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A BIZZ E A EXPLOSÃO DO ROCK NACIONAL EM UM CONTEXTO DE
TRANSFORMAÇÕES NA INDÚSTRIA CULTURAL BRASILEIRA
FERNANDO DE CASTRO ALÉM*
O início da década de 1980 marcou a explosão do rock nacional junto à indústria
cultural brasileira, e é neste contexto que surgiu a Bizz. Lançada em agosto de 1985 pela
Editora Abril, de propriedade de Vitor Civita, a revista se transformou na publicação impressa
mais importante do gênero no período. Bia Abramo, jornalista colaboradora da revista e
editora assistente entre os anos de 1986 e 1989, afirmou em documentário sobre a Bizz que
“existia uma inquietação muito grande, cultural e nesse período né, coincide não só o Rock in
Rio, mas é né, o período da abertura política” (Bizz – jornalismo, causos e rock and roll,
2012).
A Bizz surgiu inspirada em publicações do gênero que circulavam no Reino
Unido, na década de 1970. José Augusto Lemos, o jornalista contratado pela Editora Abril
para formular o modelo da revista, havia morado na Inglaterra no período, e de lá trouxe uma
visão que pudesse modelar a publicação em um formato mais próximo do que estava
acontecendo em termos de indústria cultural na Europa (Bizz – jornalismo, causos e rock and
roll, 2012).
José Augusto Lemos, na entrevista à rádio Lúmen FM de Curitiba, afirmou que,
quando morou na Escócia entre 1971 e 1974, mergulhou de cabeça no universo pop,
tornando-se leitor assíduo dos semanários britânicos Melody Maker e New Musical Express.
Esses jornais foram uma forte influência, segundo Lemos, na concepção da Bizz. Nesta, em
seu projeto original, não havia espaço para crítica aos artistas, e José Augusto conseguiu
colocar esse componente na revista. A diferença da Bizz, segundo Lemos, era que a mesma
tinha que englobar todo o universo da música pop, de Madonna a Iron Maiden, e as
publicações do Reino Unido eram mais específicas (LEMOS, 2015).
Ou seja, houve o enquadramento da ideia planejada inicialmente a uma fórmula, a
um estilo que vigorava no centro da indústria cultural da música, e que deveria servir de
influência para que a revista brasileira ganhasse uma linguagem que pudesse atrair o público
jovem. Sobre esta colocação, Adorno e Horkheimer afirmam:
2
__________________________ *Mestre em História pela Universidade Federal da Grande Dourados (FCH/UFGD).
Doutorando em História pela mesma Instituição.
Bolsista de doutorado da CAPES.
A compulsão do idioma tecnicamente condicionado, que os astros e os diretores têm
de produzir como algo de natural para que o povo possa transformá-lo em seu
idioma, tem a ver com nuanças tão finas que elas quase alcançam a sutileza dos
meios de uma obra de vanguarda, graças à qual esta, ao contrário daquelas, serve à
verdade. A capacidade rara de satisfazer minuciosamente as exigências do idioma da
naturalidade em todos os setores da indústria cultural torna-se padrão de
competência. O que e como dizem deve ser controlável pela linguagem cotidiana,
como no positivismo lógico. Os produtores são especialistas. O idioma exige a mais
espantosa força produtiva, que ele absorve e desperdiça. Ele superou satanicamente
a distinção própria do conservadorismo cultural entre o estilo autêntico e o estilo
artificial. Artificial poder-se-ia dizer um estilo imposto de fora às potencialidades de
uma figura. Na indústria cultural, porém, os menores elementos do tema tem origem
na mesma aparelhagem que o jargão no qual é acolhido (ADORNO;
HORKHEIMER, 1985, p. 106/107).
Portanto, a Bizz foi concebida a partir da explosão do rock nacional na indústria
cultural brasileira, de um mercado consumidor que se consolidou na década de 1980, cujos
diretores vislumbravam um sucesso comercial. Partindo para empreitada, os responsáveis pela
elaboração e criação da revista conceberam seu projeto a partir de um ponto de partida – a
indústria cultural que se configurou, e sua concepção se deu a partir da tensão entre a visão de
mundo dos responsáveis por sua criação, além de suas estratégias, e pelas fórmulas impostas
pelo mercado editorial utilizadas reiteradamente pelos proprietários da Editora Abril,
experientes no metier1.
