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A atuação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMPRAPA) no Oeste Catarinense a questão do melhoramento genético de suínos (1975-1985) 1 Handressa Louanne Rossi 2 Esta pesquisa pretende trabalhar sob a ótica da História das Ciências e da História Ambiental, os desdobramentos e meandros da institucionalização da genética aplicada a agropecuária, que se dá, efetivamente na região Oeste de Santa Catarina com a criação da Embrapa Suínos e Aves. Este tema será trabalhado a partir do estudo do programa de melhoramento genético em suínos, considerando este, primordial para grande parte das transformações econômicas, políticas e sociais da região a partir de 1980. A História das Ciências também não se limita as questões intrínsecas da pesquisa científica, conforme explora Nicolá Cuví, Dentro das questões científicas, pensar a ciência como um campo de poder é essencial, especialmente nesse recorte temporal, onde a “agricultura científica,” não só na prática, mas no discurso, tem objetivo principal de se dist anciar, da “subdesenvolvida” ou seja da forma ‘tradicional’ de se produzir, ligada a construção social e cultural de cada população. (CUVI, 2011) Podemos considerar para a elaboração desta pesquisa, indispensável trabalhar com outras áreas do conhecimento, como a biologia e a agronomia: O historiador Marcos Lobato Martins, em seu texto intitulado “História e Meio Ambiente”, expõe algumas direções metodológicas que a História Ambiental articulada com a História das Ciências em minha proposta leva ou pode levar em consideração. “A história ambiental requer o diálogo sistemático com quase todas as ciências naturais, porque elas são imprescindíveis ao entendimento dos quadros físicos e ecológicos das regiões estudadas.” (MARTINS, 2008, p. 70) 1 Este trabalho é uma breve apresentação do projeto de pesquisa vinculado ao PPGH UNICENTRO, para obtenção do grau de mestre em História. 2 Graduada em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul UFFS, mestranda do PPGH Universidade Estadual do Centro Oeste UNICENTRO, bolsista CAPES.

A atuação da Empresa Brasileira de Pesquisa … atuação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMPRAPA) no Oeste Catarinense a questão do melhoramento genético de suínos

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A atuação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMPRAPA) no Oeste

Catarinense a questão do melhoramento genético de suínos (1975-1985)1

Handressa Louanne Rossi2

Esta pesquisa pretende trabalhar sob a ótica da História das Ciências e da História

Ambiental, os desdobramentos e meandros da institucionalização da genética aplicada a

agropecuária, que se dá, efetivamente na região Oeste de Santa Catarina com a criação da

Embrapa Suínos e Aves. Este tema será trabalhado a partir do estudo do programa de

melhoramento genético em suínos, considerando este, primordial para grande parte das

transformações econômicas, políticas e sociais da região a partir de 1980.

A História das Ciências também não se limita as questões intrínsecas da pesquisa

científica, conforme explora Nicolá Cuví, Dentro das questões científicas, pensar a ciência

como um campo de poder é essencial, especialmente nesse recorte temporal, onde a “agricultura

científica,” não só na prática, mas no discurso, tem objetivo principal de se distanciar, da

“subdesenvolvida” ou seja da forma ‘tradicional’ de se produzir, ligada a construção social e

cultural de cada população. (CUVI, 2011)

Podemos considerar para a elaboração desta pesquisa, indispensável trabalhar com

outras áreas do conhecimento, como a biologia e a agronomia: O historiador Marcos Lobato

Martins, em seu texto intitulado “História e Meio Ambiente”, expõe algumas direções

metodológicas que a História Ambiental – articulada com a História das Ciências em minha

proposta – leva ou pode levar em consideração. “A história ambiental requer o diálogo

sistemático com quase todas as ciências naturais, porque elas são imprescindíveis ao

entendimento dos quadros físicos e ecológicos das regiões estudadas.” (MARTINS, 2008, p.

70)

1 Este trabalho é uma breve apresentação do projeto de pesquisa vinculado ao PPGH – UNICENTRO, para obtenção

do grau de mestre em História. 2 Graduada em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, mestranda do PPGH –

Universidade Estadual do Centro Oeste – UNICENTRO, bolsista CAPES.

