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1 A ASSEMBLEIA DE DEUS NO BRASIL E A OFICIALIZAÇÃO DOS USOS E COSTUMES COMO PRESERVAÇÃO DE SUA IDENTIDADE Roberto dos Reis 1 RESUMO A Assembleia de Deus é, sem sombra de dúvida, a maior igreja pentecostal do Brasil. A história dessa denominação, já agora centenária e longe (muito longe!) dos holofotes dos que vaticinavam sua desintegração embrionária, tem fascinado e desafiado os estudiosos e pesquisadores de diversas áreas do saber científico Ciências da Religião, Teologia, Educação, História, Sociologia, Psicologia, entre outros espalhados por universidades, centros-universitários e faculdades em diversas partes do Mundo. Tendo isso em mente, e consciente do desafio que é estudar uma denominação pentecostal desse porte e, acima de tudo, tão sui generis em sua natureza e expressão, o presente artigo propõe fazer um singelo levantamento histórico do surgimento da Assembleia de Deus no Brasil, começando, a toda evidência, com a abertura dos portos brasileiros às nações amigas, em 1810, a chegada dos primeiros protestantes e a consequente quebra da hegemonia católico- romana sobre o cenário religioso pátrio, bem como a ampliação e diversificação do seu campo religioso que, a partir de 1910 e 1911, com a chegada dos primeiros pentecostais, tornou-se amplamente difuso. É nesse cenário amplamente efervescente que a Assembleia de Deus fincou suas raízes, construiu sua história e delineou sua identidade denominacional pautada na rígida ética dos Usos e Costumes. A rigor, muita coisa mudou na Assembleia de Deus que, resguardando a todo custo tal identidade por meio da oficialização dos Usos e Costumes, transformou e foi transformada pela convivência e trato naturais com os demais atores desse mesmo campo religioso ainda mais difuso. Palavras-Chave: Pentecostalismo; Assembleia de Deus; Usos e Costumes; Campo Religioso Brasileiro. 1 Mestre em Ciência da Religião e Gestão de Pessoas pela FABAD.

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A ASSEMBLEIA DE DEUS NO BRASIL E A OFICIALIZAÇÃO DOS USOS E COSTUMES COMO PRESERVAÇÃO DE SUA IDENTIDADE

Roberto dos Reis1

RESUMO

A Assembleia de Deus é, sem sombra de dúvida, a maior igreja pentecostal do Brasil. A história dessa denominação, já agora centenária e longe (muito longe!) dos holofotes dos que vaticinavam sua desintegração embrionária, tem fascinado e desafiado os estudiosos e pesquisadores de diversas áreas do saber científico – Ciências da Religião, Teologia, Educação, História, Sociologia, Psicologia, entre outros – espalhados por universidades, centros-universitários e faculdades em diversas partes do Mundo. Tendo isso em mente, e consciente do desafio que é estudar uma denominação pentecostal desse porte e, acima de tudo, tão sui generis em sua natureza e expressão, o presente artigo propõe fazer um singelo levantamento histórico do surgimento da Assembleia de Deus no Brasil, começando, a toda evidência, com a abertura dos portos brasileiros às nações amigas, em 1810, a chegada dos primeiros protestantes e a consequente quebra da hegemonia católico-romana sobre o cenário religioso pátrio, bem como a ampliação e diversificação do seu campo religioso que, a partir de 1910 e 1911, com a chegada dos primeiros pentecostais, tornou-se amplamente difuso. É nesse cenário amplamente efervescente que a Assembleia de Deus fincou suas raízes, construiu sua história e delineou sua identidade denominacional pautada na rígida ética dos Usos e Costumes. A rigor, muita coisa mudou na Assembleia de Deus que, resguardando a todo custo tal identidade por meio da oficialização dos Usos e Costumes, transformou e foi transformada pela convivência e trato naturais com os demais atores desse mesmo campo religioso ainda mais difuso.

Palavras-Chave: Pentecostalismo; Assembleia de Deus; Usos e Costumes;

Campo Religioso Brasileiro.

1 Mestre em Ciência da Religião e Gestão de Pessoas pela FABAD.

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ABSTRACT

The Assembly of God in Brazil and the Officialization of Uses and

Customs as a Preservation of their Identity

The Assembly of God is, without a doubt, the largest Pentecostal church

in Brazil. The history of this denomination, now centuries old and far (far!) from the spotlight of those who predicted its embryonic disintegration, has fascinated and challenged scholars and researchers from different areas of scientific knowledge – Sciences of Religion, Theology, Education, History, Sociology, Psychology, among others – spread across universities, university centers and colleges in different parts of the world. Bearing this in mind, and aware of the challenge of studying a Pentecostal denomination of this size and, above all, so sui generis in nature and expression, this article proposes to make a simple historical survey of the emergence of the Assembly of God in Brazil, beginning, with all evidence, with the opening of Brazilian ports to friendly nations, in 1810, the arrival of the first Protestants and the consequent break of the Catholic-Roman hegemony over the religious religious scenario, as well as the expansion and diversification of its religious field that , from 1910 to 1911, with the arrival of the first Pentecostals, it became widely diffused. It is in this broadly effervescent scenario that the Assembly of God took root, built its history and outlined its denominational identity based on the strict ethics of Uses and Customs. Strictly speaking, much has changed in the Assembly of God which, safeguarding this identity at all costs through the officialization of Uses and Customs, has transformed and was transformed by natural coexistence and treatment with the other actors in the same religious field, even more diffuse.