Segundo Roger Chartier, o objeto fundamental de uma história que visa
compreender as estratégias que dão sentido à realidade social dos indivíduos reside na tensão
entre as próprias estratégias, ações e práticas das pessoas no mundo social e o sistema de
normas, regras, leis impostas por quem tem o poder de impô-las (CHARTIER, 2002, P. 84).
Portanto, a Bizz, nasceu a partir da tensão entre os agentes envolvidos no interior da editora,
suas estratégias empregadas, suas ações e sistemas de normas, em que aqueles que puderam
impor uma fórmula editorial assim fizeram, porque tiveram o poder de estabelecer dessa
forma.
Ainda segundo Chartier, fazendo uma analogia com as publicações impressas, as
obras de arte e as produções estéticas não são universais, estáveis, imóveis. Sua concepção é 1 Ofício, ocupação.
3
fruto de uma negociação entre a subjetividade de quem a compõe, da sua forma em si
carregada de valores individuais, com as normas e condutas impostas por quem tem o poder
de impor essas normas. De acordo com o autor:
Em consequência, o objeto fundamental de uma história que visa a reconhecer a
maneira como os atores sociais dão sentido a suas práticas e a seus discursos parece
residir na tensão entre as capacidades inventivas dos indivíduos ou das comunidades
e, de outro lado, as restrições, as normas, as convenções que limitam – mais ou
menos fortemente de acordo com sua posição nas relações de dominação – o que
lhes é possível pensar, enunciar e fazer. A constatação vale para uma história das
obras letradas e das produções estéticas, sempre inscritas no campo das
possibilidades que as tornam imagináveis, comunicáveis, compreensíveis
(CHARTIER, 2002, p. 91).
Em seu número 1, de agosto de 1985, em editorial escrito pelo próprio Victor
Civita, ressaltou-se a importância de um veículo de música pop, a partir da consolidação de
um mercado consumidor de rock e cultura pop no Brasil:
O aumento de público nos shows e nas danceterias, a proliferação dos programas de
videoclipes e a recuperação da indústria de discos deixaram clara a necessidade da
criação de uma nova publicação que andasse junto com a música e a imagem em
suas mais diversas manifestações. Para isto nós fizemos a Bizz. Para acompanhar
todos os movimentos ligados à música jovem, aqui e lá fora. Com informação séria e
detalhada, em coberturas de shows e reportagens, e opinião equilibrada, em colunas
e seções que vão manter você em sintonia. Bizz, como você vai ver nas páginas
seguintes, é vitalidade, garra e antenas ligadas. É uma revista feita para você
divertir-se muito e estar sempre bem informado a respeito da música pop mundial
(BIZZ, n° 1, p. 7).
A Bizz chegou a ter mais de 120 páginas, o que demonstrava seu vigor como
publicação importante para o mercado segmentado de impressos voltados para a música pop,
com uma robusta pluralidade de quadros que apresentavam matérias das mais diversas,
garantindo espaço para artistas do mainstream mundial, sem deixar de lado aqueles que
estavam surgindo no cenário nacional e internacional, e até mesmo no interior da cena
independente brasileira. Quanto à música brasileira, no início da revista, a tônica é o rock
nacional, reservando algum espaço para os medalhões da MPB, como Caetano, Gil, Jorge
Ben, entre outros.
Já a partir do seu terceiro ano de veiculação, o ano de 1987, pode-se perceber
que houve a busca de novos estilos musicais para além do rock nacional, momento em que a
4
revista se transformou em canal de divulgação, também para o samba carioca, o afoxé e ijexá
(ritmos executados na Bahia de origem africana), o rap brasileiro, a soul music2, além do
início de uma renovação na MPB e do retorno da música considerada brega. A Bizz
acompanhou uma tendência no interior da própria indústria cultural, de diversificação de
ritmos musicais a tocar nas rádios. Além disso, a nível mundial e a partir do final dos anos 80,
a revista passou a publicar matérias sobre a emergência da chamada world music3.
