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A ARTE CONTEMPORÂNEA COMO RECURSO INTERDISCIPLINAR PAULO SIMÕES NUNES 1 AÇÃO DE FORMAÇÃO A ARTE CONTEMPORÂNEA COMO RECURSO INTERDISCIPLINAR SESSÕES: 12 OUT 2013 | 08 FEV 2014 | 05 ABR 2014 | 17 MAI 2014 CULTURGEST LISBOA PAULO MANUEL SIMÕES NUNES Professor de Artes Visuais (Grupo de Recrutamento 620) Agrupamento de Escolas de Casquilhos Barreiro RELATÓRIO 1. (EM SÍNTESE) A MINHA HISTÓRIA DE ARTE O meu nome é Paulo Simões Nunes, nascido em 1958 sob o signo de Gémeos, e sou professor de Artes Visuais na Escola Secundária de Casquilhos, escola-sede do Agrupamento de Escolas homónimo, no Barreiro. Licenciei-me em Arquitetura em 1982 na, então designada, Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa Departamento de Arquitetura, tendo começado a lecionar em 1985 na escola à qual ainda me encontro vinculado. Fiz a Profissionalização para a Docência na Escola Superior de Educação de Setúbal no biénio 1988-1990 e, mais tarde, fiz o Mestrado em Teorias da Arte na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, no biénio 1998-2000. Em 2003-2004 fui Assistente Convidado na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa no Mestrado em Teorias da Arte, coordenado pelo Prof. Doutor José Fernandes Pereira, onde ministrei a cadeira de “Teorias da Arte” regida pelo Prof. Doutor Fernando António Baptista Pereira. Ao longo da minha carreira docente tenho lecionado, em particular, as disciplinas relacionadas com a História da Arte, cujas designações têm passado por História das Artes Visuais (anos 1980), História da Arte (anos 1990), História das Artes (início dos anos 2000) e História da Cultura e das Artes (desde 2005).

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A ARTE CONTEMPORÂNEA COMO RECURSO INTERDISCIPLINAR

PAULO SIMÕES NUNES

1

AÇÃO DE FORMAÇÃO

A ARTE CONTEMPORÂNEA COMO RECURSO INTERDISCIPLINAR

SESSÕES: 12 OUT 2013 | 08 FEV 2014 | 05 ABR 2014 | 17 MAI 2014

CULTURGEST – LISBOA

PAULO MANUEL SIMÕES NUNES

Professor de Artes Visuais (Grupo de Recrutamento 620)

Agrupamento de Escolas de Casquilhos – Barreiro

RELATÓRIO

1. (EM SÍNTESE) A MINHA HISTÓRIA DE ARTE

O meu nome é Paulo Simões Nunes, nascido em 1958 sob o signo de Gémeos, e sou

professor de Artes Visuais na Escola Secundária de Casquilhos, escola-sede do

Agrupamento de Escolas homónimo, no Barreiro.

Licenciei-me em Arquitetura em 1982 na, então designada, Escola Superior de

Belas-Artes de Lisboa – Departamento de Arquitetura, tendo começado a lecionar

em 1985 na escola à qual ainda me encontro vinculado.

Fiz a Profissionalização para a Docência na Escola Superior de Educação de Setúbal

no biénio 1988-1990 e, mais tarde, fiz o Mestrado em Teorias da Arte na Faculdade

de Belas Artes da Universidade de Lisboa, no biénio 1998-2000.

Em 2003-2004 fui Assistente Convidado na Faculdade de Belas Artes da

Universidade de Lisboa no Mestrado em Teorias da Arte, coordenado pelo Prof.

Doutor José Fernandes Pereira, onde ministrei a cadeira de “Teorias da Arte”

regida pelo Prof. Doutor Fernando António Baptista Pereira.

Ao longo da minha carreira docente tenho lecionado, em particular, as disciplinas

relacionadas com a História da Arte, cujas designações têm passado por História

das Artes Visuais (anos 1980), História da Arte (anos 1990), História das Artes

(início dos anos 2000) e História da Cultura e das Artes (desde 2005).

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Desde 1999 tenho sido autor de manuais para o Ensino Secundário das disciplinas

de História da Arte, História das Artes e, atualmente, de História da Cultura e das

Artes, editados na Lisboa Editora e na Raiz Editora.

