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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA CURSO DE GRADUAÇÃO EM DANÇA Viçosa 2007 Hilem Estefânia Cosme de Oliveira A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

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Page 1: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA CURSO DE GRADUAÇÃO EM DANÇA

Viçosa 2007

Hilem Estefânia Cosme de Oliveira

A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

Page 2: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Artes e Humanidades da Universidade Federal de Viçosa para obtenção do título de Bacharel em Dança.

Viçosa 2007

Hilem Estefânia Cosme de Oliveira

A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

Orientador: Solange Pimentel Caldeira

Page 3: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

SUMÁRIO: Resumo Abstract 1. Introdução 2. Justificativa 3. Metodologia de pesquisa 3.1 Natureza e desenvolvimento da pesquisa bibliográfica 3.2 Tratamento dos Dados: 3.2.1 Compilação das fontes 3.22 Descrição do tratamento dos dados 4. Discussão e análise dos resultados: 4.1 Capítulo 1: Breve historiografia dos contos de fadas. 4.2 Capítulo 2: A Cinderela sob a ótica da psicologia. 4.3 Capítulo 3: A Cinderela no ballet clássico. 4.3.1 Histórico. 4.3.2 Descrição e análise da Cinderela de Konstantin Sergeyev para o Ballet Bolshoi.

4.4 Capítulo 4: A Cinderela na dança contemporânea. 4.4.1 Histórico 4.4.2 Descrição e análise da Cinderela de Maguy Marin para o Lyon Opèra Ballet. 5. Considerações Finais: Referências Bibliográficas.

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AGRADECIMENTOS: Agradeço:

À memória do meu pai Maurício pelo grande incentivo aos estudos, e pelo

despertar do amor pela arte, consequentemente a dança. A minha mãe Mariêta por todo

o amor, carinho, atenção e dedicação, sempre.

À minha professora orientadora Solange Caldeira por todo o apoio e paciência

nessa jornada.

Aos meus outros professores pelos ensinamentos.

À turma Dança 2002 em especial as “hijas” Talitha, Carina, Lívia e Taiman, pela

luta, garra, farras, colo... Enfim por serem um pilar de sustentação em todos os

momentos nessa passagem pela “Terra do Nunca”.

Às minhas companheiras de república, Ika, Maria e Paloma, por serem as irmãs

que a vida me proporcionou.

À verdadeira família Bafão, por tornar todos os momentos que vivemos

especiais.

Aos amigos “aflitos” e “etanóis”, em especial ao Marco e Antônio por toda

amizade, carinho, “xingos” e música.

À minhas famílias trespontana, campineira e bastense, pela acolhida em feriados

prolongados, em que eu tinha que ficar sozinha aqui em Viçosa.

Enfim a todos familiares e amigos que contribuíram mesmo que indiretamente

para essa conquista.

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RESUMO:

A Cinderela no Mundo da Dança é uma pesquisa bibliográfica, seguida por

análises de vídeos, que propõe fazer uma leitura das adaptações feitas pelo ballet

clássico e pela dança contemporânea do conto de fadas Cinderela.

Enfoca o surgimento da Cinderela dentro de contextos históricos que registraram

os contos de fadas, à medida que eles eram transcritos das tradições orais para a obra

literária. Aborda ainda uma visão da psicologia sobre o conto e, a importância na

educação infantil, pois com suas construções narrativas simples auxilia as crianças a se

identificarem com os personagens e resolver seus dramas existenciais mais simples.

Dá especial destaque a tradução da obra literária para a dança, fazendo um

levantamento de como um mesmo conto foi coreografado em momentos históricos

diferentes. Procurou-se destacar os principais aspectos levantados na pesquisa

bibliográfica e organizar os conteúdos dividindo-o em capítulos para melhor

compreensão da análise dos vídeos.

A análise dos vídeos abrange todos os aspectos do espetáculo como cenários,

figurinos, iluminação e principalmente a movimentação dos bailarinos, que

caracterizam a releitura de uma história consagrada feita por coreógrafos de diferentes

escolas de dança, como Konstantin Sergeyev fez para o ballet clássico e Maguy Marin

fez para a dança contemporânea.

Sob o aspecto histórico-social, a análise comparativa dos vídeos, observa os

detalhes que caracterizam cada obra, fazendo analogia à narrativa original de Charles

Perrault.

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1. INTRODUÇÃO

Os contos de fadas são histórias descendentes de tradições orais, uma variação

do conto popular ou da fábula, pois partilha com estes a característica de terem uma

curta narrativa, e ainda o herói ou heroína tem que enfrentar grandes obstáculos até

triunfar contra o mal. Existe ainda uma dose de magia e encantamento que auxilia os

protagonistas para conseguirem ter as suas vitórias.

Esses contos podem ser vistos como verdadeiras obras de arte, que têm a

capacidade de envolver-nos com o enredo, comovendo-nos com a sorte dos seus

personagens. A psicologia explica que eles causam impacto em nosso psiquismo porque

tratam de experiências cotidianas e permitem que nos identifiquemos com as

dificuldades, bem como as alegrias de seus heróis, cujos feitos narrados expressam, em

suma, a condição humana frente às provações da vida. Não fossem assim tão

verdadeiros ao simbolizar nosso caminho pessoal de desenvolvimento, apresentando-

nos as situações críticas de escolha que invariavelmente enfrentamos, não despertariam

nem sequer o interesse nas crianças que buscam neles, além da diversão, um

aprendizado apropriado.

A Cinderela, provavelmente, é o conto de fadas mais conhecido no mundo, e

quando adaptado das traduções orais, foi revisado, reescrito e modificado segundo o

espírito e a época de seus autores. Registram-se milhares de versões de Cinderela

encontradas na Itália, Escócia, Escandinávia, Alemanha, França, Egito, China, África e

Américas. O tema abordado é invariavelmente a história de uma garota maltratada pela

madrasta. Como recebe um auxílio mágico, a garota obtém acesso a uma ocasião

especial, luxuosa ou ritualística. Ela se esconde, depois volta à vida de pobreza e

sofrimento e, ao correr de volta para casa, esquece um dos sapatos. O sapato é

encontrado por um príncipe que ficara encantado com sua misteriosa presença. Depois

de experimentá-lo em todas as mulheres possíveis, ele a descobre e se casa com ela.

À medida que esses contos foram se popularizado tornaram não apenas modelos

pra histórias literárias, mas temas ideais para ballets clássicos, principalmente por

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constituir uma temática sobrenatural, onde a heroína do conto de fada se transforma na

grande protagonista do espetáculo. Os elementos da fantasia são transpostos para o

palco em passos, saltos e giros virtuosísticos extraídos do vocabulário do ballet clássico,

desde 1815.

Em meados do século XX aparece uma nova tendência no mundo da dança onde

existe necessidade de ampliação de horizontes e experimentação de novas concepções.

Então a Cinderela passou a extrapolar os limites dos padrões estéticos

institucionalizados do ballet, aparecendo nas produções da dança contemporânea, onde

uma história já consagrada foi reinterpretada e adaptada novamente para os palcos.

Estudar esses momentos específicos da obra literária Cinderela, transposto para

a dança é o que se busca, realizando uma descrição e análise das adaptações do conto de

fadas Cinderela que foram feitas, e um estudo das características do conto

coreografadas em períodos históricos diferentes. Primeiro a adaptação feita pelo ballet

clássico, estreada na Rússia, em 1944, pelo Ballet Bolshoi, com coreografia de

Konstantin Sergeyev, no teatro Kirov, em Lenigrado, e segundo, a versão filmada em

VHS, feita pela dança contemporânea francesa, com coreografia de Maguy Marin, para

o Lyon Opèra Ballet, estreada em 1984.

Ballet Bolshoi

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2. JUSTIFICATIVA:

Em meados do século XX existe a necessidade de ampliação de horizontes no

mundo da dança e os contos de fadas passam a extrapolar os limites dos padrões

estéticos institucionalizados do ballet, aparecendo nas produções da Dança-Teatro

Contemporâneas, onde as histórias já consagradas são reescritas e reinterpretadas. Um

exemplo disso é a Cinderela de Maguy Marin de 1985 para o Lyon Ópera de Ballet.

É um novo momento histórico, mas a Cinderela ainda está presente, ela transita

por séculos, pertence à categoria de mitos contemporâneos que foram desistoricizados,

despolitizados, para representar e manter os interesses das classes dominantes, e que

ressurge em novos contextos contemporâneos. Assim como o conto, a dança também

tem sua ideologia e essa transposição da narrativa literária para os palcos leva os

coreógrafos a repensarem essa temática e estruturá-las de acordo com o momento da

dança que eles representam.

A relevância desta pesquisa justifica-se por sua temática comparativa que se

relaciona diretamente às discussões existentes na área artística da Dança, entre o

formalismo do ballet clássico e as novas propostas da dança contemporânea. Observa a

transição da obra literária para os palcos e as diferenças e/ou semelhanças da leitura de

uma mesma obra, feita em momentos históricos diferentes.

Trata-se ainda de uma pesquisa interdisciplinar, que procura estudar a Cinderela

em diferentes linguagens, como a da literatura, da psicologia, do ballet e da dança

contemporânea, tendo como suporte teórico a história da dança, a análise do espetáculo

e a psicologia. Aponta, assim, a questão do concurso plural da interinfluência de

diversos sistemas artísticos em uma obra, núcleo relevante na pesquisa acadêmica.

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3. METODOLOGIA DE PESQUISA:

3.1 NATUREZA E DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

BIBLIOGRÁFICA:

Esse estudo se desenvolveu através de análise e interpretação de dados obtidos

em uma pesquisa do tipo bibliográfica e conseqüente avaliação de vídeos sobre a

temática da narrativa de Cinderela, a apropriação especial feita pela psicologia, bem

como seu transporte para os palcos.

Quanto à natureza da pesquisa bibliográfica, conforme Lakatos & Marconi 1

explicam, pretende "colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito

sobre determinado assunto” 2. Além disso, Otávio Cruz Neto3 diz que: “A pesquisa

bibliográfica coloca frente a frente os desejos do pesquisador e os autores envolvidos em

seu horizonte de interesse.” 4

Desta forma, a base desta pesquisa foi o estudo de livros, artigos especializados,

dissertações e teses que possibilitaram o acesso a informações relevantes para a análise

da tradução de um conto de fadas dentro do universo da Dança.

Portanto, para o sucesso dessa análise embasou-se a pesquisa num levantamento

bibliográfico via internet em bases de dados científicos como Google Scholar, Capes,

Biblioteca Virtual da UNESP, Scirus e Scielo, onde se pesquisou resultados, separados

por assunto, em cima das seguintes palavras chave: Cinderela e Conto de Fadas bem

como as associações Cinderela – Dança, Cinderela – Ballet, Cinderela – Dança

Contemporânea, Contos de Fadas – Psicologia, Contos de Fadas – Cinderela.

O idioma selecionado para a seleção dos resultados foi o português, e só foram

considerados relevantes ao levantamento dos dados aqueles que estavam diretamente

vinculados ao tema em questão.

As bibliotecas setoriais do Departamento de Letras da Universidade Federal de

Viçosa, bem como a Biblioteca Central também foram utilizadas como recurso para o

levantamento necessário a esse estudo.

1MARCONI, M. A.& LAKATOS, E.M. Técnicas de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1986. 2 MARCONI, M. A.& LAKATOS, E.M. Op Cit, p. 57. 3 NETO, Otávio Cruz. O trabalho de campo como descoberta e criação. In MINAYO, Maria (org.). Pesquisa Social. Teoria método e criatividade.Rio de Janeiro: Vozes. 1989. 4 NETO, Otávio Cruz. Op.Cit. p. 53.

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Após o aparato dos dados bibliográficos, o material foi estudado através da

realização de fichamentos, que visaram abranger informações importantes para o estudo

da transcrição de um conto de fadas para a dança. Esse tipo de fichamento Marconi &

Lakatos define como de resumo ou conteúdo5, não possuindo julgamentos pessoais ou de

valor. Paralelamente aos fichamentos, elaborou-se um fichário de sínteses pessoais,

constando reflexões ou críticas à documentação.

Terminado o levantamento bibliográfico ficou viável ao pesquisador descrever e

analisar obras em vídeos com a finalidade de visualizar cenicamente a tradução da

Cinderela em períodos históricos diferentes e por manifestações de dança também

diferentes. Nesse caso utilizou-se um DVD da adaptação feita pelo ballet clássico,

encenada na Rússia, em 1944, pelo Ballet Bolshoi, com coreografia de Nicholas

Sergeyev, no teatro Kirov, em Leningrado, e a versão, em VHS, feita pela dança

contemporânea francesa, com coreografia de Maguy Marin, para o Lyon Opèra Ballet,

estreada em 1984.

3.2. TRATAMENTO DOS DADOS:

3.2.1. COMPILAÇÃO DAS FONTES:

Para o desenvolvimento dessa pesquisa foram utilizadas, como fontes primárias,

artigos científicos, dissertações e teses disponíveis nas bases de dados científicos do

Google Scholar, Capes, Biblioteca Virtual da UNESP, Scirus e Scielo. Bem como livros

cedidos pela biblioteca setorial do Departamento de Letras e Biblioteca Central da

Universidade Federal de Viçosa. Assim como a filmagem, para póstuma análise dos

vídeos, da adaptação de Cinderela feita pelo ballet clássico, coreografado em 1944 por

Sergeyev, e da adaptação feita pela dança contemporânea francesa, coreografada por

Maguy Marin, em 1984, para o Lyon Opèra Ballet.

3.2.2. DESCRIÇÃO DO TRATAMENTO DOS DADOS:

No primeiro momento fez-se uma análise de todo o material recolhido para que

se obtivesse uma visão geral sobre o assunto em questão. Esta etapa está associada ao

que Cervo & Bervian6 denominam de “leitura informativa”, a qual pode ser subdividida

em quatro categorias de leitura relacionadas entre si. A saber: “leitura de

reconhecimento”, “leitura seletiva”, “leitura crítica ou reflexiva” e “leitura interpretativa”.

5 MARCONI, M. A.& LAKATOS, E.M. Op Cit. 6 CERVO, A.L. & BERVIAN, P.A., Metodologia científica. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1975.

Page 11: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

A partir dessa análise pode-se organizar uma historiografia a respeito dos contos

de fadas, conseqüentemente da Cinderela, e perceber os aspectos políticos, sociais e

psicológicos implícitos nessas histórias encantadas. Ainda foi possível esclarecer um

maior número de questionamentos abordados pelos autores em seus estudos, para as

diferentes versões de Cinderela.

Feito o levantamento bibliográfico sobre o tema, assistiu-se aos vídeos que foram

investigados através de uma transcrição que segundo Bauer & Gaskell 7 tem como

finalidade: “(...) gerar um conjunto de dados que se preste a uma análise cuidadosa e a

uma codificação. Ela traslada e simplifica uma imagem complexa da tela.”8

O primeiro passo para descrever os vídeos foi codificar sobre a unidade de

análise que, por convenção da pesquisadora, decidiu-se dividir em cenas de acordo com o

início de pantomimas ou coreografias do bailado. Portanto a definição da unidade de

análise foi basicamente visual, pois não é registrada a presença de um discurso direto,

verbal. Essa convenção justifica-se devido à praticidade para avaliar o conteúdo da cena,

e possibilidade de recorrer ao vídeo com mais agilidade, caso ocorresse alguma dúvida

no momento de transcrever a imagem para o discurso verbal. Bauer & Gaskell9 afirmam,

em uma reflexão do seu livro, segundo um exemplo próprio, que:

“A televisão é um meio audiovisual e deverá existir algum modo de descrever o visual, bem como a dimensão verbal. Enfatizei a dimensão visual e chegou a hora de olhar para isso com um pouco mais de detalhe. É impossível descrever tudo o que está na tela e eu diria que as decisões sobre transcrição devem ser orientadas pela teoria .”10

Para categorizar cada cena, descrever seu cenário, figurino dos bailarinos e os

tipos de movimentação por eles realizados, alocou-se as cenas dentro de um código, aqui

representado por algarismos romanos. Por exemplo: CENA I, CENA II. Vale salientar

que, além do aspecto físico, em cada cena foram observadas as disposições de ânimo,

desconformidade e soberania representadas através da iluminação, da música e de outros

signos teatrais.