Os leitores passam a entrar em contato com artistas que não tinham espaço em
momentos anteriores, como Bezerra da Silva, Fundo de Quintal, Chiclete com Banana, Luís
Caldas, Araketu, Reflexus, Ed Motta, Marisa Monte, entre outros que não dialogavam com a
Bizz, processo que se aprofundou com a transformação em ShowBizz em 19954. Além disso, a
revista publicava constantemente as visitas dos astros da world music ao Brasil para entrar em
contato com a música brasileira em suas variadas vertentes, buscando fundi-la ao universo
pop. Portanto, a Bizz se sentiu obrigada a seguir nada mais que uma premissa já estabelecida
desde sua origem: englobar todo o universo da cultura pop presente na indústria cultural.
Em sua primeira edição, de agosto de 1985, a Bizz possuía 77 páginas em papel
off-set, em tamanho de 26,5 cm por 20 cm. Com o passar das edições, esse número de páginas
vai aumentando, chegando a 120. Era uma publicação muito colorida, aspecto este
relacionado ao fato de ser voltada ao público jovem. Mas há outra fatia de público que
também era explorado pela revista, a dos músicos e amantes de música e equipamentos.
Por isso uma grande diversidade de propagandas. Havia propagandas de moda
jovem, de instrumentos musicais, equipamentos eletrônicos e de sonorização,
microcomputadores, revistas de cifras de músicas, além de anúncios promocionais de rádios
2 Música do espírito na tradução literal, gênero musical nascido nos Estados Unidos no final da década de 1950,
a partir da fusão do rhythm and blues, subgênero do blues predecessor do rock, com o gospel, música religiosa
protestante estadunidense. A princípio, esteve identificada com o público afro-americano. Os artistas referenciais
nos Estados Unidos da soul music são James Brown, Steve Wonder e Ray Charles, enquanto no Brasil seu
principal representante é Tim Maia. 3 Música do mundo na tradução literal, estilo musical marcado pela utilização de instrumentos não
convencionais à musica anglo-saxônica, e pela fusão desta com ritmos de matriz africana, latino-americana e
asiática, realizada desde a década de 1960. A partir dos anos 80, celebridades da música pop mundial, como
Peter Gabriel, Sting e David Byrne – vocalista do Talking Heads -, convidavam artistas sul-africanos,
brasileiros, peruanos, filipinos, entre outras nacionalidades, para participar de suas produções, na busca de uma
sonoridade mundial, no sentido de fazer ressoar de forma mundial gêneros musicais nascidos em outros
continentes e nações. 4 A partir de outubro de 1995, a Bizz se transformou em ShowBizz, assunto que será tratado no próximo capítulo
desta tese.
5
FM, de outras publicações da Abril voltadas para o público jovem – como a Capricho, revista
consumida pelas adolescentes -, e de bebidas. Mas a principal fatia de publicidade da revista
era dedicada às grandes gravadoras nacionais e multinacionais. Porém também havia espaço
para os selos independentes.
Sobre os aspectos materiais, Tânia Regina de Luca chama atenção para a
importância destes na análise histórica. Para a pesquisadora, o historiador de impressos deve
refletir sobre quais motivos levaram o acontecimento a ser noticiado, e porque tal notícia teve
mais relevância em detrimento de outras. Inclusive os procedimentos tipográficos e de
ilustração que cercam o periódico são elementos importantes na composição de seus
discursos. A linguagem escolhida, a ênfase em certos temas em detrimento de outros, também
estão relacionados ao público que a revista pretende atingir. Jornais e revistas são
empreendimentos coletivos, que agregam pessoas em torno de projetos e ideias que se deseja
difundir. Portanto, para a autora:
Daí a importância de se identificar cuidadosamente o grupo responsável pela linha
editorial, estabelecer os colaboradores mais assíduos, atentar para a escolha do título
e para os textos programáticos, que dão conta de intenções e expectativas, além de
fornecer pistas a respeito da leitura de passado e de futuro compartilhada por seus
propugnadores. Igualmente importante é inquirir sobre suas ligações cotidianas com
diferentes poderes e interesses financeiros, aí incluídos os de caráter publicitário. Ou
seja, a análise da materialidade e do conteúdo é preciso acrescentar aspectos nem
sempre imediatos e patentes nas páginas desses impressos (LUCA, 2005, p. 140).
