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A atuação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMPRAPA) no Oeste
Catarinense a questão do melhoramento genético de suínos (1975-1985)1
Handressa Louanne Rossi2
Esta pesquisa pretende trabalhar sob a ótica da História das Ciências e da História
Ambiental, os desdobramentos e meandros da institucionalização da genética aplicada a
agropecuária, que se dá, efetivamente na região Oeste de Santa Catarina com a criação da
Embrapa Suínos e Aves. Este tema será trabalhado a partir do estudo do programa de
melhoramento genético em suínos, considerando este, primordial para grande parte das
transformações econômicas, políticas e sociais da região a partir de 1980.
A História das Ciências também não se limita as questões intrínsecas da pesquisa
científica, conforme explora Nicolá Cuví, Dentro das questões científicas, pensar a ciência
como um campo de poder é essencial, especialmente nesse recorte temporal, onde a “agricultura
científica,” não só na prática, mas no discurso, tem objetivo principal de se distanciar, da
“subdesenvolvida” ou seja da forma ‘tradicional’ de se produzir, ligada a construção social e
cultural de cada população. (CUVI, 2011)
Podemos considerar para a elaboração desta pesquisa, indispensável trabalhar com
outras áreas do conhecimento, como a biologia e a agronomia: O historiador Marcos Lobato
Martins, em seu texto intitulado “História e Meio Ambiente”, expõe algumas direções
metodológicas que a História Ambiental – articulada com a História das Ciências em minha
proposta – leva ou pode levar em consideração. “A história ambiental requer o diálogo
sistemático com quase todas as ciências naturais, porque elas são imprescindíveis ao
entendimento dos quadros físicos e ecológicos das regiões estudadas.” (MARTINS, 2008, p.
70)
1 Este trabalho é uma breve apresentação do projeto de pesquisa vinculado ao PPGH – UNICENTRO, para obtenção
do grau de mestre em História. 2 Graduada em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, mestranda do PPGH –
Universidade Estadual do Centro Oeste – UNICENTRO, bolsista CAPES.
Compreende-se que a formação da Embrapa, não está veiculada apenas no campo da
pesquisa científica, mas também da política e da forma como estava sendo pensado o
desenvolvimento social. Para Sônia Mendonça, a “Embrapa é um marco consagrador do
redirecionamento da atividade no rumo dos interesses de grupos agroempresariais, em
detrimento da produção de tecnologia destinada a pequenos produtores.” Neste processo,
estiveram envolvidas importantes corporações patronais agrárias, que desde a década de 1970
buscaram inserir seus porta-vozes e demandas junto aos órgãos do Ministério da Agricultura
encarregados da pesquisa de novas tecnologias para o agronegócio, tendo por coroamento a
criação, em 1973, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). (MENDONÇA,
2010)
Conforme Habbib apresenta, no início do século XX, a redescoberta de Mendel e das
leis da hereditariedade são de suma importância para se trabalhar questões ligadas a genética.
Sua descoberta foi fundamental para estudar, por exemplo toda a formação do sistema de
educação e pesquisa agrícola, que tinha como principal preocupação as questões econômicas
ligadas aos criadores e a grandes empresas. (HABBIB, 2010, p. 95)
Das questões ligadas a Embrapa, o tema central é a genética, e seus usos. Para tanto, é
imprescindível trabalhar com a noção de ciência que circulava nesse meio, bem como mapear
de onde vem essa noção, que os pesquisadores vão aplicar as suas pesquisas. Com base nos
relatórios de pesquisa e nos comunicados técnicos da Embrapa, percebe-se que haviam apenas
três pesquisadores centrais nas pesquisas ligadas ao melhoramento genético, e que a noção de
ciência estava profundamente ligada a noção de progresso e de verticalização do conhecimento.