Paralelamente tenho desenvolvido atividade no domínio da investigação e crítica

de arte, assinando artigos em diversas publicações e proferindo conferências em

seminários e sessões comemorativas.

Neste campo, destaco a edição da obra História das Artes Visuais (no Ocidente e em

Portugal) (Lisboa Editora, 2004) e a colaboração no Dicionário de Escultura

Portuguesa (Editorial Caminho, 2005), uma obra de investigação dirigida e

coordenada pelo Prof. Doutor José Fernandes Pereira, onde fui responsável pela

elaboração de trinta entradas respeitantes a autores do século XX.

Em síntese, devo admitir que os meus interesses se enquadram neste equilíbrio,

por vezes impossível, entre, por um lado, a educação e o ensino artístico, e, por

outro lado, a investigação e produção de materiais de análise e crítica de arte.

2. PORQUE ME INSCREVI NO CURSO

As motivações que me levaram a frequentar este curso enquadram-se no meu

permanente interesse, e necessidade intelectual, em adquirir novos conhecimentos

e competências na área da educação artística.

Neste sentido, o título do curso “A arte contemporânea como recurso

interdisciplinar” foi suficientemente sugestivo para atrair o meu interesse e

expetativa em contactar com outros saberes, experiências e práticas numa área tão

estimulante como é a da educação artística.

A informação a que acedi referente a este curso, bem como os intervenientes e

dinamizadores a ele associados, deram-me garantias da sua qualidade e criaram-

me suficientes expetativas de vir a concretizar aqueles meus interesses.

Por outro lado, não desprezei o facto de uma “ação” desta natureza constituir uma

oportunidade privilegiada para a interação entre os diversos participantes,

proporcionando a troca de experiências e o debate entre protagonistas

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provenientes, naturalmente, de formações diferenciadas e de realidades

diversificadas.

3. A MINHA EXPERIÊNCIA NO CURSO

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O início do curso, a 12 de outubro de 2013, aconteceu de forma muito sui generis, já

que Stela Barbieri, a convidada para a abertura da primeira sessão, tinha

condicionamentos que implicaram a antecipação da sua intervenção para as 8h30

de (um) sábado. Eu diria que madrugámos e, ainda sentíamos o sabor do café da

manhã, já a coordenadora do projeto educativo da Bienal de São Paulo nos

despertava com o seu estimulante discurso acerca de uma “cartografia

sentimental” e discorria sobre as “transformações contemporâneas do desejo”.

Que a “arte remete para problemas de

ordem formal, conceptual, relacional ou

utópica” nem era de todo

surpreendente para os presentes, mas a

“palestra” de Stela Barbieri haveria de

distinguir-se pela clareza, brilho e por

uma certa cristalinidade das ideias que

nos fixaram às suas palavras quentes e

sedutoras.

A “ferramenta do educador é a ativação

do outro”, exige “uma relação, um

profundo conhecimento da matéria

que está trabalhando”, o que nos remete para o entendimento da “matéria-arte,

matéria-política, matéria-educação”. Assim foram lançadas questões, problemas,

reflexões acerca da “ideia mobilizadora”, do “artista libertador, mobilizador,

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potenciadores de energias” à imagem de Joseph Beuys, esse mago missionário,

visionário da palavra, da ideia, do conceito.

“Ser professor é a minha maior obra de arte, a minha missão é divulgar ideias”, eis

a expressão que podia resumir, por defeito, a intervenção de Stela Barbieri

fundada na “educação para a arte, para a obra mobilizadora para a transgressão,

para a desestabilização, para a intranquilidade”. Como referiu, “devemos encorajar

as pessoas a acreditar nas suas próprias perceções”, e afirmando a cumplicidade

intrínseca entre “arte e política, impossível de separar”, deixaria incontornáveis

perguntas no ar: “como a arte pode mudar a vida?”; “por quê calar?”; “quando não

há nada, o que vemos?”; “uma coisa significa outra quando muda de lugar?”; “o que

acontece cada vez que você festeja?”. E assim terminou, sem dúvida, deixando-nos

todos muito mais disponíveis para o acaso, para o devir, para a vida.