Keywords: Pentecostalism; Assembly of God; Uses and Customs; Brazilian Religious Field.

1. INTRODUÇÃO

A Assembleia de Deus no Brasil já é centenária. Desde aquele primeiro

culto realizado na residência do casal Albuquerque, em 18 de junho de 1911,

na periferia de Belém/PA, a novel denominação, contrariando as expectativas

dos que vaticinavam seu fracasso institucional, despontou como a maior

representante do Pentecostalismo Moderno. Graças ao árduo trabalho dos

primeiros missionários protestantes que, na primeira década do século XIX,

iniciaram o desbravamento do campo religioso brasileiro, até então

majoritariamente católico-romano, a Assembleia de Deus encontrou o cenário

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propício para disseminar a mensagem pentecostal trazida inicialmente pelos

missionários suecos, Daniel Berg e Gunnar Vingren.

Detentora de um espírito aguerrido, a Assembleia de Deus vai se

espalhando pelo Brasil, levada, entre outros, por migrantes que, tendo entrado

em contato com a mensagem pentecostal, partiram da região norte para o

restante do país. Crescendo e se expandindo através do trabalho evangelístico

de pessoas pobres, iletradas e marginalizadas, constrói sua história e delineia

sua fisionomia doutrinária a partir dos rígidos códigos de conduta ético-moral

consubstanciados nos Usos e Costumes. Desta forma, num primeiro momento,

faremos um singelo levantando histórico do surgimento da Assembleia de Deus

no Brasil partindo, antes de tudo, da chegada dos primeiros protestantes em

solo pátrio (a partir de 1810) e da quebra da hegemonia católico-romana sobre

o campo religioso brasileiro; num segundo momento, trataremos dos Usos e

Costumes enquanto marca identitária da Assembleia de Deus para, finalmente,

no terceiro momento, focarmos em sua oficialização institucional como

preservação de sua identidade denominacional.

2. DA ABERTURA DOS PORTOS BRASILEIROS AO NASCIMENTO DA

ASSEMBLEIA DE DEUS

Em 1810, o Brasil, então colônia portuguesa, abria seus portos para as

nações amigas. Os tratados de Aliança e Amizade e de Comércio e

Navegação, firmados com a Inglaterra, inauguravam uma nova era no cenário

religioso brasileiro, até então majoritariamente católico romano. As primeiras

tentativas de implantação de igrejas protestantes em solo pátrio – a primeira

em 1555, no Rio de Janeiro e a segunda em 1630, em Pernambuco – não

surtiram efeito. De 1645, quando foram expulsos os protestantes holandeses

de Pernambuco, a 1810, quando os tratados Brasil–Inglaterra foram assinados,

passaram-se exatos 165 anos. É a partir de 1810, com a chegada dos

primeiros protestantes ingleses, propiciada pela abertura dos portos, que a

muralha construída pelo Catolicismo em torno do sistema religioso brasileiro

começou a trincar. Em 1819, na cidade do Rio de Janeiro, o reverendo Lord

Strangford inaugura a Igreja Anglicana; em 1836, Justin Spaulding organiza a

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Igreja Metodista; em 1845, a Igreja Luterana; em 1855, a Igreja

Congregacional, através do trabalho missionário do médico escocês Robert R.

Kalley; em 1859 a Igreja Presbiteriana, com Ashbel G. Simonton; em 1881, a

Igreja Batista, com William B. Bagby e Z. C. Taylor; em 1890, a Igreja

Episcopal, através do trabalho dos missionários Lucien Kinsolving e Waltson

Morris. O Brasil, finalmente, torna-se campo evangelístico de bravos

missionários protestantes que, a partir da Região Sudeste, começaram a

disseminar a mensagem do Evangelho e a implantar igrejas no Norte, Nordeste

e Centro-Oeste.

O século XIX, portanto, pode ser nomeado de o Século do

Protestantismo Tradicional, na mesma medida em que o século XX pode ser

nomeado de o Século do Protestantismo Pentecostal. Naquele, atuaram

conjuntamente como atores principais a Igreja Anglicana, a Metodista, a

Luterana, a Congregacional, a Presbiteriana, a Batista e a Episcopal; neste, a

Congregação Cristã no Brasil e, em maior medida, a Assembleia de Deus.

Chegando ao Brasil em 19 de Novembro de 1910, a bordo do navio

Clemente, Daniel Berg e Gunnar Vingren desembarcaram no porto de Belém,

no Pará, trazendo na bagagem poucas roupas, no bolso as sobras da

passagem Nova Iorque – Belém e no coração o fervor da mensagem

pentecostal que receberam numa Conferência Missionária na cidade de

Chicago, EUA (ALMEIDA, 1982). Desconhecendo completamente a região

(clima, cultura etc.), sem apoio financeiro de nenhuma igreja, sem o auxílio de

nenhum conhecido e, para agravar a situação, sem o mínimo conhecimento da

língua, os jovens missionários contavam plenamente com a orientação e a

providência divinas (CONDE, 1960).