Pretende-se analisar a relação entre a ciência e o desenvolvimento, dentro de um
contexto de guerra fria e ditadura militar. Nesse sentido, a Embrapa exemplifica o
funcionamento das políticas de pesquisa agropecuárias alinhadas a objetivos Norte-americanos,
especialmente no tocante à intensificação do uso de insumos básicos, respaldado em práticas como
o fornecimento de sementes melhoradas, o fortalecimento da extensão rural, além do progresso das
bases técnicas destinadas a ampliar a produção e consumo de fertilizantes e corretivos, e um
programa de mecanização agrícola. Estas estratégias estão relacionadas a capitalização do campo
pretendida pelo regime militar. (MENDONÇA, 2011, p.78)
As elites locais já estavam organizadas em 1975, compactuando dos objetivos nacionais
de capitalização e modernização do campo. Santa Catarina já possuía, na questão do melhoramento
genético de suínos, a ACCS e a ACARESC, que já vinham desde a década de 1950 trabalhando
com os produtores e as agroindústrias em questões de seleção genética.
Os suínos: da “migração” e adaptação à entrada no mercado da genética
Os primeiros suínos chegaram na América junto com os colonizadores europeus, e
prosperaram muito bem nos trópicos, seja de forma doméstica, seja livre na natureza. Por sua
alimentação amplamente diversificada, foram rapidamente se espalhando por quase todas as
partes do continente americano. Geralmente, as plantações ficavam cercadas, enquanto os
porcos eram soltos, para que pudessem encontrar seu próprio alimento, sendo procurados
apenas para a caça. No início do século XVI, foram introduzidas no Brasil as raças Alentejana,
Transtagana, Galega, Bizarra, Beiroa e Macau, essas, foram cruzando espontaneamente, e
deram origem a raças consideradas nacionais, como a Piau, Tatu, Canastra, Nilo, Caruncho e
Pirapitinga.
Sobre a abundância e a garantia da perpetuação da espécie, Crosby destaca, que na
maior parte da América os porcos prosperaram imediatamente, “em muitos casos nem eram
considerados em inventários, pela grande reprodutividade,” e por ficarem soltos, do lado de
fora das cercas para poderem se alimentar sozinhos. “Nos mares, eram largados aos pares em
várias ilhas ao longo das viagens por piratas e caçadores de baleias para que nas próximas
passagens tivessem alimentos garantidos.” (CROSBY, 2011, p. 185)
Após algumas gerações, os porcos bravios volvem a um tipo primitivo, diferente do
que estamos acostumados a ver nos chiqueiros. Com as pernas e o focinho compridos, os
flancos gordos e as costas estreitas, velozes e ferozes, e equipados com longas e afiadas presas.
“Hoje, exceto em algumas poucas áreas restantes de fronteira, os porcos selvagens são, na
melhor das hipóteses animais de caça, e na pior, um aborrecimento e um perigo.” (CROSBY,
2011, p. 185)
Com a introdução das raças estrangeiras, já no século XX, denominadas grosso modo,
'raças brancas' em comparação as nacionais 'raças escuras', ocorreu um processo de substituição
das raças nacionais que tinham como principal característica a grande produção de banha e
marcou o início da produção a partir de suínos de raças com a finalidade da carne. Ressalta-se
que neste momento a banha vinha perdendo espaço no mercado para os óleos vegetais.
Com estas transformações, nos deparamos com uma grande área que tem profunda
contribuição na forma como vai se estruturar a produção de suínos: as pesquisas em Genética.
Desde o início do século XX, a genética é utilizada para pesquisa agrícola, melhoramento de
sementes e animais. No Brasil, os primeiros estudos genéticos foram realizados entre 1910 e
1920 nas escolas de agronomia, como a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
(ESALQ) e do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), ambas localizadas no interior do
estado de São Paulo. (SOUZA e SANTOS, 2014)
Nas décadas seguintes a Genética se estrutura como disciplina, junto com a
estruturação das primeiras universidades. Os modelos de estudos em genética estão baseados
nos modelos norte-americanos e amplamente financiados por estes, representados aqui pela
fundação Rockfeller, que financiou continuamente entre 1940/1970 a formação, atuação e
estruturas físicas ligadas a genética. Com a II Guerra Mundial a sua influência foi ampliada,
não somente no Brasil, mas em toda a América Latina. (SOUZA e SANTOS, 2014)
Além dos recursos de agências internacionais, a partir de 1950 o governo brasileiro
começou a investir mais no desenvolvimento da ciência. Com o crescimento econômico e os
processos de industrialização e modernização se intensificando no país, a pesquisa científica e
fortalecimento da educação superior eram vistos como estratégias para o desenvolvimento.
