A Casa do Penhasco - Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

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  • 8/7/2019 A Casa do Penhasco - Vera Lcia Marinzeck de Carvalho

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    A CASA DO PENHASCOVera Lcia Marinzeck de Carvalho

    Romance do Esprito Antnio Carlos

    Anglica olhou as caixas, malas e roupas que estavam em cima da cama e suspirou."Como mudana d trabalho!" Teve vontade de cobrir o enorme espelho da penteadeira,

    mas no o fez."Posso no me ver no espelho, mas as pessoas me vem" - pensou.Preferia lembrar de sua imagem antes, com os cabelos louros avermelhados, lisos, macios

    e compridos. Balanou a cabea."Eles crescero de novo!" - Falou baixinho.Escutava muito isso e ansiava por t-los novamente. Mas o que importava, o que doa, era

    que naquele momento ela no os tinha. A peruca a incomodava, por isso usava leno na cabea,tinha-os de diversas cores, sua me os comprara. Mas, mesmo muito vaidosa, estar sem cabelos no

    era o pior. No podia nem lembrar dos enjos, vmitos, da fraqueza ter terrvel que sentia aps omedicamento."Ficarei curada! Ser?" - Balbuciou, estranhando a prpria voz."R, r, r, moa careca! Que feio!" Disse rindo algum que era invisvel mocinha, mas

    ela sentiu a vibrao, passou a mo pela cabea e sussurrou: "Se algum me vir assim ir rir." AMudana Colocou o leno. Teve a impresso de que tinha algum atrs dela e virou-se, no viuningum. Uma gaveta que acabara de fechar estava aberta.

    "Que coisa! Fechei-a, tenho certeza!" - E a fechou com fora."R, r, r..." Teve a impresso de que algum rira.- Anglica! - Gritou seu irmo, Henrique, entrando no quarto.- Voc me assustou! Isso so modos de entrar no quarto? - Resmungou a mocinha.- Desculpe-me, no queria assust-la. Vim ver se precisa de ajuda. Gostou da casa? Dos

    mveis novos? Seu quarto est bonito! - Gostei de tudo! Sempre quis ter um quarto s para mim -expressou Anglica.- Esta casa tem muitos quartos, todos grandes. A sute para papai e mame, o quarto da

    Fabiana, o seu, ainda outro para hspede e o meu, que tambm grande e bonito. Foi um achadoesta casa, voc no acha? - E ainda no longe da cidade - falou Anglica.

    - So quinze quilmetros. Na outra cidade em que morvamos a escola ficava a trintaquilmetros. Voc vai gostar daqui, maninha, O ar to puro! Mas voc resmungava quando entrei.O que foi? - Tinha a certeza de que fechei a gaveta, virei e ela estava aberta.

    - Xi, no sei no, no queria falar, mas... - Henrique fez uma cara de suspense.-Agora fale! - Fantasmas, creio que nesta casa tem fantasmas.- Ora, Henrique! No venha com besteira. Voc acredita nisso? - No sei! No acreditava,

    mas agora j no sei. Anglica, vamos analisar. Papai alugou esta bela casa, neste lindo lugar, perto

    da cidade e do mar, s descer o morro e temos praias lindas dos dois lados, por um preo baixo. Aimobiliria alegou que o dono queria uma famlia para morar e no para temporada, como sealugam muitas casas por aqui. No d para desconfiar de que tem algo estranho? Desde que viemospara c tenho visto e ouvido coisas inexplicveis, barulhos esquisitos, parece ronco, no seiexplicar o que seja. Bem, deixemos isso para l, estou contente porque voc veio e gostou daqui, eutambm estou gostando. A escola boa e j fiz amigos. E olhe a minha cor, de ir praia.

    Anglica olhou para o irmo enquanto ele falava. Henrique era bonito, tinha quatorze anos,era forte e alto para sua idade, mas ainda o sentia como criana, seus cabelos eram como os dela,avermelhados, olhos grandes e olhar esperto. Ele viera antes com o pai, Roberto; a me, Dinia,

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    tinha ficado com ela no hospital. Quando teve alta ficou na casa da av e a me veio. S quandosentiu-se bem que veio, isso na tarde anterior. Estava arrumando seus pertences no enorme quarto.

    - De fato a casa bonita! A Casa do Penhasco! - Exclamou Anglica.- Como sabe o nome dela? - Indagou Henrique.- Li a placa da entrada - disse rindo a mocinha.- Vamos descer, Anglica, deixe para arrumar isso depois, quero lhe mostrar os dois

    cachorros que papai comprou para mim.- Ento ganhou cachorros? Realizou seu sonho - falou rindo a irm.- Aqui perfeito, ou quase, espero que o fantasma no atrapalhe.Henrique pegou na mo da irm e saram rindo. Algum que os observava resmungou:

    "No quero ningum nesta casa, se tenho de ficar aqui, que seja sozinho!" E a porta do quarto bateucom fora.

    - o vento! - Exclamou Anglica.- Mas no est ventando... - Falou Henrique.- Vamos ver seus cachorros! Anglica arrepiou-se, tentou continuar sorrindo, no quis dar

    ateno ao fato de a porta ter batido nem aos arrepios, queria participar do entusiasmo do irmo efoi com ele ver os cezinhos.

    Henrique havia feito um cercado do lado direito da casa, fez um canil para os dois filhotes.

    Anglica os achou lindos, pegou-os.- Que bonito, Henrique! Que animais lindos! Levantou a cabea e olhou, a casa era to

    majestosa, no meio das pedras e da vegetao.Era um sobrado pintado recentemente de branco e azul, com vrias janelas pequenas sem

    beirais, algumas com vitrais coloridos, no tinha nenhuma sacada, era uma construo antiga, bemfeita, dessas de resistir ao tempo.

    "Deve guardar muitas histrias..." - Pensou a mocinha, continuando a observar a casa.Os quartos e banheiros ficavam no andar superior, em baixo as salas e cozinha, a entrada

    dava para um hall onde ficavam as diversas portas para as salas e a escada. A casa era bemrepartida, os cmodos grandes e arejados. Sentiu que algum a observava e teve a impresso de verum vulto numa das janelas. Quando olhou de novo, no viu mais nada. Anglica manteve umcachorrinho nos braos e Henrique pegou o outro, eram animaizinhos fofos, brancos com pintaspretas. Foram para a cozinha.

    - Bom dia, Nena! - Exclamou a mocinha.- Bom dia, estou fazendo o doce que gosta, vou aliment-la bem e voc logo estar como

    antes.- No exagere, quero voltar ao meu peso, mas no engordar. E a, dona Filomena, gostou

    daqui? - Menina, no me chame assim, seno adeus doce - riu a empregada.Filomena, que todos chamavam de Nena, estava com eles havia muito tempo, era uma

    mulata bondosa, trabalhadeira, era como se fosse da famlia. Quando mudaram ela foi junto.- E ento, gostou daqui, Nena? - Insistiu Anglica.- Gostei! O clima muito bom: mar, montanha e sol. Venha ver meu quarto! Da cozinha

    saram por um corredor e l estava o apartamento de Nena, grande e arejado.- Que bonito! - Exclamou Anglica. - Est bem insta lada. Nena, o servio deve ter

    aumentado muito, voc tem dado conta? Mame tem ajudado? - Dona Dinia recebeu muitasencomendas. Est trabalhando bastante. Senhor Roberto contratou uma faxineira da cidade, elavem todas as segundas-feiras.

    - Ser que ela vir de novo? - Intrometeu-se Henrique. - Ela est com medo das coisasestranhas que acontecem por aqui. Ouvi-a resmungar, quis que eu ficasse na sala da frente com elaenquanto limpava. Deu graas a Deus quando terminou o trabalho e mame a pagou.

    - Henrique, pare com isso! No se deve ter medo de alma penada - falou Nena."No sou alma penada!" - Falou o vulto.

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    - No alma penada - repetiu Henrique -, e sim fantasma.- Por qu? - Indagou Nena.- Sei l, penada quem tem pena. E esse fantasma no pssaro.- Penada, porque devemos ter d, pena, porque o morto no encontrou seu lugar - insistiu

    Nena.- Que complicado! - Exclamou Anglica. - Deixem essa histria para l. Vou ver mame.

    Henrique foi guardar os cezinhos e Anglica foi ao estdio da me. Numa das salas,Dinia fez seu local de trabalho.- Anglica! - Exclamou a me, contente. Veja como ficou bonita minha sala. Nem

    acredito que tenho agora um lugar s para eu trabalhar, sem ser incomodada ou incomodar.- Nena me falou que voc tem muitos pedidos.- Como nunca tive! Trs lojas da cidade interessaram-se pelas minhas bijuterias e meus

    antigos clientes fizeram pedidos grandes. Veja, estas pedras so aqui da regio."Minha me uma artista - pensou Anglica. - Seu trabalho delicado, perfeito, faz bem

    feito porque ama faz-lo.- So lindas, mame! Estas peas novas so maravilhosas. Este lugar deve ter lhe dado

    mais inspirao. Esto perfeitas! Parabns! Uma caixa que estava em cima de um mvel caiu.Dinia pegou as peas que se espalharam.

    - Que estranho! Como cau? - Indagou Anglica.- Ora, devo ter colocado em falso."Que coisa! - Exclamou o vulto, aborrecido. - No consigo assustar esta mulher. Para tudo

    ela tem explicao. Tive de ir rpido at o menino, pegar no sei o qu* dele para derrubar a caixa,foi um trabalho, e ela diz que a colocou em lugar errado. Nunca vi ningum mais distrada".

    Anglica deixou a me trabalhando e saiu procura do irmo. Encontrou-o brincando comos ces.

    - Henrique, por que no foi escola? - Ia ter uma reunio dos professores. Venha,Anglica, vou lhe mostrar o terreno em volta da casa. Deste lado, direita, tem um declive comrvores, creio que no so nativas, que foram plantadas, pois h muitas plantas da mesma espcie;no fundo um pequeno pomar, na frente o jardim que mame est cultivando, dever ficar lindo, e esquerda a mata.

    - Daqui no se avista o mar? - Indagou a garota.- S se subir nesta rvore alta. A casa fica no morro, a estrada passa logo ali; indo em

    frente por este caminho vamos chegar nela, e seguindo uma trilha pela mata, depois das pedras, omar lindo e maravilhoso, onde as guas batem nas pedras, e andando um pouco mais temos umabela praia. Descendo pela estrada esquerda temos a cidade.

    - Vou para o quarto, acho que cansei - falou Anglica, despedindo-se do irmo.Entrou e, curiosa, se ps a olhar tudo, aquela casa despertou seu interesse. Tinha trs salas

    grandes, uma pequena e nica varanda frente da porta principal. Havia numa das salas uma lareirade pedras muito bonita.

    * Pegar no sei o qu: Quando o esprito deseja movimentar um objeto usa umacombinao de seus prprios fluidos com os de um mdium, com ou sem seu conhecimento, e porum determinado tempo impregna o objeto, podendo ento, pela vontade, dar-lhe movimento. Osespritos podem chegar a conhecer, inde pendentemente de sua evoluo moral, a maneira demanipular essa energia. Veja O Livro dos Mdiuns, captulos 1 e 4 da segunda parte (Nota doEditor).

    "Ficamos todos bem acomodados" - pensou.Entrou no seu quarto, sentou-se numa poltrona, olhou as roupas para pr no lugar, resolveu

    deixar para depois e descansar. Estava cansada, um simples passeio a deixou prostrada.O vulto a olhou e riu, achou-a muito engraada careca. Ela se ps a pensar e ele se sentou

    perto e ficou escutando.

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    "J se passaram meses, quase dois anos, tudo era to diferente... Isso sim foi uma grandemudana! Eu tinha acabado de completar dezessete anos, estvamos no comeo do ano letivo,cursava o terceiro ano do segundo grau, queria continuar os estudos, estava em dvida entrepsicologia e farmcia. Namorava Csar, achava que est vamos apaixonados. Tinha muitas amigas,ia a festas, boates, gostava de passear.

