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01/10/2017 A Astrologia e o Timeu de Platão

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A Astrologia e o Timeu de Platão

A ASTROLOGIA COMO UM DIRECIONAMENTO SUPERIOR PARA A HUMANIDADE DO FUTURO.

SUNDAY, OCTOBER 1ST, 2017

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O Timeu de Platão e a Fundamentação Metafísica da Astrologia

Ana Rodolphi (http://blogdaanarodolphi.blogspot.com/)

 O Timeu é uma narrativa de Platão, por meio do personagem homônimo – astrônomo, matemático, religioso, entre outros atributos que denotamconhecimentos à sua época, de grande complexidade. O Timeu nos fala da ordem do mundo, mostrando-nos que os princípios dessa ordem regem também ohomem. A natureza do homem funda-se na própria natureza do universo, pelo que se impõe começar pela origem do universo, investigando-se as causas de

sua harmonia e passando daí, para a origem do homem e a harmonia que deve reger a sua alma.

Através do Timeu, Platão constrói sua filosofia da natureza apresentando conhecimentos de diversas áreas bem como reafirmando idéias e conceitos jáexpostos em diálogos anteriores.

 É o próprio Timeu, personagem versado em astronomia que, envolvido em uma conversa com Sócrates, Crítias e Hermócrates, narra aos companheiroscomo teria sido o nascimento do universo em que vivemos e a formação dos astros e dos seres vivos. Segundo ele, o demiurgo criou o mundo sensível

(empírico), a partir de um modelo perfeito (ideal), o mundo inteligível.

 O Demiurgo é um artista, ou mais precisamente, ele tem a intenção artística de criar uma coisa bela, a mais bela – a Alma do Mundo. No entanto, ele não édeus criador, ou seja, criar a partir do nada. Sua ação é somente colocar em ordem (cosmos) no que era antes desordenado (caos).

 Através da exposição dos instrumentos por meio dos quais Platão acreditava ser possível conhecer a Alma do Mundo e que, por sua vez, correspondem aosconhecimentos astronômicos, matemáticos e musicais; conhecimentos estes, que podem nos aproximar da Alma do Mundo via sua estrutura visível: aabóbada celeste, composta pelas constelações do zodíaco, e o movimento do sol, lua e os planetas que por ela circundam. A esta estrutura visível Platão

denominou o círculo do Mesmo, o círculo do Outro que, misturados originam um terceiro elemento, a Existência. A Alma do Mundo(https://espacoastrologico.wordpress.com/2009/08/24/philip-glass/) com sua estrutura geométrica dimensional e matemática, proporciona um fundamento à passagem entreIdéias e o mundo concreto sensível e resume analogicamente toda realidade, constituindo o verdadeiro vínculo entre o mundo metafísico e o mundo físico. Abase metafísica sobre a qual se ergue toda a explanação cosmológica do Timeu é o da existência de dois mundos, do qual o segundo não é senão a imitação do

primeiro, portanto, a divisão do real em formas inteligíveis e coisas sensíveis é absolutamente fundamental para compreender o Timeu.

 O mito é o modo que é dado ao homem de tornar o invisível inteligível; senão perfeitamente visível, perceptível. A exposição de Timeu sobre a origem douniverso e do homem é qualificada pelo próprio Platão de “mito verossímil”, ou seja, a tensão resultante da necessidade de ultrapassar a oposição existente

entre o mito e a ciência que se resolve no verossímil e no provável.

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O Timeu de Platão e os Primórdios da Astrologia

Marcus Reis Pinheiro (http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4799158Z6)

Prof. Adjunto do dept. de Filosofia da UFF Pos-Doutor em Filosofia, UFRJ Doutor em Filosofia, PUC-Rio

O presente texto procura apresentar alguns resultados da pesquisa que venho realizando sobre os antecedentes filosóficos da astrologia; maisespecificamente, sobre como a visão de mundo apresentada no diálogo Timeu de Platão se adequa ao saber e à prática dos astrólogos tanto de agora como de

outrora.

Podemos dizer, de modo amplo, que a astrologia é um campo entre outros do saber humano. Os campos do saber aceitam sem investigações prévias ummundo dado a partir do qual realizam suas pesquisas.  Todo campo do saber – exatamente por ser um campo restrito e não abarcar o todo da realidade –

pressupõe uma compreensão maior que englobe a Totalidade e acomode os ‘campos do saber’ em seu respectivo esquema geral. A biologia, por exemplo, nãoestuda o que seja a vida em si mesma, mas estuda os animais vivos particulares, aceitando sem mais investigações que há seres vivos e seres não vivos. É fato

bem conhecido que tanto para o antigo Aristóteles1 quanto para filósofos contemporâneos como Heidegger2 e Ortega y Gasset3, as ciências particulares,exemplos de campos do saber, são dependentes de uma visão global de mundo que as próprias ciências não investigam especificamente, mas a tomam do

senso comum ou da filosofia de sua época.

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1 ARISTOTLE. Metaphysics. Cambridge: Harvard University Press, 1996. Livro VI, 1025b, p.292.

2 HEIDEGGER. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 1989. p.38

3 GASSET, José Ortega y. O que é Filosofia. Rio de Janeiro: Livro Ibero-Americano, 1971.

O saber astrológico também não foge a esse princípio geral das ciências e, como todo saber, pressupõe uma visão global de mundo que o respalde efundamente em suas afirmações.  Apesar de na história da astrologia muitos sistemas filosóficos terem contribuído para dar fundamento às atividades e

pesquisas dos astrólogos, tais sistemas nem sempre são reconhecidos pelos praticantes dessa arte milenar, deixando uma lacuna em um conhecimento prévioque sustenta e baliza a prática e o saber astrológico. É certo que esse estudo prévio não é necessariamente da alçada do praticante de astrologia, mas, no

entanto, para o pesquisador e pensador da mesma, e especialmente para o historiador da astrologia, faz-se importante um esclarecimento e reconhecimentodessas bases filosóficas.

