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3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro 1 A CIDADE ENQUANTO PAISAGEM SOCIOCULTURAL UCRONICA E UTOPICA: reflexões a partir a partir de uma poética fotográfica LENZI, TERESA Universidade Federal do Rio Grande. Instituto de Letras e Artes. Curso de Artes Visuais - Licenciatura e bacharelado São Leopoldo, 335. Bairro Cassino. rio Grande. Rio Grande do Sul. Cep: 96205180 [email protected] RESUMO Esta reflexão procede de uma pesquisa em poéticas visuais, iniciada no ano de 1996, - e que se abre até o momento - sobre o sentido da cidade na vida contemporânea, intitulada A paisagem fotográfica dos trajetos cotidianos, e que teve como matéria-prima o contexto urbano, percebido no deslocamentos diários, e capturado pela fotografia. A investigação consistiu, desde seu inicio, em pensar, por um lado, as implicações metodológicas artísticas/científicas deste tipo de atividade, portanto, sobre as múltiplas formas possíveis de um fazer artístico; por outro, refletir sobre as questões conceituais especificas deste fazer, neste caso a cidade. No que concerne aos aspectos conceituais, a atenção voltou-se ao significado do olhar - na percepção de tempo e do espaço - como resultante da rotina. A concepção da cidade como um 'não-lugar', inicialmente muito intuitiva, foi confirmando-se como um princípio importante da pesquisa, e consolidou-se a partir do diálogo com alguns pensamentos e pensadores, entre os quais destaca-se a Marc Augé que imprimiu relevância as ideias iniciais, ao qual associou-se Michel de Certeau, Pierre Levy e outros tantos que dedicaram tempo e atenção a estudar e analisar as condições e modos de vida nas cidades contemporâneas. Absorveu-se destes diálogos a ideia de 'não-lugar' como aquilo diametralmente oposto aos espaços privados e personalizados como o espaço de nossa casa. O 'não-lugar' é impessoal e frio - tal como aeroportos, estações de ônibus e metrôs - e é predominantemente lugar de passagem, por isto tende a levar a ao distanciamento e a solidão. Nas cidades, sob movimentos constantes, a percepção do tempo e do lugar no contexto da vida contemporânea exige redimensionamento. O olhar sobre o cotidiano - mais precisamente, o olhar, como resultado das experiências e sensações experimentadas sob a influência do efêmero e da imaterialidade, passa a ocupar um lugar essencial na construção da percepção da cidade. Sob constantes deslocamentos, a percepção do tempo e do lugar requer redimensionamento. O tempo nesta condição é uma ucronia, o lugar uma utopia. Em uma licença poética se pode dizer: tempo ucrônico... paisagem utópica. A partir do conjunto das ações e reflexões desenvolvidas chegou-se ao entendimento da cidade contemporânea como paisagem: uma cidade-paisagem que caracteriza-se pela opacidade e distanciamento. Desta forma a paisagem opõe-se a um espaço virgem apenas sujeito às variações das leis naturais, e contrapõe-se ainda, à noção de lugar que remete à ideia de espaço ocupado. Se o lugar é um espaço ocupado, uma localidade, isto já não se aplica ao espaço urbano, porque as cidades do século XXI, constituem- se num espaço de trânsito, de nomadismos, de excessiva informação e da multiplicidade de signos que nos escapam. A cidade-paisagem pode ser em síntese entendida como uma denúncia da falta de lugar. Isso indica distância, não necessariamente física, mas também memorial, afetiva, que cria hiatos, lacunas. Uma distância entre a paisagem de fato e o olhar que cria, deforma, inventa. A partir desta peculiaridade é que se pode eleger o entorno, o espaço urbano, manipulado pela cultura, como o substituto da paisagem.

A CIDADE ENQUANTO PAISAGEM SOCIOCULTURAL … · Absorveu-se destes diálogos a ideia de 'não-lugar' como aquilo diametralmente oposto aos espaços privados e personalizados como

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Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

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A CIDADE ENQUANTO PAISAGEM SOCIOCULTURAL UCRONICA E

UTOPICA: reflexões a partir a partir de uma poética fotográfica

LENZI, TERESA Universidade Federal do Rio Grande. Instituto de Letras e Artes. Curso de Artes Visuais - Licenciatura

e bacharelado São Leopoldo, 335. Bairro Cassino. rio Grande. Rio Grande do Sul. Cep: 96205180

[email protected]

RESUMO

Esta reflexão procede de uma pesquisa em poéticas visuais, iniciada no ano de 1996, - e que se abre até o momento - sobre o sentido da cidade na vida contemporânea, intitulada A paisagem fotográfica dos trajetos cotidianos, e que teve como matéria-prima o contexto urbano, percebido no deslocamentos diários, e capturado pela fotografia. A investigação consistiu, desde seu inicio, em pensar, por um lado, as implicações metodológicas artísticas/científicas deste tipo de atividade, portanto, sobre as múltiplas formas possíveis de um fazer artístico; por outro, refletir sobre as questões conceituais especificas deste fazer, neste caso a cidade. No que concerne aos aspectos conceituais, a atenção voltou-se ao significado do olhar - na percepção de tempo e do espaço - como resultante da rotina. A concepção da cidade como um 'não-lugar', inicialmente muito intuitiva, foi confirmando-se como um princípio importante da pesquisa, e consolidou-se a partir do diálogo com alguns pensamentos e pensadores, entre os quais destaca-se a Marc Augé que imprimiu relevância as ideias iniciais, ao qual associou-se Michel de Certeau, Pierre Levy e outros tantos que dedicaram tempo e atenção a estudar e analisar as condições e modos de vida nas cidades contemporâneas. Absorveu-se destes diálogos a ideia de 'não-lugar' como aquilo diametralmente oposto aos espaços privados e personalizados como o espaço de nossa casa. O 'não-lugar' é impessoal e frio - tal como aeroportos, estações de ônibus e metrôs - e é predominantemente lugar de passagem, por isto tende a levar a ao distanciamento e a solidão. Nas cidades, sob movimentos constantes, a percepção do tempo e do lugar no contexto da vida contemporânea exige redimensionamento. O olhar sobre o cotidiano - mais precisamente, o olhar, como resultado das experiências e sensações experimentadas sob a influência do efêmero e da imaterialidade, passa a ocupar um lugar essencial na construção da percepção da cidade. Sob constantes deslocamentos, a percepção do tempo e do lugar requer redimensionamento. O tempo nesta condição é uma ucronia, o lugar uma utopia. Em uma licença poética se pode dizer: tempo ucrônico... paisagem utópica. A partir do conjunto das ações e reflexões desenvolvidas chegou-se ao entendimento da cidade contemporânea como paisagem: uma cidade-paisagem que caracteriza-se pela opacidade e distanciamento. Desta forma a paisagem opõe-se a um espaço virgem apenas sujeito às variações das leis naturais, e contrapõe-se ainda, à noção de lugar que remete à ideia de espaço ocupado. Se o lugar é um espaço ocupado, uma localidade, isto já não se aplica ao espaço urbano, porque as cidades do século XXI, constituem-se num espaço de trânsito, de nomadismos, de excessiva informação e da multiplicidade de signos que nos escapam. A cidade-paisagem pode ser em síntese entendida como uma denúncia da falta de lugar. Isso indica distância, não necessariamente física, mas também memorial, afetiva, que cria hiatos, lacunas. Uma distância entre a paisagem de fato e o olhar que cria, deforma, inventa. A partir desta peculiaridade é que se pode eleger o entorno, o espaço urbano, manipulado pela cultura, como o substituto da paisagem.