Raquel Ribeiro dos Santos e Teresa Eça, respetivamente coordenadora do serviço

educativo da Culturgeste e Presidente da APECV, apresentaram-nos os conteúdos e

as condições de acreditação do curso, dando seguidamente lugar ao artista plástico

João Queiroz.

No que restava da manhã, o pintor desenvolveu basicamente as suas teses sobre o

desenho: o desenho enquanto ato primordial da perceção, da sensibilidade, da

relação entre o ver e o representar; o desenho enquanto ato inaugural da criação.

Segundo senti, pelo envolvimento que suscitou nos participantes, esta foi uma

intervenção tão vigorosa, pelo fulgor comunicativo do palestrante, quanto inédita,

sobretudo pelo apelo ao “pensamento divergente” reiterado por João Queiroz.

E tudo partiu de uma preocupante estatística a dar que pensar: no estado adulto,

não mais do que 0,6 % das pessoas desenham melhor do que na sua infância.

O desenho é perceção, é imaginação, é invenção. Através do desenho nós vemos o

mundo de um modo artístico. Pelo desenho submetemos a realidade à nossa

sensibilidade, aos nossos sentidos e emoções; pelo desenho refletimos sobre o que

vemos, reorganizamos o mundo e as coisas através de um olhar estético. Em

síntese, estas foram as ideias fortes, mas não únicas, de uma intervenção muito

participada e partilhada pelos presentes.

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Após uma refeição frugal, pois a tarde adivinhava-se ativa, foram-nos apresentados

dois tipos de atividades por Ana Teresa Magalhães e Nuno Bernardo, artistas

responsáveis pela conceção das atividades educativas da Culturgest. Optei pela

proposta deste último, pois incidia concretamente sobre o exercício do desenho e o

ensaio de práticas pedagógicas fundadas na sua prática, um tema sobre o qual me

tenho debruçado ultimamente por via da disciplina de Desenho do Curso de Artes

Visuais do Ensino Secundário que tenho lecionado, também, nos últimos anos.

Móbil da ação: a exposição patente na galeria Sentido em Deriva – obras da coleção

da Caixa Geral de Depósitos que começámos por visitar.

Primeiro momento: visita rápida com observação fugaz das obras, sem nos

determos em nenhuma em particular, para, num momento seguinte

apresentarmos ao grupo, sob a forma de desenho memorizado e uma breve

descrição analítica, uma obra que nos tivesse interessado particularmente. Um

exercício cujo interesse motivou uma dinâmica interação entre os participantes no

grupo, confrontando os seus apontamentos ou as suas interpretações das obras

cujas ideias não passavam de linhas esquemáticas, de perceções efémeras, de

sensações subjetivas. A obra que escolhi foi Township Wall (Portas e Janelas), de

António Olé (2004), pela escala, espaço e impacto visual que aquela combinação de

formas e materiais proporcionava.

Num segundo momento, cada um de nós teve que se dirigir rapidamente à obra

selecionada para, agora num tempo determinado (mas curto), captar os elementos

mais característicos da “sua” obra in locum, pretendendo compreendê-la através

do desenho.

As conclusões foram apresentadas numa sala onde o grupo se reuniu e partiu para

um segundo exercício de desenho: a partir dos autorretratos de Gaëtan (A Última

Morada, 1994), e posicionados frente-a-frente com um/a parceiro/a, havia que

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desenhar o interlocutor numa

expressão refletida de nós próprios. O

resultado foi o contacto dinâmico com

o desenho enquanto modo expressivo

e interpretativo do olhar ou, pelo

menos, enquanto experiência de uma

perceção crítica do nosso olhar.

A “ação” terminou com a reunião geral

dos participantes e com a

apresentação-síntese dos resultados

de ambos os grupos.

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A segunda sessão decorreu a 8 de fevereiro de 2014, desta vez com os trabalhos a

terem início pelas 10h00, e com um inusitado acréscimo de população presente,

provavelmente a dobrar o número de participantes no primeiro evento, facto que

admito dever-se à excelência do primeiro encontro e à natural propagação das

suas qualidades na comunidade.

Após a apresentação dos conteúdos desta sessão por Raquel Arada, coordenadora

do serviço educativo da Culturgest, e os esclarecimentos acerca do processo de

acreditação da ação de formação por Isabel Trindade, Vice-Presidente da APECV,

coube a Maria Jesús Agra Pardiñas, professora de Didática da Expressão Plástica na

Faculdade de Ciências da Educação da Universidade de Santiago de Compostela,

apresentar a sua comunicação subordinada ao tema “Projetos como espaços

fluidos de experimentação em educação artística”.

