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XVI Seminário Temático
Provas e Exames e a escrita da história da educação matemática
Boa Vista – Roraima, 11 de abril a 13 de abril de 2018
Universidade Federal de Roraima ISSN: 2357-9889
Anais do XVI Seminário Temático – ISSN 2357-9889
A COMISSÃO BRASILEIRO-AMERICANA DE EDUCAÇÃO
INDUSTRIAL (CBAI) E O ENSINO INDUSTRIAL EM
FLORIANÓPOLIS
Oscar Silva Neto1
David Antônio da Costa2
RESUMO Este trabalho trata-se de uma pesquisa inicial de doutorado que se preocupa em investigar o ensino
de matemática nos liceus e escolas industriais de Florianópolis do fim no período de 1937 a 1961.
O objetivo é investigar a relação da Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial
(CBAI) com o ensino de Matemática da Escola Industrial de Florianópolis. Foram utilizados como
referenciais teórico-metodológicos Chervel (1990) sobre história das disciplinas escolares, Julia
(2001) sobre cultura escolar e Hofstetter e Valente (2017) a respeito dos saberes a ensinar. A
análise ocorreu na busca de expressões matemáticas nos Boletins da CBAI. Foram encontradas
algumas considerações a respeito do pensamento matemático mas se concluiu que a pesquisa
precisa se aprofundar ainda mais na análise dos discursos encontrados nos boletins.
Palavras-chave: Ensino Industrial. CBAI. Experts.
INTRODUÇÃO
Este trabalho representa o início de uma pesquisa de doutorado que busca estudar
aspectos relacionados à matemática escolar no âmbito do ensino industrial em Santa
Catarina, mais precisamente no município de Florianópolis, num recorte temporal que vai
de 1937, época da instalação do Liceu Industrial3 de Florianópolis, até a década de 1960,
momento em que a instituição passa a se chamar Escola Industrial de Florianópolis.
1 Doutorando da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e Professor do IFSC.
E-mail: [email protected] 2 Docente da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
E-mail: [email protected] 3 O Liceu Industrial surgiu com a publicação da Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937 e compreendia os 1º e 2º
anos pré-vocacionais e os 1º, 2º, 3º e 4º anos profissionais.
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Provas e Exames e a escrita da história da educação matemática
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Intenta-se compreender a atuação dos gestores da instituição frente aos desafios
lançados pela CBAI – Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial4 e como se
desdobram estas relações e influências no ensino da matemática no âmbito das escolas
técnicas em Santa Catarina.
Como referenciais teórico-metodológicos utilizaremos aqui o conceito dado por
Valente (2007) a respeito da base teórico-metodológica: “[…] o lugar onde é possível
encontrar os caminhos por onde a pesquisa irá trilhar.” (p. 28). Valente, ainda, descreve o
trajeto da produção histórica, a saber: “[…] um interesse de pesquisa, a formulação de
questões históricas legítimas, um trabalho com os documentos e a construção de um
discurso que seja aceito pela comunidade.” (p. 32).
Frisa-se que, para fins deste trabalho, considera-se que o lugar da produção da
história da educação matemática é a história, mas especificamente, a história da educação.
Assim, para o GHEMAT (Grupo de Pesquisa de História da Educação Matemática no
Brasil), o esforço é o de “[…] ficar de posse de uma base teórico-metodológica utilizada
por historiadores” (VALENTE, 2007, p. 34).
No âmbito da cultura escolar, pode-se dizer que analisar as normas e os cotidianos
das instituições escolares bem como estudar os conteúdos ensinados faz com que ela [a
cultura escolar] torne-se um objeto histórico. Para este trabalho, cultura escolar é “[…]
como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar,
e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a
incorporação desses comportamentos” (JULIA, 2001, p. 10).