Aqui não podemos deixar de fazer uma reflexão sobre a verba publicitária advinda
das gravadoras, estampando seus principais lançamentos da música pop e do rock tanto
nacional quanto internacional. Isso garantia um peso maior aos lançamentos da indústria
fonográfica na revista. Mas esses espaços para os lançamentos de álbuns das gravadoras não
estavam apenas circunscritos à publicidade. Havia uma análise criteriosa de todos os
lançamentos.
Os discos que eram lançados tinham espaço na seção Lançamentos, que depois se
transformou em Discos. Eram produzidas resenhas pelos colaboradores que escreviam suas
impressões sobre os lançamentos, bem como dos álbuns importados das estrelas da música
pop internacional. Além disso, todo mês eram publicadas entrevistas com artistas do
mainstream que acabavam de lançar seus discos, sem contar a seção Bolsa de Discos, onde
6
havia uma avaliação dos colaboradores – como ótimo, bom, interessante, razoável e fraco –
sobre os lançamentos fonográficos.
É importante afirmar também que, desde sua existência até seu fim em 2001,
houve mudança no aporte gráfico da revista. Foram várias as transformações em seu layout,
que pudessem torná-la mais atraente ao leitor, além da alteração de posição no interior da
revista de algumas seções, como a Show5, que até 1989 figurou no final da revista, passando
para seu início; ou a seção Parada do Leitor (LPs)6 que aparecia no início da revista,
passando para o final em 1989, quando da primeira mudança gráfica.
Para finalizar sobre os aspectos materiais da revista, não podemos esquecer que se
tratou de um projeto coletivo tocado por homens e mulheres, a partir de um objeto – a música
pop e o rock nacional e internacional -, levando-se em consideração as premissas colocadas
por quem tinha o poder de impô-las – chefia de redação e direção jornalística -, e que davam
direcionamento e sentido ao projeto, apontando o caminho que deveria ser seguido pelos
jornalistas colaboradores contratados para dar materialidade à Bizz.
Segundo a jornalista Sônia Maia, colaboradora da revista entre 1985 e 1989, em
seu depoimento ao documentário Bizz – jornalismo, causos e rock and roll (2012), a ideia da
criação da Bizz partiu de Carlos Arruda, vice-presidente de marketing e propaganda da
Editora Abril. Conforme já apontamos acima, a publicação foi pensada seguindo os
parâmetros jornalísticos das revistas especializadas em rock and roll que circulavam nos
Estados Unidos e Europa. O depoimento de Alex Antunes, jornalista colaborador da Bizz, no
mesmo documentário, aponta também nesta direção. Segue abaixo a transcrição:
Eu fazia parte duma turma, como Tomas Pappon, Celso Minhoca Pucci, Bia
Abramo né, e todos nós fomos um a um indo parar na redação. Agora o cara que
levou todo mundo pra lá e que não era dessa turma foi o Zé Augusto Lemos, o
Scotch, que é exatamente o cara que faz a transição do projeto do Carlos Arruda e do
Zé Eduardo Mendonça pra uma concepção mais detalhada né, e mais ligada a uma
visão do que tava acontecendo na gringa. O Scotch é conhecido como Scotch porque
ele tinha morado no Reino Unido que é de onde ele trouxe a informação de
primeiríssima mão (BIZZ – jornalismo, causos e rock and roll, 2012).
A partir disso, foram sendo convidados aqueles que formularam os textos e
discursos da revista, os jornalistas colaboradores, o que não eximia José Augusto Lemos e 5 Nesta seção, os jornalistas faziam uma resenha do show do artista, nacional ou internacional. 6 Seção em que a revista apontava os discos mais ouvidos a partir das cartas enviadas pelos leitores.