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Preâmbulos. Só se vê aquilo que se olha. Os trajetos cotidianos da cidade-

paisagem. Isso que não tem nome e só possui figuras - a paisagem - pode ser vista então ao longe, como um deserto ou como um capricho, como um lugar vazio ou uma condensação memoriosa de todas as suas variações.

Luiz Pérez Oramas

Esta reflexão decorre de uma pesquisa em poéticas visuais, iniciada no ano de 1996, - e

que se prolonga até o momento - sobre o sentido da cidade na vida contemporânea,

intitulada A paisagem fotográfica dos trajetos cotidianos, e que tem como matéria-prima o

contexto urbano, percebido no deslocamentos diários, e capturado pela fotografia.

A investigação consistiu, desde seu inicio, em pensar, por um lado, sobre as implicações

metodológicas artísticas/científicas neste tipo de atividade, portanto, sobre as múltiplas

formas possíveis de um fazer artístico; por outro, refletir sobre as questões conceituais

especificas deste fazer, neste caso a cidade. No que concerne aos aspectos conceituais, a

atenção voltou-se ao significado do olhar - na percepção de tempo e do espaço - como

resultante da rotina.

Com os deslocamentos, o tempo e o lugar sugerem redimensionamento. O tempo nessa

condição é uma ucronia; o lugar, uma utopia. Em uma licença poética: tempo ucrônico1...

paisagem utópica. Dito isso, o olhar sobre o cotidiano - mais precisamente, o olhar enquanto

resultado de distintas experiências e sensações vividas em função dos ambientes dos

trajetos cotidianos diários- passa a ocupar lugar central na construção do conceito de cidade

enquanto. A percepção da cidade sempre em movimento, e a maneira e a forma de

tratamento deste tema através da fotografia define-se assim como interesse central desta

reflexão.

Sobrever... além de ver... olhar

A gênese da reflexão reside no Olhar, nesse ponto, nesse ato essencialmente humano e

depósito de subjetividade, com o qual se configuram os primeiros contatos com o mundo:

olhar como elaboração e depósito das experiências vividas.

1. Ucronia. [Do gr. ou , ‘não’, + -cron(o)- + -ia.] S.f. Aquilo que no se situa nem se pudede situar em tempo algum.

Utopia. [Do gr. ou ‘não’ , + -top(o)- + -ia: ’de nenhum lugar.]. Novo Dicionário Aurélio, 1986. A palavra utopia pode adquirir diferentes sentidos que dependerão do campo em que ela será utilizada e dos objetivos deste uso. Neste momento me reservo o direito de lançar mão do sentido literal ‘lugar nenhum’ proposto por Tomás Morus em sua obra Utopia (1516), embora o sentido original, neste autor, designe uma ilha imaginária onde existiria uma

sociedade perfeita na qual todos os cidadãos seriam iguais e viveriam em harmonia (Japiassú, 1996, p. 267).

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Em nossos cotidianos desenvolvemos, nos lugares onde vivemos, trajetos bastante

rotineiros. Em geral trabalhamos diariamente, por uma necessidade de manutenção, e nos

deslocamos em consequência disso e de outras tantas necessidades pessoais, muitas das

quais, criadas e impostas por essa sociedade consumista e essencialmente produtiva deste

nosso tempo. Repetir trajetos não é uma falta de criatividade. A repetição, nesse caso, se

dá, na maioria dos casos, pela primazia da funcionalidade. Os meios de transportes

coletivos, por exemplo, obedecem rotas definidas pela estruturação arterial das vias

públicas, que visam um fluxo mais veloz, mais dinâmicos. Há que se chegar mais rápido aos

lugares de trabalho! Há que se tentar fazer o tempo sempre ser mais lucrativo! Quando não

utilizamos nenhum meio locomotor, da mesma forma, não por falta de criatividade repetimos

os percursos, mas por termos assimilado esse sentimento de funcionalidade. Por essas

razões escolhemos os trajetos mais práticos, mais seguros e mais eficazes.

A repetição rotineira dos percursos citadinos impele a que nos indaguemos sobre a

importância do entorno e da conformação urbana em nossa existência: o que sentimos

quando nos deslocamos pelas cidades? Prestamos atenção na configuração urbana

constituída pelos seus múltiplos cenários? Conseguimos imaginar nossas cidades e seus

caminhos quando dela nos encontramos distantes? Que importância tem, de fato, as

cidades para os sujeitos que nelas vivem?