Conduzidos, segundo eles, pelo Espírito Santo a um modesto hotel nas

imediações da praça central de Belém, Berg e Vingren encontraram, num

pequeno jornal disposto sobre uma mesa, o endereço de Justus Nelson, pastor

da Igreja Metodista em Belém. Por serem batistas – ainda que esta informação

não seja de toda verdadeira – Justus Nelson os encaminhou a uma

congregação da Igreja Batista, na época coordenada por José Plácido da

Costa. Acolhidos ali, passaram a cooperar nos trabalhos, mas sem fazerem

silêncio em relação à mensagem pentecostal, fato gerador de indisposição por

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parte de alguns membros da igreja, fundamentalmente o seminarista Raimundo

Nobre que, convocando uma reunião extraordinária, decidiu expulsar os

missionários suecos e “excluir” os membros concordantes com a nova doutrina

(CONDE, 1960).

Duas coisas importantes devem ser ditas aqui. Em primeiro lugar, Daniel

Berg e Gunnar Vingren já não eram batistas quando chegaram ao Brasil, uma

vez que solicitaram carta de desligamento da igreja em Chicago. Portanto, a

afirmação que comumente se ouve de que a Assembleia de Deus se originou

da Igreja Batista não corresponde com a verdade dos fatos. Em segundo lugar,

não se pode falar em “exclusão” dos missionários suecos por duas razões mais

que óbvias: (1) Não pertenciam à Igreja Batista e, portanto, não estavam

sujeitos a nenhuma determinação desta, e (2) Raimundo Nobre, gestor da

assembleia extraordinária que culminou com a saída de Berg e Vingren e mais

17 irmãos da congregação, não possuía legitimidade eclesiástica para tal,

afinal de contas, não era oficial (pastor) da denominação. De qualquer forma,

os missionários suecos passaram a congregar os irmãos na residência do

casal Henrique e Celina de Albuquerque iniciando assim, em 18 de junho de

1911, a Missão de Fé Apostólica, uma referência ao movimento pentecostal

moderno iniciado na Rua Azusa, em Los Angeles, EUA, cinco anos antes.

Recebendo o nome de Assembleia de Deus em 11 de Janeiro de 1918,

por ocasião de seu registro cartorário, a novel denominação teve como

principal veio de expansão o processo migratório urbano que, a partir do

declínio do ciclo da borracha (a partir de 1918), quando centenas de migrantes

de outras regiões do Brasil, principalmente do Nordeste, que buscavam nos

seringais do Norte oportunidades de trabalho, deixavam Belém em direção a

suas cidades de origem. É neste retorno que muitos migrantes, agora

convertidos ao Evangelho, levavam consigo a experiência pentecostal e o

desejo incontido de fazer a obra de Deus. É assim que a Assembleia de Deus

vai percorrendo o território nacional, levando a mensagem pentecostal aos

lugares mais recônditos, implantando igrejas nas regiões até então dominadas

pelo Catolicismo, e quando não, esquecidas pelo Protestantismo Tradicional.

Essa, portanto, é a marca do pioneirismo assembleiano, a coragem e o vigor

do Espírito Santo que, derramado em Pentecostes (At.2.1), inflama a igreja,

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transformando homens simples e iletrados em porta-vozes audazes da

mensagem pentecostal (REIS, 2010). Vendo por esse ângulo, é fácil

entendermos porque, a despeito do Protestantismo Tradicional, que se

expandia seguindo as trilhas do café na região sul do país, e, portanto,

acompanhando o bem-estar proporcionado pelo desenvolvimento econômico-

social, o Pentecostalismo seguia no coração de pessoas simples, empurradas

para a margem desse mesmo desenvolvimento econômico-social

(MENDONÇA, 1995). É através desses excluídos, desvalidos, iletrados e, por

tudo isso, marginalizados, que o Espírito Santo, a partir da Região Norte,

demonstrou Sua força e soberania, fazendo prosperar a mensagem

pentecostal em solo brasileiro.

3. USOS E COSTUMES: A MARCA DA ASSEMBLEIA DE DEUS

A Assembleia de Deus já não é mais um simples ajuntamento de crentes

reunidos num espaço qualquer, sem expressão ou prestígio. Se no início do

século passado era vista como movimento carismático à espera do fracasso

embrionário-institucional e do desencanto de seus membros, hoje, mais de cem

anos depois, ostenta o título de maior denominação pentecostal do mundo. Se

no início do século passado era desprezada, preterida e vista com

desconfiança, hoje, é amplamente cortejada, seja em virtude de sua força

denominacional, lastreada por seus milhões de membros e centenas de

milhares de templos espalhados pelo mundo, seja pelo poder econômico-

político-social que detêm em decorrência desse mesmo lastro. Por tudo isso, a

celebração do seu primeiro centenário nos faz pensar e nos desafia a uma

reflexão a partir da seguinte pergunta: Até que ponto a Assembleia de Deus de

hoje é a Assembleia de Deus de Gunnar Vingren e Daniel Berg?