7
José Eduardo Mendonça de escrever no interior da revista. Lemos afirma que iniciou na
redação da Bizz em abril de 1985, e que quando chegou já havia uma equipe formada. Carlos
Arruda era o diretor, José Eduardo Mendonça era o editor chefe, José Emílio Rondeau,
jornalista que já trabalhava há algum tempo com crítica musical, era o editor no Rio de
Janeiro, e Lemos foi contratado para ser o editor em São Paulo. Nesse momento inicial, havia
apenas duas repórteres, Luisa de Oliveira e Sônia Maia. Lemos foi em busca de colaboradores
concatenados ao circuito alternativo. Foi lá que encontrou Alex Antunes na publicação Spalt,
fanzine7 patrocinado pelo selo de música independente Wop-Bop8. De lá vieram não só
Antunes, mas também Thomas Pappon e Bia Abramo, além de Celso Pucci, este advindo da
ECA – Escola de Comunicação de Artes – da USP. Com a saída de José Eduardo Mendonça
em abril de 1986, José Augusto Lemos assumiu a direção da Bizz, e Alex Antunes foi
contratado para ser o editor da revista em São Paulo.
Pepe Escobar, Maurício Valladares, Thomas Pappon, Leopoldo Rey, Marcos
Smirkoff, Silvano Michelino e Marco Antônio de Menezes, são os jornalistas que produziram
as primeiras matérias e resenhas na revista, juntamente com os citados acima. Logo depois,
outros foram sendo incorporados, como Marcel Plasse, Ana Maria Bahiana (esposa de José
Emílio Rondeau), Hagamenon Brito, Antônio G. Couto Duarte, Lorena Calábria, Jimi Joe,
Carlos Miranda, André Forastieri, entre outros. Conforme a Bizz vai tomando amplitude,
ganhando reverberação junto ao público leitor, foi aumentando o número de páginas e
ganhando novos colaboradores.
Além disso, era muito comum as edições virem acompanhadas de publicações
extras, além de posters9 com fotos e textos contendo a biografia e a discografia de astros da
música pop internacional. Eram publicadas biografias e discografias de vários artistas em
publicações extras, como a Ídolos do rock, que trazia também adesivos da Tina Turner, Duran
Duran, Iron Maiden, Paralamas do Sucesso, Dire Straits, Ultraje a Rigor, Madonna, entre
outros. A primeira foi veiculada em abril de 1986.
7 Revista editada por fãs. 8 Gravadora independente que atuava em São Paulo. Tais gravadoras eram chamadas também de selos, sendo
responsáveis pelo lançamento de artistas considerados alternativos. 9 Publicações extras no interior de revistas diversas, contendo a fotografia de um ídolo, podendo ser destacadas e
coladas na parede, para deleite do fã.
8
Outra publicação extra que fazia muito sucesso era a Letras Traduzidas, que
conforme o nome já indicava, era uma seção de tradução das letras dos artistas do mainstream
internacional. Sobre esta edição extra, José Augusto Lemos afirma que ela foi criada devido
ao pedido dos leitores. Segundo Lemos, chegavam pilhas de cartas à redação da Bizz, de
leitores solicitando a tradução das letras de seus ídolos. Na revista, já havia uma seção de
letras traduzidas, A Top Hits, porém não era suficiente para atender à demanda solicitada
pelos leitores. Interessante apontar também que, a partir disso, a importância que é dada ao
consumidor da revista, pelo fato de se manter um serviço de atendimento ao leitor, tanto pelo
telefone quanto através do recebimento de cartas (LEMOS, 2015).
Nas edições de aniversário da revista, sempre em julho, aumentava o número
de entrevistas e de matérias. A edição n° 24, de julho de 1987, devido ao aniversário, foi
dupla. Outro detalhe interessante, são os flexidiscs10 que vinham de presente nas edições da
Bizz. veiculando artistas dos mais diversos, prática esta ocorrida durante quatro meses do ano
de 1988. Na edição de maio de 1989, outra edição com um extra: desta vez, um diário de
bordo sobre a turnê da banda norueguesa A-Ha no Brasil. A jornalista Marisa Adán Gil foi
escalada para acompanhar o grupo durante sua vinda para o país. O mesmo já havia ocorrido
quando da vinda do The Cure, com a revista publicando uma edição extra em março de 1987.