Como se identificam alguns saberes a ensinar lidos nos programas oficiais, precisa-
se definir o que se entende por “saberes a ensinar”. Para Hofstetter (2017, p. 18), como
simplificação da expressão, tem-se por “conteúdos escolares e disciplinares”. Na mesma
4 A Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial é “um programa de cooperação firmado entre os
governos do Brasil e dos Estados Unidos em 1946, com o objetivo de formar professores para atuar no
Ensino Industrial, numa conjuntura em que o Brasil vinha experimentando um processo de expansão
industrial, que se esboçava desde a década de 1930, aliada à crescente preocupação dos Estados Unidos com
a América Latina, já observada durante a Segunda Grande Guerra, e ampliada com a irrupção da Guerra Fria.
A CBAI pode ser tomada como um exemplo concreto da influência exercida por concepções educacionais
elaboradas nos E.U.A. sobre a educação brasileira no pós-guerra, que apontariam para a superação do
subdesenvolvimento na América Latina” (AMORIM, 2007). Há outros trabalhos do GHEMAT que estudam
a atuação da CBAI, como os de Pinto e Novaes (2008; 2015). Também se encontram informações
pormenorizadas sobre a CBAI em Prohmann (2016).
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esteira, Lussi Borer (2009 apud Valente, 2017, p. 208) define como “os saberes emanados
dos campos disciplinares de referência produzidos pelas disciplinas universitárias”.
Aproveitando a expressão saberes disciplinares citados acima, deve-se deixar claro
que o que está se fazendo aqui é a história de uma disciplina escolar, qual seja, a
Matemática. Este é um enfoque importante para o estudo, pois “A tarefa primeira do
historiador das disciplinas escolares é estudar os conteúdos explícitos no ensino
disciplinar” (CHERVEL, 1990, p. 203).
Assim sendo, o caminho que a pesquisa segue é: realizar um panorama geral do
ensino industrial no Brasil e no Estado de Santa Catarina e situar o Liceu Industrial e a
Escola Industrial de Florianópolis no contexto do ensino da Matemática e discorrer sobre a
CBAI e de que maneira ela influenciou na instituição catarinense ora estudada.
No trabalho com os documentos, frise-se a importância de lidar com decretos e leis
que, como se sabe, não devem ser interpretados de modo isolado, pois podem apresentar-se
vazios e descontextualizados. Mas aliá-los ao estudo de práticas e de outras fontes pode
resultar algo com credibilidade.
Almeida (2010) faz um apanhado da instituição de educação profissional
denominado hoje de “Instituto Federal de Santa Catarina – IFSC”, mas que em sua
fundação denominou-se “Escola de Aprendizes Artífices”, em 1909, e passou a chamar-se
“Liceu Industrial de Florianópolis”, em 1937, através da Lei nº 378, uma manobra do
governo federal para “propagar e fortalecer o ensino industrial em todo o território
brasileiro” e “fornecer ao parque industrial esse profissional especializado”, ou seja, uma
mão-de-obra tão clamada pelo crescimento do processo de industrialização do Brasil
(ALMEIDA, 2010, p. 42).
Ressalte-se, ainda, as semelhanças e diferenças entre outros trabalhos do próprio
GHEMAT: uns que relatam o Movimento da Matemática Moderna (MMM), outros que
falam a respeito da própria CBAI e outros ainda que trazem aspectos das escolas técnicas.
Este trabalho se diferencia, em partes, por mostrar a presença dos experts e do seu papel
como protagonistas e influenciadores da matemática a ensinar.
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BREVE PANORAMA DO ENSINO INDUSTRIAL NO BRASIL E EM SANTA
CATARINA
A criação do ensino profissional no Brasil ocorreu com o Decreto nº 7566, de 23 de
setembro de 1909, que criou nas capitais dos estados as Escolas de Aprendizes Artífices
(EAA), para o ensino profissional primário e gratuito. As EAAs eram mantidas pelo
Governo Federal, por intermédio do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
Em Santa Catarina a EAA-SC teve sua instalação no dia 1º de setembro de 1910, na
cidade de Florianópolis, na Rua Almirante Alvim, nº 17, num prédio cedido pelo
Governador do Estado de Santa Catarina, Coronel Gustavo Richard (ALMEIDA, 2010).
