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A Arte de Pregar Capítulo 1 O Milagre da Pregação "Como maçãs de ouro em salvas de prata, assim é a palavra dita a seu tempo." Salomão A pregação bíblica é um milagre duplo. O primeiro milagre é Deus usar um homem imperfeito, pecador e cheio de defeitos para transmitir a perfeita e infalível Palavra de Deus. Trata-se de um Ser perfeito usando um ser imperfeito como seu porta-voz. Só um milagre pode tornar isso possível. O segundo milagre é Deus fazer com que os ouvintes aceitem o porta-voz imperfeito, escutem a mensagem por intermédio do pecador e finalmente sejam transformados por essa mensagem. Esse é o grande milagre da pregação! Ao iniciar um livro sobre as técnicas da boa pregação, algo deve ser dito: as técnicas são indispensáveis, até porque foram pesquisadas em diversos autores considerados especialistas no assunto e são comprovadas pela experiência de pregadores bem-sucedidos. Contudo, uma coisa precisa ficar muito clara: todas as técnicas reunidas e colocadas em prática não fazem de alguém um pregador. Para ser um bom pregador é preciso ter técnica e algo mais. Esse algo mais é o milagre do Espírito Santo. Aos quarenta anos de idade, Moisés conhecia todas as técnicas dos mais variados ramos do conhecimento humano, inclu-sive a arte de falar em público em diferentes línguas. Anos depois, quando Deus o desafiou a tornar-se pregador, o erudito Moisés respondeu: "Ah! Senhor! Eu nunca fui eloqüente..." (Êx 4.10). Faltava a Moisés algo mais: o milagre! Foi esse milagre que Deus lhe ofereceu quando disse: "Vai, pois, agora, e eu serei com a tua boca, e te ensinarei o que hás de falar" (4.12). Mesmo com relutância, Moisés aceitou o milagre e tornou-se pregador e líder. Ao contemplar a santidade de Deus, Isaías sentiu-se um inútil pecador e exclamou: "Ai de mim... porque sou homem de lábios impuros" (Is 6.5). Ele

A Arte de Pregar - Robsom Marinho

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A Arte de Pregar Captulo 1 O Milagre da Pregao"Como mas de ouro em salvas de prata, assim a palavra dita a seu tempo."Salomo

A pregao bblica um milagre duplo. O primeiro milagre Deus usar um homem imperfeito, pecador e cheio de defeitos para transmitir a perfeita e infalvel Palavra de Deus. Trata-se de um Ser perfeito usando um ser imperfeito como seu porta-voz. S um milagre pode tornar isso possvel. O segundo milagre Deus fazer com que os ouvintes aceitem o porta-voz imperfeito, escutem a mensagem por intermdio do pecador e finalmente sejam transformados por essa mensagem. Esse o grande milagre da pregao! Ao iniciar um livro sobre as tcnicas da boa pregao, algo deve ser dito: as tcnicas so indispensveis, at porque foram pesquisadas em diversos autores considerados especialistas no assunto e so comprovadas pela experincia de pregadores bem-sucedidos. Contudo, uma coisa precisa ficar muito clara: todas as tcnicas reunidas e colocadas em prtica no fazem de algum um pregador. Para ser um bom pregador preciso ter tcnica e algo mais. Esse algo mais o milagre do Esprito Santo. Aos quarenta anos de idade, Moiss conhecia todas as tcnicas dos mais variados ramos do conhecimento humano, inclu-sive a arte de falar em pblico em diferentes lnguas. Anos depois, quando Deus o desafiou a tornar-se pregador, o erudito Moiss respondeu: "Ah! Senhor! Eu nunca fui eloqente..." (x 4.10). Faltava a Moiss algo mais: o milagre! Foi esse milagre que Deus lhe ofereceu quando disse: "Vai, pois, agora, e eu serei com a tua boca, e te ensinarei o que hs de falar" (4.12). Mesmo com relutncia, Moiss aceitou o milagre e tornou-se pregador e lder. Ao contemplar a santidade de Deus, Isaas sentiu-se um intil pecador e exclamou: "Ai de mim... porque sou homem de lbios impuros" (Is 6.5). Ele sentiu que seus lbios impuros o desqualifi-cavam para qualquer contato com a Divindade, principalmente para ser-lhe um porta-voz. Faltava a Isaas um milagre. Finalmente, um anjo tocou-lhe os lbios com a brasa viva do altar de Deus, e, s aps esse milagre, Isaas sentiu-se em condies de ser um portavoz de Deus e aceitou o desafio: "Eis-me aqui, envia-me a mim" (6.8). Da mesma forma, o pregador de hoje tambm homem de impuros lbios, mas que, tocado pela brasa viva do altar, pode tornar-se um porta-voz de Deus e ser usado no milagre da pregao. Por incrvel que parea, essa mistura do humano com o divino que d poder pregao. Segundo Phillips Brooks, a pregao a "apresentao da verdade atravs da personalidade",1 e foi Deus quem escolheu essa combinao da verdade perfeita com a personalidade imperfeita para dar poder pregao. Em outras palavras, o pregador usa as caractersticas de sua personalidade, como conhecimento, habilidade, voz, pensamento, e a