    Minha menstruao desregulou, comecei a ter muito sangramento. Fui ao mdico, que

    colheu material para exame e, quando pronto, o mdico chamou pelos meus pais. Fui junto, setinha problema era melhor saber logo. E teve. Doutor Lcio rodeou, explicou muito, dizendo queeu tinha que procurar um especialista, talvez tivesse de fazer uma cirurgia, etc.

    'Por favor, doutor, fale logo o que minha filha tem' - pediu mame.Num impulso peguei o papel, o resultado do exame da escrivaninha e li. Os trs

    silenciaram, olharam para mim.Balbuciei: 'Clulas cancerosas. Estou com cncer...' Demorou uns segundos para o mdico

    voltar a falar.'Atualmente temos tido bons resultados com esta doena. Por isso recomendo irem logo a

    um especialista. Voc ir se curar!' 'Como pode ter tanta certeza?' - Indagou mame.'Bem, creio que descobrimos logo e 'Irei morrer?' - Interrompi.'Desta doena, com certeza, no! Voc jovem, lutar e vencer. Como j disse, muitos

    saram e voc tambm sarar.' S chorei em casa, sozinha no quarto. No queria morrer. Tinhatantos sonhos, tantas coisas que queria fazer. Era jovem, bonita e feliz. No queria ficar doente.Sabia pouca coisa dessa doena, s que ela fazia sofrer muito. No queria ter dor. Chorei atadormecer.

    No outro dia, ningum em casa comentou nada, papai e mame pareciam normais, comose nada tivesse acontecido. Resolvi agir como eles. Em vez de ir escola, fui a uma bibliotecapesquisar sobre a doena; o que li me deixou desanimada, no contive as lgrimas; s que choreibaixinho para no atrapalhar outros leitores. Achando que isso me fez mal, fui embora para casa,no li mais nada e procurei no conversar sobre essa doena. Tentei me animar e pensar nosdizeres do mdico amigo, na possibilidade de me curar. Tinha de ter esperanas. Orei muitopedindo a Deus minha cura. Compreendi que no era s eu que sofria, meus pais tambm estavamsofrendo muito, por eles me esforcei e acei tei fazer o que decidiram.

    Novas consultas, diagnstico confirmado e foi feita a cirurgia, na qual foram extrados umovrio e o tero. Foi tudo to rpido, fui to mimada e tudo transcorreu bem. Csar me visitou nohospital, levou-me rosas, me fez companhia. As amigas revezavam. Tive dores, mas os diaspassaram rpidos e a veio o pior: o tratamento. Tinha de me internar, ficava no hospital sem osfamiliares, num quarto com outras pessoas, pois o tratamento era caro e tinha de ser feito peloplano de sade de papai. Passava muito mal ao tomar os remdios, vomitava muito, ficavadeprimida e de mau humor, os cabelos caram, as amigas comearam a se ausentar e Csarcomeou a diminuir as visitas.

    'Anglica, viram Csar numa festa e ele ficou com uma garota.' Chorei quando Fabiana mecontou.

    'Ingrato! Idiota!' - Xinguei-o com raiva.Mame me consolou e entendi que Csar era jovem, vinte anos, estudava, era bonito,

    estava sendo difcil para ele ter de ficar em casa, ter uma namorada doente. E quando ele foi mevisitar, terminei o namoro.

    'Csar, estive pensando, no certo voc se prender a mim. Acho que no quero namorarvoc e...' ' aquele mdico, no ? Voc gosta dele!' No tinha nada com o mdico, um jovemrecm-formado que ia sempre me visitar quando estava no hospital. No desmenti, seria mais fcil.Resolvemos ser amigos e Csar foi embora, eu fiquei chorando, no s por ele, por tudo, estavacansada de remdios, mdicos e hospitais.

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    Uma amiga da escola foi me visitar, falou dos preparativos da festa de formatura. Eu noia mais escola, parara de estudar. No tinha nimo para nada, s vezes nem conseguia ler umlivro, algo de que sempre gostei. Fiquei pensando, se no fosse a doena, tambm estaria contentepensando na festa de formatura. Passei uns dias muito triste, mas compreendi que meus pais e avssofriam comigo e me esforcei para melhorar, para no ficar triste. Entendi que pior que a doena ter d de si mesma. Esforcei-me para expulsar a autopiedade.

    Foi muito ruim estar doente. Como aprendi a dar valor sade do corpo! Muitas vezesqueria chorar e no conseguia faz-lo. No hospital havia outros doentes que choravam juntos ou osincomodava porque queria dormir, ler ou conversar, no era certo piorar o ambiente com minhaslstimas. Como desejei chorar no colo de mame, como fazia quando era criana! Mas ao v-lasofrida, at emagrecera, tentando me animar, esforando-se para sorrir, no queria entristec-lamais ainda. Papai dava uma de forte, mas muitas vezes, ao sair do quarto, o fazia chorando. Comoentristec-lo mais? Em casa no me deixavam sozinha, repartia o quarto com Fabiana. Uma vez elasaiu, fora a uma festa, ia dormir na casa de uma amiga. Chorei at adormecer, me fez bem, aslgrimas pareciam me lavar, me limpar. Um dia, achando que minha irm estava dormindo, choreibaixinho.

    'Est chorando, Anglica?' - Indagou Fabiana.'No, claro que no!' - Respondi.

    'Por que esconde seu choro? O que h de mau em chorar quando se est com vontade?Voc tem motivos para isso.' 'Motivos? Acha que tenho motivos?' 'Claro! Est doente, tem dores,passa por esse tratamento que lhe d muitos incmodos. Quer que eu lhe abrace? Quer chorar juntoa mim?' 'Quero!' Desde aquele dia, no chorei mais escondido, refugiava-me nos braos de vov,papai, mame e de Fabiana. S que choro repartido mais confortante, chorava menos recebendoo carinho de afetos. Deixei consolar e fui consolada.

    Via no hospital muitos doentes. Fiz amizade com Eunice, uma mulher doente que tinhatrs filhos pequenos.

    'Ainda bem que no tenho filhos, seria bem pior morrer e deixar rfos' - falei alto eestranhei minha voz ressoar pelo quarto.

    Voltei aos meus pensamentos, s minhas lembranas. Eunice era muito boa, otimista, tinhadores, no reclamava, s chorava quando os filhos iam embora nas rpidas visitas. O esposo erajovem, parecia cansado, trabalhava muito, cuidava dos filhos e estava endividado. Eunice foipiorando, ficou muito feia, magra e mesmo assim continuava sorrindo e animando a todos.

    'Animo, Anglica, seu cncer no do mesmo tipo do meu. Ser impossvel eu sarar, masvoc sim, ir se curar!' 'Eunice, que religio voc segue?' - Indaguei; curiosa.

    'Sou esprita! Sabe, Anglica, o Espiritismo nos d muita compreenso da vida, fazentender e aceitar os acontecimentos ruins, levando a compreender a bondade e justia de Deus.No uma religio de sofrimento, mas nos leva a entend-lo. Aproveito essa lio, sim, encarominha doena como uma grande lio, me tornei mais humana, compreensiva, tenho meditado esinto Deus em mim.' 'E seus filhos?' - Perguntei.

    'Precisam de mim, sei disso. Quem no necessita de me? Mas meu marido muito bom eeles tm duas avs maravilhosas, estaro protegidos.' Fiquei com tanto d de Eunice e de seusfilhos que orei muito pedindo a Deus que ela sarasse, se quisesse que me levasse em vez dela, nome importaria de morrer no seu lugar. Ela com os filhos seria mais til do que eu.

    Eunice ajudava a todos, dava consolo, orientava. Eu gostava dela, admirava-a. Sa dohospital dexando-a mal. Quando retornei, uma enfermeira me contou que ela havia falecido,serena como viveu. Chorei, senti falta dela.

    Mrcia ficara daquela vez no leito ao meu lado, tinha dezesseis anos e tambm estava comcncer. Recebeu s uma visita, a da assistente social do seu internato. Ela era rf, estava numainstituio para menores. Ficava mais tempo no hospital para receber os cuidados que no teria

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    onde morava. Ouvi-a chorar baixinho, indaguei o porqu, ela respondeu: 'Estou com medo!' 'Querque eu aproxime minha cama da sua e segure sua mo?' - Perguntei.

    'Quero!' 'No chore, Mrcia, voc ir sarar' - consolei-a, segurando sua mo.'Talvez sare, mas quem se alegrar com a minha recuperao? No tenho ningum.' 'Voc

    se alegrando no o suficiente? Ter ainda sua famlia.' 'Logo terei de sair da instituio, preocupo-me com o que fazer, com quem ficar. E se no tiver sarado? Mas a assistente social me afirmou

    que a instituio me abrigar at que eu sare. O hospital faz todo o tratamento' - falou ela.'No tem amigos? No conhece ningum fora de l?' - Perguntei.'S voc, as enfermeiras e os mdicos. Tenho amigas l, mas elas no tm como vir aqui.

    So sozinhas como eu. No importo em sarar, talvez seja melhor morrer. Voc tem medo damorte?' 'No sei, mas no quero morrer' - respondi.

    'Sabe, Anglica, s vezes a solido di mais do que o tratamento.' Mrcia dormiu e eufiquei pensando no que ela disse: 'a solido di mais...' dei graas por ter afetos.

    Morte, estranho voc pensar nela, pensar que esse corpo que cuidamos, higienizamos, irser p. No havia pensado nessa possibilidade at me ver em perigo, ter uma doena que poderiaser fatal. E pensar que ir acontecer confuso, nisso invejava os espritas, eles pareciam ter esseentendimento. Resolvi no pensar nela, como se no pensar afastasse essa possibilidade. Mas tudo vida e comecei a fazer planos, projetos, coisas que iria fazer logo que sarasse.

    Lucinha estava com leucemia, tinha s oito anos, chorava, chamava pelos pais, no queriatomar injeo. Ao escut-la tinha vontade de chorar, tambm no queria tomar a injeo. Mas eraadulta ou grande para fazer no valer minha vontade, chorava baixinho cobrindo o rosto com olenol. Lucinha tambm morreu. E eu estava no hospital quando isso aconteceu. O choro doloridode sua me me fez calar, era um choro to sofrido que fez silenciar a todos. Tinha muito quemeditar ali, creio que todos os que esto internados tm motivos para pensar na vida e na morte.

    Uma vez, encontrei no hospital, na enfermaria ao lado, a masculina, um senhor que estavarevoltado, dizia blasfmias, xingava, era mal-educado. Tinha cinqenta e quatro anos. Soubeporque dizia: 'S tenho cinqenta e quatro anos, como morrer? Maldita doena!' No aceitavaconselhos e evitava a todos. Irm Beatriz, uma freira, pedia para que se calasse, ele s fazia quandoela ordenava. Quando ele quietava todos suspiravam aliviados. Irm Beatriz entrou na nossaenfermaria para uma visita, logo aps ter ordenado que se calasse; nos vendo assustadas, falou,animando-nos: 'Vamos orar, por favor no entrem na vibrao de revolta desse senhor. Deus sabe oque faz! Depois temos tido muitas curas, mais da metade de nossos doentes tm se curado. Nadade desnimo! Pai nosso..., Fiquei pensando no que Irm Beatriz dissera, sabia que no era verdade,alguns saravam, mas a maioria morria.

    Vendo-me preocupada, ela carinhosamente veio at a mim.'A revolta contagia! No se deixe abater, minha filha. Seu tratamento tem dado resultado.'

    Ningum gostava de cuidar do senhor revoltado, faziam porque eram obrigados. Conclu: ele sofremais.

    Orava muito, enquanto estive no leito no hospital e em casa, a prece me confortava,esforcei-me para ser otimista e me queixar menos.

    No encontrei mais com aquele senhor, a enfermeira disse que ele voltara mais uma vez,queixou-se do atendimento e foi para outro hospital.

    Cada pessoa doente que via no hospital parecia ser eu, identificava-me, sentia o que elessofriam, uns mais que eu. Chorava junto, fiz amizades, tnhamos muito em comum para conversar,ramos esperanosos. E o tratamento no foi fcil. Lembrava de tudo, mas recordaes ruins nodevem ser cultuadas, tinha de esquecer, porque o tratamento acabara, e segundo os mdicos, comxito. E eu no vou pensar mais sobre isso, minha doena ficou no passado e ele passou...