Os diferentes aspectos do texto visual selecionados para transcrição foram

rigorosamente categorizados e os critérios para avaliação, descrição e análise segundo o

período histórico são: cenário, figurino, movimentação, que inclui gestos e pantomimas,

e a música ou efeito sonoro utilizado na cena. Esses aspectos foram sistematicamente 7 BAUER, Martin W. e GASKEL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Um manual prático. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. 8 BAUER, Martin W. e GASKEL, George. Op Cit, p. 348. 9 BAUER, Martin W. e GASKEL, George. Op Cit. 10 BAUER, Martin W. e GASKEL, George. Op Cit, p. 349.

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anotados na transcrição por serem considerados pela pesquisadora fundamentais para

análise das obras segundo o objetivo do estudo, unida à pesquisa bibliográfica feita

anteriormente.

Cada unidade de análise é alocada em um código e sendo assim:

“O processo de codificação é um processo de translação. O pesquisador está interpretando o sentido de cada unidade de análise. Embora as interpretações estejam restringidas tanto pela teoria, quanto pelo referencial de codificação, faz sentido perguntar se outros codificadores teriam chegado à mesma conclusão.”11

Na dimensão visual as escolhas de seleção, a transcrição e a codificação são

diretas. Primeiro delimitou-se a cena em foco, segundo a tomada coletiva dos

participantes, sempre feita em grupo 12 , e finalmente é feito um levantamento dos

elementos escolhidos para a análise: cenário, figurino, movimentação, iluminação música

e efeitos complementares. “Os códigos para análises visuais podem ser vistos nos

extratos. Eles são, na verdade, transcritos e codificados em um movimento único.”13

Assim, pode-se afirmar que cada passo na análise do material audiovisual é uma

translação e, em geral, uma simplificação. A questão é ser explícito sobre os

fundamentos teóricos, éticos e práticos da técnica e abrir um espaço onde o trabalho

possa ser debatido, nesse caso específico, aliando-o ao contexto histórico-social proposto

pelo levantamento bibliográfico feito anteriormente.

11 BAUER, Martin W. e GASKEL, George. Op Cit, p. 356. 12 A tomada sempre será em grupo, pois em nenhum dos dois vídeos avaliados aconteceu de um personagem ficar sozinho a cena inteira. 13 BAUER, Martin W. e GASKEL, George. Op Cit, p. 357.

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4. DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS:

A partir de uma pesquisa bibliográfica sobre o corrente tema desta monografia

em algumas bases de dados científicos como podemos citar o Google Scholar, Capes

(periódicos), BBT UNESP, Scirus e Scielo, observamos que não há uma grande

variação nas fontes encontradas, em alguns casos os dados são os mesmos apenas

disponíveis em bases diferentes. Optou-se realizar a busca por palavras-chave e

combinações entre essas que tenham a ver com o tema, tais como “Cinderela”, “

Cinderela-Dança” , “Cinderela Ballet” , “ Dança Contemporânea – Cinderela” , “

Contos de Fadas” , “Contos de Fadas - Psicologia” e “Contos de Fadas – Cinderela.

De acordo com os resulados mostrados na Tabela 1 podemos concluir que no

Brasil há um déficit de publicações na área de dança, principalmente no que se diz

respeito ao Ballet Clássico e a Dança Contemporânea.

Tabela 1 – Pesquisa Bibliográfica em Bases de Dados Científicos.

Google Scholar CAPES Scielo Scirus

BBT UNESP Total

Cinderela 9 0 0 2 4 15 Cinderela - Dança 7 0 0 1 2 10 Cinderela - Ballet 0 0 0 0 2 2 Cinderela - Dança Contemporânea 3 0 0 1 1 5 Contos de Fadas 15 0 0 9 4 28 Contos de Fadas - Psicologia 4 0 0 9 4 17 Contos de Fadas - Cinderela 5 0 0 7 4 16 Nas bases do Google Scholar, quando se trata da palavra “Cinderela” aparecem

9 resultados que estão ligados ao tema desta pesquisa14. Na relação “Cinderela - Dança”

aparecem 7 registros onde 4 deles estão em comum com “Cinderela” como palavra

chave. Para a associação “Cinderela - Ballet” nenhum resultado foi encontrado no site e

para “Cinderela – Dança Contemporânea” encontrou-se 3 registros que são comuns à “

Cinderela – Dança”.

Para “Contos de Fadas” constam 15 registros, quando para “Conto de Fadas –

Psicologia” esse número cai para quatro e três desses já apareciam em “Conto de fadas”

14 Vale Ressaltar que esses registros foram filtrados dentre os resultados e colocados de acordo com o tema da pesquisa.

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como palavra chave. E para a relação “Conto de Fadas – Cinderela” encontrou-se 5

registros, sendo 2 em comum com “Conto de Fadas”.

Segundo as bases da Capes de da Scielo nenhum registro foi encontrado para as

palavras chaves principais “Cinderela” e “Conto de Fadas” bem como para as

associações entre elas.

Já nas bases da Scirus obteu-se 2 resultados para a palavra-chave “Cinderela”,

nas associações “Cinderela – Dança” e “Cinderela – Dança Contemporânea” apenas 1

resultado que já fora visto em pesquisa anterior; nenhum registro para “ Cinderela -

Ballet” foi encontrado.

Tanto para “Contos de Fadas” quanto para “Contos de Fadas – Psicologia”

constam 9 registros (em comum) e para a associação “Contos de Fadas – Cinderela”

sete resultados foram encontrados, sendo 3 em comum as associações anteriores,

portanto apenas 4 registros específicos sobre o tema.

Na biblioteca Virtual da Unesp para a palavra chave “Cinderela” encontrou-se 4

registros, 3 deles já vistos em pesquisas anteriores, para a associação “Cinderela -

Dança” apenas 2 registros, quando passamos para especificar “Cinderela – Ballet” 2

registros foram encontrados, sendo em comum com “Cinderela – Dança”, para

“Cinderela – Dança Contemporânea” um registro só foi achado, sendo que já em

comum com “Cinderela – Dança” e com “Cinderela – Ballet”.

Ainda na Biblioteca da Unesp para a palavra-chave “Contos de Fadas” e para as

associações “Contos de Fadas – Psicologia” e “Contos de Fadas – Cinderela”

encontrou-se 4 resultados15, todos já vistos em buscas anteriores e que eram relevantes

ao tema em foco na pesquisa.

Quanto ao conteúdo dos registros encontrados pouquíssimos estavam

diretamente ligados a dança, a maioria deles dizia respeito ao conto da Cinderela na

caráter de história infantil, ora contavam a história, ora falavam da importância desta

para a educação das crianças.

Nos registros encontrados, a palavra-chave “Contos de Fadas”, foi a que mais

obteve dados de trabalhos científicos, percebeu-se uma grande preocupação de

profissionais que defendem suas teses baseadas na importância desses contos e seus

significados ocultos na formação da criança e até na explicação de certos

comportamentos de adultos.

15 Esse resultado foi filtrado e selecionaram-se os artigos que estavam mais próximo do tema da pesquisa.

Page 15: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

Em todas as bases procuradas nenhum resultado relacionava diretamente essa

questão história e política presente nos contos de fadas, mais precisamente na

Cinderela, com as suas adaptações feitas para dança, tanto para o Ballet Clássico quanto

para a Dança Contemporânea. Portanto mesmo não tendo ligação específica, os

documentos encontrados aliados a pesquisa em livros e vídeos, foram a base

bibliográfica para o desenvolvimento desta pesquisa.

A partir desses resultados obtidos na pesquisa bibliográfica divide-se este

trabalho nos capítulos a seguir.

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4.1 CAPÍTULO 1: BREVE HISTORIOGRAFIA DOS CONTOS DE FADAS.

Os contos de fadas são nada mais que escritos de histórias já existentes na

tradição oral. Estão presentes em diversas culturas, em todos os continentes com

estruturas e narrativas semelhantes aos contos que conhecemos hoje, e que são de

origem européia, para citar um exemplo a história da Cinderela, tem um registro de

narrativa muito semelhante registrada na China do século IX d.C. 16. A origem da

própria literatura infantil se confunde com o registro escrito dos contos de fadas, pois

estes já existiam na oralidade muito antes disso.

Essas histórias fantásticas caracterizam-se por uma narrativa curta, onde o herói

ou heroína tem que enfrentar grandes obstáculos e situações de puro sofrimento até

triunfar contra o mal - núcleo problemático existencial. Envolvem ainda um caráter

mágico, algum tipo de metamorfose ou encantamento.

Ao contrário do que pensamos, são versões relativamente recentes que derivam

de contos folclóricos de regiões específicas do planeta, transmitidos oralmente aos

descendentes. No entanto, através dessas adaptações, os textos são revisados, reescritos

e modificados segundo o espírito da época de seus autores. Kátia Canton17 afirma que:

“São trabalhos criados por autores específicos, projetados em contexto sócio-históricos

e culturais particulares”18. Por essas razões é que os contos devem ser encarados não só

como um resultado de criação pessoal, como também um documento sócio-histórico.

Até o século XVI os contos de fadas não foram escritos para crianças, muito

menos para transmitir ensinamentos morais. Em sua forma original, os textos traziam

doses fortes de adultério, incesto, canibalismo e mortes hediondas. Conforme registra

Sheldon Cashdan19:

“Originalmente concebidos como entretenimento para adultos, os contos de fadas eram contados em reuniões sociais, nas salas de fiar, nos campos e em outros ambientes onde os adultos se reuniam - não nas creches.”20

Ainda segundo Cashdan :

"Alguns folcloristas acreditam que os contos de fadas transmitem 'lições' sobre comportamento correto e, assim, ensinam aos jovens

16 ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1995. 17 CANTON, Katia. E o Príncipe Dançou. São Paulo: Ática, 1994. 18 CANTON. Op. Cit, p. 12. 19 CASHDAN, Sheldon. Os sete pecados capitais nos contos de fadas: como os contos de fadas influenciam nossas vidas. Rio de Janeiro:Campus, 2000. 20 CASHDAN. Op. Cit, p. 20.

Page 17: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

como ter sucesso na vida, por meio de conselhos.(...)A crença de que os contos de fada contêm lições pode ser, em parte, creditada a Charles Perrault, cujas histórias vem acompanhadas de divertidas 'morais', muitas das quais inclusive rimadas".21

As versões infantis de contos de fadas hoje consideradas clássicas, devidamente

expurgadas e suavizadas, teriam nascido quase por acaso na França no século XVII, na

corte de Luís XIV, pelas mãos de Charles Perrault22. Foi ele que, em 1697, publicou

Histoires ou contes du temps passe ou Histoires de ma mère l’Oye (Histórias da Mamãe

Gansa), seguido, em 1715 por Peau d’âne (Pele de asno).

“Perrault ouvia as histórias de contadores populares, e então as adaptava ao gosto da corte francesa, acrescentando ricos detalhes descritivos, bem como diminuindo os trechos que conotavam os rituais da cultura pagã popular ou fizessem referências à sexualidade humana (pois vivia sob o contexto de conflito religioso entre católicos e protestantes à época da Contra-Reforma Católica.”23

Perrault ainda no fim da narrativa um espécie de moral da história, deixando

clara a sua preocupação pedagógica, pois defendia que as histórias deviam servir como

orientação moral para a as crianças “Ou seja, desde o seu primeiro registro por escrito,

os contos de fadas já começaram a ter seus detalhes, de enorme riqueza simbólica,

deturpados.”24

No século XIX, Jacob e Whilhelm Grimm elevam os contos de fadas à nível de

pesquisa acadêmica, como eram filólogos o interesse inicial era coletar contos populares

para estudar a língua alemã. Dentro do contexto de um movimento nacionalista na

Alemanha, os irmãos Grimm, buscavam dar um novo status às histórias das origens do

povo alemão, através do registro do seu folclore, da recuperação da realidade histórica

do país e da publicação em 1812 e 1857 de Kinder-und bausmarchen gesammelt durch

die Brunder Grimm (Contos infantis e familiares publicados pelos irmãos Grimm)25.

“Os Grimm tiveram o mérito de registrar suas histórias nas versões originais, sem as adaptações e lições morais de Perrault. Depois da publicação de seus trabalhos é que surgiu a literatura infantil de fato, com vários autores do mundo inteiro escrevendo para crianças.”26

21 CASHDAN. Op Cit, p. 23. 22 COELHO, Nelly Novaes. O Conto de Fadas. São Paulo:Ática, 1987. 23 FIGUEIREDO, Taicy de Ávila. A Magia dos Contos de Fadas. Disponível em: http://imforum.insite.com.br/arquivos/1027/taicy-contosdefadas.doc. Acessado em 26/12/2006. 24 FIGUEIREDO. Op Cit. 25 COELHO. Op Cit, p. 16. 26 FIGUEIREDO. Op Cit.

Page 18: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

Vale salientar que a popularização dos contos de fadas, só teria mesmo ocorrido

no século XIX, em função da atividade de vendedores ambulantes (mascates) que

viajavam de um povoado para o outro "vendendo artigos domésticos, partituras e

pequenos volumes baratos chamados de chapbooks"27 . Estes chapbooks (ou cheap

books, "livros baratos" em inglês), eram vendidos por poucos centavos e continha

histórias simplificadas do folclore e contos de fadas, onde se expurgava as passagens

mais fortes, o que lhes facultava o acesso a um público mais amplo e menos sofisticado.

Num contexto de decadência do racionalismo e uma exaltação da fantasia e do

inverossímil (final do século XVII), Perrault tem a intenção de recriar o maravilhoso

popular. Cinderela é um dos oito contos da coletânea Histórias da Mamãe Ganso. Ele

adaptou o conto às regras do período barroco e às lições de virtude e educação elevada

que pretendia com a sua narrativa. Perrault era um militante da causa feminista, o que se

traduz visivelmente em sua temática, já que nas suas obras estão relacionadas

adversidades competentes ao universo dos personagens femininos.

Mais de um século depois, os Irmãos Jacob e Wilhelm Grimm revisitam o

maravilhoso entitulando uma seleção de narrativas como Contos de fadas para

Crianças e Adultos (1812-22). Sob a influência do signo romântico, encontram este

mundo mágico em suas pesquisas filológicas, onde a tradição oral preservara essa

fantasia.

Em consonância com os ideais do Romantismo, dessa coletânea de contos onde

se destaca Cinderela, foram retirados trechos que julgavam menos recomendáveis por

sua violência.

Tem-se conhecimento ainda de uma versão de Sophia de Mello B. Andersen28

que desvela o simples e o complexo da existência humana com leveza e simplicidade.

Sua participação política retrata-se em seu texto por sua temática de dimensão mais

social. Em História da Gata Borralheira, enfatiza problemas de socialização

adolescente e as relações de pobreza e interesse. Ainda nessa obra, a influência de seus

conhecimentos da cultura grega clarifica-se pela preocupação da personagem Lucia29

com a aparência, olhando-se no espelho, a semelhança de Narciso.