sua vida para transmitir a verdade divina, e essa unio do divino com o humano tem o poder de alcanar outros seres humanos e transform-los. Isto pregao: um poderoso milagre de Deus, o infinito fluindo por via finita, o perfeito chegando at ns por meio do imperfeito, a santidade sendo transmitida atravs de pecadores, e isso tem o poder de transformar outros pecadores. Com essa viso da pregao como um milagre de Deus, passemos a considerar os elementos tcnicos e estratgicos que Deus deseja utilizar nessa mistura do humano com o divino, ou seja, os recursos da personalidade para transmitir a verdade.

o milagre das palavras

No sentido humano, as palavras tambm fazem milagres. Deus colocou na comunicao um poder quase infinito. As palavras tm o poder de produzir sentimentos, pensamentos e aes. Uma nica palavra pode produzir amor ou dio, alegria ou tristeza, motivao ou depresso, pensamentos positivos ou negativos. Imagine, por exemplo, o efeito das palavras romnticas proferidas entre um casal de namorados ou de noivos. Elas so capazes de gerar um campo afetivo cujo desfecho o casamento. Agora imagine o efeito de palavras sarcsticas, agressivas e desrespeitosas proferidas num momento de desentendimento entre marido e mulher. So capazes de gerar um campo de hostilidade cujo desenlace pode ser o divrcio. Tal o poder das palavras. As palavras, portanto, so polivalentes, podendo ajudar ou atrapalhar. Podem encorajar, inspirar e tranqilizar, mas tambm podem decepcionar, desunir e oprimir. Foram as palavras que preservaram a verdade bblica at os nossos dias, bem como preservaram a histria da humanidade e as descobertas da cincia. Mas da mesma forma elas contriburam para desencadear guerras, homicdios e torturas. 2 Hitler, por exemplo, manipulou uma nao e torturou o mundo com o uso tendencioso das palavras. Jesus Cristo, por outro lado, estabeleceu o cristianismo e o evangelho com o uso do mesmo recurso: palavras. As palavras podem fazer ou deixar de fazer milagres na vida das pessoas. E a est o poder que ser utilizado como ferramenta do pregador. Cada pregador tem a oportunidade e a responsabili-ade de escolher e combinar as palavras de tal maneira que produzam o melhor efeito na vida espiritual das pessoas. A prpria Bblia diz: "Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que no tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade" (2Tm 2.15). Talvez, parafraseando, pudssemos dizer que o pregador s ser aprovado por Deus se manejar bem a Verdade e manejar bem as palavras. Ser pregador, portanto, ter o poder do Esprito para usar o milagre das palavras no milagre da pregao.

Notas1 2

Andrew Watterson Blackwood, A Preparao de Sermes (So Paulo, ASTE, 1965), p. 15. Raymond W. McLaughlin, Communication for the Church (Grand Rapids, Zondervan Publishing House, 1968), p. 51.

Captulo 2 Como Pregar sem Atrapalhar o Culto"Seja sua fala melhor do que o silncio - ou ento fique calado."