É bem conhecida a influência que sofreu a astrologia de certa visão de mundo encontrada em Platão, especialmente no diálogo Timeu4.  Bouché-Leclerq, noseu grande estudo L’Astrologie Grecque5, trata do Timeu como o diálogo de Platão que mais influenciou a história da astrologia. Também Olavo de Carvalho,

em seu livro Astros e Símbolos, cita um trecho do Timeu como “norma e bússola a fixar a verdadeira direção e vocação dos estudos astrológicos (…)”6. Vemos,assim, que desde o nascimento da astrologia até os dias atuais, o Timeu de Platão vem influenciando o pensamento astrológico.

4 O brasileiro Carlos Alberto Nunes, através da editora da Universidade Federal do Pará traduziu e publicou toda a obra de Platão. Usei também em meutrabalho as edições bilíngües do grego-francês da editora Guillaume Bude, Lês Belles Lettres, e também do grego-inglês da Loeb Classical Library. Para um

estudo minucioso e sistemático desse diálogo, ver o excelente trabalho de Archer-Hind, New York: Arno Press, 1973.

5 BOUCHÉ-LECLERCQ, A. L’Astrologie grecque. Paris: Culture et Civilisation, 1899.

6 CARVALHO, Olavo. Astros e Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Stella Editorial, 1985, p. 26.

O diálogo Timeu comporta uma cosmologia, isto é, descreve e procura argumentar a favor de uma forma de compreender o kosmos7, e com isso a totalidadedo universo, especialmente no que toca o seu nascimento.  Trata-se da descrição do nascimento do universo a partir de certos argumentos primordiais que

conduzem e orientam a investigação.  Ora, como já vínhamos dizendo no início, qualquer compreensão da astrologia pressupõe um universo a partir do qualela faça sentido e sobre o qual ela elabore suas teses e extraia suas conclusões. É nessa perspectiva que nos interessa o estudo do Timeu, pois não há ali

explicitamente uma ‘astrologia’, mas sim uma visão de mundo a partir da qual a astrologia se baseia ao longo de sua história. Não podemos dizer que háastrologia na Grécia da época de Platão, muito menos a que é mais difundida hoje em dia, a genetlíaca8.  Vale lembrar, antes de entrarmos mais propriamente

nos detalhes da construção do universo, que diversas vezes Platão nos lembra através do seu personagem Timeu, que as especulações acerca da cosmologianão devem ser consideradas literalmente, mas como uma descrição verossímil, já que o conhecimento perfeito do universo somente pertence a Deus.  O que

temos, em realidade, não são afirmações cabais, mas apenas concepções do universo que se encaixam em muitos aspectos no conhecimento astrológicosubseqüente.

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7 O termo kosmos em grego nos remete tanto para uma ordenação quanto para a beleza presente nessa ordenação.  Daí termos como ‘cosmético’ emportuguês, indicando aquilo que produz beleza.  O termo mundus em Latim, para o qual o termo grego kosmos é traduzido, traz o sentido de limpo, puro,

asseado, mas também designa o firmamento, o conjunto dos corpos celestes, etc. No português, temos o termo ‘imundo’ em que podemos ver a implicação delimpeza que guarda a palavra ‘mundo’.

8 Platão nasce no século quinto A.C. e como diz Jim Tester, “Os primeiros textos verdadeiramente astrológicos que possuímos são do Egito helenístico, emgrego, do final do terceiro e segundos séculos A.C.; e o primeiro manual mais ou menos completo é o poema em cinco livro do poeta romano, Manilius, no

começo do primeiro século D.C.” p. 12. TESTER, Jim. A History of Western Astrology. Suffolk: Boydell Press, 1996, tradução minha do inglês.

É importante que tenhamos claro o que seria uma ‘visão astrológica do mundo’.  No entanto, pelo curto espaço de que dispomos, podemos aceitar umadefinição preliminar da astrologia em que ela seria o estudo das relações entre as posições relativas dos orbes celestes com os fatos terrestres, especialmente,

mas não exclusivamente, com os fatos que concernem à vida humana. Entretanto, em um estudo mais profundo, que não cabe aqui, das relações entre afilosofia de Platão e a astrologia, seria necessária uma análise mais detalhada do que vem a ser a ‘visão astrológica do mundo’, colocando em questão e

fundamentando sua definição.

Podemos encontrar no mínimo quatro pontos em que o Timeu parece corroborar uma visão astrológica do mundo. Vamos enumerá-los para então tratar detrês deles em separado. Em primeiro lugar, todos os fenômenos ganham um encadeamento racional visando o bem e a beleza, excluindo o acaso, isto é, temos

no Timeu uma visão teleológica da realidade, que nos possibilita dar sentido aos fenômenos celestes e traçar uma relação com os terrestres.  Em segundolugar, temos uma isonomia entre o cosmos, a cidade e o homem, isto é, essas três instâncias da realidade possuem estruturas semelhantes e correlatas,

também viabilizando a relação entre céu e terra. Em terceiro, temos no diálogo citado um vasto estudo das características e funções que os famosos quatroelementos (fogo, terra, água e ar) possuem, descrevendo de que forma eles nascem, como são estruturados e quais são suas funções no desenrolar e

desenvolver-se do kosmos9. Em quarto lugar, temos o que acredito ser o ponto mais forte em relação a uma fundamentação da astrologia: o homem, segundoo Timeu, deve buscar pautar sua vida e sua alma de acordo com as revoluções dos orbes celestes.  O que vem a ser esses pontos, veremos a seguir10.