27 CASHDAN. Op Cit, pp. 20-21. 28 ANDERSEN, Sophia de Mello B. "História da Gata Borralheira" In: Histórias de terra e mar. Lisboa: Texto Editora, 2000. 29 ANDERSEN, Op Cit. Lucia é o nome dado à personagem principal do conto “A História da Gata Borralheira”.

Page 19: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

Cinderela é uma estória muito antiga que quando registrada na China no século

nove D.C. já possuía relatos anteriores.30 Independente da versão, no geral aborda a

história de uma garota maltratada pela madrasta, que recebe um auxílio mágico e tem

acesso a uma ocasião especial, luxuosa ou ritualística. Ela se esconde, depois volta à

vida de pobreza e sofrimento e, ao correr de volta para casa, esquece um dos sapatos. O

sapato é encontrado por um príncipe que ficara encantado com sua misteriosa presença.

Depois de experimentá-lo em todas as mulheres possíveis, ele a descobre e se casa com

ela, para desgosto de suas irmãs e madrasta.

A partir do século XVII dá-se uma institucionalização dos contos de fadas, que

passam a ser vistos como:

“Um gênero aristocrático, fundamental na educação de crianças – por intermédio das obras de Charles Perrault, na França no século XVII – e, analogamente, como um monumento do folclore alemão – por meio dos irmãos Grimm, na Alemanha do século XIX.”31

No caso de Cinderela a denominação institucional é de extrema importância na

educação infantil, pois nenhum outro conto retrata tão bem as experiências internas da

criança quando se sente marginalizada pelos irmãos. Quando a estória entra em cena

Bruno Bettelheim32 afirma que:

“Corresponde ao que a criança sente intimamente, ela atinge a condição de identidade verídica e os episódios do conto parecem mais convincentes do que as suas próprias experiências de vida.”33

Sheldon Cashdan 34 , por exemplo, sugere ainda que os contos seriam

psicodramas da infância espelhando lutas reais. Na visão de Cashdan:

“Embora o atrativo inicial de um conto de fada possa estar em sua capacidade de encantar e entreter, seu valor duradouro reside no poder de ajudar as crianças a lidar com os conflitos internos que elas enfrentam no processo de crescimento".35

Essa institucionalização mantém as estruturas da história em questão, mas fazem

uma remodelagem dos valores subjacentes seguindo interesses específicos de editoras,

da indústria cinematográfica e dos meios de comunicação em massa.

30 CANTON. Op Cit, p. 124. 31 CANTON. Op Cit p.31. 32 BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. 33 BETTELHEIM. Op Cit, p. 20 34 CASHDAN. Op Cit, p. 33. 35 CASDHAN. Op Cit, p. 25.

Page 20: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

Mesmo com todo o arsenal usado e comprovado dos contos de fadas na melhoria

da educação infantil, estes ficaram esquecidos e desprezados por um bom tempo, sob

alegação de irrealidade e até selvageria em decorrência de seu conteúdo altamente

dramático. Na verdade os pais temiam que seus filhos se identificassem com os

monstros, ogros, madrastas, vilões e iniciassem um processo de agressividade e de

rejeição aos bons valores.

Marie-Louise von Franz36 , psicanalista da corrente de Carl Gustav Jung, vê nas

personagens dos contos “figuras arquetípicas que, à primeira vista, não têm nada a ver

com os seres comuns ou com os caracteres descritos pela Psicologia"37.

Neste sentido, a psicanálise entra em questão e desmistifica a inocência e

simplicidade do universo da criança, trazendo o conto de fadas novamente para as

mesas de leituras, justamente por descreverem um mundo pleno de experiências, de

amor, mas também de destruição, de selvageria e de ambivalências. Ouvir essas

histórias assegura à criança que ela também será capaz de superar as dificuldades, os

sentimentos profundos e contraditórios, despertados por seu delicado e complexo

conflito emocional, e virá a encontrar a felicidade.

“Este é o poder mágico dos contos de fadas – o poder de fazer-nos conhecer e compreender melhor a nós mesmos – e esta a razão de sua permanência entre nós através dos séculos, bem como a razão do fascínio que o simples ato de sentar-se junto a um adulto para ouvir uma história ainda consegue despertar, mesmo frente a um mundo cheio de brinquedos e maravilhas tecnológicas.”38

Por isso, cabe a ela mesma vivenciar o conto e tirar dele a mensagem que lhe é

útil – e não ao adulto, a mensagem de sucesso e segurança que os contos carregam os

tornam insubstituíveis e fascinantes para o imaginário infantil, como veremos no

próximo capítulo.

36 FRANZ, Marie-Louise von. O feminino nos contos de fadas. Petrópolis, RJ:Vozes, 1995 37 FRANZ. Op Cit, p. 18. 38 FIGUEIREDO. Op Cit.

Page 21: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

4.2 CAPÍTULO 2: A CINDERELA SOB A ÓTICA DA PSICOLOGIA.

Na sociedade moderna, existe uma preocupação com o racional, acredita-se que

a educação de crianças e o alcance de sua maturidade sejam somente através do

ensinamento lógico, proposto pelas escolas, onde a preocupação é quase que exclusiva

em repassar um conteúdo pedagógico desprovido de grandes significados para a vida.

Os contos de fadas por sua vez com uma estrutura simples, mas de grande

significado, uma expressão clara da nossa psique, entram no universo das crianças e

despertam sentimentos que clamam por um desenvolvimento do justo39. As crianças

estão diretamente ligadas a essa linguagem não-verbal presente nos contos, pois

comunica-se diretamente com o seu imaginário, Fanny Abramovich40 assim define esse

fascínio:

“Por quê? Porque os contos de fadas estão envolvidos no maravilhoso, um universo que denota fantasia, partindo sempre duma situação real, concreta, lidando com emoções que qualquer criança já viveu... Porque se passam num lugar que é apenas esboçado, fora dos limites do tempo e do espaço, mas onde qualquer um pode caminhar... (...) Porque todo esse processo é vivido através da fantasia, do imaginário, com intervenção de entidades fantásticas (bruxas, fadas, duendes, animais falantes, plantas sábias...).”41

A Cinderela ou Borralheira é uma estória que se encaixa nesse perfil de

encantamento e de senso de justiça, a protagonista humilhada vivencia os sofrimentos e

as esperanças que constituem a rivalidade fraterna42, bem como a sua vitória sobre as

irmãs e a madrasta que a maltrataram.

O significado do nome Borralheira é elucidado por Bruno Bettelheim em seu

livro A Psicanálise dos Contos de Fadas, quando alega ter encontrado apenas uma

tradução em português: “ter de viver entre as cinzas”2 . Originalmente o termo

designaria uma empregada suja, de condição sócio-econômico baixa, que era recrutada

para vigiar as cinzas da lareira. Taicy de Ávila43 chama atenção ainda que o nome da

protagonista esteja diretamente ligado a suas características físicas e emocionais, ela

como e os personagens da trama não possuem nomes próprios, fazendo com que a

identificação criança-personagem se torne mais fácil, ora ele não tendo identidade 39 URBAN, Paulo. Revista Planeta, no 345. Junho 2001. 40 ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1995. 41 ABRAMOVICH. Op Cit p.120. 42 BETTELHEIM. Op Cit, p. 277. 43 FIGUEIREDO, Taicy de Ávila. A Magia dos Contos de Fadas. Disponível em: http://imforum.insite.com.br/arquivos/1027/taicy-contosdefadas.doc. Acessado em 26/12/2006.

Page 22: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

própria pode emprestar a sua personalidade ao leitor que acompanha a narrativa e

completa “Gata Borralheira tem essa alcunha porque suas irmãs invejosas obrigam-na

a dormir no borralho (cinza), significado de onde também vem seu outro nome,

Cinderela”.

Os irmãos Grimm também tem uma versão para moradores das cinzas, como

define Bettelheim44 abaixo:

“Na Alemanha, por exemplo, havia estórias onde um menino que vivia entre as cinzas mais tarde tornava-se rei, de forma comparável à Borralheira.“Aschenputtel” é o título que os irmãos Grimm deram ao conto.”45

No conto da Cinderela há uma substituição das relações fraternas, pela relação

entre irmãos adotivos e relata de maneira clara e precisa as experiências internas da

criança pequena quando se sente desesperadamente marginalizada por irmãos e irmãs.

“Borralheira é humilhada e rebaixada pelas irmãs adotivas; a madrasta sacrifica os interesses de Borralheira em favor dos das irmãs; deve executar os trabalhos mais sujos e mesmo fazendo-os bem, não é aceita por eles; só lhe fazem mais exigências.”46

A expressão rivalidade fraterna refere-se a uma constelação complexa de

sentimentos e suas causas47. O que vale ressaltar é que a fonte real desse complexo de

emoções é o sentimento da criança pelos pais. A criança devastada por esse sentimento

não se sente aliviada se lhe dissermos que crescerá tão capaz quanto seus irmãos, por

mais que queira acreditar ela só enxerga os fatos de maneira subjetiva e não crê que

sozinha consiga alcançar o patamar deles.

Superficialmente, Borralheira é uma história simples. Fala dos sofrimentos

vividos pela protagonista devido à rivalidade fraterna, da exaltação dos humildes, do

mérito reconhecido dentre os que vivem sob os farrapos, da bondade recompensada e da

maldade castigada. O que está escondido sob esse conteúdo manifesto é um complexo

de relações, na grande parte inconscientes, na qual os detalhes ajudam o suficiente para

as nossas associações, e conseqüentes associações infantis. Sobre esse processo de

assimilação e identificação Marly Amarilha48 nos diz:

“Através do processo de identificação com os personagens, a criança passa a viver o jogo ficcional projetando-se na trama da narrativa.

44 BETTELHEIM. Op Cit. 45 BETTELHEIM. Op Cit, p. 277. 46 BETTELHEIM. Op Cit, p. 278. 47 BETTELHEIM. Op Cit, p. 279. 48 AMARILHA, Marly. Estão mortas as fadas? – literatura infantil e prática pedagógica. Petrópolis: Vozes, 1997.

Page 23: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

Acrescenta-se à experiência o momento catártico, em que a identificação atinge o grau de elação emocional, concluindo de forma liberadora todo o processo de envolvimento. Portanto, o próprio jogo de ficção pode ser responsabilizado, parcialmente, pelo fascínio que (o conto de fadas) exerce sobre o receptor.”49

A narrativa do conto reproduz a história de vida das crianças e as assegura que

por mais que elas tenham problemas irão ser capazes de enfrentar e superar como

Cinderela fez. Uma das características dessa história é a existência de um dilema

existencial de forma breve e categórica permitindo à criança entender o problema de

forma essencial, onde uma trama mais complexa confundiria o assunto para ela, assim

fala Amarilha50:

“Pelo processo de ‘viver’ temporariamente as conflitos, angústias e alegrias dos personagens da história, o receptor multiplica as suas próprias alternativas de experiências do mundo, sem que com isso corra risco algum.”51

A morte dos progenitores já esclarecida no início do conto é a grande responsável pelos

problemas mais angustiantes da protagonista, e isso ou o medo disto ocorre com

bastante freqüência na vida real.

A presença de personagens mágicos como a fada-madrinha que realiza milagres,

da bruxa (madrasta), e de ratos e bichinhos como amigos da protagonista “não são

puras criações da mente de seus autores. São representações talhadas pela humanidade,

durante os milênios, para simbolizar os seus sentimentos mais profundos.” 52

Abramovich53 ainda explica assim:

“A magia não está no fato de haver uma fada anunciada já no título, mas na sua forma de ação, de aparição, de comportamento, de abertura de portas...”54

Tais personagens de Cinderela mostram no decorrer da história determinadas

características simplificadas que só aumentam o sentimento de identificação das

crianças com as trajetórias de vida vivida por eles como exemplo podemos citar o

maniqueísmo, o herói é extremamente bom e o vilão completamente mau. Vale ressaltar

ainda que justamente esses detalhes escabrosos presente no conto são os que têm maior

relevância na história. 49 AMARILHA. Op Cit, p. 18. 50 AMARILHA. Op Cit. 51 AMARILHA. Op Cit, p. 19. 52 FIGUEIREDO, Taicy de Ávila. A Magia dos Contos de Fadas. Disponível em: http://imforum.insite.com.br/arquivos/1027/taicy-contosdefadas.doc. Acessado em 26/12/2006. 53 ABRAMOVICH. Op Cit. 54 ABRAMOVICH. Op Cit, p. 121.

Page 24: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

As figuras presentes em Cinderela não são ambivalentes - não são boas e más ao

mesmo tempo, como somos na realidade, essa polarização tão presente no universo

infantil também domina o universo da ficção, Bettelheim55 assim explica:

“Uma pessoa é boa ou má, sem meio termos . Um irmão é tolo e o outro é esperto. Uma irmã é virtuosa e trabalhadora, as outras são vis e preguiçosas. Uma é linda, as outras são feias . Um dos pais é todo bondade, o outro é malvado.”56

A vilania da madrasta e das irmãs adotivas chama a atenção das crianças, pois as

suas falhas tornam-se insignificantes diante de tanta maldade, por isso ao ouvir o conto

a criança não se sente tão culpada por sentir raiva de seus irmãos. Numa alusão ao

exagero fantástico “por mais que pais e irmãos pareçam tratar-nos muito mal, e por

mais que soframos não é nada em comparação ao destino de Borralheira.”57

No possível papel de borralheira a criança pode sentir uma espécie de humildade

superficial, tendo uma leve convicção de que é superior à mãe e irmãs mantendo um

pensamento de que só é tratada desse jeito por ser superior, por achar que, na verdade,

as irmãs sentem ciúmes dela e por isso a excluem. O que dá ênfase a esse pensamento é

o fim da história que assegura a todas as crianças borralheiras serem descobertas pelos

príncipes.

O conto fala abertamente da rivalidade fraterna de maneira extrema: os ciúmes e

inimizades das irmãs e o sofrimento de Borralheira quanto a isso. Bettelheim assim

define:

“As inúmeras outras proposições psicológicas recebem uma alusão tão encoberta que a criança não toma consciência delas. Mas no inconsciente responde a estes detalhes significativos que se referem a assuntos e experiências de que se afastou conscientemente, mas que continuam criando-lhe grandes problemas.”58

O interessante é que em nenhum outro conto há essa explanação da madrasta má,

que estabelece missões difíceis para a enteada e exige dela um árduo trabalho. Isso

significa para a criança que apesar de ser massacrada ela terá sua recompensa, que é

tornar-se a princesa do reino. Se não fosse a Borralheira, a heroína nunca teria se

tornado noiva do príncipe, por exemplo, e as irmãs para quem a madrasta teria sempre

sido uma boa-mãe continuariam sendo conchas ocas 59 , conforme aponta Collete

55 BETTELHEIM. Op Cit. 56 BETTELHEIM. Op Cit, p. 17. 57 BETTELHEIM. Op Cit, p. 281. 58 BETTELHEIM. Op Cit, p. 285. 59 BETTELHEIM. Op Cit, p. 315.

Page 25: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

Dowling60, adultos sem iniciativa que não conseguem desenvolver uma personalidade

própria.

O conto de fadas que acomete os adultos, no caso as mulheres, é conhecido

como Complexo de Cinderela 61, que Collete Dowling62 assim define:

“Uma rede de atitudes e temores profundamente reprimidos que retém as mulheres numa espécie de penumbra e impede-as de utilizarem plenamente seus intelectos e criatividade. Como Cinderela, as mulheres de hoje ainda esperam por algo externo que venha transformar suas vidas.”63

O que acontece é uma busca do auto-conhecimento através dos detentores do

poder temporal, da sabedoria. A sabedoria torna-se dócil com quem a ama e inexistente

para quem não experimentou uma mínima parte sua; ela não força ninguém, mas

também não se entrega fácil. Ela tem de ser buscada e, mesmo crendo tê-la encontrado,

é possível estar enganado. Mas se quem a busca a ama, os enganos são vencidos. É disto

que trata a história.