DionsioAlguns sermes tm a capacidade de atrapalhar o culto. Voc pode achar estranho, mas isso mesmo que estou querendo dizer: algumas vezes o culto seria melhor se no houvesse o sermo! Alis, sempre que a pregao for vazia e sem poder, atrapalhar o culto. s vezes o culto comea bem, com um poderoso hino congregacional, oraes fervorosas, uma inspiradora mensagem musical, e tudo vai muito bem at o momento em que comea o sermo. Nesse ponto, algumas vezes, um sermo malpreparado e sem contedo comea a torturar os adoradores com frases repetitivas e de pouco sentido, destruindo todo o clima espiritual criado pelo louvor. E, o que pior, o pregador no se contenta em ativar essa cmara de tortura por apenas meia hora -no raro se estende por uma hora ou mais. Talvez parea exagero dizer que o sermo prejudica o culto, mas a Bblia adverte contra pastores que apascentam to mal que fazem as ovelhas fugir: "Portanto assim diz o Senhor, o Deus de Israel, acerca dos pastores que apascentam o meu povo: Vs dispersastes as minhas ovelhas, e as afugentastes..." (Jr 23.2). Segundo Buttrick, citado na revista Ministry, "as pessoas abandonam a igreja no tanto por uma verdade rigorosa que as torne incomodadas, mas pelas fracas ninharias que as tornam desinteressadas". Em outras palavras, sermes vazios no s atrapalham o culto como podem acabar afastando as pessoas da igreja, criando nelas um total desinteresse pela adorao. Pode at ser que Deus faa o milagre de ajudar algum com um sermo desses, mas isso no justifica o despreparo do pregador.

sermes que atrapalham o culto

Apenas para ilustrar, vamos fazer uma rpida classificao dos sermes que mais atrapalham o culto. Se voc freqenta igreja h vrios anos, provvel que j se tenha encontrado com alguns desses sermes mais de uma vez. A seguir, descrevem-se os tipos de sermo que atrapalham o culto.

O sermo sedativo

aquele que parece anestesia geral. Mal o pregador comeou a falar e a congregao j est quase roncando. Caracteriza-se pelo tom de voz montono, arrastado, e pelo linguajar pesado, tpico do comeo do sculo, com expresses arcaicas e carregadas de chaves deste tipo: "Prezados irmos, estamos chegando aos derradeiros meandros desta senda". Por que no dizer: "Irmos, estamos chegando s ltimas curvas do caminho"? Seria to mais fcil de entender. Ficar acordado num sermo desse tipo quase uma prova de resistncia fsica. Como dizia Spurgeon: "H colegas de ministrio que pregam de modo intolervel: ou nos provocam raiva ou nos do sono. Nenhum anestsico pode igualar-se a alguns discursos nas propriedades sonferas. Nenhum ser humano que no seja dotado de infinita pacincia poderia suportar ouvi-los, e bem faz a natureza em libert-lo por meio do sono".1

O sermo inspido

Esse sermo pode at ter uma linguagem mais moderna e um tom de voz melhor, mas no tem gosto e duro de engolir. As idias so plidas, sem nenhum brilho que as torne interessantes. Muitas vezes um sermo sobre temas profundos, porm sem o sabor de uma aplicao contempornea, ou sem o bom gosto de uma ilustrao. como se fosse comida sem sal. como pregar sobre as profecias de Apocalipse, por exemplo, sem mostrar a importncia disso para a vida prtica. O pregador no tem o direito de apresentar uma mensagem inspida, porque a Bblia no inspida. O pregador tem o dever de explorar as belezas da Bblia, selecion-las, pois so tantas, e esbanj-las perante a congregao.

O sermo bvio

aquele sermo que diz apenas o que todo mundo j sabe e est cansado de ouvir. O ouvinte quase capaz de adivinhar o final de cada frase de tanto que j a ouviu. como ficar

dizendo que roubar pecado ou que quem se perder no vai se salvar ( bvio). Isso uma verdade, mas tudo o que se fala no plpito verdade. Com raras excees, ningum diz inverdades no plpito. O que falta apenas revestir essa verdade de um interesse presente e imediato.