    Estava internada quando papai com meus irmos mudaram para c. Papai estava tocontente, to entusiasmado! 'O lugar lindo! Teremos o mar, as montanhas e sossego.

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    Comprei mveis novos, a casa grande. E voc, minha filha, ter um quarto s para voc.'Gostei de ter mudado, no sentiria falta de nada, amigas estavam afastadas, Csar estavanamorando outra, as colegas de escola haviam se formado no ano anterior, muitas passaram emcursos superiores, outras faziam cursinho e eu ainda teria de acabar o segundo grau. Depois, erasempre desagradvel encontrar conhecidos, que me olhavam com d, vendo-me como futuradefunta ou, piedosos, tentavam me animar. A maioria queria saber do tratamento, de resultados.

    No entendiam que eu no queria falar sobre a doena. Pelo menos ali, ningum me conhecia enem sabia o que acontecera comigo.Que mudana! Espero que esta, desta casa, seja a ltima!" Suspirou e se ps a arrumar seu

    quarto.Osvaldo O vulto que sentara junto de Anglica e escutava seus pensamentos, suas

    lembranas, era Osvaldo, um desencarnado que vivia ali. Quando a mocinha levantou da poltrona,ele enxugou as lgrimas que corriam pelo rosto.

    "Que coisa! Que tristeza! A Carequinha assim por doena ou pelo tratamento dessadoena horrvel! Coitadinha! Olhando bem at que no feia! E eu ri dela! Est magra, mas bemfeita de corpo, tem os lbios bem desenhados, o nariz pequeno e os olhos so lindos, so comoduas jabutia bas, pretinhos. Essa eu no atormento! No assombro! No mesmo! Est doentinha!Pensa que sarou, mas dessa doena ningum sara. Ficar mais doente at morrer. A ser como eu!

    to estranho, morre-se to fcil!" Saiu do quarto, sentou-se num canto de uma das salas e se ps apensar, a recordar: "Fique aqui! Fique para sempre!' Malditas palavras que me prendem, estou aquih muitos anos, nem sei dizer quanto tempo, e no consigo sair. Gosto da solido, as pessoas meincomodam, reclamam demais, me perturbam. Se tenho de ficar aqui, que eu fique sozinho. Tenhode expulsar essa famlia daqui como fiz com as outras.

    Recebi os impactos, dois tiros certeiros, depois o pesadelo, demorei para sair daquelamaldita madorna e me vi sozinho nessa casa, que parecia abandonada. Grande parte dos mveissumiu, a decorao da casa era muito bonita, tapetes vermelhos, estofados vistosos, muitos vasoscom flores, cortinas de veludo, a casa sempre estava linda; Leda tinha bom gosto.

    O mato em volta da casa estava alto, o jardim desapare ceu, no tinha mais os canteirosfloridos. Estava muito triste, abandonado daquele modo. Foi um perodo muito confuso, no sabiao que fazia ali sozinho, dormira muito, mas tinha horror em faz-lo, pois sonhava, ou melhor, tinhapesadelos com aquelas cenas trgicas que queria esquecer e no conseguia Andava pela casa e emsua volta com dificuldade e fui melhorando. Um dia, estava dormindo quando acordei com umbarulho, eram uns trabalhadores carpindo o jardim.

    'At que enfim algum para limpar. Vou ajud-los!' - Ex clamei, animando-me.Mas quando comecei a ajudar, os ingratos saram cor rendo, largaram at as ferramentas.'Bando de preguiosos!' Isso ocorreu mais duas vezes, parecia que no queriam minha

    ajuda.'J sei - conclu -, eles devem pensar que eu tambm matei a menina, a Fatinha, mas eu s

    assassinei a Leda, que mereceu. Todos sabiam que ela no prestava'.Tentei falar com eles, com os trabalhadores, explicar que no queria fazer mal a eles; mas

    foi pior. Fiquei com raiva, deveria ser como bicho ou monstro para eles terem medo assim de mim.Eles no acreditavam em mim, achavam e at hoje todos pensam que matei a garotinha. Mas noiria fazer isso, no fiz, era to bonita a filha de Leda.

    Quando os trabalhadores foram embora correndo, fiz um juramento: 'Ingratos! So unsingratos! No os ajudo mais! No mesmo.' E cumpri a palavra. Mas no era preguioso, sempretrabalhei, desde pequeno, e gostava, queria fazer alguma coisa e no conseguia. E o jardim estavaum mato s. Por mais que tentasse, no conseguia carpir e nem fazer qualquer trabalho. Tantasvezes tentei varrer a casa, limp-la, e ela continuava suja. Deveria ser praga do senhor Irineu, odono da casa, que me ordenou ficar ali, e foi embora e nunca mais voltou.

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    Fiquei tempo sem ver ningum, nenhuma pessoa veio aqui, aprendi a gostar da solido, sque pensava muito. Como mudei os acontecimentos, sempre achava um final feliz para mim,senhor Irineu morria, Leda dizia que me amava, ficava comigo e ramos felizes. Mas a realidadesempre me despertava de modo cruel, tudo aquilo aconteceu e eu estava ali, s e infeliz. Nogostava de recordar, mas o fazia como um castigo, um terrvel e interminvel castigo.

    E os anos foram se passando, no sabia determinar quantos. Resolvi vigiar o local e estava

    sempre atento, at os garotos que vinham xeretar ou em busca de frutas do pomar eu enxotava, eera uma correria. Como ria e me divertia, queria que viessem mais vezes, mas eles se assustavam,tinham medo do assassino. Isso me irritava, no tinha matado a garota, s Leda, meu grande amor.

    Fiquei muito sozinho, os dias eram interminveis. Quando no se faz nada, o tempodemora a passar. Enquanto ficava recordando, pensando, sofria, sofro... Mas me acostumei e noqueria compartilhar a casa com ningum.

    Lembro bem do dia em que dois homens vieram de carro, entraram no jardim ecomentaram: 'Essa histria de assombrao inveno! Com o as pecto desta casa, qualquer um seassusta.' 'Herdei do meu tio essa propriedade, vou arrum-la para alugar. Amanh mesmo viro oshomens que contratei, limparo o jardim, o pomar, e o melhor, aterraro o buraco.' 'Isso bom, dolado direito o penhasco perigoso!' - Comentou o primeiro que falara.

    'Modificando o local em que houve o crime da menina mudar o aspecto e o falatrio

    acabar. Comprei caminhes de terra para aterr-lo - falou o que herdara, o novo dono.'Ficar caro.' 'D pena ver isso abandonado.' Fiquei s ouvindo, curioso. Achei interessante

    aterrar aquele lugar perigoso, cheio de pedras, e havia s uma trilha A Casa do Penhasco parapassar. Aquele lugar me dava arrepios, quase no ia l, no gostava, mas s vezes eraimpulsionado a ir, de cima olhava o buraco, e foram muitas as vezes que chorei, parecia ainda verFatinha cada com seu pijama cor-de-rosa, l esti cada, morta. Achava aquele lugar horrvel eaprovei a idia de aterr-lo. Sem o buraco no iria mais ver aquela cena macabra. Resolvi s ficarobservando, sem fazer nada.

    Mas foi a que percebi que as pessoas no me viam, elas passavam por mim ignorando-me,cheguei pertinho de umas e nada, realmente elas no me enxergavam e eu era a assombrao tofalada. Por algum motivo que eu desconhecia estava invisvel e, dependendo da pessoa que estavaali na propriedade, eu conseguia fazer barulho, assustar. Fiquei muito triste, talvez tivesse morridoe nem percebido. Nunca soube direito o que acontecia quando a pessoa morria, no acreditava noinferno e achava muito boba a idia de no cu no ter de fazer nada, mas nunca pensei em morrer eficar assim como fiquei, sem fazer nada e no estar no cu, ser um assassino e no ir para o fogodo inferno. De qualquer modo estava sendo castigado, fiquei ali preso no local do crime e muitoinfeliz.

    Os trabalhadores vieram, eram muitos, comearam a descarregar caminhes de terra,roaram o mato, tiraram a hera, a folhagem das paredes da casa; pintaram, consertaram, e euquieto, s olhando.

    Achando muito chato todo aquele movimento, resolvi ir embora, mas no conseguia sairda propriedade. Embora nada me prendesse, sentia-me preso, no conseguia passar alm dojardim; com esforo dava uns passos pela estradinha, era atrado de novo para a casa. Todas asvezes que tentava, escutava a voz irada do senhor Irineu: 'Fique aqui para sempre!' Naquele diatentei, como tentei! Queria ir mesmo, embora no soubesse para onde. Esforcei-me tanto que ca eme arrastei pelo cho. 'Fique! Fique!' Tive de voltar, aborrecido, chorei, mas nada adiantou. Tivede ficar.

    Escutei um dia a conversa de dois trabalhadores que pintavam a casa.'Aqui aconteceu um crime brbaro, um empregado matou o casal, donos da propriedade, e

    depois se suicidou.' ' mentira! mentira!' - Gritei irado.'Voc ouviu? Parece que algum disse que mentira' - disse um deles.

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    'Ouvi, deve ser algum l fora. Vamos parar de falar nesse assunto. Isso atrai espritos.Vamos trabalhar!' - Falou o outro.

    ' melhor mesmo! Trabalhem, bando de mentirosos' - resmunguei.Pensei em assustar todos e pr para correr aqueles homens insensveis, mas resolvi no

    fazer, queria o lado direito do penhasco aterrado. Aquele declive me causava terror. O trabalhoterminou, ficou lindo, os banheiros modernos, tudo pintado, acabou o perigo, plantaram rvores no

    aterro, fiquei satisfeito, fiquei de novo sozinho, todos foram embora. A casa estava mais clara pelapintura, mais arejada.Fiquei pensando e conclu que morri realmente e estava ali por castigo, que era bem

    merecido, embora achasse que a culpa era tambm dos outros envolvidos. A nica inocente eraFatinha.

    Andava de um lado para outro, vigiava tudo, sabia at das teias de ranhas. Uma vida deociosidade, mas castigo era castigo e este parecia interminvel, para sempre, como disse aquelemaldito.

    Veio uma famlia olhar a casa.'Se essa casa foi assombrada no mais. O proprietrio disse que o falatrio porque

    estava abandonada; na reforma muitos homens trabalharam aqui e no viram nada' - disse ohomem.

    'Tomara que no seja mesmo, no gosto dessas coisas.Para mim, morreu, deve ficar bem morto' falou a mulher.'O aluguel est bom, a casa grande e bonita' - comentou ele.'Grande demais, tenho de arrumar uma empregada' - resmungou ela.Examinei-os, O homem era gordo, a mulher mida e magra, achei graa e ri. 'Casal ci ou

    dez'.Ela virou para ele e falou, brava: 'No ri!' 'No estou rindo!' Mudaram. Tinha o casal dois

    filhos pequenos. No gostei deles, o homem era metido, orgulhoso, achando que resolvia tudo. E omais interessante que quando eu me aproximava dele, recebia fora e fazia os objetos semexerem, fazer barulho, e me divertia assustando-os.

    Agentei os homens trabalhando. A noite paravam e iam embora, mas aqueles moravamaqui, isso no, nessa casa quem morava era eu, s eu e no queria companhia. Ento fiz um planopara expuls-los daqui e comecei a atorment-los. Preferia a noite, que mais assustadora, parafazer barulho. S no mexia com as crianas, no sou covarde, elas eram pequenas. Depois tinhamedo de que, assustadas, fizessem como a outra, a Fatinha. Mas tudo que acontecia naquela casa, achata da mulher punha a culpa em mim. Se o menino chorava, se tinha dor, era eu. Um diaconsegui puxar o cabelo dela; ri bastante, achando bem merecido.

