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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA A AUTONOMIA DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Isabela Pinheiro Medeiros FLORIANÓPOLIS (SC), MARÇO DE 1999. Monografia apresentada à banca examinadora do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação do Professor Msc. João dos Passos Martins Neto. No dia 25 de março de 1999 foi apresentada, defendida e aprovada pela banca examinadora composta pelos professores abaixo assinados esta monografia, intitulada “A AUTONOMIA DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988”, recebendo nota 10 (dez), sendo julgada adequada para o cumprimento do requisito legal previsto no artigo 9º da Portaria nº 1886/94/MEC, regulamentada pela Universidade Federal de Santa Catarina através da Resolução nº 003/95/CEPE. EXAMINADORES Ildemar Egger João dos Passos Martins Neto Sergio Cademartori Dedico este trabalho Ao Geyson, companheiro de todas as horas, meu amor, minha razão. Com carinho. Ao meu pai, Medeiros, modelo de integridade e minha mãe, Leonora, grande amiga, por tanto amor e preocupação; À minha irmã Érica, pela paciência, pelo quarto e, principalmente, pela exclusividade no uso do

A AUTONOMIA DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

A AUTONOMIA DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVANA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Isabela Pinheiro Medeiros

FLORIANÓPOLIS (SC), MARÇO DE 1999.

Monografia apresentada à banca examinadora do Curso de Direito da Universidade Federal deSanta Catarina, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob aorientação do Professor Msc. João dos Passos Martins Neto.

No dia 25 de março de 1999 foi apresentada, defendida e aprovada pelabanca examinadora composta pelos professores abaixo assinados esta monografia,intitulada “A AUTONOMIA DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVANA CONSTITUIÇÃO DE 1988”, recebendo nota 10 (dez), sendo julgada adequada para ocumprimento do requisito legal previsto no artigo 9º da Portaria nº 1886/94/MEC,regulamentada pela Universidade Federal de Santa Catarina através da Resolução nº003/95/CEPE.

EXAMINADORESIldemar Egger

João dos Passos Martins NetoSergio Cademartori

Dedico este trabalho

Ao Geyson,companheiro de todas as horas,

meu amor,minha razão.

Com carinho.

Ao meu pai, Medeiros, modelo de integridade e minhamãe, Leonora, grande amiga, por tanto amor epreocupação;

À minha irmã Érica, pela paciência, pelo quarto e,principalmente, pela exclusividade no uso do

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computador;

À minha irmã Camila, cuja meiguice e sorriso fazem-meesquecer dos problemas;

Ao meu namorado, Geyson, pela segurança e incentivoconstante;

À Titi, maior responsável pela escolha do Direito;

À Graziela Thévenet, pelo retorno na hora certa;

À Cecília Caballero Lois, pelo apoio imprescindível;

Às amizades concebidas ao longo desta faculdade, emespecial à Elane Pereira da Rosa, Marianne da SilvaBrodbeck, Raquel Fernanda Veras dos Santos e SimoneMarien Nunes Saad, por terem tornado esta jornadauniversitária inesquecível;

À Dra. Maria Soares Camelo Cordioli, por introduzir-meno estudo da moralidade administrativa;

Ao professor João dos Passos Martins Neto, peladedicada orientação;

A todos aqueles que contribuem para que eu seja umapessoa plenamente feliz.

O meu eterno agradecimento.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

Capítulo 1 – MORALIDADE ADMINISTRATIVA: NOÇÕES INTRODUTÓRIAS1.1. Direito e Moral1.2. Moral e Ética1.3. Moralidade Administrativa

1.3.1. Origem1.3.2. Natureza

1.3.2.1. Moral Comum e Moral Administrativa1.3.2.2. Moralidade e Legalidade1.3.2.3. Moralidade e Probidade

Capítulo 2 – A MORALIDADE ADMINISTRATIVA À LUZ DA ORDEMCONSTITUCIONAL

2.1. A Moralidade Administrativa no Direito positivo brasileiro2.1.1. Gênese Constitucional

2.1.1.1. A Expressividade da Moralidade Administrativa no atual Texto Constitucional2.1.2. Legislação Infraconstitucional

2.2. A Moralidade Administrativa na Constituição Federal de 19882.2.1. A Moralidade Administrativa em relação aos demais princípios insculpidos no

artigo 37, caput, da Carta Magna

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2.2.2. Alcance2.2.3. Efetividade

2.3. Caracterização da Moralidade Administrativa

Capítulo 3 – O CONTROLE JURISDICIONAL DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA3.1. Noções Gerais acerca do Controle da Administração Pública

3.1.1. Conceito3.1.2. Modalidades

3.1.2.1. Controle Interno3.1.2.2. Controle Externo

3.2. O Controle da Moralidade Administrativa em face da Constituição3.3. Tutela Jurisdicional da Moralidade Administrativa3.4. A Moralidade Administrativa e a Jurisprudência

CONSIDERAÇÕES FINAISREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASAnexo IAnexo IIAnexo III

INTRODUÇÃO

O estudo da moralidade administrativa vem revelando-se bastante controvertido,suscitando divergências doutrinárias. A inquietude dedicada ao tema evidenciou-se após apromulgação da Carta de 1988, que reservou ao instituto um especial tratamento, elevando-o,pioneiramente, à categoria de princípio de observância obrigatória da atividade daAdministração Pública.

Esta inovação, inevitavelmente, repercutiu sobremaneira na esfera jurídicabrasileira, já que acarretou na necessidade de vislumbrar o instituto de forma mais cuidadosa,com uma amplitude maior a que lhe era conferida até então, posto que consistia em meroprincípio geral de direito.

Destarte, dada a importância do tema, o presente estudo tem por escopo precípuocontribuir para a análise de tão relevante princípio, enfatizando prioritariamente os aspectos quevêm gerando maiores controvérsias. Há que se ressaltar, no entanto, que o conteúdo destamonografia parte de pressupostos eminentemente teóricos, fruto de uma corrente que ainda nãose encontra propriamente sedimentada e ainda está por merecer maior respaldo jurisprudencial.

Feitas estas considerações preliminares, procurar-se-á demonstrar, ao longo dapesquisa, que a intenção do legislador constituinte ao insculpir o princípio da moralidadeadministrativa como pressuposto do atuar administrativo, foi conferir-lhe total autonomia,inclusive e principalmente em relação à legalidade. Para tanto, será necessária a abordagem dealguns aspectos pertinentes para a melhor compreensão do real alcance desse preceitoconstitucional.

Assim, no primeiro capítulo será possível observar-se, antes do início daabordagem da moralidade administrativa propriamente dita, breves apontamentos acercada moral em relação ao Direito e a Ética. Posteriormente, adentrar-se-á no espectro

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específico deste princípio constitucional, a partir de uma análise histórica que se faz necessáriapara, além de tentar justificar a sua origem, apontar as influência com ela advindas.

Ainda no mesmo capítulo, buscar-se-á situar a moralidade a partir de suacomparação com outros elementos, que por vezes são com ela confundidos por parte dosjuristas pátrios. Sob este prisma, serão apontados os principais aspectos diferenciadores eaproximadores da moralidade administrativa com a moral comum e com a legalidade, bemcomo com a probidade.

Posteriormente, no segundo capítulo, será realizada uma abordagem do princípioenquanto inserido na ordem constitucional brasileira, demonstrando os novos contornos que lheforam dados pelo Texto Maior, assim como as repercussões e obstáculos que com elessucederam. Destacar-se-á, com primazia, as intenções da Carta Magna em relação ao instituto,dando ênfase à questão do alcance, da efetividade e da forma que se dá a caracterização dos atoseivados de imoralidade.

Finalmente, no último capítulo, serão apontados alguns tópicos do controle damoralidade administrativa sob a égide dos preceitos constitucionais. Desta maneira, revela-seindispensável versar suscintamente sobre os os aspectos gerais do controle da AdministraçãoPública, tais como a possibilidade de sua realização e suas principais modalidades.

Especificamente em relação ao controle da moralidade, será efatizada amodalidade jurisdicional, por consistir na mais controvertida, já que grande parte da doutrina ejurisprudência pátria teme em aceitá-la. Assim, serão trazidas à lume algumas idéias básicasdefensoras da realização desta espécie de controle, a fim de apontar os requisitos necessáriospara a sua efetivação, e, da mesma forma, a justificativa para a sua realização. Por fim, a partirda análise de provimentos jurisdicionais, far-se-ão comentários acerca da aplicação que algunsTribunais Pátrios vêm dando à matéria.

Quanto ao método de abordagem do presente trabalho, será feito uso do métodoindutivo, acompanhado da técnica de pesquisa bibliográfica. Com consultas a fontesbibliográficas diversas, será possível o exame e estudo do tema sob os mais diversos enfoques eentendimentos, o que propiciará um aprofundamento na matéria e, conseqüentemente, umembasamento teórico para a realização da monografia e a obtenção dos fins por ela visados.

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Capítulo 1 – MORALIDADE ADMINISTRATIVA: NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

1.1. Direito e Moral

Diversas são as teorias que tratam da questão da Moral e do Direito. Enquantoalguns autores concentram seus esforços em demonstrar a total distinção entre os dois institutos,outros, por sua vez, sustentam a íntima relação do Direito com a Moral.

Dado à complexidade do tema, tentar-se-á demonstrar, tão somente, assemelhanças e diferenças observadas nos dois conceitos, utilizando os ensinamentos de AdolfoSánchez Vázquez1.

Consoante apregoado pelo autor, Direito e Moral aproximam-se em algunsaspectos: ambos constituem normas reguladoras do comportamento humano que visam“garantir certa coesão social” 2, tendo, por conseqüência, um caráter imperativo. Aos doisinstitutos é conferido uma dinamicidade que se encontra vinculada à história. “Assim comovaria a moral de uma época para a outra, ou de uma sociedade para outra, varia também odireito.”3

Quanto às diferenças, o autor evidencia a interioridade da moral e a exterioridadedo direito. Enquanto a moral não possui codificação e é observada em função de uma convicçãointerna que garante o seu cumprimento, no direito a codificação faz-se imprescindível e o seucumprimento dá-se independente da existência de qualquer convicção íntima, em função dacoação exercida pelo Estado.

Ressalta ainda o autor que o campo da moral é indubitavelmente mais amplo queo do direito, posto que o primeiro regula todas as formas do comportamento humano e osegundo regula apenas aquelas que tem relevância para o Estado. Assim, em função da distintarelação da moral e do direito com o Estado, nota-se que a moral poderá vir a se confrontar como poder estatal, enquanto que o Direito estará sempre em conformidade com o Estado, postoque depende diretamente dele.

“Em conclusão: a moral e o direito possuem elementos comuns e mostram, porsua vez, diferenças essenciais, mas estas relações, que ao mesmo tempo possuemum caráter histórico, baseiam-se na natureza do direito como comportamentohumano sancionado pelo Estado e na natureza da moral como comportamentoque não exige esta sanção estatal e se apóia exclusivamente na autoridade dacomunidade, expressa em normas e acatada voluntariamente.” 4

1.2. Moral e Ética

Etimologicamente, moral e ética equivalem-se. A diferença está na origem dostermos: enquanto a moral deriva do latim mores, a ética provém da palavra grega ethos. Porém,

1 VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. Ética. Tradução por João Dell’Anna. 14. ed. Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 1993. 267p. p. 80-84.2 Idem, p. 81.3 Idem, ibidem.4 VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. op.cit., p. 84.

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tanto o termo latino quanto o grego têm o mesmo significado – costumes.

A experiência histórica tem demonstrado que, antes de qualquer diferenciaçãoque se possa dar aos dois termos, a utilização preponderante de um ou de outro foi em grandeparte influenciada pela sua origem. Nota-se, portanto, que povos de cultura católica privilegiama utilização da palavra moral, enquanto os povos de influência protestante dão mais ênfase àpalavra ética.

Justifica-se, assim, o fato de que na antigüidade, a utilização de tais termosvariava de acordo com o idioma adotado, porém ambos “compreendiam tanto os costumescomo os códigos destinados a reger a conduta humana e a exortação à sua obediência e, ainda, areflexão filosófica sobre tais costumes e comportamentos e os códigos que os regulam.” 5

Já na atualidade, uma gama de autores continua adotando os termos moral e éticaindistintamente. Alguns, porém, apegam-se à tentativa de diferenciá-los.

O entendimento mais preponderante proclama ser a ética a ciência da moral,cabendo a esta o “estudo da conduta moral do homem” 6. Desta forma, ética e moraldiferenciam-se e se relacionam enquanto “uma ciência específica e seu objeto”.7

Adolfo Sánchez Vázquez confere à ética um caráter de generalidade:

“O que nela se afirme sobre a natureza ou fundamento das normas morais devevaler para a moral da sociedade grega, ou para a moral que vigora de fato numacomunidade humana moderna. É isso que assegura o seu caráter teórico e evitasua redução a uma disciplina normativa ou pragmática. O valor da ética comoteoria está naquilo que explica, e não no fato de prescrever ou recomendar comvistas à ação em situações concretas.” 8

A partir destes ensinamentos pode-se compreender que, enquanto a moral éconcebida como um conjunto de regras da conduta humana, e portanto, tem uma função prática,a ética é eminentemente teórica, limitando-se a “explicar, esclarecer ou investigar umadeterminada realidade, elaborando os conceitos correspondentes.”9

Isto não significa entender a ética como algo imutável. A ética varia de acordocom o seu objeto de estudo, tendo, portanto um caráter extremamente dinâmico, já que a moral,como visto anteriormente, sofre constantes modificações que acompanham a história dohomem.

1.3. Moralidade Administrativa

5 DÁLLARI, Sueli Gandolfi. A Ética Sanitária na Constituição Brasileira. Revista de Informação Legislativa,Brasília, v. 30, n. 117, p. 419-428, jan./mar. 1993. p. 420.6 CARLIN, Volnei Ivo Carlin. Deontologia Jurídica – Ética e Justiça. Florianópolis: Obra Jurídica, 1996. 180p., p. 37.7 VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. op. cit., p. 14.8 Idem, p. 11.9 Idem, p. 10.

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1.3.1. Origem

Desde a antigüidade os povos já se preocupavam com a existência da moralidadeno trato da coisa pública. No decorrer da história, esta preocupação apenas evidenciou-se, postoque, como assevera Cláudio Ari Mello, “a ampliação das zonas de liberdade de ação do PoderPúblico produziram diversos problemas, (...)” 10, dentre eles uma propensão a atuaçõesdesprovidas de honestidade.

Apesar de se encontrar, já no direito romano, “a interseção da moral no direito emtermos de aplicação”11, que se deu através da doutrina do abuso do direito12, na esfera do direitopúblico, a moralidade veio a se instalar muito tempo depois, apenas no começo do presenteséculo, em 1914, com as anotações feitas por Maurice Hariou acerca do pronunciamento doConselho de Estado Francês, cúpulado sistema do contencioso administrativo desse país, no caso Gommel. 13

Nota-se, porém, que a moralidade administrativa teve seu ingresso na esferajusadiministrativa vinculada à noção de desvio de poder, já que o legalismo que imperava àépoca optou por camuflar o conteúdo do elemento moralidade administrativa dentro da violaçãoda finalidade do ato.

Alguns autores ressaltam que mesmo antes de 1914, mais precisamente em 1910,Maurice Hariou já havia feito referência à moralidade administrativa na 1ª edição de sua obraPrincipes de Droit Public (Princípios de Direito Público), quando discorreu:

“Assim, o poder público constituiu a armadura moral da administração pública. E,aliás, deve-se notar que todo controle organizado em nome da moralidadeadministrativa sobre os atos administrativos deve partir da noção do poder”.14

A noção de moralidade formulada pelo autor francês, não muito bem explicitadanesta pioneira experiência, foi ganhando clareza e expressividade com as edições que seguiram.Foi assim que, em sua 10ª edição, a moralidade administrativa vem conceituada como “oconjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração”15.

No entanto, foi apenas na 11ª edição de sua obra, em 1927, que Maurice Hariouconceitua de forma exemplar a moralidade administrativa, apregoando:

10 MELLO, Cláudio Ari. Improbidade Administrativa – Considerações sobre a Lei 8.429/92. Cadernos deDireito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, v. 3, n. 11, p. 49-62, abr./jun. 1995. p. 50.11 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Moralidade Administrativa: do conceito à efetivação. Revista deDireito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 190, p. 1-44, out./dez. 1992. p. 4.12 Antônio José Brandão assevera que “a doutrina do exercício abusivo dos direitos representa a primeiraintromissão da regra moral na esfera do jurídico”. (BRANDÃO, Antônio. Moralidade Administrativa. Boletimde Direito Administrativo, p. 62-72, fev. 1996. p. 63.)

13 Consoante apregoa Antônio José Brandão, a partir destas anotações, Hariou “desenvolveu, com maiorbrilhantismo do que transparência, a seguinte tese audaciosa: a legalidade dos atos jurídicosadministrativos é fiscalizada pelo recurso baseado na violação da lei; mas a conformidade dêsses atos aosprincípios basilares da ‘boa administração’, determinante necessária de qualquer decisão administrativa, éfiscalizada por outro recurso, fundado no desvio de poder, cuja zona de policiamento é a zona da‘moralidade administrativa’.” (BRANDÃO, Antônio José, op. cit., p. 64.)14 apud MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. op. cit., p. 06.15 apud ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. BeloHorizonte: Del Rey, 1994. 307 p. p. 189.

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“Quanto à moralidade administrativa, sua existência provém de tudo quepossuindo uma conduta pratica, forçosamente, a distinção do bem e do mal.Como a Administração tem uma conduta, ela pratica esta distinção ao mesmotempo que aquela do justo e injusto, do lícito e do ilícito, do honorável e dodesonorável, do conveniente e do inconveniente. A moralidade administrativa éfreqüentemente mais exigente que a legalidade. Veremos que a instituição doexcesso de poder, graças à qual são anulados muitos atos da Administração, éfundada tanto na noção de moralidade administrativa quanto na legalidade, de talsorte que a Administração é ligada, em certa medida, pela moral jurídica,particularmente no que concerne ao desvio de poder”.16

Ante tais ensinamentos, conclui-se que o legado deixado pelo mestre francês foifundamental não só no intuito de dar à moralidade a importância que lhe é necessária, mas,principalmente, ressaltar que o seu conceito ultrapassa os limites da legalidade.

No entanto, apesar do exposto acima, a doutrina ainda continua bastante tímida aodiscorrer sobre o tema, nem sempre reservando à moralidade a importância a que faz jus.