9 Infelizmente, não teremos espaço para tratar desse tema em específico, apesar de ser tão claramente astrológico. Os outros três temas nos pareceram maisrelevantes no tocante a uma fundamentação abrangente da visão astrológica, enquanto o tema dos elementos nos parece mais restrito a um traço ou parte da

astrologia.

10 Ainda há um tema muito relevante para a astrologia, a concepção da harmonia das esferas, que afirma que o universo foi criado matematicamente e osplanetas, com suas distâncias e velocidades relativas, manifestam uma música universal. Ver a construção harmônica da alma no Timeu, 35b.  Para a visão de

Aristóteles sobre a harmonia das esferas, ver De Caelo (Sobre o Céu), II, ix, 290b.

Em sua descrição do nascimento do kosmos, Platão no diálogo Timeu apresenta a realidade total como teleológica.  Esse termo designa a característica de teruma finalidade, de ter uma razão, um objetivo para ser o que é. O termo telos contido em ‘teleológico’ designa a noção de ‘finalidade’ em grego, mas não se

trata da finalidade como é comumente entendida.  Telos em grego designa aquilo que estava presente desde o início, forjando e conduzindo a realidade paravir a ser o que ela é. Finalidade não é uma realidade mental que ao conduzirmos nossa vida podemos ou não tê-la em mente.  Quando um grego dizia que o

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que ora ocorria era o télos da coisa, tratava-se de salientar uma tendência natural da própria cosia, como o seu destino.  Com certeza, a noção de destino estáimplícita na noção de télos, mas não trataremos de destino pessoal ao falarmos do Timeu de Platão.

Timeu, o personagem principal deste diálogo homônimo, claramente um pitagórico11, relata como o demiurgo12, o artesão universal, forja o universosensível tendo como modelo o universo inteligível13. Temos então a famosa cisão platônica do mundo: de um lado há o mundo do devir, que nasce e morre a

todo instante e, de outro, há o mundo inteligível, eterno e imutável.

11 Todos os comentadores parecem concordar que Timeu é um personagem fictício de Platão, apesar de haver documentos, provavelmente forjados,posteriores a Platão que se remetem a ele. No próprio diálogo, Timeu aparece como o entendido de astronomia, vindo da cidade Locria, do sul da Itália, e por

isso a relação com Pitágoras.

12 O termo grego demiourgos designa um artesão e no Timeu ele será sinônimo de theós, deus, pois é ele o artesão do universo sensível.  É necessário lembrarsempre a diferença entre o Deus cristão que cria o universo ex nihilo, desde nada, e o demiurgo platônico. A noção da criação ex nihilo é impossível na Gréciaclássica, pois para um grego do nada, nada viria. O demiurgo platônico cria o mundo sensível apenas (não cria a totalidade), a partir de uma substância pré-

existente.

13 Tratando sobre a totalidade, Platão usa alguns termos correlatos: ouranos (o céu), pan (o todo), kosmos (universo, mundo).  Para mundo inteligível temoskosmos noetikos, e para mundo sensível temos kosmos asthetikos.

A noção que afirma que o mundo sensível contém uma racionalidade intrínseca é quase instintiva e primitiva para o homem: a realidade não é um conjuntode coisas e objetos caoticamente encadeados, jogados a esmo e por acaso, mas constitui o resultado de uma inteligência, que ordena tudo de acordo com um

modelo exemplar.

Platão, repetindo uma tendência presente em praticamente todos os seus diálogos, vai dizer no Timeu que há uma razão para a totalidade ser como é, já quetudo se faz em vistas ao melhor – o mundo sensível seria o mais perfeito possível, salvo suas limitações internas.  Um dos motivos da excelência da criação

está na própria natureza do demiurgo: “(O demiurgo) era bom, e no que é bom jamais poderá entrar inveja seja do que for. Quis então, na medida do possível,que todas as coisas fossem semelhantes a ele.”14 O criador, sendo ele mesmo bom, não poderia deixar de ser generoso para com sua criação. E assim, fez a

desordem passar para a ordem, criando o mundo sensível e ordenado que captamos pelos cinco sentidos.

14 Timeu 29e, trad. de Carlos Alberto Nunes do grego com algumas alterações minhas.

A predileção de Platão pelo Bem e o Belo15 é bastante famosa, e aqui em sua cosmologia ele nos deixa bem claro que não há nada no universo que não sejaregulado e conduzido por essas idéias.  Há um sentido e uma razão para os fenômenos serem como são, mesmo que aparentemente a multiplicidade das

coisas possa ser visto como caótica ou casual.

15 Em grego, kalos e agathos, belo e bom, são quase sinônimos, sendo assim natural a alternância entre um termo e outro.

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Isso posto, temos respaldada a desejada relação entre céu e terra, já que podemos apontar um sentido maior nos movimentos celestes e compará-los aosfenômenos terrestres.  Os corpos celestes e seus orbes não foram fixados pelo choque caótico de partículas através de milhares de anos, mas são antes a

manifestação de uma vontade, de uma inteligência que ordenou tudo da melhor forma possível.  Há uma ordenação nos fenômenos que nos possibilita traçarleis, traçar repetições, descobrir ciclos estáveis, e assim criar expectativas e extrair resultados e conhecimentos dos mais variados16. Quando um astrólogo fazuma afirmação sobre a personalidade de um indivíduo a partir de posições astronômicas, por exemplo, ele está implicitamente dizendo que os fenômenos têm

uma ordenação, têm uma organização e uma racionalidade e que eles não estão jogados caoticamente.  O mundo sensível como um todo, sendo amanifestação de uma racionalidade, possibilita o estudo e a compreensão dessa racionalidade, e sustenta a coerência e a harmonia entre os fenômenos.  A

afirmação de uma vontade universal por trás dos fenômenos possibilita traçarmos um ‘sentido maior’ no universo, e assim correlacionar o que há no alto como que há em baixo.