Compreende-se que a formação da Embrapa, não está veiculada apenas no campo da

pesquisa científica, mas também da política e da forma como estava sendo pensado o

desenvolvimento social. Para Sônia Mendonça, a “Embrapa é um marco consagrador do

redirecionamento da atividade no rumo dos interesses de grupos agroempresariais, em

detrimento da produção de tecnologia destinada a pequenos produtores.” Neste processo,

estiveram envolvidas importantes corporações patronais agrárias, que desde a década de 1970

buscaram inserir seus porta-vozes e demandas junto aos órgãos do Ministério da Agricultura

encarregados da pesquisa de novas tecnologias para o agronegócio, tendo por coroamento a

criação, em 1973, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). (MENDONÇA,

2010)

Conforme Habbib apresenta, no início do século XX, a redescoberta de Mendel e das

leis da hereditariedade são de suma importância para se trabalhar questões ligadas a genética.

Sua descoberta foi fundamental para estudar, por exemplo toda a formação do sistema de

educação e pesquisa agrícola, que tinha como principal preocupação as questões econômicas

ligadas aos criadores e a grandes empresas. (HABBIB, 2010, p. 95)

Das questões ligadas a Embrapa, o tema central é a genética, e seus usos. Para tanto, é

imprescindível trabalhar com a noção de ciência que circulava nesse meio, bem como mapear

de onde vem essa noção, que os pesquisadores vão aplicar as suas pesquisas. Com base nos

relatórios de pesquisa e nos comunicados técnicos da Embrapa, percebe-se que haviam apenas

três pesquisadores centrais nas pesquisas ligadas ao melhoramento genético, e que a noção de

ciência estava profundamente ligada a noção de progresso e de verticalização do conhecimento.

Pretende-se analisar a relação entre a ciência e o desenvolvimento, dentro de um

contexto de guerra fria e ditadura militar. Nesse sentido, a Embrapa exemplifica o

funcionamento das políticas de pesquisa agropecuárias alinhadas a objetivos Norte-americanos,

especialmente no tocante à intensificação do uso de insumos básicos, respaldado em práticas como

o fornecimento de sementes melhoradas, o fortalecimento da extensão rural, além do progresso das

bases técnicas destinadas a ampliar a produção e consumo de fertilizantes e corretivos, e um

programa de mecanização agrícola. Estas estratégias estão relacionadas a capitalização do campo

pretendida pelo regime militar. (MENDONÇA, 2011, p.78)

As elites locais já estavam organizadas em 1975, compactuando dos objetivos nacionais

de capitalização e modernização do campo. Santa Catarina já possuía, na questão do melhoramento

genético de suínos, a ACCS e a ACARESC, que já vinham desde a década de 1950 trabalhando

com os produtores e as agroindústrias em questões de seleção genética.

Os suínos: da “migração” e adaptação à entrada no mercado da genética

Os primeiros suínos chegaram na América junto com os colonizadores europeus, e

prosperaram muito bem nos trópicos, seja de forma doméstica, seja livre na natureza. Por sua

alimentação amplamente diversificada, foram rapidamente se espalhando por quase todas as

partes do continente americano. Geralmente, as plantações ficavam cercadas, enquanto os

porcos eram soltos, para que pudessem encontrar seu próprio alimento, sendo procurados

apenas para a caça. No início do século XVI, foram introduzidas no Brasil as raças Alentejana,

Transtagana, Galega, Bizarra, Beiroa e Macau, essas, foram cruzando espontaneamente, e

deram origem a raças consideradas nacionais, como a Piau, Tatu, Canastra, Nilo, Caruncho e

Pirapitinga.

Sobre a abundância e a garantia da perpetuação da espécie, Crosby destaca, que na

maior parte da América os porcos prosperaram imediatamente, “em muitos casos nem eram

considerados em inventários, pela grande reprodutividade,” e por ficarem soltos, do lado de

fora das cercas para poderem se alimentar sozinhos. “Nos mares, eram largados aos pares em

várias ilhas ao longo das viagens por piratas e caçadores de baleias para que nas próximas

passagens tivessem alimentos garantidos.” (CROSBY, 2011, p. 185)

Após algumas gerações, os porcos bravios volvem a um tipo primitivo, diferente do

que estamos acostumados a ver nos chiqueiros. Com as pernas e o focinho compridos, os

flancos gordos e as costas estreitas, velozes e ferozes, e equipados com longas e afiadas presas.