É o exemplo do Direito Francês, que vem abandonando a noção de moralidadeadministrativa para utilizar preponderantemente a expressão desvio depoder17, que, por consistir numa hipótese de ilegalidade, está mais facilmente sujeita ao controlejudicial. Neste contexto, a imoralidade seria, tão somente, uma espécie de ilegalidade, ailegalidade referente aos fins dos atos administrativos.

No Brasil, muitos são os autores que seguem a tendência francesa, entendendoque o controle da moralidade administrativa estaria vinculado ao próprio controle da legalidadee contrariando, desta forma, o disposto na Constituição Federal de 1988, que conferiu aos doiselementos o mesmo nível hierárquico.18

No entanto, entendem outros autores, mais acertadamente, que com a vigência daatual Constituição19, a moralidade administrativa recebeu a possibilidade de ser tutelada deforma autônoma e por conseguinte, mais eficaz, sendo fiscalizada pela sociedade inclusiveatravés do Poder Judiciário, revelando, desta forma, “um reconhecimento da insuficiência doparadigma do princípio da legalidade para um controle efetivo da legitimidade de funções

16 apud FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 2. ed. ver. atual. ampl. São Paulo:Malheiros, 1995. 439 p. p. 48.17 Cf. LOPES, Maurício Antonio. Ética e Administração Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. 86p. p. 31.18 Ao analisar o tema, José Augusto Delgado ressalta que “A Administração Pública não está somentesujeita à lei. O seu atuar encontra-se subordinado aos motivos e aos modos de agir, pelo que inexisteliberdade de agir. Deve, assim, vincular a gestão administrativa aos anseios e às necessidades doadministrado, mesmo que atue, por autorização legal, como senhor da conveniência e da oportunidade.Qualquer excesso a tais limites implica adentrar na violação do princípio da moralidade administrativasempre exigindo uma correta atividade.” (DELGADO, José Augusto. Princípio da moralidade administrativae a Constituição Federal de 1988. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 208-223,jan./mar. 1993. p. 212-213.)19 Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, mesmo antes da Carta Magna de 1988, enfatizava que o controleexterno da moralidade administrativa poderia ser realizado. Em sua obra “Princípio Constitucional daMoralidade Administrativa”, o autor ocupa dois capítulos para discorrer acerca do “Alcance da MoralidadeAdministrativa na Ação Popular Constitucional” e do “Alcance da Moralidade Administrativa no Mandado deSegurança”. (FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. O Princípio Constitucional da MoralidadeAdministrativa. 2. ed. Curitiba: Genesis, 1995. 179 p.)

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públicas”.20

1.3.2. Natureza

1.3.2.1. Moral Comum e Moral Administrativa

Com base no conceito deixado por Hariou, Welter, em sua monografia publicadaem 1930 - Le Contrôle Juridictionel de la Moralité Administrative (O Controle Jurisdicional daMoralidade Administrativa), elaborou uma noção mais clara de moralidade:

“a moralidade administrativa, que nos propomos estudar, não se confunde com amoralidade comum; ela é composta por regras da boa administração, ou seja: peloconjunto de regras finais e disciplinares suscitadas, não só pela distinção entre oBem e o Mal, mas também pela idéia geral de administração e pela idéia defunção administrativa”.21

Desta forma, resta imprescindível, para uma melhor compreensão da moralidadeadministrativa, a sua distinção com a moral comum.

Analisando o conceito de Welter, nota-se que a noção de moralidadeadministrativa está vinculada ao termo “boa administração” e portanto terá um caráter finalista,já que para a realização desta última o que se leva em conta é a conduta externa doadministrador, o resultado por ele produzido. A atuação do administrador, para não configurarviolação à moralidade administrativa, deverá, assim, pautar-se sempre pelo fim desejado pelaAdministração Pública, qual seja o bem comum.

Ao passo que a moralidade administrativa pode ser chamada de uma moralespecífica da Administração, voltada para os resultados concretizadores da finalidade pública, amoral comum, consoante apregoa José Augusto Delgado, tem como característica ageneralidade. Ensina o autor:

“A moralidade comum se baseia em um conjunto sistemático de normas queorientam o homem para a realização de seu fim. Isto é, o do homem realizar, peloexercício de sua liberdade, a perfeição de sua natureza. O caráter de generalidadeposto na moralidade comum é o traço marcante diferenciador da moralidadeadministrativa. Esta, ao contrário da moralidade comum, implica, tão-somente, anecessidade que os atos externos e públicos dos agentes detentores de poder e deatribuições sejam praticados de acordo com as exigências da moral e dos bonscostumes, visando uma boa administração.”.22

Cumpre ressaltar, no entanto, que apesar de constituírem elementos distintos eque conseqüentemente não se confundem, a moral comum e a administrativa não podem servislumbradas enquanto esferas estanques, já que, o contexto da boa administração tende a ser

20 MELLO, Cláudio Ari. op. cit., p. 50.21 apud BRANDÃO, Antônio José. op. cit., p. 66..

22 DELGADO, José Augusto. A supremacia dos princípios informativos do direito administrativo:interpretação e aplicação. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 83, n. 701, p. 34-44, mar. 1994. p. 40.

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influenciada, indubitavelmente por preceitos da moral comum. 23

Este é o entendimento de Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, adotado por umagama de autores. Segundo os ensinamentos do autor,

“o bom administrador (...) é aquele que usando da sua competência legal ‘sedetermina, não só pelos preceitos vigentes, mas também pela moral comum’. Háde conhecer, assim, as fronteiras do lícito e do ilícito, do justo e do injusto nosseus fins.”24

Conclui-se, desta forma, que apesar da moralidade administrativa regular, tão-somente, as condutas concernentes à esfera da Administração Pública, seu conteúdo é atingidopelos mandamentos da moral comum, já que o administrador, quando agir sob os preceitos da“boa administração”, estará seguindo, igualmente, padrões morais comuns, provenientes dasociedade em que vive.x25

1.3.2.2. Moralidade e Legalidade

A partir da análise do instituto da moralidade administrativa, torna-se maiscompreensível que certos autores tenham vinculado o conceito da moralidade administrativa àlegalidade, em função de sua origem, quando esteve diretamente ligada à idéia de desvio depoder.

Mesmo com o decorrer do tempo e o amadurecimento da doutrina acerca dotema, há ainda uma corrente tradicional que sustente esta vinculação, defendendo ser o vício demoralidade tão-somente uma das hipóteses da ilegalidade, qual seja a ilegalidade concernenteaos fins (desvio de poder). Em conseqüência, o controle da moralidade por parte do PoderJudiciário restringir-se-ia a esta modalidade de ilegalidade, restando seu exame enquantoelemento isolado prejudicado, posto que tais autores vislumbram que, enquanto elemento dadisciplina interna da Administração, a análise da moralidade dos atos administrativos caberia,igualmente, à esfera interna da Administração.

Talvez seja este entendimento um tanto quanto cômodo, já que a imprecisão do 23 Neste sentido apregoa Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho: “Parenteticamente, não custa mencionarque é consenso, entre os administradores daqui e do exterior, que a moral administrativa não se confundecom a moral comum, embora ganhe influência desta, já que aquela, encontrando-se juridicizada, representao conjunto de regras de conduta para uma boa administração, tiradas da disciplina interior da AdministraçãoPública, a qual não deixa de espelhar os valores morais prestigiados e amparados pelo ordenamentojurídico, mormente, pela Lei Suprema”. (SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. O Princípio daMoralidade Administrativa. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, v. 22, p. 129-132, jan./mar. 1998. p. 129.)24 FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. Controle da Moralidade Administrativa. São Paulo: Saraiva,1974. 267 p. p. 11.x

25 O Ministro Demócrito Ramos Reinaldo, ao concluir seus comentários acerca da relação entre a moralcomum e administrativa, assim se expressa: “A moralidade (administrativa), portanto, é a condizente com amoral comum, a do homem médio, a que está em consonância com a cultura, costumes e hábitos sociais.Atos morais são os acatados pela sociedade, porque se fundam em regras comuns e iguais a todos, são deinteresse geral e afinam-se com respeito à ordem natural das coisas. A sociedade repudia, sempre, osprovimentos administrativos personalizados, individualizados, que se sabe, ‘prima facie’, protecionistas depessoas ou grupos não isonômicos”. (REINALDO, Demócrito Ramos. O princípio da moralidade daAdministração Pública. Arquivo Forense, Pernambuco, v. 75, p. 45-50, jan. 1993/dez. 1995. p. 49-50.)

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conceito da moralidade administrativa torna difícil não só a sua compreensão, masprincipalmente a sua conceituação e, portanto, a sua caracterização. Assim, enquanto elementoabsorvido pela própria noção de legalidade, sua configuração não ensejaria tantas ponderações,já que a legalidade é, sem dúvida, um conceito de muito mais fácil apreensão.

Apesar de todas estas considerações, o entendimento ora exposto, revela-sedescabido após o avanço dos estudos doutrinários sobre o tema. É certo que a moralidadeadministrativa constitui um conceito demasiadamente vago e que transcende a esfera jurídica,porém estas dificuldades não podem impedir que a sua importância seja efetivamenteconsagrada.

Seguindo esta linha de raciocínio é que a doutrina sofreu um visívelamadurecimento, e acabou por conferir à moralidade um caráter indubitavelmente mais amplo edistinto da legalidade, tornando, por conseguinte, cada vez mais viável a apreciação damoralidade administrativa nas mais diversas esferas, incluindo aí a judicial.

Os autores simpatizantes desta corrente deixam bem clara a distinção existenteentre a moralidade e a legalidade, o que não significa concebê-los como elementos estanques.Não resta dúvida que diversos fatores por vezes os aproximam, a começar pelo fato de ambosconstituírem motivo suficiente para a invalidade de um ato administrativo por violação de seuspostulados.

No entanto, é necessário entendê-los enquanto elementos autônomos. Defendendoeste entendimento é que José Augusto Delgado ensina:

“Enquanto o princípio da legalidade exige ação administrativa de acordo com alei, o da moralidade prega um comportamento do administrador que demonstrehaver assumido como móbil da sua ação a própria idéia do dever de exercer umaboa administração.No cumprimento do princípio da legalidade, o administrador não tem necessidadede dedicar a sua atenção com o motivo da própria ação, pois, suficiente que seencontre autorizada por lei. O contrário, porém, acontece como princípio damoralidade, que exige do administrador uma postura que faça com que os seusatos exteriorizem a própria idéia do dever de haver atuado com base em ‘regrasfinais e disciplinares suscitadas, não só pela distinção entre o Bem e o Mal, mastambém pela idéia geral de administração e pela idéia de funçãoadministrativa’.” 26

A doutrina brasileira vem adotando igual posicionamento, sob influência clara dotexto da atual Carta Magna que, através de seu artigo 37, não deixa dúvidas ao conceder àmoralidade e à legalidade a autonomia que lhes é necessária.

Ao comentar o dispositivo constitucional ora mencionado, Demócrito RamosReinaldo assinala:

“O constituinte, portanto, estabeleceu nítida distinção: juridicizou a ‘moralidade’,definindo-a como ‘princípio’, para viger, paralelamente, com o da ‘legalidade’. Adistinção é evidente e necessária. A moralidade administrativa integra o direito(constitucional) como elemento de observância indeclinável (irretorquível),

26 DELGADO, José Augusto. op. cit., 1993. p. 209.

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mas não está ínsita na legalidade, nem desta constitui corolário. O legisladorconstituinte, ao instituir o princípio, não cuidou do mero ‘reenvio’ da norma legalà norma moral, mas atribui à moralidade administrativa relevância jurídica, deeficácia plena e mandamental autônoma – e de vida própria. Nessa linha deraciocínio, há que se distinguir a ordem jurídica positiva, que caracteriza alegalidade, da ordem jurídica positiva, que caracteriza a moralidade – ambascompondo a mesma ordem jurídica integral – porque nem tudo que é ‘legal émoral’.”27

Seguindo a mesma linha de raciocínio, Weida Zancaner manifesta-se sobre aposição adotada pela nossa Constituição da seguinte forma:

“Esta posição, isto é, a compreensão do princípio da moralidade com um plus aoprincípio da legalidade, inclusive enquanto autônomo em relação a este, é aaceitação de valores éticos e morais pelo sistema jurídico, valores que seespraiam por todo sistema porque ajudaram a compor o perfil constitucional doEstado adotado por umadeterminada sociedade em uma determinada época.”28

Assim, interpretando a Constituição de 1988, conclui-se que cabe ao agenteadministrativo a conformação de todos os seus atos com a lei, porém tal assertiva não ésuficiente, já que, além de obedecer aos imperativos legais a que está subordinado, o agentedeverá fazê-lo imbuído do senso de interesse público, tendo em vista que todas as vezes queestiver agindo dentro da lei, porém com interesses diversos do bem comum, estará infringindo amoralidade a que está igualmente subordinado e seu ato será passível de invalidação. 29

Sob este prisma, coloca José Afonso da Silva:

“A lei pode ser cumprida moralmente ou imoralmente. Quando sua execução éfeita, por exemplo, com o intuito de prejudicar alguém deliberadamente, ou como intuito de favorecer alguém, por certo que se está produzindo um ato

27 REINALDO, Demócrito Ramos. O princípio da moralidade na Administração Pública e a liceidade dolimite etário para acesso dos cargos públicos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 84, n. 711, p. 17-22, jan.1995. p. 19.28 ZANCANER, Weida. Razoabilidade e Moralidade: princípios concretizadores do perfil constitucional doEstado Social e Democrático de Direito. In: MELLO, Celso Antônio Bandeira de (org.). Estudos emhomenagem a Geraldo Ataliba. São Paulo: Malheiros, 1997a. 2 v. p. 619-632. p. 632.29 Nesse sentido, assinala Antônio José Brandão: “O ato conforme à lei jurídica nem sempre é um atoirrepreensível do ponto de vista moral: non omne quod licet honestum est, dizia já Paulo. Se os particularespodem cometer vilanias respeitando formalmente a lei, o mesmo acontece aos administradores. No entanto,assim como há uma Moral positiva, que, para os primeiros, se acrescenta à lei vigente, também para ossegundos há uma moral institucional, que se sobrepõe à lei das suas atribuições e competência. Esta é-lhesimposta de fora pelo Poder Legislativo, e apenas traça o âmbito da sua atividade e fixa os meios a utilizar.Quanto aos preceitos da moralidade administrativa, são-lhe impostos de dentro, vigoram no próprioambiente institucional e condicionam a utilização de qualquer poder jurídico, mesmo o discricionário. Anoção de moralidade administrativa é, assim, mais ampla do que a noção de legalidade jurídica. E, por isso,as exigências da moralidade administrativa são mais fortes que as exigências da legalidade jurídica. (...)Desta sorte, os agentes administrativos, se têm de inspirar os seus atos nas leis jurídicas vigentes,expressão normativa da ordem jurídica a que a Administração está submetida, movem-se também na órbitada ordem interna desta, gerada pela comunhão espiritual em que a idéia diretriz se tornou objetiva.Semelhante ordem interna encontra a sua expressão normativa num ‘direito natural da instituição’ — o qual,no caso da pública Administração, é a ‘moralidade administrativa’.” (BRANDÃO, Antônio José. op. cit., p.65.)

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formalmente legal, mas materialmente comprometido com a moralidadeadministrativa.”30

1.3.2.3. Moralidade e Probidade

Divergem os autores quanto à distinção destes dois elementos. Há os queempreguem os termos indistintamente, conferindo-lhes o mesmo significado.31 Outros autores,analisando a legislação nacional acerca do assunto, acabam por destinar à improbidade umaposição hierarquicamente superior à moralidade.32

A corrente majoritária, por sua vez, vem seguindo os ditames de José Afonso daSilva, que, utilizando o conceito deixado por Marcelo Caetano, discorre acerca da probidadeadministrativa da seguinte forma:

“A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa quemereceu consideração especial pela Constituição que pune o ímprobo com asuspensão de direitos políticos (art. 37, § 4º). A probidade administrativa consisteno dever de ‘o funcionário servir a Administração com honestidade, procedendono exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delasdecorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer’. Cuida-sede uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa éuma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem aoímprobo ou a outrem.” (grifos no original) 33

Já a moralidade administrativa, como visto anteriormente, deve ser sacada daprópria noção de "boa administração”, o que torna tal conceito indubitavelmente maisabrangente. Desta forma, partindo do pressuposto que a improbidade é espécie do gêneromoralidade administrativa, conclui-se que o dever da moralidade traz como uma de suasconseqüências lógicas o dever da probidade, que pode ser tratado como “uma das possíveisformas de externação da moralidade”.34

Destarte, acompanhando esta corrente, nota-se que os legisladores pecaram

30 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10. ed. rev. São Paulo: Malheiros, 1995.820 p. p. 616. (grifos do autor)31 É o caso, por exemplo de José de Castro Meira, quando assevera que “A expressão probidadeadministrativa é sinônima de moralidade administrativa ou simplesmente de honestidade”. (grifo no original)(MEIRA, José de Castro. Administração Pública na Constituição Federal. Revista de Informação Legislativa,Brasília, v. 30, n. 119, p. 193-204, jul./set. 1993. p. 199.)32 Flávio Sátiro Fernandes, ao defender esta corrente, expõe que “a probidade é (...) o gênero, do qual amoralidade é espécie, haja vista a maior amplitude e o maior alcance emprestados à primeira, pelaConstituição Federal e pela legislação ordinária. De fato, examinando-se o que a Constituição de 5 deoutubro de 1988 e a legislação infraconstitucional contêm a respeito dos princípios aqui aludidos, verifica-seque probidade e moralidade administrativas são conceitos que se não podem (sic) confundir e que asegunda dessas noções está contida na primeira.”A seguir, o autor enumera os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que fazem referência àmatéria e tece a seguinte conclusão: “Em suma, podemos dizer que todo o ato contrário à moralidadeadministrativa é ato configurador de improbidade. Porém, nem todo ato de improbidade administrativarepresenta violação à moralidade administrativa.” (FERNANDES, Flávio Satiro. Improbidade Administrativa.1997. Endereço Eletrônico: http://www.jfrn.gov.br/doutrina20.htm)33 SILVA, José Afonso. op. cit., p. 616.34 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. op. cit., p. 58.

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quando da formulação do texto da Lei de Improbidade Administrativa35 (Lei nº 8.429/92), maisespecificamente em seu art. 11, caput, (Capítulo II, Seção III - Dos Atos de ImprobidadeAdministrativa que Atentam contra os Princípios da Administração Pública), haja vista aampliação que deram ao conteúdo do termo improbidade administrativa. Consoantemencionado dispositivo legal,

“Art. 11: Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra osprincípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole osdeveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições(...)”.