Segundo Joel Nunes dos Santos64 trata-se de uma história para crianças apenas

“porque este é o modo universal de apresentar alguma verdade necessária, a qual se

revela a quem com ela topa.” Admite que para os adultos de pouco entendimento é

apenas um sonho bom, e para os detentores de chaves da cultura universal é um

organizador do pensamento do eterno drama do homem “que é o de encontro, e perda, e

busca do que, sendo verdadeiro, não muda no que tem de essencial.”65

Assim, Borralheira oferece um conforto necessário a adultos e crianças pois

pode ensinar-lhes a viver temporariamente sobre uma luz desagradável . As crianças

aprendem que para conquistarem seu reinado dependem dessa vivência como

borralheira. E os adultos alimentam o eterno triunfo do bem contra o mal que mesmo

com todos os conflitos do casamento e da decepção do pai com a madrasta - as grandes

decepções - há de se superar a situação e viver uma relação de amor pleno e de

sabedoria.

60 DOWLING, Colette. O Complexo de Cinderela - O Medo Inconsciente das Mulheres por Independência. Disponível em http://www.oindividuo.com/convidado/Joel4.htm. Acessado em 07/12/2006 61 Ibid. 62 DOWLING, Op.Cit. 63 DOWLING, Op.Cit. 64 SANTOS, Joel Nunes dos. Cinderela, o encanto da sabedoria. Disponível em http://www.oindividuo.com/convidado/Joel4.htm. Acessado em 07/12/2006. 65. Ibid.

Page 26: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

4.3 CAPÍTULO 3: A CINDERELA NO BALLET CLÁSSICO

4.3.1 HISTÓRICO:

O ballet clássico desde seu início, nos séculos XVI e XVII se tornou um artefato

cultural aristocrático. Foi adotado pela burguesia de novos ricos, principalmente após a

Revolução de 178966. Após esse período Napoleão Bonaparte, adotou a dança como

expressão artística favorita e financiava produções grandiosas, “onde motivos

coreográficos ligados à Antiguidade heróica eram usados para legitimar seu poder

político.” 67

Através dos séculos, os contos de fadas se tornaram não apenas exemplares

modelos de histórias literárias, indispensáveis na educação infantil, mas também temas

compatíveis para os motivos coreográficos de balés clássicos .

“De modo similar ao ocorrido com textos orais para literários, a transposição de textos literários para peças de dança também foi influenciada pelas condições sócio-histórica e estéticas. Esses balés são especialmente associados à Rússia czarista do final do século XIX, onde o mestre de ballet francês Marius Petipa começou a criar peças monumentais para a aristocracia.”68

Na realidade o ballet sempre esteve associado aos contos de fadas. Essa

associação começou a tomar forma com a identificação do ballet romântico com o

sobrenatural, o irreal, e a instituição do ideal etéreo da bailarina. Canton ainda nos

complementa assim:

“Esse ideal é encarnado com perfeição pela graça transparente de Marie Taglioni em La sylphilde (1823) e atinge seu ápice com a combinação de encanto feminino e ousadia física de carlotta Grisi em Giselle (1841).”69

Consta que Giselle é uma obra trágica considerada como ápice da era romântica,

escrito por Théophile de Gaulthier que baseou sua história num livro de Heinrich Heine

sobre as lendas alemãs das Willis70.

66 Considera-se a Revolução Francesa de 1789 o acontecimento político e social mais espetacular e significativo da história contemporânea. Foi o maior levante de massas até então conhecido que fez por encerrar a sociedade feudal, abrindo caminho para a modernidade. Influenciados pelo iluminismo. 67 CANTON. Op Cit., p.114. 68 CANTON. Op Cit., p. 12. 69 CANTON. Ibid. 70 As Willis são donzelas espectrais que faziam com que todo homem que encontrasse dançasse até a morte.

Page 27: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

Em meados do século XIX o ballet começou a se voltar cada vez mais para o

formalismo da arte da dança, tais como o virtuosismo técnico de bailarinos e a

concepção das linhas e formas dos corpos de bailes71. Durante aquele período, ainda

havia grande popularidade dos temas sobrenaturais, mas foram os heróis e heroínas dos

contos de fadas que se transformaram em protagonistas típicos do ballet, substituindo a

antiga tendência de silfos imateriais e ninfas mortas.

“Os contos de fadas proporcionavam libretos bem conhecidos, permitindo que os coreógrafos se concentrassem nos aspectos formais, espetaculares da dança. Os elementos de fantasia das histórias, com suas súbitas mudanças no curso narrativo, eram perfeitamente transpostos em passos, saltos e giros virtuosísticos estraídos do vocabulário do balé.”72

Dentro do contexto discutido acima se constata inúmeras versões coreografadas

para o ballet Cinderela. Essas releituras seguem o estilo de época e a característica

principal de cada coreógrafo, bem como a música elaborada para a peça, o que os une

dentro de um mesmo grupo é o ballet clássico como técnica principal para a composição

das coreografias73 e variações74.

O clássico conto de fadas escrito por Charles Perrault tem sido coreografado

desde 1815. A sua primeira versão foi feita em São Petersburgo com criação de

Francisco Decombe, em 1822, e representada na Opera de Paris em 1923. Em Viena, a

primeira apresentação foi em 4 de outubro de 1908 no Hofoperntheater com coreografia

de Hassreiter. Frederick Ashton, com sua versão no Saddler's Wells Ballet, no Royal

Opera House de Covent Garden, Inglaterra, em 23 de dezembro de 1948, ficou sendo a

primeira versão de um ballet a ser composto nos modelos do Século XIX.

Em cada apresentação do ballet, sempre houve variações e detalhes especiais

criados por cada artista. Na versão vienense, Cinderela era a jovem aprendiz chamada

Greta e o príncipe era Gustav, o gerente de uma loja de departamentos. A produção era

comum, mas os bailarinos demonstraram virtuosidade técnica. Em contraste, a versão de

Paulo Meijor, foi colorida por uma infusão de criaturas da natureza, como joaninhas e

cogumelos, que eram dançados por crianças do ballet da cidade de Chicago, no Teatro

Auditorium, em 25 de novembro de 1981.

71 Grupo que emoldura as cenas em torno dos bailarinos principais com seções de dança pura. 72 CANTON. Op Cit.,p.13. 73 Uma coreografia (do grego χορογραφία; χορεία "dança" e -γραϕία "grafia", "escrita") é arte de compor trilhas ou roteiro de movimentos que compõem uma dança. 74 Encadeamento de passos diferentes sobre um tema musical. Fragmento de um bailado, geralmente executado por solistas.

Page 28: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

No Teatro Real da Dinamarca, o ballet estreou no dia 25 de setembro de 1910.

Emilie Walbom coreografou a música do famoso compositor dinamarquês Carl Nielsen,

vale salientar que dessa versão não consta quem assina o cenário nem o figurino.

No Teatro Bolshoi, em Moscou, com o título de Zolushka, Cinderela estreou no

dia 21 de novembro de 1945. O coreógrafo foi Rostilav Zakharov e a música de Sergei

Prokofiev. Prokofiev começou a trabalhar na música durante o inverno de 1940 para o

ballet Kirov, de Leningrado. Seus planos foram interrompidos pelo início da Segunda

Guerra Mundial e ele só terminou o trabalho em 1944. A sua versão segue a tradição

clássica contendo vários, adagios75, a gavotte76, a mazurka77 e valsas78. O compositor

usou compassos simples e vivos para demonstrar a vida interior de Cinderela A estréia

do ballet Kirov ocorreu no dia 8 de abril de 1946, e seguiu mais de perto a linha original.

Foi a estréia do coreógrafo Konstantin Sergeyev.

Dentre as mais memoráveis versões está a de Ashton, onde dançaram Moira

Shearer, depois Margot Fonteyn e Michael Somes. Essa produção foi vista em Nova

York, quando o Saddler's Wells Ballet visitou os Estados Unidos pela primeira vez, e

influenciou a versão americana.

A primeira versão da Cinderela americana foi a de Ben Stevenson, pelo National

Ballet de Washington, DC, estreada no dia 24 de abril de 1970. A coreografia de

Stevenson contou com inesperadas marcações de cena, as irmãs eram representadas por

travestis e a madrasta foi omitida.

Cinderela teve versões européias e até mesmo no Japão. Todos se preocuparam

em manter a jovialidade do tema, mas em 1987 Rudolf Nureyev quebrou as tradições e

dançou sua versão para a Ópera de Paris, feita em um estúdio de Hollywood, tendo

como heroína, a filha legítma da madrasta e não a adotiva.

4.3.2 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DA CINDERELA DE KONSTANTIN

SERGEYEV PARA O BALLET BOLSHOI:

Konstantin Sergeyev foi convocado para coreografar a partitura escrita por

Prokofiev. Era sua estréia como coreógrafo depois de um longa carreira como primeiro

75 Provém do italiano e em linguagem musical significa um grau de andamento muito lento. 76 Dança popular francesa de passos saltitantes, muito comum na corte de Luís XIV. 77 Dança de origem polonesa. 78 Dança de compasso ternário, originária do Landlër.

Page 29: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

bailarino do Kirov Ballet. A versão foi montada originalmente para o Kirov, mas o

Ballet Bolshoi a adotou e continua a encena-la até hoje.

Prokofiev retornava à Rússia em 1935 com uma música contemporânea, repleta

de violência e sentido de ironia e de grotesco, fora um evento de maior importância “já

que ele significou ao lado de Stravinski e Shostakovitch, a nova música russa do

século.”79 Nesse período compôs Romeu e Julieta. Mais adiante escreveu duas peças

exclusiva para o ballet, que são Cinderela e Flor de Pedra80.

A Cinderela de Prokofiev tem uma estrutura musical que segue os moldes

tradicionais, o compositor sugeriu ao coreógrafo que a personagem principal fosse

“uma pessoa real, que pensa, se move, sofre e se diverte como qualquer um de nós”.81

Devido à narrativa do conto, este encaixou-se perfeitamente para a união de

movimentos como a protagonista almejada pelo compositor.

O virtuosismo tradicional do ballet clássico é muito presente nessa versão. A

Cinderela de Sergeyev é literalmente uma ação pantomímica, intercalada por danças,

embalada por peças musicais. Luis Ellmerich82 assim define:

“Está dividido em atos, personagens de contornos firmes e cenas contrastantes. Cada movimento de dança deverá corresponder a um movimento de espírito. Os movimentos importantes devem ter a força plástica de uma pintura para o espectador. As mãos das bailarinas devem “dizer”alguma coisa; se os músculos do rosto carecem expressão, se os olhos não “declamam”, o resultado será falho e a impressão, falsa.”83

Ou seja, Sergeyev junto a Prokofiev uniram a dança, a poesia, a música e arte da

decoração, através de glamurosos cenários. Essas expressões em conjunto deram vida a

uma obra-prima do ballet clássico. Como veremos adiante.

CENA I: Abre-se a cortina e o espectador se depara com um luxuoso cenário, um casarão,

composto por uma grande sala revestida por cortinas, poltronas e utensílios requintados

como quadros, lustres e castiçais dispostos na região central. Ao lado esquerdo do palco

encontra-se uma lareira, onde Cinderela está sentada lustrando panelas. As duas irmãs 79 CAMINADA, Eliana. História da dança. Evolução cultural. Rio de Janeiro: Sprint, 1999. P. 273. 80 Obra estreada em Moscow, em 1954, com características da concepção soviética de espetáculo, com coreografia de Grigorovitch. 81 CAMINADA. Op Cit., p.274 82 ELLMERICH, Luis. História da Dança. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1962. 83 ELLMERICH. Op Cit., p. 128.

Page 30: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

estão em cena costurando uma manta de forma ritmada, coreografada. Elas realizam um

movimento de costura exagerado de acordo com os acordes da música. A madrasta de

Cinderela também está em cena, trajando um vestido que possui uma saia grande e

volumosa, com armações que lhe dão um ar ainda maior de soberania, ela está sentada

em uma das confortáveis poltronas do cenário observando o trabalho-brincadeira84 das

filhas e paparicando-as.

O pai de Cinderela encontra-se de pé ao lado da esposa, e reage de maneira

apática a toda a situação. Esse comportamento indiferente do pai apresentado, em cena,

não é claro na obra de Perrault, que aliás segue uma densa patriarcalização. Essa

característica específica do pai está mais ligada aos contos orais narrado entre mulheres

mulçumanas e registrada pela antropóloga Margaret A. Mills. 85 no curso de

aproximadamente quatro milênios, de 7000 a.C. a 3000 a.C. onde a sociedade seguia

uma linhagem matriarcal.

É interessante ressaltar que o rosto da madrasta é alterado por próteses em seu

nariz e verrugas na região da boca que lhe conferem um ar grotesco, espantoso, de

acordo com a sua personalidade má. Essa associação do feio ao mal é muito comum no

universo encantado dos contos de fadas.

Cinderela permanece próxima à lareira, fazendo jus ao significado de seu nome

de viver entre as cinzas, realizando o seu trabalho serviçal86. A madrasta levanta de sua

confortável poltrona, vai até o encontro de Cinderela com o único intuito de insultá-la e

retorna ao lugar de origem. O exagero de pantomimas deixa nítida a raiva que a

madrasta sente da enteada.

Ballet Bolshoi

84 Assim denominado por convenção da pesquisadora, pois, as filhas, trabalham, mas ao mesmo tempo, brincam e fazem provocações entre si. 85 CANTON. Op Cit., p.124. 86 Nessa adaptação Cinderela aparece a maior parte do tempo próximo a lareira indo de acordo com o significado elucidado por Bruno Bettelheim “ter que viver entre as cinzas” em seu livro a Psicanálise dos contos de fadas. Op Cit, p. 277.

Page 31: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

Enquanto isso as irmãs continuam a costura e uma delas espeta a outra com a

agulha, as duas iniciam uma briga, figurada por um allegro87 e pantomimas. Elas

dançam agarradas ao manto que estavam costurando. A mãe resolve tomar uma

providência para acabar com aquela algazarra, se levanta e corta o manto que causava

discórdia entre as meninas. As duas caem no chão e ficam pondo a culpa uma na outra

pela fúria da mãe. Aqui se percebe que as filhas quando erram não são punidas

violentamente, como seria o caso se o erro fosse proveniente de Cinderela.

Ballet Bolshoi

Assim, a madrasta vai até a lareira e ordena que Cinderela arrume a bagunça

feita pelas irmãs, que a ficam provocando com seus lenços nas mãos. Finalizada a tarefa,

Cinderela volta para a lareira onde costura e borda, demonstrando cansaço através da

sua fisionomia facial, porém sempre portando um sorriso ingênuo e doce nos lábios. A

mãe afaga as duas filhas e, unidas, vão até Cinderela, a quem ataca-na com beliscões

nos ombros e tapas na cabeça, até saírem de cena.

CENA II:

Cinderela está desolada com tanta humilhação, sentada na lareira, passa a mão

no ombro e se auto-acalanta, limpa as lágrimas e se distrai juntando os novelos de lã que

estão no chão. Levanta do seu banquinho e com a cesta de novelo começa a dançar.