16 Vê-se que até as ciências exatas, dentro de determinado limite, também são dependentes de uma compreensão de mundo no qual os objetos respeitamdeterminada racionalidade e ordem, pois sem isso não haveria qualquer regularidade no real, e assim nenhum conhecimento.

Passemos então a tratar do segundo ponto já apontado, o da isonomia entre o cosmo, a cidade e o homem. A partir da divisão do mundo em sensível einteligível, da subordinação do primeiro ao segundo e da afirmação de um universo teleológico, isto é, estruturado com vistas ao bem, Timeu passa a

descrever a formação da alma do universo17.  Aqui, vale lembrar que na concepção do universo no Timeu, a totalidade do mundo sensível é um ser vivo18,que tem alma e corpo.  Dessa forma, os astros, a terra, o mar e o céu, por exemplo, são todos componentes vivos de um grande ser vivo, que pensa, tem

intelecto19 e por isso conhece.

17 Timeu 34a em diante.

18 Zoon, em grego, palavra presente em termos como zoológico, estudo dos animais, e zodíaco, roda dos animais, já que a roda primitiva que gerou o nossozodíaco era inicialmente composta apenas de animais: a balança, único símbolo inanimado, é um acréscimo posterior a partir da divisão do signo de

escorpião.  Suas garras, a parte da frente do escorpião, geraram a constelação de Libra.  Ver o texto de Eratóstenes, Catasterismos, em que ele descreve aconstelação de Libra com o nome de Garras. “Este (o escorpião), pela sua grandeza, se divide sobre duas das doze partes, pois, por um lado, ele contém as

garras (Libra) e por outro também o corpo e o ferrão”, fragmento VII, tradução minha do grego, ver CONDOS, Theony. Star Myths of the greeks and romans: asourcebook. Gran Rapids: Phanes Press, 1997.

19 Nous, em grego, termo muito importante para a compreensão do pensamento grego em geral.

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Manuscrito do Timeu – Lua, Sol  e Planetas (https://app.box.com/s/lax6lu2hb0oybkwzrg6h)

O demiurgo forja a alma do mundo a partir de uma mistura de três grandes gêneros, o gênero do Mesmo, o do Outro e o do Ser20.  Colocando essa mistura emum grande vaso, ele retira porções matematicamente harmônicas para formar a alma do mundo e com ela dois círculos astronômicos: o círculo do Mesmo (oequador celeste) e o círculo do Outro (a Eclíptica).  Platão, pela boca de Timeu, começa a descrever os fundamentos metafísicos de alguns dos conhecimentos

astronômicos de sua época. Timeu coloca esses dois círculos em forma de X, lembrando assim a angularidade que há entre o equador celeste e a eclíptica21.  Ocírculo do Mesmo (o equador celeste) tem o seu movimento sempre igual (do oriente para o ocidente), e carrega junto de si o círculo do Outro (a eclíptica),

mesmo este tendo o movimento contrário ao dele (do ocidente para o oriente).  O demiurgo ainda vai fazer sete divisões no círculo do Outro, formando assimos círculos por onde trafegam os planetas, que serão forjados posteriormente e instalados nessas sete divisões, produzindo assim a noção de tempo

cronológico22, que ainda não existia.

20 É interessante ressaltar a dependência do conhecimento à noções como ‘mesmo’ e ‘outro’, termos chaves para formar a identidade de qualquer realidadeque se possa conhecer.  Percebe-se a relevância de colocar esses como os gêneros supremos na formação da alma, pois é a partir dela que há conhecimento.

21 Apesar de o angulo entre esses dois círculos imaginários da astronomia não ser tão grande a ponto de formar a nossa letra X, o exemplo da letra apareceapenas como forma de ilustração da posição que eles ocupam no céu, isto é, eles não estão um sobre o outro, mas se cruzam em dois pontos.

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22 Os planetas serão os guardiões do tempo, isto é, os planetas vão instaurar o tempo cronológico, especialmente o sol, marcando o tempo do dia e do ano. Otempo, Chronos,  recebe a seguinte definição : “o tempo é a imagem móvel da eternidade”, Timeu 37d.

Depois de o demiurgo criar os planetas23, incluindo o sol e a lua, e também depois de criar as estrelas fixas, todos esses sendo deuses feitos de fogo, ele lhesdesigna a tarefa de criar os outros seres vivos que povoarão a terra. A criação deve respeitar o modelo inteligível e copiar no sensível as quatro raças

correspondentes aos quatro elementos: a da água (animais marinhos), a do ar (pássaros, etc) e da terra (animais terrestres) – a raça do fogo já havia sidocriada, são os próprios deuses-estrelas.

23 planetes asteres, em grego, estrelas errantes.