Ora, se a improbidade, como visto acima, está contida na própria noção deimoralidade, todos os atos de improbidade elencados pela citada lei, atentarão,obrigatoriamente, contra o princípio da moralidade administrativa, o que torna a redação doartigo supra citado um tanto quanto duvidosa.36

Capítulo 2 – A MORALIDADE ADMINISTRATIVA À LUZ DA ORDEMCONSTITUCIONAL

2.1. A Moralidade Administrativa no Direito positivo brasileiro

2.1.1. Gênese Constitucional

Até alcançar o momento atual, a moralidade administrativa, no contextoconstitucional brasileiro, percorreu um longo caminho, recebendo o status de princípioconstitucional de observância obrigatória apenas com a promulgação da Constituição Federal de1988.

35 Anexo I. 36 A imprecisão da redação acabou por suscitar alguns comentários mais aprofundados de vários autores,talvez numa tentativa de justificar os legisladores. Wallace Paiva Martins Jr., comenta o dispositivo emquestão trazendo à lume o conceito deixado por Ruy Alberto Gatto que entende tal tipificação “como normade encerramento ou de extensão, proporcionando a censura de atos comissivos ou omissivos que nãoimportam prejuízo patrimonial da administração pública ou enriquecimento ilícito do agente público, mas queofendem os valores morais da administração pública.” MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Alguns meios deinvestigação da improbidade administrativa, Revista dos Tribunais, a. 85, v. 727, p. 325-344, maio 1996. p.326.No mesmo sentido, os autores da obra Improbidade Administrativa – Aspectos Jurídicos da Defesa doPatrimônio Público, após tecerem críticas à redação do caput do art. 11 da Lei 8.429, acabam por concluirque mencionado dispositivo “funciona como regra de reserva, para os casos de improbidade administrativaque não acarretam lesão ao erário nem importam em enriquecimento ilícito do agente público que pratica.”(PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias, FAZZIO JÚNIOR, Waldo. ImprobidadeAdministrativa: Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Atlas,1997. 238. p. 117.)Ainda sobre o assunto, Juarez Freitas faz o seguinte comentário: “Sob a ótica da Lei, ainda quando não severifique o enriquecimento ilícito ou o dano material, a violação do princípio da moralidade pode e deve serconsiderada, em si mesma, apta para caracterizar a ofensa ao subprincípio da probidade administrativa, nasenda correta de perceber que o constituinte quis coibir a lesividade à moral positivada, em si mesma,inclusive naqueles casos em que se não se vislumbram incontrovertidos, os danos materiais”. (FREITAS,Juarez. Do princípio da probidade administrativa e de sua máxima efetivação. Revista de DireitoAdministrativo, Rio de Janeiro, n. 204, p. 65-84, abr./jun. 1996. p. 71.)

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Apesar de receber sua explicitação constitucional apenas em 1988, a moralidadeadministrativa sempre foi objeto de discussões no âmbito do Poder Público, posto que acorrupção tem acompanhado o Estado brasileiro desde seus tempos mais remotos.

Assim, analisando os textos das Constituições que vigoraram até a atualidade noBrasil, observa-se que praticamente todas fizeram menção, mesmo que indiretamente, àpreocupação que tinham com as conseqüências advindas de atos imorais, como oenriquecimento ilícito, por exemplo.

A primeira manifestação que se tem notícia da preocupação com a moralidade,data do longínquo período imperial e fazia referência à profissão dos magistrados e oficiais dejustiça. Apregoava a Constituição de 1824:

“Art. 156. Todos os juízes de direito e os oficiais de justiça são responsáveispelos abusos de poder e prevaricações que cometerem no exercício de seusempregos; esta responsabilidade se fará efetiva por lei regulamentar.

Art. 157. Por suborno, peita, peculato e concussão, haverá contra eles a açãopopular, que poderá ser intentada dentro de um ano e dia pelo próprio queixosoou por qualquer do povo, guardada a ordem do processo estabelecido por lei.”37

Com o advento do regime republicano, especialmente na chamada PrimeiraRepública, os interesses públicos sofreram sérios prejuízos, já que perderam espaço, para osinteresses da elite econômica. Descaracterizou-se, assim, o fim precípuo da AdministraçãoPública, que deveria estar voltada para os interesses de seus administrados.38

Proveniente deste distanciamento do Poder com a sociedade é que a Constituiçãode 1891, procurando resgatar algum senso moral por parte da Administração Pública, buscoulegislar, através de seu artigo 54, 6º, acerca dos atos ímprobos. Consoante mencionado artigo,

“São crimes de responsabilidade do Presidente da República os que atentamcontra:(...)6º. a probidade da Administração (...)”.

Mencionado texto esteve presente em todas as Constituições que sucederam a de1891, demonstrando que a moralidade administrativa, até a promulgação da Constituição de1988 esteve “embutido na menção expressa à probidade administrativa como dever doPresidente da República, contra a qual, agindo este, veria suscitada a sua responsabilidadecriminosa no exercício do cargo”.39

Diante de um contexto histórico de corrupção exacerbada aconteceu o movimentode 1930, que teve dentre seus objetivos a busca de uma atuação política e administrativa

37 Como apregoado por Cármen Lúcia Antunes Rocha, esta foi “a única referência normativa constitucionalbrasileira do século XIX e a única norma que se refere à ação popular antes da Constituição de 1934”.(ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. op. cit., p. 218.)38 Constata Cármen Lúcia Antunes Rocha: “A contaminação ética do Poder na Primeira República, que adenominada “política dos governadores” assegurou em grande parte, e a viciosidade do processo eleitoralintegraram-se à Administração Pública mais afeta a interesses privados dos coronéis e seus apaniguadosque à causa social”. (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. op. cit., p. 218.)39 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. op. cit., p. 224-225.

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pautada pela moral.

Sob a influência destes sentimentos é que se deu um momento de extremarelevância na história constitucional concernente à moralidade administrativa. A Constituiçãode 1934 introduziu em seu texto de forma expressa o instituto da ação popular, instrumentoutilizado até os dias atuais pelos cidadãos brasileiros que buscam coibir as imoralidades de seusadministradores.40 Desta forma, rezava o artigo 113, inciso 38 daquela Constituição:

“Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou aanulação de atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dosMunicípios”.

Este importante dispositivo, no entanto, foi omitido na Constituição de 1937, adenominada “Constituição Polaca”, quando o Brasil atravessou um de seus períodos ditatoriais.Com a retomada da democracia e a promulgação da Constituição de 1946, a ação popular foireintroduzida, bem como ampliado o seu alcance. Na nova redação dada pelo artigo 141, § 38,acrescentou-se, ao “patrimônio da União, dos Estados e dos Municípios”, a proteção ao“patrimônio das entidades autárquicas e das sociedades de economia mista”.

A partir da Constituição de 1946 a ação popular fez-se presente em todas asConstituições que a sucederam.

A Constituição de 1946, no entanto, não se restringiu à ação popular. No § 31 domesmo artigo 141 pode-se notar, novamente, a preocupação mesmo que indireta do legisladorcom a moralidade na Administração Pública. Segundo mencionado dispositivo constitucional,

“(...) A lei disporá sobre o seqüestro e o perdimento de bens, no caso deenriquecimento ilícito, por influência ou com abuso de cargo ou função pública,ou de emprego em entidade autárquica”.

Já a Constituição de 1967 traz uma inovação, trazendo em seu bojo,expressamente, o termo “corrupção”, através do artigo 151, que rezava:

“Aquele que abusar dos direitos individuais previstos nos parágrafos 8º, 23, 27 e28 do artigo anterior e dos direitos políticos, para atentar contra a ordemdemocrática ou praticar a corrupção, incorrerá na suspensão destes últimosdireitos pelo prazo de dois a dez anos, declarada pelo Supremo Tribunal Federal,mediante representação do Procurador-Geral da República, sem prejuízo da açãocivil ou penal cabível, assegurada ao paciente a mais ampla defesa”.41

40 Ressalta Cármen Lúcia Antunes Rocha que “A entronização, no Direito Constitucional brasileiro, da açãopopular como instrumento de atuação do cidadão na defesa do patrimônio público constituiu um dosmelhores exemplos da possibilidade constitucional de sua participação no exercício da atividadeadministrativa como controlador da qualidade ética dos comportamentos públicos”. (ROCHA, Cármen Lúcia.op. cit., p. 222)41Os parágrafos a que o artigo faz remissão possuem a seguinte redação: (...) “§ 8º. É livre a manifestaçãode pensamento, de convicção política ou filosófica e a prestação de informação sem sujeição à censura,salvo quanto a espetáculos de diversões públicas, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusosque cometer. é assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos independe delicença da autoridade. Não será, porém, tolerada a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou depreconceitos de raça ou de classe.(...) § 23. É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer. (...)

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Este mandamento constitucional caiu por terra com os Atos Institucionais queadvieram como conseqüência de mais um regime ditatorial, que centralizou, nas mãos doPresidente da República, as mais diversas atividades, incluindo aí a decretação do confisco debens daqueles que enriquecessem ilicitamente.

Ressalte-se que neste momento de cruel autoritarismo, o emprego dos termosmoral e corrupção foram utilizados para justificar as atitudes daquele governo ilegítimo. É oque se percebe a partir da leitura das primeiras linhas do Ato Institucional nº 05, 13 dedezembro de 1968, que marcou indubitavelmente a história brasileira, com o início de umperíodo de violenta repressão:

“O Presidente da República Federativa do Brasil, ouvido o Conselho deSegurança Nacional, e

Considerando que a Revolução brasileira de 31 de março de 1964 teve, conformedecorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos quevisavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistemajurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada naliberdade, no respeito à dignidade humana, no combate à subversão e àsideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção,buscando, deste modo, ‘os meios indispensáveis à obra de reconstruçãoeconômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar,de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende arestauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria’(Preâmbulo do Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964)(...)”. (grifo nosso)

Após um longo período em que a sociedade brasileira encontrou-se tolhida porum regime ditatorial de moral questionável, reinstaurou-se, após vários movimentos populares,a tão esperada democracia brasileira. A sociedade, esgotada por tanto autoritarismo e falta deliberdade, clamou por uma Administração provida de credibilidade.

2.1.1.1. A Expressividade da Moralidade Administrativa no atual Texto Constitucional

A fim de dar uma resposta aos anseios da sociedade é que foi promulgada aConstituição de 1988, que se não concretizou todos os desejos sociais, teve um caráterinovador no que concerne à Administração Pública. O atual Texto Constitucional modificouefetivamente o tratamento dado até então à moralidade administrativa, explicitando-a em váriosde seus dispositivos e conferindo-lhe uma importância inquestionável, qual seja a de um dosprincípios retores da Administração Pública.

Assim, prevê de forma indubitavelmente clara o artigo 37 da atual Carta Magna:

“A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dosEstados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de

§ 27. Todos podem reunir-se sem armas, não intervindo a autoridade senão para manter a ordem. A leipoderá determinar os casos em que será necessária a comunicação prévia à autoridade, bem como adesignação, por esta, do local da reunião.§ 28. É garantida a liberdade de associação. nenhuma associaçãopoderá ser dissolvida, senão em virtude de decisão judicial.(...)”

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legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”. (grifonosso)

Em outros de seus dispositivos, revela-se a preocupação da Constituição de 1988em disciplinar instrumentos que visem coibir a imoralidade administrativa. É o que se percebe apartir dos preceitos a seguir elencados:

No artigo 5º, o legislador manifesta-se em três oportunidades, quando, em seusincisos LXVIII e LXIX estabelece, respectivamente, a garantia do habeas corpus e mandado desegurança em caso de abuso de poder. Já no inciso LXXIII fica prevista a possibilidade dequalquer cidadão propor a ação popular que vise anular ato lesivo à moralidade administrativa.

No já mencionado artigo 37, além de submeter a Administração Pública aoprincípio da moralidade, como visto anteriormente, o constituinte, no § 4º, legisla acerca dosatos ímprobos, conferindo-lhes a pena de suspensão dos direitos políticos, indisponibilidade debens e ressarcimento ao erário.

Os crimes de responsabilidade recebem previsão com a redação dada pelo artigo52, I e II, verbis:

“Compete privativamente ao Senado Federal:I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes deresponsabilidade e os Ministros de Estado nos crimes da mesma natureza conexoscom eles;II – processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes deresponsabilidade;(...)”.

O artigo 72, § 2º, prevê a possibilidade de sustação de despesa irregular, a cargodo Congresso Nacional, por proposta do Tribunal de Contas da União, “se julgar que o gastopossa causar dano irreparável ou grave lesão à economia pública”. Ao analisar o termo despesairregular, Diogo de Figueiredo Neto expõe que ela deve ser entendida como “aquela que passado conceito de despesa ilegal, cuja anomalia injurídica só pode ser suscetível de apreciaçãosobre o prisma da moralidade administrativa” 42.

Já o artigo 74, § 2º, legitima qualquer cidadão, partido político, associação ousindicato para “denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas daUnião”.

Por fim, seguindo a mesma linha das Constituições anteriores, o artigo 85, V,preceitua que os atos que atentam contra a probidade na administração são crimes deresponsabilidade do Presidente da República.

Assim, após a análise de todos os preceitos supra mencionados, vê-se a claraintenção do legislador constituinte em positivar certos valores que até então apenas permeavamos sentimentos da sociedade brasileira.

42 apud DELGADO, José Augusto Delgado. op. cit., 1994. p. 41.

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2.1.2. Legislação Infraconstitucional

Com a promulgação da Constituição de 1988 e as repercussões inevitáveisprovenientes da explicitação da moralidade administrativa, que de mero princípio geral deDireito passou a integrar a ordem normativa brasileira enquanto princípio constitucional, leisconcernentes a este princípio foram elaboradas, passando a representar, juntamente com outrasjá existentes, instrumentos auxiliadores para a concretização dos preceitos Constitucionais.

O exemplo mais evidente é o da Lei nº 8429/92, Lei de ImprobidadeAdministrativa, que “dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos deenriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administraçãopública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências”.

Diversas críticas foram feitas a mencionado digesto legal, como aliás, ressaltadoanteriormente no presente trabalho43, porém é inegável a sua importância, já que, apesar dealgumas impropriedades, este diploma legal vem sendo reiteradamente utilizado, e, portanto,tem-se revelado de vital importância na busca incessante por coibir os atos destituídos demoralidade administrativa.

Antes da vigência da Lei nº 8.429/92, duas outras leis federais foram elaboradasversando sobre o assunto: a Lei nº 3.164/57 (Lei Pitombo-Godói Ilha), que foi completada pelaLei nº 3.502/58 (Lei Bilac Pinto). Enquanto a primeira “sujeitava a seqüestro os bens deservidor público, adquiridos por influência ou abuso de cargo ou função pública, ou de empregoem entidade autárquica, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que aquele tenhaocorrido (art. 1º caput)” 44, a segunda regulava “o seqüestro e o perdimento de bens de servidorpúblico da administração direta e indireta, nos casos de enriquecimento ilícito, por influência ouabuso de cargo ou função”45, enumerando diversas hipóteses caracterizadoras deenriquecimento ilícito.

Desta forma, conclui-se que o alcance da atual Lei nº 8.429/92 éindubitavelmente maior, já que, até então as legislações restringiam-se a estabelecer sançõesacerca de apenas uma espécie de improbidade administrativa, o enriquecimento ilícito. A leique as substituiu, seguindo os ditames Constitucionais vigentes, amplia a esfera dos chamadosatos ímprobos, a fim de dar regulamentação ao já referido artigo 37, § 4º da Constituição de1988.

Os atos ímprobos que importam enriquecimento ilícito, por conseqüência, passama constar, tão-somente, como uma das modalidades da improbidade administrativa, já que a Lei8.429/92 elenca outras duas, quais sejam a dos atos que causam prejuízo ao erário e daquelesque atentam contra os princípios da Administração Pública.

Outra norma infraconstitucional vigente e de grande relevância no que concerneao princípio da moralidade administrativa é aquela que regula a ação popular, instrumento que,através do já mencionado artigo 5º, LXXIII, pode ser utilizado por qualquer cidadão quepretenda anular ato lesivo à moralidade administrativa.

43 ver item 1.3.2.3, entitulado “Moralidade e Probidade”.44 apud PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias, FAZZIO JÚNIOR, Waldo. op. cit., p.29.45 Idem, p. 30.

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Conforme o comentário de Cármen Lúcia Antunes Rocha,

“A Lei n. 4.717/65 assegurou ao cidadão um instrumento efetivo para seimpugnar, judicialmente, a imoralidade de condutas públicas, grarantindo-lhe aatuação no sentido de exigir a honestidade administrativa por ser este um direitoque lhe é inerente ou talvez mesmo um dever que lhe é atribuídoconstitucionalmente”. 46

As leis que dispõem sobre a Improbidade Administrativa e Ação Popular são asmais freqüentemente mencionadas em esfera de moralidade administrativa. Porém, outras leisque enquadram a ordem normativa brasileira também merecem destaque por fazeremreferências acerca do tema, como é o caso da Lei nº 8.730/93, que “estabelece a obrigatoriedadeda declaração de bens e rendas para o exercício de cargos, empregos e funções nos PoderesExecutivo, Legislativo e Judiciários e dá outras providências” e da Lei nº 8.666/93 (Lei dasLicitações e Contratos Administrativos).

Vale ainda ilustrar que a Lei 8.112/90, Estatuto dos Servidores Públicos Civis daUnião, além de estabelecer as vedações e os deveres inerentes aos agentes públicos em geral, afim de garantir uma conduta ilibada, compatível com a moralidade administrativa, prevê aresponsabilidade civil, penal e administrativa do servidor pelo exercício irregular das suasatribuições.47

Insta ser ressaltada a existência do antigo, porém não menos importante Decreto-Lei nº 201/67, que legisla acerca dos crimes de responsabilidade dos prefeitos e vereadores. Porfim, cabe fazer menção à Lei nº 1.079/50, que dispõe acerca dos crimes de responsabilidade doPresidente da República, ministros de Estado, ministros do Supremo Tribunal Federal eprocurador-geral da República.