Continuando esse processo, em 1955 a Sociedade Brasileira de Genética (SBG) foi
fundada, reunindo um grande número de geneticistas de diferentes ramos do campo. Com a
continuação do apoio da Fundação Rockefeller, que até apoiou a organização do SBG, a
genética era um dos ramos mais rápido crescimento da ciência no Brasil. (SALZANO, 2011, p.
16)
A criação de uma unidade da Embrapa no Oeste Catarinense
A partir de 1958, a Associação Brasileira de Criadores de Suínos - ABCS inicia
trabalhos com controle genealógico das raças de suínos e importação de raças europeias e norte
americanas para melhorar a qualidade da carne, porém elas não possuíam o mesmo rendimento
do que em seus locais de origem. A ABCS atuou, neste período principalmente nos estados do
Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Minas Gerais.
Conforme EMBRAPA, dentre os estados mais importantes na criação se suínos e
principalmente na produção de material genético, com ampla multiplicação de material,
encontra-se Santa Catarina, cujo “Projetos de Suinocultura,” liderado pelo Serviço de Extensão
Rural (ACARESC), reuniam num trabalho articulado, as ações da própria extensão, com
aquelas da Associação Catarinense de Criadores de Suíno (ACCS) [..] que já vinha
disseminando o melhoramento genético produzido em Santa Catarina em feiras e exposições.
A Embrapa Suínos e Aves é uma unidade descentralizada da Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. A
unidade situa-se no município de Concórdia, no Oeste catarinense e foi criada no ano de 1975.
Conforme documentos da própria Embrapa, existia uma potencialidade a ser explorada na
região:
A expansão da suinocultura e da avicultura no Paraná, Rio Grande do Sul e em Santa
Catarina nos anos 1960 e 1970 justificou a criação, em 13 de junho de 1975, do Centro
Nacional de Pesquisa de Suínos, destinado à pesquisa em suinocultura. (EMBRAPA,
2011, p. 17)
Denominada CNPSA, (Centro Nacional de Pesquisa em Suínos e Aves) esta unidade
surge como uma forma de incorporar a região ao modelo vigente de desenvolvimento nacional,
sua implantação se deu por ação de vários grupos específicos, tanto em nível nacional, como a
OCB e a ABAG3 como por organizações locais ligadas a estas, como a Associação Catarinense
de Criadores de Suínos e a Sadia. Ambas as organizações citadas já vinham trabalhando com
controle genealógico das linhagens de suínos e importação de raças europeias e norte-
americanas para melhorar a qualidade da carne. (MENDONÇA, 2010, p. 74)
O CNPSA surge nesse cenário de organização da produção suína, onde as grandes
empresas ligadas a agroindústrias buscavam um suíno que tivesse rendimento maior em carne
do que em banha com base nas raças brancas. Já existiam organizações buscando a melhoria
das tecnologias práticas de produção, para resultados práticos e rápidos. As pesquisas
desenvolvidas pela unidade buscam auxiliar nesse processo de transformação dos usos do
suínos pela agroindústria. Pode-se afirmar que as pesquisas do CNPSA se configuram em um
investimento para dar aporte científico para o que os produtores já vinham evidenciando na
prática.