Paradoxalmente, Cinderela dança uma variação 88 feliz, estruturada com pequenos

saltitos e pirouettes89, pois apesar de ser rebaixada a heroína de um conto de fadas tem

que demonstrar superação e a dança leve, saltitante, dentro do ballet clássico significa

um momento áureo para a bailarina.

87 Origem italiana e significa dizer que o grau de andamento é rápido compostos por pequenos saltos e baterias. 88 Ver nota 73. 89 Movimento giratório do corpo sobre a ponta ou meia ponta.

Page 32: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

Envolvida por um manto, Cinderela pára diante do espelho e se admira, volta a

dançar com virtuosismo, repetindo sua variação anterior, mas logo recua e pára de

dançar quando se depara com um quadro que contém o retrato de sua madrasta fixado

na parede. Cinderela se aproxima e cobre o quadro com uma das partes da cortina,

senta-se no sofá embaixo do quadro e se emociona com a foto de sua mãe guardada em

um colar que carrega no pescoço. Assusta-se com algum barulho e volta rapidamente ao

trabalho, mas era apenas o seu pai que, num gesto raro, vinha ao seu encontro consola-la.

A heroína aqui nitidamente sente a falta de sua mãe, e lamenta a sua sorte, pois

além de perdê-la o seu pai a tem substituida por uma mulher que vinha se revelando

uma verdadeira bruxa.

No momento em que o seu pai aparece uma das irmãs avista a cena e percebe o

retrato coberto na parede. Sai rapidamente para chamar a mãe, que separa e fica

enfurecida com a ousada atitude da menina. Com gestos bem grotescos e exagerados

pretende aterrorizar a pobre moça e, num acesso de loucura fica muito exaltada caindo

estafada na poltrona da sala, com as filhas a abandoná-la na tentativa de reanimá-la.

CENA III:

Mãe e filhas estão deitadas nas cadeiras, cansadas com toda a recente confusão.

A luz do palco está bem baixa dando um ar denso. Cinderela está na lareira dando

continuidade aos seus afazeres. Aproxima-se uma mendiga, que futuramente tornar-se-

á a fada-madrinha de Cinderela, e pede uma esmola, que é negada pelas vilãs, além de

ser expulsa do recinto com ironia e gestos ofensivos das irmãs.

Dentro do contexto desse conto de fadas, seria impossível um personagem rico,

de má índole, ajudar um pobre mendigo, principalmente nessa representação do ballet

clássico onde mãe e filhas são radicalmente as vilãs.

A mendiga gesticula um sinal de repulsa com as mãos na direção das três e sai

cabisbaixa. Quando a bondosa Cinderela lhe oferece o seu pão como esmola, a mendiga

agradece e retribui com um olhar de benção. É o primeiro momento de magia, o início,

ainda remoto, da transformação triunfal que a heroína do conto irá sofrer.

Essa fada-madrinha aparece aqui como uma imagem materna de Cinderela que

vê a falecida mãe personificada na imagem da fada, para acompanhar os passos da filha.

Essa relação pode ser feita de acordo com a sua aparição na próxima cena.

Page 33: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

CENA IV:

A cena começa com a euforia das costureiras chegando com os vestidos e dos

cabeleireiros com as perucas que a madrasta e suas filhas usarão no baile oferecido pelo

príncipe em seu palácio real90, há uma agitação em cena, e todos dançam na expectativa

para o grande momento.

Mesmo com toda a humilhação sofrida Cinderela não se abate e, percebendo a

madrasta com dificuldades para se vestir, vai ao seu encontro com o intuito de ajudá-la,

mas é mais uma vez desprezada.

O espelho como símbolo de vaidade é disputado pelas irmãs e Cinderela sente-

se triste quando repara em seu vestido simples.

Eis o ápice de euforia, um mestre de dança, contratado pela madrasta para

ensinar suas filhas a dançar, entra exibindo uma variação91 de grandes saltos e giros

para impressionar os presentes. Ele se apresenta e ordena que os violinos, que também

estão compondo a cena nesse momento, comecem a tocar. Ao som dos violinos o

mestre tenta ensinar às irmãs mimadas e indisciplinadas a dançar. Não obtém muito

sucesso, pois elas estão mais interessadas em fazer brincadeiras de mal-gosto com

Cinderela. Mesmo assim os três dançam um pas-de-trois92 que é o momento mais

animado na preparação para o baile.

A sala está repleta de costureiras, cabeleireiros, músicos, madrasta, irmãs e

ajudantes, todos muito alegres com o evento que está prestes a acontecer, só quem não

está feliz no recinto é Cinderela, que continua na lareira arrumando novelos de lã, e até

mesmo quando se levanta para ajudar as irmãs nos detalhes de cabelo e vestido é mais

uma vez humilhada. Cinderela retorna ao seu lugar enquanto todos saem felizes rumo ao

baile.

O momento é aparentemente de sossego para Cinderela, se não fosse uma das

suas irmãs voltar à sala só para mais uma brincadeira de mal-gosto. Entra

sorrateiramente, seduz Cinderela com um manto, dando uma impressão de

reconciliação e provavelmente a esperança de que irá ao baile mas sai correndo sozinha,

deixando a pobre menina ainda mais triste.

90 Não há registro de que é um Baile para escolher uma noiva como no conto original de Charles Perrault. 91 Encadeamento de passos diferentes sobre um tema musical. Fragmento de um bailado, geralmente executado por solistas. 92 Passo para três solistas dentro de um bailado.

Page 34: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

CENA V:

Cinderela está sozinha em casa, observa atentamente tudo que a cerca, e num

intuito repentino brinca com os objetos da sala. Senta no sofá e se envolve com um

manto esquecido pelas irmãs. Dança uma variação93 leve e graciosa, com uma expressão

feliz, talvez por ter um pouco de paz das chateações provocadas por suas irmãs e

madrasta.

Ao parar em frente ao espelho, vê uma imagem encantada, é a sua fada-

madrinha que aparece para confortá-la e proporcionar uma agradável surpresa. A fada-

madrinha atravessa o plano do espelho e vai até a lareira, onde transforma uma chama

de fogo em um belo sapato de cristal.94

Ballet Bolshoi

A aparição da fada-madrinha significa promover o afastamento temporário das

cinzas e criar uma esperança luminosa: por favorecer a ida ao baile.

A partir da aparição da fada-madrinha, o corpo de baile95, que aparece em

diversas ocasiões, será o responsável pela transformação da menina sofrida em uma

grande princesa. A relação é a seguinte: cada dança do corpo de baile é igual a um item

do figurino que Cinderela usará no baile. Como veremos a seguir.96

O cenário em que todo esse movimento acontece, continua sendo a sala do

casarão, porém a partir da entrada da fada as paredes se tornam salpicadas por efeitos

luminosos que enfatizam a atmosfera mágica.

Começa com o corpo de baile dançando uma alegre coreografia97. Ao término da

dança, o simples vestido de Cinderela está transformado num luxuoso vestido de festa,

93 Ver nota 74. 94 É interessante perceber que o local onde Cinderela mais foi atormentada pelas vilãs da história é o berço para a sua felicidade, pois por causa do sapato de cristal é que o príncipe consegue tê-la de volta em seus braços. 95 Grupo que emoldura as cenas em torno dos bailarinos principais com seções de dança pura. 96 Observar que não há a aparição de ratos, lagartos e abóboras, que seriam transformados em vestido, carruagem, cocheiros, etc. como ocorre na versão do Conto de Charles Perrault. 97 Arte de compor passos e figuras de dança, no corpo de baile.

Page 35: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

que ela agradece com um belo sorriso. Um outro grupo, agora com mantos nas mãos,

dançam um adagio98 com movimentos bem pausados e entrega para Cinderela um

buquê de flores. A fada-madrinha envia uma simples folha como um sinal mágico que

faz com que o corpo de baile, dance uma variação muito rápida e agressiva, dando

impressão de força, a coreografia culmina com a entrega do manto dourado para

Cinderela, que será usado na sua triunfal entrada no baile real. Numa dança mais leve e

graciosa entra em cena, outro grupo, que entrega para Cinderela a coroa que deverá ser

usada no baile.

Ballet Bolshoi

Nessa versão, a aparição desses grupos de bailarinos (corpo de baile) representa

os elementos mágicos utilizados nas diferentes versões da narrativa literária.

Depois da transformação de Cinderela, de Borralheira a Princesa, os seres

encantados conduzem a menina para que a fada-madrinha explique a condição para ir ao

baile: ela não poderá ficar até o fim do baile, terá de voltar à meia noite, sob pena de

perder o encantamento antes da hora e voltar a ser Borralheira.

Para representar essa condição, doze duendes, assistentes da fada-madrinha são

os designados como guardadores do relógio que indicará a hora de voltar para casa. Eles

representam as badaladas que Cinderela deverá ouvir para que seu encanto não se acabe

na frente de todos os convidados do baile.

Ballet Bolshoi

98 Do italiano significa um grupo de exercícios executados com lentidão . É o momento culminante, onde a bailarina, geralmente, ajudada pelo companheiro, demonstra sua graça e virtuosidade.

Page 36: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

Com roupa e acessórios prontos e a condição firmemente estabelecida, a fada-

madrinha abençoa sua pupila, com um ar maternal e se despede com graça e simpatia,

entrando dentro do relógio.

CENA VI:

Os diferentes grupos de corpos de baile agora estão todos unidos formando um

só, compondo um bailado de seres encantados. Dançam juntamente com Cinderela em

perfeita harmonia. É uma valsa nobre, com elementos típicos do glamour do ballet

clássico, composta por arabesques99, developpés100, e pás de valse101.

Esses seres encantados são os condutores que levam Cinderela até o baile.102

CENA VII:

O cenário onde acontece o baile é bem diferente do anterior. É composto por

lustres e decoração dourada, circulando todo o salão, um espelho no lado esquerdo do

palco, e um trono bem ao centro que dá de frente para a escadaria externa. Este trono é

protegido por dois guardiões, além de dois serviçais menores e negros, e está vazio no

início do baile.

Cinderela sobe triunfalmente as escadarias do palácio. Está deslumbrante com

seu novo figurino trazido pelos seres encantados, o manto dourado é carregado pelos

seres, formando uma espécie de comitiva.

Dentro do palácio o baile já está acontecendo, suas irmãs e madrasta já estão no

baile, olhando-se no espelho. Mais uma vez a presença o espelho aparece como símbolo

de vaidade. Espelho que também é o portal mágico responsável pela vinda de Cinderela

ao local onde disputará e ganhará de suas irmãs o amor do príncipe. As três circulam

pelo salão com um ar esnobe, com o pai sempre andando atrás das três, sem forças para

libertar-se das ordens da esposa.

Os convidados apresentam uma dança de corte, as mulheres usam um tutu103

romântico e os homens terno, ambos de branco e preto, em seguida dança-se pas de

99 Do francês significa que a posição do corpo descansa sobre uma perna , mantendo a outra estendida para trás. 100 Do francês, significa o movimento de uma perna desenvolvendo-se em diversas elevações e direções. 101 Do francês significa passo de valsa. 102 É interessante perceber que nessa versão criada para o ballet clássico não há a figura da famosa carruagem do conto original de Charles Perrault. 103 Nome dado ao figurino característico da bailarina Romântico por ser feito de material leve e comprimento na altura dos joelhos.

Page 37: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

deux104 típicos do ballet clássico. As irmãs exibem seu talento em uma variação precisa

e de nível técnico elevado. Enquanto uma dança a outra sente inveja e travam uma

verdadeira batalha para chamar atenção. A mãe as idolatra e as mostra para outros

convidados do baile.

Ballet Bolshoi

CENA VIII:

Os dois guardiões do trono anunciam a chegada do príncipe e dançam uma

variação indicando que ele chegará ao baile para ocupar o seu lugar. Como o trono está

liberado, as irmãs correm e disputam quem irá sentar ali, a mãe envergonhada as tira de

lá, ordenando que as duas se comportem.

Membros da corte preparam um corredor para a entrada do príncipe, este entra

triunfalmente com uma variação de grandes saltos e giros, que culmina com uma pose

ao trono. O príncipe tem ar de superioridade.

Os seres encantados, que compõem o séqüito de Cinderela, entram no palácio

preparando a cena para a entrada triunfal de moça. Ela entra e vai direto ao encontro do

príncipe,ao se curvar em cumprimento, o primeiro olhar entre os dois já decide o

nascimento de um grande amor.

Duas integrantes do grupo de seres encantados tiram o manto dourado preso às

costas de Cinderela e ela deslumbra a todos com seu lindo vestido.

Cinderela dança para o príncipe uma variação graciosa e cheia de magia, e ele a

observa encantado com tanta beleza. Em seguida os dois iniciam um pas deu deux,

acompanhado pelos membros da corte juntamente e o séqüito de Cinderela.

Esse encantamento demonstrado logo de início, é mais uma batalha vencida por

Cinderela que desperta atenção do homem mais cobiçado da noite, sem precisar lutar,

agredir, física ou verbalmente. Ela triunfa apenas por sua bondade e beleza. Dando mais

um exemplo de civilização, tão desprezado pelas suas irmãs.

104 Do francês significa dança para dois solistas dentro do bailado.

Page 38: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

CENA IX:

Cinderela está à vontade no baile, e começa a brincar com o príncipe. Ela some,

se esconde pelo palácio e enquanto os convidados, junto com suas irmãs dançam na

tentativa de chamar atenção, o príncipe a procura preocupado e decide procura-la pelo

salão.

Cinderela aparece escondida atrás dos guardas do palácio, finalmente é

descoberta pelo príncipe, e encanta a todos dançando sem parar. O príncipe alia-se à

amada e também exibe seus atributos, numa variação105 de grandes saltos e giros.

Três empregadas negras trajando roupa alaranjada, dançam um pas des trois106

servem uma bebida para Cinderela, que tem seu primeiro copo tomado pelas irmãs e o

outro, servido em seguida apossado pela madrasta. As três não admitem que Cinderela

esteja chamando atenção de todos no baile.

CENA X:

Um romântico adágio107 entre Cinderela e o príncipe é realizado nesse momento,

um grand pas deu deux108, dançando juntamente com o corpo de baile formado pelos

seres encantados. O grand pas deu deux termina com uma coda109 que envolve todos os

personagens em difíceis variações.

Ballet Bolshoi

Ao finalizar a coda, Cinderela se lembra da orientação de sua fada-madrinha e

os doze duendes aparecem indicando as 12 badaladas. Cinderela abandona o palácio

desesperada, sai correndo pela escadaria real. O príncipe entra em desespero e põe toda

a corte a procurá-la, mas Cinderela já desfeito encanto, se esconde por trás das escadas

e, percebendo todo o alvoroço, foge em direção à sua casa.

105 Ver nota 74. 106 Do francês significa dança para três solistas dentro do bailado. 107 Ver nota 94. 108 Passo para dois solistas acompanhado por corpo de baile. 109 Momento final do grand pás deu deux onde os solistas executam uma sequência de 32 tempos girando.

Page 39: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

Ao descer a escadaria algo perdido em um dos degraus chama atenção do

príncipe, que se abaixa diante do objeto e percebe que é o lindo sapato de cristal perdido

por sua amada. Ele recolhe e o guarda com carinho, disposto a encontrar a dona daquele

sapato, que o fez suspirar de amor.

CENA XI:

PRIMEIRO QUADRO:

Recolhido em seu aposento, o príncipe contempla o sapato acalentado-o em suas

mãos e num ímpeto decide que terá seu grande amor de volta. Decide colocar os

membros da corte para percorrer o mundo atrás da amada. O andamento da música

começa a tomar força, intensidade de iluminação abaixa, estruturando uma atmosfera

pesada.

