.” (Tradução livre da autora.)

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O fim do processo de Oslo

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de forma esquiva, fazia-se uso da expressão “nacional” em referência às “necessidades”

– mas não aos direitos – palestinos.

The Taba talks were unprecedent in their positive atmosphere and expression of mutual willingness to meet the national, security and existencial needs of each side. (...) The negotiation teams discussed four main themes: refugees, security, borders and Jerusalem, with a goal to reach a permanent agreement that will bring an end to the conflict between them and provide peace to both people. (...) On all these issues there was substantial progress in the understanding of the other side’s positions and in some of them the two sides grew closer. 9

Em campo, contudo, crescia a guerra de atritos, assim como a pressão sobre a

diplomacia norte-americana para que retomasse o controle sobre o conflito. A resposta

foi a formação de um comitê de investigação para averiguar as problemas que, de cada

lado, impediam a retomada das negociações. O relatório final desse comitê – conhecido

como Relatório Mitchell –, apresentado em 30 de abril de 2001, teve o mérito de

endossar a idéia de criar um Estado palestino; mas, em todo o resto, tomando por base o

Memorando de Sharm el-Sheikh, dedicou-se principalmente a questões securitárias,

donde resultaram as recomendações nele feitas no sentido de se adotar medidas de

segurança para restabelecer a confiança entre as partes e pôr fim à violência, visando

retomar as negociações sem demora.

The Government of Israel (GOI) and the Palestinian Authority (PA) must act swiftly and decisively to halt the violence. Their immediate

9 “As conversações de Taba foram sem precedentes em sua atmosfera positiva e expressão de disposição para satisfazer as necessidades nacionais, de segurança e existenciais de cada parte. (...) As equipes de negociação discutiram quatro temas principais: refugiados, segurança, fronteiras e Jerusalém, com o objetivo de alcançar um acordo permanente que colocará fim ao conflito entre elas e proverá paz aos dois povos. (...) Em todas essas questões, houve substancial progresso na compreensão dos pontos de vista da outra parte e, em algumas delas, as duas partes aproximaram-se.” (Tradução livre da autora.)

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objectives then should be to rebuild confidence and resume negotiations.10

Segundo o relatório, as perspectivas palestina e israelense no processo de paz entravam

em choque uma com a outra:

For the Palestinian side, "Madrid" and "Oslo" heralded the prospect of a State, and guaranteed an end to the occupation and a resolution of outstanding matters within an agreed time frame. Palestinians are genuinely angry at the continued growth of settlements and at their daily experiences of humiliation and disruption as a result of Israel's presence in the Palestinian territories. Palestinians see settlers and settlements in their midst not only as violating the spirit of the Oslo process, but also as an application of force in the form of Israel's overwhelming military superiority, which sustains and protects the settlements. (...) From the GOI perspective, the expansion of settlement activity and the taking of measures to facilitate the convenience and safety of settlers do not prejudice the outcome of permanent status negotiations. (...) Indeed, Israelis point out that at the Camp David summit and during subsequent talks the GOI offered to make significant concessions with respect to settlements in the context of an overall agreement. Security, however, is the key GOI concern. The GOI maintains that the PLO has breached its solemn commitments by continuing the use of violence in the pursuit of political objectives. "Israel's principal concern in the peace process has been security. This issue is of overriding importance... Security is not something on which Israel will bargain or compromise (...)”.11

10 “O governo de Israel e a Autoridade Palestina devem agir rapidamente e decididamente para impedir a violência. Seus objetivos imediatos, então, devem ser reconstruir a confiança e retomar as negociações.” (Tradução livre da autora.) 11 “Para o lado palestino, ‘Madri’ e ‘Oslo’ anunciavam a perspectiva de um Estado e garantiam um fim para a ocupação e a resolução de questões pendentes, dentro de um quadro temporal combinado. Palestinos estão realmente furiosos com o crescimento contínuo dos assentamentos e com suas experiências diárias de humilhação e fragmentação, que resultam da presença de Israel nos territórios palestinos. Os palestinos vêem os colonos e os assentamentos em meio a eles não só como violação do espírito do processo de Oslo, mas também como um emprego de força na forma de esmagadora superioridade militar de Israel, que assiste e protege os colonos. (...) Na perspectiva do governo de Israel, a expansão da atividade de assentamento e a tomada de medidas para facilitar a comodidade e proteção dos colonos não prejudica o resultado das negociações do status permanente. (...) De fato, os israelenses destacam que, na cúpula de Camp David e durante conversações subseqüentes, o governo de Israel propôs fazer concessões significativas em relação aos assentamentos, no contexto de um acordo geral. Segurança, entretanto, é a preocupação chave do governo de Israel. O governo de Israel afirma que a OLP