São essas estrelas e planetas que vão criar a alma desses animais24, e com certeza isso vai, em muito, ao encontro das teses astrológicas que defendem umarelação estreita entre as posições dos astros e os fenômenos terrestres. Ao forjarem essas novas almas – e Timeu vai dar mais atenção para a feitura da alma

dos humanos – os deuses vão copiar o mesmo processo do demiurgo para forjar a alma do mundo. Também as almas humanas terão em si mesmas seu círculodo Mesmo e seu círculo do Outro.  Vemos assim que há uma relação estrutural entre a alma do universo e a alma individual: os mesmos aspectos que criam a

alma universal – o Mesmo e o Outro – também vão criar a alma individual.  Vale lembrar aqui a República de Platão, que se apóia durante todos seus dezlivros na isonomia entre a cidade e o homem.  É porque há uma estrutura paralela e semelhante entre sociedade e indivíduo que Sócrates, personagemprincipal da República, vai poder procurar a justiça na cidade para depois encontrá-la no homem.  Aqui no Timeu, ocorre algo semelhante, pois a alma

humana será forjada nos mesmos moldes da alma universal, preservando assim a relação recíproca de elementos estruturantes do cosmo e do indivíduo. Ficaclaro, dessa forma, que a isonomia, isto é, a semelhança de estrutura entre a alma do universo e alma do homem corrobora a relação entre o céu e a terra

necessária na visão astrológica do mundo.

24 Timeu 40d, em diante.

Passemos, por fim, a tratar do terceiro ponto relevante do Timeu.  Trata-se especialmente de duas passagens explícitas que defendem a seguinte idéia: ohomem deve copiar nas ‘revoluções’ de sua própria alma as revoluções inteligíveis dos fenômenos celestes. Em determinada etapa do diálogo, em que Timeu

está descrevendo os sentidos (audição, tato, visão, etc.) e como eles funcionam, aparece a necessidade de fundamentá-los em uma causa mais profunda do quea simples execução de fatores materiais.  A verdadeira causa da visão, por exemplo, não é a articulação dos órgãos óticos, mas sim que o homem possa ver as

revoluções celestes e aprender diversos saberes, desde a ciência dos números até a filosofia.

A visão, de acordo com minha opinião, é a causa do maior bem para nós, porque ninguém que não tenha visto nem as estrelas, nem o sol, nem o céu, poderiater enunciado os presentes discursos sobre a totalidade.  Por serem visíveis, o dia e a noite, o mês e as revoluções dos anos maquinaram25 não apenas o

número, mas também nos deram a consciência do tempo e a investigação da natureza da todo.  A partir desses pontos, nós descobrimos a filosofia, da qualmaior bem dado pelos deuses não poderá vir, nem nunca chegará à raça dos mortais.  (…)

25 Estamos traduzindo o verbo mechanáo pelo termo maquinar em português.  Ele seria melhor ainda se incluirmos o sentido de fabricar, construir e nãoapenas o de imaginar e planejar como há no português.

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Mas devemos afirmar que a causa da visão é esta e para estes fins: o deus descobriu e nos deu a visão para que contemplando as revoluções do intelecto nocéu, as usássemos sobre as revoluções dos nossos pensamentos, pois elas são semelhantes26 àquelas, as desorganizadas semelhantes às organizadas.  Nós,aprendendo com elas, e adquirindo os cálculos corretos por natureza, devemos imitar as essências completamente imóveis do deus, colocando estáveis as

essências erráticas dentro de nós27.

26 O termo usado é ‘syngeneis’, isto é, elas são ‘do mesmo gênero’.

27 Timeu, 47b-d, tradução minha do grego.

Está aí, explicitamente, o fundamento da visão astrológica que vínhamos falando desde o início: há uma relação fundamental entre os fenômenos celestes e osterrestres, especialmente os acerca da alma humana. Essa passagem está em conexão com outra na República28 que defende a astronomia e a matemática

como disciplinas preparatórias para o homem se tornar filósofo. A principal causa de nós termos olhos e visão é para alcançarmos a filosofia, investigação danatureza do todo, a partir da contemplação dos orbes celestes.  Ainda mais, já que a nossa alma e a alma do universo são isonômicas, podemos aprender comas revoluções perfeitas29 do céu a ordenarmos nossas revoluções dentro de nós mesmos.  Isso pressupõe que nossa alma tem as mesmas revoluções celestes,mas estão perturbadas pelos fluxos e refluxos da matéria corporal – como é dito posteriormente – que desordena e confunde as revoluções inteligíveis dentrode nós.  Dessa forma, a astronomia não tem sentido se estudada com um fim em si mesma, isto é, somente em vistas a descoberta dos exatos movimentos que

os orbes celestes realizam, mas ela deve ser fundada em um anseio maior, que perpassa toda a filosofia grega: a descobrir como viver bem30.  A partir dacontemplação dos movimentos dos astros podemos aperfeiçoar nossa alma, e não há nada mais parecido com o fundamento da visão astrológica do que isso.

28 República 525a.

29 Para Platão e Aristóteles, o céu obedece uma racionalidade perfeita, e seus movimentos seriam matematicamente perfeitos.

30 Ver por exemplo o diálogo Górgias de Platão em que Sócrates afirma que a questão mais importante da vida é ‘como se deve viver?’

Ao final do diálogo, como conclusão, Platão parece querer apenas reforçar o que ele já disse na passagem citada e também durante todo o Timeu:

Em tudo, só há um meio certo de cuidar seja do que for: conceder a cada coisa a alimentação e os movimentos adequados. Os movimentossemelhantes com a porção divina dentro de nós são os pensamentos do todo e as revoluções circulares.  São essas que cada um de nós deverá seguir,

para corrigir os circuitos que ao nascimento se iniciaram erroneamente em nossa cabeça, o que se consegue com o estudo da harmonia e dasrevoluções do universo e com igualar a parte pensante, em conformidade com sua natureza original, ao objeto do pensamento e, com isso, alcançar,

no presente e no futuro, a meta proposta aos homens pelos deuses31.

