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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
PS-GRADUAO EM HISTRIA
MESTRADO EM HISTRIA, CULTURA E PODER
ANGELITA MARIA ROCHA FERRARI DA COSTA
A COLEO DE PINTURAS EM MINIATURA
DA VISCONDESSA DE CAVALCANTI
NO MUSEU MARIANO PROCPIO
JUIZ DE FORA
2010
1
ANGELITA MARIA ROCHA FERRARI DA COSTA
A COLEO DE PINTURAS EM MINIATURA
DA VISCONDESSA DE CAVALCANTI
NO MUSEU MARIANO PROCPIO
Dissertao apresentada ao Programa de
Ps-Graduao em Histria, rea de
concentrao: Histria, Cultura e Poder,
da Universidade Federal de Juiz de Fora
como requisito parcial para obteno do
ttulo de Mestre.
Orientadora: Prof Dr Maraliz de Castro Vieira Christo.
JUIZ DE FORA
2010
2
Costa, Angelita Maria Rocha Ferrari da. A coleo de pinturas em miniatura da Viscondessa de
Cavalcanti no Museu Mariano Procpio / Angelita Maria Rocha Ferrari da Costa. 2010.
231 f. : il.
Dissertao (Mestrado em Histria)Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2010.
1. Pintura Brasil. 2. Museu Mariano Procpio. I. Ttulo. CDU 75(81)
3
ANGELITA MARIA ROCHA FERRARI DA COSTA
A COLEO DE PINTURAS EM MINIATURA
DA VISCONDESSA DE CAVALCANTI
NO MUSEU MARIANO PROCPIO
Dissertao apresentada ao Programa de
Ps-Graduao em Histria, rea de
concentrao: Histria, Cultura e Poder,
da Universidade Federal de Juiz de Fora
como requisito parcial para obteno do
ttulo de Mestre.
Banca Examinadora
_______________________________________________
Profa. Dra. Maraliz de Castro Vieira Christo Orientadora
________________________________________________
Profa. Dra. Angela Brando Presidente
__________________________________________________
Profa. Dra. Ana Maria Tavares Cavalcanti Membro Externo
4
minha famlia.
E em especial, ao grande
amor da minha vida: Pietro.
5
AGRADECIMENTOS
Nosso pensamento viaja ao nos depararmos com uma obra de arte. E se esta obra
for to pequena, a ponto de termos que chegar nossos olhos to perto, que ela passa
neste momento a ser contemplada somente por ns?
O Museu Mariano Procpio nos oferece este encontro com as pinturas em
miniatura da coleo da Viscondessa de Cavalcanti.
O fato de que estas pinturas em miniatura ainda no tinham sido estudadas, me
levou desde 2005, a procurar entend-las e a descobrir que em outros museus do mundo
elas so to significativas, que possuem um catlogo particular.
No comeo, passei por muitas dificuldades. Mas, com o passar do tempo contei
com o apoio de pessoas conhecidas, fiz amigos que muito me ajudaram ao longo destes
anos de pesquisa. Ento, agradeo a Deus por ter me dado sade, foras e uma famlia
que me apoiou integralmente.
Agradeo ao Marcos, esposo, amigo, companheiro de todas as horas. Por
tambm ser historiador, entendeu minhas horas na frente do computador e me ajudou de
maneira direta nas minhas dificuldades em usar esta mquina. Mesmo estando em
misso de paz no Haiti, passado o sufoco do terremoto, lia meus textos, corrigia e dava
sugestes. No tenho palavras que possam expressar minha gratido.
Ao meu filho, Pietro, que meu parceiro, meu amigo e o grande amor da minha
vida, que aprendeu desde cedo o valor do conhecimento. Agradeo por tantas vezes em
que me olhou e perguntou: Me, como que est a sua dissertao?
Aos meus pais. Minha me, que assumiu as responsabilidades da cozinha para
eu poder ter tempo de me dedicar pesquisa, e que ficou com o Pietro quando eu
precisava sair. Obrigada. Meu pai, que compreendeu que eu no poderia mais ir ajud-lo
na loja todos os dias. Obrigada.
minha irm e meu cunhado que me deram a coisa mais linda do mundo:
Vitria.
minha orientadora, a Prof. Dra. Maraliz Christo que desde o comeo da
pesquisa, mesmo sem me conhecer direito, confiou em mim e me auxiliou com
emprstimos de livros, dicas, orientaes e, muita pacincia para relevar minhas
dificuldades. Obrigado por sua dedicao a este humilde trabalho.
6
A todos os meus professores da graduao do Centro de Ensino Superior de Juiz
de Fora. Aos meus professores da Universidade Federal de Juiz de Fora, que sempre me
foram solcitos e leais ao apontar os melhores caminhos e relatar suas experincias
enquanto pesquisadores e que assim pouparam-me de desvios desnecessrios em minha
pesquisa. Gostaria de agradecer particularmente s Prof. Dras. Ana Maria Tavares
Cavalcanti da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Angela Brando da
Universidade Federal de Juiz de Fora, pelas orientaes quando de minha qualificao e
de minha defesa. E aos Profs. Drs. Beatriz Helena Domingues, Cssio da Silva
Fernandes, Celia Aparecida Resende Maia Borges, Fbio Jos Martins de Lima e
Mnica Ribeiro de Oliveira pelos conhecimentos transmitidos durante as aulas desse
mestrado.
Agradeo, tambm, aos amigos e amigas do curso de graduao em Histria e da
ps-graduao em mestrado em Histria, Cultura e Poder pelos anos de convivncia e
trabalho que muito contriburam para o crescimento pessoal e profissional de todos ns,
em especial ao Francislei e Rogria. Que Deus os acompanhe.
Aos servidores e funcionrios da Universidade Federal de Juiz de Fora, sempre
dispostos a cumprir suas obrigaes e apoiar com dedicao todo o corpo docente e
discente, em especial secretria do Programa de Ps-Graduao, Ana Lucia Gomes
Mendes.
Durante minha pesquisa, tive a gentileza de pessoas que me facilitaram a
pesquisa, como todas as pessoas que trabalham nos arquivos pesquisados, ao colega
pesquisador Rogrio Rezende, Sr. Lcio Ferreira Moura e meu cunhado Valmir que me
ajudaram conseguir livros de outros pases, Carina, Robert DAibert, Jean Menezes,
Heliane Casarin, Ana Karla. E a todos aqueles que com uma simples palavra de
incentivo ou at de curiosidade sobre o tema, faziam-me crer plenamente que estava no
caminho certo.
Em especial ao Diretor do Museu Mariano Procpio, Douglas Fasolato, um
estudioso em genealogia que nos ajudou e orientou no processo final deste trabalho e
que entende que s a pesquisa trar o verdadeiro reconhecimento a esta Instituio.
E por fim, mas com toda a certeza, meus agradecimentos vo para todos os
funcionrios do Museu Mariano Procpio que se mostraram dispostos a ajudar, s
muselogas que me auxiliaram nestes momentos de pesquisa.
Espero que este trabalho esteja altura da importncia desta coleo de pinturas
em miniatura.
7
Neste banquete de deuses, de mister que haja algum que os sirva.
Aceito o officio, divina Juno.
Machado de Assis, 1891.
(Mensagem do escritor para a Viscondessa de Cavalcanti em seu leque de autgrafos)
8
RESUMO
Este trabalho pretende colaborar para o conhecimento da coleo de 104 pinturas em
miniatura que pertenceram Viscondessa de Cavalcanti, expostas no Museu Mariano
Procpio em Juiz de Fora. Por seu imenso valor artstico, a preservao do patrimnio, a
importncia do hbito de colecionar e para a definio de uma prtica cultural que
representa poder econmico e social, demonstrao de conhecimento, intimidade com a
arte e o desejo de encontrar uma pretensa imortalidade com a doao a instituies e
museus de arte, dando autenticidade ao colecionador e sua coleo.
Palavras-chave: Pinturas em miniatura. Viscondessa de Cavalcanti.
Museu Mariano Procpio.
9
RSUM
Ce travail prtend collaborer pour la connaissance de la collection de 104 peintures
miniature qui ont appartenu la Vicomtesse de Cavalcanti, exposes au Muse Mariano
Procpio en Juiz de Fora. Par son immense valeur artistique, la conservation du
patrimoine, l'importance de l'habitude de collectionner et pour la dfinition d'une
pratique culturelle qui reprsente pouvoir conomique et social, dmonstration de
connaissance, intimit avec l'art et le dsir de trouver une suppose immortalit avec la
donation des institutions et muses d'art, en donnant authenticit au collectionneur et
sa collection.
Mots-cl : Peintures miniature. Vicomtesse de Cavalcanti.
Muse Mariano Procpio
10
LISTA DE TABELAS
TABELA 1: Nmero total de pinturas em miniatura dividas por gneros
pictricos.........................................................................................................................59
TABELA 2 :Nmero de pinturas em miniatura com a temtica do Retrato...................61
TABELA 3 : Nmero de pinturas em miniatura com a temtica de Cenas de Gnero...65
TABELA 4 : Nmero de pinturas em miniatura com a temtica de Animais.................67
TABELA 5 : Nmero de pinturas em miniatura com a temtica de Paisagem...............69
TABELA 6 : Nmero de pinturas em miniatura com a temtica de Natureza Morta.....72
TABELA 7 : Tcnicas e quantidades utilizadas nas pinturas em miniatura...................75
11
SUMRIO
1 INTRODUO..........................................................................................................13
2 A VISCONDESSA DE CAVALCANTI E SUAS COLEES.............................17
2.1 Amlia Machado Coelho...........................................................................................19
2.2 Vida intelectual e colees........................................................................................31
2.2.1 Escritos...................................................................................................................31
2.2.2 Exposies Universais............................................................................................34
2.2.3 Objetos diversos espalhados por vrios museus e instituies...............................41
2.2.4 A coleo no Museu Mariano Procpio.................................................................41
2.2.5 A pinacoteca...........................................................................................................47
3 UM OLHAR SOBRE AS PINTURAS EM MINIATURA.....................................50
3.1 Os artistas..................................................................................................................53
3.2 Os temas....................................................................................................................58
3.2.1 Retrato....................................................................................................................60
3.2.2 Gnero....................................................................................................................64
3.2.3 Animais..................................................................................................................66
3.2.4 Paisagem................................................................................................................68
3.2.5 Natureza Morta.......................................................................................................72
3.2.6 As tcnicas.............................................................................................................74
4 A PRTICA INTERNACIONAL DO COLECIONISMO DE MINIATURAS..78
4.1 Situao das miniaturas no Museu de Artes Decorativas em Bordeaux...................78
4.2 Museu do Louvre: obras de arte em miniatura..........................................................80
4.3 Histrico das miniaturas do Museu Cond................................................................82
4.3.1 A coleo do Duque dAumale..............................................................................85
4.3.2 Apresentao das miniaturas do Museu Cond......................................................87
4.3.3 A conservao preventiva e restaurao das miniaturas do Museu Cond............88
12
4.4 Museu de Arte Decorativa: a coleo Asinari di Bernezzo (Buenos Aires,
Argentina)........................................................................................................................89
4.4.1 O estado de conservao desta coleo..................................................................90
4.5 A Coleo Zubov (Buenos Aires, Argentina)...........................................................91
5 CONCLUSO.............................................................................................................95
6 REFERNCIAS..........................................................................................................98
7 APNDICE...............................................................................................................104
7.1 Biografias dos artistas..............................................................................................105
7.2 O catlogo das pinturas em miniatura.....................................................................122
13
1 INTRODUO
Amlia Machado Coelho nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 07 de
novembro de 1853. Em 1871, casou-se com o Conselheiro Diogo Velho Cavalcanti de
Albuquerque, um dos polticos mais conceituados no Imprio, passando a ser chamada
de Amlia Machado Cavalcanti de Albuquerque. Mais tarde, em 1888, pelo ttulo
concedido pelo Imperador ao marido, torna-se, a Viscondessa de Cavalcanti.