    Era tardinha, estavam sentados na sala. Ela comentou: 'No estou gostando dessa casa equero me mudar. O aluguel barato, muita esmola, o santo desconfia. Por esse aluguel irrisrio, spodia ter algo atrapalhando. Ela real mente mal-assombrada. No h explicao para os barulhos,objetos carem e as risadas que so um horror. Deve ser o esprito do assassino.' 'Tambm noestou sentindo-me bem, nessa casa fico muito fatigado e triste. Eu, que sempre fui alegre. Tenhopensado se no mediunidade que falam que eu tenho. No quero mexer com isso, no sei por queessa faculdade no dada a quem quer. Dizem que eu sou sensitivo, que posso ajudar outraspessoas, mas no quero - falou ele.

    'Se sensitivo, ou se essa sua mediunidade forte, por que no manda nesse esprito?Deve ser um demnio esse assassino!' - Expressou ela.

    'Sou mais sensitivo mas no sei fazer isso! No aprendi nem quero aprender. Que esseassassino pare de encher e v para o inferno, que o lugar dele' - falou autoritrio.

    Que desaforo! Resolvi dar uma lio naquele gordo inso lente. Olhei, concentrei-me norelgio que estava em cima de um mvel e ele foi mexendo, at que caiu. Ri, dei minhas gostosasgargalhadas. Os dois se assustaram e minha risada ecoou pela casa. O garotinho pediu: 'Faz mais

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    isso, papai, estou gostando.' 'Eu no fico aqui nem mais um minuto. No durmo mais nessa casa.Maldita mil vezes essa assombrao!' - Falou a mulher.

    Pegou as crianas e o gordo foi atrs dela. Entraram no carro e foram embora apavorados.Achei graa e ri at cansar. Mas sem o gordo minha risada no era ouvida pelos que

    tinham o corpo de carne. Fiquei satisfeito, meu plano deu certo, expulsei os intrusos.Depois de dois dias o caminho de mudana veio buscar os objetos deles. Fiquei quieto

    num canto, afinal o casal fez o que eu queria, foi embora, e eu no quis atrapalhar o pessoal damudana. Um dos carregadores comentou: 'Nunca vi uma mudana assim. Parece que saramcorrendo, largaram at comida na mesa.' 'Dizem por a que foram assustados por um fantasma,saram de tarde, foram para um hotel com a roupa do corpo. Ningum aqui na cidade quis fazer amudana, a nos contrataram de longe. Espero que o senhor fantasma, isto , se realmente eleexiste, permita que faamos a mudana em paz. Afinal estamos trabalhando!' Assim era mais fcil,gostava de respeito, e fiquei obser vando. E me livrara do casal*'oi' e era isso que importava.

    Novamente a casa ficou abandonada, o mato cresceu e eu fiquei anos sozinho.Um dia, um senhor bateu palmas. Fui ver e me defrontei com um homem que olhou para

    todos os lados e disse alto: 'Senhor... no sei como cham-lo, fantasma, assombrao... Desculpe euvir assim. Vou explicar: me chamo Olegrio, tenho famlia, mulher e trs filhos, estoudesempregado e estamos passando necessidade. O nico emprego que arrumei foi na imobiliria

    para carpir e arrumar esta casa.Por isso peo permisso para fazer meu servio sem ser assombrado, pois tenho medo. Se

    no precisasse tanto, no viria, mas tenha d de mim, deixe-me trabalhar em paz.' O homem, oOlegrio, falou com sinceridade. Escutei, pensei e, j que pediu, resolvi deix- lo em paz e o fiz pordois motivos: porque fiquei com d dele e queria que o terreno fosse limpo. E assim Olegriopassou a trabalhar, limpou tudo, at plantou umas flores e depois passou a vir duas vezes porsemana e at limpava a casa.

    Como lastimei por no ver o mar, ficava to perto... S o via de cima da rvore, a que orapazinho, Henrique, descobrira. Quando estava com muita saudade, subia na rvore e o via delonge. Talvez de cima da casa tambm pudesse ver, mas nunca subi.

    Mar, como amava o mar! Desde pequeno gostei de sentar na areia e contempl-lo,observava as ondas desde sua formao at quando quebravam na areia. Depois, sempre que estavatriste, ia para perto, tomava banho nas suas guas salgadas e me acalmava. Mas agora que soumorto, ser que conseguirei me banhar? Acho que no. Mas s o contemplar me bastaria. Comome divertia com os coleguinhas na praia, jogando bola, nadando! Amigos, tinha saudades deles;quan do pequenos, os meninos me aborreciam, bastava eu me de sentender com eles que escutava:'Sua me o abandonou! Seu pai um bbado!' Isso me doa. Ah, se eu pudesse sair daqui! Agoraque sei que posso assustar as pessoas, ia dar bons sustos neles. Como ser que est o Tampinha? Eo Sonrisal? Gostava de dar apelidos. Eram bons garotos, estimava-os. Pensando bem, eu tambmos ofendia. No devo levar em conta brincadeiras de criana. Crescemos juntos e continuamosamigos. Sonrisal at que me aconselhou a sair do emprego, no ficar mais perto dela, eu que no oatendi. Ser que eles pensam em mim? Certamente no falam sobre mim, no interessante dizerque foram amigos do assassino da casa do penhasco.

    Novamente vieram me aborrecer, acabar com meu sossego. Mudou-se outra familia paraminha casa: uma senhora viva e cinco filhos. Que pessoal esquisito, no gostei deles! Falavam ecomiam demais, resmungavam e brigavam, mas no havia ningum para me dar 'aquela fora' paraque fizesse mover objetos ou me escutar. Mas percebi que podia prejudic-los de outra maneira:se ficasse perto de um deles, a pessoa se queixava. Incrvel, ela sentia o que eu estava sentindo!Podia deixar nervoso qualquer um, e agi assim para faz-los se mudar.

    'Que dor no peito! Desde que nos mudamos para c estou tendo essa dor. Aqui no temassombrao, se tinha, deve ter ido embora. Assustou-se conosco!' - Falou um dos moos.

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    'No gosto daqui, tenho tido sonhos estranhos, que algum me d tiros no peito e fico comdor' - queixou-se a moa.

    'Vocs ainda saem, eu fico mais em casa e sinto muita tristeza. Tambm acho que no foibom termos mudado para c. Que tal apressar a reforma de nossa casa? Quero voltar para l, sintofalta das minhas amigas e vizinhos, que no querem vir aqui me visitar, com medo da alma penada'- falou a senhora.

    Intensifiquei minha perseguio e os intrusos se mudaram, fiquei aliviado e eles tambm.Fiquei sozinho de novo, s Olegrio vinha duas vezes por semana. Era bom, tudo limpo e a casaem ordem.

    Agora, essa familia veio me incomodar! Primeiro veio o homem, Roberto, olhou tudo edias depois voltou com a mudana. Percebi logo que o menino, Henrique, tem 'aquela for a' deque eu preciso e planejo expuls-los. S que agora fiquei com d da Carequinha, to jovem e tosofrida. Nem teve raiva do namorado que no a quis pela doena. Ajudou outros, quis morrer nolugar daquela me para que no deixasse filhos pequenos. Fazia tempo que no via ningum tobom assim, ou nunca tinha visto. Boa... Ser que minha me foi boa? Queria pensar que sim, mascertamente no o era. Ela me abandonou, no me quis, pelo menos era isso que papai falava: 'Suame uma vadia, nos abandonou, foi embora com outro, aquela safada!' Ela nunca mais deunotcias. Quando garoto, sonhava com seu retorno, ela voltaria rica, de carro, me levaria com ela...

    Mas mesmo pobre a queria ansiava por seus afagos, me chamando de filho. Mas ela nuncavoltou...

    Morvamos com vov, me de meu pai. Ele bebia muito, trabalhava pouco, a vida eradifcil. Vov s resmungava. Meu pai morreu num acidente, caiu na linha do trem; uns dizem quese suicidou, outros que caiu por estar bbado. Fiquei s com vov, que me tirou da escola e me pspara trabalhar. Era mocinho quando ela morreu, fiquei sozinho no mundo, trabalhei em muitoslugares, at que vim ser caseiro aqui e fiquei para sempre".

    Apavorando Henrique "Cansei de pensar, no tenho feito outra coisa nesta vida a no serrecordar." Osvaldo levantou-se e foi at a cozinha. Observou Nena, a empregada, fazendo oalmoo. Era esperta e trabalhadeira.

    "Vou dar um susto nela!" Esforou-se para fazer cair a tampa das panelas que estavam emcima da pia. Nada. Foi at Henrique, que brincava com os cezinhos, voltou rpido e pronto,derrubou as tampas.

    Nena olhou de um lado para outro. Osvaldo riu, divertin do-se. Ela pegou as tampas e, semque ele esperasse, falou autoritria: - Sai de retro, satans! Por Deus, no me tente! Creio em DeusPai...

    Fez o sinal da cruz e orou o Credo, uma orao catlica."Eu, hein! Credo, cruz! Que mulher! No precisa me enxotar assim... - Osvaldo saiu da

    cozinha resmungando. - No devo mexer com servial. Se ela for embora, arrumaro outra e afamlia ficar. uma empregada como eu fui. Pre ciso pensar num bom plano, colocarei essafamlia para correr. s ter pacincia e me organizar direito. Se eu conseguir apavorar um deles,unidos como so, se mudaro".

    Ouviu-se barulho de carro, era Roberto que vinha almoar e com ele estava Fabiana, quevoltava da escola. Anglica e Henrique vieram correndo. Todos se sentaram mesa. Osvaldo seps a espi-los de um canto da sala.

    - Estou muito feliz em t-la conosco, Anglica. Aqui ir recuperar-se melhor. Gostou dolugar? - Perguntou o pai.

    - Sim, creio que sim, bonito. Mas no isolado? - perto da cidade, passa nibus a cadameia hora na estrada. Logo far amigos e poder convid-los para vir aqui - respondeu Roberto.

    - Eu estou achando timo, trabalho sossegada, tenho espao - expressou-se Dinia.- Pois eu no sei, estou achando a casa esquisita - falou Henrique.

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    - No venha voc de novo com a histria de barulhos e risadas - disse Fabiana. - Para mimaqui est timo, est me fazendo bem. Sabe, Anglica, no tenho tido mais aqueles sonhos oupesadelos. E, desde que mudamos, parei com a terapia, com as sesses com a psicloga. Vocssabem como eu sofria com aqueles sonhos, tinha pavor de dormir e t-los. E eles se repetem desdeque eu era pequena. Sabem o que mais estranho? A casa com que sonho parece com esta.Verdade! Com algumas modificaes, poderia dizer que o lugar este.

    - Modificaes? Como? - Perguntou Anglica.- No sei bem, meus sonhos so confusos, me do medo, pavor mesmo, no gosto deles.Sonho com uma casa grande, s vezes deso uma escada como aqui, mas com tapetes vermelhos.Vejo uma porta entreaberta, no sei o que vejo l dentro, mas algo que me apavora e a corro.Algum malvado corre atrs de mim, passo por um caminho estreito, peri goso, beira de umprecipcio. Olho para trs e vejo uma pessoa que eu sei que m quase me pegando, tento corrermais, tenho dor no p, caio no buraco e acordo aflita. As vezes desperto com meu prprio grito,outras coberta de suor. Em outros sonhos, chamo por minha me, s que a mame outra pessoa,ela no pode me acudir, estou sozinha com o malvado, tenho de fugir, corro e estou de novo beira do precipcio, do buraco que tanto medo me d, e caio. S que a casa tem heras na parede e oburaco muitas pedras, e eu sou uma menina pequena e lourinha. Sinto, ao correr, o movimento dosmeus cabelos cacheados. Que Deus me d a graa de no sonhar mais com isso, de no ter mais

    esses pesadelos.- Escutamos muitas explicaes: que Fabiana viu essas cenas num filme, que escutou uma

    histria que a impressionou. O fato que muitas vezes acordou gritando e chorando - falou a me.- Virgliio me disse que poderia ser lembrana de outra vida. Ele esprita e acredita em

    reencarnao - comentou Roberto.Osvaldo se encolheu todo num canto e balbuciou: "Lembranas de outra vida! Pode ser!