O elemento preponderante da presente indagação é a realidade eclésio-

institucional, ou seja, a Assembleia de Deus, como toda e qualquer

denominação protestante, participa, ativa ou passivamente, de todas as

transformações ocorridas no espaço religioso onde se acha inserida. Mais que

isso, as mudanças não se limitam ao extramuros, elas não podem ser

observadas de dentro para fora como que protegidas por uma redoma de vidro,

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incólumes a toda e qualquer transformação. Pelo contrário, as mudanças

adentram ao espaço denominacional e, querendo ou não, influenciam toda a

estrutura (MARIANO, 1999). Não se trata de uma simples discussão entre o

intramuros e o extramuros; entre o que está dentro e o que está fora da

estrutura denominacional; entre o que a Assembleia de Deus é e o que as

outras denominações são; e sim, de onde a Assembleia de Deus veio, onde ela

está hoje e aonde chegará nas próximas décadas.

A rigor, toda e qualquer instituição possui características próprias que,

dentro de um contexto mais amplo, a distingue das demais. São essas

características que, tratando-se de igrejas protestantes, permitem aos

pesquisadores da religião estabelecer quadros identificativos que, de maneira

didática, fornecem uma visão geral dessas instituições religiosas em um

determinado contexto. Assim, temos as igrejas Históricas e as igrejas

Pentecostais. Deixando de lado o primeiro grupo, as igrejas pentecostais, em

virtude de características que lhe são próprias, são classificadas como (a)

Pentecostais Clássicas e (b) Neopentecostais. É nesse primeiro grupo que, ao

lado da Congregação Cristã no Brasil, a Assembleia de Deus se acha inserida.

Claramente distinta das denominações de vertente neopentecostal, onde

figuram igrejas como a Universal do Reino de Deus e a Igreja Internacional da

Graça, a Assembleia de Deus assume postura bem definida, seja em virtude de

sua teologia arminiano-wesleyana, estritamente focada na Bíblia; seja em

virtude de sua eclesiologia participativa, onde seus membros tem a plena

liberdade para interagir na liturgia (MENDONÇA, 1990), além de sua

preocupação com a instrução bíblica de sua liderança e membresia. Portanto, é

essa fisionomia que, em linhas gerais, tem permanecido a mesma ao longo

desse primeiro centenário, mesmo que sua composição social e sua identidade

– interna e externa – tenham sido construídas amalgamadas à sociedade

brasileira (ALENCAR, 2013), e por conta disso, suscetível a inevitáveis

mudanças, afinal de contas, nenhuma instituição humana é capaz de

permanecer incólume ante a passagem do tempo.

A rigor, pelo presente viés, é perfeitamente possível apontarmos traços

peculiares que, não obstante a tornam distinta dos demais atores do campo

religioso brasileiro, vem sofrendo mudanças ao longo das últimas décadas. E,

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se por um lado, permanece inalterada a compreensão de que o Espírito Santo,

por intermédio de uma experiência particular, distinta e posterior à conversão,

torna o fiel capaz de testemunhar com eficácia a mensagem de salvação

conforme as Sagradas Escrituras, tendo como sinal visível a glossolalia – o

falar em línguas –, isto é, o revestimento de poder (BERGSTÉN, 1999), o

mesmo não se pode ser dito dos Usos e Costumes que, durante longas

décadas, eram vistos como traço identificativo de santificação e de pertença na

comunidade assembleiana. Portanto, na mesma linha de importância e como

desdobramento da postura preparatória que desemboca no batismo no Espírito

Santo, a santificação desponta como a continuação da obra de salvação na

vida do fiel. A rigor, esse pensamento teológico sinergético divide a

responsabilidade de salvação entre o Espírito Santo, que mergulha o fiel em

seus domínios (SOUSA, 2001), reorientando completamente sua vida (CESAR;

SHAULL, 1999), e a santificação perpetrada por esse mesmo fiel na medida

em que, voluntariamente, se mantém afastado de tudo o que contraria o

Espírito Santo, e tal afastamento, a toda evidência, se consubstancia na

observância desses mesmos Usos e Costumes.

3. A NORMATIZAÇÃO DOS USOS E COSTUMES

A Assembleia de Deus no Brasil, como bem observou Alencar (2010),

nunca publicou um Regimento Interno (R.I.), cujas regras estabelecidas por sua

liderança geral (a CGADB), regulamentassem os atos e posturas de sua

membresia, mesmo porque o controle de tais atos e posturas pertenciam aos

ministérios através dos pastores locais que, ligados2 à CGADB e orientados

2 As Assembleias de Deus no Brasil não respondem a uma única liderança nacional. Há três convenções

que, cooptando pastores e igrejas, ostentam o nome de “Convenção da Assembleia de Deus no Brasil”:

(1) CGADB – Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, fundada em 1930, ainda que a

Personalidade Jurídica tenha ocorrido somente em 1946, por ocasião da AGO em Recife/PE, teve como

primeiro presidente o pastor Cícero Canuto de Lima (1893-1982), sendo o atual presidente o pastor José

Wellington Costa Júnior (1953-); (2) CONAMAD – Convenção Nacional das Assembleias de Deus, que

surge efetivamente em 1989, quando o Ministério de Madureira, com personalidade Jurídica desde 1941,

é desligada do rol da CGADB. A CONAMAD, até hoje presidida pelo seu fundador, bispo Manoel

Ferreira (1932-), é a mais importante concorrente da CGADB; (3) CADB – Convenção das Assembleias

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pelos órgãos doutrinário-padronizadores da denominação (as Lições Bíblicas e

o Mensageiro da Paz), exerciam indiretamente tal função. Aliás, a rigidez

quanto a prática e conduta morais sempre fizeram parte da constituição

estrutural do pentecostalismo, herdeiro que é da ética puritana que, segundo

ilação do sociólogo Procópio Camargo (1973, p.136), contrapunha-se à “[...]

lassidão moral considerada pelos protestantes como típica dos católicos [...]”.