Acredita-se que outros motivos também impulsionaram não só a criação desta unidade,
mas da Embrapa como um todo, bem como suas pesquisas. Sobre as articulações que permeiam
a EMBRAPA, Sônia Mendonça afirma que a sua criação em 1973, constitui um marco
consagrador do redirecionamento da atividade no rumo dos interesses de grupos agro
empresariais, em detrimento da produção de tecnologia destinada a pequenos produtores. Este
redirecionamento também foi uma política pós guerra, quando os processos de assistência
técnica começaram a construir pacotes tecnológicos como a Revolução Verde. Sendo que, por
Revolução Verde entende-se, conforme Lohn, (1997) “o programa internacional que visou
desenvolver experiências em genética vegetal, com o fim de criar e multiplicar sementes
eficientes, principalmente de trigo, arroz e milho, para diversos solos e climas, bem como
resistentes a doenças e pragas, implicando transformações nas tecnologias e práticas de trabalho
no campo.
3 Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) e posteriormente, a Associação Brasileira de Agribusines (ABAG).
Corporações patronais agrárias que, desde a década de 1970, buscaram inserir seus porta-vozes e demandas junto aos órgãos
do Ministério da Agricultura, encarregados da pesquisa de novas tecnologias para o agro, tendo por coroamento a criação, em
1973, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), marco consagrador do redirecionamento da atividade no
rumo dos interesses de grupos agro empresariais, em detrimento da produção de tecnologia destinada a pequenos produtores.
(MENDONÇA, 2010, p. 74)
O discurso dos patrocinadores procurava ressaltar uma imagem humanitária,
enfatizando a possibilidade de acabar com a fome no planeta. Apesar disso, o que interessava a
muitas corporações eram os lucros que poderiam obter, já que a agricultura estava se tornando
um novo campo de valorização para a indústria.”
A Embrapa surge nesse cenário de organização da produção suína com base nas raças
brancas. Ou seja, já existiam organizações buscando a melhoria das tecnologias práticas de
produção, para resultados práticos e rápidos. Com o surgimento de empresas de pesquisa, como
a Embrapa, inicia-se efetivamente o contato entre a agricultura/pecuária, a genética e a ciência
no Brasil. Um investimento para dar aporte científico para o que os produtores já vinham
evidenciando na prática. Neste mesmo período, grandes empresas de melhoramento genético
como a Agroceres-PIC e Seghars-Humus pecuária iniciam suas atividades no Brasil.
Na década seguinte, de 1980, deu-se início a uma grande transformação na genética
de suínos no Brasil, principalmente pela organização e estruturação de programas de
pesquisa bem elaborados. Iniciam-se assim, os testes de desempenho, e os chamados
testes de granja, conduzidos também pelos criadores e reprodutores. (EMBRAPA,
2011, p. 110)
Pode-se fazer uma associação com a aceitação das leis de Mendel nos Estados Unidos,
os “plant and animal breeders," já tinham ideia prática da aplicabilidade das leis de Mendel
para a genética, já haviam evidenciado no seu dia a dia o seu sucesso, logo apoiaram o seu
desenvolvimento dentro da academia, causando uma grande aceitação, ao contrário do que
aconteceu na França, no mesmo período. (HABIB. 2010, p. 94)
No Brasil, várias organizações acima citadas tinham conhecimento, da aplicabilidade
das leis de Mendel para a genética agropecuária, e necessitavam também do aporte cientifico
para o aperfeiçoamento das técnicas já utilizadas. As semelhanças se devem também a
influência norte-americana no Brasil, e em grande parte da América Latina, transformando
drasticamente este espaço e impondo um modo de produção baseado no seu. Para Nicolás Cuvi
(2011), a imposição serve para transformar produção da América Latina complementar e
dependente direta da economia dos Estados Unidos.
A pesquisa em genética de suínos dentro da Embrapa
A Embrapa não implicou tão somente, em racionalizar atividades e gastos públicos em
pesquisa agropecuária. Tampouco ela visou apenas dar consistência institucional à atividade.
Ela foi instrumento do processo de subordinação da agricultura à lógica do capital internacional.