    S pode ser! Se morremos mas continuamos vivos, bem provvel que nosso esprito nasa denovo em outro corpo. Por isso que essa Fabiana me impressionou, sinto que a conheo, emboraseja diferente fisicamente de Fatinha, parece com ela ou pode ser ela! Se no for isso, como seexplica esta a sonhar com algo que aconteceu bem antes de ela nascer? Meu Deus! Que coisa!Com essa mocinha tambm no irei mexer, assombrar. E se ela for Fatinha? melhor eu ficarlonge dessa garota!" Naquele dia, Osvaldo no teve nimo para mais nada. Achava mais fcilassustar mulheres. Estas, para ele, eram mais escandalosas, mas com as daquela famlia pareciamais complicado. Tinha d da Carequinha, a servial apelava, a dona da casa era distrada demais,para tudo tinha uma explicao: se conseguia, aps muito esforo, acender uma luz, ela nemnotava e at achava que tinha sido ela; se apagava, estava a lmpada com defeito; se fazia barulho,dava expli cao; quando notava ou ouvia movimento de madeira ou animais correndo, as risadas,era algum da famlia ou bichos fora de casa, da mata. Com a Fabiana era impossvel; agora, aoolh-la, parecia que via Fatinha e isso lhe causava mal-estar. Restaram o dono da casa e omoleque. Ficou uns trs dias quieto, planejando, e concluiu que teria de atormentar, assustar osdois homens da famlia se quisesse ficar livre dela. Achando que dera "folga demais", resolveu agire foi at eles, que estavam almoando.

    Roberto pediu a Anglica: - Filha, voc no faria um favor para mim? Tenho de levar unspapis na imobiliria e no tenho tempo. Venha comigo para a cidade e aproveite para conhec-la,depois volte de nibus, que ele pra na estrada em frente ao caminho de nossa casa.

    Anglica entendeu que o pai queria que ela sasse, que passeasse e resolveu ir. Arrumou-se.

    "Com peruca fica melhor, coitada da Carequinha!" - Comentou Osvaldo.- No sei por que, papai, parece que algum tem d de mim e me chama de Carequinha -

    comentou Anglica.- Quem faria isso? Filha, no se impressione. Voc no careca, est sem cabelos

    temporariamente. Logo eles crescero lindos como sempre foram.

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    Anglica entrou no carro com o pai, observou que havia prxima da casa uma estrada queatravessava o morro, um caminho de cascalho de uns duzentos metros. Esse caminho fora aterradoporque havia declives dos dois lados.

    "Antes - pensou a mocinha - deveria ser uma rocha extensa como um ponto isoladoapontando para o cu. Incrvel como algum teve a idia de construir uma casa aqui".

    Ela olhou para trs, observou a casa, parecia uma pintura.

    "Se no fosse a parte direita ter tantas rvores, essa casa pareceria construda num pico depedra, e no por acaso que se chama Casa do Penhasco!" Entrando na estrada no avistava mais acasa, seu pai seguiu para a cidade. A estrada era uma via vicinal, cheia de curvas, com muitasrvores e pedras, somente em poucos lugares se via o mar, lindo e majestoso.

    Anglica gostou da cidade, era pequena, com muitas lojas, arborizada e com pessoasbronzeadas.

    - Na poca de temporada isso aqui fica movimentado - comentou o pai. - Vou deix-laaqui. V imobiliria e resolva essa questo para mim. Procure pelo Fbio.

    A garota desceu, andou pelas ruas olhando as vitrines e foi logo imobiliria.- Por favor, o senhor Fbio! E logo veio atend-la um moo que a olhou interessado.Anglica no pde deixar de observ-lo, era moreno, olhos esverdeados, cabelos bem

    curtos e um sorriso franco e cativante. Por minutos trataram de documentos.

    - Esto gostando da casa? - Perguntou ele.- Sim, estamos. Ela confortvel e o lugar muito bonito - respondeu Anglica.- Ainda bem - falou sorrindo Fbio.- Por qu? - Perguntou ela.- Por nada. Est calor, aceita tomar um sorvete? A mocinha no soube o que responder,

    no o conhecia, mas no conhecia ningum ali. Achando que no tinha nada demais, respondeu: -Aceito! Saram da imobiliria, andaram poucos metros e entraram na sorveteria. Logo vieramatend-los.

    - Muito bem! Aqui se bem atendido - falou ela.- Claro, sou o dono! - Exclamou ele sorrindo.Conversaram saboreando devagar o sorvete e logo j sabiam o que interessava: eram

    solteiros, no tinham com promisso.- Como vai voltar para casa? - Perguntou Fbio.- De nibus - respondeu Anglica.- Permita que lhe d uma carona? Tenho de ir praia do outro lado do morro.Anglica aceitou, e quando chegaram, Henrique foi cumpriment-lo e ficaram

    conversando sobre o lugar, as belezas da regio.- Vocs conhecem a gruta do morro? No! Pois precisam ir l! Vamos combinar um

    passeio, levo vocs at a gruta - falou Fbio, entusiasmado."Xi, esse a est interessado na Carequinha. Mas se ele estiver mal-intencionado, que no

    se aproxime dela. Resolvi defend-la! - Osvaldo observou bem Fbio. - O cara parece ser boapessoa. Bem, ele que no se meta a engraadinho".

    O moo foi embora e os irmos entraram. Osvaldo pensou, satisfeito, que seu plano estavadando certo. Que a presena do menino, do Henrique, com a fora que tirava dele, conseguia fazerbarulho e mexer objetos. E dias passaram e Osvaldo conseguia assombrar os dois, Roberto eHenrique. Assustava o mocinho e causava arrepios no pai, divertin do-se com isso. Henriquecomeou a ficar impressionado.

    - Pai, aqui lindo, gosto da escola, j fiz amigos, mas no estou gostando da casa. Nopoderamos mudar? - Queixou-se o garoto.

    - Filho, voc est impressionado pelos boatos de que esta casa assombrada. Todosgostam daqui, o aluguel est bom, voc pode ter at cachorros, estamos acomodados. Depois, senos mudarmos, a multa alta.

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    - Pai, no impresso, aqui no me sinto bem, tenho uma sensao de solido que di.Depois escuto risadas e fico apavorado. Se o senhor no quer se mudar, deixe ento que eu v paraa casa da vov. No acredita em mim? Tenho ouvido coisas estranhas...

    - Acredito em voc, sei que no mente. Vamos ter um pouco mais de pacincia, isso deveter explicao.

    Roberto no quis dizer ao filho que tambm estava impressionado com aquela casa, que

    ouvia as risadas que o apavoravam. Tentava achar explicao para os barulhos que escutava. Jachava que alugar aquela casa no tinha sido um bom negcio.Passados uns dias, Henrique foi abrir a janela da sala. Ela estava difcil, dura. Quando

    puxou-a com fora, Osvaldo a empurrou e a janela abriu, batendo nos lbios do mocinho,cortando-os. No vidro da janela, Henrique viu por segundos o rosto de Osvaldo. Apavorou- se tantoque no conseguiu nem falar, ficou parado. Depois tentou ver mexendo na ja nela, se era reflexo dealgum quadro a imagem que vira, mas nada, no havia explicao. Tremendo ainda, foi atrs deNena para que ela fizesse um curativo.

    - Henrique, precisa ter cuidado! Machucou, poderia ter quebrado os dentes.- Nena, voc j teve a sensao de ver uma pessoa onde no tem ningum? - Nunca tinha

    sentido, mas aqui j. Por vezes sinto como se algum estivesse espionando. uma sensao ruim.Henrique ficou horas pensativo.

    Fbio queria ver Anglica, ficou interessado, atrado por ela. Tirou uma cpia de umdocumento j entregue e foi l lev-lo. Conversou com os jovens e os convidou para lev-los nodomingo gruta. Henrique aceitou, contente.

    No domingo tarde foram ao passeio. O lugar era muito bonito, de uma rocha mais alta seavistava o mar batendo nas pedras.

    - Como aqui bonito! - Exclamou Fabiana.Ela e Henrique foram para o outro lado, e Fbio sentou-se perto de Anglica. Ela arrumou

    o leno na cabea. Como ele estava caindo, tirou-o; seus cabelos estavam nas cendo, estavam bemcurtinhos.

    - Anglica, voc muito bonita! - Disse Fbio, sincero.- Mesmo com os cabelos curtos assim? - Sim - ele sorriu e pegou na mo dela.- Fbio, meus cabelos esto assim pelo tratamento de quimioterapia, estou sarando de um

    cncer - falou a mocinha retirando a mo da dele.Ela olhou para ele, que pareceu indiferente, como se no tivesse escutado. Nisso os dois

    irmos chegaram e o passeio decorreu agradvel.Em casa, Fabiana comentou: - Fbio est interessado em voc. Vai namor-lo? - No

    quero namorado! - Exclamou Anglica.- S porque Csar agiu daquele modo, voc pensa que outros iro fazer igual? - Falou

    Fabiana.- No penso mais em Csar, nem acho que agiu errado, muito novo para ficar

    namorando algum doente. S vou namorar de novo quando tiver a certeza de que estou curada.- Mas voc est! - Afirmou Fabiana.- Ai, ai, no agento mais! - Gritou Henrique.O irmo subiu correndo a escada. As duas irms, que estavam no quarto de Anglica,

    foram ao encontro dele.- O que aconteceu, Henrique? - Indagaram a duas ao mesmo tempo.- Estava quieto na sala quando recebi um tapa com fora nas costas.- Quem bateu em voc? - Perguntou Anglica.- No sei! S que bateram...

    Ele levantou a camisa e as duas se espantaram, havia nas costas dele uma marcaavermelhada de uma mo grande.

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    - Henrique, pare com isso! - Exclamou Fabiana. - No invente! Voc quer mudar e estusando os boatos para isso.

    - Que boatos? - Perguntou Anglica.- Que esta casa assombrada - respondeu Fabiana.- Mas por que quer mudar, Henrique? - Indagou a irm mais velha.- Gostava daqui. No queria que nos mudssemos da cidade, gosto dela, da escola, dos

    amigos, s que verdade. Anglica, acredite em mim, tenho sido atormentado por uma coisa queno sei o que . Estou com medo! Roberto e Dinia, que estavam no quarto deles, vieram ver o queacontecia.

    - Papai, no durmo no meu quarto! - Falou o mocinho determinado e apavorado.- Vou colocar um colcho no nosso quarto, voc dormir conosco.Eo pai foi no quarto do filho, pegou o colcho e colocou ao lado da cama do casal.- Pronto, filho, dormir aqui at que no tenha mais medo.As trs acharam estranha a atitude de Roberto, ele que sempre ensinara a no ter medo, a

    no alimentar esse sentimento e enfrent-lo para vencer, agora no falava nada, concordava com ofilho. Mas elas nada comentaram.

    "Logo estaro mudando!" - Osvaldo vangloriou-se e riu.Henrique acomodou-se e se ps a pensar: "Meu Deus, ser que estou louco? Devo estar

    doente. Deve ser grave. Ser que imagino isso tudo? O que ser que eu tenho?" Ao ver que os paisressonavam, chorou. Seu choro foi sentido, lgrimas escorreram abundantes pelo seu rosto.

    "Prefiro achar que existe mesmo esse fantasma e que ele, por algum motivo, esteja fazendoobjetos se mexerem e que eu oua suas risadas macabras. E se for assombrao, por que eu? Porque ele implicou comigo? No tenho nada com ele.

    No posso continuar assim. J sou grande para ter medo a ponto de no dormir sozinho.Eu, o homem da casa! As meninas esto l dormindo cada uma no seu quarto e eu aqui, com meuspais. Tenho vergonha, mas meu medo maior. No meu quarto a luz acende, apaga, portas doarmrio se fecham e se abrem. J senti puxar meu lenol. No durmo mais sozinho Queria mudardessa casa, ir embora daqui. Mas se mudarmos e no adiantar? Se estou doente, o problema comigo! Ele ir para onde eu for. Preciso pensar. Alm do mais, todos esto acomodados,gostando, no justo que se mudem por minha causa, porque eu quero. Fabianaj acha que euinvento tudo isso. Ainda bem que papai acredita em mim. Depois existe a multa, eles no tmdinheiro para pag-la. Estou sendo um problema para todos. Tenho de dar um jeito!" Acabouadormecendo. Acordou cedo para ir escola e no intervalo foi biblioteca e se ps a pesquisarsobre doenas mentais; identificou em seu caso semelhanas com esquizofrenia*.