Imersa neste contexto de indagações, e tendo olhos para ver, sentidos para sentir e

capacidade para pensar, indaguei sobre como eu percebia esta paisagem, e em como eu

desenvolvia o meu olhar sobre esta paisagem que desde muito tempo eu identificava como

facetada, múltipla, dinâmica? Indaguei ainda sobre até que ponto as múltiplas informações

sensoriais proporcionadas pela dinâmica da cidade me afetavam, ou o quanto eu conseguia

apreender delas? As paisagens dos trajetos, embora repetitivas, penso, esvanecem,

escapam ao olhar...

Olhar... ponto relevante para se pensar a paisagem. Na língua portuguesa, olhar aparece

como um verbo transitivo direto, significando e expressando uma ação que passa ou transita

do sujeito à um objeto direto que lhe dá complemento e lhe confere sentido. Assim, pode-se

dizer que quando se pratica esta ação, pratica-se em relação a alguma coisa, ou a alguém.

Então é possível afirmar que quem olha, olha algo, vê, mira, dirige este gesto a um objetivo

determinado, alguém, alguma coisa. O olhar orienta em relação à existência das coisas,

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quanto a suas posições, seu movimento e tamanho. Aponta para um processo de

identificação. Como palavra que indica uma ação e função, é muito utilizada e comum,

absorvida no vocabulário, e integrada na comunicação diária como um consenso simples e

de significado pouco duvidoso. Nessa situação o olhar se confunde com o ato de ver. No

entanto, comparada com o ato de ver- própria de quem tem, a princípio, o instrumento para

operá-la, o olho - reveste-se de especificidades em função do sistema visual humano e do

sujeito que é o seu agente.

A experiência do olhar é particular, e seu comportamento depende da capacidade física de

ver, de cada sujeito e das inter-relações sociais, culturais, emocionais, afetivas e

psicológicas envolvidas nesse acontecimento. Por essa razão este tema tem sido objeto de

estudo e interesse de diferentes áreas e investigado há alguns séculos. Trata-se do olhar

como ‘(...) aquilo que define a intenção e finalidade da visão, isto é, a dimensão

propriamente humana da visão (Aumont, 1993, p. 58-59.)’2.

É com e a partir do olhar que se dá início à constituição das imagens mentais,

impressões internalizadas, nas quais, entre outras coisas, projetamos nós mesmos e

os outros. É na experiência do olhar que se revelam os valores pessoais e a compreensão

que temos do mundo que nos cerca e no qual estamos inseridos. Olhar é diferente de ver.

Ver é uma capacidade ótico-físico-química do corpo que vê porque é atingido pela

luminosidade do mundo. Mas, se não se quiser ver, basta fechar os olhos. Já o olhar

pertence a uma ordem sensorial, emocional, simbólica, e decorre de um sujeito

inconsciente. O olhar invade o sujeito, mesmo fechando os olhos ele pode ser

assaltado por imagens.

Desde uma concepção psicanalítica lacaniana, diz Juan-David Nasio (1995, p. 32): ‘(...) ao

contrário de ver que é aquilo que eu dirijo para o mundo, o olhar vem do exterior (...) Olhar,

ao contrário, é um ato provocado por uma imagem que vem da coisa até nós, sem que essa

imagem seja a imagem desta ou daquela coisa visível (...)’, o olhar ocorre ‘quando estamos

cegos na consciência, olhamos no inconsciente’. Olhamos porque podemos ver, mas este

olhar também é determinado pelo que sabemos sobre as coisas vistas, pelo que recebemos

do entorno, pelo que sentimos e até mesmo por aquilo que desejamos.

Como um resultado do acontecimento do olhar, tem-se as imagens mentais que são

incorporadas pelos sujeitos deste fenômeno, e que passam a definir seus próximos olhares.

2. O livro A Imagem, de Aumont, entre outros, é utilizado como ponto de partida e fundamentação teórica básica

porque aborda, entre tantas variedades de imagens, as que possuem forma visível, as imagens visuais.

Portanto, apresenta-se como uma abordagem substancial para a área de criação plástica.

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O olhar é então da ordem do indissociável entre o sujeito e o mundo, e determina os

consequentes olhares para este mesmo mundo e sobre o sujeito mesmo.

Nos nossos trajetos diários, podemos afirmar: eu vejo, eu olho e percebo muitas coisas. Mas

o que isso significa? ‘Só se vê aquilo para que se olha’, diz Maurice Merleau-Ponty (1992.

p. 19). Nesta concepção fenomenológica, ‘A visão é um pensamento condicionado, nasce

‘em virtude’ do que acontece no corpo, é excitada a pensar por ele. Ela não escolhe ser ou

não ser, nem pensar isto ou aquilo’ (Merleau-Ponty, 1992. p. 19). A visão como processo em

contínuo, ‘comovida por um certo impacto do mundo’, possível porque o indivíduo nele está

inserido, nele opera e por ele é influenciado. Nesta condição, cada acontecimento, cada

experiência é única para cada sujeito. E a experiência se revela em visões, imagens

particulares.

O olhar pode ser comparado com ‘um ir e vir’. Olhamos e somos olhados, sentimos e somos

sentidos. Eu olho a cidade como ela se mostra para mim, mas vejo a cidade através da

forma como me vejo nela, ou ainda, quem sabe... dos desejos e apostas que tenho em

relação a ela.

Andar pelas ruas, caminhar, entrar e sair dos lugares é uma experiência idiossincrática e

geradora de imagens mentais que armazenamos e, posteriormente, projetarmos sobre

novas situações, fenômeno que, inevitavelmente conforma uma espécie de colagem de

sensações e informações, visuais, auditivas, olfativas e mnemônicas, que, reiteradamente

se projetam sobre novas situações. A memória, é um armazém desorganizado e

indiscriminado que constituímos, e ele é determinante para a compreensão que

desenvolvemos do mundo. Seu efeito é concomitantemente retroativo e prospectivo. Diz

Massimo Canevacci (1997, p, 22):

Uma cidade se constitui também pelo conjunto de recordações que dela emergem assim que o nosso relacionamento com ela é restabelecido. O que faz com que a cidade se anime com as nossas recordações. E que ela seja também agida por nós, que não somos unicamente espectadores urbanos, mas sim também atores que continuamente dialogamos com seus muros, com as calçadas de mosaicos ondulados, com uma seringueira que sobreviveu com majestade monumental no meio da rua, com uma perspectiva especial, um ângulo oblíquo, um romance que acabamos de ler.