Segundo ele, tal ética gerou entre os protestantes padrões de conduta e de

comportamento bem característicos, ou seja, postura austera e recato na forma

de vestir, honestidade nos negócios e severas restrições comportamentais, tais

como: não consumir bebidas alcóolicas em hipótese alguma, não participar (e

praticar) nenhuma forma de jogos de azar, abster-se de práticas sexuais

extraconjugais etc.

A rigor, essa ética ascética protestante (MENDONÇA, 1990), que se

constitui num esforço metódico e continuado na busca pelo desenvolvimento

de uma espiritualidade mais plena, segundo os princípios morais espraiados na

Bíblia e auxílio imperioso do Espírito Santo na efetivação de meios para tal e

na superação dos obstáculos interpostos pelo “mundo”, é peculiar no

pentecostalismo assembleiano. Portanto, as proibições comportamentais e

vedações de práticas que, segundo a hermenêutica de sua liderança pastoral,

não encontram respaldo no texto sagrado, sempre foram publicados (e

exigidos) aos membros, ainda que não constassem num documento formal da

denominação. A normatização propriamente dita ocorreu por ocasião da 22ª

Assembleia Geral Ordinária3 da Convenção Geral das Assembleias de Deus no

Brasil4, realizada na cidade de Santo André, no Estado de São Paulo, em 1975,

quando os Usos e Costumes foram finalmente oficializados, tornando-se

prática obrigatória a todas as igrejas que, ligadas à CGADB, ostentam o nome

“Assembleia de Deus”. Mesmo que em torno do tema tenha havido grandes

de Deus no Brasil, fundada em 2017, torna-se relevante por conta do seu fundador e circunstância de sua

fundação. Fundada pelo pastor Samuel Câmara, presidente da AD em Belém/PA e um veterano

concorrente nas eleições pela presidência da CGADB, a CADB foi inaugura em cerimônia realizada no

templo sede do seu ministério, em Belém, contando já de imediato com a inscrição de mais de 10 mil

filiados, tornando-a a terceira maior do Brasil. 3 Doravante AGO. 4 Doravante CGADB.

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discussões no plenário da AGO realizada em Recife5, quase trinta anos antes

(em 1946), por conta da Resolução de São Cristóvão, como ficou conhecida a

polêmica publicação – no Mensageiro da Paz – de uma norma de conduta feita

pelo Ministério da Assembleia de Deus em São Cristóvão/RJ, o tema parece

que encontrou guarida no coração dos pastores nacionais. Desta forma, os

membros convencionais (pastores e evangelistas devidamente credenciados)

aprovaram aquela que ficaria conhecida como Resolução de Santo André,

disposta nos seguintes termos, segundo transcrição de trechos daquela ata

feita por Silas Daniel (2001, p.438, 439):

‘E ser-me-eis santos, porque eu, o Senhor, sou santo, e separai-vos dos povos, para serdes meus’ (Lv.20.26). A Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, reunida na cidade de Santo André, Estado de São Paulo, reafirma o seu ponto de vista no tocante aos sadios princípios estabelecidos como doutrinas na Palavra de Deus – a Bíblia Sagrada – e conservados como costumes desde o início desta obra no Brasil. Imbuída sempre dos mis altos propósitos, ela, a Convenção Geral, deliberou pela votação unânime dos delegados das igrejas da mesma fé e ordem em nosso país, que as mesmas igrejas se abstenham do seguinte: (1) Uso de cabelos crescidos pelos membros do sexo masculino; (2) Uso de traje masculino por parte dos membros ou congregados do sexo feminino; (3) Uso de pinturas nos olhos, unha e outros órgãos da face; (4) Corte de cabelo por parte das

5 A AGO foi realizada em Recife/PE, entre 21 a 28 de outubro de 1946, no templo sede da Assembleia de

Deus localizada no bairro da Encruzilhada, pastoreada por José Bezerra da Silva, que ocupou a

presidência da igreja entre 1942 e 1953. Na ocasião, além de decidirem sobre a criação da CGADB como

Pessoa Jurídica e o estabelecimento dos limites dos campos ministeriais (jurisdição pertencente a cada

Igreja e suas congregações), a AGO discutiu a polêmica resolução da Assembleia de Deus em São

Cristóvão/RJ. Pastoreada (1945-1948) pelo missionário sueco, Otto Nelson (1881-1982), o Ministério de

São Cristóvão publicou no Mensageiro da Paz (órgão oficial da denominação no Brasil), na edição da

primeira quinzena de julho de 1946, uma resolução que, referendada pela assembleia local em 4 de junho

daquele ano, estabelecia o seguinte: “(1) Não será permitido a nenhuma irmã membro desta igreja raspar

sobrancelhas, cabelo solto, cortado, tingido, permanente ou outras extravagâncias de penteado, conforme

usa o mundo, mas que se penteiem simplesmente como convém às que professam a Cristo como Salvador

e Rei. (2) Os vestidos devem ser suficientemente compridos para cobrir o corpo com todo o pudor e

modéstia, sem decotes exagerados e as mangas devem ser compridas. (3) Se recomenda às irmãs que

usem meias, especialmente as esposas de pastores, anciãos, diáconos, professoras de Escola Dominical, e

dos que cantam no coro ou tocam. (4) Esta resolução regerá também todas as congregações desta igreja.