31 90d, tradução de Carlos Alberto Nunes com algumas modificações minhas.

A meta proposta não pode ser nada além da própria felicidade. Quase não precisamos falar mais nada para apontar a implicação astrológica que resulta dessapassagem. Obviamente não estão aqui todos os detalhes das técnicas astrológicas, como, por exemplo, as características particulares de signos e planetas, mas

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encontramos o princípio organizador e motivador da investigação astrológica. Platão no Timeu corrobora, explica e fundamenta um ‘imperativo astrológico’que nem sempre é claro para os próprios astrólogos: imita em sua alma perturbada, a ordem inteligível do céu eterno.

Como o próprio Bouché-Leclercq diz, não sem um sarcasmo que lhe é habitual, Platão está cheio de tudo que os astrólogos precisam para fundamentar suascrenças e atividades: “Tudo em Platão estava pronto para se converter à astrologia”32.

32 Bouché-Leclercq, obra citada, p. 25.

Concluindo, lembramos os três pontos do Timeu aqui apresentados que corroboram a visão astrológica do mundo. 1) O universo é teleológico, isto é, ele temuma finalidade, o bem e o belo, e as posições dos orbes celestes e toda a realidade apenas manifestam sensivelmente esse bem supremo. 2) A alma do mundo e

a alma do homem são isonômicas, isto é, têm estruturas semelhantes. 3) A felicidade do homem é encontrada quando ele consegue imitar nas revoluções desua alma as revoluções inteligíveis dos orbes celestes.

Vídeo – Cinco Frases de Platão (http://www.youtube.com/watch?v=8H6OLwsaLMs&feature=youtu.be)

A Cosmologia de Platão

A. E. Taylor (http://books.google.com.br/books?id=sb8KR_jVAy0C&hl=pt-BR)

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 Através de um breve resumo de um ou dois dos princípios mais importantes da cosmologia platônica (https://www.box.com/s/2zf6qwsff3rtfmw9o9re), assim como sãodadas no Timeu, é que posso concluir esse esboço. Como temos visto, Platão mantém que o fato sensível real, como ele se dá, não pode ser objeto da ciência

exata; temos que nos contentar em lidar com o mundo físico nos termos de ‘opiniões prováveis’. Sendo assim, a cosmologia do Timeu(http://es.wikipedia.org/wiki/Timeo_%28di%C3%A1logo%29) é formalmente anunciada como sendo grandemente mesclada com o mito. E nem sempre é fácil estabelecer

onde o mito consciente desaparece e onde o que Platão considera como um relato pelo menos provável do fato não mítico começa. Além disso, não ésurpreendente que mesmo na própria Academia tivesse havido uma variedade considerável de opiniões sobre as reais visões de Platão concernentes ao

mundo físico. De minha parte, julgo ser o mais desejável aqui expor o que Platão diz, sem muito adentrar nas intermináveis disputas sobre o significado doque ele quer dizer. O Timeu é, em sua forma, não apenas uma cosmologia, mas também uma cosmogonia. Ele não descreve apenas a estrutura do universofísico, mas pretende contar a história de sua formação. O mundo sensível, de acordo com a narrativa, não é eterno, pois é algo que ‘se torna’, isto é, que está

sujeito à mudança incessante. O universo teve, portanto, um começo e uma causa. Essa causa aparece no Timeu como uma divindade personificada,o Demiurgo ou o feitor do mundo. A razão para a feitura deve ser relacionada à bondade de seu feitor; sendo em si mesmo bom, Demiurgo desejou comunicarsua própria perfeição a algo fora de si. Por essa razão, ele, tanto quanto foi possível, moldou o mutável mundo dos sentidos em função do imutável mundo das

idéias eternas. A partir da unidade deste modelo, Platão deduz a unidade daquele, a cópia, o universo físico e, portanto, declara-se contra a doutrina da‘pluralidade de mundos’. Mas Platão vai mais longe: não apenas é o mundo visível um e, portanto, não são muitos, mas também é um organismo vivo, dotado

de alma e corpo próprios. É, pois, um único ‘animal’, o qual abraça dentro de si mesmo todas as formas menores de vida animal, assim como o modelo a partirdo qual o mundo dos sentidos foi copiado é um ‘animal inteligível’, ou uma ‘idéia de animal’, que, em toda a sua extensão lógica, compreende todos os maisvariados ‘tipos’ de espécie animais. Platão, então, prossegue na descrição da formação de ambos a alma e o corpo do grande animal-mundo. Em ambos os

casos, a formação não é uma criação a partir do nada; o que Demiurgo faz é combinar em proporções fixas e a partir de leis definidas elementos cujasexistências já são pressupostas. A ‘alma’ do mundo é construída a partir de três elementos, quais sejam, Semelhança, Dessemelhança e uma entidade que é

descrita como proveniente de uma união preliminar das duas primeiras. Aqui, parece que temos uma referência, em forma mítica, aos três níveis de cogniçãopor nós conhecidos desde a República: a apreensão das Idéias imutáveis, as ‘opiniões’ a respeito da incalculável variedade dos fatos existentes e a apreensãoda classe intermediária dos objetos ‘matemáticos’. O corpo do universo é composto dos tradicionais quatro elementos de Empédocles: fogo, ar, água e terra.