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Esta foi uma comunicação tão complexa quanto substantiva que eu traduziria por

uma “experiência de comunicação de arte” ou, de outro modo, uma “incursão

estilística” ao universo da educação artística. Maria Jesús Pardiñas começou por

nos aproximar à ideia da “pedagogia coletiva” como um “rizoma”, no sentido em

que estes nunca são estáticos, antes estabelecem uma constante comunicação em

vetores diferenciados. Assim deverá ser a relação educador/educando,

professor/aluno, mestre/aprendiz, numa negociação constante, admitindo vários

métodos de trabalho, abrindo permanentemente múltiplos caminhos em várias

direções.

Num outro domínio, salientou “o quotidiano, a vida diária ou a aventura do real”

como matéria-prima da arte. Isto é, sublinhou a importância de se “criar situações

de aprendizagem” cujo conteúdo é a experiência do real, os costumes, os espaços

urbanos ou naturais, a ação humana, a cultura que geramos no dia-a-dia. Como

referiu, “a matéria da educação é a experiência artística e criativa” decorrente de

“ambientes coletivos de aprendizagem”.

Defendeu a “metodologia do compromisso”, definindo esse compromisso entre

artista/educador/investigador como o horizonte de toda a educação artística, e o

educador como “uma pessoa comprometida socialmente”, uma pessoa que

intervém, que pensa, que age. Daqui chegamos à ”arte como experiência

quotidiana”, à necessidade de “unir a educação à vida”, ao desafio das “práticas

artísticas fora dos espaços convencionais”. Premissas que, segundo Maria Jesús

Pardiñas, devem potenciar a criatividade, a participação coletiva na melhoria do

mundo, o estabelecimento de um compromisso cívico com o contexto social e

cultural em que nos movemos. Em suma: “converter os jovens em agentes ativos”.

Falou-se de Christian Boltanski, de On Kawara e de Gillian Wearing: a arte

enquanto processo; a arte-ideia; a arte-forma de expressão. E também de Eva Koch

e da sua instalação I Am the River: “somos um rio que flui para o mar, juntando-nos

a outros rios”.

No ar, a deixar-nos sem resposta, ficou a pairar a eterna interrogação: porque é

que os sentimentos e as emoções na se consideram na educação? Sem mais.

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Voltámos de um curto intervalo para um outro momento de pensamentos

“rasgados” numa intervenção protagonizada por Ruy Otero, artista multifacetado,

de encenador a realizador, de argumentista a artista plástico, de ator a humorista.

Também ele sustentando que “a arte

deve estar próxima da vida”, todavia

subordinada à problemática da

comunicação, ou do processo de

comunicação, concluindo que,

atualmente, com o fenómeno da

globalização, vivemos sob o jugo

manipulador dos media. E que “o perigo

não está na rua, mas sim em casa, na

internet”. Assim decorreu a sua

comunicação, muito participada e

livremente interrompida pelos

presentes, atentos e reativos ao muito

salutar estilo provocatório e crítico de Ruy Otero.

Crítico ao sistema educativo, crítico aos media que condicionam os nossos

comportamentos, crítico a uma sociedade que considerou demasiado passiva face

à violência do poder político e económico, crítico à apatia, à indolência e à

indiferença que caracteriza a “sociedade da troika”, o artista sublinhou a

importância do sentido inventivo, criativo e imaginativo que urge fazer despertar

nas novas gerações.

Após o almoço, cautelosamente frugal, foram-nos apresentadas novas propostas

pelos mesmos “artistas residentes” Ana Teresa Magalhães e Nuno Bernardo, agora

subordinadas às “práticas pedagógicas relacionadas com o cinema”. Desta vez

interessei-me pela proposta da primeira, já que se referia ao “cinema-projeto

artístico”, atravessando também o processo criativo da vídeo-art.