2.2. A Moralidade Administrativa na Constituição Federal de 1988

Juntamente com o advento da Constituição de 1988, observou-se a“juridicização” da moralidade administrativa, pela primeira vez na história das Constituiçõesbrasileiras. Esta inovação, trazida pela redação emprestada ao artigo 37, caput, anteriormentecitado, fez com que a moralidade administrativa enfrentasse severas modificações no queconcerne à construção doutrinária que a ela era destinada até então.

Em primeiro lugar, como bem assinala o Ministro Demócrito Ramos Reinaldo48,parece que se abandonou (ou pelo menos tem-se observado esta tendência) as teorias quevinculavam a moralidade ao desvio de poder, como uma maneira de estabelecer a moralidadedentro da esfera da legalidade.

A autonomia conferida à moralidade é inegável, bem como é autônoma a suaaplicação. Assim, a partir dos Mandamentos Constitucionais, o controle do ato administrativoimoral independe da existência de qualquer resquício de ilegalidade. A moralidadeadministrativa, sob a perspectiva do Texto Constitucional, é, por si só, motivo suficiente paraviciar qualquer ato administrativo que não a observe.

46 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. op. cit., p. 222.47 Cf. SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. op. cit., p. 129-132.48 REINALDO, Demócrito Ramos. op. cit., 1993/1995. p. 49.

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Sob esta perspectiva, assevera José Augusto Delgado:

“O princípio da moralidade administrativa não deve acolher posicionamentosdoutrinários que limitem a sua extensão.

(...) O interesse jurídico contido no ato administrativo deve se subordinar aointeresse jurídico da moralidade. O simples fato do administrador usar de suasatribuições para fins diversos daqueles conferidos por lei, implica em umaviolação direta ao princípio da moralidade.(...) Não há, assim, possibilidade denão se reconhecer a sua supremacia”.49

Desta forma, tem-se que a moralidade administrativa, ao lado dos outrosprincípios elencados no caput do artigo 37 da Carta Magna, quais sejam a legalidade, aimpessoalidade, a publicidade e a eficiência, constituem pressupostos da ação administrativa.São “princípios regentes da Administração Pública” 50, e deverão, obrigatoriamente, constarcomo elementos intrínsecos da atuação administrativa, sob pena de invalidação.

2.2.1. A Moralidade Administrativa em relação aos demais princípios insculpidos noartigo 37, caput da Carta Magna

Como já salientado anteriormente, a Constituição ao elencar, em seu artigo 37,caput, os princípios da Administração Pública, tornou-os elementos de observância obrigatóriaao atuar administrativo.51 A violação de quaisquer dos princípios previstos por mencionadoartigo, é causa suficiente para viciar o ato administrativo, o que demonstra a estreita ligação queos quatro princípios mantém entre si, já que formam, conjuntamente, os pressupostos dequalquer atuação da Administração Pública. 52

Nesta linha de argumentação, aponta Manoel de Oliveira Franco Sobrinho:

“Tais princípios (...) se afirmam diante de uma unidade preceitual de conteúdoconstitucional, jurídico, administrativo. Nenhum deles traz sentido de valorestanque. Todos têm presença numa mesma situação relacional. Não há como umsó possa dar fundamento para legitimar a vontade de fazer ou a atos devontade.(...)

49 DELGADO, José Augusto. op. cit., 1994. p. 41.50 CARNEIRO, Ruy de Jesus Marçal. Ação Popular: um direito-dever do cidadão e a moralidadeadministrativa. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, n. 13, 219-233, out./dez.1995. p. 226.51 Os autores da obra Improbidade Administrativa: Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público,fazem menção ao dispositivo constitucional denominando-o como “norma-princípio que, por si só gera, deum lado, direitos subjetivos pessoais e, de outro, deveres indeclináveis aos que, ainda que transitoriamente,militam nos quadros públicos”. (PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias, FAZZIOJÚNIOR, Waldo. op. cit., p. 49.)52 Nesse passo, Fernando Andrade de Oliveira coloca que “(mais) do que a valorização deste ou daqueleprincípio singularmente considerado, o que precisa ser destacada é a necessidade da hierarquização dosprincípios, das normas e dos valores, à vista da condição de mutuamente entrelaçados”. (OLIVEIRA,Fernando Andrade. A Administração Pública na Constituição de 1988 (2ª parte). Revista de DireitoAdministrativo, Rio de Janeiro, n. 206, p. 43-87, out./dez. 1996. p. 68.)

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Os quatro princípios lembrados da legalidade, da impessoalidade, da moralidade eda publicidade, numa síntese de manifestação volitiva administrativa, se reúnemcomo elementos de composição da vontade, ficando assim indispensáveis, nãoum, senão todos, para uma exata configuração jurídica dos atos administrativos.

Na falta de qualquer dos princípios, os atos não ficam legítimos e carecem devalidade”.53

Desta forma, conclui-se pela vital importância de cada um dos princípios, o quetorna necessária a abordagem, mesmo que muito sucinta, dos princípios que, juntamente com amoralidade, constituem os princípios básicos da Administração Pública expressos no caput doartigo 37 da Constituição Federal.

O princípio da legalidade talvez seja o mais conhecido e explicitado peladoutrina. Ensina Amandino Teixeira Nunes Júnior que tal princípio “significa que as atividadesda Administração Pública se subordinam ao império da lei. Trata-se de limitação da atividadeadministrativa, visando coibir o arbítrio, estabelecendo o primado da lei, que traduza a vontadegeral”.54

O princípio da impessoalidade, por sua vez, consiste no dever do agente públicoprimar sempre pelo interesse coletivo, não privilegiando, com suas atitudes, pessoas ou gruposespecíficos. Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello,

“Nele se traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a todos osadministrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. nem favoritismonem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticasou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menosinteresses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie”.55

Já o princípio da publicidade, como o próprio nome já prescreve, consiste nodever da Administração tornar público todos os atos por ela realizados, com algumasressalvas56. Segundo os ensinamentos deixados por Hely Lopes Meirelles,

“A publicidade, (...) abrange toda atuação estatal, não só sob o aspecto dedivulgação oficial de seus atos como, também, de propiciação de conhecimentoda conduta interna de seus agentes. Essa publicidade atinge, assim, os atosconcluídos e em formação, os processos em andamento, os pareceres dos órgãostécnicos e jurídicos, os despachos intermediários e finais, as atas de julgamentosdas licitações e os contratos com quaisquer interessados, bem como os

53 FRANCO SOBRINHO, Manoel. Do Princípio da Moralidade Administrativa, Revista de DireitoAdministrativo, Rio de Janeiro, n. 190, p. 247-252, out./dez. 1992. p. 250-251.54 NUNES JUNIOR, Amandino Teixeira. A discricionariedade administrativa e o controle judicial de seusLimites. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 31, n. 127, p. 207-221, jul./set. 1995. p. 21.55 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 9. ed. rev. atual. ampl. São Paulo:Malheiros, 1997b. 655 p. p. 70.56 Hely Lopes Meirelles aponta que o sigilo só é admitido “nos casos de segurança nacional, investigaçõespoliciais ou interesse superior da Administração a ser preservado em processo previamente declaradosigiloso nos termos do Dec. federal 79.099, de 6.1.77”.(grifo do autor) (MEIRELLES, Hely Lopes. DireitoAdministrativo Brasileiro. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. 733 p. p. 86)

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comprovantes de despesas e as prestações de contas submetidas aos órgãoscompetentes”.57

Por fim, tem-se o princípio da eficiência, adicionado ao caput do artigo 37 daConstituição através da Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, e que, face à suarecente explicitação, carece de maiores pronunciamentos doutrinários. No momento, portanto,poder-se-ia conceituá-lo como um princípio que tem por escopo a maximização dos resultadosda atividade da Administração Pública.

Uma vez estabelecidos os conceitos básicos dos princípios da legalidade, daimpessoalidade, da publicidade e da eficiência, cabe demonstrar qual a relação destes princípioscom a moralidade administrativa, bem como porque esta última merece uma posição destacadadentro do contexto dos princípios que regem a Administração Pública.

No sentido de dar ênfase a este destaque é Ives Gandra da Silva Martins aduz queos princípios da legalidade, da impessoalidade e da publicidade “terminam por desaguar namoralidade pública”. E explica o autor:

“O princípio da legalidade reveste todo o sistema jurídico do país. O art. 5º,inciso I da Constituição Federal, elenca, como seu alicerce, a obediência à lei,que, nos regimes democráticos, aprovada pelos representantes do povo, garante aordem, oferta segurança e protege os cidadãos.

Dizer, pois, que os administradores devem cumprir a lei é reiterar formulaçãoessencial e postada no mais relevante artigo da Constituição Federal, que évoltada ao cidadão mais do que àqueles que o devem servir.

Por outro lado, determinar que o administrador público deve ser impessoal, poisestá à disposição da sociedade, não podendo privilegiar amigos, parentes ouinteresses em detrimento do bem servir, é afetar faceta da ética administrativa,sendo, pois, a impessoalidade dimensão parcial da moralidade.

O mesmo se dá com o princípio da publicidade. Exceção feita às questões desegurança nacional, os atos administrativos devem ser transparentes, não seadmitindo decisões escusas, resoluções de gaveta, visto que o administrado nãopode desconhecer as regras da Administração.

O princípio da moralidade administrativa, portanto, é princípio essencial. O maisrelevante, aquele que se destaca de forma absoluta. Que torna a Administraçãoconfiável perante a sociedade e que faz do administrador público um serdiferenciado”.58

Ante tais ensinamentos, conclui-se por conferir uma inegável superioridade àmoralidade administrativa, já que esta, além de representar pressuposto de validade da atuaçãoadministrativa, acaba por influenciar o conteúdo de todos os demais princípios, revelando-se,

57 MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p. 87.58 MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Princípio da Moralidade no Direito Tributário. Revista de DireitoAdministrativo, Rio de Janeiro, n. 204, p. 352-365, abr./jun. 1996. p. 352-354.

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até mesmo, um verdadeiro sustentáculo dos princípios norteadores da Administração Pública.59

2.2.2. Alcance

O alcance da moralidade administrativa revela-se um tema demasiadamentecontrovertido, que vem suscitando divergências entre os estudiosos do assunto. No entanto,seguindo o entendimento de diversos autores, entende-se que a aplicação do princípio damoralidade administrativa alcança os atos administrativos de qualquer natureza, sejam elesdiscricionários60 ou vinculados.61

Defendendo esta corrente, Valéria Oliveira Quixadá pronuncia-se da seguintemaneira:

“(...) a aplicabilidade do princípio da moralidade administrativa enseja limites àatuação dos agentes políticos e administrativos como conseqüência de estaremvinculados a um dever geral de boa administração e de sujeição ao interessepúblico (...).

Não podemos ouvidar, por conseguinte, que tais restrições à liberdade doadministrador para a edição de atos administrativos alcançam tantos os atosvinculados, como também os discricionários. No tocante a estes últimos, cujanatureza suscita polêmica na doutrina, não se deve perder de vista que o limitepara o exercício do juízo de oportunidade e conveniência encontra-se na fronteiraque o separa do arbítrio. Por outro lado, o método para detectar ofensa aoprincípio da moralidade administrativa, tanto nos atos vinculados quanto nosdiscricionários, reside, principalmente, na lógica do razoável para constatar se afinalidade pública almejada foi alcançada em toda a sua extensão”.62

O termo “razoável” acima utilizado pode ser entendido a partir dos ensinamentosde Weida Zancaner, que estabelece uma estreita ligação entre o princípio da moralidade e o

59 Assim, o princípio constitucional da moralidade administrativa, como bem assevera Cármen LúciaAntunes Rocha, “tem uma primazia sobre os outros princípios constitucionalmente formulados, porconstituir-se em sua exigência, de elemento interno a fornecer a substância válida do comportamentopúblico. Toda atuação administrativa parte deste princípio e a ele se volta. Os demais princípiosconstitucionais, expressos ou implícitos, somente podem ter a sua leitura correta no sentido de admitir amoralidade como parte integrante do seu conteúdo”.(ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. op. cit., p. 213-214.)

60 Adota-se, para tanto, o conceito de discricionariedade de Celso Antônio Bandeira de Mello, que, semsombra de dúvidas, evidencia a moralidade como elemento inafastável dos atos discricionários. Aponta oautor que “Discricionariedade (...) é a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger,segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis,perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação dafinalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida nomandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente”.(MELLO: Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2. ed. São Paulo:Malheiros, 1993. 110 p. p. 48.61 Neste sentido: REINALDO, Demócrito Ramos. op. cit., 1993/1995.; QUIXADÁ, Valéria Oliveira. Princípioda Moralidade Administrativa: Autonomia, Aplicabilidade e Controle em Face da Constituição de 1988.Revista do Tribunal de Contas da União, Brasília, n. 73, p. 51-61, jul./set. 1997.; DELGADO, José Augusto.op. cit., 1993.; LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. op. cit. e BASTOS, Celso Ribeiro. O Princípio daMoralidade no Direito Público. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo, v. 22, p. 44-54, jan./mar. 1998.62 QUIXADÁ, Valéria Oliveira. op. cit., p. 56.

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princípio da razoabilidade e aduz que, apesar da razoabilidade não constar expressamente doTexto Constitucional, sua existência está subentendida.

De acordo com a autora, o princípio da razoabilidade “exige, simplesmente que aAdministração Pública no exercício de atuação discricionária seja racional, equilibrada, sensatae atue de modo compatível com o bem jurídico que ela pretende curar”63.

Sob esta ótica, tem-se que o agente público, especialmente em sua atuaçãodiscricionária, deverá ter uma conduta orientada pela razoabilidade, sob pena de afrontar amoralidade administrativa, já que o ato desarrazoado “desvirtua a finalidade da lei, geraarbitrariedade, descumpre o interesse público, enfim, afronta o sistema jurídico como um todo enecessita, então, ser eliminado” 64.

Destarte, a partir destes ensinamentos, entende-se que o poder discricionárioconferido aos agentes públicos não pode ser justificativa para a arbitrariedade evidenciada naatuação de muitos deles65, já que, como aduz José Augusto Delgado, mesmo quando forem “osjuízes absolutos da oportunidade e da conveniência de determinados atos administrativos”,deverão orientar-se sob a égide do interesse público, sob pena de terem seus atos invalidados. Eacrescenta o autor:

“Mesmo quando atua com certa margem de determinação no tocante àoportunidade e à conveniência, deve fazê-lo, contudo, sem qualquer arbítrio. Amanifestação há que ser objetiva, baseada em norma jurídica positiva que alegitime e com visão voltada a atender a um fim público, pelo que deve serevestir, em sua totalidade, do caráter de moralidade”.66

Ressalte-se ainda que o alcance da moralidade administrativa não fica adstrito aosagentes públicos, já que por vezes particulares também deverão observar tal princípio. É o casodas pessoas, em geral as jurídicas, que se relacionam com a Administração Pública.

Em situações como, por exemplo, processos licitatórios, os licitantes deverãopautar por uma conduta orientada pela moralidade administrativa, já que atitudes fraudulentas,configurarão, certamente, em violação a este princípio, sendo passível, conseqüentemente, deinvalidação.67

2.2.3. Efetividade

A Constituição Federal de 1988, como já ressaltado ao longo deste trabalho,proclamou a moralidade administrativa como princípio constitucional brasileiro em seu artigo37. Urge, por conseguinte, a real concretização deste preceito constitucional. A moralidade jáfoi juridicizada: almeja-se, tão-somente, a sua efetividade. 63 ZANCANER, Weida. Razoabilidade e Moralidade na Constituição de 1988. Revista Trimestral de DireitoPúblico, São Paulo, n. 02, p. 205-210, 1993. p. 209.64 Idem, ibidem.65 André Ramos Tavares e Guilherme Amorim c. Silva fazem a seguinte afirmação: “O denominado poderdiscricionário, dotado de forte matiz político, tem sido utilizado como arcabouço jurídico de grande parte doarbítrio e desmandos dos eventuais ocupantes do poder, alguns se comportando como autênticos donos dacoisa pública”. (apud BASTOS, Celso Ribeiro. op. cit., p. 46.)66 DELGADO, José Augusto. op. cit., 1993. p. 215-216.67 Cf. QUIXADÁ, Valéria Oliveira. op. cit., p. 56-57.

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O termo “efetividade” ora empregado, cabe salientar, atém-se ao conceitoelaborado por Luís Roberto Barroso. De acordo com o autor,

“Efetividade (...) designa a atuação prática da norma, fazendo prevalecer, nomundo dos fatos, os valores por ela tutelados. Ela simboliza a aproximação, tãoíntima quanto possível entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. Aoângulo subjetivo, efetiva é a norma constitucional que enseja a concretização dodireito que nela se substancia, propiciando o desfrute real do bem jurídicoassegurado”.a68

Muitos são os autores que, sob a justificativa da vagueza e imprecisão doconteúdo da moralidade administrativa, entendem que a sua efetividade está comprometida.Alguns autores buscam até mesmo a positivação do seu conteúdo, o que acabaria por restringiro seu alcance.69

Acerca do assunto, Demócrito Santos Reinaldo tece o seguinte comentário:

“O princípio da moralidade administrativa, na sua dicção ampla (art. 37),tampouco poderia depender de lei que explicitasse o que é ou não moral. Aprecisão que se exige da legalidade não tem cabimento quando se trata damoralidade, pois, de outra forma, se estaria subsumindo um ao outro princípiotornando-se ocioso falar-se em moral administrativa”.70

Sob este prisma, a moralidade administrativa tal qual a atual Constituição Federaldetermina, não necessita de qualquer regulamentação. Tendo em vista que a intenção dolegislador constituinte ao explicitar a moralidade foi conformar a atuação da AdministraçãoPública com os anseios de seus administrados71, tem-se que o conteúdo da moralidadeadministrativa deve ser sacado da própria noção de “bom administrador” e não limitado em umanorma qualquer.

Como bem assevera José Augusto Delgado,

“O bem administrar se constitui numa atuação conjuntural que produza,eficazmente, condições para que o fim a que se destina o Estado seja atingido.Por isso, se torna bem claro que bem comum e moralidade administrativasão ideais que jamais se podem objetivar de modo total em simplesregramento de direito positivo. Eles se caracterizam e se tornam visivelmentepresentes através das ações concretas do administrador público quando seapresentam totalmente desprovidas de qualquer desvio ou abuso de poder. Amoralidade administrativa, como a moralidade comum, é imanente ao direito por

a

68 BARROSO, Luís Roberto. Princípios Constitucionais Brasileiros. Revista Trimestral de Direito Público,São Paulo, v. 1, n. 1, p. 168-185, jan./mar. 1993. p. 169.69 É o caso de Joaquim Antônio Castro Aguiar, que assim expõe seus entendimentos: “Não basta apregoara moralidade pública. Não basta invocar o princípio. Urge definir de alguma forma os seus contornos,iluminar-lhe os meandros e aclarar-lhe pontos obscuros, dando-lhe um mínimo de precisão. A lei há dedesempenhar este papel, deve fazê-lo (...)”. (AGUIAR, Joaquim Antônio Castro. O Princípio da MoralidadeAdministrativa. Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas , São Paulo, v. 19, p. 146-148. abr./jun.1997. p. 147.)70 REINALDO, Demócrito Ramos. op. cit., 1995. p. 19.71 DELGADO, José Augusto. op. cit., 1993. p. 213.