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E concluindo que o tipo de cooperação, em matéria de segurança, desejada por Israel era

incompatível com a existência dos assentamentos, recomendava o relatório que as

Forças de Defesa Israelenses considerassem recuar suas posições para as linhas

anteriores a 28 de setembro de 2000, para reduzir os pontos de atrito e a possibilidade

de confrontações violentas.

The IDF should consider withdrawing to positions held before September 28, 2000 which will reduce the number of friction points and the potential for violent confrontations.12

Seguindo a mesma lógica de segurança, o Plano Tenet, lançado em 14 de junho de

2001, recomendava que a Autoridade Palestina fosse mais rigorosa no combate a ações

hostis e reafirmava a necessidade de Israel recuar suas forças de volta às posições

anteriores a 28 de setembro, já indicada no Relatório Mitchell. A premissa básica do

plano era que as duas partes se comprometessem com o cessar-fogo e tomassem as

medidas recomendadas no plano para “restabelecer a cooperação em segurança e a

situação no campo prático conforme existiam antes de 28 de setembro”.

The PA will move immediately to apprehend, question, and incarcerate terrorists in the West Bank and Gaza and will provide the security committee the names of those arrested as soon as they are apprehended, as well as a readout of actions taken. In keeping with Israel's unilateral cease-fire declaration, Israeli forces will not conduct "proactive" security operations in areas under the control of the PA or attack against innocent civilian targets.13

Tanto o Relatório Mitchell quanto o Plano Tenet viam o conflito e o acirramento das

tensões naquele momento como uma crise de segurança, ao invés de uma crise política quebrou seus compromissos solenes ao continuar usando de violência na busca de objetivos políticos. ‘A preocupação principal de Israel no processo de paz tem sido a segurança. Essa questão é de importância dominante... Segurança não é algo com que Israel irá barganhar ou fazer concessões’ (...)” (Tradução livre da autora.) 12 “As Forças de Defesa de Israel devem considerar a retirada para posições ocupadas antes de 28 de setembro de 2000, o que reduzirá o número de pontos de atrito e o potencial para confrontações violentas”. (Tradução livre da autora.) 13 “A Autoridade Palestina agirá imediatamente para prender, interrogar e encarcerar terroristas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza e fornecerá ao comitê de segurança os nomes dos detidos tão logo sejam presos, bem como uma leitura das ações realizadas. Ao manter o cessar-fogo unilateral de Israel, as forças israelenses não conduzirão operações de segurança “pró-ativas” em áreas sob controle da AP ou ataques contra alvos civis inocentes.” (Tradução livre da autora.)

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maior, que exigia uma solução política. O cerne da questão era a falta de perspectiva de

solução próxima para o problema da ocupação dos territórios, alvo da disputa entre

Israel e os palestinos, foco e palco principal de toda violência entre uma e outra parte.

3. O MAPA DO CAMINHO

As tentativas posteriores a Camp David para retomada do processo de paz foram, em

boa medida, motivadas pela intifada e refletiram, portanto, uma clara preocupação com

o fim imediato da escalada de violência então desencadeada. Mas não conseguiram

atingir esse fim, sobretudo porque insistiram na mesma estratégia adotada pelos acordos

precedentes; estratégia essa que estava na origem mesma de toda a revolta. Os conflitos

não cederam e a violência prosseguiu, embora com intensidade cada vez menor, à

sombra dos eventos observados a partir do 11 de Setembro.

O atentado às Torres Gêmeas foi o ponto de inflexão mais importante do sistema

internacional no período pós-Guerra Fria (ALVES: 2007), ao lado da segunda Guerra

do Golfo. Ele foi responsável pela mudança estratégica verificada na política externa da

única grande potência sobrevivente à Guerra Fria. Os Estados Unidos, sob o governo

neoconservador de George W. Bush, abandonaram a tendência que vinham seguindo de

adesão ao internacionalismo multilateral e exercício do soft power, caracterizada pela

valorização das instituições internacionais e da cooperação preferencialmente ao poder

militar, para assumir uma hegemonia menos restritiva e mais ofensiva, abandonando a

premissa da contenção em favor da ação preventiva: identificadas ameaças à sua

segurança e ao status quo internacional, o país reservava-se o direito de intervir

unilateralmente.