A Viscondessa de Cavalcanti era prima-irm do Doutor Alfredo Ferreira Lage,
colecionador como ela, e uma das maiores incentivadoras da criao do Museu Mariano
Procpio, a partir das peas adquiridas por ele ao longo da vida. Com a criao deste
museu, ela doa a maior parte de suas conquistas quele espao de conhecimento e
devoo arte e histria.
Entre a extensa variedade de objetos de arte, colecionados pela Viscondessa e
pertencentes ao Museu Mariano Procpio, est uma coleo de 104 pinturas em
miniatura, que ficam expostas numa sala que leva seu nome. So trabalhos importantes,
principalmente, pelas caractersticas de confeco e tcnicas utilizadas. Apresentam
ainda, uma diversidade de temas, que abrangem retratos, cenas de gnero, animais,
paisagens e natureza morta, que foram executadas por reconhecidos pintores
miniaturistas.
Esta coleo de pinturas em miniatura da Viscondessa de Cavalcanti, cuja
apresentao e inventrio detalhado so o objeto desta pesquisa, integram o patrimnio
do Museu Mariano Procpio desde a dcada de 1930.
um importante conjunto artstico com peas oriundas dos sculos XVIII, XIX
e XX, mas, principalmente, do sculo XIX. Incluem pinturas leo de prestigiosos
artistas, como por exemplo, Jean Baptiste Isabey e Pierre Paul Proudhon, ambos,
pintores da corte francesa e de Madeleine Jeanne Lemaire, referncia como pintora de
natureza morta. Ainda nesta coleo, podemos encontrar aquarelas, pastis, desenhos e
pintura em esmalte, uma fotopintura e molduras, especialmente confeccionadas por
moldureiros franceses.
No encontramos um rigor quanto ao dimetro de uma pea de pintura em
miniatura. Entre os diversos catlogos utilizados nesta pesquisa, esto o catlogo de
miniaturas da coleo do Museu de Chantilly, em que observamos peas como um
pingente, com retrato do imperador Franois II feito por um pintor annimo, de 1,3cm
de largura por 1,5cm de altura, at o retrato da Duquesa dAumale, pintado por Franois
14
Meuret, com o dimetro de 22,5cm de largura por 16 cm de altura. O catlogo do
Museu do Louvre apresenta peas como o Retrato da menina morena, pintado por
Ccile Villeneuve de 3 cm de largura por 3,6 de altura e o Retrato de um artista entre a
paisagem, pintado por Jean Antoine Laurent, cuja extenso de 17,4cm de altura por
12,8cm de largura.
Entre as 104 peas que consideramos como a coleo de pintura em miniatura da
Viscondessa de Cavalcanti, as dimenses variam entre 3,5cm a 4,5cm. Como por
exemplo, um retrato de criana sem assinatura e, uma pintura de cena de exterior
pintada por Henri Jourdain de 17,5cm de largura por 14 cm de altura.
Ressaltamos que ela possua outras obras de pequenas dimenses, porm, elas
ultrapassam as medidas que padronizamos, neste trabalho, como pinturas em miniatura.
Sendo assim, as apresentaremos na pinacoteca.
Nos catlogos a que recorremos como parmetro para apresentar esta coleo,
observamos que os colecionadores de pintura de miniatura do preferncia temtica do
retrato, no entanto, paisagens e cenas de gnero tambm foram encontradas. Na coleo
do Museu Cond, encontramos Vue du palais de Chiatamone (Naples), de artista
annimo, medindo 7,7 cm de altura por 12,9 cm de largura. E, Intrieur de cuisine,
Sarria (Espagna), medindo 8 cm de dimetro e pintado pela Duquesa de Bourbon.
Dois fatores tornam esta coleo da Viscondessa de Cavalcanti mpar e original,
diante de outras valiosas colees internacionalmente conhecidas. O primeiro seria o
fato de apresentar uma diversidade de tcnicas e temas, que demonstram o cuidado da
Viscondessa em reunir, no apenas uma coleo de miniaturas, mas tambm, uma
coleo de pinturas em miniatura em que, excluindo a pintura histrica, todos os
outros temas so encontrados. O segundo fator seria em relao ao nmero, pois no
Brasil no encontramos nenhum colecionador que tivesse reunido esta quantidade de
peas.
Sobre estas constataes, temos como exemplo, a coleo do Museu Imperial em
Petrpolis que de acordo com a museloga Ana Luisa conta com 33 peas, na maioria
retratos de membros da Famlia Imperial e alguns, de titulares. Todas so pintadas em
guache sobre marfim. Desse nmero de peas, algumas foram adquiridas de
particulares, outras foram doadas ou legadas, como por exemplo, o legado do
Embaixador Edmundo da Luz Pinto.1
1 Informaes obtidas por meio eletrnico, museloga Ana Luisa Alonso de Camargo do Museu
Imperial de Petrpolis em 30/07/2010.
15
Em nosso trabalho, os captulos foram divididos e apresentados da seguinte
forma. No primeiro captulo, faremos uma breve biografia sobre a Viscondessa de
Cavalcanti e sua famlia, o casamento, seu crculo de convivncia com artistas,
intelectuais, polticos e a proximidade com a famlia imperial. Abordaremos ainda, sua
intelectualidade, as viagens, a participao junto ao marido nas Exposies Universais e
seu hbito de colecionar. Suas doaes, ainda em vida, vrias instituies e museus e,
principalmente, apresentar suas colees no Museu Mariano Procpio.
No segundo, direcionamos nossa pesquisa coleo de pinturas em miniatura, as
principais escolas artsticas, seus artistas e temas, procurando mostrar a qualidade e a
diversidade destas obras de arte. Este captulo traz informaes relevantes sobre a
trajetria dos pintores miniaturistas, que esto presentes na coleo da Viscondessa e
nas maiores colees do mundo.
No terceiro captulo falaremos das colees dos principais museus do mundo e a
prtica internacional de colecionar miniaturas. Com estes dados, pudemos confrontar e
realar a importncia desta coleo, que pode ser comparada s maiores e mais
importantes colees internacionais.
Faremos em anexo, uma apresentao das 104 pinturas em miniatura, com as
devidas fichas catalogrficas e anlises iconogrficas, que daro incio a um projeto
para a execuo de um catlogo das pinturas em miniatura do Museu Mariano Procpio.
importante ressaltar, o esforo que empreendemos na localizao dos
catlogos, para que pudssemos ter uma dimenso da coleo da Viscondessa. No
encontrando aqui no Brasil, catlogos especficos de colees de pintura em miniatura,
tivemos que import-los de outros pases como da Frana, Argentina e Portugal.
Outra dificuldade que tivemos foi a falta de acesso pesquisa no Museu
Mariano Procpio, por conta das interminveis obras.
Desde o ano de 2007 iniciamos este trabalho sobre a coleo de pinturas em
miniatura da Viscondessa de Cavalcanti. Nunca tivemos acesso a seus documentos
pessoais, mas sabemos que h neste local, infinidades de cartas, documentao,
informaes pessoais e outras peas de sua coleo. A maioria das informaes
biogrficas que conseguimos, foram a partir de outras instituies.
Em 23 de abril de 2007, fomos autorizados a fotografar as pinturas em miniatura
que estavam em exposio nas vitrines. Na poca eram 68 das 104 peas que lhe
pertenciam. No entanto, no horrio marcado para as fotos, recebemos a informao de
que no poderamos abrir as vitrines, que so envidraadas, com a alegao de que a
16
fechadura poderia se romper. Mesmo assim, fizemos as fotos que, diante do reflexo dos
vidros, ficaram sem nenhuma qualidade.
Enfim, o novo diretor, Sr. Douglas Fasolato, acreditando que a pesquisa e os
pesquisadores traro o reconhecimento e a importncia devida ao Museu Mariano
Procpio, em julho de 2010, face dificuldade que estvamos tendo em relao s
fotografias das miniaturas, que so o objeto de nosso trabalho, no s nos autorizou
como se colocou inteiramente disposio para ajudar no que fosse necessrio.
Contamos, tambm, no momento das fotografias, pois um trabalho delicado e
tivemos que contratar um fotgrafo profissional, com o apoio das muselogas da
instituio, que separaram individualmente as miniaturas.
Ainda com a autorizao do diretor, recebemos no dia 27 de julho de 2010, um
levantamento tcnico de 207 pginas, das colees de pinturas em miniatura, ento,
todas as informaes tcnicas sobre cada miniatura que esto neste trabalho nos foram
fornecidas pelo Museu Mariano Procpio. A partir deste levantamento, surgiram vrios
outros pintores, que no estavam no nosso rol de pesquisa. Excluindo-se as assinaturas
que esto legveis, todas aquelas que esto incompletas ou pouco compreensveis
procuramos buscar nos aproximarmos o mximo possvel das autorias destas pinturas,
porm, como no encontramos nenhuma obra especfica de assinaturas de pintores para
podermos comparar com as da coleo podero, futuramente, haver contradies quanto
algumas autorias.
Acreditamos que, com este estudo das pinturas em miniatura da Viscondessa de
Cavalcanti, que at o momento no havia sido feito, possamos contribuir para a difuso
da importncia desta coleo, levando propagao do conhecimento artstico e
cultural.
Pretendemos ainda que este trabalho faa com que as pessoas busquem conhecer
estas obras de qualidade incontestvel, levando ao maior nmero de visitantes o desejo
de contemplar estas peas, resguardadas no Museu Mariano Procpio.