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A percepção visual dos lugares urbanos enquanto paisagem3 - que é um acontecimento em

devir - é influenciada pelo olhar enquanto construção contínua carregada de significados,

emoções e recordações pessoais, e que se insurge a cada momento, a cada nova situação.

(...) não há nenhum funcionamento do corpo de um sujeito, que alguém não tenha algum dia inaugurado, e isto significa que este alguém tem que olhar para este sujeito para que então ele olhe para o outro, da mesma forma que é preciso que este alguém fale para que o sujeito escute e então possa falar(...) Assim o corpo do sujeito e toda sua percepção do mundo funciona para o outro. Este olhar deve ser um olhar suficientemente dirigido (...) para que o corpo funcione dentro do mundo dos humanos, que é o mundo simbólico. Então olhar é realmente diferente de ver. Um animal vê, um sujeito olha. E é essa imagem inaugural,(...) que vai ganhar valor e vai ficar marcada como um pedaço do outro. Essas são matrizes que a gente leva para todos os outros olhares que se dá ao mundo

4.

É possível projetar sobre os lugares impressões vividas em outro momento ou ainda

associá-las com informações retidas na memória. A cidade se revela através da soma, como

uma colcha de retalhos, um lugar misturado5. Em uma perspectiva diferenciada, pode-se

dizer que a imagem mental que elaboramos das cidades também é influenciada pela

mobilidade e sobreposição típica da urbanidade contemporânea: pessoas e veículos em

constante movimento, edificações que se renovam, o clima que se altera, a sucessão das

horas. A paisagem visível não é necessariamente uma equivalência da paisagem

olhada. Percebemos a paisagem da cidade a partir de elementos visíveis e invisíveis. O

entorno e as circunstâncias participam do acontecimento, constituindo-se em agentes

catalisadores das organizações sensoriais e simbólicas. Se o contexto é acelerado, se a

oferta visual for diversificada, excessiva, as sensações e compreensões também serão

afetadas por esses estímulos. O olhar, tanto como um processo de construção simbólica,

quanto como experiência sensorial, estará sempre sujeito a esses fatores. Não temos

imunidade total ou mesmo controle sobre os estímulos externos. As cidades, como espaço

por onde transitamos, contínua e incessantemente nos invadem, nos atingem e muitas

vezes nos escapam. Nossos referenciais são móveis, nós e nossos olhares também.

‘As transformações mais radicais da nossa percepção estão ligadas ao aumento da

velocidade da vida contemporânea, ao aceleramento dos deslocamentos cotidianos, a

3. Mais adiante tratar-se-á desta questão de forma mais detalhada, abordando sua relação com a cidade, com os

trajetos e os lugares, e apontando especificidades sobre estes conceitos. 4. Declaração dada por Ângela Lângaro em uma entrevista concedida a autora deste texto. Psicóloga, membro

da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. 5. Estas expressões foram utilizadas por Massimo Canevacci em um trabalho sobre a compreensão da

comunicação nas grandes metrópoles, por isso se encontram em itálico.

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rapidez com que nosso olhar desfila sobre as coisas’ (Peixoto, 1996, p. 179). Nelson Brissac

Peixoto diz que o olhar desfila porque não há tempo para a contemplação. Nossos olhares

deslizam, deslizamos também. A sensação é de grande imobilidade, a ponto de por vezes

não sabermos se somos nós que passamos, ou se as coisas passam por nós. Nessas

condições nossos desejos derivam.

Se as imagens mentais que internalizamos podem ser consideradas como resultado do

acontecimento do olhar, justifica-se perguntar que imagens nós elaboramos para esse

contexto contemporâneo marcado pela aceleração do modo de vida e concomitância de

estímulos sensoriais. Ou ainda, partindo dessas constatações, indagar como, para quem e

por que tratar deste tema, desses sentimentos e concepções através da criação artística?

Cada um de nós estabelece com a cidade uma experiência indescritível e intransferível que

pode assumir diferentes formas, como as cidades invisíveis de Ítalo Calvino, por exemplo,

sempre tão parecidas, mas sempre infinitamente diferentes. Ao falar da cidade de Tamara,

diz o narrador Marco Polo: ‘(...) Penetra-se por ruas cheias de placas que pendem das

paredes. Os olhos não veem coisas, mas figuras de coisas que significam outras coisas (...)’

(Calvino, 1990, p. 17).

Giulio Carlo Argan (1992, p. 232), por sua vez, enfoca o sentido das cidades para seus

habitantes como resultado também de experiências inconscientes e passíveis de

interpretação individual: algo que está sujeito ao ritmo interior de cada um. Para refletir

sobre isso, utiliza como referência as pinturas de Jackson Pollock, Marc Tobey e a prosa de

James Joyce e diz:

(...) ninguém melhor do que eles soube captar a imagem do espaço urbano real, levantar o mapa do espaço-cidade e registrar o ritmo do tempo urbano, que cada um de nós trás dentro de si e que constituem o sedimento inconsciente das nossas noções de espaço e de tempo, ao menos enquanto nos servem para a existência-na-cidade, que representa sem dúvida a maior

parte da nossa vida6.

6. Sobre a importância do tempo vivido na cidade, diz ainda Argan: "É evidente que, se nove décimos da nossa

existência transcorrem na cidade, a cidade é fonte de nove décimos das imagens sedimentadas em diversos níveis da nossa memória. Essas imagens podem ser visuais ou auditivas e, como todas as imagens, podem ser mnemônicas, perceptivas, eidéticas. Cada um de nós, em seus itinerários urbanos diários, deixa trabalhar a memória e a imaginação: anota as mínimas mudanças, a nova pintura de uma fachada, o novo letreiro de uma loja;(...)". Os destaques são meus.