Para os neocons, eram prioridades a extensão do poder, a ampliação da margem de manobra (sem o constrangimento de alianças e tratados permanentes, em uma ação unilateral e até isolacionista), a mudança de regime em sociedades hostis, a restrição à influência de potências regionais e o reposicionamento estratégico na Eurásia (ocupando espaços do antigo regime soviético e obtendo recursos para diminuir a vulnerabilidade energética). (PECEQUILO: 2007, p. 4.)

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As intervenções realizadas pela superpotência solitária no Afeganistão (outubro/2001) e

no Iraque (março/2003), sob a justificativa da guerra contra o terrorismo, foram frutos

dessa reorientação estratégica da política externa norte-americana. Durante esse

período, a Questão Palestina foi novamente preterida entre as prioridades da agenda

externa dos Estados Unidos, seu mediador tradicional; o que contribuiu para a

estagnação do processo de paz e o engavetamento dos acordos de Oslo. Contudo, os

maus resultados alcançados por essas intervenções – prolongamento da situação no

Iraque, ressurgimento dos talibãs no Afeganistão –, além do aumento das tensões em

outras questões igualmente preteridas pela superpotência – a questão nuclear com o Irã,

a Coréia do Norte, o crescimento do antiamericanismo – obrigou os Estados Unidos a

efetuar alguns ajustes táticos para minimizar o ônus destas crises (PECEQUILO: 2007).

Entre as medidas de reconciliação adotadas, a Questão Palestina foi retomada através

da apresentação de um programa de metas que deveria levar à criação de um Estado

palestino e a uma solução definitiva do conflito com Israel. O Mapa do Caminho,

apresentado pelo Departamento de Estado norte-americano em 30 de abril de 2003,

especificava os passos que deviam ser tomados pelas duas partes, sob os auspícios do

Quarteto (EUA mais União Européia, ONU e Rússia) para atingir um acordo definitivo

e apresentava um cronograma audacioso para alcançá-lo. Tendo por princípio a fórmula

“paz por terra”, foi definida uma série de medidas nos campos político, humanitário, e

econômico, dividas em três fases:

• Primeira fase – abril/maio/2003 – fim do terror e da violência,

normalização da vida palestina e construção de instituições palestinas:

Palestinian leadership issues unequivocal statement reiterating Israel's right to exist in peace and security and calling for an immediate and unconditional ceasefire to end armed activity and all acts of violence against Israelis anywhere. All official Palestinian institutions end incitement against Israel. Israeli leadership issues unequivocal statement affirming its commitment to the two-state vision of an independent, viable, sovereign Palestinian state living in peace and security alongside Israel, as expressed by President Bush, and calling for an immediate

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end to violence against Palestinians everywhere. All official Israeli institutions end incitement against Palestinians. 14

• Segunda Fase – junho/dezembro/2003 – transição:

In the second phase, efforts are focused on the option of creating an independent Palestinian State with provisional borders and attributes of sovereignty, based on the new constitution, as a way station to a permanent status settlement. As has been noted, this goal can be achieved when the Palestinian people have a leadership acting decisively against terror, willing and able to build a practicing democracy based on tolerance and liberty. With such a leadership, reformed civil institutions and security structures, the Palestinians will have the active support of the Quartet and the broader international community in establishing an independent, viable, State.15

• Terceira Fase – 2004/2005 – acordo sobre o status final e fim do conflito

israelo-palestino:

Phase III objectives are consolidation of reform and stabilization of Palestinian institutions, sustained, effective Palestinian security performance, and Israeli-Palestinian negotiations aimed at a permanent status agreement in 2005.16