    "Isso grave! Ser que tenho essa enfermidade? No quero ter isso. Ser que imaginotudo, objetos no mexem nada, luz no apaga nem acende e eu acho que vejo? Que doenaestranha e como faz o doente sofrer!" Teve vontade de chorar, mas se esforou para parecer naturale voltou para a classe.

    Pensou muito e resolveu evitar de falar, de pensar sobre doenas e achar mesmo que eraum fantasma e se queixar o menos possvel, no queria ser internado como louco.

    Henrique j estava se afastando das pessoas, os amigos se reuniam, conversavam e elepreferia escutar, s dava alguns palpites. Tambm no conseguia prestar ateno nas aulas. Estavatenso e nervoso.

    No outro dia, Roberto conversou cedo com Olegrio, que continuava a vir duas vezes porsemana cuidar do jardim.

    * Esquizofrenia: termo que engloba vrias formas clnicas de psicopatia e distrbiosmentais. Sua caracterstica fundamental a dissociao das funes psquicas, disso decorrendo afragmentao da personalidade e perda de contato com a realidade (N.E.).

    - Senhor Olegrio, trabalha h muito tempo nessa casa? - Sim, senhor, trabalho h anos.- Nunca ouviu ou viu nada de estranho? - Indagou Roberto.

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    O senhor quer dizer assombrao? No, senhor, nunca vi ou ouvi nada de estranho -respondeu o jardineiro.

    - Voc sabe o que ocorreu aqui? L no banco o pessoal j me avisou que esta casa assombrada e que ningum morava aqui h muito tempo.

    - Se assombrada eu no sei - respondeu Olegrio -, mas desde que ocorreu o crime, issoh muito tempo, ningunl mora aqui por muito tempo.

    - O crime? O que sabe sobre isso? - Perguntou Roberto.- No sei bem o que aconteceu, mas sei quem sabe.A Rita, que foi empregada da casa na poca do crime. Ela era mocinha quando tudo

    aconteceu, agora j uma se nhora, ela mora l do outro lado. Se o senhor quiser, lhe dou oendereo.

    Roberto anotou o nome da empregada, onde morava e decidiu ir at l, queria saber o queocorrera na casa.

    Henrique, tarde, conversou com Nena.- Voc acredita em mim? Vejo a assombrao. Bem, no sei o que realmente.- Menino, no sei se acredito em alma penada - falou a empregada.- Seria engraado se o fantasma tivesse pena como as galinhas - expressou o garoto, rindo.Osvaldo no achou graa.

    "Quem tem pena sua av!" - Quem tem pena a av! Henrique falou, parou e olhou paraNena, que tambm largou o que fazia e olhou assustada para ele.

    - Por que disse isso, Henrique? - No sei, falei sem perceber. Que estranho! "R, r, r! Omoleque repete o que eu digo. Maravilha! Agora estou no caminho certo, esse garoto ir fazer afamlia se mudar, ah, se vai!" Henrique foi brincar com os cachorros e Nena continuou seutrabalho, pensativa.

    "Esse menino no est normal. O que ser que ele tem? Est estranho!" O mocinho estavatriste, pegou os cezinhos, acariciou-os, depois os colocou no cercado. Um deles correu para umlado, ento Henrique escutou um barulho e um rudo esquisito. Quis correr, mas resolveuinvestigar.

    "Preciso ter coragem, parar com isso, de ter tanto medo, e ver o porqu do barulho."Percebeu ento que um dos ces chorava, uma tbua cara em cima dele. O garoto suspiroualiviado, tirou a tbua e agradou o filhote.

    "Quando estamos com medo, gato vira ona." Ficou tempo arrumando o canil, brincandocom os cachorros, distraiu-se, mais aliviado, pensou: "Creio que devo enfrentar o medo e verificara procedncia dos barulhos que escuto, talvez ache explicao para tudo isso. Bem, pelo menosnem tudo inexplicvel." Roberto estava inquieto, em casa parecia que estava semprevendo vultos, parecia ouvir risadas, como tambm tinha visto objetos se mexerem. Aquela casadeveria ter algo e resolveu procurar a dona Rita, que Olegrio recomendara para saber o que defato acontecera ali.

    Foi tarde, achou fcil a casa e foi recebido por uma senhora que o olhou fixamente. Pormomentos ele no soube o que dizer, tossiu e por fim falou: - Senhora, desculpe-me se a incomodo, que moro na Casa do Penhasco e estou tendo algumas dificuldades l. Sei que a casa tem umahistria e que a senhora talvez possa me ajudar me contando.

    Dona Rita o olhou novamente, ficou quieta por segundos e aps falou: - Quem no temhistria? No sei se posso ajud-lo, mas posso falar o que sei. Era moa e trabalhava para o casal,o senhor Irineu e a dona Leda, eles moravam naquela casa. Trabalhava l tambm Osvaldo, que eracaseiro e jardineiro. Quanto ao crime, ningum sabe o que ocorreu realmente naqueles dois diastrgicos, me desculpe, mas nem eu sei, s posso falar o que ouvi. Trabalhei no sbado pela manhe quando voltei na segunda-feira, encontrei-os mortos. Ftima, a garotinha de cinco anos, caiu dopenhasco, no buraco do lado direito da casa, onde agora tem as rvores, que l foi aterrado. Elaestava l cada, morta, a pobrezinha. Na sala da frente os trs mortos, o casal e o empregado. Foi

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    muito triste! Gostava muito deles, dona Leda era muito boa comigo. Os comentrios foramdiversos, cogitou-se que algum estranho entrou l e assassinou todos, mas a polcia afirmou quedona Leda e a menina morreram no sbado, e os dois homens no domingo, e tudo indicava que osenhor Irineu se matou. O pai do meu patro veio enterrar os trs juntos. Os valdo foi sepultadocomo indigente. Tiraram todos os mveis da casa e a trancaram. Ouvi dizer que a casa ficou para oirmo do senhor Irineu. Ele at tentou alugar, reformou, mas todos tm medo. E isso aconteceu h

    tanto tempo! - Dona Rita, existia na casa trepadeira, uma planta que cobre as paredes de fora dacasa? - Perguntou Roberto.- Sim, senhor, a casa tinha nas paredes heras verdes e estavam sempre podadas e bonitas -

    respondeu dona Rita, saudosa.- A senhora acha que a casa ficou assombrada? - Que tem assombraes? Bem, no sei,

    nunca mais fui l, s escutei comentrios, mas em cidade pequena fala-se muito. Mas l aconteceuesse fato to triste, talvez um dos mortos no tenha encontrado paz e esteja l perturbando -respondeu dona Rita.

    - Encontrar paz? Como se faz para ajud-los a ter paz? - Indagou Roberto.- Quem sabe? Talvez aquela religio que conversa com eles, os espritas.- Sim. Obrigado, senhora.- Espero que resolva esse problema. Se ele ou alguns deles estiverem vagando na casa, j

    tempo de terem so sego - disse dona Rita.Roberto foi embora e ento se lembrou do seu amigo Virgilio.Acontecimentos De& Quando Roberto chegou em casa tarde, encontrou Fbio

    conversando com a famliia. Aps os cumprimentos, ele explicou ao dono da casa.- Senhor Roberto, vim aqui para ver se quer colocar telefone em sua casa. A linha passar

    na frente, se quiser s puxar os fios e poder ter telefone.- Aceite, papai, ser to bom! - Pediu Fabiana.- No sei, vou pensar.Roberto no queria assumir compromisso, talvez tivessem que se mudar. Era hora do

    jantar e a visita foi convidada e aceitou. Fbio olhava muito para Anglica, que se sentiaincomodada. Aps foram para a sala, conversaram. Ao se despedir, Fbio pediu: - Anglica, vocme acompanha? Ela foi, estava inquieta. Ele falou: - Anglica, no sei mais que desculpa dar paravir aqui e lhe ver. Deve ter percebido que estou interessado em voc.

    Tenho chance? - que... - Anglica encabulou.- J entendi, desculpe-me.- Fbio, no isso, que estive doente, talvez nem tenha sarado e...- J disse, esteve doente, no est mais - falou ele.- Como pode ter certeza? - Balbuciou ela.- Eu sinto que est curada e a doena no desculpa para mim.

    - Tive cncer no tero, que foi extrado - falou Anglica, baixinho.- Por que diz isso para mim? - Indagou o moo. Anglica entendeu, ele s estava pedindo

    para namor-la, e no para se casarem. - Sorriu. Ele pegou na mo dela e a beijou.- Estamos namorando? - Estamos! Quando entrou na sala, todos a olharam por causa da

    demora e por ela estar to contente.- O que aconteceu, Anglica? - Perguntou Fabiana.- que Fbio e eu estamos namorando.- Legal, gosto dele! - Exclamou Fabiana.- Eu tambm, e ele parece apaixonado por voc. s observar a cara dele de bobo

    enamorado - comentou Henrique rindo.Todos riram, at Osvaldo ficou satisfeito ao ver a mocinha contente.- Falei a ele de minha doena - falou Anglica.

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    - De sua ex-doena - corrigiu a me. - Mas, filha, por que fez isso? Haviam combinado quel no iam comentar com ningum sobre a doena, para evitar comentrios que j a fizeram sofrer:"Ser que ir sarar?" "E to nova!" "No poder ter filhos!" "O cabelo crescer!", etc.

    - Senti vontade de contar tudo ao Fbio - disse a mocinha, suspirando.- Espero que ele no conte a ningum - expressou Dinia. Foram dormir e Osvaldo ficou

    na sala, murmurou: "Hoje no assusto ningum, estou emocionado com a alegria da Carequinha."

    No outro dia, Henrique ia subir a escada quando colocou a mo no corrimo e sentiu como setivesse colocado a mo em outra muito gelada, grande e peluda; arrepiou-se, tirou a mo, tevevontade de gritar, mas s gemeu. Assustou-se, ficou parado por segundos e aps subiu a escadacorrendo, sem colocar a mo novamente no corrimo. Fabiana estava no seu quarto. Henrique, noquerendo ficar sozinho, foi para o quarto dela.

    - Oi, Fabiana, o que est fazendo? - Arrumando o quarto - respondeu, sem prestar aten onele.

    - Fabiana, como voc est na escola? J se acostumou mesmo? - No comeo senti falta deminhas amigas, mas agora me acostumei, as meninas so bem legais. E tem o Leco, que omximo.

    Henrique teve de ouvir a irm falar do Leonardo, o Leco, por quem estava interessada,tudo era prefervel a ficar sozinho. S de pensar naquela mo, arrepiava-se. Ficou l com a irm

    at serem chamados para o jantar.Todos foram dormir, Roberto pegou o jornal para ler. Ficou pensando: "Tenho de tomar

    uma atitude, no gostaria de mudar dessa casa e ter de falar a todos que ficamos com medo dosfenmenos estranhos que aqui ocorrem. Estou com d do meu filho, o coitado est apavorado. Serpai no fcil, ter de tomar decises da famliia parece s vezes complicado. O fato que eutambm tenho me sentido mal nesta casa. As vezes me sinto exausto, como se algum absorvesseminha energia. Outras, sinto tristeza, como se estivesse sozinho, engraado isso, eu, sozinho! Asensao de no ser amado to forte que di; outras vezes sinto dor no peito, como a queHenrique diz sentir. As risadas so aterrorizadoras. J pensei muito e concluo que no impresso.Li h tempos que existe a possibilidade de ler na energia que envol ve objetos ou lugares osacontecimentos marcantes ocorridos com ou neles. Parece que se chama psicomefria*... isso mesmo. Mas se aqui aconteceu um crime, no isso que vemos *psicometria: mediunidade segundo aqual o mdium, posto em contato com objetos, pessoas ou lugares relacionados comacontecimentos passados, sintoniza se de tal maneira com o clima psicolgico em que essesacontecimentos ocorreram que se torna capaz de descrev-los (N.E.).

    ou ouvimos. Ento no deve ser isso. Henrique tem medo de estar doente, no creio, vejoe ouo tambm. Mas se falar isso, vou apavorar todos. Acho que pelo bem da famlia devemos nosmudar, tentar negociar a multa do contrato, afinal no aluguei casa com fantasmas. Se meusamigos souberem disso, iro rir pareo um menino com medo. Se pelo menos tivesse certeza deque esse fenmeno no nos prejudica. Prejudicando? Claro que est! Meu filho est apavorado eisso comea a me preocupar. Pensei que aqui iramos ter o sossego to almejado. Sofremos tantocom a doena de Anglica, gastei muito, fiz dvidas, comprei os mveis prestao e estoupagando o emprstimo. E aqui Dinia est ganhando bem. O que fazer?" De repente pareceu ver acaixa de charutos se mover. Ele no fumava, havia ganhado de um cliente aquela caixa e a deixouem cima da mesinha.