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não exprimir-lhe mais que a própria validez da norma. Ela é parte íntima dodireito positivo, que a tem como pressuposto fundamental. A sua violação implicatornar inválido e censurável o ato praticado com apoio na norma, mesmo que nãoexista qualquer dispositivo expresso dizendo a respeito”.72

Assim, a real efetividade da moralidade administrativa não está a espera dequalquer tipo de normatização. Basta que a sociedade brasileira, especialmente os membros daAdministração Pública e do Poder Judiciário, absorvam a idéia da moralidade administrativa talqual o legislador constituinte a concebeu, para que se observe o seu cumprimento, ou, aocontrário, se tutele os atos que afrontem tal princípio.

Ressalte-se, ainda, o importante papel dos doutrinadores. Como observado porJosé Augusto Delgado, “o princípio da moralidade administrativa (...) necessita ser,demoradamente explicitado pela doutrina, para que o seu valor seja publicizado com o máximode eficiência e gere, cada vez mais, não só a conscientização do seu cumprimento, mas também,condição de ser exigido pelo povo”.b73

2.3. Caracterização da Moralidade Administrativa

A caracterização da moralidade administrativa vem se demonstrando uma tarefade árdua consecução, tendo em vista a vagueza e imprecisão do conteúdo deste princípio.

Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, ao tecer apontamentos acerca de taldificuldade, assevera que para se conhecer um ato imoral, que o autor denomina “vício da não-moralidade”74, “há sutilezas que pedem constatação hermenêutica, inclusive o exame prático daintenção administrativa e o porque psicológico de seu desvirtuamento”.75

Apesar da complexidade ora apontada, vários são os autores que vem seempenhando no estudo do tema. José Augusto Delgado, por exemplo, tece algumasconsiderações referentes à caracterização do ato imoral. Como assinalado pelo autor,

“(...) imoral é o ato administrativo que não respeita o conjunto de solenidadesindispensáveis para a sua exteriorização; quando foge da oportunidade ou daconveniência de natureza pública; quando abusa no seu proceder e fere direitossubjetivos públicos ou privados; quando a ação é maliciosa, imprudente, mesmoque somente no futuro essas feições ou alguma delas se tornem reais”.76

Destarte, observa-se que a caracterização da moralidade administrativa requer aanálise conjunta de diversos elementos. Partindo de todas estas observações e utilizando osensinamentos de Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, Diogo de Figueiredo Moreira Netoocupou-se do que ele próprio denomina “problema da caracterização da moralidadeadministrativa”77. 72 DELGADO, José Augusto. op. cit., 1993, p. 213-214. (o grifo é nosso)b

73 Idem, p. 212.74 FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. op. cit., 1993. p. 75.75 FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. A Moralidade Administrativa nos Atos e ContratosAdministrativos. Revista de Direito Administrativo Aplicado, Curitiba, v. 1, p. 13-20, abr. 1994. p. 15. (o grifoé do autor)76 DELGADO, José Augusto. op. cit., 1993. p. 213.77 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. op. cit., p. 09-15.

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De acordo com o autor, dita caracterização pressupõe o entendimento que amoralidade administrativa convive em estreita ligação com o inafastável objetivo dos atosadministrativos, qual seja o interesse público. No entanto, o interesse público (entendidoenquanto elemento finalidade de qualquer ato administrativo) não poderá receber uma análiseisolada, já que a sua realização não é suficiente na configuração da moralidade administrativa.Justificando esta afirmação, aponta que por vezes observa-se a manipulação dos elementosmotivo e objeto, o que acaba por dar a falsa impressão de que o interesse público almejado foialcançado.

Com efeito, após tecer estes comentários iniciais, Diogo de Figueiredo MoreiraNeto explicita, objetivamente, seu método de verificação do ato imoral, designando váriasespécies de motivos e objetos que viciam o ato administrativo por serem incompatíveis com amoralidade administrativa. Preleciona o jurista que o chamado “vício da moralidade” encontrafundamento sempre que, no ato administrativo, for observado motivo inexistente, insuficiente,inadequado, incompatível ou desproporcional à finalidade pública, bem como quando o objetoanalisado for impossível, desconforme ou ineficiente.78

Cumpre assinalar, assim, as definições deduzidas pelo autor acerca demencionados motivos e objetos. Quanto aos motivos, discorre:

“O motivo inexistente (...) não pode suportar a realização de qualquer finalidadepública. (...)

O motivo insuficiente (...) dificilmente poderá suportar a realização de uminteresse público, pelo menos nos termos pretendidos por seu agente. (...)

O motivo inadequado (...) decorre da falta da necessária correspondência entre oque deveria motivar o ato e a natureza categorial do seu objeto. (...)

O motivo incompatível (...) é aquele que não guarda adequação com o objeto doato. (...)

O motivo desproporcional (...), por fim, revelará imoralidade administrativasempre que, embora declinado verdadeiramente, for erroneamente estimado peloagente para servir de fundamento para sua ação, levando a um resultadoincompatível com o atendimento de interesse público específico a que deveriavisar o ato”.c79

Já em relação aos objetos, tece as seguintes considerações:

“O objeto é impossível (...) quando o resultado jurídico visado pelo agente não secompatibiliza com o ordenamento jurídico.(...)

O objeto é desconforme (...) quando ocorrer uma incompatibilidade lógica entresua escolha (discricionária) e o interesse público contido na regra dafinalidade.(...)

78 MOREIRA NETO, op. cit., p. 11-13.c

79 MOREIRA NETO, op. cit., p. 11-13.

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O objeto é ineficiente (...) quando ocorrer grave comprometimento do interessepúblico pela desproporcionalidade entre custos e benefícios”.80

Assim, a caracterização da moralidade administrativa deve realizar-se a partir doestudo do interesse público em total e íntima relação com os elementos motivo e objeto dos atosadministrativos, já que o ato administrativo que acompanha os preceitos da moralidade deverátrazer em seu bojo os elementos motivo e objeto coadunados com o elemento finalidadepública.

Capítulo 3 – O Controle da Moralidade Administrativa

3.1. Noções Gerais acerca do Controle da Administração Pública

3.1.1. Conceito

A Administração Pública tem sua atuação vinculada a uma série de exigências,que se fazem necessárias para a consecução do interesse público, elemento inafastável do atuaradministrativo, como já visto. Assim, para que o interesse público realize-se em sua inteireza,torna-se indispensável a conduta do agente público visando a já mencionada “boaAdministração”.

Desta forma, o controle no âmbito da Administração Pública tem-se mostradocomo a garantia da realização do “bem administrar” e, por conseqüência, da obtenção de umaAdministração Pública com sua prática pautada pelos princípios elencados na atual CartaMagna, especialmente no seu artigo 37, caput.

Controle em Administração Pública, conforme extrai-se dos ensinamentosdeixados por Hely Lopes Meirelles, “é a faculdade de vigilância, orientação e correção que umPoder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional de outro”.81 Esta faculdade, comose tentará demonstrar, recebeu diversas inovações por parte da Constituição de 1988, o queacabou por ampliar o seu espectro e garantir uma maior tutela dos direitos dos administradosem face de seus administradores.

Ressalte-se, em princípio, que apesar do controle ser incumbência estatal, aresponsabilidade pela sua concretização não fica adstrita ao Estado. Neste sentido, Maria SylviaZanella di Pietro lembra que a Constituição de 1988 oferece a possibilidade do que denomina“controle popular”, uma vez que a participação dos administrados no controle também é viável,no sentido que a eles incumbe provocá-lo sempre que entenderem que seus interesses ou mesmointeresses coletivos estejam sendo lesados.82

Quanto à abrangência deste controle, mister se faz o entendimento de que aAdministração Pública é o “conjunto de órgãos administrativos, (...) o complexo de atividades

80 Idem, p. 13-14.81 MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p. 575.82 Defende a autora que o controle popular “é (...) provavelmente, o mais eficaz meio de controle daAdministração Pública”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Atlas,1994. 567 p. p. 478.)

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desempenhadas imediatamente pelo Estado, tendo em vista os atendimentos das necessidadespúblicas”, abarcando, portanto, o Poder Executivo bem como os Poderes Legislativo eJudiciário, já que estes últimos, além das suas atribuições específicas, exercem, igualmente,funções administrativas.83

Destarte, tem-se que o controle da Administração Pública não se restringe aoPoder Executivo, atingindo os demais poderes sempre que exercerem funções administrativas.Lúcia Valle Figueiredo, citando Agustín Gordillo, “conceitua a função administrativa como‘toda a atividade realizada pelos órgãos administrativos e a atividade que realizam os órgãoslegislativos e jurisdicionais, excluídos respectivamente os atos e fatos materialmentelegislativos e jurisdicionais’.” 84

Conclui-se, com base nestes apontamentos iniciais, que o controle daAdministração Pública é instrumento que deve ser utilizado sempre que, na realização dafunção administrativa, se vislumbre qualquer tipo de lesão, ou mesmo iminência de lesão, adireito individual ou coletivo ou simplesmente violação dos preceitos que os agentes públicosdevem obediência. Tal controle pode partir de iniciativa da própria Administração Pública oupode ser provocado por seus administrados.

3.1.2. Modalidades

Apesar de vários autores apontarem as mais inúmeras formas de controle daAdministração Pública, utilizar-se-á o método adotado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro85,que classifica as diversas espécies de controle a partir de critérios específicos.

Sob este prisma, o controle será administrativo, legislativo ou judicial de acordocom o órgão que o exerça; será prévio, concomitante ou posterior dependendo do momento queseja executado; será interno ou externo conforme provenha de órgão que faça parte ou não aatividade controlada; e, por fim, será de legalidade ou de mérito conforme a análise que seproceda do ato.86

Tendo em vista a enorme gama de modalidades ora apresentadas, explicitar-se-á,a seguir, tão-somente as formas de controle que levam em consideração o órgão ou autoridadeque o realiza, que, na expressão de Regina Maria Macedo Nery Ferrari. 87, consistem nos tiposclássicos de controle: o controle interno e externo.

3.1.2.1. Controle Interno 83 Cf. PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias, FAZZIO JÚNIOR, Waldo. op. cit., 13-14.Já De Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, conceitua Administração Pública da seguinte forma:“Num sentido amplo, administração pública pode ser compreendida como uma das manifestações do poderpúblico na gestão ou execução de atos ou de negócios políticos. Assim, se confunde com a própria funçãopolítica do poder público, expressando um sentido de governo, cujo conceito, por vezes, se entrelaça com ada administração, por tal forma que, dificilmente, se poderá, de pronto, traçar uma diferenciação exata entreos órgãos que estruturam o governo propriamente dito e as funções que indicam seu setor administrativo”.(SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. 875 p. p. 39.84 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. op. cit., p. 30.85 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 479.86 Idem, ibidem..

87 FERRARI, Regina Macedo Nery. Controle da Administração Pública: um aspecto interessante. Revistade Direito Administrativo Aplicado, Curitiba, v. 4, p. 37-47, mar. 1995. p. 40.

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O controle interno, também denominado pelos autores de controle administrativoou autocontrole, é aquele que se dá no âmbito dos órgãos em que a atividade administrativa aser controlada está inserida. Assim, observa-se esta modalidade de controle sendo exercida peloPoder Executivo e pelos órgãos administrativos dos Poderes Legislativo e Judiciário sobre asatividades provenientes de suas próprias esferas.

Esta espécie de controle vem insculpida pelo artigo 74 da Constituição, queprevê:

“Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada,sistema de controle interno com a finalidade de:I – avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execuçãodos programas de governo e dos orçamentos da União;II – comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência,da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades daadministração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidadesde direito privado;III – exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dosdireitos e haveres da União;IV – apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.§ 1º Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento dequalquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contasda União, sob pena de responsabilidade solidária.§ 2º Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítimapara, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunalde Contas da União.”

Outrossim, os Tribunais Pátrios pronunciaram-se a respeito do controle interno,sendo a Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal a manifestação mais referendada. Prelecionamencionada súmula:

“A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios queos tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, pormotivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, eressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.

Compreende-se, portanto, que o controle interno a ser realizado na AdministraçãoPública não se atém à legalidade do ato, podendo atingir seu mérito88, já que tem como objetivoprecípuo assegurar “que a atividade pública em geral se realize com legitimidade e eficiência,atingindo sua finalidade plena, que é a satisfação das necessidades coletivas e atendimento dosdireitos individuais dos administrados”.89

Diversos são os meios para o controle administrativo. Conforme exposto por Hely 88 O conceito de mérito que ora se utiliza é aquele elaborado por Celso Antônio Bandeira de Mello. Para oautor, mérito do ato administrativo “é o campo de liberdade suposto na lei e que, efetivamente, venha aremanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade,se decida entre duas ou mais soluções admissíveis perante ele, tendo em vista o exato atendimento dafinalidade legal, dada a impossibilidade de ser objetivamente reconhecida qual delas seria a únicaadequada”. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., 1993. p. 38.89 MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p. 580.

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Lopes Meirelles,

“de um modo geral, bipartem-se em fiscalização hierárquica e recursosadministrativos. (...) A fiscalização hierárquica é exercida pelos órgãossuperiores sobre os inferiores da mesma Administração, visando a coordenar,orientar e corrigir suas atividades e agentes.(...) Recursos administrativos, emacepção ampla, são todos os meios hábeis a propiciar o reexame de decisãointerna pela própria Administração. (...) Os recursos administrativos são umcorolário do Estado de Direito e uma prerrogativa de todo administrado ouservidor atingido por qualquer ato da Administração”.90

Importante conferir destaque para a possibilidade do “controle popular pela viaadministrativa” ou “controle interno com a participação do administrado”.91, caso em que ocontrole interno dar-se-á por provocação do administrado. Conforme apregoado por EdsonAguiar de Vasconcelos, o controle popular torna-se viável, especialmente, a partir de doisdispositivos Constitucionais que asseguram ao administrado o “direito à informação” (art. 5º,XXXIII) e o “direito de petição ou representação” (art. XXXIX).

Fazendo uso de tais direitos, afirma o autor, o administrado poderá “exigir dosórgãos públicos informações de interesse coletivo ou geral”, bem como encaminhar “denúnciaformalizada destinada à defesa de direito, público ou privado, ou a coibir ilegalidade ou abusode poder”92. O direito de petição será exercido, em geral, através do recurso administrativo, quepoderá, conforme o caso, consistir na representação, na reclamação administrativa, no pedido dereconsideração, nos recursos hierárquicos próprios e impróprios ou ainda na revisão.93

3.1.2.2. Controle Externo

Além do controle interno, tem-se a existência do controle externo, que é realizadopor órgão distinto daquele em que se encontra a atividade controlada. Assim, observa-seinserida na Ordem Constitucional vigente a existência de mecanismos conferidos aos PoderesLegislativo e Judiciário para a realização de mencionado controle, que tem por objetivoprecípuo assegurar que os agentes, dentro do atuar administrativo, não se afastem do interessepúblico e, por consegüinte, da legalidade e da moralidade a que estão subordinados.

A seguir, far-se-á uma breve análise do controle legislativo e do controlejudiciário, já que consistem em formas de controle inseridas na modalidade do controle externoda Administração Pública.

a. Controle Legislativo

O controle legislativo, também denominado controle parlamentar, é aqueleexercido pelos órgãos do Poder Legislativo. Destarte, esta espécie de controle será exercida,

90 Idem, 581-582..

91 A primeira expressão é utilizada por VASCONCELOS, Edson Aguiar de. Instrumento de Defesa daCidadania na Nova Ordem Constitucional: Controle da Administração Pública. Rio de Janeiro: Forense,1993. 186 p. p. 123. Já FIGUEIREDO, Lúcia Valle. op. cit., p. 235 faz uso da segunda.92 VASCONCELOS, Edson Aguiar de. op. cit., p. 123-124.93 Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 482.

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dependendo da esfera, se federal, estadual ou municipal, pelo Congresso Nacional, pelasAssembléias Legislativas ou pelas Câmaras de Vereadores, respectivamente.

Ao Tribunal de Contas também é conferida a participação nesta modalidade decontrole, como órgão auxiliador do Poder Legislativo, nos termos dos artigos 70 e 71 daConstituição.94

Mencionado controle, no entanto, não se dará de maneira ilimitada: o PoderLegislativo há que obedecer às delimitações impostas constitucionalmente, já que o controleindiscriminado por parte do legislativo acabaria por afetar ou mesmo inviabilizar o princípio daseparação dos poderes, pois abalaria a harmonia que se faz necessária entre os três poderes.95

A efetivação do controle legislativo dar-se-á através das ComissõesParlamentares de Inquérito; da convocação de autoridades para prestarem informações; daparticipação na realização do exercício da função administrativa do Executivo pela aprovaçãoou autorização para atuar; do julgamento das contas do Chefe do Executivo; do processo ejulgamento do Presidente e Vice Presidente da República nos crimes de responsabilidade e osdos Ministros de Estado nos crimes conexos com aqueles, através do Senado Federal e isto,também em relação ao crimes de responsabilidade cometidos pelos Ministros do SupremoTribunal Federal, Procurador Geral da República e Advogado-Geral da União.96

Insta assinalar, por fim, a possibilidade de participação popular também nestaforma de controle da Administração Pública, conferida através dos artigos 58, § 2º, 74, § 2º e31, § 3º, da Constituição Federal de 1988.

b. Controle Jurisdicional

O controle jurisdicional da Administração Pública é tema que suscita polêmicapor parte da doutrina. A corrente mais tradicional afirma ser este um instrumento que se atém àanálise da legalidade do ato administrativo.97 Este entendimento parece não haver se adequadocom os novos ditames trazidos pelo Texto Constitucional vigente, que, em diversos momentos,expressa a vontade do legislador constituinte em viabilizar um amplo controle dos atosadministrativos, a fim de exigir a sua adequação com os princípios constitucionais,principalmente os previstos em seu artigo 37, caput.