O caminho para a paz, segundo a direção traçada pelo novo plano, não se desviava das

exigências já feitas em matéria de segurança, mas passava pela reestruturação da

14 “A liderança palestina providencia declaração inequívoca reiterando o direito de Israel de existir em paz e segurança, proclamando um cessar-fogo imediato e incondicional para acabar com a ação armada e todos os atos de violência contra israelenses em qualquer lugar. Todas as instituições palestinas oficiais põem termo ao incitamento contra Israel. A liderança israelense providencia declaração inequívoca afirmando seu compromisso com a concepção de dois Estados, de um Estado palestino independente, viável e soberano, vivendo em paz e segurança lado a lado com Israel, conforme enunciado pelo presidente Bush, e proclamando o fim imediato da violência contra palestinos em qualquer lugar. Todas instituições israelenses oficiais põem termo ao incitamento contra palestinos.” (Tradução livre da autora.) 15 “Na segunda fase, os esforços concentram-se na opção de criar um Estado palestino independente, com fronteiras provisórias e atributos de soberania, baseado em uma nova Constituição, como caminho para um acordo sobre o status permanente. Conforme foi mencionado, esse objetivo pode ser alcançado quando o povo palestino tiver uma liderança que aja decididamente contra o terror, disposta e capaz de construir uma democracia prática, baseada em tolerância e liberdade. Com tal liderança, instituições civis reformadas e estruturas de segurança, os palestinos terão o apoio efetivo do Quarteto e da comunidade internacional mais ampla para estabelecer um Estado independente e viável.” (Tradução livre da autora.) 16 “Os objetivos da Fase III são: consolidação, reformulação e estabilização das instituições palestinas; atuação palestina sustentada e efetiva quanto à segurança; e negociações israelo-palestinas visando um acordo sobre status permanente em 2005.” (Tradução livre da autora.)

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Autoridade Palestina e das instituições palestinas de maneira mais ampla: novas

eleições e elaboração de um projeto de constituição, tudo baseado em uma “sólida

democracia parlamentar e um primeiro ministro com poderes” para agir “decisivamente

contra o terror, disposto e capaz de construir uma democracia ativa, baseada na

tolerância e na liberdade”. A constituição do Estado palestino ficava condicionada, mais

uma vez ao cumprimento de uma série de exigências, cujo ônus recaía todo sobre os

palestinos, já que a Israel cabia apenas o papel de cooperar para a normalização da

situação, retirando-se das áreas ocupadas após 28 de setembro de 2000 e “congelando”

os assentamentos – conforme já havia determinado o Relatório Mitchell. Da mesma

forma, o apoio da comunidade internacional, através do Quarteto – que deveria

equilibrar a posição norte-americana, inclinada para Israel, e dar legitimidade ao Mapa

do Caminho – também dependia do desempenho das partes no cumprimento das metas

traçadas.

Progress into Phase II will be based upon the consensus judgment of the Quartet of whether conditions are appropriate to proceed, taking into account performance of both parties. Furthering and sustaining efforts to normalize Palestinian lives and build Palestinian institutions, Phase II starts after Palestinian elections and ends with possible creation of an independent Palestinian State with provisional borders in 2003.17 (Grifos nossos.)

A criação de um Estado palestino, grande diferencial do Mapa do Caminho em relação

aos acordos do processo de paz de Oslo, tornava-se, sim, uma possibilidade enfim

reconhecida, porém, condicionada às mesmas preocupações com o fim da violência, do

terrorismo e do incitamento a atos de hostilidade. A segurança continuava sendo o pré-

requisito fundamental e o ponto de partida para a negociação de qualquer acordo

possível sobre o status final da Palestina e para uma solução definitiva da Questão

Palestina.

17 “Progresso na Fase II terá por base a avaliação consensual do Quarteto sobre se as condições são apropriadas para prosseguir, levando em consideração o desempenho de ambas as partes. Promovendo e mantendo esforços para normalizar vidas palestinas e construir instituições palestinas, a Fase II começa após as eleições palestinas e termina com a possível criação de um Estado palestino independente, com fronteiras provisórias, em 2003.” (Tradução livre da autora.)

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O fim do processo de Oslo

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O problema dos refugiados, a ocupação territorial e o status de Jerusalém, questões

cruciais para os palestinos, foram mais uma vez adiados para o acordo final, ao passo

que o fim dos assentamentos não mereceu qualquer menção no Mapa do Caminho,

senão indiretamente, por referência às Resoluções 242 e 338 como base para o futuro

acordo final. E mesmo a criação de um Estado palestino independente, embora

admitida, figurava como uma “opção”, sem fronteiras definidas e com “atributos de

soberania” igualmente indefinidos.