Platão, todavia, não aceita tais elementos como algo definitivo e desnecessário de análises. Ele tenta, de forma notável, estabelecer as fundações de umamatemática puramente física ao reduzir as diferenças entre os ‘elementos’ às diferenças entre as suas estruturas geométricas. As moléculas — como agora

devemos chamá-las — das quatro substâncias elementares são feitas para correspondentes respectivamente aos quatro sólidos(http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B3lido_plat%C3%B3nico) geométricos regulares: o tetraedro, o octaedro, o icosaedro e o cubo. As arestas dos três primeiros sólidos

podem todas ser construídas ao se colocarem juntos ao mesmo tempo os triângulos retos cujas hipotenusas meçam o dobro de sua menor aresta; para aconstrução da face quadrada do cubo, Platão utiliza quatro triângulos retos isósceles. Essa diferença na característica dos triângulos elementares, a partir dosquais os sólidos regulares (http://www.educ.fc.ul.pt/icm/icm2002/icm205/) são construídos, é usada para explicar o fato considerado por Platão como a razão pela qual

fogo, ar e água são conversíveis um no outro, mas não em terra. A análise matemática da matéria como forma geométrica alcança seu ponto mais alto quandoPlatão explicitamente identifica a ‘matriz’ ou ‘substrato’ da mudança física com o espaço, antecipando, assim, a teoria física de Descartes, da mesma forma em

que, com a teoria ‘reminiscência’, Platão antecipa a concepção de ‘idéia inata’, do mesmo filósofo.

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O que procede da cosmogonia própria do Timeu é considerar a formação da alma e corpo humanos. As almas ‘imortais’ dos futuros seres humanos são feitaspelo próprio Demiurgo do mesmo material que ele previamente usou para construir a alma do mundo; as duas almas ‘mortais’ inferiores, das quais nósfalamos quando tratamos da psicologia de Platão, são então moldadas e adicionadas à alma imortal pelas divindades menores, as quais, por suas vezes,

encontram-se entre as primeiras criações depois da alma do mundo. Mais uma vez, teremos de transpor os muito interessantes detalhes da fisiologia sensoriale da psicofísica platônicas.

 No que concerne às questões excessivamente difíceis que aparecem quando tentamos interpretar o grande mito cosmogônico de Platão, posso apenas dizeruma ou duas palavras. Tem havido um grande número de discussões sobre se Demiurgo é para ser pensado como uma divindade pessoal ou como uma

personificação puramente imaginativa do ‘bem’. Talvez a verdadeira resposta seja que ele nem é um nem outro. A distinção aguçada que possuímos, ou, pelomenos, julgamos possuir, entre pessoal e impessoal dificilmente já existia em algum pensador grego antigo; sua própria língua, de fato, não possui nenhum

termo que possa expressar tal distinção. E, novamente, o ‘bem’ aparece de forma tão manifesta no Timeu quanto o modelo contemplado pelo artista divino naconstrução do seu trabalho, onde não podemos, alheios às confusões intelectuais, identificá-lo com o artífice. (Em uma sentença, a última do diálogo, onde, deacordo com alguns manuscritos, a identificação é feita, a palavra  ποιητoν  é claramente uma leitura equivocada de νoητoν, presente em outros manuscritos.Esse erro se dá, provavelmente, pelo mal entendimento da construção da palavra.) A inferência natural, proveniente da bem conhecida visão da alma comoorigem de todos os movimentos, seria a que reza que a atividade de Demiurgo é uma representação imaginativa do grande pensamento de Anaxágoras, de

quem foi a mente que colocou tudo em ordem. Perguntar se esta mente é ‘pessoal’ é cometer um anacronismo.

 Desde o tempo de Xenócrates, pupilo imediato de Platão, em diante, existe uma efervescente disputa quanto à questão se Platão realmente pretendeu atribuirao universo físico um começo ou se ele tinha em mente apenas um artifício para, através de uma ficção narrativa, apresentar uma análise lógica do mundofísico a partir de seus fatores constituintes. Esta última opinião foi definitivamente aceita como correta por toda a escola neoplatônica, a qual estava ansiosa

por encontrar em Platão a doutrina aristotélica da eternidade do universo, mas talvez tenha encontrado maior repercussão nos expositores mais modernos. A

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outra interpretação, de acordo com a qual Platão está determinado em atribuir ao universo um começo, foi, nada obstante, a de Aristóteles. Essa visãotambém foi defendida por Plutarco em seu sensato ensaio sobre A Formação da Alma do Mundo no Timeu de Platão. Embora se deva deixar o leitor chegarà sua própria conclusão a partir do estudo independente do texto de Platão, eu não posso deixar de expressar minha própria convicção de que Plutarco está

certo em manter que a teoria da eternidade do mundo só pode ser lida em Platão em caso de, no intuito explícito de se satisfazer uma conclusão prevista,esmagarem-se os sentidos das mais óbvias expressões, configurando-se, desta feita, uma violenta e artificial exegese. Ao mesmo tempo, Platão não concebe omundo como tendo um começo ‘no tempo’, desde que ele expressamente concebe o tempo como uma duração regular e medida, e, desse modo, coevo com o

movimento regulares dos corpos celestes. O que veio antes do ‘mundo’ ordenado, de acordo com a narrativa platônica, foi um estado das coisas, no qual nadamais existia senão movimento confuso e sem lei. Uma comparação do Timeu com o mito no Politicus, com seus ciclos alternados, em um dos quais Deus

dirige o curso do universo, enquanto no outro tal curso é deixado por si só e, por conseqüência, torna-se gradativamente desregrado, abeirando-se cada vezmais da dissolução total no caos, até que seu criador, mais uma vez, ‘tome o elmo’; parece-me, assim como também ao falecido Dr. Adam, sugerir a conclusão

de que Platão, assim como outros pensadores antes dele, acreditou na história de que o universo era feito de períodos alternados de decaimento ereconstrução e, assim, o que temos no Timeu é a representação de um período de reconstrução, que seguiu a um prévio, de dissolução. Se é esse o caso, os

materiais com os quais Demiurgo molda seu ‘mundo’ seriam, grosseiramente falando, as ruínas de um mundo que houvera existido anteriormente e, sendoassim, nós devemos prontamente entender por que este é o ‘mundo’, e não os elementos, ou seus triângulos constituintes, dos quais é dito terem tido um

começo.