A corrente que se entende ser mais acertada, ao revés, parte de uma análise maispormenorisada das inovações trazidas pela atual Carta Magna. Desta forma, defende que o 94 A respeito do Tribunal de Contas, Valéria Oliveira Quixadá expõe que suas atribuições foram bastanteampliadas em face no novo Texto Constitucional. E aduz: “O seu poder judicante sobre as contas dosadministradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta eindireta, incide sobre atos, tanto de ordem financeira, orçamentária e patrimonial, como também sobreaqueles de natureza operacional e que envolvam aspectos de economicidade. Tal amplitude demonstra quea fiscalização exercida agora pelas Cortes de Contas Brasileiras tende à formação de um juízo sobre fatoresde legitimidade fora, muitas vezes, de considerações meramente legais. (QUIXADÁ, Valéria Oliveira. op.cit., p. 59.)95 Neste sentido MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p. 605 e DI PIETRO, Maria Sylvia Za nella. op. cit., p.488. Defende esta última autora ser esta modalidade de controle uma exceção ao princípio da separaçãodos poderes, “não podendo ser ampliado fora do âmbito constitucional”.96 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. op. cit., p. 41.97 Neste sentido: MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit.; MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., 1997. ePAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias, FAZZIO JÚNIOR, Waldo. op. cit.

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controle jurisdicional dos atos administrativos tem um espectro muito mais abrangente e queportanto não se exaure no exame da legalidade administrativa, atingindo, igualmente, o exameda moralidade.98

Defendendo a ampla abrangência do controle da Administração Pública em faceda Constituição Federal é que assevera José Augusto Delgado:

“A Constituição, sensível aos vícios identificados pela Nação na prática daadministração pública, não deixou sem solução satisfatória tão grave problema deajuste do atuar do agente público com a finalidade pública da ação produzida,fazendo com que o direito seja o reflexo de uma nova concepção de justiçacompatível com a realidade social a que se destina. O amplo controle da atividadeadministrativa se exerce, assim, na atualidade, não só pelos administradosdiretamente, como também, pelo Poder Judiciário, em todos os atributos do atoadministrativo”.(o grifo é nosso)99

O controle da moralidade administrativa, no entanto, é tema que será abordadoposteriormente. No momento, tratar-se-á apenas, de tecer alguns apontamentos básicos acercado controle jurisdicional da Administração Pública.

Nesse passo, cabe ressaltar, preliminarmente, que a Constituição Federal de 1988,ao prever, em seu art. 5º, XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciáriolesão ou ameaça de direito”, ampliou a esfera de atuação do Poder Judiciário, sujeitando aAdministração Pública à revisão jurisdicional sempre que se observar um ato administrativo quefuja aos padrões a que deva estar conformado. Destaque-se, outrossim, que o ato controlado nãoprecisa ter configurado uma lesão de direito, podendo consistir, tão-somente, mera ameaça.100

Assim, levando em consideração que o controle jurisdicional não se fazvoluntariamente, posto que necessita, obrigatoriamente, de algum tipo de provocação por partedo interessado, conclui-se por vislumbrá-lo enquanto elemento indispensável aos administrados,já que, através dele, “foi aperfeiçoada e ampliada a garantia dos direitos dos administrados, cujaproteção é sua característica essencial” 101.

No sentido de possibilitar a concretização do controle jurisdicional é que aConstituição Federal elenca diversos instrumentos. São eles, entre outros constantes do TextoConstitucional, o mandado de segurança (individual e coletivo), a ação popular, o habeas data,o mandado de injunção, a ação civil pública, etc.

3.2. O Controle da Moralidade Administrativa em face da Constituição

O controle da moralidade administrativa é assunto que muitos doutrinadorespersistem em evitar, pois adentra em um terreno bastante arenoso da esfera do DireitoAdministrativo. Entende-se, no entanto, que apesar da complexidade conferida ao tema, este 98 Fazem parte desta corrente José Augusto Delgado, Lúcia Valle Figueiredo, Mauricio Antonio RibeiroLopes, Edson Aguiar de Vasconcelos, Toshio Mukai, Valéria Oliveira Quixadá, Cármen Lúcia AntunesRocha, Demócrito Ramos Reinaldo, Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho.99 DELGADO, José Augusto. op. cit., 1993. p. 216.100 Cf. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. op. cit., p. 242-246.101 STEPHANO, Sílvia Pucú de. Controle da Administração Pública: Legalidade. In: XIX Congresso Nacionaldos Procuradores de Estado – Teses . Manaus: out. 1993. p. 273-320. p. 305.

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possui indubitável relevância, e que, principalmente com o advento da Constituição Federal de1988, que trouxe inovações acerca do assunto, necessita de uma ampla abordagem por parte dadoutrina pátria.

Como já visto anteriormente, a Constituição de 1988, ao tratar do controle daAdministração, conferiu aos três poderes do Estado mecanismos que possibilitam um amplocontrole da atividade administrativa. A partir da análise de alguns dispositivos constitucionais,vê-se que este controle inclui a moralidade administrativa, já que a submissão da AdministraçãoPública a este princípio é indubitável, e, portanto, a sua violação requer a utilização dos meiosde controle oferecidos constitucionalmente.102

Aliás, ressalte-se que do momento em que a atual Carta Magna alçou amoralidade administrativa à categoria autônoma de princípio constitucional da AdministraçãoPública, tornou-se evidente a intenção do legislador constituinte em torná-la elementoinafastável de qualquer atuação administrativa e, conseqüentemente, passível de ser controladaamplamente, inclusive no âmbito judicial.

Corroborando este entendimento é que Maurício Antonio Ribeiro Lopes, ao fazerreferência ao disposto no artigo 37, caput da Constituição, tece os seguintes apontamentos:

“Essa disposição constitucional não pode deixar de ser vista como um dadorelevantíssimo para ruptura de uma tradição malsã de uma legislaçãoextremamente conveniente aos administradores e imprestável sob a ótica docontrole social e judiciário permitidos que tinha vigência, até então. Ruptura deobstáculo para que os valores éticos e morais da atividade administrativaquedassem distante desses controles”.103

Feitas estas considerações preliminares, não há como negar que a moralidadeadministrativa pode e deve ser analisada nas três esferas de controle da Administração Públicaabordadas anteriormente, quais sejam a administrativa, a legislativa e a judiciária, esta últimamaior fonte de polemização.

Na esfera administrativa, o controle da moralidade não suscita maioresproblemas, já que nesta modalidade de controle é pacífico que a análise do mérito do atoadministrativo pode ser realizada. Assim, sempre que agentes públicos ou mesmo administradosvislumbrarem, na atividade administrativa, a presença de qualquer irregularidade que constituaofensa ao princípio da moralidade insculpido no artigo 37 da Carta Magna, deverão fazer valeros mecanismos que lhes são colocados à disposição para a realização do controle interno daAdministração Pública.104

No âmbito do Poder Legislativo, o controle realizado também abrange a análisedo mérito do ato administrativo.105 Aliás, não há como negar que a grande maioria das hipóteseselencadas pela Constituição para a realização deste controle invadem a esfera da moralidade

102 Neste sentido, QUIXADÁ, Valéria Oliveira. op. cit., p. 57.

Lúcia Valle Figueiredo reforça este entendimento expondo que “(...) a moralidade não é mais – como sepretendia antigamente – expressão fugidia, sem que se possa precisar o conceito e controlá-la pelas formasconcebidas pela Lei das Leis”. (FIGUEIREDO, Lúcia Valle. op. cit., p. 52.)103 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. op. cit., p. 61.104 Cf. PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias, FAZZIO JÚNIOR, Waldo. op. cit., p. 17.105 Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 488.

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administrativa, como é o caso, por exemplo, dos crimes de responsabilidade (art. 52, I e II) e dafiscalização e controle dos atos do Poder Executivo(art. 49, X), só para citar alguns.

Quanto ao controle legislativo com auxílio do Tribunal de Contas, a presença damoralidade administrativa também é indubitável, já que este controle atingirá, basicamente,aqueles agentes públicos que malversarem a coisa pública, o que alcança , sem sombra dedúvida, o exame da moralidade administrativa.

Em relação, por fim, ao controle jurisdicional da moralidade administrativa, estase faz possível através do teor da atual Carta Magna, já que analisando o caráter de observânciaobrigatória do princípio, pode-se concluir que o ato administrativo que violá-lo será inválido talqual o ato administrativo ilegal e, por conseguinte, será este ato passível de apreciação peloPoder Judiciário para a decretação de sua invalidade.106 Este assunto, porém, por revelar-seobjeto de maiores divergências, será explicitado mais demoradamente em tópico a seguirapresentado.

Após ressaltado a possibilidade do amplo controle da moralidade administrativa,insta lembrar que cabe, no momento, à Administração Pública e, principalmente aos seusadministrados, a efetiva utilização dos meios de controle oferecidos constitucionalmente, paraque se observe a concretização da moralidade administrativa e, por conseqüência, aaproximação do atuar administrativo com os anseios da população brasileira.

Nesta linha de raciocínio, torna-se indispensável assinalar a importância daexistência cada vez maior do controle da moralidade administrativa para que esta aproximaçãonão seja mera utopia. A fim de destacar esta importância é que aponta Cármen Lúcia AntunesRocha:

“(...) o controle impõe não apenas desfazimento de efeitos de atos contrários aoprincípio da moralidade administrativa, mas, especialmente, que a AdministraçãoPública esteja atenta e aberta a se repensar continuadamente, a fim de que oresultado obtido em determinada apuração não se exaura nela, mas que, aocontrário, possa traduzir, e efetivamente venha traduzir, mudança de organizaçãoe de comportamentos públicos em seu seio, se e quando se comprovar que aestrutura vigente ou os procedimentos admitidos propiciam, ou facilitam, ou nãoimpedem, como deveriam, práticas corruptas”.107

Desta forma, extrai-se destes ensinamentos que o controle da moralidadeadministrativa é o meio mais eficaz colocado à disposição dos cidadãos brasileiros para que aAdministração Pública revele-se de uma vez por todas, merecedora de credibilidade, e que,compatibilize a sua atuação com as “finalidades que a sociedade exige que sejam cumpridaspelo Estado”.108

3.3. Tutela Jurisdicional da Moralidade Administrativa

Acerca do assunto, manifestam-se divergentemente os autores. Observa-se, no

106 Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. SãoPaulo: Atlas, 1991. p. 116.107 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. op. cit., p. 209.108 DELGADO, José Augusto. op. cit., 1993. p. 215.

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entanto, duas grandes correntes: há os autores que admitem o controle por parte do PoderJudiciário e há os que negam com veemência esta possibilidade. Outros autores, por seu turno,simplesmente omitem-se no tratamento do assunto. As justificativas para a admissão ou não demencionado controle são as mais diversas, pelo que se faz necessário a explicitação de algumasdelas.

Os autores que não admitem o controle jurisdicional da moralidadeadministrativa, fitam-se na justificativa da vedação imposta ao Poder Judiciário de analisar omérito do ato administrativo. Representante deste entendimento, Hely Lopes Meirelles aduz queo controle jurisdicional da Administração Pública “é um controle a posteriori, unicamente delegalidade, por restrito à verificação da conformidade do ato com a norma legal que o rege”.109

Dentre os que admitem o controle da moralidade administrativa, urge mencionartrês entendimentos distintos, a seguir abordados.

O primeiro entendimento admite o controle da moralidade sob a justificativa deque esta estaria inserida dentro do elemento legalidade e, portanto, consistiria, tão-somente, nocontrole da legalidade do ato administrativo. Sob este prisma, assenta Amandino TeixeiraNunes Júnior que “os critérios de moralidade administrativa se incluem no conceito amplo delegalidade. (...)Neste sentido, a conveniência e a oportunidade da prática do ato se inserem nascondições de sua legalidade”.110

O segundo entendimento a ser destacado admite o controle da moralidadeadministrativa, por este não consistir, propriamente, no exame do mérito do atuaradministrativo. Defensora desta corrente, Maria Sylvia Zanella Di Pietro expõe que “não háinvasão de mérito quando o Judiciário aprecia os motivos, ou seja, os fatos que precedem aelaboração do ato”.111

E, por fim, o último entendimento, e que ora filia-se o presente trabalho, defendea tese de que o controle da moralidade administrativa não só é possível como também consistena exceção conferida ao Poder Judiciário de examinar o mérito do ato administrativo.112

Ao tecer considerações acerca desta incumbência do Poder Judiciário, JoséAugusto Delgado preleciona que

“(...)encontrando-se o Poder Judiciário consciente de sua novas responsabilidadesa respeito do exercício do controle dos atos administrativos, há de cumprir a suamissão de modo que, não obstante penetrando no fundo de todos os atosadministrativos, o faça de tal forma que o princípio da independência e daharmonia dos poderes seja respeitado, prestigiando-se as competências eatribuições legais de cada um”.113

109 MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p. 610.110 NUNES JÚNIOR, Amandino Teixeira. op. cit., p. 217.111 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., 1994. p. 493.112 Coloca Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho que “em nome do princípio da moralidade administrativa,a qual difere da ilegalidade por desvio ou abuso do poder, o Poder Judiciário, excepcionalmente, temcompetência para anular o mérito do ato administrativo quando a valoração dos motivos e a escolha doobjeto do ato mostrem-se notória e iniludivelmente ineficientes e contrárias à moral interna da entidade emrelação à outras hipóteses que o senso comum da sociedade teria adotado. (SARAIVA FILHO, OswaldoOthon de Pontes. op. cit., p. 131.)113 DELGADO, José Augusto. op. cit., 1993. p. 223.

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Tal corrente, apresenta-se como a mais condizente com o Texto Constitucionalvigente. Apesar de ainda ser repudiada por parte da doutrina mais tradicional, como destacadoao longo do presente trabalho, vem ganhando força desde a promulgação da atual Constituição,já que, a partir das inovações por ela trazidas, houve um fomento ao estudo da matéria e oconseqüente amadurecimento no tratamento da moralidade administrativa.

Sob a influência deste último entendimento, aduz Diogo de Figueiredo MoreiraNeto, citando Nagib Slaibi Filho:

“ Com a nova Constituição, introduzindo o requisito de moralidade comoessencial aos atos de Administração Pública, não terão os tribunais, em casosconcretos que lhes forem submetidos, senão a alternativa de apreciar o elementosubjetivo, visando apurar se há boa administração da coisa pública, não só nosaspectos de adequação à ordem jurídica, mas também no que diz respeito aos finse motivos da atuação do administrador”.114

Assim, tem-se que, na atual conjuntura brasileira, a possibilidade do amplocontrole da moralidade administrativa é o entendimento não apenas mais coerente, mas o que sefaz necessário no alcance “melhor administrar”115. Ele é fruto não apenas de construçãodoutrinária, mas, especialmente, de exigência constitucional. A par deste reconhecimento,assinala Valéria Oliveira Quixadá:

“O amplo espectro conferido pela Lei maior ao controle jurisdicional damoralidade administrativa indubitavelmente consiste em verdadeira conquista doEstado Democrático de Direito. A Carta Constitucional ampliou sobremaneira ocampo de atuação do poder judicante na defesa do princípio, possibilitando a esteperquirir ‘avaliar e julgar o mérito do ato administrativo, o abuso ou desvio depoder sob o escudo da discricionariedade e da não obrigação de motivar’. Nestesentido, faculta-se ao magistrado, também, a emissão de juízo acerca daconstitucionalidade do ato praticado pela administração em face da observânciaou não do princípio da moralidade administrativa. Dentro da ótica constitucional,o titular do poder jurisdicional possui competência para anular atosadministrativos, mesmo discricionários, desde que, eivados do vício daimoralidade, haurido de objeto ou motivo inidôneos, não alcancem os finsespecíficos aos quais se destinavam por força normativa, ou venham a contrariaro interesse público”.116

Em suma, compete ao Judiciário anular o ato administrativo sempre que estedistanciar-se dos preceitos a que está subordinado ou fundar-se em motivo ou objetoincompatível com o fim visado pela atividade administrativa, qual seja, o interesse público.Desta forma, sempre que se observar a existência de ato administrativo com motivo inexistente,insuficiente, desproporcional, incompatível ou inadequado ou ainda com objeto desconforme,impossível ou ineficiente117, será ele passível de controle por parte do Poder Judiciário. 114 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. op. cit., p. 30.115 Este é o termo empregado por José Augusto Delgado. De acordo com o autor, “A extensão do princípioda moralidade administrativa conduz ao entendimento de que a administração pública tem o dever demelhor administrar, que ultrapassa o conceito de bem administrar”. (DELGADO, José Augusto. op. cit.,1993. p. 214.)116 QUIXADÁ, Valéria Oliveira. op. cit., p. 58.117 Ver item 2.3 supra.

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Maurício Antonio Ribeiro Lopes preleciona que a competência do PoderJudiciário vai mais além. Acredita o autor que

“o Poder Judiciário, em sede de qualquer ação, de natureza constitucional ou não,pode ingressar no exame da moralidade administrativa para salvaguarda dosinteresses individuais e sociais postos ao abrigo do pedido”.118

Cumpre lembrar, que na seara da concretização do princípio constitucional damoralidade administrativa, a ativa atuação do administrado e do Ministério Público revela-seindispensável. Sob este prisma, a Constituição conferiu ao primeiro o direito de ingressar com aação popular que vise especificamente a tutela da moralidade administrativa. Já em relação aoMinistério Público, este teve sua atuação ampliada através da Constituição de 1988. Noentendimento de José Augusto Delgado,

“Recebeu (...) essa instituição um grande desafio, na medida em que secompreenda a extensão de todo o poder que lhe foi outorgado como sujeito ativo,em nome de uma coletividade heterogênea, de promover perante o Judiciário,ações civis públicas que redundem em efetivo controle dos atos administrativosquando fugirem dos princípios a que estão sujeitos, especialmente o damoralidade”.119

Destarte, conclui-se que o controle da moralidade administrativa, para seconcretizar, necessita de uma atuação conjunta por parte dos administrados, do MinistérioPúblico e do Poder Judiciário.

Ao administrado fica a incumbência de exercer efetivamente a sua cidadania e,desta forma, ingressar em juízo, fazendo uso dos instrumentos constitucionais e processuaiscabíveis, sempre que desejar coibir atos administrativos imorais. Para o Ministério Públicoreserva-se o dever de uma atuação digna e constante no intuito de representar a coletividade natutela da moralidade administrativa através da ação civil pública.