17
2 A VISCONDESSA DE CAVALCANTI E SUAS COLEES
A prtica do colecionismo foi e ainda objeto de anlise de diversos estudiosos.
O pesquisador Cssio da Silva Fernandes destaca a importante contribuio de Jacob
Burckhardt em Larte italiana del Rinascimento. I collezionisti, onde faz uma relao
entre o colecionismo e a produo artstica no Renascimento, observando os aspectos
por meio dos quais o tema e o contedo de uma obra de arte podem ser determinados
pela destinao.
O pesquisador ressalta que Burckhardt reconheceu a famlia Medici como os
maiores colecionadores de todo o Renascimento. Segundo Cssio Fernandes,
Burckhardt ainda procurou relacionar a aspirao particular da famlia de soberanos
florentinos ao colecionismo importncia geral que teve na poltica e nos negcios, na
literatura humanstica e na poesia, na liberdade espiritual e na vida de sociedade.2
Ainda que conscientes da importncia deste estudo, entretanto, no iremos
enveredar pela historiografia do colecionismo, um assunto rico e ao mesmo tempo
complexo e merecedor de uma abordagem mais aprofundada. Em nossa pesquisa,
estudaremos essa prtica por meio de seus conceitos universais e, especificamente, as
razes que levaram determinados atores histricos do perodo considerado a se
interessarem por colees.
Segundo Paulo Knauss3, ao longo do sculo XIX foram organizadas inmeras
colees particulares de obras de arte, que davam nfase arte estrangeira e
caracterizavam a prtica da coleo como um espao de consagrao da arte.
Dentre as colees de maior relevncia no Brasil, no podemos deixar de citar,
a Coleo Salvador de Mendona, a Coleo dos Bares de So Joaquim e a Coleo
Miguel Calmon.
Americanista convicto, Salvador de Mendona (1841-1913) foi diplomata do
Brasil nos Estados Unidos em 1884 e trabalhou pela aproximao destes dois pases,
sua interferncia foi fundamental em trs ocasies: na Conferncia Americana de 1889-
1890 em Washington; na assinatura do Tratado de Reciprocidade Comercial de 1891 e
durante a Revolta da Armada no Rio de Janeiro, em 1893-1894.
2 FERNANDES, Cssio da Silva. Aby Warburg entre a arte florentina do retrato e um retrato de
Florena na poca de Lorenzo de Mdici. In: Questes & Debates, Curitiba, n. 41, p. 131-165, 2004.
Editora UFPR. 3 KNAUSS, Paulo. O cavalete e a paleta: arte e prtica de colecionar no Brasil. In: Anais do Museu
Histrico Nacional. Rio de Janeiro: v.33, 2001. p. 27, 28.
18
A Coleo Salvador de Mendona4 composta entre outras peas, por
manuscritos raros e pinturas. Neste acervo esto duas telas do pintor flamengo Jan
Brueghel de Velours (1568-1625), cujos temas so paisagens e natureza morta,
especialmente flores: uma de David Teniers (1610-1690) pintor flamengo, especializado
em cenas de gnero da vida camponesa; um ado pintor francs Jean Baptiste Marie
Pierre (1714-1789), especialista em cenas de gnero, pintura histrica e religiosa; e uma
de Franois Rene Moureaux (1807-1860), dedicado ao retrato e pintura histrica.
Moureaux, a partir de 1838, viajou por diversos estados do Brasil, entre eles
Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul. Posteriormente, fixou-se no Rio de Janeiro em
1841 e, em 1842, recebeu o Hbito da Ordem de Cristo pelo quadro A Sagrao de
Dom Pedro II.
Parte desta coleo compe o acervo do Museu Nacional de Belas Artes, no Rio
de Janeiro. De acordo com o catlogo particular de 1890, a coleo continha 228 obras,
provavelmente acrescidas de outras peas, at sua morte em 1921. Na poca era
avaliada, como uma das maiores colees de pintura de artistas europeus propriedade de
um brasileiro.
O casal de Bares de So Joaquim era conhecido por suas temporadas na
Europa, especialmente em Paris5.
A Coleo dos Bares de So Joaquim era rica, entre as peas doadas em 1922
por sua viva, pinacoteca da Escola de Belas Artes, constavam 64 obras, em sua
maioria pintura a leo, desenhos e aquarelas europias. Destacavam-se: 20 pinturas de
Eugne Boudin (1824-1898), um dos mais notveis pintores precursores do
Impressionismo, que expunha em suas telas variaes da atmosfera, jogos de luz, de cor
e a fluidez dos horizontes no mar; uma obra de Jan Brueghel de Velours (1568-1625),
especializado em pintura de paisagem e natureza morta, especialmente flores; e uma tela
de David Teniers, do sculo XVII. Apesar das pinturas desta coleo serem em sua
maioria a leo, tambm faziam parte desenhos e aquarelas europias.
De igual importncia quanto ao hbito colecionista, destacamos ainda, Miguel
Calmon Du Pin e Almeida, poltico e diplomata, que foi um importante homem pblico
do perodo fundador da Repblica brasileira. Colecionador dedicado teve sua coleo
agregada ao Museu Histrico Nacional, em 1936, a partir da doao de sua viva, Dona
Alice da Porcincula.
4 KNAUSS, Paulo. Opus Cit, 2001. p. 27, 28. 5 KNAUSS, Paulo. Opus cit, 2001. p. 27, 28.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Campon%C3%AAshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Retratohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ordem_de_Cristohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Impressionismo
19
A pesquisadora Regina Abreu (1996, p. 27)6 afirma que nunca houve no
percurso do Museu Histrico Nacional coleo alguma que se equiparasse em
suntuosidade e riqueza Coleo Miguel Calmon. Entre as peas doadas estavam,
entre outras, cerca de 100 jias em ouro, prata, coralina, pedras preciosas, mveis,
tapearias do sculo XVI, leques, canetas de ouro, porcelanas e pinturas. Com
predominncia de cermicas, cristais e jias.
Entre idas e vindas Europa, os colecionadores conseguiam acompanhar as
tendncias internacionais do mercado europeu e faziam destas viagens a principal fonte
de aquisio das obras de suas colees. O pesquisador Paulo Knauss observa que as
colees legitimavam socialmente, consagrando no apenas o colecionador, mas,
igualmente, as obras de sua coleo.7
Neste universo colecionista se destacava tambm as Colees da Viscondessa
de Cavalcanti, uma dama da alta sociedade, que alm de colecionadora, era escritora,
poliglota e conhecia msica. Por dedicar a maior parte de sua vida ao colecionismo, foi
uma das maiores incentivadoras da criao do Museu Mariano Procpio por Alfredo
Ferreira Lage.
O olhar atento da Viscondessa de Cavalcanti fazia de sua coleo, muito mais
do que uma reunio de objetos e obras de arte, revelava sua dedicao e demonstrava as
mudanas sociais no Rio de Janeiro do sculo XIX.
2.1 Amlia Machado Coelho
Neste captulo inicial, buscaremos conhecer a trajetria de vida da Viscondessa
de Cavalcanti sem, no entanto, ter a pretenso de realizar uma extensa biografia. No
podemos descartar a necessidade de um perfil biogrfico, apesar da precria
documentao a que tivemos acesso por conta das obras de restaurao do Museu
Mariano Procpio e da grande disperso geogrfica em que se encontram informaes
sobre nossa personagem.
Segundo Giovanni Levi8, o meio em que vive, considerando a sociedade de sua
poca e o momento cultural, influencia nas intenes, preocupaes e necessidades do
6 ABREU, Regina. A fabricao do imortal: memria, histria e estratgias de consagrao no Brasil.
Rio de Janeiro: Rocco. 1996. p. 26 7 KNAUSS, Paulo. Opus Cit, 2001. p. 27, 28. 8 LEVI, Giovanni. Usos da Biografia. In: FERREIRA, Marieta de Moraes & AMADO, Janana (orgs).
Usos e abusos da Histria Oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996. p. 175-176.
20
sujeito. A biografia serve para observar a trajetria do indivduo, para compreender esta
sociedade em que se insere a personagem, quais foram os seus objetivos e suas redes de
relaes sociais, principalmente com os outros colecionadores e pode tornar visvel,
similitudes e diferenas entre estas pessoas.
Foi numa sociedade repleta de mudanas que, em 07 de novembro de 1853
nasce no Rio de Janeiro Amlia Machado Coelho, filha de Constantino Machado
Coelho e Mariana Barbosa de Assis Machado.9
Sua histria de vida comea com a chegada ao Rio de Janeiro do Comendador
portugus Manuel Machado Coelho (1787-1862), seu av paterno, descendente de
importante famlia portuguesa que se estabeleceu nesta cidade. Manuel nasceu em
Nossa Senhora dos Prazeres, da Freguesia do Veade, Conselho do Celorico de Basto,
em 01 de setembro de 1787 e faleceu no Rio de Janeiro, em 21 de julho de 1862.
Contraiu matrimnio com Luiza Maria da Conceio (1790-1838), filha de
Antnio lvares Proena e de Bernarda Maria do Esprito Santo, esta descendente da
importante famlia de poderosos e abastados proprietrios rurais, membros da Guarda
Nacional e de influentes polticos, tanto no mbito regional quanto nacional. Luiza
nasceu em Nossa Senhora da Piedade de Mag e faleceu em 24 de setembro de1838, no
Rio de Janeiro.10
Tiveram, entre outros filhos, o pai de Amlia, Constantino, que nasceu por
volta de 1821, no Rio de Janeiro, e faleceu em 30 de abril de 1855 na mesma cidade,
deixando aos cuidados da me, a sua filha Amlia e seu primognito Constantino.
O av materno de Amlia foi Mariano Jos Ferreira, nascido em abril de 1779.