Ballet Bolshoi

Uma variação composta basicamente por manèges 110 saltados, indica o

desespero que ele está passando sem saber notícias do seu grande amor. O movimento

circular sem fim, vai tornando essa procura infrutífera O príncipe dança essa variações

com o sapato de cristal na mão.

O cenário, as paredes estão salpicadas de feixes luminosos, enfatizando o

momento encantado e a estratégia cênica da fumaça espalhada pelo palco aumenta a

atmosfera de tensão.

SEGUNDO QUADRO:

O primeiro lugar que ele visita é uma taberna, onde oferece o sapato a uma linda

moça espanhola, pode-se perceber a sua origem, devido ao figurino, e violões presentes

no recinto, característicos do povo espanhol. Ela tenta experimentar, mas o sapato não

serve em seu pé. O príncipe retorna à sua seqüência de manèges, com saltos e giros cada

vez mais rápidos e uma música que estrutura um desespero maior.

TRECEIRO QUADRO:

O príncipe encontra uma moça árabe, a quem oferece o sapato, e também não

serve. 110 Do francês significa percorrer o palco em círculo, girando s obre si, na ponta, meia ponta ou saltando.

Page 40: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

QUARTO QUADRO:

Na busca o príncipe chega a uma aldeia indígena e como já era de se esperar o

sapatinho é muito pequeno para a índia, que convencida do seu fracasso faz uma cara

engraçada para o público, emprestando um momento de descontração à cena.

CENA XII:

Cinderela está deitada em um sofá, com a cabeça numa vassoura, numa espécie

de porão com as paredes sem pintura, nem cortinas. Apresenta uma máquina de tear no

canto esquerdo e cestos espalhados na cena.

Cinderela está encantada sonhando com a noite anterior, levanta-se e começa a

dançar com a vassoura de forma alegre. A menina relembra cada momento de toda a

magia que viveu, mesmo que só por uma noite. Durante a dança, com uma expressão

muito doce percebe que um dos seus sapatos de cristal está perdido em cima da poltrona

e fica muito feliz por ter ainda essa recordação de uma noite tão inesquecível, ajoelha-se

e passa o sapatinho com carinho no rosto.

Quando percebe que as irmãs acordam, corre para a máquina de tear, simulando

um trabalho. As irmãs invadem o recinto, trajando camisolas brancas, e com a mesma

disposição para humilhação que sempre tiveram. Provocam Cinderela incessantemente,

dançando uma variação agitada, com giros e a saltos. Cinderela assusta-se e esconde o

sapato em sua roupa. As irmãs dançam provocando Cinderela, e oferecem as

lembranças que trouxeram do baile, os copos com bebida que foram tomados da menina,

só para ofendê-la. As duas como de costume iniciam uma briga, disputando espaço na

poltrona de Cinderela. A sua mãe entra em cena esbaforida, querendo contar alguma

novidade, o pai entra atrás da mãe apático. As três ofegantes olham pela janela e vêem o

príncipe realizando sua incessante busca pela dona do sapato. Exaltam-se e em gestos

convidativos chamam o rapaz para sua casa. Rapidamente a madrasta ordena que suas

filhas troquem de roupa e fiquem belas para receber o príncipe.

Um enviado real, junto com dois servos, entram na sala com o sapato na mão,

apoiado em uma almofada, e explica o que irá acontecer. A madrasta os recebe com

muita simpatia. Logo entra o príncipe que exausto de sua longa jornada desaba em cima

da poltrona e adormece. Cinderela assiste tudo ao lado de seu pai junto da máquina de

tear.

As irmãs entram na sala, todas produzidas para receber o nobre. O enviado tenta

acordá-lo, mas ele desaba novamente, ao ficar cara a cara com a feiúra da madrasta.

Page 41: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

A mãe reune as filhas, e há um momento de grande expectativa para saber em

quem irá servir o sapato. A primeira calça, insiste, mas ele não serve. A segunda calça,

também insiste e o sapato está longe de servir. Para calçar os sapatos as duas fazem

pantomimas exageradas, indicando o esforço que estão sofrendo para que o sapato lhes

sirva. Cinderela esconde-se atrás do pai. Diante do fracasso reinicia uma briga entre as

três, pois desejavam muito que tal sapato coubesse, afinal de contas casar com o

príncipe significava prestígio e soberania dentro do reino.

O enviado chama mais uma vez a atenção do príncipe para tentar acabar com a

confusão causada pelas três, agora ele reage e lhes toma o sapato num movimento

súbito, é quando olha para o lado e vê a linda criada da casa escondida atrás do pai,

junto máquina de tear.

O príncipe percebe só no olhar que aquela é a sua amada, e ao se aproximar dela

o outro sapato, que estava guardado na roupa de Cinderela, cai no chão. Ele compara e

tem em suas mão a prova definitiva que aquela simples criada era a mulher que lhe

encantara no baile real. É um momento paradoxal de espanto mas também de muita

felicidade.

As irmãs e madrasta estão desconsoladas, choram e esperneiam lamentando não

terem sido as escolhidas e, para piorar a situação, a partir de então elas têm que se

curvar para Cinderela, que é a nova princesa do reino.

Cinderela feliz da vida dança uma variação lenta, composta basicamente por

arabesques, em homenagem ao grande amor de sua vida, que a encontrou para viverem

juntos uma grande história. Esse é o desfecho típico de um conto de fadas, o triunfo do

bem, sobre mal, o “felizes para sempre”.

CENA XIII:

A cena ambientada com efeitos especiais luminosos, e fumaça que compõem o

encantado é o cenário para a aparição da fada-madrinha, que surge para acompanhar os

passos da afilhada junto com seus duendes ajudantes. Ela abençoa o casamento e se

despede dos dois. Cinderela e o príncipe, apaixonados, selam a união terminando o

espetáculo com um pas deu deux em adágio, composto basicamente por portées111 e

deslocamentos pelo palco. Demonstrando toda a paixão existente entre os dois

111 Do francês significa quando o bailarino ergue a bailarina, exibindo figures.

Page 42: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

4.4 CAPITULO 4: A CINDERELA NA DANÇA CONTEMPORÂNEA.

4.4.1 HISTÓRICO

A partir da década de 1950 surge um novo nome no cenário da dança francesa,

este é Maurice Béjart, que mesmo militante da técnica do ballet usava-a de maneira

original embasada em textos metafísicos, assim Béjart tornou-se o maior mestre da

dança Moderna na Europa.

“Estabelecido em Bruxelas, onde dirigia o seu Ballet du XXe Siècle, Béjart passou a elaboraruma nova forma de conceber a dança. Sua Symphonie pour um hommr seul (Sinfonia para um homem só) apresentada em 1955 no Théâtre de la Monnaie, elevou a dança a um nível ritualístico e transformou-a num arte muito popular.”112

Entretanto Béjart não passou a inovar e suas danças intelectualizadas passaram a

depender cada vez mais da técnica virtuosística do ballet e ele passou a não desenvolver

mais esse projeto de dança moderna francesa. Assim no começo da década de 60 a única

forma de contato dos franceses com danças radicalmente experimentais era através de

coreógrafos norte-americanos como Merce Cunningham113, que promovia workshops

nos estúdios de Françoise e Dominique Dupy 114,em Paris.

Um movimento de repensar social trazido pela revolução de 1968 preparou o

terreno para a forte ebulição da futura dança contemporânea, a danse nouvelle, que se

solidificou em 1974, quando a dançarina moderna norte-americana fora escolhida

coreógrafa principal da Ópera de Paris.

Essa danse nouvelle é uma elaboração da dança francesa que cria um novo tipo

de narrativa onde o conteúdo emocional é a fonte da coreografia, “embora as

encenações sejam cuidadosamente construídas através de gestos formalistas.” 115

Segundo Allen Robertson: 116

“Embora os artistas e dançarinos franceses admirem e respeitem o movimento pós-moderno norte-americano, este mostrou-se austero e auto-referencial demais. O amor pela vanguarda não se estende à arte por amor à arte.”117

112 CANTON. Op Cit., p. 115. 113 Merce Cunnigham: Bailarino e coreógrafo americano, pioneiro na moderna dança dos EEUU. 114 Dupy. Bailarino francês, um dos pioneiros da nouvelle danse. 115 CANTON. Op Cit., p 117. 116 ROBERTSON, Allen. Danse nouvelle – a modern dance boom has been sweeping away France the past few years. Ballet News, New York, 1983. 117 ROBERTSON, Allen. Danse nouvelle – a modern dance boom has been sweeping away France the past few years. Ballet News, New York, 1983. Disponível em CANTON. Op Cit., pág 117.

Page 43: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

Marguerite Marin nasceu em Toulouse em 1951. Seus pais refugiados políticos,

exilaram-se no sul da França durante a guerra civil espanhola. Contrabalançando os

valores rígidos que adquiriu graças à sua educação ateísta e comunista, Marin teve uma

infância cheia de vida em Toulouse, onde cantar e dançar faziam parte do seu

cotidiano118. Marin iniciou seus estudos no tradicionalismo do ballet clássico e até

chegou a atuar como solista no Balé da Ópera de Estrasburgo.

Já insatisfeita com o vocabulário limitado do ballet Marin começou uma busca

por manifestações efetivamente expressivas em cima dos palcos, necessitava de uma

aprendizagem que superasse as expectativas da dança. Para isso buscou e escola

Mudra119 de Maurice Béjart em Bruxelas, onde aprendeu técnicas alternativas de dança,

além de canto, representação, filosofia e artes orientais. Marin se formou e entrou para

o Ballet du XXe Siècle, de onde herdou lições de profissionalismo, disciplina e uma

significação do social ligado à dança.

Mesmo com toda a aprendizagem Marin ainda discordava do virtuosismo da

dança de Béjart e somente após um trabalho com a norte-americana Carolyn Carlson, no

verão de 1974, é que passou a atinar para as “intenções emocionais invisíveis que dão

forças a cada gesto.”120

Além de um estilo individual Marin é uma cabeça pensante a respeito das

preocupações estéticas dos recentes coreógrafos da danse nouvelle. Essas preocupações

podem ser resumidas como:

“Uma crença de que os indivíduos não podem ser separados de seu contexto físico, narrativo e histórico. Todo material coreográfico é uma narração e, portanto veicula algum tipo de mensagem. Ao mesmo tempo todos os coreógrafos da danse nouvelle extraíram seus estilos narrativos distintos de uma variedade de antecedentes pessoais e tendências internacionais , sobretudo de escolas tão diferentes como a danse académique francesa, a dança abstrata pós moderna americana, o Tanztheater alemão e o butô japonês, além do teatro contemporâneo, especialmente o teatro do absurdo de Beckett e Ionesco.”121

Assim, mesmo preocupando-se com o significado, suas narrativas nunca são

lineares ou diretas pois o movimento, mesmo quando derivado do ballet, não é o foco

118 Informações sobre a biografia de Magui Marin forma retiradas de CANTON. Op Cit., p. 118. 119 Segundo Béjart a palavra de origem sânscrita significa um pensamento tornado carne, a expresssão abstrata da alma que revela o poder dos sinais, o tangível que se torna a testemunha viva do inexprimível. Disponível em BÉJART, Maurice. Béjart by Béjart. Trad. Richard Miller. New York, Congdon & Lattes, 1979. 120 CANTON. Op Cit., p. 119. 121 CANTON. Ibid

Page 44: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

principal da história. Os dançarinos interagem com música, texto, cenários, luzes,

figurinos, e inúmeros outros elementos que servem de instrumentos para ampliar a

dimensão do campo de idéias da coreógrafa, seguindo a tendência da dança européia em

geral. “Dança é drama narrativo contado por meio de elementos integrados dentro e

fora do meio da dança.”122

Entretanto as obras de Maguy Marin são veiculadas através de idéias visuais,

onde imagens, movimento e som se interligam e retomam temas pré-estabelecidos. “Ela

possui preocupações formalistas em sua procura de como veicular a narrativa.”123

Com esse arsenal de investigações e coragem em 1984 Maguy Marin recebe

como desafio recriar a Cinderela para o Lyon Opéra Ballet. O grande desafio era no

entanto remontar uma peça que advinha do repertório clássico - linguagem que Marin

havia abandonado desde a saída da Ópera de Estrasburgo em 1968 – para uma

companhia de ballet, dentro da perspectiva da danse nouvelle da qual agora era adepta.

Como verermos no próximo tópico.

4.3.2 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DA CINDERELA DE MAGUY MARIN PARA O LYON OPÈRA BALLET. COREOGRAFADA EM 1984.

Maguy Marin traz ao palco uma releitura contemporânea do conto Cinderela, de

uma forma provocativa e instigante, assegurando não estar interessada na versão no

questionamento do sentido do conto feito por Bruno Bettelheim em a Psicanálise dos

contos de fadas124, afirmou limita-lo as esferas das crianças preocupando-se em como

conta-las tal história – como executara construção do seu próprio espetáculo mantendo a

consagrada versão de Charles Perrault.

“A coreógrafa manteve a narrativa tal como escrita por Perrault, mas o sentido numa representação teatral não é transmitido apenas pela narrativa textual. Por intermédio dos elementos visuais, sonoros e cinéticos, Marin, na verdade, subverteu de maneira consistente o sentido da história. Ou, ao menos, subverteu o ponto de vista mitificado, clássico.”125

A Cinderela de Maguy Marin, já que criada para uma companhia de ballet segue

ainda um feixe de outras produções clássicas. No entanto, a expectativa de uma

produção dentro dos parâmetros tradicionais é rompida logo no primeiro impacto. Ela

122 CANTON. Op Cit., p. 121. 123 CANTON. Ibid. 124 BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. 125 CANTON. Op Cit, p. 123.

Page 45: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

traz ao palco bailarinos transformados, trajando máscaras e enchimentos que remetem

ao rosto e corpo de bonecos. Além disso, o palco está coberto por um cenário que é a

representação de uma casa de bonecas.

“Para impedir que os dançarinos do balé Lyon empregassem expressões miméticas a que estavam habituados, Marin fez com que usassem máscaras. As máscaras acabaram sendo expandidas, virando bonecas inteiras, e dotaram a interpretação de todo um aparato de fantasia associado a infância.”126

Trajando esse figurino um tanto exótico os bailarinos assemelham-se a velhas

bonecas, as cabeças são maiores que o normal, desproporcional ao resto do corpo, o que

resulta numa dificuldade de movimentação, dando-lhes uma aparência desajeitada, que

pode ser vista em diversas cenas do espetáculo.

A Cinderela de Maguy Marin

Todo esse arsenal utilizado por Marin era a fim de justificar o seu temor em

ceder às convenções do ballet, principalmente porque iria utilizar a mesma música

romântica de Prokofiev. Assim decidiu cortar algumas peças musicais que considerou

muito dramática e acabou incluindo uma composição original criada por Jean

Schuwartz127 misturando balbucios de nenê, grunhidos eletrônicos e murmúrios.

Assim a Cinderela de Maguy Marin faz um intercâmbio entre as noções de

inovação e tradição tornando indefinível a linha que separa a vanguarda e o estilo

clássico e virtuoso do ballet.

A criação de movimentos que se assemelham diretamente a bonecos, como

dedos bem juntos e um misto de rigidez e angularidade de regiões periféricas do corpo,

retoma características próprias do universo infantil, imprimindo à coreografia uma

característica de simplicidade e ingenuidade. Ainda é interessante ressaltar que os

bailarinos acentuam essa dificuldade em executar determinados passos demonstrando

insegurança com uma exímia espontaneidade, como no momento em que Cinderela

126 CANTON. Op. Cit., p. 128. 127 CANTON. Op. Cit., p. 128: Jean Schuwartz: compositor contemporâneo que faz experimentos com música eletrônica e dodecafônica.