Havia também, no interior da Bizz, as reportagens sobre os lançamentos no mundo do cinema,
onde era publicada uma resenha de cada filme escrita por Alex Antunes. Mais tarde, foi criada
a revista Set, revista especializada em cinema, nascida do interior da Bizz e dirigida pelo
próprio Antunes (LEMOS, 2015).
Quanto às seções no interior da Bizz, praticamente não houve mudanças
substanciais nestas entre 1985 e 1989. Foram seções que estiveram presente em todas as
edições da revista, desde sua primeira veiculação em julho de 1985 até dezembro de 1989,
como a Showbizz, seção pautada pelos acontecimentos no mundo da música, que podiam ser
musicais ou mesmo fofocas das mais diversas; a Parada do Leitor, seção que apresentava os
álbuns preferidos dos leitores da Bizz, que enviavam suas cartas à redação. Também eram
apresentadas as colocações nas paradas de sucesso da Inglaterra e Estados Unidos; Ao vivo,
10 Vinil em formato mini, que vinha anexo em revistas das mais diversas, como brinde aos consumidores. Um
detalhe interessante: esses flexidiscs eram mais finos que os vinis convencionais, por isso não tocavam com
eficiência nos toca discos. A solução encontrada era colocar uma moeda sobre o mini vinil para aumentar o atrito
com o toca discos e tocá-lo na rotação correta.
9
que antes da primeira mudança gráfica chamava-se Show, seção em que os jornalistas eram
escalados para assistir e publicar suas impressões dos shows de artistas do mainstream e do
underground.
Havia também a seção Lançamentos, que se chamava anteriormente Discos, onde
eram publicadas resenhas críticas dos principais lançamentos fonográficos do mês; Bolsa de
Discos, avaliação feita pelos colaboradores sobre alguns lançamentos, em que eram apontados
juízos de valor – ótimo, bom, interessante, razoável e fraco -, todos com diferentes caricaturas
simbolizando cada uma das avaliações; Letras, com a tradução da letra de uma canção de
sucesso de um artista internacional; Cartas & Serviços, que anteriormente se chamava Cartas,
espaço dedicado aos leitores da Bizz para reclamações e elogios sobre as matérias, além de
servir para reunião de fãs clubes e vendas de instrumentos e equipamentos eletrônicos. E
sempre fechando a revista, a seção preferida de muitos colaboradores, a Discoteca Básica,
que trazia uma resenha de um álbum clássico do rock ou da MPB.
Fora as entrevistas exclusivas com os artistas do mainstream e com os
independentes do rock nacional, quando estavam lançando um novo disco; além das
entrevistas com artistas de outros estilos, mais constantes quando o rock nacional começou a
deixar os primeiros lugares nas paradas de sucesso; as matérias especiais sobre a história de
algum medalhão do rock; além das reportagens sobre os diversos artistas e grupos
internacionais de passagem pelo Brasil.
Tais publicações garantiram a legitimidade de uma premissa básica da revista: dar
conta de veicular tudo aquilo que era sucesso no interior da música pop e do rock naquele
momento, ao publicar no interior da mesma edição, como afirmou José Augusto Lemos, de
Madonna a Iron Maiden, sem deixar de lado o que acontecia também na cena independente.
Sobre este ponto, é interessante afirmar que boa parte dos jornalistas
colaboradores atuavam nestas bandas, bem como José Augusto Lemos, o jornalista que
concebeu a revista. Lemos era vocalista e guitarrista do grupo paulistano Chance, além de
atuar como produtor do primeiro disco do Vzyadoq Moe; Alex Antunes era vocalista do Akira
S & As Garotas Que Erraram; Thomas Pappon era baixista do Fellini, além de atuar como
baterista do Smack e do Voluntários da Pátria; Carlos Eduardo Miranda atuava nas bandas
gaúchas Atahualpa, Fanzine e Urubu Rei, como vocalista, tecladista e arranjador, quando
possuía a alcunha de Gordo Miranda.