Foi o autor do traado original do Plano de Estradas do Caminho Novo da Estrada Real,
em que faz parte a Estrada Unio Indstria, construda no perodo de 1856 a 1861, por
Mariano Procpio e inaugurada por D. Pedro II.11
9 De acordo com pesquisa biogrfica indita da Viscondessa de Cavalcanti, o genealogista Sr. Douglas Fasolato nos apresentou documentos que comprovam o equvoco em vrias obras consultadas acerca do
sobrenome e data de nascimento da Viscondessa, em que constam como 1852 e que seu sobrenome teria
de Castro ao final. A data correta 1853 e o nome Amlia Machado Coelho. Ver Certido de Batismo:
Amlia Livro 768 fl. 227v / Candelria; Casamento Amlia Machado Coelho e Diogo Velho Cavalcanti
de Albuquerque Livro 4, fl 85v em 15/07/1871 / Freguesia da Glria; Batismo Constantino Machado
Coelho Livro 12, fl. 180v / Candelria; Casamento Constantino Machado Coelho e Mariana Barbosa de
Assis Ferreira Livro 2, fl. 207 em 02/02/1850 / Santana. 10 BARATA, Almeida C. E. de e CUNHA Bueno. Dicionrio das Famlias Brasileiras. vol 2. So
Paulo: Ibero Amrica, s/d. p. 1390 11 CALAIS, Gilberto Dias. Estrada Real: vetor de fertilizao de conhecimento e aprendizado para a
explorao mineral. Rio de Janeiro: 2008.p. 5
21
A me de Amlia, Mariana, era filha de Mariano Ferreira e da Baronesa de
Santana, Maria Jos de Santana, falecida em 1870. O ttulo de baronesa foi concedido
pelo Imperador D. Pedro II, em agradecimento aos servios prestados por seu filho,
Mariano Procpio Ferreira Lage, no que se referia ao engrandecimento do pas. A
princpio, este ttulo seria concedido ao prprio Mariano, que agradeceu e resolveu
homenagear sua me.12
Nascida em 20 de novembro de 1832, Mariana casou-se em 02 de fevereiro de
1850. Aps sua precoce viuvez em 1855, contraiu as segundas npcias em 04 de
outubro de 1860 na cidade de Petrpolis, com seu cunhado, Manuel Machado Coelho,
que faleceu em dezembro de 1876 e com quem teve mais trs filhos, Alberto Machado
Coelho, Raul Machado Coelho e Olga Machado Coelho.13
Mariana, me de Amlia, era irm de Mariano Procpio Ferreira Lage e seu
falecido pai, irmo da esposa de Mariano, Dona Maria Amlia. Ento, a Viscondessa
era considerada prima-irm de Alfredo Ferreira Lage, fundador do Museu Mariano
Procpio.
Amlia teve um irmo por parte do casamento de seus pais, Constantino
Machado Coelho, nascido em 18 de janeiro de 1851 e falecido em 04 de julho de 1882.
Formado em Medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Constantino
defendeu sua dissertao em 1875 que se intitulava: Dissertao Sciencias Mdicas do
uso e abuso do tabaco.14
Amlia, portanto, no era uma pessoa comum no que se referia sua origem
familiar. Seu av paterno era de uma elite portuguesa, abastada economicamente e
influente politicamente e a famlia de sua av materna era antiga e tradicional no Estado
do Rio de Janeiro, o que possibilitou a transmisso desse poder para seus descendentes
em terras brasileiras. Importante tambm foi sua linhagem materna, seu av traou os
primeiros esboos daquela que daria origem a uma das mais importantes estradas da
Provncia. Seu ramo familiar radicado em Juiz de Fora, na figura de Mariano Procpio
Ferreira Lage tinha influncia mpar nos assuntos desta cidade, chamada de a
12
BASTOS, WILSON DE Lima. Mariano Procpio Ferreira Lage: sua vida, sua obra, descendncia,
genealogia. Juiz de Fora: Edies Paraibuna, 1991. p. 64 13 Estas informaes foram gentilmente cedidas por telefone em maio de 2007 pelo genealogista Carlos
Eduardo de Almeida Barata, do Colgio Brasileiro de Genealogia, situado na cidade do Rio de Janeiro. 14Universidade Federal Fluminense. Arquivo do Museu Virtual. Rio de Janeiro, RJ. Disponvel em:
http://de.scientificcommons.org/2495997. Acesso em 09/09/2009.
http://de.scientificcommons.org/2495997
22
Manchester Mineira, nascida em decorrncia da abertura do Caminho Novo no sculo
XVIII, importante no plantio do caf aps 1840 e na industrializao de 1870 a 193015
.
Estas histrias de pessoas da famlia que conheciam o Mundo, as Cincias, as
Artes e a vida poltica do pas, rodeavam Amlia e mais tarde, iro formar uma
mentalidade peculiar na jovem e ajudaro a explicar suas afinidades e predilees. Esta
linhagem familiar foi determinante no que se referiu ao interesse pela prtica
colecionista da Viscondessa.
Amlia, futura Viscondessa de Cavalcanti, tornou-se uma bela moa, requintada,
educada e um dos melhores partidos do Rio de Janeiro daquela poca. Como se refere
Veiga Jr. (1937, p.86) acerca de seu casamento em 1871 com Diogo Velho: Poucos
homens pblicos do segundo reinado foram to felizes quanto o Visconde de
Cavalcanti. (...) feliz, finalmente, porque se uniu a uma dama que era, em formosura,
juventude e fortuna, o melhor e mais encantador partido do Rio de Janeiro(...).16
Por este casamento, temos a unio de dois poderosos cls do Brasil Imperial, os
Velho Cavalcanti de Albuquerque, proprietrios de engenhos de acar, em
Pernambuco, e os Ferreira Armond, que esto entre os maiores proprietrios de fazendas
de caf, em Minas Gerais.17
Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque nasceu em 09 de dezembro de 1829, no
municpio de Pilar, na Paraba. Filho de Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque e
Angela Sophia Pessoa Cavalcanti. Oswaldo Trigueiro afirma que alguns bigrafos,
como Veiga Jr. (1937, p.86), o concebem como de famlia humilde: Este varo
admirvel, que foi Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque, teve por bero modesta
casa de engenho (...)18
No entanto, Trigueiro destaca que, pelos sobrenomes Cavalcanti e Albuquerque,
notrio que fosse um rebento da aristocracia rural que civilizou o nordeste brasileiro
em seu litoral, a partir da Capitania de Olinda.
Diogo cursou a Faculdade de Direito de Olinda, formando-se em 1852 na
penltima turma sada do Convento do Carmo. Naquele ano, formaram-se mais de
oitenta bacharis, sendo Diogo Velho um dos mais ilustres.
15 VALE, Vanda Arantes do. A pintura brasileira do sculo XIX - Museu Mariano Procpio. 19&20,
Rio de Janeiro, v.I, n. 1, mai. 2007. Disponvel em: http://www.dezenovevinte.net/artistas/
mprocopio.htm>. Acesso em 31/03/2010. 16 VEIGA Jr. J. Os Viscondes de Cavalcanti. In: Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Paraibano.
Joo Pessoa: v.10, 1937. p. 86 17 Informaes obtidas pelo site: http://www.geneall.net nota. 96. Acesso em 10/02/2009. 18 VEIGA JR. J. Os Viscondes de Cavalcanti. Ibid. p. 86. Talvez, a expresso modesta casa de
engenho se referisse falta de suntuosidade da casa, como era o padro da poca.
http://www.dezenovevinte.net/19e20/http://www.dezenovevinte.net/artistas/http://www.geneall.net/
23
O incio de sua carreira se deu como promotor da provncia de Areia, cargo em
que permaneceu apenas por volta de dois anos. Neste cargo, atuou num dos casos mais
rumorosos da poca, o julgamento dos acusados pelo assassinato do doutor Trajano
Chacon, no dia em que iria ser eleito deputado Assemblia Geral.
Em 1854, foi eleito deputado provincial pelo Partido Conservador, sendo
Diogo fiel ao seu partido por toda sua vida poltica. A partir da, se elegeu por cinco
vezes para a Cmara dos Deputados, base sob a qual construiu sua carreira poltica.19
Presidiu em trs provncias, a do Piau (entre 1859 a 1860), a do Cear (de 1868 a 1869)
e a de Pernambuco (de 1870 a 1871).
Poltico dedicado, em Teresina remete uma correspondncia ao Conselheiro20
,
em 28 de janeiro de 1860, dando notcias da provncia e alertando sobre a seca,
demonstrando uma preocupao ainda hoje presente na vida de muitos nordestinos: A
Provcia
vai em paes: e s mete-me medo a secca iminente Ds se lembre desta gente, e
conjure o mal se no chover aniquila-se tudo... j pedi socorros em tempo vejam o que
fazem.21
Anos depois, a partir de uma lista trplice, Diogo Velho, ento Ministro da
Justia, foi nomeado Senador por Carta Imperial em 04 de janeiro de 1877.
Aps ser deputado geral, senador, presidente de vrias provncias e ministro de
diversas pastas foi agraciado com o ttulo de Visconde com Honras de Grandeza, em
1888. Este ttulo era concedido a renomados polticos, Senadores e Conselheiros de
Estado e sua funo assemelhava-se muito s de Conde, em exercer papis importantes
de governo, mando militar e administrao da justia.
Foi tambm, Veador da Imperatriz, cargo de significao importante que
assegurava a permanncia e a presena de seu titular na Corte, como depositrio da
confiana pessoal da dinastia imperante22
, Comendador da I Ordem de Cristo, Gr-
Cruz da Vila Viosa de Portugal, da Coroa Real da Prssia e Grande Oficial da Legio
de Honra da Frana.
O casal teve dois filhos, Stella Cavalcanti de Albuquerque, nascida na Frana em
29 de abril de 1872 e Fernando Velho Cavalcanti de Albuquerque, nascido em 30 de
maio de 1873.
19
TRIGUEIRO, Oswaldo. O Visconde de Cavalcanti. In: Conferncia pronunciada na Sociedade dos
Homens de Letras do Brasil. Joo Pessoa: 1979. p. 4 8. 20 A carta no identifica a qual Conselheiro, o Visconde de Cavalcanti, se direcionava. 21Arquivo Histrico do Museu Imperial. Carta de Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque. I-DPP-
28.01.1860 Alb.c 1-3-P.P.PI, MFN: 01797. Cpia digital. 22 TRIGUEIRO, Oswaldo. Opus cit. p. 28.
24
Stella, em 1895, casou-se com Valentin Mac Swiney de Mashanaglass, passando
a se chamar Stella Mac Swiney, Marquesa de Mashanaglass.23
Provavelmente, faleceu
antes da me, pois na Certido de bito da Viscondessa consta que no deixou filhos.
Fernando se formou em Engenharia Civil na Escola Politcnica do Rio de
Janeiro em 1899. Na ocasio da morte do visconde estava ao lado da me, no ltimo
adeus ao pai.24
Diogo e Amlia tinham uma vida social intensa, colecionavam obras de arte e
circulavam no meio intelectual, abrindo semanalmente as portas de suas residncias,
fosse no Rio de Janeiro ou fosse em Paris, para animados encontros.25
Na Corte, o Visconde de Cavalcanti, em 1878, mandou construir um belo
palacete na rua Senador Vergueiro, no Flamengo, antigo n40. O bairro antes tido como
um aprazvel lugar de casas de campo, timo para o repouso de gente rica, vinha
sendo transformado pelo progresso, urbanizado, subdividido em loteamentos e abrindo
ruas a partir de 1826.26
A fisionomia do bairro ia sendo modificada tanto pela
quantidade, quanto pela qualidade de seus novos moradores, e este foi o palco onde
brilhou a Viscondessa de Cavalcanti.