Em face disso, padeceu, de uma contradição intrínseca: de um lado, era constrangida a
desenvolver tecnologias agrícolas (os pacotes) que induzissem ao uso maciço de insumos
modernos (fertilizantes químicos, defensivos, sementes melhoradas, etc.); de outro, este mesmo
fator explica porque a empresa não foi capaz de desenvolver tecnologias distintas daquelas
impostas pelo capital. (MENDONÇA, 2012, p. 84)
Durante muito tempo, a ciência foi pensada como uma instância que, diferentemente
das outras atividades humanas, possui uma maior autonomia em relação às determinações
socioculturais, e que, portanto, a história da ciência deveria se ater ao que lhe é específico, ou
seja, seu desdobramento interno, como teorias, experiências, conceitos que interagem e
explicam suas mudanças. Esta perspectiva deu origem a uma corrente Internalista de
pensamento da ciência. (OLIVEIRA, 2010)
Por outro lado, os fatores extra científicos ou socioculturais podem direcionar a
atividade científica. Ainda que admitam certa autonomia, ela não é vista como determinante
para a compreensão – ou tão importante para a explicação – das demandas, motivações direções
e dinâmica do desenvolvimento científico. Nessa perspectiva, de pensamento Externalista,
fatores econômicos e religiosos seriam os que maior peso tiveram na revolução científica do
século XVII por exemplo, ou, ao menos, os que mais detiveram a atenção dessa abordagem
historiográfica. (OLIVEIRA, 2010)
Este estudo aborda o período de 1875 a 1985, pois foi neste período que a Embrapa
estruturou suas bases, e que deu suporte para o desenvolvimento de várias tecnologias que
possibilitaram grandes mudanças nas formas de produção de suínos e nas relações de trabalho,
como o MS58 em 1997 e o MS 60 em 2001. 4
Este projeto pretende ainda explorar mais a fundo algumas questões centrais como:
a) Qual a influência de empresas e associações na constituição da Embrapa;
b) Como a introdução de novas raças impactou na forma tradicional de produção de
suínos;
c) Como impactou na questão ambiental;
d) Que corpo técnico foi constituído (quais pesquisadores, de quais tradições e
instituições de formação)
e) Como a empresa se inseriu no debate científico e de que forma suas experiências
foram produzidas e aplicadas dentro de um modelo nacional de desenvolvimento da pecuária e
da ciência.
Para a realização da pesquisa serão realizados os seguintes procedimentos
metodológicos:
a) Em um primeiro momento, com o intuito de observar a construção de saberes
científicos, será necessário uma leitura criteriosa de publicações técnicas da Embrapa
relacionadas ao programa de melhoramento genético.
b) Como este trabalho de pesquisa não está desvinculado de um contexto – ao
contrário, ele também é constitutivo deste mesmo contexto – passaremos à abordagem das
fontes que possibilitam a interpretação das condições política, econômica ou cultural de
produção deste tipo conhecimento. A análise deve ser guiada pela identificação de práticas
científicas provindas geralmente da tradição norte-americana e a conformação destas frente a
um ambiente específico. Para este momento, a leitura de relatórios governamentais, planos de
governo e relatório de atividades da Embrapa podem servir como fonte de informações.
4 A Linhagem Macho Sintético MS (Suíno Light) completa sua terceira geração (MS-58, MS-60 e MS-
115), inserido no mercado suinícola, trazendo diversos benefícios para o produtor rural e a sociedade em geral. A
parceria de mais de uma década entre a Embrapa Suínos e Aves e a Cooperativa Central Oeste Catarinense –
Aurora, foi decisiva para criação do Macho Sintético. (EMBRAPA, 2013)
c) O projeto também pretende fazer uso da história oral, realizando entrevistas com
os pesquisadores que participaram do seu processo de formação e execução, bem como com
produtores que foram direta ou indiretamente afetados por ele.
d) Por último, como forma de ampliar o entendimento do processo em questão,
deve-se direcionar então para a discussão sobre a importância dos resultados das pesquisas
relacionadas ao programa de melhoramento genético e suas possíveis aplicações. É importante
ressaltar que possivelmente nem todos os conhecimentos propostos foram aplicados. Mas por
outro lado, o processo de constituição destes saberes foi gerado por determinados interesses
sejam eles político ou econômico, e se sua aplicação não foi apenas “técnica”, pode traduzir
também um objetivo “político”. Por exemplo, as pesquisas relacionadas a produção de suínos
oriundos das raças ‘nacionais’ não teve grande suporte das agroindústrias e da Embrapa na
época, devido a necessidade de aumento da produção de carne ‘magra’. Por outro lado, também
se pode investigar como estas mesmas pesquisas levaram outros cientistas a conseguir
resultados satisfatórios e, num outro momento, possibilitar que se aplica os produtos destas
pesquisas para novas demandas que surgiram no mercado.