10
Quanto à organização da pauta da revista Bizz, a entrevista de José Augusto
Lemos à rádio Lumen de Campinas é interessante no sentido de demonstrar a força das
grandes gravadoras multinacionais na composição da revista. As mesmas enviavam os
lançamentos fonográficos para a Bizz, e no interior da redação se discutia qual artista merecia
ganhar a capa. Segundo Lemos:
A pauta da revista Bizz, uma missão jornalística, prioridade de toda a publicação
musical, colocar o leitor em dia ao que vinha sendo lançado pelas gravadoras. Boa
parte da revista era feita em cima dos lançamentos programados pra aquele mês. Um
mês e meio, dois meses antes da revista ir pra banca, a gente sentava com a pauta, a
lista que eles iam lançar aquele mês. Dependendo da importância ou da
popularidade, a gente escolhia qual eram os artistas que teriam uma entrevista, uma
reportagem, qual seria a capa, normalmente o mais popular tinha a capa (LEMOS,
2015).
Portanto, a relação entre a revista Bizz e as grandes gravadoras multinacionais era
fundamental para compreender como a revista era construída. Importante dizer que, mesmo
com a influência das gravadoras nas pautas das matérias sobre os lançamentos da indústria
fonográfica, a revista não se furtava em realizar uma análise criteriosa dos álbuns lançados,
momento em que um rigoroso pente fino era realizado, e as críticas eram em sua maioria
negativas. Isso gerava uma tensão na relação entre as gravadoras e a redação da revista, com
as primeiras ameaçando suspender verbas publicitárias destinadas à Bizz, o que nunca
aconteceu, conforme relatado por José Augusto Lemos (LEMOS, 2015).
A revista era mais do que apenas um produto a ser integrado no universo do rock,
em um momento de explosão do estilo no Brasil. A aposta da indústria fonográfica e as
excelentes vendagens de discos de grupos de rock brasileiro no período, a transformação de
jovens músicos em astros, a criação do megafestival Rock In Rio pelo empresário Roberto
Medina também em 1985, além da constante aparição dos artistas em programas de televisão
como Xou da Xuxa, Cassino do Chacrinha, Programa do Bolinha, entre outros, atestam a
potência do rock nacional na indústria cultural brasileira na década de 80, e a Bizz apareceu
para dar publicidade a esta explosão, e além disso, garantir sua imparcialidade mesmo
sofrendo pressão das gravadoras a partir da independência editorial que sua equipe gozava,
não se limitando a apenas divulgar os discos lançados, mas analisá-los, destrinchá-los,
11
proporcionando ao público leitor as impressões da crítica especializada sobre o que estava
sendo veiculado no universo da música pop e do rock do período.
A Bizz era um produto que dava lucro para a Editora Abril, e este fator foi
decisivo para a autonomia editorial da equipe que produzia os textos. Segundo José Augusto
Lemos em depoimento à comunidade Bizz Clássica da rede social Facebook11. A revista,
quando lançada, era considerada inviável inclusive pelo dono da Editora Abril, Roberto
Civita, cuja ideia mudou a partir da influência de seu pai, Vitor Civita. Sua visão
empreendedora pautada pela enorme experiência na segmentação do mercado editorial, foi
fundamental para a viabilização de uma publicação voltada para o público jovem amante da
música pop e do rock, segmentação esta que não tinha dado muitos frutos ao mercado de
revistas brasileiro até então. Antes de ser contratado pela Bizz, José Augusto Lemos escrevia
na coluna Ilustrada do jornal Folha de São Paulo. Seu diretor na coluna, Marcos Augusto
Gonçalves, era outro que também não acreditava na publicação. Marcos disse a Lemos que
“essa revistinha não vai durar nem quatro meses” (LEMOS, 2015).