O arquiteto contratado para tal empreendimento foi Pedro Bozizio, italiano
nascido em Milo que possua um escritrio na cidade do Rio de Janeiro, Bozizio e
Castelo, no Largo de So Francisco de Paula.
As paredes do palacete do casal Amlia e Diogo no Rio de Janeiro eram, como
de costume na poca e devido a seu grande gosto pelas artes, decoradas com telas
magnficas de grandes mestres da pintura27
, possua o soalho lustroso e em dias de festa,
para ritmar os passos e volteios dos casais, uma orquestra tocava valsa de Strauss. Alm
da dona da casa, outras grandes mulheres da sociedade figuravam em seus sales, como
afirma Pinho (1942, p. 227):28
23 Certido de bito. Registro Civil do 1 Subdistrito da Cidade de Juiz de Fora MG. Livro 12. Folha
18. Termo 207. 24 Informao obtida pelo Sr. Carlos Barata, por meio telefnico. 25 CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. O mundo cabe num leque. In: Revista de Histria da Biblioteca
Nacional, Rio de Janeiro, n. 44, maio de 2009. p. 78-81. 26 GERSON, Brasil. Histrias das Ruas do Rio. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Brasiliana editora, 1965.
p. 370, 371. 27
KNAUSS, Paulo. O cavalete e a paleta: arte e prtica de colecionar no Brasil. Anais do Museu
Histrico Nacional. Rio de Janeiro: v. 33, 2001. p. 31. De acordo com o autor, as obras de arte se
confundiam com o cotidiano familiar das residncias dos colecionadores, ocupando os espaos da casa e
os transformado em espaos de exposio. 28 PINHO, Wanderley. Sales e Damas do Segundo Reinado. So Paulo: Livraria Martins Editora, 1942.
p. 227
25
O grande fulgor do salo da Viscondessa de Cavalcanti
durou indubitavelmente de 1875 a 1878, enquanto o
marido foi Ministro, mas ainda continuou depois a ser
um elegantssimo centro da alta sociedade do Rio, s quintas-feiras e aos domingos. Ali rodaram, dansaram
(sic) circularam no grande salo azul com mveis
franceses laqus, ou no contguo encarnado: a Baronesa depois Viscondessa de Nogueira da Gama;
Madame Regis de Oliveira, de uma voz suavssima (...)
Ninha Torres esposa de Candido Torres, e sua irm, Chiquinha Belisrio, que viria a ser ministra, e
pareciam emular com a fada daquele salo. (PINHO,
1942, p.227)
Mary Del Priori afirma que moda da poca, nestes sales, no se discutiam
apenas arte e literatura, mas tambm, poltica. Foi uma poca de transformaes do
sculo XIX, ou seja, na vida privada se pensava, criticamente, a vida pblica. Entre os
convidados se misturavam brasileiros, franceses, ingleses e italianos. Era todo um modo
de vida no qual era divulgado a polidez e os modelos de perfeio moral e social.29
Pinho (1942, p. 227)30
ressalta que Machado de Assis, em 1877, faz meno s
quintas-feiras do palacete da rua Senador Vergueiro e lamenta a falta de uma das
ditadoras da elegncia que tinha emigrado para Paris, a Senhora Diogo Velho. No
faltavam cavalheiros para as damas neste salo, com seus trajes e trejeitos elegantes,
linguagem refinada e estilo aristocrtico:
Os dandies no faltavam: Arthur Alvim; Cajueiro; Juca
Aguiar; Luiz da Gama Berqu, inexcedvel no marcar um cotillon, par de valsa da Viscondessa; Frana
Jnior; Betim Pais Leme; Artur Silveira da Mota
Baro de Jaceguai, cujo casamento se prestigiava de uma legenda romntica, um rapto que a sociedade no
saciava de se lembrar, com uma extensa simpatia pela
Baronesa; Saio Lobato Jnior; Eduardo Wilson; o
Visconde de Tourinho, grande dansarino (sic), a quem a Princesa concedia frequentes contradanas, e que se
casou com a filha dos Condes de Carapebs... (PINHO,
1942, p.227)
29 PRIORI, Mary Del. Condessa de Barral: a paixo do Imperador. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. p.
119, 147. 30 PINHO, Wanderley. Sales e Damas do Segundo Reinado. Ibid. p. 227.
26
Entre os frequentadores da casa e com quem a Viscondessa dividia as teclas do
piano estava Artur Napoleo dos Santos.31
Pianista concertista e camerista, Artur Napoleo, depois de muitas viagens,
fixou-se definitivamente no Rio de Janeiro, em 1866. Na capital do pas, tornou-se
comerciante de instrumentos e partituras, criando a famosa Casa Artur Napoleo que,
no papel de editora, muito incentivou e propagou a msica brasileira durante dcadas.
Fundou tambm em 1883 uma Sociedade de Concertos Clssicos no Rio de Janeiro.
A residncia do casal, palco de inesquecveis momentos foi comprada,
posteriormente, pelo Conselheiro Francisco de Paula Rodrigues Alves, futuro Presidente
da Repblica em 1902 e, em 1977, a rea foi negociada pela Construtora Servenco, que
derrubou o belo palacete e construiu no terreno o Edifcio Presidente Rodrigues Alves.32
A desenvoltura, a elegncia e a graa da Viscondessa de Cavalcanti eram
provenientes da influncia nos modos e educao das mulheres francesas do sculo
XIX. H de se ressaltar que no menos luxuosa era sua residncia em Paris, que mais
lembrava um museu de artes, alm de sua riqussima coleo de moedas e medalhas,
suas telas de Frans Post retratavam o que de mais fino pudesse lembrar seu adorado
pas: as belas paisagens pernambucanas.33
A pesquisadora Jane de Lima (2000, p.1)34
ressalta estas caractersticas das
mulheres francesas deste sculo:
No que diz respeito educao da mulher na sociedade
francesa do sculo XIX, percebe-se que a mulher
educada para assumir o comportamento de influncia sobre o sexo masculino, tanto na vida conjugal, quanto
social. Num processo lento e gradual, a mulher
31 Nascido no Porto, Portugal, em 6 de maro de 1843 e falecido no Rio de Janeiro em 12 de maio de
1925. Menino prodgio, cujo primeiro recital de piano aconteceu aos sete anos, viajou pela Europa e
tambm pela Amrica, merecendo elogios de grandes personalidades musicais. Sua carreira no se
limitou de solista, sendo importante sua atuao como camerista. Atuou em duo com dois dos maiores
violinistas de todos os tempos: Henri Vieuxtemps, tambm compositor, era de origem belga, mas que
atuava na Frana e Henryk Wieniawski, compositor polons. A msica de cmara resultado de um
sincronismo em que se misturam ritmo, msica e emoo entre seus integrantes e a combinao de diferentes timbres. Continuou a atuar como pianista concertista e camerista, destacando-se em duo
formado com o violinista cubano Joseph White. Atuando como professor, teve entre seus alunos
Chiquinha Gonzaga. Sua obra composicional praticamente dedicada ao piano. patrono da 18 cadeira
na Academia Brasileira de Msica. Informaes obtidas pelo site:
http://www.abmusica.org.br/patr18.htm. Acesso em 10/10/2009. 32
Informaes obtidas pelo site: www.ruascariocas.net/rodriguesalves. Acesso em 01/10/2009. 33 PINHO, Wanderley. Opus cit. p. 229. 34 Esse artigo faz parte da dissertao de mestrado apresentada por Jane Cristina Franco de Lima, ao
Departamento de Fundamentos da Educao em Maro/2000, da Universidade Estadual de Maring no
Estado do Paran: A anlise da utilizao dos estratagemas femininos no sculo XIX.
http://www.ssrevista.uel.br/c_v4n1_estratagemas.htmeralta Acesso em 08/12/2009. p.1.
http://www.abmusica.org.br/patr18.htm.%20Acesso%20em%2010/10/2009http://www.ruascariocas.net/rodriguesalves.%20Acesso%20em%2001/10/2009http://www.ssrevista.uel.br/c_v4n1_estratagemas.htmeralta%20acesso%20em%2008/12/2009
27
francesa aprende a lidar com determinadas situaes,
para conquistar os objetivos que deseja. Esses objetivos
podem ser o apresentar-se na sociedade com um
vestido da ltima moda, possuir um carro que a possibilite lev-la pera, teatro ou sales, destacar-se
das demais mulheres do seu meio social, pagar as
dvidas do amante, favorecer e facilitar a projeo social masculina, atravs da conquista de cargos
polticos e melhores negcios, adquirir a sua prpria
projeo social, atravs da projeo do homem, o que a possibilita adquirir status social e elevar o padro
social da famlia. Para atingir estes e outros objetivos, a
mulher aristocrata ou burguesa aprende, por meio da
educao, a realar a beleza natural com uma toalete impecvel ao apresentar um penteado sofisticado,
limpar a pele e usar perfumes e colnias, utilizar
vesturio e acessrios da moda com vestidos que modelem o busto e a cintura, touca de renda, sapatos,
fitas de cetim e bolsas, recepcionar e receber os
convidados nos sales, utilizando-se, para isso, das regras de etiqueta social, articular encontros com
pessoas influentes na poltica e nos negcios e adquirir
conhecimentos do mundo do comrcio para administrar
os negcios da famlia. (LIMA, 2000, p.01)
Esta desenvoltura adquirida pela Viscondessa envolveu fatos curiosos, Veiga Jr
(1937, p. 89)35
revela que, numa recepo em homenagem ao Imperador D. Pedro II,
valsava com esta dama, Pedro Luiz Pereira de Sousa, poeta, advogado, jornalista e
poltico, quando adentra ao salo, o Imperador:
Conta-se que, numa recepo no Palcio Santa Isabel, valsava, o ardoroso parlamentar com a futura
Viscondessa, quando, inesperadamente, assoma ao
salo a figura respeitabilssima do Imperador. A
orquestra interrompe os acordes; todos os pares se acercam de D. Pedro II, rendendo-lhe as homenagens
da pragmtica. Entretanto, Pedro Luiz, fingindo-se
despercebido ao que lhe vai em torno (sic), acena orquestra que continue, e deixa-se envolver na
vertigem da valsa. Todos censuram, acrimoniosamente,
rodos de inveja, o destempero de Pedro Luiz. (VEIGA
Jr, 1937, p. 89)
O autor conta que o Imperador observou, ouviu os burburinhos, mas naquele
momento, no fez comentrios. Depois de um tempo lembrado o nome de Pedro Luiz
35 VEIGA Jr. J. Opus cit. p. 89
28
para um ministrio e o monarca veta seu nome com a ressalva: cedo. O Pedro Luiz
um homem que ainda valsa. Esta simpatia Amlia e Strauss, quase o impediu de
galgar, futuramente, funes polticas importantes no Imprio. Um segundo episdio
que reala a articulao prpria da Viscondessa, ressalta Pinho (1942, p. 228)36
:
Quando Diogo Velho foi para a pasta dos estrangeiros, o corpo diplomtico
comparecia em suas festas frequentemente. Num destes momentos, Amlia danava,
quando num intervalo, ao dar uma volta pelo salo, dela se aproximou Madame Aguiar,
cubana de nascimento, que lhe pediu autorizao para levar prxima recepo seu
irmo, recm chegado de Cuba, presena esta que no agradou a um ministro espanhol:
Na quinta-feira imediata notou D. Amlia Cavalcanti que
o ministro espanhol no entrara no salo onde se dansava (sic), e foi encontr-lo na sala grnat, em nervoso
dilogo, uma quase altercao com o Visconde de Cabo
Frio. _ No quis ainda dansar (sic) Sr. Ministro? interveio.