“Hoje, exceto em algumas poucas áreas restantes de fronteira, os porcos selvagens são, na

melhor das hipóteses animais de caça, e na pior, um aborrecimento e um perigo.” (CROSBY,

2011, p. 185)

Com a introdução das raças estrangeiras, já no século XX, denominadas grosso modo,

'raças brancas' em comparação as nacionais 'raças escuras', ocorreu um processo de substituição

das raças nacionais que tinham como principal característica a grande produção de banha e

marcou o início da produção a partir de suínos de raças com a finalidade da carne. Ressalta-se

que neste momento a banha vinha perdendo espaço no mercado para os óleos vegetais.

Com estas transformações, nos deparamos com uma grande área que tem profunda

contribuição na forma como vai se estruturar a produção de suínos: as pesquisas em Genética.

Desde o início do século XX, a genética é utilizada para pesquisa agrícola, melhoramento de

sementes e animais. No Brasil, os primeiros estudos genéticos foram realizados entre 1910 e

1920 nas escolas de agronomia, como a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz

(ESALQ) e do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), ambas localizadas no interior do

estado de São Paulo. (SOUZA e SANTOS, 2014)

Nas décadas seguintes a Genética se estrutura como disciplina, junto com a

estruturação das primeiras universidades. Os modelos de estudos em genética estão baseados

nos modelos norte-americanos e amplamente financiados por estes, representados aqui pela

fundação Rockfeller, que financiou continuamente entre 1940/1970 a formação, atuação e

estruturas físicas ligadas a genética. Com a II Guerra Mundial a sua influência foi ampliada,

não somente no Brasil, mas em toda a América Latina. (SOUZA e SANTOS, 2014)

Além dos recursos de agências internacionais, a partir de 1950 o governo brasileiro

começou a investir mais no desenvolvimento da ciência. Com o crescimento econômico e os

processos de industrialização e modernização se intensificando no país, a pesquisa científica e

fortalecimento da educação superior eram vistos como estratégias para o desenvolvimento.

Continuando esse processo, em 1955 a Sociedade Brasileira de Genética (SBG) foi

fundada, reunindo um grande número de geneticistas de diferentes ramos do campo. Com a

continuação do apoio da Fundação Rockefeller, que até apoiou a organização do SBG, a

genética era um dos ramos mais rápido crescimento da ciência no Brasil. (SALZANO, 2011, p.

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A criação de uma unidade da Embrapa no Oeste Catarinense

A partir de 1958, a Associação Brasileira de Criadores de Suínos - ABCS inicia

trabalhos com controle genealógico das raças de suínos e importação de raças europeias e norte

americanas para melhorar a qualidade da carne, porém elas não possuíam o mesmo rendimento

do que em seus locais de origem. A ABCS atuou, neste período principalmente nos estados do

Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Minas Gerais.

Conforme EMBRAPA, dentre os estados mais importantes na criação se suínos e

principalmente na produção de material genético, com ampla multiplicação de material,

encontra-se Santa Catarina, cujo “Projetos de Suinocultura,” liderado pelo Serviço de Extensão

Rural (ACARESC), reuniam num trabalho articulado, as ações da própria extensão, com

aquelas da Associação Catarinense de Criadores de Suíno (ACCS) [..] que já vinha

disseminando o melhoramento genético produzido em Santa Catarina em feiras e exposições.

A Embrapa Suínos e Aves é uma unidade descentralizada da Empresa Brasileira de

Pesquisa Agropecuária, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. A

unidade situa-se no município de Concórdia, no Oeste catarinense e foi criada no ano de 1975.

Conforme documentos da própria Embrapa, existia uma potencialidade a ser explorada na

região:

A expansão da suinocultura e da avicultura no Paraná, Rio Grande do Sul e em Santa

Catarina nos anos 1960 e 1970 justificou a criação, em 13 de junho de 1975, do Centro

Nacional de Pesquisa de Suínos, destinado à pesquisa em suinocultura. (EMBRAPA,

2011, p. 17)

Denominada CNPSA, (Centro Nacional de Pesquisa em Suínos e Aves) esta unidade

surge como uma forma de incorporar a região ao modelo vigente de desenvolvimento nacional,

sua implantação se deu por ação de vários grupos específicos, tanto em nível nacional, como a

OCB e a ABAG3 como por organizações locais ligadas a estas, como a Associação Catarinense

de Criadores de Suínos e a Sadia. Ambas as organizações citadas já vinham trabalhando com

controle genealógico das linhagens de suínos e importação de raças europeias e norte-

americanas para melhorar a qualidade da carne. (MENDONÇA, 2010, p. 74)