O sermo indiscreto

aquele que fala de coisas apropriadas para qualquer ambiente menos para uma igreja, onde as pessoas esto famintas do po da vida. s vezes, o assunto imprprio at para outros ambientes. Certa ocasio ouvi um pregador descrever o pecado de Davi com Bate-Seba com tantos detalhes que quase criou um clima ertico na congregao. Noutra ocasio, uma senhora que costumava visitar a igreja confessou-me que perdeu o interesse porque ouviu um sermo em que noventa por cento do assunto girava em torno dos casos de prostituio da Bblia, descritos com detalhes. E acrescentou: "Achei repugnante. Se eu quiser ouvir sobre prostituio, ligo a tv". De outra vez, um amigo me contou de um sermo que o fez sair traumatizado da igreja, pois o pregador gastou metade do tempo relatando as cenas horrorosas de um caso de estupro. Por favor, pregadores: o plpito no para isso. Para esse tipo de matria existem os noticirios policiais.

O sermo-reportagem

aquele que fala de tudo, menos da Bblia. Inspira-se nas notcias de jornais, manchetes de revistas e reportagens da televiso. Parece uma compilao das notcias de maior impacto da semana. um sermo totalmente desprovido do poder do Esprito Santo e da beleza de Jesus Cristo. uma tentativa de aproveitar o interesse despertado pela mdia para substituir a falta de estudo da Palavra de Deus. Notcias podem ser usadas esporadicamente para rpidas ilustraes, nunca como base de um sermo.

O sermo de marketing

aquele usado para promover e divulgar os projetos da igreja ou as atividades dos diversos departamentos. Usar o plpito, por exemplo, para promover congressos, divulgar literatura, prestar relatrios financeiros ou estatsticos, ou fazer campanhas para angariar fundos, seja qual for a finalidade, destri o verdadeiro esprito da adorao e, portanto, atrapalha o culto. A igreja precisa de marketing, e deve haver um espao para isso, mas nunca no plpito. Isso deve ser feito preferivelmente em reunies administra-tivas.

O sermo-metralhadora

usado para disparar, machucar e ferir. s vezes a crtica contra um grupo com idias opostas, contra administradores da igreja, contra uma pessoa pecadora ou rival, ou mesmo contra toda a congregao. Seja qual for o destino, o plpito no uma arma para disparar contra ningum. s vezes o pregador no tem a coragem crist de ir pessoalmente falar com um membro faltoso e se protege atrs de um microfone, onde ningum vai refutlo, e dispara contra uma nica pessoa, sob o pretexto de "chamar o pecado pelo nome". Resultado: a pessoa fica ferida, todas as outras, famintas, e o sermo no ajuda em nada. s vezes o disparo contra um grupo de adultos ou de jovens supostamente em pecado. No essa a maneira de ajud-los. Convm ressaltar que chamar o pecado pelo nome no chamar o pecador pelo nome. Chamar o pecado pelo nome significa orar com o pecador e se preciso chorar com ele na luta pela vitria. A congregao passa a semana machucando-se nas batalhas de um mundo pecaminoso e de uma vida difcil e chega ao culto precisando de remdio para as feridas espirituais, no de condenao por estar ferida. Em vez de chumb-la com uma lista de reprovaes e obrigaes, o pregador tem o dever santo de oferecer o blsamo de Gileade, o perdo de Cristo como esperana de restaurao. As obrigaes, todo mundo conhece. Nenhum cristo desconhece os deveres do evangelho. Em vez de apenas dizer que o cristo tem de ser honesto, por exemplo, mostre-lhe como ser honesto pelo poder de Cristo. Isso pregao com poder.

Todos esses sermes mencionados acima atrapalham o culto mais do que ajudam. Prejudicam o adorador, prejudicam a adorao. So vazios de poder. Se voc quer ser um pregador de poder, busque a Deus, gaste dezenas de horas no estudo da Bblia antes de preg-la, experimente o perdo de Cristo e estude os recursos da comunicao que ajudam a chegar ao corao das pessoas. Esse o assunto dos prximos captulos.

Nota1

C. H. Spurgeon, Lies aos Meus Alunos (So Paulo, Publicaes Evan-glicas Selecionadas, 1990), vol. 1, p. 32.