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Conclusão

127

CONCLUSÃO

No contexto internacional do pós-Guerra Fria, o processo de paz de Oslo foi fruto de um

esforço da diplomacia norte-americana para normalizar as relações conflitivas que têm

caracterizado aquele sistema regional desde fins do século XIX; esforço esse que se

insere numa estratégia maior da política externa dos Estado Unidos voltada para a

construção de uma nova ordem internacional, em que esse país exerceria o papel de

protagonista, como a superpotência vencedora do período anterior. O objetivo principal

era pôr termo à Questão Palestina, a longa disputa entre sionistas/israelenses e

palestinos pelo controle da Terra Santa, e, por extensão, ao conflito entre Israel e os

países árabes como um todo, eliminando, assim, um dos principais focos de tensão que

afligem o Oriente Médio.

Naquele momento, para as lideranças do movimento palestino, os acordos de Oslo

surgiam como uma oportunidade para concretização de seu maior objetivo – a

constituição de um Estado palestino –, não obstante a situação desconfortável em que a

OLP entrava naquelas negociações e a posição superior de Israel no equilíbrio de poder

entre as duas partes. Entretanto, a dinâmica do processo de paz e a forma como os

acordos foram estruturados não permitiram que esses desajustes fossem corrigidos. Pelo

contrário, à medida que o processo avançava, esse desequilíbrio acentuava-se, devido

principalmente ao peso da mediação norte-americana, que fazia pender a balança de

poder a favor de Israel.

Das muitas falhas dos acordos de Oslo, a maior delas foi subordinar todos os problemas

fundamentais da Questão Palestina à questão da segurança, supondo que esta poderia

ser alcançada sem atender às reivindicações palestinas sobre seus direitos nacionais

(ABUNIMAH: 2001). Os acordos não afirmaram claramente que o objetivo final do

processo de paz seria a retirada total de Israel dos territórios ocupados e a criação,

nestes, de um Estado palestino soberano, com suas fronteiras bem definidas e dentro das

quais a autodeterminação do povo palestino seria respeitada. Ademais, a imprecisão das

cláusulas dos acordos e a ausência de mecanismos para impor sanções ou penalidades

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Conclusão

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contra a quebra dos compromissos assumidos abriu espaço para que os mesmos acordos

fossem reiteradamente desrespeitados, reinterpretados e constantemente renegociados,

segundo a vontade de Israel; o que, além de protelar indefinidamente a sua

implementação, afastou-os cada vez mais das principais questões do conflito: a

desocupação dos territórios palestinos, o problema dos refugiados, o fim dos

assentamentos, o status de Jerusalém e a criação do Estado palestino.

Os acordos de Oslo ratificavam a visão israelense sobre a natureza e substância do

conflito: a segurança. O processo de paz girou em torno das questões surgidas após a

guerra de 1967 (PAPPE: 2004), precisamente em torno da ocupação dos territórios

palestinos e da discussão sobre que parte desses territórios Israel estaria disposto a abrir

mão, sem prejuízo de sua própria segurança; como se a origem de toda a Questão

Palestina fosse unicamente aquele conflito e como se todos os fatos que a precederam

fossem irrelevantes para a sua solução.

A cláusula disposta no artigo V da Declaração de Princípios, segundo a qual as questões

de Jerusalém, dos refugiados e das fronteiras também seriam discutidas na fase final dos

acordos, por si só, não explica a tolerância da OLP àquela lógica minimalista e à

estrutura precária em que o processo de paz foi concebido: um período interino de cinco

anos para discussão de assuntos diversos, mas voltado principalmente para a

implementação de medidas de segurança; seguido da negociação daquelas questões

mais relevantes, porém, sem garantia de que as demandas palestinas relativas a essas

questões seriam atendidas. A organização surgiu em meio à comunidade de refugiados

que se formou após a criação de Israel em 1948; assim como boa parte da identidade

nacional palestina está ligada a esse evento, sua agenda nacional baseia-se na retificação

daqueles problemas desencadeados em 1948. E, embora a OLP não tenha renunciado ao

direito de retorno dos refugiados e à criação de um Estado palestino independente, a

aceitação daquela cláusula da Declaração de Princípios e de todos os acordos assinados

no processo de Oslo significava que aqueles pontos primordiais deixavam de ser

princípios intocáveis da ideologia nacional palestina para se tornar questões negociáveis

num futuro acordo permanente.