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Para Argan as experiências dos habitantes das cidades resultam sempre em interpretações,

que por sua vez, estão condicionadas principalmente ao ritmo de dois elementos: tempo e

espaço - estes, duas referências decisivas nas relações com o mundo e que se conformam

em função das características da experiência vivida por cada pessoa. Deslocar-se por um

determinado local da cidade, a pé, de carro, de metrô, percorrer eventual ou rotineiramente

um mesmo itinerário ocasionará diferentes percepções. O espaço será influenciado pelo

ritmo, pela velocidade com que se dá tal relacionamento, podendo perder corporeidade e

passando a ser percebido como tempo. (...) ‘Como o espaço da pintura de Pollock, o espaço

da cidade interior tem um ritmo de fundo constante, mas é infinitamente variado, muda de

figura e de tom do dia para a noite, da manhã para a tarde - o espaço da rua que

percorremos de manhã para ir trabalhar é diferente do espaço da mesma rua percorrida à

tarde, voltando para casa, ou do domingo passeando. E sobre esse tema inesperado,

poderíamos prosseguir até o infinito’ (1992, p. 239).

As vistas

¿cuál es la historia de las nubes? ¿cómo, el retrato del viento?

¿dónde quedó el cielo? Aurelio Asain

Dentre os diversos significados encontrados para o vocábulo vista (Ferreira, 1986),

podemos destacar: 1. ato ou efeito de ver, faculdade de ver ou perceber a forma, a cor, o

relevo das coisas materiais; visão. 2. panorama, paisagem, quadro, estampa ou fotografia

de uma paisagem. 3. a maneira de julgar ou apreciar um assunto, um ponto de vista. Estes

três exemplos são suficientes para confirmar a abrangência da expressão pois se referem

tanto àquele que vê, àquilo que é visto e à maneira seletiva de ver. A vista enquanto

conceito, tal qual a paisagem é tanto da ordem do fato, do acontecimento, quanto da ordem

da experiência, do sentimento e de elaborações decorrentes do universo simbólico.

As vistas, remete ainda a alguma coisa que está diante de nós, que está visível. É de certa

forma pelo trocadilho 7 entre as noções usuais oferecidas pela palavra vista e pela

expressão decorrente à vista que nos encontramos com a concepção de visão como um

campo possibilitador do olhar, significando inclusive o que não é visível. As vistas, como um

7. Trocadilho. [Dim. de trocado.] S. m. 2. Emprego de expressão ambígua. Aurélio, 1986.

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enunciado de múltiplo sentido, remete diretamente da noção de paisagem, a qual

concentraremos a atenção a partir deste momento.

Paisagens... lugares...

A cidade só é paisagem para o passante solitário. Paisagem é diferente de lugar.

Nelson Brissac Peixoto

Paisagem é uma palavra derivada de país e pode significar tanto uma região, um território,

ou uma nação (Cunha, 1991). Originária do vocábulo francês paysage, pode se referir tanto

a uma pintura, gravura ou desenho que representa um panorama natural ou urbano, quanto

a um espaço do terreno que se abrange num lance de vista (Ferreira, 1986).

Eliane Chiron 8 , que tem dedicado parte de suas pesquisas a analisar a incidência da

paisagem na criação artística, diz que: ‘País é onde moro. Paisagem é o que olho’. No seu

entendimento, a ideia de paisagem é algo inventado culturalmente e que surge como gênero

autônomo nas manifestações pictóricas apenas no séc. XIX. Diz ainda: ‘Antes disso a

paisagem era considerada como algo terrível, sobre a qual não se deveria aventurar’. É

possível que a partir desse tipo de sentimento tenha surgido a ideia de olhar a paisagem à

distância, evitando aproximação. No entendimento de Chiron, a paisagem é alguma coisa

que está distante.

A ideia do terrível e do distanciamento sugeridos pela paisagem ou mais exatamente pela

natureza estaria em hipótese, em outros momentos históricos, associada ao medo do

enfrentamento com o desconhecido, com as forças sobrenaturais e divinas da criação, um

tema caro às civilizações tementes a Deus e ao inexplorado. Abordar este tema talvez

pudesse significar, para as sociedades anteriores, desobediência ou prepotência.

A representação da paisagem a partir do século XVIII está absolutamente associada a

natureza como aquilo sobre o que o homem ainda não executou nenhuma ação

8. Anotações pessoais feitas durante a palestra "Paisagem - uma abordagem fenomenológica", proferida pela

Profª Drª Eliane Chiron - professora visitante da Universidade de Paris I Panthéon - Sorbonne - no Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 3 de dezembro de 1997 em Porto Alegre/RS.

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transformadora. Natureza como uma oposição ao ambiente domesticado, reiterando assim a

noção de paisagem como o entorno distante.

Giulio Carlo Argan (1992) aponta o período e o pensamento iluminista como demarcadores

da concepção de que a natureza não é uma forma ou figura criada de modo definitivo e

sempre igual a si mesma, que se pode representar e imitar. No seu entender, é a partir do

iluminismo que nasce a tecnologia moderna, que estimula o enfrentamento e

transformações sobre a natureza. E é nesse momento que se ampliam as reflexões sobre

as relações humanas com os espaços naturais e desdobramentos nos discursos filosóficos,

na estética, na representação artística e em especial nas práticas pictóricas.

A partir das noções do belo pitoresco e do belo sublime - que já possuíam um significado

nos enunciados sobre arte e sobre os quais, inclusive Emmanuel Kant funda sua ‘crítica do

juízo’ - as categorias ‘pitoresco’ e ‘sublime" dominam a expressão pictórica desse período,

revelando a tomada de consciência de que a finalidade da existência humana encontra seu

sentido no mundo terreno e não no além9. Assumir a vida terrena com uma certa autonomia

aos desígnios divinos é assumir responsabilidades, é assumir o arbítrio, e essa constatação

gera sentimentos distintos e que foram expressados por estas categorias pictóricas.

Argan afirma que ‘A poética iluminista do 'Pitoresco' vê o indivíduo integrado em seu

ambiente natural, e a poética do ‘sublime’ o indivíduo que paga com pavor e solidão a

soberba de seu isolamento (...)’, mas que, apesar destas especificidades e diferenças "(...)

se completam e refletem na sua contradição dialética um problema específico de uma

determinada época" (1992, p. 20).