O CNPSA surge nesse cenário de organização da produção suína, onde as grandes

empresas ligadas a agroindústrias buscavam um suíno que tivesse rendimento maior em carne

do que em banha com base nas raças brancas. Já existiam organizações buscando a melhoria

das tecnologias práticas de produção, para resultados práticos e rápidos. As pesquisas

desenvolvidas pela unidade buscam auxiliar nesse processo de transformação dos usos do

suínos pela agroindústria. Pode-se afirmar que as pesquisas do CNPSA se configuram em um

investimento para dar aporte científico para o que os produtores já vinham evidenciando na

prática.

Acredita-se que outros motivos também impulsionaram não só a criação desta unidade,

mas da Embrapa como um todo, bem como suas pesquisas. Sobre as articulações que permeiam

a EMBRAPA, Sônia Mendonça afirma que a sua criação em 1973, constitui um marco

consagrador do redirecionamento da atividade no rumo dos interesses de grupos agro

empresariais, em detrimento da produção de tecnologia destinada a pequenos produtores. Este

redirecionamento também foi uma política pós guerra, quando os processos de assistência

técnica começaram a construir pacotes tecnológicos como a Revolução Verde. Sendo que, por

Revolução Verde entende-se, conforme Lohn, (1997) “o programa internacional que visou

desenvolver experiências em genética vegetal, com o fim de criar e multiplicar sementes

eficientes, principalmente de trigo, arroz e milho, para diversos solos e climas, bem como

resistentes a doenças e pragas, implicando transformações nas tecnologias e práticas de trabalho

no campo.

3 Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) e posteriormente, a Associação Brasileira de Agribusines (ABAG).

Corporações patronais agrárias que, desde a década de 1970, buscaram inserir seus porta-vozes e demandas junto aos órgãos

do Ministério da Agricultura, encarregados da pesquisa de novas tecnologias para o agro, tendo por coroamento a criação, em

1973, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), marco consagrador do redirecionamento da atividade no

rumo dos interesses de grupos agro empresariais, em detrimento da produção de tecnologia destinada a pequenos produtores.

(MENDONÇA, 2010, p. 74)

O discurso dos patrocinadores procurava ressaltar uma imagem humanitária,

enfatizando a possibilidade de acabar com a fome no planeta. Apesar disso, o que interessava a

muitas corporações eram os lucros que poderiam obter, já que a agricultura estava se tornando

um novo campo de valorização para a indústria.”

A Embrapa surge nesse cenário de organização da produção suína com base nas raças

brancas. Ou seja, já existiam organizações buscando a melhoria das tecnologias práticas de

produção, para resultados práticos e rápidos. Com o surgimento de empresas de pesquisa, como

a Embrapa, inicia-se efetivamente o contato entre a agricultura/pecuária, a genética e a ciência

no Brasil. Um investimento para dar aporte científico para o que os produtores já vinham

evidenciando na prática. Neste mesmo período, grandes empresas de melhoramento genético

como a Agroceres-PIC e Seghars-Humus pecuária iniciam suas atividades no Brasil.

Na década seguinte, de 1980, deu-se início a uma grande transformação na genética

de suínos no Brasil, principalmente pela organização e estruturação de programas de

pesquisa bem elaborados. Iniciam-se assim, os testes de desempenho, e os chamados

testes de granja, conduzidos também pelos criadores e reprodutores. (EMBRAPA,

2011, p. 110)

Pode-se fazer uma associação com a aceitação das leis de Mendel nos Estados Unidos,

os “plant and animal breeders," já tinham ideia prática da aplicabilidade das leis de Mendel

para a genética, já haviam evidenciado no seu dia a dia o seu sucesso, logo apoiaram o seu

desenvolvimento dentro da academia, causando uma grande aceitação, ao contrário do que

aconteceu na França, no mesmo período. (HABIB. 2010, p. 94)

No Brasil, várias organizações acima citadas tinham conhecimento, da aplicabilidade

das leis de Mendel para a genética agropecuária, e necessitavam também do aporte cientifico

para o aperfeiçoamento das técnicas já utilizadas. As semelhanças se devem também a

influência norte-americana no Brasil, e em grande parte da América Latina, transformando

drasticamente este espaço e impondo um modo de produção baseado no seu. Para Nicolás Cuvi

(2011), a imposição serve para transformar produção da América Latina complementar e

dependente direta da economia dos Estados Unidos.