A revista tinha que ser atraente ao leitor para ser veiculada. Para se viabilizar,
deveria vender no mínimo 60 mil cópias, o que já aconteceu no número de estreia. Na
segunda edição, com Madonna na capa, a publicação vendeu 80 mil cópias. Segundo Lemos,
em entrevista à rádio Lúmen de Curitiba:
A revista mãe vendia, em média, entre 50 e 60 mil exemplares por mês, atingindo
picos de 100 mil, não muito mais do que isso (acho que o recorde foi, pasmem, a
capa do Faith No More: 104 mil). As pesquisas de mercado revelavam que a Bizz
tinha um público fiel de cerca de 40 mil leitores predominantemente masculinos. Os
picos de vendagem eram atingidos quando conseguíamos atrair o público feminino,
normalmente nos valendo de capas com astros como Axl Rose, Paulo Ricardo, Bon
Jovi etc. Tentando fazer essas minas ficarem conosco, criei a seção Estilo Bizz, não
exatamente de moda, mas pra ilustrar historicamente como a música pop
influenciara o jeito da juventude se vestir (LEMOS, 2015).
Nem só a Bizz, mas todas as publicações ao redor da revista, eram de muito
sucesso em termos de venda, apesar das apostas iniciais ao contrário. Pela primeira vez na
história da segmentação de revistas de música no Brasil uma publicação conseguiu se manter
11 Página do Facebook construída por um fã, destinada aos demais fãs, para que sejam realizadas postagens
relativas ao conteúdo da revista Bizz, bem como informações relativas aos artistas que eram notícia no período
de circulação da publicação.
12
vigorosa no mercado durante tanto tempo. Para as gravadoras, a Bizz era uma aposta, pois até
a seção de críticas aos lançamentos de discos das mesmas gravadoras eram bem vindas, pelo
fato desta ser responsável na formação de um público consumidor de rock, portanto
consumidor de discos, segundo Lemos.
Uma aposta editorial muito feliz no período, impulsionada pelo fato de o Brasil ter
se transformado em um circuito do rock mundial, fator materializado na primeira edição do
Rock In Rio, além do fenômeno da explosão do rock nacional na indústria cultural brasileira,
momento em que jovens músicos se transformaram em celebridades no mundo da música.
José Augusto Lemos e equipe conseguiram vender a ideia, propondo uma publicação que
fosse a mais ampla possível em termos de estilos dentro do universo da música pop, com
ênfase no rock. Não foi uma publicação que apenas serviu para divulgação de artistas de
gravadoras, mas que para além disso, realizou uma análise de fato do trabalho desenvolvido
por estes artistas, e em virtude desta crítica, gerava dois movimentos contraditórios, de
conflito e tolerância, entre gravadoras e artistas na relação com a revista.
Importante apontar que aos artistas da cena alternativa da música pop brasileira
também não faltou espaço na revista, fator impulsionado por haver uma forte cena
independente nas maiores cidades do país. Seria uma espécie de aposta da revista em futuros
possíveis sucessos, porém nenhuma destas bandas adentrou ao mainstream. Conforme
apontamos, havia muitos membros da equipe de redação da Bizz tocando nessas bandas, o que
de certa forma facilitava a divulgação dos trabalhos das mesmas, e estes trabalhos serviam de
contraponto aos desenvolvidos pelos grupos que faziam sucesso na mídia.
A revista entendeu este processo, e passou a diversificar o leque de artistas disponíveis
em suas publicações, dialogando com quem antes não dialogava, gente que se destacava na
indústria advinda de outros estilos, como o soul, o rap, o samba, entre outros, mesmo assim
sem eximi-los da análise criteriosa de seus trabalhos, premissa básica da Bizz, fator que
também mantinha uma relação de via dupla entre a revista e estes artistas e as gravadoras que
os contratavam, relação esta que permeava o conflito e a tolerância, mas que nunca foi
interrompida, devido à excelente receptividade da Bizz junto ao público consumidor no
período.
13
Referências bibliográficas:
ADORNO, Teodor W., HORKHEIMER, Max. A indústria cultural: o esclarecimento como
mistificação das massas. In _________________. Dialética do esclarecimento: fragmentos
filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1985. p. 57-79.
BOURDIEU, Pierre. O mercado de bens simbólicos. In ______________________. A
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