Esse momento histórico marca então ponto importante de tomada de consciência em que os

homens admitem a infinitude do Universo, mas que também compreendem que, apesar dos

mistérios que os cerca, há uma vida terrena que deve ser vivida em grupo e sobre a qual

devem ter arbítrio, determinação e responsabilidades. A representação pictórica desse

momento expressa essa ambígua conscientização10.

9. A respeito do sentido da paisagem nas representações pictóricas históricas, ver, entre outros autores, Kenneth

Clark em A Paisagem na Arte, 1949. Esse obra teve origem no entendimento do autor de que a compreensão da

arte do século XX passa necessariamente pelo conhecimento da arte do séc. XIX - momento em que a expressão da paisagem manifesta-se com independência. Um estudo consistente da história da paisagem exige uma investigação específica dada, a sua extensão e complexidade. Aqui revejo apenas alguns aspectos com o objetivo de contextuaizar o problemática poética que move esta pesquisa. 10

. Difícil sintetizar, sem cometer deslizes, essas complexas categorias do séc. XVIII que explicitam duas diferentes posturas dos homens frente às suas realidades sem considerar outros fatores, como os precedentes históricos, a simultaneidade com que ocorrem e seus desdobramentos, e que também não permitem um tratamento superficial. Destaco, para fim de ilustração, como representantes da poética do pitoresco, Alexander Cozens (1700-1786), John Costable (1776-1837) e William Turner (1775-1851), e da poética do sublime, Johann Heinrich Füssli (1741-1825) e William Blake (1757-1827).

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Sem pretender absolutizar conceitos, optamos pela ideia de que a paisagem é de fato uma

invenção cultural e que resulta da aceitação do da concepção de natureza como um lugar

impreciso e distante que se precisa delimitar para que se transforme em algum lugar que

nos abrigue, ou que pelo menos nos sirva de referência mesmo que seja para falar da

inefabilidade do espaço e do tempo.

Numa perspectiva fotográfica, Olivier Debroise analisa as relações da paisagem na

representação do século XIX, destacando que a paisagem pode ser considerada o motor da

arte de fixar as imagens e que é apenas nesse momento que esse gênero -de tradição

pictórica franco-holandesa, deixa de ser um gênero menor e adquire um status mais

privilegiado. Nessa compreensão de Olivier -que particularmente interessa aqui nesse

contexto-, o sentimento que alimenta essa prática esta ligado a uma espécie de nostalgia,

porque a invenção da paisagem responderia à necessidade de separação, mais mental do

que real e física, entre o mundo rural e o estilo de vida urbano ou burguês, entre território

socialmente neutro e território politizado do civil (ou civilizado). A adesão desta classe social

à paisagem fotográfica pode ser entendida, num primeiro momento, como um exercício de

reconhecimento de sua descendência campesina, isto é de suas origens que ficaram para

trás. De qualquer forma, é atitude movida pelo desejo de reconhecer o seu lugar.

(...) el ‘hombre civilizado’ de la ciudad empieza a observar el mundo externo con cierta dosis de nostalgia, quizás, con condescendencia sobre todo, y un recrudecido y retrospectivo deseo de posesión de sus territorios perdidos, del espacio de su gestación. El paisaje es el arte de mostrar huellas de la presencia humana inscritas en la naturaleza: una representación de la ausencia (Debroise, 1995, p. 10).

A partir desse enfoque, convém lembrar ainda que a proliferação e aceitação do gênero

paisagem, a partir desse período, esteve ligada também ao desejo da classe denominada

burguesa, que via nesse tipo de representação, fosse através da fotografia, pintura ou

outros meios, a possibilidade de documentação de seus feitos desenvolvimentistas e

transformadores. A partir deste século as cidades cresceram de forma significativa, surgiram

novas configurações urbanas e a natureza foi transformada de maneira impactante. O

projeto que se deflagra neste momento aponta para uma ação infinita. É preciso progredir! É

preciso edificar! É preciso derrubar e reconstruir! Isso é progresso... Mas é preciso registrar

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este movimento todo. Assim, principalmente a fotografia - pela sua pseudo veracidade e

dinâmica - surge como um instrumento preciso que poderia de alguma forma efetuar o

registro dos acontecimentos. A câmara fotográfica com seu poder de atestação preservaria

a memória das transformações11.

Olivier Debroise aponta ainda a descoberta da paisagem como uma arte de mostrar

pistas, vestígios da presença humana inscritos na natureza, ao mesmo tempo que

uma representação de sua ausência. A partir desta noção é possível fazer uma

aproximação com o sentido da cidade, ou melhor, dos trajetos cotidianos urbanos que aqui

estamos hipoteticamente apontando, como paisagem. Ao denominar a cidade como

paisagem, estamos imediatamente fazendo oposição à noção de lugar como um

espaço onde o homem encontra-se integrado e agasalhado.

As noções da representação da paisagem no decurso da história da arte até o ingresso no

século XIX, em que se constata a in-dissociabilidade da paisagem com a natureza,

permitem uma aproximação ao entendimento deste tema, aqui, neste trabalho.

A paisagem pode ser entendida como a representação das impressões ou sensações que o

entorno proporciona. Mas é um entorno que conserva sua essência, que ainda não foi

violado; portanto, alguma coisa que se distingue das coisas que podem ser produzidas pela

mão do homem, embora em alguns momentos, como na Idade Média, por exemplo, as

paisagens tenham sido representadas de forma simbólica, com jardins limitados por muros

ou circundados por flores ornamentais. Neste caso tratava-se de uma idealização, originária

de relações religiosas e de promessas de paraísos.

Em geral, nos diferentes momentos históricos, predomina o entendimento da paisagem

como aqueles espaços sobre os quais o homem ainda não havia atuado, modificado ou

domesticado. Mesmo a partir do século XIX, quando esta situação começa a ser alterada.