A pesquisa em genética de suínos dentro da Embrapa

A Embrapa não implicou tão somente, em racionalizar atividades e gastos públicos em

pesquisa agropecuária. Tampouco ela visou apenas dar consistência institucional à atividade.

Ela foi instrumento do processo de subordinação da agricultura à lógica do capital internacional.

Em face disso, padeceu, de uma contradição intrínseca: de um lado, era constrangida a

desenvolver tecnologias agrícolas (os pacotes) que induzissem ao uso maciço de insumos

modernos (fertilizantes químicos, defensivos, sementes melhoradas, etc.); de outro, este mesmo

fator explica porque a empresa não foi capaz de desenvolver tecnologias distintas daquelas

impostas pelo capital. (MENDONÇA, 2012, p. 84)

Durante muito tempo, a ciência foi pensada como uma instância que, diferentemente

das outras atividades humanas, possui uma maior autonomia em relação às determinações

socioculturais, e que, portanto, a história da ciência deveria se ater ao que lhe é específico, ou

seja, seu desdobramento interno, como teorias, experiências, conceitos que interagem e

explicam suas mudanças. Esta perspectiva deu origem a uma corrente Internalista de

pensamento da ciência. (OLIVEIRA, 2010)

Por outro lado, os fatores extra científicos ou socioculturais podem direcionar a

atividade científica. Ainda que admitam certa autonomia, ela não é vista como determinante

para a compreensão – ou tão importante para a explicação – das demandas, motivações direções

e dinâmica do desenvolvimento científico. Nessa perspectiva, de pensamento Externalista,

fatores econômicos e religiosos seriam os que maior peso tiveram na revolução científica do

século XVII por exemplo, ou, ao menos, os que mais detiveram a atenção dessa abordagem

historiográfica. (OLIVEIRA, 2010)

Este estudo aborda o período de 1875 a 1985, pois foi neste período que a Embrapa

estruturou suas bases, e que deu suporte para o desenvolvimento de várias tecnologias que

possibilitaram grandes mudanças nas formas de produção de suínos e nas relações de trabalho,

como o MS58 em 1997 e o MS 60 em 2001. 4

Este projeto pretende ainda explorar mais a fundo algumas questões centrais como:

a) Qual a influência de empresas e associações na constituição da Embrapa;

b) Como a introdução de novas raças impactou na forma tradicional de produção de

suínos;

c) Como impactou na questão ambiental;

d) Que corpo técnico foi constituído (quais pesquisadores, de quais tradições e

instituições de formação)

e) Como a empresa se inseriu no debate científico e de que forma suas experiências

foram produzidas e aplicadas dentro de um modelo nacional de desenvolvimento da pecuária e

da ciência.

Para a realização da pesquisa serão realizados os seguintes procedimentos

metodológicos:

a) Em um primeiro momento, com o intuito de observar a construção de saberes

científicos, será necessário uma leitura criteriosa de publicações técnicas da Embrapa

relacionadas ao programa de melhoramento genético.

b) Como este trabalho de pesquisa não está desvinculado de um contexto – ao

contrário, ele também é constitutivo deste mesmo contexto – passaremos à abordagem das

fontes que possibilitam a interpretação das condições política, econômica ou cultural de

produção deste tipo conhecimento. A análise deve ser guiada pela identificação de práticas

científicas provindas geralmente da tradição norte-americana e a conformação destas frente a

um ambiente específico. Para este momento, a leitura de relatórios governamentais, planos de

governo e relatório de atividades da Embrapa podem servir como fonte de informações.

4 A Linhagem Macho Sintético MS (Suíno Light) completa sua terceira geração (MS-58, MS-60 e MS-

115), inserido no mercado suinícola, trazendo diversos benefícios para o produtor rural e a sociedade em geral. A

parceria de mais de uma década entre a Embrapa Suínos e Aves e a Cooperativa Central Oeste Catarinense –

Aurora, foi decisiva para criação do Macho Sintético. (EMBRAPA, 2013)

c) O projeto também pretende fazer uso da história oral, realizando entrevistas com

os pesquisadores que participaram do seu processo de formação e execução, bem como com

produtores que foram direta ou indiretamente afetados por ele.