(5) As irmãs que não obedecerem ao que acima foi exposto serão desligadas da comunhão por um período

de três meses. Terminando este prazo, e não havendo obedecido à resolução da igreja, serão cortadas

definitivamente por pecado de rebelião. (6) Nenhuma irmã será aceita em comunhão se não obedecer a

estas regras de boa moral, separação do mundo e uma vida santa com Jesus” (DANIEL, 2004, p.219). A

resolução, publicada no Mensageiro da Paz foi lida, na integra, no plenário pelo pastor José Teixeira

Rego. As decisões propaladas pelo Ministério de São Cristóvão não apenas foram rechaçadas pelos

convencionais, como também exigiram uma retratação, através de uma nota e um artigo de

esclarecimento publicadas no Mensageiro da Paz. O artigo, a cargo do pastor Samuel Nyström, foi

publicado na primeira quinzena de janeiro de 1947 e a nota, por sua vez, assinada pelo Ministério de São

Cristóvão, foi publicada na segunda quinzena daquele mesmo mês, como segue: “AVISO: O Ministério

da Assembleia de Deus no Rio de Janeiro deseja fazer público que, de acordo com a igreja, retira as

regras publicadas no Mensageiro da Paz da 1ª quinzena de julho, estabelecidas para as irmãs membros da

igreja, pois sem elas as irmãs obedecem a Palavra de Deus. O Ministério” (DANIEL, 2004, p.222).

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irmãs (membros ou congregados); (5) Sobrancelhas alteradas; (6) Uso de minissaias e outras roupas contrárias ao bom testemunho da vida cristã; (7) Uso de aparelho de televisão, convindo abster-se, tendo em vista a má qualidade da maioria dos seus programas, abstenção essa que se justifica, inclusive, por conduzir a eventuais problemas de saúde; (8) Uso de bebidas alcóolicas. Esta Convenção resolve manter relações fraternais com outros movimentos pentecostais, desde que não sejam oriundos de trabalhos iniciados ou dirigidos por pessoas excluídas das Assembleias de Deus, bem como manter comunhão espiritual com os movimentos de renovação espiritual, que mantenham os mesmos princípios estabelecidos nesta resolução. Relações essas que devem ser mantidas em prudência e sabedoria, a fim de que não ocorram possíveis desvios das normas doutrinárias esposadas e defendidas pelas Assembleias de Deus no Brasil.

A CGADB, em sua 40ª AGO, realizada na cidade de Cuiabá/MT, em

abril de 2011, sob a presidência do pastor José Wellington Bezerra da Costa,

ratificou a chamada Resolução ELAD que, formulada pelo Fórum Convencional

promovido pelo 5º ELAD (Encontro de Líderes das Assembleias de Deus), em

1999, ampliou (atualizou) as exigências constantes na lista dos Usos e

Costumes adotados pela denominação desde aquela 22ª AGO. Desta forma, é

proibido (COROBIM, 2008, p.15):

(1) Ter os homens cabelos crescidos (1Co.11,14), bem como fazer cortes extravagantes; (2) As mulheres usarem roupas que são peculiares aos homens e vestimentas indecentes e indecorosas, ou sem modéstias (1Tm.2.9,10); (3) Uso exagerado de pintura e maquiagem – unhas, tatuagens e cabelos (Lv.19.28; 2Rs.9.30); (4) Uso de cabelos curtos em detrimento da recomendação bíblica (1Co.11.6,15); (5) Mal uso dos meios de comunicação: televisão, Internet, rádio, telefone (1Co.6.12; Fp.4.8) e (6) Uso de bebidas alcoólicas e embriagantes (Pv.20.1; 26.31; 1Co.6.10; Ef.5.18).

Destarte, quando analisamos as três reuniões da CGADB onde os Usos

e Costumes estavam na pauta das discussões6 – 1946, 1975 e 1999 –

percebemos as mudanças que foram ocorrendo a cada edição. Não contando a

AGO de 1946, quando o objetivo foi claramente questionar a legitimidade da

Assembleia de Deus em São Cristóvão/RJ em publicar exigências

6 A AGO de 1990, realizada em São Paulo, discutiu o tema dos Usos e Costumes, e por conta dos intensos

debates e com muitos convencionais participando dos apartes, decidiu-se que o tema seria apreciado pelo

Conselho de Doutrina da CGADB no interregno convencional e, posteriormente, se pronunciaria sobre o

assunto. Em 1995, na AGO realizada na cidade de Salvador/BA, conhecida como a Convenção do

Consenso e da Concórdia, o tema voltou a fazer parte da pauta das discussões. Entretanto, após os

acalorados debates, onde visivelmente se distinguia entre “liberais” e “conservadores”, ficou determinado

mais uma vez pela assembleia que a mesa diretora da CGADB e o Conselho de Doutrina da entidade,

analisariam a questão objetivando, nas palavras de Silas Daniel, “a preservação da unidade da Assembleia

de Deus” (2004, p.566). Nos anos que se seguiram, o assunto foi amplamente discutido, principalmente

nos diversos ELAD’s posteriores, até o surgimento e aprovação da Resolução ELAD, em 1999.