    "Fume! Fume! Quero desfrutar do fumo, faz tempo que no trago!" - Insistiu Osvaldo.Roberto pegou a caixa, teve vontade de acender um charuto, mas se conteve."No fumo e no agora que o farei. Que vontade estranha!" Apreensivo, foi dormir sem

    acabar de ler o jornal.Na escola os amigos de Henrique insistiram com ele para serem convidados a visitar sua

    casa.- Gostaramos de ir l, nunca fomos.

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    - Prometemos no bagunar. Fala-se tanto dessa casa que estamos curiosos. Ento,podemos ir? - - Henrique, ela assombrada ou no? E verdade que a alma penada do criminosoest l? Ele matou uma menina bem pequena.

    - No tem nada, uma casa como outra qualquer - respondeu Henrique.- Se no tem nada a esconder, nos convide.- Est bem, espero vocs hoje tarde. Podem ir de nibus, ele pra na estrada - concordou

    Henrique.Os meninos se entusiasmaram e Henrique ficou preocupado. Voltou para casa pensativo."E se o fantasma assustar meus amigos? Como expli car? Bem, posso dar algumas

    explicaes. Se uvirem risadas, digo que uma gravao que fiz para assust-los, se virem objetosse mexerem, falo que amarrei com linha e puxei. Posso falar que fiz para animar. isso mesmo!"Mas ficou apreensivo. No almoo falou a todos que os amigos vinham. Dinia pediu empregada: -Nena, faa um lanche para eles. Que sejam bem-vin dos, gosto da casa cheia, podem passear por acom eles.

    Vieram doze, estavam curiosos, observaram tudo com ateno, foram ao pomar, comeramfrutas, brincaram com os cachorros, riram e conversaram, animados. Henrique fi cou tenso o tempotodo, tentando parecer normal. Nena ser viu um lanche saboroso, os garotos gostaram.

    - Puxa, Henrique, que casa gostosa! Lugar bonito! Vocs esto bem acomodados aqui.

    Que sorte! - Parece tudo to normal! A histria da assombrao falatrio de cidadepequena.

    - Queria morar aqui! Henrique sorriu ao escutar os amigos, suspirou aliviado.Quando foram embora, pensou: "Ainda bem que o fantasma no os assombrou." Osvaldo

    ficou olhando tudo aborrecido e quieto. "No me importo com essa molecada, eles no moram aqui.No sou palhao para dar espetculo. Quero assombrar os da casa. Ainda bem que esses pestinhasforam embora. Como so alegres!" Naquela semana, como todo primeiro domingo do ms, era o davisita que Nena fazia ao irmo, que estava preso. Osvaldo ficou na cozinha observando-a, e quandoela se ps a pensar ele ficou escutando.

    "Antonio logo ser solto. J sofremos tanto separados, justo que fiquemos juntos. Comoiremos fazer? Ser que terei de ir embora daqui? J no sou to nova para arrumar outro emprego,depois de todos esses anos, tenho-os como minha famlia, faz onze anos que trabalho para eles.Como me aven turar por a sem emprego? Sei que para ele ser mais difcil, ningum quer daremprego para ex-presidirio. E eu quero tanto ficar com o Antonio.

    Como dizer aos meus pafres que menti esse tempo todo? No comeo achei, quando vimtra balhar para eles, que seria mais um emprego, e para que me aceitassem menti, dizendo queAntonio era meu irmo, como tambm inventei o motivo de ele estar preso. Se no fizesse isso,naquela poca, ningum me daria emprego. Eles acre ditaram e no checaram se era verdade, e otempo foi passando, eu fui gostando deles cada vez mais, eram, so minha famlia, porque a minhamesmo nem conheci, meus pais me abandonaram. Fui bem pequena para uma instituio, quan dosa, me arrumaram emprego de domstica, mas l um dos moos, filho dos meus patres, tentouestuprar-me, tive de sair e foi nesse momento difcil que conheci Antonio e nos apaixonamos, aaconteceu aquela desgraa, fugi com ele, at que foi preso e j est h treze anos na priso. Aindabem que ele logo ir ser beneficiado com a liberdade condicional. J estivemos muito temposeparados, agora quero ficar com ele. Mas como? Quero tanto continuar aqui, com essa famlia.Como farei para me desmentir? Ser que vo conti nuar confiando em mim? Meu Deus! O quefao? E to difcil contar a verdade!" "Mas que empregada mentirosa! - Exclamou Osval do. -Enganou a todos, diz que o irmo que visita mas o amante! Isso no fica assim!" No domingo,cedinho, Roberto levou Nena at a rodovi ia. Ela foi cheia de sacolas com roupas, doces, bolo, etc.Osvaldo ficou olhando, quis ir junto para ver o que a empre gada ia fazer, mas no conseguiu sair, omximo que ia era at o caminho.

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    "Que maldio! Queria tanto ir com ela. Nena vai visitar um preso, queria ver como umapriso. Antonio est preso como eu, s que ele recebe visita e eu no!" Dias se passaram e Osvaldoestava impaciente, no era sempre que conseguia fazer barulho, assustar os dois. Tentava e, quandodava certo, se divertia. Queria que eles se mudassem para ficar s naquela casa, sua priso, emboras vezes achasse que no era to ruim assim ter companhia.

    Estavam todos almoando, Nena tomava as refeies com eles, era tratada como um

    membro da famlia. Roberto tirou do bolso uma carta. Como a correspondncia demorava para serentregue, ali o correio passava uma vez por semana, ia ento para o endereo do banco.- Chegou uma carta para voc, Nena, do seu irmo."E agora que desmascaro esta mentirosa!" - Afirmou Os valdo. Se aproximou de Henrique,

    que falou o que ele queria.- Deixe-me ver! Engraado, Nena, seu irmo no tem o mesmo sobrenome seu! Por que

    isso? Voc pode nos expli car? Ser que no seu namorado? Pelo seu jeito, ! Voc mentiu! EsteAntonio seu namorado! Nena viu sua mentira descoberta, levantou-se e pegou tremendo a carta.

    - E verdade isso, Nena? - Perguntou Dinia.Fez silncio por segundos. Nena comeou a chorar.- E verdade! Antonio como se fosse meu marido. - Fa lou Nena, saindo da sala.- Eu sinto muito... - Balbuciou Henrique, comeando a chorar, e saiu tambm.

    O pai foi atrs, a me o acompanhou, o almoo termi nou. O garoto sentou-se no sof echorou sentido, Roberto o abraou.

    - Papai, no agento mais isso! Nunca ia ofender Nena, gosto dela. Fui indelicado, grosso,a fiz chorar. Estou sendo sincero, no sei por que falei. No sabia nada daquilo. E isso estocorrendo, falo coisas que no quero, vem forte, parece que estou impulsionado e falo.

    Fez silncio, at que Dinia falou: - Que coisa! Primeiro foi com Fabiana, os pesadelos, otratamento; depois a doena de Anglica, agora voc. Devemos lev-lo a um psiclogo oupsiquiatra! - Leve-me aonde quiser, eu topo! Fao qualquer coisa para ficar livre disso. Por Deus,papai, vamos mudar! E vergo nhoso eu dormir no quarto de vocs, estou cansado, nervoso, schegar em casa sinto como se tivesse dois buracos no peito, escuto barulho, vejo objetos mexer. Euestou sofrendo! - Meu filho, entendo voc. Vamos ajud-lo - consolou Roberto.

    Henrique saiu, foi para seu quarto triste e aborrecido. Osvaldo resmungou: "Ser queexagerei? Estou com d do garoto; depois, a empregada est se desmanchando em lgrimas." -Roberto, Henrique est me preocupando. Ser que adolescncia? - Indagou Dinia.

    - No creio, Henrique sempre foi um bom menino. Dinia, eu tambm tenho visto e ouvidocoisas estranhas nesta casa e, como ele, no tenho me sentido bem aqui.

    - Por que no me disse? - Perguntou a esposa, preocupada - Para no a assustar. Que vocacha de pedir ajuda ao Virglio? Ele esprita, nos ajudou com a doena de Anglica.

    - Ele orou por ela, nos visitava sempre nos animando, mas agora diferente. Vou falarcom o padre da cidade, es pere, Roberto, deixe primeiro eu pedir ajuda ao proco. Vou hojemesmo.

    Roberto concordou. Dinia foi trocar de roupa para ir cidade junto com o marido. Eleficou pensando no amigo. Conhecia Virgiio desde criana, cresceram juntos, moravam perto,gostavam um do outro, freqentaram a mesma escola, ele era leal e bondoso. Quando moo passoua freqentar o Centro Esprita, tornou-se religioso.Roberto no gostava de falar sobre o assunto e oamigo no insistia, mas sabia que ele via pessoas que morreram, conversava com elas e, segun doele, o Espiritismo o ajudou muito. Virgiio era tranqilo, confiava nele.

    Dinia foi igreja, observou tudo, era simples, pequena e muito bonita. Lugares de oraosempre lhe davam calma; ajoelhou-se e orou, sentiu-se melhor. Viu uma senhora arrumando o altar,foi at ela e pediu para falar com o padre. Esperou meia hora. A mesma senhora a convidou.

    - Por aqui, o padre ir receb-la.Aps os cumprimentos, Dinia foi logo ao assunto.

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    - Senhor, sou catlica, moro na Casa do Penhasco, l no morro, e estamos passando pordificuldades. Meu filho e meu esposo tm visto e ouvido coisas estranhas por l, o menino estapavorado. Gostaria que o senhor fosse l benzer, sei l, exorcizar a casa. O senhor ir, no ?Porque, se no for, meu esposo vai chamar um amigo dele que esprita.

    - Na Casa do Penhasco... Mas a senhora j mudou h um bom tempo e no veio missa.- que tenho estado muito ocupada - justificou-se Dinia.

    - Senhora - falou o padre -, no sei se posso ajud-la. J estive l a pedido de uma outrafamlia. No h nada de errado com a manso, impresso, talvez pelo tipo, pelo lugar em que esta casa ou pela tragdia que ocorreu l.

    - Ento o senhor no vai me ajudar? - Indagou Dinia, indignada.- Acho que melhor seu esposo chamar o amigo esprita, afinal o Espiritismo mexe com o

    demnio. Desculpe-me, se nhora, estou muito ocupado, espero v-los domingo na missa.Dinia deu um sorrisinho forado, despediu-se e pensou: "No quer nos ajudar e convida

    para a missa." Outras pessoas aproximaram-se e ela se afastou, sen tida. Voltou de nibus paracasa.

    Nena no sabia como agir, fez seu servio normalmente aps ter chorado por tempo.Queria tanto contar a verdade! Imaginou muitas maneiras de faz-lo e sentiu ter sido daquele jeito.

    No entendia Henrique, era to educado, amava os trs como se fossem filhos dela,

    cuidava deles, Dinia sempre trabalhou e as crianas ficavam por conta dela. Agora o me ninoHenrique estava mudado, desde que mudaram para aquela casa estava estranho, calado, quase nembrincava com os cachorros. Algo estava errado, pensou ela.