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Conclusão

129

Esse novo pragmatismo das lideranças palestinas foi determinado por uma série de

eventos desfavoráveis: a piora de sua situação financeira com o desaparecimento da

URSS do cenário internacional e pela suspensão do suporte recebido das monarquias

petrolíferas, em retaliação ao apoio da organização ao Iraque na primeira Guerra do

Golfo; seu isolamento na Tunísia, após ser expulsa da Jordânia (1970) e do Líbano

(1982), e sua conseqüente fragmentação e enfraquecimento, com o fortalecimento de

outras facções dentro do movimento palestino; todos esses acontecimentos obrigaram a

OLP a abandonar a idéia de um Estado árabe secular em toda a extensão da Palestina

mandatária e admitir o princípio de sua divisão em dois Estados como solução para o

conflito.

Após a Conferência de Madri (1991), na qual os palestinos foram representados por

lideranças da sociedade civil, oriundas dos territórios ocupados e comprometidas com o

reconhecimento da autodeterminação palestina, seus direitos sobre Jerusalém oriental,

com o fim dos assentamentos israelenses e a constituição de um Estado palestino nos

territórios ocupados, a diplomacia norte-americana não encontrou dificuldades para

substituir essas lideranças pela frágil e marginalizada OLP. Uma vez atraída pelos

Estados Unidos para as negociações com Israel, o peso da aliança entre esses dois

Estados sobre a liderança palestina foi, contudo, o fator determinante no desdobramento

do processo de paz, pela relevância que tal aliança conferiu aos interesses israelenses

em detrimento das demandas palestinas: foi o desequilíbrio de poder entre as partes a

medida usada para definir o quanto aqueles interesses deveriam prevalecer e o quanto

daquelas demandas seria traduzido em realidade.

A análise comparativa dos acordos evidencia uma tendência sistemática de Israel a

descumprir as obrigações assumidas, forçando a sucessivas revisões destas obrigações e

sua conseqüente diluição nos acordos seguintes, ao mesmo tempo em que a Autoridade

Palestina era constrangida a renovar, sucessivamente, seu compromisso com a

segurança de Israel e a manutenção da ordem interna dos territórios colocados sob sua

jurisdição, legitimando, assim, as queixas de Israel sobre o descumprimento, pelos

palestinos, de sua parte nos acordos e, indiretamente, a justificativa deste país para

descumprir as suas próprias obrigações.

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Conclusão

130

A predominância de Israel foi o resultado inevitável da lógica estrutural do processo de

Oslo: negociações bilaterais entre a maior potência econômica, política e militar da

região e a fraca liderança de um povo sob ocupação militar, mediadas pela

superpotência hegemônica e fiel aliada daquela potência regional, estavam fadadas a

produzir acordos parciais e uma implementação ainda mais parcial desses acordos

(NORMAND: 2002). As preocupações de Israel com sua segurança, combinadas com

os interesses dos Estados Unidos na segurança regional, resultaram não em um acordo

de paz propriamente dito, mas, antes, em um plano de pacificação de curto prazo, em

que as questões essenciais do conflito foram adiadas para as negociações sobre o acordo

final, em função do êxito que viessem a alcançar as medidas de segurança adotadas no

período provisório, visando o fim da violência, do terror e dos atos de hostilidade.

Nesse sentido, os acordos de Oslo devem ser entendidos como um exemplo clássico de

“paz hegemônica”, isto é, um tipo de paz entre “dois poderes significativamente

desiguais que, entretanto, retém autonomia para aceitar ou rejeitar os termos do acordo”

(ROBINSON: 2001, p. 112). Uma paz hegemônica, como aquela do processo de Oslo,

reflete o desequilíbrio de poder entre as partes e, por isso, tende a ser, para ambas, mais

desestabilizante do que a paz negociada entre poderes relativamente iguais ou a paz

imposta a um inimigo completamente vencido e dominado.

There is a compelling logic for why a hegemonic peace produces instability for both polities. For the weaker party, explaining instability is rather obvious. There will necessarily be a great deal of opposition to the government for signing a peace that so obviously compromises national rights in the eyes of the population. (...) Ironically, a hegemonic peace is often destabilizing for the powerful party as well. Objectively, such a peace is usually viewed by outsiders as disproportionately benefiting the more powerful party. Internally, however, dissent against the government focuses on the perceived lack of necessity to make any significant concessions at all.1 (ROBINSON: 2001, p. 113.)