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comportamentais aos membros da denominação como se autoridade para tal

tivesse, as duas AGO’s seguintes são demonstrações claras de lassidão das

exigências ora rígidas e, aparentemente, inflexíveis. Desta forma, a vedação

plena acerca da utilização de “[...] pinturas nos olhos, unha e outros órgãos da

face” (DANIEL, 2001, p. 438) por parte dos membros do sexo feminino, na

AGO de 1975, cede lugar para a vedação do uso “[...] exagerado de pintura e

maquiagem”7 (COROBIM, 2008, p.15), na AGO de 1999; semelhantemente, a

proibição plena do uso de aparelho de TV, na AGO de 1975, cede lugar para a

exigência mais moderada, em 1999, ou seja, veda-se o “mal uso dos meios

de comunicação: televisão, Internet, rádio, telefone”8 (COROBIM, 2008, p.15).

Seja como for, misoginia indisfarçável (ALENCAR, 2013) ou mudança eufêmica

(FONSECA, 2009) à parte, o fato é que as práticas e posturas

comportamentais dos membros da Assembleia de Deus no Brasil, tituladas de

Usos e Costumes e oficializadas pela liderança da denominação em 1975, vão

se amoldando às novas realidades e, em certo sentido, sendo ressignificadas a

partir do diálogo e interação direta ou indireta com os demais atores do campo

religioso brasileiro. Ademais, consta na Resolução de 1975 que a CGADB,

enquanto órgão representativo das igrejas Assembleias de Deus a ela filiada,

resolveu:

[...] manter relações fraternais com outros movimentos pentecostais,

desde que não sejam oriundos de trabalhos iniciados ou dirigidos por pessoas excluídas das Assembleias de Deus, bem como manter comunhão espiritual com os movimentos de renovação espiritual, que mantenham os mesmos princípios estabelecidos nesta resolução. Relações essas que devem ser mantidas com prudência e sabedoria, a fim de que não ocorram desvios das normas doutrinárias esposadas e defendidas pelas Assembleias de Deus no Brasil (DANIEL, 2001, p.439)

9.

A referência a “[...] outros movimentos pentecostais [...]”, na decisão de

manter “relações fraternais”, diz respeito aos demais ramos do pentecostalismo

que, assim como a Assembleia de Deus, comungam dos mesmos princípios

bíblico-teológicos fundamentais, como a Igreja do Evangelho Quadrangular e O

Brasil para Cristo. Sobre os “[...] movimentos de renovação espiritual [...]”, com

7 Grifo nosso. 8 Grifo nosso. 9 Grifo nosso.

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os quais a denominação deve manter “comunhão espiritual”, é uma referência

clara às novas igrejas que, oriundas das denominações evangélicas históricas,

abraçaram a doutrina pentecostal, como as igrejas batistas renovadas, ligadas

à Convenção Batista Nacional (MENDONÇA, 1990). A rigor, entre “relações

fraternais” e “comunhão espiritual” o que há são diferentes graus de

aproximação entre as Assembleia de Deus representadas pela CGADB e os

demais partícipes do contexto religioso nacional, fundamentalmente os de

vertente pentecostal, tendo como objetivo institucional a manutenção das

normas doutrinárias – os Usos e Costumes – esposadas e defendidas pela

denominação no Brasil, ou seja, a preservação de sua identidade

assembleiana.

A rigor, como óbvio se mostra, a Assembleia de Deus não é mais a

mesma. Desde aquele sábado, 18 de junho de 1911, quando Daniel Berg e

Gunnar Vingren e mais vinte ex-membros da Igreja Batista em Belém/PA,

resolveram organizar-se como igreja, mesmo que de maneira informal10, na rua

Siqueira Mendes, nº 79, bairro Cidade Velha, em Belém/PA (ALMEIDA, 1982),

a então inexpressiva comunidade pentecostal alçou o título de a mais popular e

numerosa igreja pentecostal do Brasil. Consequência, não apenas do seu

proselitismo aguerrido e fácil penetração nas camadas mais populares, aliadas

à sua livre liturgia, fácil acessibilidade à liderança, apoio e solidariedade

comunitários, assomo de manejo religioso do cotidiano (MENDONÇA, 1990),

mas também da intensa migração interna (ROLIM, 1985) que, produzida pela

industrialização e crescimento urbano do pós-guerra, contribuíram para o seu

agigantamento. Pensando desta forma, é fácil compreendermos o porque a

Assembleia de Deus, de 20 membros, em 1911, passa a ter 13.511, em 1930;

dez anos depois (1940), 50 mil membros; em 1950, vê sua membresia

ultrapassar a marca de 120 mil (ALENCAR, 2013) e, segundo informam William

Read e Frank Ineson (1980), 636 mil, em 1966. E hoje, no ano do Censo

202011, como bem apontaram os dados do IBGE12 em 2010, o contingente de

10 Neste momento, não havia o registro cartorário. A novel igreja chamava-se Missão de Fé Apostólica,

assumindo o nome Assembleia de Deus no ato do registro como Pessoa Jurídica, em 11 de janeiro de