Page 46: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

recebe os seus sapatinhos encantados, entregue por sua fada-madrinha, calça-os e, no

ato da subida para andar com os novos calçados, cai esparramada no chão.

Ainda dentro do imaginário das crianças, pode-se perceber a presença de jogos

infantis no momento de euforia que antecede o baile, onde Cinderela brinca com fadas e

bichos, rola pelo chão, saltita, pula amarelinha, pula carniça.

Dentro desse contexto dividiu-se o espetáculo em 11 cenas128 para uma melhor

análise e compreensão:

CENA I:

No momento inicial do espetáculo, Cinderela está pensativa sentada em uma

cadeira demonstrando cansaço, provavelmente por um dia duro de trabalho na casa de

sua madrasta. Essa sensação é enfatizada por alguns gestos como debruçar-se na

vassoura ou simular uma queda. Nas feições da máscara de Cinderela pode-se perceber

um leve ar de doçura e ingenuidade, seu avental, única peça de vestuário significa sua

condição de empregada, e um cabelo longo liso e cor de rosa, dão ainda maior ênfase à

pureza e simplicidade.

A Cinderela de Maguy Marin

O cenário é simples, sem grandes virtuosismos. Lembra uma casa de bonecos,

pois os objetos são pequenos. O fundo do palco é preenchido por vários quadros, uma

espécie de história em quadrinhos, em que cada quadro representa alguma história, que

se desvendará até o fim do espetáculo.

As duas irmãs entram em cena com suas roupas escuras e com enchimentos que

as deixam gordas e com um aspecto desengonçado. Suas máscaras têm feições

grosseiras, feias, que deixam clara a proposta de representação do mal naquelas figuras

grotescas. As duas avistam Cinderela e vão diretamente ao seu encontro com uma

movimentação desengonçada, forte e expressiva. Estão humilhando a irmã, uma rixa

que mistura ódio e inveja, porque a beleza e a doçura de Cinderela chamam mais a

128 Convenção feita pela pesquisadora.

Page 47: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

atenção. Aqui se percebe a questão do imaginário infantil, Cinderela, sufocada pelas

ofensas das irmãs tenta escapulir subindo na vassoura, como numa brincadeira de pau-

de-sebo129. Cinderela tenta interagir com as irmãs, agradando-as, mas sem sucesso.

O pai entra em cena trajando calça curta e uma blusa cinza de mangas compridas.

Chega à casa carregado de presentes para todas, Cinderela corre para lhe dar um beijo e

ele lhe entrega uma grande caixa. As irmãs saem para um canto com os presentes e

Cinderela corre para os braços do pai.

Surge a madrasta, o patamar máximo de vilania da história acentuado pela

máscara supera a expressão de feiúra e zanga das suas filhas, seguindo a tradição dos

contos de fadas seria ela a mais feia de todas e a pior. Ao perceber o carinho do pai com

a filha trata de chamar sua atenção, mas ele a ignora, cruzando os braços e protegendo a

doce Cinderela.

Cinderela de Maguy Marin

O intuito de maltratar Cinderela é visível pelo uso coreográfico de movimentos

angulares e pesados pelas irmãs e madrasta em relação à Cinderela, recorrendo várias

vezes a gestos associados a atrevimento, soberania e humilhação, como exemplo

podemos citar a colocação das mãos nos quadris com o peito estufado – movimento que

toma amplitude maior devido aos enchimentos presentes no figurino das vilãs da

história. As três atacam Cinderela mais de uma vez, a movimentação é agressiva e a

raiva fica mais evidente devido às feições de suas máscaras.

Quando percebe a situação de filha, o pai trata rapidamente de protegê-la em

seus braços, enlaçando-a em sentido contrário às irmãs e madrasta. A madrasta que

definitivamente não gosta dessa superproteção começa a dançar com as filhas,

embalando o pai e Cinderela num quinteto que é notoriamente uma guerra dos dois

contra as três, uma simulação da grande dualidade da humanidade “Bem X Mal”. A

“guerra” acaba quando o pai segura a madrasta no ar, que esperneia de raiva

expulsando-a, garantindo a proteção de Cinderela.

129 Brincadeira infantil onde os participantes tem que escalar um maestro para ganhar prêmios.

Page 48: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

CENA II:

A paz volta a reinar na cena, Cinderela está sozinha e um pouco ofegante com

toda a confusão vivida. Num momento de reflexão, olha para o lado e para das caixas

que o seu pai trouxera. A caixa está coberta por uma fumaça que lhe desperta a atenção.

Curiosa, começa a abrir o presente e um ser encantado aparece, Cinderela corre

assustada e se esconde atrás da pilastra, mas continua a observar de longe o movimento

que está acontecendo. Aproxima-se engatinhando, demonstrando defesa e medo, até que

cria coragem e abre a caixa por completo.

A figura que sai da caixa se assemelha a um fantoche, com a cabeça bem grande

e arredondada. Seu corpo está aparentemente preso à caixa.

Cinderela de Maguy Marin

Cinderela está espantada, porém curiosa e os dois iniciam uma estranha

conversa representada na música de Jean Schuwartz, uma espécie de balbucios. A

empatia é instantânea, e uma nova amizade entre os dois é selada com um abraço. Eles

começam a brincar e Cinderela abraça e tira seu novo amigo de dentro da caixa.

Cinderela está radiante, e brinca, dando cambalhotas e risadas.

No instante da brincadeira entram em cena três fadas vestidas de preto, saias e

cabelos arroxeados entram em cena. São as primeiras personagens do espetáculo que

utilizam sapatilhas de pontas – mesmo com uma movimentação bem diferenciada do

tradicional virtuosístico utilizado no balé clássico. Essas fadas entram na história como

ajudantes do fantoche que retiram a caixa de cena e conduzem Cinderela a uma espécie

de janela, de onde ela vê um desenho que mostra suas irmãs e madrasta cortejando um

príncipe que está sentado em um trono, o que sugere um baile real.

CENA III:

Enquanto isso começa a sair de dentro do corpo do fantoche que está deitado no

chão a fada-madrinha, traduzida para o espetáculo na figura de um robô. Ao se levantar

uma das fadas-ajudantes lhe entrega a varinha de condão, onde se convencionou uma

espada de luz, pois ajuda na composição do aspecto robótico da fada. O corpo do robô-

Page 49: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

fada é percorrido por feixes de luz que compõem o figurino, dando uma impressão de

poder e inteligência. Com um som que lembra máquinas, o robô-fada dança

movimentos lentos e marcados realizando um adagio130, marcado por arabesques131

estáticos, demonstrando o equilíbrio e a força do robô- fada132. Cinderela observa tudo

emocionada.

Vale ressaltar que a figura de um robô para representar a fada-madrinha, que é o

ser responsável por toda a magia da história, é muito pertinente nos dias atuais, pois as

máquinas têm esse poder de se sobrepor a vida humana e proporcionar um transporte ao

mundo mágico da vida real, mesmo que seja apenas nos facilitando algum trabalho

árduo, ou realizando tarefas diárias de forma mais corriqueira sem que precisemos nos

preocupar.

Cinderela observa tudo atentamente, muito admirada, é o início de uma

aproximação entre os dois. O robô-fada demonstra um ar de superioridade, porém sem

ofender Cinderela, dando-lhe instruções com sua espada-varinha133, ela se curva diante

dele acatando com muita atenção toda a orientação. Com uma ordem dada pela espada-

varinha ilumina-se uma vitrine, onde estão as fadas-ajudantes do robô-fada, que trazem

até Cinderela um carro de brinquedo134, o futuro responsável pelo seu transporte até o

baile. Cinderela admira-se e entra no carrinho, sai dirigindo de maneira cômica pelo

palco, até que o robô-fada ordena que pare. Essa ordem serve para mostrar para

Cinderela onde está o vestido que ela deverá usar para ir ao baile, pois Cinderela

participará do baile graças à magia do robô-fada.

Cinderela de Maguy Marin

130 Na dança significa um grupo de exercícios executados com lentidão. 131 Posição do corpo quando descansa sobre uma perna, mantendo a outra estendida para trás. 132 Termo convencional utilizado pela pesquisadora para designar a “fada-madrinha” do conto original de Charles Perrault.. 133 Termo convencional utilizado pela pesquisadora para designar a “varinha de condão” do conto original de Charles Perrault.. 134 Termo convencional utilizado pela pesquisadora para designar a “carruagem” do conto original de Charles Perrault..

Page 50: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

Cinderela descobre a sua nova roupa, assim como a sapatilha vermelha135, esta é

uma sapatilha de ponta de cor vermelha que, de certa forma, contrasta com a figura

tradicional do delicado sapato transparente de cristal utilizado por Charles Perrault na

narrativa original. Ela se senta no chão e as calça. As fadas-ajudantes dançam

alegremente nas pontas, uma coreografia desengonçada remetendo à movimentação de

bonecos. Mesmo nesta coreografia contemporânea o uso de sapatilhas de pontas são

uma apologia ao etéreo, já que as fadas-ajudantes são seres do bem, aliadas do robô-

fada.

Cinderela está quase pronta para o baile, sua saia cor-de-rosa é bela e ela está

encantada com sua roupa nova.

Cinderela de Maguy Marin

CENA IV:

Com seu novo visual, e gestos de encantamento, Cinderela se admira, olha bem

para os pés, mas cai no chão logo em seguida, de forma desengonçada, pois nunca tivera

sapatos daquele tipo. As fadas-ajudantes a ensinam como usar, auxiliando-a na hora de

andar.

As três começam uma coreografia que remete a uma brincadeira junto com

Cinderela, carregam-na no colo e fazem balanços. Aqui fica muito evidente a proposta

do movimento imitar o de um boneco, escolhida pela coreógrafa.

As três fadas-ajudantes saem de cena e deixam Cinderela sozinha, que mais uma

vez se esparrama no chão.

CENA V:

Cinderela está deitada no chão e o robô-fada se aproxima dela com a espada-

varinha na mão em movimentos pausados. Ordena que Cinderela se levante, ela dança

mais um pouco com as fadas-ajudantes, mas cai novamente no chão.O robô-fada se

135 Termo utilizado pela pesquisadora para designar o “sapato de cristal” do conto original de Charles Perrault.

Page 51: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

aproxima novamente realizando movimentos de adágio136, e envolve Cinderela com a

espada na mão.

Quatro lobos da floresta começam a aparecer, junto com mais três bonecos-

ajudantes137, e Cinderela assiste à cena deles junto com o robô-fada. Estes personagens

curvam-se diante do robô-fada demonstrando servidão, este ordena que mostrem para

Cinderela o relógio escondido sob uma grande janela. Cinderela apoiada pelo robô-fada

se aproxima do relógio com receio.

Os lobos da floresta junto com os bonecos demonstram medo em relação ao que

irá acontecer. O robô-fada marca a meia-noite no relógio e explica para Cinderela que

deverá retornar até esse horário, ela se ajoelha agradecida.

Cinderela se aproxima dos lobos e os agrada com “cafunés”, todos inclusive as

fadas-ajudantes e os bonecos se aproximam dela e inicia-se uma dança coletiva, uma

espécie de confraternização. Aqui acontece mais uma vez a nítida presença de jogos

infantis, Cinderela brinca com todos de pular carniça, e amarelinha. Nessa brincadeira

os bonecos a conduzem até o carrinho de brinquedo e Cinderela parte para o baile.

CENA VI:

No segundo plano do cenário está organizado o baile, em um dos quadros se

encontram a madrasta e as irmãs de Cinderela, organizadas em duas fileiras,

aguardando, com movimentos impacientes, a descida de uma escadaria e a aparição do

príncipe junto com outras convidadas do baile. Os pares caminham em direção a mais

dois quadros e do segundo plano do cenário, em um deles está o trono real, vazio.

Um baile só com figuras femininas indica que o objetivo único das convidadas é

se mostrarem para o príncipe e conseguirem ascensão social.

O príncipe aparece, trajando roupas mais sofisticadas que os outros personagens,

uma calça comprida, uma blusa abotoada, botas e uma coroa na cabeça. A sua máscara

de boneco também tem uma expressão doce.

Quando o príncipe desce a escadaria todas descem atrás dele cortejando-o,

beijando-lhe as mãos, furioso, ele sobe novamente as escadas. O cortejo o segue, ele

passas por elas, recua e ocupa seu trono, representado aqui por uma cadeira de criança,

como as que se vê em restaurantes.

136 Na dança designação de exercícios executados com lentidão. 137 Personagens que atuam como ajudantes do robô-fada, mas também como ajudantes do príncipe.

Page 52: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

CENA VII:

. A porta para o baile é aberta pelos lobos e por ela Cinderela entra de forma

tímida. Ao primeiro passo o príncipe vem ao seu encontro, encantado. Os dois se

entreolham, envergonhados, e ele a convida para dançar. Enquanto os dois dançam, os

convidados descem as escadas, como crianças escorregando sentados pelos degraus. A

partir de agora aparecem figuras masculinas no baile.

Cinderela de Maguy Marin

Todos dançam uma dança de corte, em duplas, mas de maneira desajeitada, na

parte da frente do cenário. Cinderela e o príncipe, também descem as escadas andando,

mas são surpreendidos pela agressividade dos convidados que tentam separá-los a todo

custo. A madrasta segura o príncipe e um outro convidado Cinderela. As duplas dançam

pelo salão com movimentos que remetem a bonecos.

Novamente Cinderela e o príncipe ficam juntos, chegam até a dançar um pouco,

mas logo são separados pelos casais que continuam dançando em duplas, e de repente se

dividem em dois círculos colocando em um o príncipe e no outro Cinderela.

Em determinado momento conseguem sair dos círculos e Cinderela se curva

diante do príncipe num sinal de reverência, mas ele não permite. A madrasta se

aproxima inconformada, chama uma de suas filhas para explicar um plano, que espalha

para todos do baile. Uma mesa de doces no canto direito é servida e os convidados

fazem gestos de fome, passando a mão na barriga.

Verifica-se aqui mais um elemento do imaginário infantil,pois nessa mesa os

doces são bem coloridos, como os servidos em festas de crianças. Também os sons

emitidos pelos personagens imitando conversas, lembram balbucios de bebês.

Cinderela e o príncipe estão perto da mesa de doces, servindo-se, e os

convidados atacam a mesa passando, literalmente, por cima dos dois, que caem no chão.

Page 53: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

Cinderela de Maguy Marin

Os convidados que invadem a mesa são liderados pela madrasta. Os bonecos que

ajudaram a conduzir Cinderela para o baile resgatam o príncipe e Cinderela, e

colocando-os novamente de pé, juntos um do outro. Os dois sobem a escadaria

apaixonados, enquanto a madrasta lidera mais uma confusão para separá-los.

Todos os convidados fazem um verdadeira bagunça brigando pelos doces da

festa, o que é muito freqüente de acontecer em festas infantis.

O príncipe desce as escadarias e ordena que pare a confusão, toma-lhes os doces,

e todos saem revoltados com a decisão da realeza. Cinderela também desce as escadas

para ficar junto do seu amado, que lhe oferece o doce tomado dos convidados e dá-lhe

um beijo no rosto. Os convidados sobem a escada deixando os dois a sós.

Cinderela de Maguy Marin

CENA VIII:

Inicia-se um romântico pas-deu-deux com movimentos angulares, e

demonstrando uma certa vergonha entre os dois, que também fazem brincadeiras

infantis como bater as mãos e andar nas costas um do outro. A dança termina com o

envio de um beijo através da mão.