O grupo que escolheu esta vertente começou por assistir ao documentário Com

quase nada, rodado em Cabo Verde por Carlos Barroco e Margarida Cardoso. Uma

obra que registava de modo naturalista o quotidiano de uma criança na ilha,

captando os seus movimentos, os seus sonhos, as suas rotinas e, sobretudo, as

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ideias com que preenchia o seu tempo e espaço. Uma obra sujeita a debate, com os

presentes a concordarem nas expressões que a caracterizavam: sonho,

metamorfose, identidade, cultura, afetos, sustentabilidade, adaptação aos recursos,

manuseamento das tecnologias, etc.

Seguiu-se a obra de vídeo-art Ancient

Days de Bill Viola. Absolutamente de

ordem conceptual, tão experimental

quanto híbrida, esta obra viria a sugerir

interrogações tais como: o que distingue

um “documentário” de uma obra

cinematográfica, que entendimento para

imagens desprovidas de qualquer

sentido, como interpretar a relação

espaço-tempo num espaço e num tempo

que não é o do observador mas sim o da

obra…

e por aí fora, compreendendo que aqui residiam, precisamente, as grandes

questões deste processo criativo, a vídeo-art.

Como epílogo da sessão, foi proposto a execução de um storyboard a partir de seis

imagens-tipo características de um parceiro/a com quem partilhássemos o

exercício. Exercício a ser complementado com o registo fotográfico dessas imagens

mas que, devido ao número de participantes nesta ação (e neste grupo) e ao

adiantado da hora, se tornou inviável concluir. Mas, como exercício conceptual que

era, ficaram as ideias.

A “ação” terminou com a reunião geral dos participantes e com a apresentação-

síntese dos resultados de ambos os grupos.

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A ação que decorreu a 5 de abril teve início com Teresa Eça a fazer o ponto da

situação em relação aos procedimentos a ter face ao processo de acreditação do

curso de formação.

Seguidamente tivemos a prestação de Sara Torres, investigadora em Educação

Artística na Faculdade de Belas Artes da Universidade Complutense de Madrid, na

circunstância em representação de Maria Acaso, professora e investigadora

espanhola naquela mesma universidade. Especializada na área da educação

artística, o seu trabalho incide no estudo do ensino e da aprendizagem das artes

visuais através de formatos e conteúdos disruptivos, tendo como pano de fundo a

fusão entre a pedagogia e a educação artística.

Temas e conteúdos que se avizinhavam, desde logo, aliciantes.

Procurando desenvolver metodologias

que relacionem a prática educativa com

a sociedade pós-moderna, Sara Torres

veio apresentar “casos práticos” que, ao

limite, suportam a arte contemporânea

como veículo de aprendizagem num

processo educativo. Um tal processo

integra “o espaço da aula como

discurso” pois esse é o espaço onde se

gera conhecimento, onde se

desencadeiam processos e onde se

desenvolve a “criação educativa”,

segundo as suas palavras.

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Este é o âmbito das, chamadas, “pedagogias invisíveis” desenvolvidas no contexto

das disruptive methodologies in art education. Estava apresentado o fundamento da

sua comunicação: as “metodologias disruptivas” como base da educação artística.

Como afirmou, “arte e educação evoluem por vias paralelas sem nunca

coincidirem”.

E, assim, questionou a relação entre “arte” que funciona em micro narrativas, e a

“educação” que se desenvolve segundo macro narrativas. Particularmente, a arte

contemporânea que se desenvolve num território de análise e crítica social, e

procura explorar “significados críticos” nos seus processos criativos, constitui um

campo fértil de recursos para os processos educativos. Nesta corrente de

pensamento, Sara Tores definiu a proximidade/cumplicidade entre arte e

educação como uma estratégia de “dar significado às coisas”, mais do que “criar

coisas novas”. Enquanto o artista seria um ativista permanente, o professor

deveria ser um “vigarista ou um mentiroso profissional”, no sentido em que deve

levar os alunos a suspeitar, a duvidar do que veem e a dar novos significados ao

que veem.

Num tal ambiente, Sara Torres salientou o poder que o professor detém para

conduzir processos relacionais, críticos e criativos, e para levar os alunos a

“habitar a sala de aula”. Sendo que, em síntese, esta relação de poder deve ser

diluída de modo a permitir aos alunos desenvolverem as suas capacidades e

adquirirem competências.