d) Por último, como forma de ampliar o entendimento do processo em questão,

deve-se direcionar então para a discussão sobre a importância dos resultados das pesquisas

relacionadas ao programa de melhoramento genético e suas possíveis aplicações. É importante

ressaltar que possivelmente nem todos os conhecimentos propostos foram aplicados. Mas por

outro lado, o processo de constituição destes saberes foi gerado por determinados interesses

sejam eles político ou econômico, e se sua aplicação não foi apenas “técnica”, pode traduzir

também um objetivo “político”. Por exemplo, as pesquisas relacionadas a produção de suínos

oriundos das raças ‘nacionais’ não teve grande suporte das agroindústrias e da Embrapa na

época, devido a necessidade de aumento da produção de carne ‘magra’. Por outro lado, também

se pode investigar como estas mesmas pesquisas levaram outros cientistas a conseguir

resultados satisfatórios e, num outro momento, possibilitar que se aplica os produtos destas

pesquisas para novas demandas que surgiram no mercado.

Conclusão

A transformação das paisagens no Oeste Catarinense está amplamente ligada a forma

como foi construída a produção agropecuária. A transição de muitas áreas de produção

tradicional, seja plantação ou criação para a agricultura capitalista, que inicia de forma mais

acentuada a partir dos anos de 1950, foi conduzida especialmente por dois agentes de poder: o

Estado e a as organizações patronais ligadas ao campo. Neste processo, o Estado entra como

fornecedor de assistência técnica e extensão rural, enquanto a iniciativa privada entra com o

capital financeiro.

Observa-se que este quadro compõe um exemplo do que Michel de Certeau define por

tática e estratégia. A Embrapa surge, como uma estratégia de inserção da região na economia

nacional. Por estratégia entendemos a partir de Certeau, onde o autor entende por “estratégia”

algo como o “cálculo das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que

um sujeito de querer e poder é isolável de um ‘ambiente”, ou seja, é onde se torna possível

articular a partir de um lugar próprio, para agir na exterioridade. A estratégia “postula um lugar

capaz de ser circunscrito como um próprio e portanto capaz de servir de base a uma gestão de

suas relações com uma exterioridade distinta. A nacionalidade política, econômica ou

científica foi construída segundo esse modelo estratégico.” Posso exemplificar “estratégia”

através do discurso dos pesquisadores, ou seja, algo que em determinado momento foi

articulado e produzido pensando em sua exterioridade, em formas de conduzir algumas ações.

A Embrapa, por exemplo, é um “próprio”, e articula seu discurso para agir numa exterioridade

(junto aos agricultores e agroindústrias).” (CERTEAU, 1994, p. 46)

O processo como foi tratado o melhoramento genético de suínos nos 10 primeiros anos

de funcionamento do CNPSA aproxima-se da forma como a agricultura em geral veio sendo

tratada na América Latina. Para o historiador Stuart McCook “as representações sobre a

natureza acabaram por atribuir às plantas, um estatuto civil, o que lhes permitiram ser validadas

tais como as populações humanas perante o próprio estado.” A validação tanto das plantas,

como dos animais, especialmente os suínos, contribui para a formação de discursos e de

práticas, como a criação do CNPSA, para conhecer e controlar as populações, transformando

os animais em commodities, mercadorias absolutamente iguais, e que podem ser negociadas

em qualquer parte do mundo.

A formação e transformação das paisagens, das relações de trabalho e de produção não

se dão de forma espontânea. Por mais que muitas fontes afirmem, no caso da Embrapa Suínos

e Aves, que o seu processo de criação se deu de forma neutra, dificilmente alguém poderá

contestar que a sua formação está descolada de inúmeras relações de poder.

Sonia Mendonça exemplifica algumas destas relações quando afirma que muitas

instituições tinham interesse em uma unidade de pesquisa agropecuária na região, e que estas

não mediram esforços e influências para concretizar esta afirmação. Muitos setores, tiveram

interesse em participar da implantação da Embrapa, garantindo assim “participar da gerência

dos rumos da agricultura e pecuária brasileira.” (MENDONÇA, 2010)

O grande interesse pode ser associado com a importância da Embrapa dentro das

estratégias propostas. O seu papel é de dar suporte para as transformações que os extratos

dominantes do poder preveem para a região. Com base na modernização, a ciência, e a

racionalização da produção agrícola e pecuária, esse novo sistema propunha em suas entrelinhas

uma subordinação da natureza ao capital.

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