Se nos perguntarmos sobre a orientação que podemos dar a paisagem hoje, tendo como

ponto de partida a natureza inviolada e ao alcance da nossa vista, teremos dificuldade em

defini-la. Até onde nossa vista alcança não vamos encontrar nenhum espaço ou

território sobre o qual o homem não tenha agido e violado... A partir desta

peculiaridade é que indicamos aqui o entorno, o espaço urbano manipulado pela

cultura, como o substituto da paisagem. Nossa paisagem, de homens contemporâneos

do século XX é diferente: paisagem é aquilo que se pode abranger num lance de vista, com

11

. Muitos autores tratam deste assunto, sobre o qual não vamos nos deter sob pena de nos afastarmos do nosso propósito. Cito Walter Benjamin em Pequena história da fotografia, Susan Sontag em Ensaios sobre fotografia, e Annateresa Fabris Fotografia: usos e funções no século XIX.

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todas as suas alterações, com toda a parafernália tecnológica e com todo tipo de

implicações sensoriais, psicológicas e culturais decorrentes.

A cidade como paisagem caracteriza-se por uma opacidade e distanciamento resultante da

excessiva edificação, da multiplicidade dos elementos dinâmicos e da profusa mobilidade

humana. Neste sentido, a paisagem opõe-se a um espaço virgem apenas sujeito às

variações das leis naturais. E contrapõe-se também, à noção de lugar que remete à ideia de

espaço ocupado.

Se o lugar é um espaço ocupado (CUNHA, 1991), uma localidade, como tratar da

cidade dessa forma, se a cidade para nós, sujeitos do final do século XX, constitui-se

num espaço de trânsito, de nomadismos, de circulação excessiva de informações e

de multiplicidade de signos?

Pensar sobre a paisagem urbana neste momento significa interrogar sobre qual é o nosso

lugar. Temos lugar? Portanto nos diferenciamos aqui de forma definitiva das noções de

paisagem que conhecemos. A cidade como paisagem pode ser em síntese entendida

como uma denúncia da falta de lugar. E não se trata mais de estar movida pelo desejo

idealizador que motivou outros artistas em outros tempos à procura de um lugar ideal, mas

mais exatamente pelo estranhamento, pela difícil identificação, pela sua impalpabilidade, e

ainda pela confirmação da veloz e inapreensível transformação de valores e significados

que permeiam a ambiência citadina.

Tudo isto indica distância, não apenas física, mas também memorial, afetiva, que cria

hiatos, lacunas. Uma distância entre a paisagem de fato e o olhar que percebe, recria,

deforma, inventa.

A paisagem fotográfica dos trajetos cotidianos...

O olhar percorre a rua como se fossem páginas escritas: a cidade diz tudo que você deve pensar, faz você repetir o discurso...

Italo Calvino

A opção metodológica de investigar fotograficamente a cidade de uma forma rotineira,

repetida, ofereceu uma relação mais consistente e menos tendenciosa com o tema, ao

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mesmo tempo em que através das informações e constatações decorrentes foi possível

subsidiar o desenvolvimento de novas análises e especulações práticas. Já o manuseio do

acervo fotográfico reunido, por exemplo, permitiu identificar a cidade como um espaço

pouco provável de conciliação com e entre as pessoas. As imagens fotográficas indicam que

as relações temporais e espaciais na cidade estão impregnadas de movimentos, de

deslocamentos, do transitório, num acontecimento ad infinitum. E a incidência de um grande

número de edificações onde o vidro se destaca como material preponderante, parecem

constituir uma metáfora da cidade contemporânea (fig.1). Os prédios envidraçados, tão

característicos da modernidade e muito presentes na nossa contemporaneidade urbana, os

quais Walter Benjamin destacou pela incapacidade de fixar vestígios, de deixar rastros: ‘Não

é por acaso que o vidro é um material tão duro e tão liso, no qual nada se fixa. É também

um material frio é sóbrio. As coisas de vidro não têm nenhuma aura. O vidro em geral é

inimigo do mistério. É também inimigo da propriedade’ (Benjamin, 1994, p. 117).

Fig. 1. Fotografia do acervo constituído durante a investigação. 1997/1998. Porto Alegre.

Essas edificações, em geral de grandes dimensões, interpõem-se à visão a todo instante,

funcionando como grandes espelhos. Espelhos como os outros, objetos refletores de outros

objetos, mas que nada mostram a seu próprio respeito... mostram o outro acima de tudo em

sua passagem. Assim, digo que o que estes espelhos nos revelam é a mobilidade da

paisagem. A cidade que vemos refletida - neste espelho que também é cidade - é sempre o

resultado da soma de coisas, fatos e pessoas que passam, diluem-se, modificam-se,

desaparecem.

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Quando proponho estas imagens como uma metáfora para a cidade contemporânea, penso

novamente na falta de lugar. A cidade parece ser uma imagem apenas refletida nesses

espelhos e na memória privada de cada um de nós.

Diz Gordon Cullen (1996, p. 105)12 que a cidade surge da necessidade da convivência como

um lugar de reunião, de contato social, ponto de encontro, e cumpre essa função até o

ingresso no século XX, quando transformações tecnológicas mais radicais alteram as

relações humanas. Independente dos motivos a serem partilhados pelas comunidades nas

cidades, esse ritual próprio dos homens era preservado, tratava-se, diz Cullen,

simultaneamente de um rito e de um direito que em todas as épocas, com exceção da

nossa, foi mantido, pelo simples fato de o homem ser gregário e necessitar desse tipo de

convivência.

De uma forma radical, os edifícios espelhos revelam a ruptura deste hábito. Quase sempre

eles espelham a si mesmos, a presença humana é apenas fugaz. A cidade é apenas lugar

de permanência para suas edificações, seus monumentos. A figura humana - revelam as

fotografias - está sempre de passagem (fig. 2).

12

. Trabalho publicado inicialmente em 1961 e reeditado até esta década. É um livro técnico destinado a arquitetos, projetistas e a todo tipo de profissionais interessados no aspecto das cidades. Parte da preocupação com o impacto visual das cidades sobre seus habitantes e visitantes. Consta já na introdução: ‘O Homem é colocado perante o ambiente. Pode achá-lo, bizarro, chocante, anódino ou simplesmente feio, consoante a sua personalidade. O problema não é novo; mas será que seus efeitos não estão a pesar demasiado sobre a atual geração? Parece que sim. E por quê? Na minha opinião porque a rapidez com que hoje se operam as mudanças veio perturbar o equilíbrio normal entre quem projeta e aquilo que é projetado. As razões são conhecidas: há cada vez mais pessoas, mais casas, mais equipamentos; comunicações cada vez mais rápidas, métodos construtivos ainda mal dominados. (...) O ambiente é mal digerido’. p. 15.