Após uma interessante troca de ideias entre a

assistência e a conferencista acerca das questões

enunciadas, interveio Tiago Batista, artista

plástico com diversa produção sobretudo no

domínio da pintura e cofundador do grupo

Autores em Movimento. Suportado pela

apresentação de alguns dos seus trabalhos, tais

como “War/Work” ou “Homeless Place”, o

artista defendeu a arte contemporânea como

recurso fundamental do processo educativo pois

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explora o “aleatório, o acaso, a possibilidade do caótico”.

Considerando que a arte contemporânea eliminou todas as barreiras ou fronteiras

entre conceitos e conteúdos, como afirmou, “ao limite tudo pode ser arte”, relevou

as questões éticas, ou “a liberdade como responsabilidade” no ato artístico. Nas

suas intervenções os artistas devem respeitar a natureza, as questões éticas,

devem questionar a relação entre a ciência e a tecnologia, entre a arte e a política.

Na parte da tarde o grupo foi dividido por duas salas para apresentação de

trabalhos desenvolvidos em escolas. Fiquei na sala em que foram apresentados

dois trabalhos: “A Grande Lição” e “Pelo Mundo de Amadeo de Souza Cardoso”. O

primeiro consistiu num filme produzido na Escola Básica São João de Deus com

alunos dos 3º e 4º anos, coordenado por Gina Flor. A exibição do filme serviu para

explicar o desenvolvimento do processo criativo que teve o envolvimento da

Associação de Pais e de monitores de expressão plástica da CML.

O segundo trabalho, coordenado por Andreia Dinis, foi desenvolvido igualmente

por alunos do 1º ciclo e teve como móbil a exploração da obra de Amadeo de Souza

Cardoso. Explicando o processo criativo aplicado, referiu que após visita de estudo

efetuada à obra do pintor modernista, os alunos foram estimulados a recriar o seu

trabalho, apresentando novos modos de formar, explorando novas técnicas,

simplificando a imagem e encontrando novos significados.

Na componente prática desta sessão, coube a Susana Gaudêncio, artista plástica,

apresentar o tema “Desenhar o processo criativo” como mobilização para a

atividade prática a propor. Apresentou as diversas dinâmicas, funções e linguagens

do desenho, partindo do princípio de que “o desenho constitui uma ferramenta

essencial no processo criativo” encontrando-se associado a várias práticas

artísticas, do design à arquitetura, da pintura à escultura.

A artista sintetizou uma breve história do desenho, das origens às práticas

contemporâneas, das suas técnicas às suas funções, salientou o desenho como um

“meio operativo, um meio criativo, um meio de comunicação de ideais”, e

apresentou exemplos de como, através do desenho, os artistas “conceptualizam,

representam, criam”.

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Na atividade prática foi-nos

apresentado um objeto – um copo –

que deveríamos representar

exprimindo sentimentos tão

diversos como raiva, dor, alegria,

etc., de acordo com os nomes

sorteados por cada um de nós.

Num outro exercício, desta vez

coletivo, deveríamos transformar

/ redesenhar um objeto vulgar que

nos era distribuído.

Na circunstância coube-nos

“transformar” um banco, e

transmitir a nossa ideia através do

desenho.

No final, partilhámos os nossos trabalhos e refletimos em conjunto sobre os

resultados.

4

Por fim, a sessão de 17 de maio constituiu um momento de reflexão, análise e

avaliação dos assuntos que foram tratados ao longo da ação “A arte

contemporânea como recurso interdisciplinar”.

Assim, foi-nos proposto que distinguíssemos cinco palavras que definissem“o que

trazíamos” (antes do curso) e“o que levamos” (após o curso).

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Foram citadas palavras como “expetativa,

curiosidade, desejo, quebrar rotinas,

criatividade, inovação, isolamento, partilha

de experiências, disponibilidade, motivação,

desalento, cansaço, desafio”, etc.

O meu documento.

E com isto se gerou um animado e profícuo debate.

Refletiu-se sobre o trabalho do

professor, do artista e do investigador,

sobre o lugar da escola e a criação do

conhecimento, sobre a “pedagogia

colaborativa ou a investigação

participativa”, sobre as dinâmicas do

trabalho em grupo, e sobre a

importância de se criar conhecimento

a partir de uma comunidade.

Documento recolhido de uma colega.