 Uma questão relativamente menor de astronomia merece uma menção especial, desde que ela concerne à alegação de que Platão deve ser considerado entreos ‘copernicanos anteriores a Copérnico’ da Antigüidade. No Timeu, Platão antecipa tanto Copérnico ao ponto de admitir, como o fazem os pitagóricos, uma

revolução da terra a cada dia? Os fatos são os seguintes. É universalmente reconhecido que o Timeu, além de colocar a terra no centro do universo, explica aalternância do dia e da noite e os trajetos do sol e dos planetas, através de uma maneira a partir da qual se implica a imobilidade da terra central. O dia e a

noite se dão graças à uma revolução que se processa na abóbada celeste mais externa, a qual leva ao redor de si tudo o que está contido em seu compasso. Oscaminhos aparentes do sol e dos planetas são então resolvidos, cada um deles, em função da combinação de dois fatores circulares: a rotação axial de cada um

no plano do equador e o movimento de revolução, peculiar a cada planeta, que ocorre no plano da elíptica, em sentido oposto à revolução diária, tendo umperíodo mais longo, qual seja, o ‘ano’ do planeta em questão. Essa análise estaria arruinada se supuséssemos que a terra central fosse tudo, exceto estática.

Acontece, entretanto, que, ao falar da posição da terra no sistema solar, Platão emprega uma palavra ambígua e poética, cujo significado literal é ser‘empacotado’ ou ‘espremido’ contra algo, mas que também possui o significado adquirido de movimento confinado em um pequeno espaço e ao redor de algo.

Suas palavras podem ser versadas em inglês de forma que preservem a ambigüidade de texto original, assim, ‘terra, nossa mãe adotiva, a qual éenrolada (rolled) ao redor dos eixos que se esticam de uma ponta a outra de tudo’. Bem, Aristóteles cita essas mesmas palavras, nomeando o Timeu como sua

fonte e acrescentando a expressão ‘e se move’ após a expressão ‘é enrolada’, como prova de que alguns pensadores tinham negado a imobilidade da terra.Desta feita, Grote (http://en.wikipedia.org/wiki/George_Grote) tem mantido que o Timeu expressamente reconhece a rotação diária da terra sobre seu eixo e que Platãoapenas negligenciou a inconsistência entre tal rotação e o resto de sua astronomia. Um descuido tão patente, todavia, parece tão improvável que é muito mais

fácil supor que Aristóteles foi enganado pelo uso de Platão de uma palavra tão ambígua e rara ou, possivelmente, como mantém August Boeckh(http://pt.wikipedia.org/wiki/August_Boeckh), alguns seguidores de Platão já tinham mal compreendido o texto do Timeu no sentido a ele atribuído por Aristóteles.

 É certo, todavia, que em idade extremamente avançada, Platão modificou suas visões astronômicas de um modo que implica no reconhecimento damobilidade da terra. Com a autoridade proveniente do incontestável testemunho de Teofrasto, sucessor de Aristóteles, quem foi em pessoa um pupilo de

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Platão, Plutarco nos diz mais que um par de vezes que Platão ‘em idade avançada’ arrependeu-se de ter colocado a terra no centro do universo, uma posição aqual deveria estar reservada para um ‘corpo melhor’. Tal assertiva encontra-se em excelente acordo com uma passagem de As Leis, na qual Platão nega que

os caminhos traçados pelos planetas sejam realmente compostos e declara que cada um deles tem, apesar da aparência contrária, um movimento único,simples e uniforme. Isso, claramente, implica que um dos dois movimentos atribuídos a cada planeta no Timeu deve ser uma aparência ilusória devida ao

movimento real da terra. Se Platão concebeu este movimento da terra, como os pitagoristas tardios o fizeram, como uma revolução ao redor de um centro oucomo uma rotação sobre um eixo, e, no primeiro caso, se ele, assim como os pitagoristas, pensou que o centro do universo é um corpo invisível para nós ou é

como o sol, os dados não nos permitem decidir. De qualquer forma, é interessante notar que Platão, mesmo nos seus últimos anos, pensou nesses assuntoscomo ainda susceptíveis de progresso, e é instrutivo observar que, assim como outros astrônomos da Antiguidade, ele somente alcançou a verdade sobre a

mobilidade da terra ao ignorar uma verdade ainda mais fundamental, qual seja a de que todo movimento circular é composto. Se, de qualquer sorte, eleantecipa Copérnico, não teve o menor presságio do infinitamente mais profundo pensamento de Galileu e Newton.

Taylor, A. E. Cosmology. Em: _______. The Mind of Plato (originally Plato). Michigan: University of Michigan, 1960, cap. IV. (Primeiramente publicado em 1922por Constable and Company Ltd.) Trans. by Tassos LYCURGO and Sandra ERICKSON. Princípios, v. 7, n. 8, jan./dez., 2000, p. 138-143. ISSN: 0104-8694.

Platón y el universo de las dos esferas

José Alsina Calvés (http://www.nodulo.org/ec/2010/n101p12.htm)

En qué consiste exactamente este rótulo debido a Kuhn sobre algunos modelos astronómicos clásicos