Quanto ao Judiciário, por fim, resta a obrigação de não se ausentar daincumbência de analisar a moralidade dos atos administrativos e, sob a ótica do “bomadministrador”, anular os atos que entender viciados.120

3.4. A Moralidade Administrativa e a Jurisprudência

Mesmo antes da elevação da moralidade administrativa à categoria de princípioconstitucional, os tribunais pátrios já haviam se manifestado a respeito da moralidadeadministrativa. É o caso do Tribunal de Justiça de São Paulo, que se pronunciou pioneiramenteem acórdão, da lavra do Desembargador Cardoso Rolim, que se tornou clássico121:

118 LOPES, Maurício Antonio. op. cit., p. 74.119 DELGADO, José Augusto. op. cit., 1993. p. 222-223.120 Cf. MUKAI, Toshio. Da Aplicabilidade do Princípio da Moralidade Administrativa e do seu ControleJurisdicional. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, v. 1, n. 4, p. 211-215, jul./set.1993. p. 215.121 Cf. MEIRA, José Castro. op. cit., p. 202.

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“O controle jurisdicional se restringe ao exame da legalidade do atoadministrativo; mas por legalidade ou legitimidade se entende não só aconformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com ointeresse coletivo”..122

Extrai-se deste julgado, no entanto, que o tratamento dispensado à moralidadeadministrativa restringe seu real conteúdo, já que faz referência a ela enquanto elementoinserido na própria legalidade administrativa, entendimento que, atualmente, em face da atualConstituição e das inovações por ela trazidas, demonstra-se indubitavelmente ultrapassado.Como já ressaltado anteriormente, a atual Carta Magna alçou a moralidade administrativa àcategoria de princípio constitucional da Administração Pública, e, enquanto tal, tem observânciaobrigatória e aplicação autônoma, existindo, portanto, paralela e independentemente dalegalidade administrativa.

Não obstante as inovações trazidas pelo Texto Constitucional, nota-se que aadmissão do controle judicial da moralidade dos atos administrativos ainda não se configuraem prática muito freqüente dos Tribunais brasileiros. Ao revés, a jurisprudência brasileira vemcaminhando lentamente na abordagem da moralidade administrativa, evidenciando a falta deamadurecimento acerca da matéria, e dificultando, conseqüentemente, a sua efetivação.123

Assim, na atual conjuntura brasileira, apesar de tantos desmandos sofridos porparte da Administração Pública, vislumbra-se que os julgadores continuam temerosos aopermitir o controle judicial da moralidade administrativa. Por conseqüência, nota-se, a partir doestudo de alguns pronunciamentos, que a moralidade administrativa dificilmente integra oconteúdo central dos julgados, fazendo parte dos provimentos jurisdicionais como meroelemento influenciador da decisão.124

O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina tem comprovado estatendência, já que a moralidade administrativa vem constando como mero “componentesecundário” de grande parte de seus acórdãos. Da análise de acórdãos proferidos entre os mesesde setembro de 1997 e dezembro de 1998125, revelou-se tarefa difícil encontrar o termomoralidade administrativa em alguma ementa. Na maior parte dos acórdãos, a moralidadeadministrativa não se apresenta como elemento realmente relevante ou justificador da decisão.Como exemplo, cita-se o acórdão nº 98.001873-0. 126, de 22 de abril de 1998, cujos trechos aseguir se transcreve:

“APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATOADMINISTRATIVO PUNITIVO. AUSÊNCIA DE SINDICÂNCIA E AMPLADEFESA. ATO IMOTIVADO. INVALIDAÇÃO. REMESSA DESPROVIDA.A falta de sindicância impede que se assegure ao acusado o direitoconstitucional ao contraditório e ampla defesa, maculando,irremediavelmente, o ato punitivo da autoridade.

.

122 Cf. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. op. cit., p. 28. Ao comentar mencionado julgado, o autorressalta que o mesmo “identificou a moralidade não só com a legalidade mas com a ilegitimidade, numapropositada confusão, nitidamente positivista de categorias éticas”.123 Cf. LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. ob. cit., p. 77-79.124 Idem, ibidem.125Acórdãos pesquisados sob o argumento “moralidade administrativa”. Relação dos Acórdãos analisadosno Anexo II..

126O texto integral do acórdão mencionado consta do Anexo III.

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Há flagrante ilegalidade no ato punitivo de suspensão de servidor quandoapenas constar os artigos da Lei Municipal que se entende afrontado, sem,contudo, demonstrar ou mesmo justificar os fatos funcionais ensejadores dapunição, ou tampouco a apuração de sua efetiva ocorrência.(...)Observa-se – principalmente pelos termos das informações – que não houveinstauração de qualquer procedimento administrativo com o fim de apurarocorrência de falta funcional, não conferindo à impetrante, conseqüentemente,oportunidade de defesa.(...)Descumpriu-se, portanto, regra particular de legalidade do ato administrativoimpugnado, quanto a sua parte vinculada, requisito de operacionalidade, que era ainstauração de sindicância para averiguar a falta funcional da espécie.A falta de sindicância impediu, conseqüentemente, que se assegurasse àimpetrante o direito constitucional ao contraditório e ampla defesa, o que restapor macular, irremediavelmente, o ato punitivo da autoridade.Cumpre notar, ainda, que todo ato administrativo – com apenas exceções legais –deve ser obrigatoriamente motivado, sob pena de ser inválido, mormente quandoimpositivo de penalidade. Tal dever é corolário do princípio da moralidadeadministrativa que permeia, modernamente, toda a Administração Pública, aoexigir a fundamentação dos seus atos, que permitam apurar a probidade e atransparência de sua atividade administrativa, tornando possível a impugnaçãodireta, frente a motivação apresentada.(...)Florianópolis, 22 de abril de 1998.Eder Graf - PRESIDENTE PARA O ACÓRDÃOSilveira Lenzi - RELATOR”..127

Há que ser afirmado, no entanto, a contribuição de certos julgados, que,indubitavelmente, vêm se revelando indispensáveis para o enriquecimento do estudo damoralidade administrativa e a sedimentação de sua real importância e alcance.128 É o caso dasementas a seguir citadas, da lavra do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo TribunalFederal, respectivamente:

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO.1. O acórdão deve expressar, de forma explícita, as razões pelas quais determinoua conclusão assumida, para que a parte possa analisar o conteúdo de suafundamentação e preparar o recurso cabível.2. A prática de qualquer ato administrativo, quer da administração direta, quer daadministração indireta, não terá apoio do ordenamento jurídico se não seapresentar rigorosamente vinculado ao princípio da moralidade.3. A defesa da moralidade administrativa pode ser efetuada via qualquer formalegislativa ou até mesmo sem norma expressa. É dever do administrador.4. Não há ofensa ao princípio da legalidade e ao ato jurídico perfeito quando oTribunal de Contas, em decisão colegiada, impede que sociedade de economia

.

127 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação cível em mandado de segurança. ApelaçãoCível nº 98.001873-0. Beatriz Zeczkowski e Prefeito Municipal de Santa Terezinha. Relator: DesembargadorSilveira Lenzi. 22 de abril de 1998. Endereço eletrônico: http:// www.tj.sc.gov.br. (o grifo na expressãomoralidade administrativa é nosso)128 Cf. QUIXADÁ, Valéria Oliveira, op. cit., p. 58.

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mista assuma encargos financeiros de pessoa jurídica de direito privado que regeinteresses particulares.5. Não é lícito que o Banco de Brasília pague as despesas administrativas depessoal da empresa Regius S/C de Previdência Privada.6. Embargos de declaração acolhidos”.129

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO POPULAR. VEREADORES:REMUNERAÇÃO: FIXAÇÃO: LEGISLATURA SUBSEQÜENTE. C.F., art. 5º,LXXIII; art. 29, V. PATRIMÔNIO MATERIAL DO PODER PÚBLICO.MORALIDADE ADMINISTRATIVA: LESÃO.I. - A remuneração do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores será fixadapela Câmara Municipal em cada legislatura para a subseqüente. C.F., art. 29, V.Fixando os Vereadores a sua própria remuneração, vale dizer, fixando essaremuneração para viger na própria legislatura, pratica ato inconstitucional lesivonão só ao patrimônio material do Poder Público, como à moralidadeadministrativa, que constitui patrimônio moral da sociedade. C.F., art. 5º,LXXIII.II. - Ação popular julgada procedente.III. - R.E. não conhecido.” 130

Assim, longe de negar a importância destes pronunciamentos, deve-se ressaltar anecessidade de uma maior abordagem ao tema, já que, como demonstrado, para que amoralidade administrativa se concretize, seu controle precisa ser efetivado, a fim de imporlimites aos agentes administrativos.

A efetivação deste controle, por sua vez, só se dará através de uma longaconstrução jurisprudencial e doutrinária do tema, pelo que se faz necessário a mobilização detodos os juristas, em especial dos magistrados brasileiros, nesta árdua tarefa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após esta breve incursão na seara da moralidade administrativa, tornou-sepossível apreender que a complexidade conferida ao tema é inegável, bem como sua amplitude,que transcende em várias oportunidades a esfera jurídica, adquirindo contornos diversos.

Saliente-se, no entanto, que apesar das dificuldades advindas com o estudo dotema, ao longo da elaboração deste trabalho algumas conclusões puderam ser trazidas à lume.Logo, urge ressaltá-las no presente momento.

Preliminarmente, há que se destacar que as considerações a seguir apontadaspressupõem que, com o advento da Constituição Federal de 1988 e as profundas inovaçõestrazidas em seu bojo acerca da matéria, a moralidade administrativa foi elevada à categoria de

129 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Recurso em Mandado de Segurança.EDROMS nº 6234. Relator: Ministro José Delgado. 15 de maio de 1998. Diário de Justiça, Brasília, p.00022, 17/08/1998.130 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário em Ação Popular. RE-206889/MG.Vereadores da Câmara Municipal de Conselheiros Lafaiete e outros e Diarlhes Pider Benjamin e outros. 25de março de 1997. Diário de Justiça, Brasília, v. 01873-11, p. 02257, 13/06/1997.

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princípio constitucional inerente à Administração Pública, recebendo portanto, uma ampliaçãoem sua esfera, o que suscitou repercussões.

Sob este prisma, tem-se que o conteúdo da moralidade administrativa não podeser confundido ou vinculado à legalidade ou à probidade. Em relação ao primeiro elemento, queconsiste igualmente em princípio constitucional elencado no artigo 37, caput, do TextoConstitucional, a moralidade reserva indiscutível independência. Justifica-se esta assertiva apartir do entendimento de que a legalidade, apesar de essencial à atividade administrativa, não ésuficiente para a configuração de sua validade, devendo existir, portanto, acompanhado damoralidade.

A probidade, por sua vez, tem seu conteúdo inserido na própria noção demoralidade, sendo decorrência direta desta, e possuindo, por consegüinte, uma dimensão maisrestrita.

Desta forma, percebe-se que a moralidade merece estudo destacado dos demaisinstitutos, tendo em vista a autonomia que lhe foi conferida constitucionalmente. Aliás, com apromulgação da atual Carta Magna, que pioneiramente juridicizou o seu conteúdo, alçando-o aum dos mais altos níveis da hierarquia normativa brasileira, o alcance da moralidade ganhouproporções que ainda recebe certo receio por parte da doutrina, que temendo reconhecê-la acabapor destinar-lhe limites descabidos em face do Texto Constitucional.

Estas resistências sofridas vêm se revelando como verdadeiros obstáculos,embaraçando até mesmo a existência da moralidade administrativa, já que o reconhecimento dareal amplitude deste princípio, é fator relevante quando se adentra no âmbito da efetividade dereferido preceito constitucional.

Atendo-se a esta linha de raciocínio é que se percebe que tornou-seimprescindível na atualidade a existência de estudos cada vez mais freqüentes e pormenorizadosdo tema, a fim de que ele sofra uma maior explicitação. Revela-se de suma importância que seperceba um amadurecimento doutrinário e a conseqüente sedimentação dos objetivosinsculpidos pela Constituição, já que não resta dúvida que o legislador constituinte, ao definir amoralidade da maneira que o fez, ansiava por sua concretização sem qualquer tipo de obstrução.

Neste passo, insta salientar que foi com o desejo de vislumbrar a real aplicaçãodeste princípio na atividade da Administração Pública que a Constituição Federal lançou, eminúmeros de seus dispositivos, mecanismos que tornam possível o controle dos atosadministrativos que tragam vícios quanto a sua moralidade. Assim, constata-se que a partir dautilização destes instrumentos constitucionais, o controle da moralidade administrativa pode seramplamente realizado. Este controle poderá ser interno ou externo. Quando externo, poderáadvir do Poder Legislativo ou Judiciário.

Ressalte-se, outrossim, a importância conferida pela Constituição à participaçãopopular. Segundo os ditames da Carta Magna, a participação dos administrados neste controle épossível, independente da modalidade, já que cabe ao cidadão provocá-lo, seja no âmbitointerno da Administração Pública ou recorrendo à esfera judicial.

Adentrando no aspecto mais controvertido do controle da moralidadeadministrativa, qual seja o jurisdicional, observa-se que este vem se esbarrando ementendimentos que não o admitem, numa visível afronta às exigências contidas na Carta

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de 1988, que conferiu ao magistrado, não apenas o poder, mas sobretudo o dever de analisar e,se for o caso, controlar o ato administrativo sob a eiva da imoralidade.

Sob a perspectiva constitucional, deve o magistrado adentrar até mesmo nomérito da atividade administrativa sub judice, a fim de examiná-la profundamente e perceber sea conduta é condizente com o fim colimado pela Administração Pública e, também, se estafinalidade, ainda que alcançada, encontra-se em consonância com os elementos motivo e objetodo ato administrativo.

Não obstante a previsão de vários mecanismos de controle da moralidade porparte do Poder Judiciário, uma fração de magistrados brasileiros vêm se demonstrando um tantoreticentes na aplicação da matéria. Demonstração disto pode ser obtida a partir da análise dealguns fragmentos da jurisprudência pátria, que revelam caminhar lentamente ao discorrer sobrea moralidade administrativa, nem sempre conferindo-lhe a importância a que faz jus.

Afora esta observação, não há como negar que os Tribunais brasileiros, emespecial o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, vêm adequando suasdecisões aos anseios do legislador constituinte, mesmo que por vezes timidamente. Assim, nota-se que os pronunciamentos que fazem referência à matéria são cada vez mais freqüentes, porémnão são suficientes. É imprescindível que se dê mais ênfase à moralidade administrativa.

Por fim, há que se perceber uma maior conscientização por parte dos maisvariados setores da sociedade brasileira, em especial àqueles que sofrem desmandos por parteda Administração Pública e àqueles outorgados de competência para o julgamento de taisdesmandos, no sentido de que é coibindo a imoralidade na atividade administrativa, seja atravésde sua prevenção, seja através do controle dos atos administrativos ou, ainda, da observânciapura e simples de tal preceito é que será possível vislumbrar a concretização de tal princípio.

E só a partir da efetiva concretização da moralidade administrativa é que setornará viável a aproximação da Administração com seus administrados, que, na atualconjuntura brasileira, têm lhe debitado ínfima credibilidade.

Espera-se, finalmente, que o anseio pela moralidade na Administração Públicanão se configure em mera utopia, fruto de um idealismo exacerbado.

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Anexo I - LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA*

LEI 8.429 DE 02/06/1992

Dispõe sobre as Sanções Aplicáveis aos Agentes Públicos nos Casos de Enriquecimento Ilícitono Exercício de Mandato, Cargo, Emprego ou Função na Administração Publica Direta,Indireta ou Fundacional e da outras Providencias.

CAPITULO I - Das Disposições Gerais (artigos 1 a 8)

Art. 1º - Os atos de improbidade praticados por qualquer agente publico, servidor ou não, contraa administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimôniopublico ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra commais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma destaLei.

Parágrafo único. Estão também sujeitos as penalidades desta Lei os atos de improbidadepraticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, beneficio ou incentivo, fiscalou creditício, de órgão publico bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário hajaconcorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual,limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial a repercussão do ilícito sobre a contribuiçãodos cofres públicos.

Art. 2º. - Reputa-se agente publico, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda quetransitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ouqualquer outra forma de investidura ou vinculo, mandato, cargo, emprego ou função nasentidades mencionadas no artigo anterior.

Art. 3º. - As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, aquele que, mesmo não sendo

* Diário Oficial [da República Federativa do Brasil] de 03 de junho de 1992.

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agente publico, induza ou concorra para a pratica do ato de improbidade ou dele se beneficiesob qualquer forma direta ou indireta.

Art. 4º. - Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estritaobservância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dosassuntos que lhe são afetos.

Art. 5º. - Ocorrendo lesão ao patrimônio publico por ação ou omissão, dolosa ou culposa, doagente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano.

Art. 6º. - No caso do enriquecimento ilícito, perdera o agente publico ou terceiro beneficiário osbens ou valores acrescidos ao seu patrimônio.

Art. 7º. - Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio publico ou ensejarenriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representarao Ministério Publico, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.

Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o "caput" deste artigo recairá sobre bensque assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante doenriquecimento ilícito.

Art. 8º. - O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio publico ou se enriquecerilicitamente esta sujeito as cominações desta Lei ate o limite do valor da herança.

CAPITULO II - Dos Atos de Improbidade Administrativa (artigos 9º a 11)SEÇÃO I - Dos Atos de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento

Ilícito (artigo 9º)

Art. 9º - Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferirqualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato,função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º., desta Lei, e notadamente:

I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagemeconômica, direta ou indireta, a titulo de comissão, percentagem, gratificação ou presente dequem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ouomissão decorrente das atribuições do agente publico;

II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta oulocação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art.1º., por preço superior ao valor de mercado;

III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta oulocação de bem publico ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valorde mercado;

IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, maquinas, equipamentos ou material dequalquer natureza, de propriedade ou a disposição de qualquer das entidades mencionadas noart. 1º., desta Lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiroscontratados por essas entidades;

V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar aexploração ou a pratica de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usuraou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;

VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaraçãofalsa sobre medição ou avaliação em obras publicas ou qualquer outro serviço, ou sobrequantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos aqualquer das entidades mencionadas no art. 1º., desta Lei;

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VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou funçãopublica, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional a evolução do patrimônio oua renda do agente publico;

VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento parapessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido, ou amparado por ação ouomissão decorrente das atribuições do agente publico, durante a atividade;

IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba publicade qualquer natureza;

X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir atode oficio, providencia ou declaração a que esteja obrigado;

XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valoresintegrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º., desta Lei;

XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervopatrimonial das entidades mencionadas no art. 1º., desta Lei.