Os bonecos trazem um bolo para o príncipe, que sopra as velinhas e é entretido

pelos outros convidados, enquanto a madrasta grita com Cinderela e todos morrem de

rir caídos no chão. Os sons indecifráveis novamente imitam a conversa dos personagens.

Cinderela e o príncipe não têm sossego, todos voltam a atormentá-los. A

madrasta o agarra pelas orelhas e o joga para uma de suas filhas, que, junto com os

bonecos-ajudantes, o carregam para uma brincadeira de amarelinha, todos ficam na

Page 54: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

torcida e expectativa para que o príncipe chegue até o final da brincadeira e é uma folia

quando isso acontece.

A brincadeira agora é pular corda, o príncipe convida Cinderela para ver mais de

perto, só que a madrasta a empurra, mas, todos entram na brincadeira, até a própria

Cinderela, que mais uma vez, convidada pelo príncipe, desperta a inveja de todos os

outros convidados, que a observam pular, até perder o equilíbrio e cair no chão.

O príncipe a levanta, verifica se está tudo bem. Os dois começam a dançar,

enquanto os convidados estão inconformados com a desatenção do príncipe. Em certo

momento, todos sobem as escadas do palácio e dançam, inclusive os bonecos-ajudantes

que junto às fadas-ajudantes, dançam em duplas.

CENA IX:

Soa a meia-noite é marcada no relógio e o robô-fada aparece com sua espada-

varinha no canto do palco, indicando que está na hora de Cinderela se recolher.

Cinderela vai se encolhendo, até escorregar escadaria abaixo, esquecendo a sua

sapatilha vermelha em um dos degraus.

O príncipe a procura e quando desce as escadas vê o objeto perdido pela amada,

ele o pega, admira mostra a todos os outros convidados do baile.

CENA X:

O príncipe sai montado num cavalo de brinquedo, lembrando aqueles utilizados

em carrossel, galopando em busca daquela que o encantou na noite anterior. Todos os

personagens desfilam puxando brinquedos pelo palco, indicando a comitiva real.

Aparece uma moça usando trajes que remete ao usado por espanholas, um

vestido amarelo, com bolas pretas e muitos babados, a sua máscara tem uma expressão

neutra. Ela aparece cortejada por dois lobos. Um dos bonecos-ajudantes anuncia a

entrada do príncipe que tentará experimentar o sapato nela, ela o oferece uma rosa e

começa a dançar, com movimentos sensuais envolvendo o corpo do príncipe e suas

mãos, embora não use castanholas se movem como se estivesse tocando. Ele se senta e

ela dança para seduzi-lo.

O príncipe ordena a entrada da sapatilha vermelha para que a espanhola a

experimente. O sapato não lhe serve em um dos pés, ela ainda insiste para que calce no

outro sem sucesso algum. Ela fica enfurecida, o príncipe tenta cortejá-la mas não há

acordo, e os lobos a carregam de volta.

Page 55: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

CENA XI:

O príncipe continua a procura, em cima de seu cavalo de carrossel. E todos os

personagens indicam a comitiva real atravessando o palco portando brinquedos.

Os lobos agora trazem uma moça de origem árabe, sentada em um tapete,

escoltada por camelos, um encantador de serpente e um coqueiro que é posto no canto

esquerdo. Está trajando calça, top e turbante típico da região, em material transparente.

Sua máscara tem uma expressão neutra.

O príncipe está sentado, escoltado por sua comitiva, observando a dança que a

árabe faz para tentar seduzi-lo. Ela realiza movimentos que remetem à dança do ventre e

move-se com sensualidade. Um dos bonecos a segura nos braços e o outro se aproxima

para que ela calce o sapato que, mais uma vez não, serve. Todos ficam desolados com a

situação, inclusive o príncipe, que abaixa a cabeça, os ombros e solta um suspiro.

Os lobos recolhem a moça ao seu tapete, que vai embora chorando e seguem seu

destino.

CENA XII:

O príncipe e os bonecos dançam pelo reino, o príncipe está desconsolado, põe as

mãos no rosto e chora, mas um dos bonecos vem ajudá-lo. O outro faz até uma

brincadeira com a máscara e uma peruca parecida com as feições e cabelos de Cinderela,

mas estão todos exaustos com a procura e acabam descansando sobre os cavalos.

CENA XIII:

Cinderela de Maguy Marin

Cinderela está em casa desconsolada, sentada em sua cadeira, numa figura que

remete à primeira cena do espetáculo, com o mesmo avental simples que utilizava, num

cenário idêntico ao descrito no momento inicial. Cinderela observa as próprias mãos,

passa-as nos cabelos e no corpo e solta um suspiro. Pega sua vassoura e começa a

dançar, coloca uma cadeira no centro do palco, com a vassoura deitada, simbolizando a

Page 56: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

figura do príncipe, e põe a sua cadeirinha ao lado, como se estivesse lembrando da noite

anterior. Cinderela se curva para a vassoura e realiza os gestos tímidos que fez quando

entrou no baile e se encontrou com o príncipe. Repete a seqüência de gestos várias

vezes enfatizando a vontade de ter seu desejo realidade.

Ao terminar de dançar para a vassoura, cai na real que aquilo era ilusão criada

por ela, e desaba a chorar no chão.

A madrasta e as irmãs aparecem cruzando os braços cobrando-lhe uma

satisfação e ela rapidamente organiza toda a bagunça que fez. As três vilãs sentam-se

nas cadeiras e curvam-se sobre Cinderela, assustando-a com sua expressão macabra. As

três conversam entre si e novamente partem para cima de Cinderela, agora de forma

amigável e vão seduzindo a ingênua garota até que a madrasta a esconde entre as pernas,

pois o príncipe e a sua comitiva estão entrando em sua casa, e elas não querem que ele a

veja.

As duas filhas saem em direção ao príncipe e se mostram para ele como

candidatas a calçar a sapatilha vermelha. A primeira calça, esperneia, mas a sapatilha

vermelha não lhe serve, com a segunda acontece a mesma coisa, e todas choram.

O príncipe fica muito triste e vai em direção ao seu cavalo, junto com a sua

comitiva. É quando o robô-fada aparece e, com sua espada-varinha, aponta para as

pernas da madrasta e Cinderela surge. O príncipe se aproxima e calça a sapatilha

vermelha Cinderela que mostra o outro par e o calça. O grande segredo está desvendado,

eles se reconhecem com um beijo.

Cinderela de Maguy Marin

O robô-fada abençoa tudo da parte de cima do cenário e os bonecos com as

fadas-ajudantes, e Cinderela com o Príncipe, dançam em duplas, enquanto a madrasta e

as irmãs são amarradas nas cadeiras por ordem do robô-fada. Elas resistem através dos

sons grunhidos, balançando braços e pernas, mas não obtêm sucesso.

A coreografia dançada em duplas é muito alegre, com saltos e batidas de palmas

que remetem à vitória, do triunfo do bem sobre o mal.

Page 57: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

As fadas-ajudantes, junto com os bonecos-ajudantes formam um corredor para a

descida do robô-fada que casa Cinderela e o príncipe com sua espada-varinha. Eles se

beijam e todos comemoram. Felizes, se despedem, enquanto as três vilãs permanecem

amarradas na cadeira, e vigiadas por um guardião.

As duplas formadas por fadas-ajudantes e bonecos, atravessam o palco

carregando seus brinquedos. O último casal a passar nessa travessia é Cinderela com

seu príncipe arrastando um comprido carrinho repleto de filhos, representados por

bonecos bem pequenos trajando macaquinho azul e cor-de-rosa, simbolizando meninos

e meninas.

Cinderela de Maguy Marin

Page 58: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Depois de feito o levantamento bibliográfico a respeito dos contos de fadas e da

visão da psicologia sobre a Cinderela, teve-se embasamento teórico para se analisar os

vídeos de adaptações feitas para o ballet clássico e, em seguida para a dança

contemporânea. A partir de então se conclui que o contexto sócio-histórico particular

em que uma mesma obra literária foi coreografada obedece a meios específicos de

expressão e, permite-nos enxergar a variedade de concepção artística e vocabulário

corporal possível para adaptação de uma narrativa literária para a dança.

A Cinderela do ballet clássico, coreografada por Konstantin Sergeyev em 1944

está diretamente ligada ao formalismo da arte da dança. Composta por corpos de baile

que emolduram a cena para que os bailarinos principais dancem coreografias onde

expõem todo o seu virtuosismo técnico, bem como o uso de tutus e sapatilhas de pontas

por todas as bailarinas em cena.

A Cinderela da dança contemporânea, coreografada por Maguy Marin em 1985,

tem um tratamento diferenciado da do ballet, pois reflete além da técnica valores

artísticos e culturais da coreógrafa que reinterpretou e revitalizou de forma ingênua,

seguindo o imaginário infantil, o significado de uma história já consagrada.

Nas duas versões Cinderela é uma menina que após perder a mãe sofre maus

tratos da madrasta e das irmãs feias e malvadas. Tanto Sergueyev quanto Marin retratam

isso claramente através de próteses e máscaras que deixam as vilãs com feições ainda

mais grotescas.

O pai na versão do ballet é uma figura apática que acata as ordens dadas pela

esposa de deixar sua filha viver literalmente entre as cinzas, enquanto que na dança

contemporânea ele é ele ativo na guerra contra o mal para defender a filha.

Sem condições de ir ao baile138 um portal mágico é o responsável pela ocasião

que mudará a vida da protagonista, pois é através dele que a fada-madrinha aparecerá.

No vídeo do ballet esse portal é representado pela figura de um espelho do cenário e, no

da dança contemporânea pela caixa de presente que o seu pai trouxe. Em ambos os

casos fica claro o momento de magia devido aos recursos cênicos utilizados como

fumaças e efeitos luminosos, pois trata-se do surgimento do principal personagem do

138 Em nenhum dos casos ficou clara a proibição feita pela madrasta de Cinderela ir ao baile, como no conto original de Perrault.

Page 59: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

bem, que será o responsável, mesmo indiretamente, pelo casamento, equilíbrio,

felicidade e início de um lar.

Esse auxiliar mágico proporciona todos os adereços necessários para Cinderela

ir ao baile como vestido, coroa, sapato e transporte. Esse encanto feito pelo auxiliar

obedecem ao da narrativa original de Perrault, em que Cinderela terá de voltar para casa

antes da meia-noite sob a condição de perde-lo.

O transporte da heroína para o baile, em nenhum dos casos, é feito na luxuosa

carruagem do conto original de Perrault. No ballet essa é substituída por um séqüito

constituído por membros do corpo de baile e na dança contemporânea por um carrinho

de brinquedo.

Nas duas adaptações o baile é o local onde Cinderela encontra seu grande amor,

que acontece à primeira vista. Cinderela vence a batalha contra as irmãs e madrasta sem

precisar guerrear com elas.

O baile da adaptação de Marin tem a agressividade típica da infância, onde

disputam atenção do príncipe tentando separa-lo de Cinderela. Marin põe em cena uma

batalha de brinquedos e retrata uma festa de criança onde o príncipe sopra velinhas no

bolo, todos brincam de brincadeiras infantis e doces e balas são servidos aos convidados.

Sergeyev transformou o baile em sessões de dança pura, com a presença de

grand pas-de-deux, e danças de corte feita pelos protagonistas e emoldurados pelo

corpo- de-baile. O comportamento de todos é dentro dos ideais de boa educação e das

normas de conduta, longe de batalhas ou agressões visíveis aos outros convidados, ao

contrário, a bondosa Cinderela, mesmo descartada pelas vilãs, ainda divide com elas as

bebidas que o príncipe mandava lhe servir.

Nos dois casos as badaladas indicando meia noite são decisivas para o fim do

encanto. Na adaptação do ballet, Cinderela sai correndo elegantemente as escadarias e,

perde um dos sapatos de cristal que usou durante a festa. Na versão da dança

contemporânea Cinderela enrola o seu corpo até o chão e vai escorregando deitada pela

escadaria, quando escapa do seu pé a sapatilha vermelha, que simboliza o sapatinho de

cristal da obra original de Perrault.

Nas duas adaptações esse objeto perdido é a única lembrança que o príncipe

guarda da amada e promete a si mesmo casar-se com aquela que conseguir calçar. O

príncipe ordena uma comitiva em busca de Cinderela.

No ballet a busca caracteriza-se por um desespero exagerado percebido pela

movimentação, música, e iluminação utilizadas na cena. É uma procura quase solitária,

Page 60: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

pois envolve apenas um enviado e dois servos. A busca de Marin é tranqüila, todos os

personagens se locomovem arrastando brinquedos pelo palco e o príncipe desloca-se em

cima de um cavalo de brinquedo.

Nas duas versões o príncipe em busca de sua amada encontra duas moças, uma

espanhola e outra árabe, que experimentam o sapato, mas não serve. Na adaptação do

ballet registra-se ainda a presença de uma índia, que experimenta o sapato sem sucesso.

Depois de fugir do baile Cinderela volta para casa em farrapos novamente, as

protagonistas das duas versões lembram-se da noite anterior escoradas em suas

vassouras. A heroína de Marin é criativa e engraçada, pois brinca com a vassoura que

coloca em cima da cadeira para fingir seu namorado, provavelmente o príncipe. A de

Sergeyev é mais contida e dança com leveza, como manda uma boa moça. Sua alegria é

ainda maior quando encontra o outro sapato que usou em cima da poltrona. As duas

voltam à realidade quando percebem a presença da madrasta e das irmãs.

A entrada do príncipe na casa onde está Cinderela é de acordo com o momento

em que foi coreografada. Na adaptação de Sergeyev, segue as normas de conduta dos

padrões da alta-sociedade, a madrasta o recebe, unida das filhas e não escondem a

bastarda, apenas a deixam esquecida num canto.

As irmãs experimentam o sapato que não serve, e o príncipe já está pronto para a

partida quando olha para o canto e reconhece a amada apenas pelo olhar. Ela nem

precisa experimentar o sapato, como acontece na narrativa original de Perrault, o

príncipe apenas compara o sapato que tem em suas mãos com o que acabara de cair do

avental de Cinderela para ter certeza que ela é a sua amada.

A chegada do príncipe na casa de bonecos de Marin está de acordo com o retrato

do imaginário infantil proposto pela coreógrafa. A madrasta literalmente esconde

Cinderela embaixo de sua saia, enquanto as irmãs experimentam o sapato e esperneiam

em cena porque não coube. É necessária a presença do auxiliar mágico (robô-fada), que

aponta a varinha para a saia da madrasta e tira Cinderela de lá. O príncipe experimenta

o sapato em Cinderela, que tira o outro da roupa e calça também, os dois se reconhecem.

A cena final dos dois espetáculos é o casamento de Cinderela com o príncipe,

porém retratado de formas diferentes. O casamento do ballet vai de encontro ao virtuoso

proposto por essa escola de dança, um pas-deu-deux é dançando com entusiasmo

deixando clara a idéia de “felizes para sempre” comum nos contos de fadas.

No casamento de Maguy Marin as vilãs são punidas, amarradas em cena, todos

os personagens estão no palco carregando brinquedos, quando surge Cinderela e o

Page 61: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

príncipe carregando um carrinho comprido cheio de bonecos simbolizando seus filhos,

o que representa uma visão cética de Marin a respeito dos finais felizes dos contos de

fadas.

Após essa análise podem-se perceber as semelhanças e diferenças de uma

mesma obra literária adaptada para a dança, de acordo com o contexto sócio-histórico

particular de cada coreógrafo. Onde cada um deles releu a Cinderela e transpôs para o

palco de acordo com a sua interpretação pessoal, fornecendo uma nova compreensão do

significado do conto.

Page 62: A CINDERELA NO MUNDO DA DANÇA

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