1 “Há uma lógica que impele uma paz hegemônica a produzir instabilidade para ambas sociedades. Para o grupo mais fraco, explicar a instabilidade é bastante óbvio. Haverá necessariamente um alto grau de oposição ao governo por assinar uma paz que tão obviamente compromete os direitos nacionais aos olhos da população (...) Ironicamente, uma paz hegemônica é, muitas vezes, desestabilizante também para a parte mais forte. Objetivamente, tal paz é geralmente vista por estrangeiros como favorecendo desproporcionalmente a parte mais poderosa. Internamente, entretanto, a dissensão contra o governo

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Conclusão

131

De fato, para os palestinos, à medida que se tornava patente a incapacidade da OLP para

negociar com Israel, crescia o dissenso entre a população palestina e,

proporcionalmente, aumentavam as medidas de repressão da Autoridade Palestina para

assegurar a seus parceiros que a oposição fosse mantida dentro de limites aceitáveis

para a continuação das negociações. O processo de paz de Oslo fracassou em atender

suas demandas nacionais. Israel, por seu turno, também enfrentou oposição daqueles

que, seguindo um raciocínio estritamente realista, rejeitavam qualquer concessão aos

palestinos, valendo-se do poder notavelmente superior de seu país. O assassinato de

Yitzhak Rabin em 4 de novembro de 1995, após assinatura do Acordo Interino – em

setembro daquele ano –, e as alterações de governo entre o dito “campo da paz” e os

“rejeicionistas” durante e após o processo2 são evidências da clivagem que a paz

hegemônica de Oslo provocou também na sociedade israelense.

A eclosão da Segunda Intifada levou à dissolução do processo de paz de Oslo. A

insurgência da população e a retomada da guerra de atritos contra as forças israelenses –

que Israel, aliado aos Estados Unidos, tanto buscou sufocar – foi, ao fim e ao cabo, o

único trunfo que os palestinos puderam usar contra o prolongamento indefinido da

ocupação de seus territórios e a negação de seus direitos nacionais, implícitas nos

acordos assinados e decorrentes da forma tendenciosa como eles foram negociados. As

tentativas ulteriores de recolocar o processo de paz em andamento fracassaram

igualmente, porque não abandonaram os princípios hegemônicos que nortearam as

negociações até então.

Entretanto, não obstante o fracasso do processo de paz de Oslo em tentar solucionar o

conflito entre Israel e os palestinos, esses acordos devem continuar como parâmetro

para futuras negociações até que outra iniciativa realmente nova trace outra estratégia

para a solução da Questão Palestina que não a de uma paz hegemônica. O já

focaliza a percepção de falta de necessidade de fazer quaisquer concessões significativas sob qualquer condição.” (Tradução livre da autora.) 2 Em 1992, a eleição do governo trabalhista de Yitzhak Rabin com uma larga margem de votos foi um sinal positivo da sociedade israelense para a continuação do processo de paz iniciado em Madri no ano anterior. Em 1996, o descontentamento com os rumos tomado pelos acordos levou o Likud de volta ao poder, com a vitória de Benjamin Netanyahu também por uma boa margem de votos. Mas a sua obstinação contra as negociações resultou na eleição de Ehud Barak em 1999, sob a promessa de conclusão de um acordo definitivo. Enfim, após o fracasso da Cúpula de Camp David, o campo da paz sofreu nova derrota para os rejeicionistas, liderados pelo Likud, com a eleição de Ariel Sharon em 2001.

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Conclusão

132

ultrapassado cronograma para a paz traçado no Mapa do Caminho, respaldado pelo

Quarteto, quando analisado em comparação àqueles acordos, revela-se, antes, uma

reedição de Oslo, com ares de respaldo internacional. Como demonstra o estudo ora

apresentado, o princípio “paz por terra” também nele se traduziu como: suspensão da

violência em campo em primeiro lugar e, posteriormente – e de forma condicional –,

negociação das questões originárias do conflito.

Oslo fracassou, mas seus termos permanecem, na intransigência de Israel em impor a

paz unilateralmente pela adoção de severas medidas de segurança, na sua recusa a

dialogar com as lideranças palestinas a pretexto da ineficiência destas em controlar as

manifestações hostis de sua população e, em última instância, na continuação do jugo

militar imposto aos territórios ocupados – razão maior para que o conflito continue sem

perspectivas de solução a médio e longo prazo.

A não ser que os problemas essenciais da Questão Palestina sejam claramente incluídos

nas negociações e tratados futuros e a menos que se estabeleça uma base mais justa de

equilíbrio entre as partes, qualquer tratado de paz entre Israel e os palestinos será

sempre, como os acordos de Oslo, uma paz hegemônica.

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