1918 (ALMEIDA, 1982). 11

https://censo2020.ibge.gov.br/sobre/numeros-do-censo.html. 12 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

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adeptos ultrapassa (e muito!) a marca de 12 milhões espalhados por todo o

território nacional. Uma gigante, mas “[...] visceralmente fragmentada”

(ALENCAR, 2013, p.46). Sua luta agora, já não é mais para se inserir e

permanecer no campo religioso brasileiro desbravado pelos primeiros

protestantes a partir de 1810 em sua franca peleja contra a força do

Catolicismo Romano que teimava em manter o monopólio religioso nacional

desde 1500; de modo semelhante, já não precisa vencer a desconfiança das

denominações protestantes históricas ou mesmo porfiar contra suas coirmãs

pentecostais mais “liberais”. Agora, isso sim, luta para preservar sua identidade

cristalizada nos Usos e Costumes, fulcro para os diversos ministérios que,

ligados ou não em convenções nacionais (CGADB, CONAMAD e CADB),

coligem milhares de igrejas Assembleias de Deus.

4. CONCLUSÃO

Até que ponto a Assembleia de Deus de hoje é a Assembleia de Deus

de Gunnar Vingren e Daniel Berg? Pela perspectiva institucional, em nenhum

ponto. Os pioneiros, Berg e Vingren, não tinham a mínima ideia da projeção

que aquele primeiro ajuntamento de crentes desligados da Igreja Batista, em

Belém, chegaria. Representada por três grandes convenções nacionais,

proprietária de editoras e gravadoras, canais de TV e outros meios de

comunicação de massa, poderosa no que diz respeito ao contingente de

membros e sua impressionante capacidade e peso político partidária, a

Assembleia de Deus não é mais a mesma. Pela perspectiva doutrinária, e aqui

vale reprisar o teor da Resolução ELAD que, tomando a termo o

posicionamento dos convencionais reunidos no referido conclave, asseverou

que “doutrina”, à luz da Bíblia, é o ensino normativo, final, derivado das

Sagradas Escrituras, apto para regrar a fé e a vida prática da Igreja e seus

membros, “[...] vista na Bíblia como expressão prática na vida do crente, e isso

inclui as práticas, usos e costumes. Elas são santas, divinas, universais e

imutáveis” (DANIEL, 2004, p.580), a Assembleia de Deus é a mesma.

Institucionalmente fragmentada e, tendo que lidar com seus múltiplos

assembleianismos (ALENCAR, 2013), resguarda, a toda evidência, os Usos e

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Costumes como marca identitária orgânica, mais conservadora numa, ou mais

moderna noutra, segue sua trajetória ressignificando tais princípios de acordo

com o dançar das peças nesse imenso e plural tabuleiro que é o campo

religioso brasileiro.

5. REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Abraão de. História das Assembleias de Deus no Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1982; ALENCAR, Gedeon Freire de. Assembleia de Deus: Origem, militância e construção (1911-1946). São Paulo: Arte Editorial, 2010; _________________________. Matriz Pentecostal Brasileira: Assembleia de Deus (1911-2011). Rio de Janeiro: Editora Novos Diálogos, 2013;

BERGSTÉN, Eurico. Introdução à Teologia Sistemática. Rio de Janeiro: CPAD, 1999;

CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira. Católicos, Protestantes e Espíritas. [S.L.]: Editora Vozes, 1973;

CONDE, Emílio. História das Assembleias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 1962;

COROBIM, Antônio Luiz. Uma Análise dos Usos e Costumes adotados pela Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil – CGADB. Trabalho de Conclusão de Curso. Faculdade Teológica Batista de São Paulo, São Paulo, 2008;

CUNHA, Magali do Nascimento. A Explosão Gospel: Um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil. Rio de Janeiro/Rio de Janeiro: MUAD Editora/Instituto MYSTERIUM, 2007; CESAR, Waldo; SHAULL, Richard. Pentecostalismo e Futuro das Igrejas Cristãs. Petrópolis/São Leopoldo: Ed. Vozes/Ed. Sinodal, 1999;

DANIEL, Silas. História da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2004;

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FONSECA, André Dioney. Os impressos Institucionais como Fonte de Estudo do Pentecostalismo: uma análise a partir do livro História da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil. Revista História em Reflexão. Dourados: UFGD. v. 3, n. 5, 2009;

GONDIM, Ricardo. É Proibido: O que a Bíblia permite e a Igreja proíbe. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1998;

MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Editora Loyola, 1999;

MENDONÇA, Antônio Gouvêa; FILHO, Prócoro Velasques. Introdução ao Protestantismo no Brasil. São Paulo: Edições Loyola, 1990;

READ, William R.; INESON, Frank A. Brasil 1980: O manual protestante. São Paulo: Editora SEPAL, n.02;

REIS, Roberto dos. Celebração no Centro da Comunidade: Pressupostos e característica da teologia eucarística da Assembleia de Deus no Brasil. São Paulo: Edificar Editora, 2010;

ROLIM, Francisco Cartaxo. Pentecostais no Brasil: uma interpretação sócio-religiosa. Petrópolis: Editora Vozes, 1985;

SOUSA, Estavam Ângelo de. Nos Domínios do Espírito. 6 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2001.