Também, e a propósito, se questionou

a interferência das novas tecnologias

na “castração da imaginação, da

invenção e da criação”, enquanto

ferramentas facilitadoras do esforço e

da procura de soluções para

problemas. Por contraponto, foi

salientada a importância de se

estimular a “estética relacional, a

curiosidade, a sensibilidade e a

procura de novos sentidos e

significados para o quotidiano”.

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Teresa Eça apresentou-nos diversos trabalhos de investigação sobre esta temática,

e conduziu-nos a refletir sobre a importância de metodologias de trabalho em que

o desenho e a arte contemporânea são o ponto de partida para processos de

educação. Salientou a necessidade de se desenvolver uma “pedagogia relacional”, a

arte e a relação com as expressões, e de fomentar a “arte com a comunidade”, isto

é, a “arte socialmente comprometida”.

Para a hora do almoço o “piquenique” foi introduzido como uma estratégia de

partilha, de comunhão e de troca de experiências, tendo como pano de fundo a

exploração do lúdico, do convívio e do prazer do contacto com a natureza.

A tarde decorreu sob o mote da troca de ideias, a partir das expressões

encontradas por cada um de nós para definir o curso, e da troca de imagens

também, fixando os últimos instantes desta experiência. E, assim nos despedimos

já saudosos dos felizes momentos aqui vividos.

4. MAIS-VALIAS

Sem dúvida, a possibilidade de confrontar ideias artísticas, de trocar experiências

pedagógicas e de contactar com outras realidades educativas é a mais-valia que

levo do curso.

Assim, não posso descurar as substantivas e sugestivas intervenções por parte dos

artistas convidados, cujas ideias criativas, inovadoras e empreendedoras têm

enriquecido o meu património cultural e educativo no domínio das artes.

Relembrando Maria Jesús Pardiñas, “criar é pensar, fluir, transformar”.

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A ARTE CONTEMPORÂNEA COMO RECURSO INTERDISCIPLINAR

PAULO SIMÕES NUNES

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5. CONCLUSÕES

Sendo a primeira vez que frequentei o curso, pretendo voltar a inscrever-me,

certamente, não só para novas e estimulantes experiências artísticas, como

também para interagir com outras realidades, outras práticas, outros fenómenos.

Devo, desde logo, relevar a organização da ação, quer da parte da APECV, quer da

parte da monitorização da Culturgest, pela competência, distinção e entusiasmo

que entregaram a todo o evento e que, de resto, tanto prestigia as partes

envolvidas.

Todavia, devo considerar que o excessivo número de participantes, em particular

nas sessões de 8 de fevereiro e de 5 de abril, impediu os intervenientes (formandos

e formadores) de concretizar os objetivos estabelecidos na sua plenitude.

Sobretudo, o aspeto que considero mais importante destes “encontros”, ou seja, a

possibilidade de gerar debate, de confrontar ideias ou de construir crítica, não

pode ser inviabilizado por um número de participantes inadequado a tal

experiência. Na verdade, nunca entendi este “curso” como uma simples

apresentação de projetos por parte de “ilustres convidados” – cujo valor e

interesse é inquestionável – mas sim como uma oportunidade para ampliar

recursos para a sala de aula, no caso em apreço, reconhecendo “a arte

contemporânea como recurso interdisciplinar”.

A despeito deste sentimento, tentei colaborar tanto quanto possível nas atividades

propostas, responder às solicitações que eram desencadeadas e contribuir, deste

modo, para a concretização dos objetivos estabelecidos em cada sessão.

Avaliando o meu desempenho, que penso poder encontrar-se refletido neste

relatório, assumiria um 9 (numa escala de 1 a 10).

6. SUGESTÕES

Apesar de entender, por parte da entidade organizadora, a necessidade de garantir

um “número mínimo” de inscrições para viabilizar economicamente o curso, devo

no entanto admitir que o excesso de participantes por sessão, porventura

excedendo um “número máximo” que devia igualmente ser estabelecido, retirou

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vitalidade de intervenção aos participantes afastando a concretização dos

objetivos na sua plenitude.

Num curso desta natureza, à imagem de um workshop, devia proporcionar-se a

possibilidade de se constituir grupos de trabalho de dimensão reduzida, não mais

do que cinco a seis elementos, de modo a garantir a plena participação de todos.

Barreiro, 25 de junho de 2014