_ No. No posso, havendo l um bandido, um
rebelde... _Oh! Ministro, o que diz? Em minha casa nunca h
bandidos... Vamos dansar (sic) que esta valsa havia
justamente reservado para V.Ex..
Ao pouco diplomata castelhano, a quem a Viscondessa estendeu o brao com uma deciso to graciosa quanto
imperiosa, nada mais coube, seno render-se quela
ofensiva de amena firmeza. Um incidente que ia se agravando solveu-se assim, com um gesto, num sorriso e
num convite. (PINHO, 1942, p. 228)
O autor ainda revela que, Amlia tambm inspirou versos, como os do poeta,
Luiz Guimares Junior, diplomata, romancista e teatrlogo, sendo um dos dez membros
eleitos para completar o quadro de fundadores da Academia Brasileira de Letras, onde
obteve a cadeira de nmero 31. Para ela, o poeta criou o seguinte poema:
A BORRALHEIRA
Meigos ps pequeninos delicados
Como um duplo lilaz se os beija-flores
Vos descobrissem entre as outras flores, Que seria de vs, ps adorados
Como dois gmeos silfos animados
Vi-vos ontem pairar entre os fulgores Do baile, ariscos, brancos, tentadores...
Mas ai de mim! Como os mais ps calados.
36 PINHO, Wanderley. Opus cit. p. 228
29
Calados como os mais! Que desencanto!
Disse eu Vou talhar-lhe um sapato
Leve, ideal, fantstico, secreto...
Ei-lo. Resta saber, anjo faceiro, Se acertou na medida o sapateiro:
mimosos ps calai este soneto. 37
(PINHO, 1942,
p.230)
O auge e o brilho do salo da Viscondessa se esvaneceram com o advento da
Repblica. Seu marido, um homem de Estado, acompanhou, junto com sua famlia, em
respeito e dedicao ao imperador destronado, o exlio do monarca em 1889.38
A famlia do Visconde de Cavalcanti permaneceu em Paris por alguns anos,
integrando a pequena Corte do Imperador exilado. Esta intimidade com a famlia
imperial tambm revelada no leque em sua coleo de autgrafos, que comentaremos
posteriormente. Na oportunidade, de acordo com a pesquisadora Maraliz Christo (2009,
p. 80), D. Pedro II escreveu: Nada h mais sublime que a amizade. No envelhece,
revigora com a idade. Pedro dAlcntara. Cannes, 3 de novembro de 1890.39
De acordo com Veiga Jr, Diogo Velho dedicou seu tempo no exlio a escrever, e
mandou para o Brasil um livro de sua autoria: Notice generale sur les principales lois
promulgues au Brsil de 1891 1895, uma monografia que apresenta um resumo
histrico dos primeiros anos do Brasil Repblica. Infelizmente, O Instituto Histrico e
Geogrfico Paraibano no tem notcia do destino desta obra.
Com a morte de D. Pedro II, em 1891, o casal retorna ao Brasil, porm, Diogo
Velho j padecia de dolorosa enfermidade, que foi agravada pela perda da viso. O
Visconde de Cavalcanti passou seus ltimos dias na Chcara Ferreira Lage, sob os
cuidados de sua esposa e de parentes prximos. Por sua trajetria expressiva, quando do
seu falecimento, em 14 de junho de 1899, dedicada sua memria uma homenagem
no Jornal do Commercio:40
Falleceu hontem, pela madrugada, em conseqncia de
antigos padecimentos, na Chcara Ferreira Lage, onde se
achava em tratamento entregue aos cuidados de sua
Exma. esposa e dedicados parentes, o Conselheiro Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque, Visconde de
Cavalcanti, um dos homens polticos do Antigo Regime,
37 PINHO, Wanderley. Opus cit. p. 230 38
Segundo Trigueiro, aos cinquenta anos, o Visconde de Cavalcanti j havia sido nomeado para quase
todos os postos na escala poltico-administrativa do Imprio, sendo sua ltima comisso do governo a de
Delegado do Brasil na Exposio Internacional de Paris, exposio esta, historicamente assinalada pela
inaugurao da Torre Eiffel. 39 CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. O mundo cabe num leque. Ibid. p. 80 40 Obiturio do Jornal do Commrcio. n. 859. ano IV. 15/06/1899. p. 1
30
a que foi fiel at a morte, mais distinctos e notveis.(...)
(JORNAL DO COMMRCIO, 1899, p. 1)
Acompanharam seus restos mortais, a Viscondessa, o filho Fernando Cavalcanti
de Albuquerque, Dona Maria Amlia Ferreira Lage, Frederico Ferreira Lage e sua
esposa Alice Ferreira Lage e Alfredo Ferreira Lage, e, sendo sepultado, segundo
atestado de bito, no Cemitrio de Juiz de Fora. Hoje, seus restos mortais se encontram
no Ossurio do Cemitrio da Glria em Juiz de Fora.
Dona Amlia perdeu seu pai ainda menina, depois a me, o irmo Constantino,
falecido aos trinta e um anos, e agora seu companheiro de jornada, aps vinte e oito
anos de casamento. Veiga Jr (1937, 89-90)41
traduz em palavras este momento:
Desaparecido o consorte dileto, houve D. Amlia de
volver Europa, de tornar viagem, aonde a levariam
cuidados e zelos maternais pela educao de seus dois filhos, notadamente sua filha Stela, a quem consagrava
especial afeto. Exilava-se, novamente, a Viscondessa
num dilatado perodo de um quarto de sculo na capital francesa, centro de arte e luxo.(VEIGA Jr, 1937, p.89-90)
Sua viuvez, ainda jovem, aos quarenta e sete anos, e ainda admirada, aguou a
libido de seus admiradores. Rogrio Rezende42
aponta um verso feito por Machado de
Assis e endereado a ela, em setembro de 1899, trs meses aps o falecimento do
Visconde:
Vnus eterna, como de a excellencia.
No lhe bastasse da bellesa sua,
Foi pedir a Minerva a sapincia...
E Minerva attendeu prece tua. (PINTO, 2008, p.156)
Ainda segundo o autor, Amlia permaneceu em Paris at meados de 1920,
quando retornou ao Rio de Janeiro. Por volta de 1925, comeou a dispersar suas
colees por diversos locais, no entanto, o Museu Mariano Procpio que possui a
maior parte delas.
Amlia Machado Cavalcanti de Albuquerque, a Viscondessa de Cavalcanti,
faleceu no Rio de Janeiro, em vinte e um de fevereiro de 1946, aos noventa e quatro
41
VEIGA Jr. J. Opus cit. p. 89-90. 42 PINTO, Rogrio Rezende. Alfredo Ferreira Lage, suas colees e a constituio do Museu Mariano
Procpio-Juiz de Fora, MG. Dissertao (Mestrado em Histria) - Universidade Federal de Juiz de Fora,
Juiz de Fora, MG, 2008.
31
anos, em sua residncia na Av. Ruy Barbosa, sendo testemunha do bito Gabriel
Ferreira Lage. Em sua Certido de bito43
consta que deixou bens, mas no deixou
filhos, e est sepultada no Cemitrio do Catumbi (Rio de Janeiro) ao lado do pai
Constantino e de Elisa Ferreira Lage.
2.2 Vida intelectual e colees
O colecionador poderia ser considerado um organizador de objetos, identificado
como um misantropo, isolado em seu individualismo de tudo que o cerca, o que
destaca Jorge Hue (2004, p. 15) na apresentao da obra de Alexei Bueno44
:
Ao homem nosso antepassado, saindo do limiar da noite
da Histria, coube sempre o impulso de catar, separar, aproveitar, guardar. (...) O colecionador , portanto, o
organizador de um sistema de objetos, permanente
licitante de um leilo invisvel. Une-os um certo
donjuanismo na insatisfao de uma nova conquista, a revelar sempre uma lacuna, a impulsion-lo mais e mais
a recuperar elos de uma corrente que deve completar.
(BUENO, 2004, p.15)
O ato de colecionar, portanto, transcende ao ato de reunir peas de uma mesma
natureza, se tornando para o colecionador um desafio constante que, mesmo aps
conseguir sua ltima pea, ressurge com novas possibilidades.
2.2.1. Escritos
A Viscondessa de Cavalcanti possua em seu currculo vrios indcios que
apontam uma tendncia intelectual. Foi considerada uma mulher de letras, entre as
escritoras e tradutoras que residiram no Rio de Janeiro do sculo XIX.45
Foi a sexta
mulher a ingressar no Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo, anteriormente
ingressaram: a professora e mdica Marie Rennotte (1901); a jornalista, escritora e
43
Certido de bito. Cartrio Catete. 4 Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato. Livro C-115.
Folha 174. n 18936. Rio de Janeiro, RJ. 44 BUENO, Alexei; HUE, Jorge de Souza. (Apres.) O Brasil do sculo XIX na Coleo Fadel. Rio de
Janeiro: Instituto Cultural Srgio Fadel. 2004. p. 15 45 BERNARDES, Maria Thereza Caiubi Crescenti. Mulheres de Ontem? Rio de Janeiro Sculo XIX.
So Paulo: T. A. Queiroz Editor, 1989. p. 191
32
historiadora Mary Robinson Wright (1901); a escritora Jlia Lopes de Almeida (1902);
a aristocrata, proprietria de terras e feminista Veridiana Valria da Silva Prado (1902) e
a poetisa Ibrantina Cardona (1905).46
Esta intelectualidade reforada pelo pesquisador
Rogrio Rezende47
:
A Viscondessa era botnica, musicista, literata de valor, com vnculo em vrias instituies artsticas e
literrias no pas, alm de poliglota. Tornou-se scia
correspondente do Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo, em agosto de 1910. (PINTO, 2008, p. 153)
A numismtica, arte que tem como objeto o estudo cientfico das medalhas,
moedas e cdulas, e que se desenvolveu no Brasil, principalmente a partir do sculo
XIX, seguindo em parte o modelo europeu, foi tambm uma rea de grande interesse
por parte de Dona Amlia.