Conclusão
A transformação das paisagens no Oeste Catarinense está amplamente ligada a forma
como foi construída a produção agropecuária. A transição de muitas áreas de produção
tradicional, seja plantação ou criação para a agricultura capitalista, que inicia de forma mais
acentuada a partir dos anos de 1950, foi conduzida especialmente por dois agentes de poder: o
Estado e a as organizações patronais ligadas ao campo. Neste processo, o Estado entra como
fornecedor de assistência técnica e extensão rural, enquanto a iniciativa privada entra com o
capital financeiro.
Observa-se que este quadro compõe um exemplo do que Michel de Certeau define por
tática e estratégia. A Embrapa surge, como uma estratégia de inserção da região na economia
nacional. Por estratégia entendemos a partir de Certeau, onde o autor entende por “estratégia”
algo como o “cálculo das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que
um sujeito de querer e poder é isolável de um ‘ambiente”, ou seja, é onde se torna possível
articular a partir de um lugar próprio, para agir na exterioridade. A estratégia “postula um lugar
capaz de ser circunscrito como um próprio e portanto capaz de servir de base a uma gestão de
suas relações com uma exterioridade distinta. A nacionalidade política, econômica ou
científica foi construída segundo esse modelo estratégico.” Posso exemplificar “estratégia”
através do discurso dos pesquisadores, ou seja, algo que em determinado momento foi
articulado e produzido pensando em sua exterioridade, em formas de conduzir algumas ações.
A Embrapa, por exemplo, é um “próprio”, e articula seu discurso para agir numa exterioridade
(junto aos agricultores e agroindústrias).” (CERTEAU, 1994, p. 46)
O processo como foi tratado o melhoramento genético de suínos nos 10 primeiros anos
de funcionamento do CNPSA aproxima-se da forma como a agricultura em geral veio sendo
tratada na América Latina. Para o historiador Stuart McCook “as representações sobre a
natureza acabaram por atribuir às plantas, um estatuto civil, o que lhes permitiram ser validadas
tais como as populações humanas perante o próprio estado.” A validação tanto das plantas,
como dos animais, especialmente os suínos, contribui para a formação de discursos e de
práticas, como a criação do CNPSA, para conhecer e controlar as populações, transformando
os animais em commodities, mercadorias absolutamente iguais, e que podem ser negociadas
em qualquer parte do mundo.
A formação e transformação das paisagens, das relações de trabalho e de produção não
se dão de forma espontânea. Por mais que muitas fontes afirmem, no caso da Embrapa Suínos
e Aves, que o seu processo de criação se deu de forma neutra, dificilmente alguém poderá
contestar que a sua formação está descolada de inúmeras relações de poder.
Sonia Mendonça exemplifica algumas destas relações quando afirma que muitas
instituições tinham interesse em uma unidade de pesquisa agropecuária na região, e que estas
não mediram esforços e influências para concretizar esta afirmação. Muitos setores, tiveram
interesse em participar da implantação da Embrapa, garantindo assim “participar da gerência
dos rumos da agricultura e pecuária brasileira.” (MENDONÇA, 2010)
O grande interesse pode ser associado com a importância da Embrapa dentro das
estratégias propostas. O seu papel é de dar suporte para as transformações que os extratos
dominantes do poder preveem para a região. Com base na modernização, a ciência, e a
racionalização da produção agrícola e pecuária, esse novo sistema propunha em suas entrelinhas
uma subordinação da natureza ao capital.
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