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Fig. 2. Fotografia 10 x 15cm pertencente ao acervo constituído durante a investigação.

Em uma digressão, diria que isto é uma ironia para a técnica fotográfica, que em seus

primórdios desdobrava-se no intuito de fixar a presença humana, lançando mão de recursos

até mesmo violentos para alcançar tal objetivo, em face da limitação da velocidade e

sensibilidade fotoquímica, hoje, dispondo de avançados recursos de captação, se depara

com a mobilidade humana e urbana, registrando como um sismógrafo, o desdobrar e o ritmo

dos sucessivos e efêmeros acontecimentos. As imagens fotográficas históricas são um

testemunho disto com suas paisagens vazias, com as suas ruas desertas, da mesma forma

que as fotografias contemporâneas do nosso cotidiano.

Profusão de elementos, trânsito, tráfego, alterações constantes. Nosso momento histórico

está marcado pela velocidade, pela multiplicidade e pela instabilidade. Estamos em trânsito.

Nosso lugar é tanto este espaço material, dinâmico na sua essência, quanto o espaço virtual

que elaboramos em nossa imaginação, em nossos pensamentos e ainda este criado pelas

possibilidades tecnológicas da informática.

Talvez precisemos conhecer o caminho das pedras, fazer a imersão e olhar o Outro na sua

complexidade aparente e tentar descobrir na visão plural a singularidade... alguma coisa que

nos diga respeito ou que nos permita encontrar identificação.

Na elaboração deste trabalho a concepção da cidade como um ‘não-lugar’ alimentou a

tomada de algumas decisões. A leitura do livro ‘Não-lugares’ de Marc Augé, havia me

impressionado bastante. A esta reflexão naturalmente associei outros pensadores, como

Michel de Certeau, Pierre Levy, que têm dedicado estudos sobre a qualidade de vida das

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cidades contemporâneas. Absorvi dessas leituras a idéia do não-lugar como aquilo que é

diametralmente oposto ao lar, á residência, ao espaço personalizado. Para Levy, por

exemplo, o não-lugar é representado pelos espaços públicos de rápida circulação, como os

aeroportos, estações rodoviárias, estações de metrô. São os espaços marcados pelo

deslocamento e que ocupam a maior parte do nosso tempo de vida na cidade e que tendem

por estes fatores mesmos a nos levar a uma prática da solidão.

Em mais uma digressão, ocasionada por esse fato, cito a Italo Calvino (1990, pp. 13-21) em

As cidades invisíveis, quando desenvolve um amplo leque de reflexões e análises sobre a

existência humana a partir do símbolo “cidade”. Cauteloso, ao apresentar algumas de suas

cidades invisíveis, sugere ao leitor a complexidade e fragilidade das interpretações que

podem ocorrer em função do relacionamento com os objetos de nosso interesse: ‘Há duas

maneiras de se alcançar Despina: de navio ou de camelo. A cidade se apresenta diferente

para quem chega por terra ou por mar’. Ou: ‘Da cidade de Dorotéia, pode-se falar de duas

maneiras: dizer quantas torres de alumínio erguem-se de suas muralhas (...) ou então dizer

como o cameleiro que me conduziu até ali: 'cheguei aqui na minha juventude, uma manhã,

muita gente caminhava rapidamente pelas ruas em direção ao mercado (...)’.

Considerações finais

A expressão reta não sonha. Manoel de Barros

No estágio final da pesquisa, encontramos elementos substanciais para uma revisão final

que reiterava a ideia dos trajetos cotidianos urbanos que aqui denominamos como paisagem

- portanto, da cidade - como uma instância em acontecimento.

A cidade caleidoscópica, efêmera, invisível pelo excesso, é de certa forma o espelho: é

alguma coisa que é possível vislumbrar, mas jamais tocar no seu cerne, dado que é

cambiante, instável e efêmero.

El paisaje urbano es quizá una visión extrema de esta experiencia de la visibilidad, porque revela la ansiedad de las distancias, la clausura cotidiana de los espacios que sólo momentáneamente se abren en la atmósfera de las

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plazas. La reticencia del paisaje urbano proviene quizá de su relación con una inusual experiencia del tempo (.Mier, 1995 Pp. 15-16).

Não há como desconsiderar que a cidade-paisagem-texto-imagem-, revela idiossincrasias,

limitações e conflitos pessoais. Disto decorre a dedicação conceitual, por vezes prolixa, um

recurso pragmático de controle sobre a subjetividade. Esta mesma ênfase conceitual é

gesto consciente, que quer evitar a propriedade também excessiva do meu. Se exponho o

eu, é almejando compartilhar aquilo que penso ser meu, mas que desejo seja nosso.

No encaminhamento desta pesquisa, confirmou-se a prevalência da múltipla escolha

conceitual, constatável através da quantidade de projetos elaborados no seu decorrer e da

grande quantidade de associações teóricas, tudo isto, pertinências da natureza do objeto em

estudo que denunciava a impossibilidade de um discurso linear sobre a paisagem dadas as

implicações interpretativas, memoriais, afetivas e sensoriais que estiveram sempre

envolvidas. A paisagem urbana - digo em uma apropriação/homenagem a Nelson Brissac

Peixoto - não se deixa reproduzir em série, copiar, converter em iconografia: paisagem só

pode ser algo que não se pode mostrar. Ela tem de criar a presença daquilo que é ausente

(Mier, 1995, p. 15-16).

Inicialmente, fotografei durante os percursos de uma forma idêntica a de um botânico que

observa por sucessivos períodos a germinação de uma semente a fim de entender seu

comportamento, para, só a partir daí, da intimidade criada, do conhecimento adquirido,

conseguir descrevê-la e classificá-la. Assim fotografei, acompanhando o ritmo dos

acontecimentos em uma tentativa de identificação de qualidades e de sinais da paisagem.

Só vemos o que olhamos e, portanto, sentimos!

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