A Viscondessa, em 1889, a partir de pesquisas supostamente realizadas por ela,
publicou no Rio de Janeiro o Ctalogo das Medalhas Brasileiras e Estrangeiras
referentes ao Brasil, a partir dos objetos que compunham sua coleo particular.
Segundo Nelly Candeias, foram impressos vinte e cinco exemplares, sendo cinco em
papel Japo e vinte em papel Holanda, esta rara publicao conta com 115 medalhas,
cujas datas vo de 1596 a 1888.
As medalhas deste catlogo so dos seguintes perodos histricos: Brasil
Colonial, Domnio Portugus; Brasil Imprio, Primeiro Reinado, D. Pedro I; e Segundo
Reinado, D. Pedro II e Brasil Repblica, includo numa segunda edio.
Um dos principais numismatas no Brasil do sculo XIX foi o suo Dr. Julius
Meili (1839-1907), cnsul da Sua na cidade de Salvador. Formou uma das maiores
colees de moedas, medalhas, cdulas e condecoraes brasileiras, classificou e
identificou suas peas com rigor cientfico. Meili escreveu, vinte anos antes da
Viscondessa de Cavalcanti, um volume sobre as medalhas do imprio, As medalhas
referentes ao Imprio do Brasil de 1822 a 1899, impresso na Sua.
46 CANDEIAS, Nelly Martins Ferreira. Presidente do Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo.
Informaes obtidas pelo site: http://www.ihgsp.org.br/home/ministerio_alegre.htm. Acesso em
03/04/2007. Observamos que o retrato postado como da Viscondessa de Cavalcanti, na verdade, de sua
filha Stella e se encontra exposto no Museu Mariano Procpio. 47 Segundo o autor, a viscondessa havia buscado pertencer aos quadros do IHGSP desde 1905, no entanto,
na Ata da 14 sesso em agosto de 1910, h uma nova proposta apresentando-a para scia correspondente.
PINTO, Rogrio Rezende. Alfredo Ferreira Lage. Ibid. p. 156
http://pt.wikipedia.org/wiki/Brasilhttp://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_XIXhttp://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_XIXhttp://www.ihgsp.org.br/home/ministerio_alegre.htm.%20Acesso%20em%2003/04/2007http://www.ihgsp.org.br/home/ministerio_alegre.htm.%20Acesso%20em%2003/04/2007
33
Parte da Coleo Meili foi vendida em leilo, em maio e outubro de 1910, em
Amsterdam, tendo sido adquirida em grande proporo por outro colecionador de
origem portuguesa residente no Brasil, o Comendador Antonio Pedro de Andrade
(1839-1921), que doou todo o seu esplio numismtico-medalhstico Biblioteca
Nacional, encontrando-se hoje, integrado ao valioso acervo do Museu Histrico
Nacional do Rio de Janeiro.48
A Viscondessa de Cavalcanti tambm se empenhou em escrever um dicionrio a
partir de biografias de personalidades, promovendo assim, uma contribuio aos estudos
de Histria. No ano de 1896, ela escreve ao Baro de Mamor, que respondeu em 11 de
janeiro de 1897, solicitando informaes de carter biogrfico para integrar este
dicionrio brasileiro que estava elaborando49
:
Pariz 27 de agosto de 1896 Tendo emprehendido organisar um pequeno diccionario
biographico, venho pedir o concureo de V. Na parte que
lhe diz respeito servindo-se de enviar-me, com a possvel brevidade, uma nota com as seguintes informaes:
Data e lugar do nascimento;
Estudos e ttulos scientificos e litterarios com as respectivas datas;
Profisso, cargos que tenha occupado ou esteja
exercendo;
Noticia sobre os factos mais importantes em que tenha intervindo indicando onde e quando;
Designao dos trabalhos que tenha feito e publicado;
Ttulos honorficos e condecoraes. Esperando que este pedido seja tomado em considerao,
antecipo os meus agradecimentos.
Viscondessa de Cavalcanti
95, Avenue Victor Hugo, Pariz
Intitulado Diccionario Biographico Brazileiro, como apresenta a revista do
Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo50
, no foi publicado. Parte dos
48 Anais do Museu Histrico Nacional. vol. 27. Rio de Janeiro. 1995, p.101-107 49
Arquivo Histrico do Museu Imperial. Arquivo Leito da Cunha. I-DLC-27.08.1896. Cpia digital. 50 Na ata da 11 sesso ordinria de 05 de agosto de 1905, a Viscondessa foi aceita e proclamada scia-
correspondente: Propostas para scios correspondentes: exma. Sra. Viscondessa de Cavalcanti,
brazileira, auctora de vrios escriptos litterrios e scientificos e de um Diccionario Biographico
Brazileiro, residente em Paris; In: Revista do Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo. Vol. X.
1905, p. 588.
34
manuscritos deste trabalho est sob a guarda do Instituto Histrico Geogrfico
Brasileiro.
Em 1910, publica, em Paris, uma segunda edio do Catlogo de Medalhas
ampliada e ilustrada, com tiragem de cem exemplares, contendo duzentas e noventa e
quatro medalhas com datas que vo de 1596 a 1903, incluindo-se o perodo do Brasil
Repblica.
A biblioteca do Museu Mariano Procpio possui um exemplar desta obra e parte
de sua coleo est tambm sob a guarda deste museu, outros exemplares esto sob
posse de colecionadores particulares.
A revista do Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo, datada de agosto de
1910, destaca que a Viscondessa doou esta obra em dois volumes ao Instituto, mas de
acordo com Nelly Candeias, infelizmente, estas obras no foram localizadas.
2.2.2. Exposies Universais
O sculo XIX foi marcado por muitas idias e inovaes importantes, tanto na
rea social, quanto na poltica e econmica, dando incio assim, criao de uma nova
viso de mundo. No que se refere histria do Brasil, a segunda metade do sculo XIX
foi o perodo de maior transformao.
Assim, uma das formas de apresentar os progressos conseguidos pelas naes
eram as Exposies Universais, em que a modernidade, a cultura e o progresso eram
expostos a milhares de visitantes, como destaca a pesquisadora Helena Barbuy 51
:
Uma destas exposies teve um impacto maior,
pode-se dizer, tanto na frana como no Brasil: foi a
Exposio Universal de 1889, comemorativa do
centenrio da revoluo francesa e, assim, da
Repblica. Foi nela e para ela que se construiu a
Torre Eiffel. Nos ltimos meses de seu Imprio, o
Brasil apresentou-se ali. Foi um dos poucos pases
de regime monrquico a ltima monarquia
americana a comparecer festa republicana. No o
fez oficialmente, isto , no como representao de
estado, mas por uma delegao de empresrios e
jornalistas, que formaram um Comit Franco-
Brasileiro. (BARBUY, 1996, p.213)
51 BARBUY, Heloisa. . O Brasil vai a Paris em 1889: um lugar na exposio Universal. Anais do
Museu Paulista. So Paulo: v. 04, 1996. p. 211-325.
35
Neste comit, o Visconde de Cavalcanti, a pedido do Imperador D. Pedro II,
desempenhou o cargo de delegado do Brasil na Exposio Universal de Paris de 1889,
esta funo assegurou tanto para a Viscondessa como tambm para a famlia Ferreira
Lage, mais uma oportunidade para a aquisio de peas para suas colees. Segundo
Rogrio Rezende, Frederico Ferreira Lage, irmo mais velho de Alfredo Lage, na poca
adquiriu diversas peas para o seu palacete em construo na parte antiga da Chcara
Mariano Procpio.
Segundo Lilian Schwarcz52
, o Imperador buscava mostrar o Brasil como um pas
em que emanava o progresso e esta imagem era igualmente apreciada entre seus pares
na Corte. Em julho de 1883, a Companhia de pera Italiana, que havia causado fascnio
na Europa, trouxe para o Rio de Janeiro o bailado Excelsior, que contava com centenas
de bailarinos, belos cenrios, roupagem luxuosa e ao final do espetculo, mostravam o
progresso, a civilizao e a vitria da cincia. Os seis mil lugares do Imperial Teatro D.
Pedro II foram muito disputados, o prprio Imperador participou de sete das oito
apresentaes. Mas, segundo a autora, o que melhor traduzia este fascnio do Monarca
pela modernidade eram a s Exposies Universais:
Surgidas em meados do sculo XIX, com o capitalismo industrial, essas feiras eram a melhor expresso da fora
e da utopia modernistas. Sua origem data do final do
sculo XVIII, quando as primeiras exposies foram
realizadas na Frana e na Inglaterra. Organizadas nacionalmente desde 1844 (em pases como a Blgica,
Prssia, ustria e Espanha), s a partir de 1851 que se
transformam em mostras internacionais, contando com a participao de representantes europeus, americanos,
orientais e africanos, esta primeira exibio durou 141
dias, apresentava um tipo de estrutura que vingaria nas
demais. Trinta e quatro pases aceitaram o convite e seus produtos foram observados por mais de 6 milhes de
pessoas que visitaram a feira. (SCHWARCZ, 2007, p.
388)
As Exposies Universais foram eventos importantes para pessoas que se
interessavam pela cultura, economia, cincias e pela modernidade, mas tambm para
quelas que, de uma forma ou de outra, gostariam de observar, informar-se , aprender.
Enfim, as Exposies foram um marco para toda a sociedade.
52 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Exposies Universais: festas do trabalho, festas do progresso. In: As
Barbas do Imperador. Op. cit, 2007. p. 385 407.
36
A cada nova feira eram levantadas novas estruturas arquitetnicas, com o intuito
de apresentar outros produtos e objetos.
A primeira exposio em Londres, em 1851, criou o Palcio de Cristal,
marcando o imaginrio da poca com suas grandes vigas de ferro. E, em 1875, a
Princesa Isabel mandou construir na cidade de Petrpolis, uma cpia deste palcio
ingls, com o objetivo de realizar exposies de horticultura. Segundo Schwarcz, esta
idia no agradou a todos, pois foi preciso remover o jardim e o passeio pblico.
O Brasil comeou a participar das exposies a partir de 1862, tambm em
Londres, e para esta primeira apresentao internacional, os responsveis levaram o
caf, ch, erva-mate, guaran, arroz, borracha, tabaco, madeira, fibras vegetais, abelhas,
algodo e feno. Levaram tambm, maquinrios que faziam referncia a estradas de
ferro, construo civil, armamentos militares, sendo premiado pelo caf e a cermica
marajoara.
A exposio, que ocorreu no perodo entre maro e outubro de 1889, em Paris,
foi considerada uma das maiores Exposies Universais, pois, abrigou retrospectivas de
exposies anteriores. Calcula-se que cerca de 28 milhes de pessoas visitaram o local.