    Ningum tocou no assunto. Foi como se no tivessem descoberto, cada um estavaenvolvido em seus problemas, que eram muitos.

    Anglica s pensava em Fbio. Estava muito entusias mada com ele, o namorado toatencioso, carinhoso. Quanto mais o conhecia mais o achava inteligente, simples e, o maisimportante, ele parecia tambm enamorado. As vezes tinha a impresso de conhec-lo h muitotempo, riam quando des cobriam interesses em comum, gostavam das mesmas coi sas. S que jno era indiferente morte como alguns meses atrs, queria sarar para estar sempre perto dele.Estava preo cupada. "Ser que sarei ou no?" - Indagava a si mesma. Mesmo no querendo pensarna sua doena o fazia.

    Queria muito estar curada. Tambm a mocinha estava preocupada com o irmo, queriatodos bem e Nena estava includa nesse desejo, gostava dela.

    Fabiana no queria dar palpite, achava que se o problema era aquela casa, deveriam semudar. Achava-a estranha; de pois no gostava de pensar que ali houve um crime brbaro.

    Quanto a Nena, entendia-a por ter mentido, o fizera por medo de ser mandada embora.No queria separar-se dela, que considerava uma segunda me.

    Diriia estava com uma encomenda grande, tinha que trabalhar e estava preocupada com ofilho. No sabia o que fazer, se o levava ou no para a casa de sua me. Mas se o fizesse eleperderia o ano letivo. Ser que ele estava doente? Seria srio? Sofrera tanto com a doena deAnglica, ainda tinha medo de que o cncer surgisse em outro rgo, nem bem passara apreocupao com um, vinha o outro.

    Esperava resolver esse problema com Nena, no sabia por que ela mentira. Algo muitosrio deveria ter ocorrido para ela esconder a verdade esses anos todos. No queria perd- la,gostava dela, estava com eles havia tantos anos, sempre leal, trabalhadeira. Se ela fosse embora,teria mais um problema, ainda mais que a faxineira avisara que no vinha mais, era a terceira quedesistia.

    Mesmo preocupada, Dinia concentrou-se no trabalho.Roberto no pensou mais no assunto, achou que Nena poderia explicar, tinha muito o que

    fazer e estava muito preo cupado com Henrique.

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    Quando Roberto chegou para jantar, encontrou Henrique parado, de p ao lado de umajanela, no sof livros abertos.

    - Papai, amanh tenho prova e no consigo estudar, acho que estou doente.- No, filho, voc no est doente, para tudo isso que est acontecendo deve ter

    explicao. Reaja, no se deixe abater. Vamos confiar, tudo voltar ao normal.O jantar foi servido e Nena no se sentou a mesa. Roberto indagou: - Nena, por que no se

    senta conosco? No quer jantar? - que... No sei se devo - respondeu Nena, encabulada.- Sente-se, por favor - insistiu Roberto.Ela se sentou e Henrique falou: - Desculpe-me, Nena, no quis ofend-la. No quis

    mesmo.-Estamos com muitos problemas, que fique tudo como antes, depois resolveremos o seu,

    est bem, Nena? - Disse Dinia.Jantaram em silncio. Logo aps vieram Fbio e os ami gos de Fabiana, conversaram

    animados na sala. Henrique ficou quieto, estava triste. Quando as visitas foram embora, as duas oslevaram at os carros. Fbio indagou namorada: - Est acontecendo alguma coisa com vocs?Henrique est to quieto.

    - Acho que esta casa, Henrique insiste em dizer que v e ouve coisas.- E voc, v ou escuta? - Indagou o moo.

    - No, mas s vezes tenho sensaes estranhas, como se algum me chamasse deCarequinha e risse de mim.

    - Anglica, se seus pais quiserem mudar eu tiro a multa e arrumo outra casa boa paraVocs.

    Quando ela entrou em casa, os quatro estavam ainda na sala, e Anglica comentou o queFbio dissera. Henrique falou, triste: - Tudo por minha causa! Vou superar isso! Se todos gos tamdaqui e se esto bem, vou me adaptar. Tudo pode ser impresso ou estou doente. Hoje vou dormirno meu quarto.

    - No, filho, eu acredito em voc, no quero que sofra com medo. Dormir conoscO, seinsistir eu irei para seu quar to, vou junto - disse o pai.

    - Roberto - falou Dinia -, telefone, por favor, para seu amigo Virglio, pea ajuda a ele,convide-o para vir aqui. Creio que ele pode nos auxiliar.

    - Boa idia - expressou Anglica. - Ele me ajudou tanto quando eu estava doente, meanimava, eu me sentia bem quando ele me dava passe.

    - Tambm aprovo, gosto dele, acho a Doutrina Esprita muito fraterna e verdadeira a teoriasobre reencarnao. muito triste e injusto pensar que se vive uma vez s aqui na Terra - opinouFabiana.

    - Vou fazer isso. Amanh mesmo telefonarei do banco para ele.Foram dormir mais esperanosos.Pela manh, Roberto tentou falar com seu amigo Virglio e no conseguiu, porque este

    no se encontrava em casa; estava aflito para faz-lo. Achava que ele, com seu conheci mento ebondade, os ajudaria. S o fez tarde. Contou sem entrar em detalhes o que ocorria e pediu: - Porfavor, nos ajude novamente, venha nos fazer uma visita com a Silze. Aproveitar para conhecer olocal, descansar um pouco. Aqui pacato e tem um clima muito bom, ver como bonito e comoestamos com problemas.

    - Daqui a vinte dias teremos um feriado que poderei emendar. Vou conversar com Silze,telefono avisando se der para ir. Roberto, ore mais e pea para todos em casa orarem. Eu vou fazerminhas preces daqui e pedir aos bons espritos para ajud-los.

    E Virglio o fez, na reunio daquela noite, da qual partici pava com outros companheirosno Centro Esprita que fre qentava; orou e pediu auxlio para os amigos.

    Carmelo era um desencarnado trabalhador do bem e amigo de Virglio, estava no planoespiritual j havia algum tempo. Tinha ajudado Anglica quando ela estava doente, aprendera a

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    am-la e queria bem a todos da famlia. Ao sa ber do problema, pediu ao mentor espiritual da casapara ver o que ocorria e tentar ajud-los. Foi dada a permisso e Carmelo foi para l visit-los.

    Logo que chegou, Carmelo entendeu o que estava acon tecendo. Viu Osvaldo, mas esteno o viu. Osvaldo tinha poucos conhecimentos do plano espiritual, via e agia como se estivesseencarnado, s veria um outro desencarnado se fosse como ele ou se um bom abaixasse suavibrao. Carmelo preferiu no ser visto por ele, isso facilitaria, por enquanto, seu trabalho.

    Analisou o que estava acontecendo e traou um plano de ajuda, se organizou e tomoualgumas providncias. Orou e incentivou os moradores da Casa do Penhasco a faz-lo.Conseguiu, todos passaram a orar. E no domingo, quando reunidos, noite, Roberto os

    convidou: - Virglio nos recomendou que orssemos mais. Vamos fazer uma prece juntos? Issomelhorou os fluidos do lugar. Enquanto oravam, Car melo deu passe em todos, acalmando-os,concentrou sua ajuda em Henrique, no deixando mais que Osvaldo sugasse as energias; com issoele no pde mais mexer objetos nem fazer barulho. Vigiava Osvaldo de perto, tambm lhe dandoenergias benficas que o faziam dormir. Ele passou a adormecer muito. Com sono ia para um cantoda sala e dormia. Resmungava sem entender o que acontecia: "Que preguia, at parece que estouencarnado. Estou com muito sono, se estivesse no corpo fsico diria que estava doente. Quemoleza! Pior que no consigo fazer nenhum assombro. Desse jeito eles iro desistir de se mudar.Vou dor mirde novo!" nena estava quieta, conversava s o essencial e comeou, a pedido de

    Roberto, a orar mais. Estava mais calma, porm muito preocupada, sabia que logo iria ter quecontar a verdade e temia a reao de seus patres.

    As garotas tambm passaram a fazer mais preces. Henri que sentiu-se melhor, maisdisposto e se ps a estudar, estava atrasado na escola e queria se recuperar. O casal aguardavaesperanoso a chegada do casal amigo.

    Para melhor ajudar, Carmelo soube de tudo, quem eram os envolvidos nos acontecimentosocorridos ali no penhasco, onde estavam e o porqu de Osvaldo estar ali. Assim ficou conhecendo ahistria real dos ex-moradores da Casa do Penhasco.

    Irineu, o antigo proprietrio, era jovem quando conhe ceu Leda e apaixonou-se por ela.Ele era de uma famlia rica, seus pais tinham uma fbrica de produtos agrcolas e ele viajava paravend-los. Sentia-se feliz. Conheceu Leda quan do foi a trabalho quela cidade e comearam anamorar. A famlia dele no queria o namoro, acharam-na vulgar e tambm falavam muito mal delana cidade. Mas ele teimou e, quando ela ficou grvida, eles se casaram. Alugaram uma casa nacidade, onde passaram a residir. Irineu preferiu morar longe de sua famlia, j que eles nogostavam de sua esposa, e continuou com seu trabalho de viajante.

    Ele comprou as terras do penhasco no morro, amou o lugar assim que o viu. Leda nogostou, achou que ali ficaria isolada, mas acabou concordando e a casa foi construda, demoroupara ficar pronta, foram trs anos e meio de cons truo, mas ficou como eles planejaram, uma casagrande e muito bonita.

    Quando se mudaram, a filha, Mana de Ftima, a Fatinha, j era grandinha. Irineu queriamais filhos; Leda no, achava que davam trabalho e que deformaria seu corpo.

    "Tenho medo desse penhasco, perigoso o lado direito da casa, vou ter de vigiar bem amenina" - dizia Leda.

    "Realmente perigoso, vamos proibi-la de ir l" - falou Irineu.De fato, do lado direito da casa havia um declive com muitas pedras. Irineu mandou fazer

    uma trilha, um estreito caminho que o contornava. Achava perigoso, mas muito lindo.Quando construiu a casa, quis preservar o penhasco. Andava muito por ali admirando a

    paisagem. Conversou com a filhinha pedindo que no fosse l e a garotinha, obe diente, realmenteno ia. Irineu continuava apaixonado pela esposa, fazia tudo para agrad-la, gostava de ficar emcasa, era carinhoso, s vezes ficava aborrecido por ela gastar mui to, mas tentava justificarpensando que ela era jovem, que fora pobre e tinha vontade de possuir objetos. Para atend-latrabalhava muito.

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    Leda foi uma jovem rebelde e independente, deu muitos aborrecimentos aos seus pais.Muito volvel, ficou grvida por trs vezes e abortou. Quando Irineu se interessou por ela,ambiciosa, tudo fez para conquist-lo. Pensou: " a oportunidade de acertar minha vida. Ele rico epoder me tirar dessa pobreza.

    Ficou grvida e contou a ele, chorando."Irineu, me entreguei a voc por amor e estou grvida. Case-se comigo! No abortarei,

    nunca faria isso com um filho seu, j o amo como amo voc. Vai me deixar ser me solteira?""Casaremos. Amo voc e o nosso filho!" - Decidiu Irineu.No comeo foi novidade, ela curtiu o casamento, a gravi dez e a filhinha, depois comeou

    a ficar entediada; frvola, logo teve amantes.Osvaldo foi uma criana que sofreu muito. Quando era pequeno, a me foi embora, no

    agentou o marido bbado a surr-la e ele nunca mais soube dela. Osvaldo passou a morar com aav, me de seu pai, que no lhe tinha amor nem pacincia, estava sempre o xingando e dizendoque a me o abandonara; isso o fazia chorar, sentido. O pai lhe tratava com indiferena, mas mesmoassim ele o temia e o evitava. Um dia seu pai, bbado, caiu na linha do trem e desencarnou numtriste acidente. A av tornou-se mais amar gurada, tirou- o da escola e o ps para trabalhar. Passoupor muitos empregos. Quando foi trabalhar para Irineu, a casa ainda e