SEÇÃO II - Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário(artigo 10)

Art. 10 - Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, qualquer açãoou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º., desta Lei, enotadamente:

I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, depessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonialdas entidades mencionadas no art. 1º., desta Lei;

II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbasou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º., desta Lei,sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis a espécie;

III - doar a pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de finseducativos ou assistenciais, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer dasentidades mencionadas no art. 1º., desta Lei, sem observância das formalidades legais eregulamentares aplicáveis a espécie;

IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio dequalquer das entidades referidas no art. 1º., desta Lei, ou ainda a prestação de serviço por partedelas, por preço inferior ao de mercado;

V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superiorao de mercado;

VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitargarantia insuficiente ou inidônea;

VII - conceder beneficio administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ouregulamentares aplicáveis a espécie;

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensa-lo indevidamente;

IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que dizrespeito a conservação do patrimônio publico;

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XI - liberar verba publica sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir dequalquer forma para a sua aplicação irregular;

XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, maquinas, equipamentosou material de qualquer natureza, de propriedade ou a disposição de qualquer das entidadesmencionadas no art. 1º., desta Lei, bem como o trabalho de servidor publico, empregados outerceiros contratados por essas entidades.SEÇÃO III - Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam contra os Princípios

da Administração Publica (artigo 11)

Art. 11 - Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios daadministração publica qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade,imparcialidade, legalidade, e lealdade as instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, naregra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de oficio;

III - revelar fato ou circunstancia de que tem ciência em razão das atribuições e que devapermanecer em segredo;

IV - negar publicidade aos atos oficiais;

V - frustrar a licitude de concurso publico;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a faze-lo;

VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectivadivulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria,bem ou serviço.

CAPITULO III - Das Penas (artigo 12)

Art. 12 - Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislaçãoespecifica, esta o responsável pelo ato de improbidade sujeito as seguintes cominações:

I - na hipótese do art. 9, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio,ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função publica, suspensão dos direitospolíticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de ate três vezes o valor do acréscimopatrimonial e proibição de contratar com o Poder Publico ou receber benefícios ou incentivosfiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica daqual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

II - na hipótese do art. 1º.,0, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valoresacrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstancia, perda da função publica,suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de ate duasvezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Publico ou receber benefícios ouincentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoajurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III - na hipótese do art. 1º.,1, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da funçãopublica, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de atecem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o PoderPublico ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, aindaque por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de trêsanos.

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Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta Lei o juiz levara em conta a extensão dodano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

CAPITULO IV - Da Declaração de Bens (artigo 13)

Art. 13 - A posse e o exercício de agente publico ficam condicionados a apresentação dedeclaração dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivadano Serviço de Pessoal competente.

§ 1º. - A declaração compreendera imóveis, moveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, equalquer outra espécie de bens e valores patrimoniais, localizados no Pais ou no exterior, e,quando for o caso, abrangera os bens e valores patrimoniais do cônjuge ou companheiro, dosfilhos e de outras pessoas que vivam sob a dependência econômica do declarante, excluídosapenas os objetos e utensílios de uso domestico.

§ 2º. - A declaração de bens será anualmente atualizada e na data em que o agente publicodeixar o exercício do mandato, cargo, emprego ou função.

§ 3º. - Será punido com a pena de demissão, a bem do serviço publico, sem prejuízo de outrassanções cabíveis, o agente publico que se recusar a prestar declaração dos bens, dentro do prazodeterminado, ou que a prestar falsa.

§ 4º - O declarante, a seu critério, poderá entregar copia da declaração anual de bensapresentada a Delegacia da Receita Federal na conformidade da legislação do Imposto sobre aRenda e proventos de qualquer natureza, com as necessárias atualizações, para suprir aexigência contida no "caput" e no § 2º deste artigo*.

*Regulamentado pelo Decreto numero 978, de 10/11/1993.CAPITULO V - Do Procedimento Administrativo e do Processo Judicial (artigos 14 a 18)

Art. 14 - Qualquer pessoa poderá representar a autoridade administrativa competente para queseja instaurada investigação destinada a apurar a pratica de ato de improbidade.

§ 1º. - A representação, que será escrita ou reduzida a termo e assinada, conterá a qualificaçãodo representante, as informações sobre o fato e sua autoria e a indicação das provas de quetenha conhecimento.

§ 2º. - A autoridade administrativa rejeitara a representação, em despacho fundamentado, seesta não contiver as formalidades estabelecidas no § 1 deste artigo. A rejeição não impede arepresentação ao Ministério Publico, nos termos do art. 22 desta Lei.

§ 3º. - Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinara a imediata apuraçãodos fatos que, em se tratando de servidores federais, será processada na forma prevista nosartigos 148 e 182 da Lei numero 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e, em se tratando deservidor militar, de acordo com os respectivos regulamentos disciplinares.

Art. 15 - A comissão processante dará conhecimento ao Ministério Publico e ao Tribunal ouConselho de Contas da existência de procedimento administrativo para apurar a pratica de atode improbidade.

Parágrafo único. O Ministério Publico ou Tribunal ou Conselho de Contas poderá, arequerimento, designar representante para acompanhar o procedimento administrativo.

Art. 16 - Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representara ao MinistérioPublico ou a Procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação doseqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano aopatrimônio publico.

§ 1º. - O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos artigos 822 e

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825 do Código de Processo Civil.

§ 2º. - Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens,contas bancarias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da leie dos tratados internacionais.

Art. 17 - A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Publico oupela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

§ 1º. - E vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o "caput".

§ 2º. - A Fazenda Publica, quando for o caso, promovera as ações necessárias acomplementação do ressarcimento do patrimônio publico.

§ 3º - No caso da ação principal ter sido proposta pelo Ministério Publico, a pessoa jurídicainteressada integrara a lide na qualidade de litisconsorte, devendo suprir as omissões e falhas dainicial e apresentar ou indicar os meios de prova de que disponha.

§ 4º. - O Ministério Publico, se não intervier no processo como parte, atuara obrigatoriamente,como fiscal da lei, sob pena de nulidade.

Art. 18 - A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano ou decretar a perdados bens havidos ilicitamente determinara o pagamento ou a reversão dos bens, conforme ocaso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito.

CAPITULO VI - Das Disposições Penais (artigos 19 a 22)

Art. 19 - Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente publico outerceiro beneficiário quando o autor da denuncia o sabe inocente.

Pena: detenção de seis a dez meses de multa.

Parágrafo único. Alem da sanção penal, o denunciante esta sujeito a indenizar o denunciadopelos danos materiais, morais ou a imagem que houver provocado.

Art. 20 - A perda da função publica e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com otransito em julgado da sentença condenatória.

Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar oafastamento do agente publico do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo daremuneração, quando a medida se fizer necessária a instrução processual.

Art. 21 - A aplicação das sanções previstas nesta Lei independe:

I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio publico;

II - da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ouConselho de Contas.

Art. 22 - Para apurar qualquer ilícito previsto nesta Lei, o Ministério Publico, de oficio, arequerimento de autoridade administrativa ou mediante representação formulada de acordo como disposto no art. 1º.,4, poderá requisitar a instauração de inquérito policial ou procedimentoadministrativo.

CAPITULO VII - Da Prescrição (artigo 23)

Art. 23 - As ações destinadas a levar a efeito as sanções previstas nesta Lei podem serpropostas:

I - ate cinco anos após o termino do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de funçãode confiança;

II - dentro do prazo prescricional previsto em lei especifica para faltas disciplinares

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puníveis com demissão a bem do serviço publico, nos casos de exercício de cargo efetivo ouemprego.

CAPITULO VIII - Das Disposições Finais (artigos 24 e 25)

Art. 24 - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 25 - Ficam revogadas as Leis números 3.164, de 1 de junho de 1957, e 3.502, de 21 de dezembro de 1958 e demaisdisposições em contrario.

Anexo II – RELAÇÃO DOS ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA ANALISADOS*

TIPO DE PROCESSO: Ação Direta de InconstitucionalidadeNÚMERO ACÓRDÃO: 98.005567-9COMARCA: ChapecóDES. RELATOR: Francisco BorgesÓRGÃO JULGADOR: Órgão Especial do Tribunal PlenoDATA DECISÃO: 03 de junho de 1998

TIPO DE PROCESSO: Apelação cívelNÚMERO ACÓRDÃO: 97.012641-7COMARCA: CapitalDES. RELATOR: Eder GrafÓRGÃO JULGADOR: Terceira Câmara CivilDATA DECISÃO: 28 de abril de 1998

TIPO DE PROCESSO: Apelação cível em mandado de segurançaNÚMERO ACÓRDÃO: 98.001873-0COMARCA: ItaiópolisDES. RELATOR: Silveira LenziÓRGÃO JULGADOR: Terceira Câmara CivilDATA DECISÃO: 22 de abril de 1998

TIPO DE PROCESSO: Apelação cível em mandado de segurançaNÚMERO ACÓRDÃO: 97.011875-9COMARCA: UrussangaDES. RELATOR: Newton TrisottoÓRGÃO JULGADOR: Segunda Câmara CivilDATA DECISÃO: 07 de abril de 1998

TIPO DE PROCESSO: Apelação cível em mandado de segurançaNÚMERO ACÓRDÃO: 97.015337-6COMARCA: Barra VelhaDES. RELATOR: Anselmo CerelloÓRGÃO JULGADOR: Segunda Câmara CivilDATA DECISÃO: 12 de fevereiro de 1998

TIPO DE PROCESSO: Agravo de instrumentoNÚMERO ACÓRDÃO: 97.012730-8COMARCA: BlumenauDES. RELATOR: Trindade dos Santos

*Fonte: Endereço Eletrônico: http://www.tj.sc.gov.br.

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ÓRGÃO JULGADOR: Primeira Câmara CivilDATA DECISÃO: 02 de dezembro de 1997

TIPO DE PROCESSO: Agravo de instrumentoNÚMERO ACÓRDÃO: 97.003761-9COMARCA: IndaialDES. RELATOR: Newton TrisottoÓRGÃO JULGADOR: Segunda Câmara CivilDATA DECISÃO: 20 de novembro de 1997

TIPO DE PROCESSO: Apelação cívelNÚMERO ACÓRDÃO: 97.008351-3COMARCA: TurvoDES. RELATOR: Newton TrisottoÓRGÃO JULGADOR: Segunda Câmara CivilDATA DECISÃO: 06 de novembro de 1997

TIPO DE PROCESSO : Processo-CrimeNÚMERO ACÓRDÃO: 323 (88.085814-4)COMARCA: TaióDES. RELATOR: Nilton Macedo MachadoÓRGÃO JULGADOR: Segunda Câmara CriminalDATA DECISÃO: 30 de outubro de 1997

TIPO DE PROCESSO: Agravo de instrumentoNÚMERO ACÓRDÃO: 97.004573-5COMARCA : São Miguel do OesteDES. RELATOR: Pedro Manoel AbreuÓRGÃO JULGADOR: Quarta Câmara CivilDATA DECISÃO: 23 de outubro de 1.997

TIPO DE PROCESSO: Embargos infringentesNÚMERO ACÓRDÃO: 96.003117-0COMARCA : CapitalDES. RELATOR: Eder GrafÓRGÃO JULGADOR: Seção CivilDATA DECISÃO: 6 de outubro de 1997

TIPO DE PROCESSO: Agravo de InstrumentoNÚMERO ACÓRDÃO: 97.004577-8COMARCA: São Miguel do OesteDES. RELATOR: Pedro Manoel AbreuÓRGÃO JULGADOR: Quarta Câmara CivilDATA DECISÃO: 02 de outubro de 1.997

TIPO DE PROCESSO: Apelação cívelNÚMERO ACÓRDÃO: 97.008332-7COMARCA: ImaruíDES. RELATOR: Silveira LenziÓRGÃO JULGADOR: Terceira Câmara Civil

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DATA DECISÃO: 30 de setembro de 1997

TIPO DE PROCESSO: Apelação cívelNÚMERO ACÓRDÃO: 96.002202-3COMARCA: Anita GaribaldiDES. RELATOR: Orli RodriguesÓRGÃO JULGADOR: Primeira Câmara CivilDATA DECISÃO: 23 de setembro de 1997

TIPO DE PROCESSO: Apelação cívelNÚMERO ACÓRDÃO: 88.070407-6 (44.862)COMARCA: CapitalDES. RELATOR: Eládio Torret RochaÓRGÃO JULGADOR: Primeira Câmara Cível EspecialDATA DECISÃO: 17 de setembro de 1997

TIPO DE PROCESSO: Agravo regimental em agravo de instrumentoNÚMERO ACÓRDÃO: 97.003761-9COMARCA: IndaialDES. RELATOR: Newton TrisottoÓRGÃO JULGADOR: Segunda Câmara CivilDATA DECISÃO: 11 de setembro de 1997

TIPO DE PROCESSO: Agravo de instrumentoNÚMERO ACÓRDÃO: 96.011810-1COMARCA: QuilomboDES. RELATOR: Francisco Oliveira FilhoÓRGÃO JULGADOR: Primeira Câmara CivilDATA DECISÃO: 9 de setembro de 1997

Anexo III – ACÓRDÃO Nº 98.001873-0, DE 22 DE ABRIL DE 1998

TIPO DE PROCESSO: Apelação cível em mandado de segurançaNÚMERO ACÓRDÃO: 98.001873-0COMARCA: ItaiópolisDES. RELATOR: Silveira LenziÓRGÃO JULGADOR: Terceira Câmara CivilDATA DECISÃO: 22 de abril de 1998Apelação cível em mandado de segurança n. 98.001873-0, de Itaiópolis.Relator: Des. Silveira Lenzi.APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO ADMINISTRATIVOPUNITIVO. AUSÊNCIA DE SINDICÂNCIA E AMPLA DEFESA. ATO IMOTIVADO.INVALIDAÇÃO. REMESSA DESPROVIDA.A falta de sindicância impede que se assegure ao acusado o direito constitucional aocontraditório e ampla defesa, maculando, irremediavelmente, o ato punitivo da autoridade.Há flagrante ilegalidade no ato punitivo de suspensão de servidor quando apenas constar osartigos da Lei Municipal que se entende afrontado, sem, contudo, demonstrar ou mesmojustificar os fatos funcionais ensejadores da punição, ou tampouco a apuração de sua efetivaocorrência.Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível em mandado de segurança n.

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98.001873-0, da comarca de Itaiópolis (Vara Única), remetidos pelo Juízo de Direito, em que éimpetrante Beatriz Zeczkowski, sendo impetrado o Prefeito Municipal de Santa Terezinha:ACORDAM, em Terceira Câmara Civil, por votação unânime, desprover o reexame necessário.Custas na forma da lei.Beatriz Zeczkowski impetrou mandado de segurança contra ato do Prefeito Municipal de SantaTerezinha que a suspendeu de suas funções por 15 (quinze) dias, pena disciplinar esta que reputailegal e pretende ver declarada nula.Alega que é professora do quadro de servidores públicos daquela municipalidade e que vem sendoperseguida pelo Prefeito em virtude de desavenças políticas. Argüi já haver sido removida da escolaonde lecionava, de forma arbitrária, conseguindo reverter o ato por decisão judicial, tendo oimpetrado imputado a ela a penalidade de quinze dias de suspensão, em decorrência do conteúdo dealguns trabalhos escolares apresentados por seus alunos. Aduz que a suspensão lhe foi aplicada sema devida sindicância ou processo disciplinar, e sem direito de ampla defesa.A liminar foi concedida parcialmente (fls. 56/59).A autoridade coatora prestou suas informações (fls. 68/69).O Promotor de Justiça opinou pelo deferimento da ordem.Sentenciando, o Togado a quo concedeu em definitivo a segurança pleiteada, declarando nulo o atode suspensão da impetrante.Sem recurso voluntário mas por força da remessa obrigatória, ascenderam os autos a esta SuperiorInstância.A douta Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo desprovimento da remessa.É o relatório.Imerece reparo a sentença em apreço. Senão vejamos.Observa-se – principalmente pelos termos das informações – que não houve instauração dequalquer procedimento administrativo com o fim de apurar ocorrência de falta funcional, nãoconferindo à impetrante, consequentemente, oportunidade de defesa.A Lei Municipal n. 41/93 (fls.14/54), que trata do regime jurídico dos servidores da municipalidadede Santa Terezinha, prescreve que seja instaurada sindicância para casos de punição de suspensãoaté trinta dias (art. 120).Descumpriu-se, portanto, regra particular de legalidade do ato administrativo impugnado, quanto asua parte vinculada, requisito de operacionalidade, que era a instauração de sindicância paraaveriguar a falta funcional da espécie.A falta de sindicância impediu, consequentemente, que se assegurasse à impetrante o direitoconstitucional ao contraditório e ampla defesa, o que resta por macular, irremediavelmente, o atopunitivo da autoridade.Cumpre notar, ainda, que todo ato administrativo – com apenas exceções legais – deve serobrigatoriamente motivado, sob pena de ser inválido, mormente quando impositivo de penalidade.Tal dever é corolário do princípio da MORALIDADE ADMINISTRATIVA que permeia,modernamente, toda a Administração Pública, ao exigir a fundamentação dos seus atos, quepermitam apurar a probidade e a transparência de sua atividade administrativa, tornando possível aimpugnação direta, frente a motivação apresentada.No caso presente, afere-se que o ato punitivo suspensivo da autoridade coatora (fl. 8) apenas indicaos artigos da Lei Municipal nos quais afirma ter incorrido a impetrante, sem, contudo, demonstrarou mesmo justificar os fatos funcionais ensejadores da punição, ou mesmo a apuração de sua efetivaocorrência.Não basta indicar os dispositivos violados, mister é demonstrar os motivos, devidamentefundamentados, que, mesmo assim, só produzirão efeitos – os atos administrativos assim elaborados– se corresponderem verdadeiramente aos fatos sucedidos. É o que reza a hodierna teoria dosmotivos determinantes.Diante do exposto, nega-se provimento à remessa oficial.Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Des. Silveira Lenzi, e participaram do mesmo, com votosvencedores, os Exmos. Srs. Des. Cláudio Barreto Dutra e Vanderlei Romer, e lavrou parecer,

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pela douta Procuradoria Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Raulino Jacó Bruning.Florianópolis, 22 de abril de 1998.Eder GrafPRESIDENTE PARA O ACÓRDÃOSilveira LenziRELATOR