A Torre Eiffel foi construda, especialmente, para essa ocasio, para celebrar o
centenrio da Revoluo Francesa de 1789 e servir de entrada para o evento, sendo um
deleite aos olhares dos visitantes.53
A Exposio Universal de Paris estava dividida em nove grupos de expositores:
o primeiro grupo estava dedicado s obras de arte, existindo um regulamento preciso
que especificava que todas as peas de arte, executadas desde 1 de maio de 1878,
teriam lugar garantido na Exposio, independentemente da nacionalidade do artista.
Para que a definio de obra de arte no excedesse seus limites, foi feito um
regulamento, onde especificava-se e resguardava-se o que era considerado arte: todas as
peas de escultura, gravuras em metal ou pedras preciosas, arquitetura, gravuras,
litografias e pintura.
Um artista que quisesse expor seu trabalho deveria passar pela aprovao de um
jri, que admitia ou no a obra em questo. Posteriormente foi publicado um
regulamento que definia as regras de atribuio dos prmios para peas de arte
apresentadas durante a exposio.
53 A pesquisadora Heloisa Barbuy (USP) destacou em sua palestra no Museu de Arte Murilo Mendes em
27/10/2010 que, duas vezes por noite, a TorreEiffel era iluminada de uma forma que remetesse ao
espectador a iluso de que estivesse se incendiando, era um espetculo acompanhado por uma multido.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Parishttp://pt.wikipedia.org/wiki/Torre_Eiffel
37
O segundo grupo de temas se referia educao e ensino, incluindo materiais e
processos das artes liberais. O terceiro dedicava-se ao mobilirio e seus acessrios,
enquanto o quarto apresentava vestimentas, acessrios e tecidos.
Ocupavam o quinto grupo, a indstria e os processos extrativistas. As
ferramentas e os processos da indstria mecnica, incluindo a eletricidade, formavam o
sexto. O stimo grupo dedica-se aos produtos alimentares e o oitavo, a agricultura,
vinicultura e pesca e, por fim, o nono grupo, que representava a horticultura.
As Exposies Universais possuam um carter empresarial, cientfico, poltico e
ideolgico, que revelavam, em grande medida, as transformaes scio-econmicas
oriundas da 2 Revoluo Industrial pelas quais passavam as sociedades no ltimo
quartel do sculo XIX.
A participao dos pases nas Exposies era viabilizada por meio do convite
das naes sedes. Os governos dos pases convidados, juntamente com os setores
empresariais de vrios ramos da atividade econmica, enviavam amostras de produtos
visando realizar algum tipo de publicidade ou efetivar negcios.
Jornais, folhetos, livros organizados, entre outros meios de propaganda foram
utilizados pelas Comisses que representavam o Brasil, como uma forma de divulgao
das matrias-primas, potencialidades naturais e da incipiente indstria do pas, para os
investidores e mercados externos, e tambm, para o imigrante estrangeiro. Enquanto
participante, o Brasil buscava reconhecimento de outras naes, destacando os avanos
cientficos do pas e sua estabilidade poltica.
O Visconde de Cavalcanti foi, juntamente com Eduardo da Silva Prado e o
jornalista Frederico Jos de Santa Anna Nery, que publicou vrias obras sobre o Brasil,
que abordavam a economia e comrcio, imigrao para o Brasil, cultura indgena e
folclore54
, incumbidos do trabalho de organizar a participao do Brasil. Eles contavam
com 950 mil francos, 800 vindos do Rio de Janeiro, 50 da Bahia e 100 de Minas Gerais.
O pavilho foi decorado com plantas, flores, fontes de gua aquecidas 30 C para
manter vivas as vitrias-rgias, guirlandas, peas marajoaras como: urnas funerrias,
mscaras indgenas e instrumentos de guerra. Havia, ainda, um estande de degustao
para consumo de caf e licores de frutas.55
54 BARBUY, Heloisa. Opus Cit. p. 215, 1996. 55 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Exposies Universais: festas do trabalho, festas do progresso. Ibid. p.
385-407.
38
Lilia Schwarcz56
destaca o carter extico do Brasil que chamou a ateno dos
pases participantes:
No Journal Exposition de Paris de 1889 a reao no era
menos entusiasta: No perca as grandes atraes sua
espera: correr sob um tnel de folhagem ao longo das rvores, dessas terrveis rvores, demasiado prximas da
rua, todas com mangas, com as quais lhe dizem para tomar
cuidado. No ponha a cabea nem a perna para fora. (SCHWARCZ, 2007, p. 405)
Segundo Heloisa Barbuy (1996, p.227), esta galeria com cerca de 30 metros,
ligava o Pavilho a uma estufa de forma circular, onde estavam expostas as plantas
tropicais, sustentada por colunas e arcos em ferro trabalhado. Assim, o Brasil era tratado
com respeito junto aos outros participantes, uma nao com grandes possibilidades reais
de crescimento.
Entre as premiaes, uma esttua intitulada David foi oferecida ao Visconde de
Cavalcanti nesta exposio, assinada por Marius Jean Antonin Merci (1845-1916),
escultor e pintor francs. Merci estudou na Escola de Belas Artes, em Paris, com
Alexandre Falguire e Jouffroy Franois, e em 1868 ganhou o Grand Prix de Roma.
O modelo da escultura, em gesso, executada na cidade de Roma foi um grande
sucesso, fazendo com que Merci ganhasse a Legio de Honra. Em 1872, o Estado
francs fez a encomenda de uma verso em bronze, se tornando uma das imagens mais
comuns em revistas ilustradas, a partir da, foram feitas verses em miniatura.
No final dos anos 1870, Antonin Merci encarnou a nova gerao de escultores
franceses que, sem romper com os cnones tradicionais, queria fazer suas figuras mais
vibrantes, da as curvas do brao estendido pelo movimento da espada, o joelho
dobrado, e o movimento gracioso deste David.57
A estatueta recebida pelo Visconde de Cavalcanti uma reproduo menor,
sendo, que o original faz parte do acervo do Museu d'Orsay em Paris.58
56 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Opus cit. p. 405 57 PARIS. Muse dOrsay. Collections. Euvres commentes. Sculpture: Antonin Merci David.
Disponvel em:
39
Alm da esttua, o Visconde recebeu do governo Chins, um painel apresentado
na Exposio Universal de Paris de 1889, matizado manualmente59
.
O intuito do Comit Brasileiro na Exposio de Paris de 1889 era o de incluir o
Brasil no rol das naes em desenvolvimento, apresentar no s suas riquezas naturais,
como tambm, sua capacidade industrial e crescimento cultural, e para isso, nada mais
interessante que estabelecer contatos importantes e se expor em Paris.
Vale lembrar, segundo Rogrio Rezende, que esta aproximao da famlia com
as exposies vm desde Mariano Procpio Ferreira Lage, tio da Viscondessa, que
participou da delegao brasileira na Exposio Universal de Paris de 1867, sendo,
posteriormente, agraciado com ttulos honorficos por conta de suas aes e
desempenho como membro da delegao.
2.2.3. Objetos diversos espalhados por vrios museus e instituies
Poucos colecionadores como Alfredo Ferreira Lage, optaram por manter suas
colees de maneira ntegra e concentradas num s lugar.
A maioria deles, ainda em vida, se desprendeu de suas colees, por necessidade
ou pela inteno de perpetuar seu nome, e acabaram espalhando as peas que, na
maioria das vezes, levaram muito tempo para compor um conjunto digno. Em geral,
quando ocorre a morte do prprio colecionador, a pulverizao da coleo por seus
herdeiros, ainda mais acentuada.
O destino das colees da Viscondessa de Cavalcanti no foi diferente. Ela
prpria comeou seu desmonte por volta de 1925, processo acentuado nos anos
prximos ao seu falecimento60
, tendo em vista o considervel nmero de museus e
instituies que possuem ao menos uma pea que foi de sua propriedade.
O Museu Nacional de Belas Artes possui um retrato da Viscondessa, produzido
por Lon Bonnat, e outro, de sua jovem filha Stella Cavalcanti, retrato em busto, ligeiro
perfil e vestido com flores. No se tem referncia quanto ao artista que produziu esta
ltima obra.
59 De acordo com informaes obtidas por meio da museloga do MMP, Maria das Graas Almeida, se
trata de um painel ou reposteiro bordo mo em cores e dourado, com diversas figuras, sobressaindo a
do Imperador da China chamada pintura de agulha, figurou no Pavilho Chins, da exposio de Paris
de 1889. O governador da China presenteou o Imperador D. Pedro II com esta primorosa pea por
intermdio do representante brasileiro, naquele certame, Visconde de Cavalcanti. Na parte superior, v-se
caracteres em chins. Com a Proclamao da Repblica foi doado ao museu pela Viscondessa de
Cavalcanti. 60 PINTO, Rogrio Rezende. Opus cit. p.155
40
Trabalhos de Frans Post (1612-1680), pintor, desenhista e gravador, que chegou
ao Brasil contratado por Nassau, permanecendo em Recife de 1637 a 1644, considerado
o primeiro paisagista das Amricas, encontram-se na coleo. A obra Runas da S de
Olinda, de Post, foi doada pela prpria Viscondessa ao Instituto Histrico e Geogrfico
Brasileiro, em 1926.
Fazem parte do acervo do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, alm dos
manuscritos do dicionrio biogrfico que estava produzindo e do quadro do pintor
Frans Post, uma coleo de leques decorados com representaes histricas, em que
duas destas peas pertenceram Viscondessa. O primeiro, representando o
reconhecimento da Independncia do Brasil, apontado pelo jornalista e secretrio
perptuo desta instituio, Max Fleiuss, em artigo na revista Ilustrao Brasileira, n.
3, de julho de 1935, como o de maior importncia, do qual o Baro do Rio Branco
mandou, inclusive, fazer uma cpia para o Palcio do Itamarati. E o segundo,
representando a organizao poltica do Imprio.
Peas que pertenceram Viscondessa tambm fazem parte do acervo do Museu
Histrico Nacional, como por exemplo os objetos do Imperador que fazem referncia
aos rituais manicos: o malhete e o espadim de D. Pedro II como Gro-Mestre da
Maonaria com as iniciais P.I 1822; galo de libr dos lacaios do Pao Imperial;
avental, faixa e gldio de Gro-Mestre. Rogrio Rezende ainda aponta que, em junho de
1927, ela havia doado um franco-ouro e em dezembro do mesmo ano, duas cadeiras
antigas de encosto alto, um lbum de desenhos a carvo dos personagens que aparecem
nos quadros do juramento da Constituio pela Princesa Isabel61
, dois pratos, um busto
em biscuit de D. Pedro I, um fardo negro, luvas, uma chave, um uniforme de fala