De acordo com Almeida (2010, p. 180) foram Diretores da instituição os seguintes
colaboradores:
1910 – José Cândido da Silva
1914 – Dr. Heitor Blum
1917 – Sr. Álvaro Antunes Ramos (pró-tempore)
1918 – João Cândido da Silva Muricy
1929 – Engº. Gabriel Alencar de Azambuja
1932 – Engº. Jorge Pereira de La Roque
1933 – Engº. Cid Rocha Amaral
1956 – Prof. Sezefredo Blascke
1961 – Prof. Moacir Benvenuti
Cid Rocha Amaral permanece no cargo até 1956 e, mais a frente, será alvo de
maior detalhamento no que diz respeito à sua atuação na condução da instituição.
O ano de 1937 foi intenso no cenário político do Brasil: Getúlio Vargas governava
o país em seu “Estado Novo”. Além de ter sido decretada pelo Presidente da República a
“Constituição dos Estados Unidos do Brasil”, em novembro, que disciplinava o ensino pré-
vocacional profissional, atribuía como dever às indústrias a criação de escolas de
aprendizes e confirmava a obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário, foi no mês de
janeiro, através da Lei nº 378, que o Ministério da Educação e Saúde Pública passa a
denominar-se Ministério da Educação e Saúde.
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Neste momento, o Presidente da República transformava as Escolas de Aprendizes
Artífices em Lyceus, com o objetivo de “propagação do ensino profissional, dos vários
ramos e graos, por todo o território do Paiz” (BRASIL, 1937). É a partir daí que a Escola
de Aprendizes Artífices de Santa Catarina tornava-se o Liceu Industrial de Florianópolis.
Ao compararmos a grade curricular da Escola de Aprendizes Artífices com a do
Liceu Industrial, percebe-se o aumento do número de disciplinas na maioria dos anos, ou
seja, houve um aumento da matemática a ensinar, isto é, no número de conteúdos a serem
ensinados e aprendidos.
Com a chegada do Liceu, há uma antecipação de disciplinas/conteúdos
relacionados à Matemática: Geometria passa a ser ensinada já no 2º ano pré-vocacional,
anteriormente vista no 2º ano profissional; passa-se do desenho à mão livre aos Desenhos
Geométricos e Industrial já no 1º ano profissional. Além disso, há também a inserção no
currículo de disciplinas como Álgebra e Trigonometria (nos 3º e 4º profissionais)
anteriormente não diferenciadas na matriz da Escola de Aprendizes Artífices. A tabela
abaixo demonstra a comparação entre ambas as matrizes curriculares:
Quadro 1: Evolução do quadro de matérias curriculares
Fonte: (ALMEIDA, 2010. pp. 44 e 45)
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Em 1942 há a publicação do Decreto-Lei nº 4073, de 30 de janeiro de 1942. Trata-
se da Lei Orgânica do Ensino Industrial. De acordo com o primeiro artigo,
Art. 1º Esta lei estabelece as bases de organização e de regime do ensino
industrial, que é o ramo de ensino, de segundo grau, destinado à
preparação profissional dos trabalhadores da indústria e das atividades
artesanais, e ainda dos trabalhadores dos transportes, das comunicações e
da pesca. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 8.680, de 1942) (BRASIL,
1942)
Ainda de acordo com o Decreto, o ensino industrial será ministrado em dois ciclos,
a saber: o primeiro ciclo do ensino industrial abrangerá as seguintes ordens de ensino: 1.
Ensino industrial básico; 2. Ensino de mestria; 3. Ensino artesanal; 4. Aprendizagem. Já o
segundo ciclo do ensino industrial compreenderá as seguintes ordens de ensino: 1. Ensino
técnico; 2. Ensino pedagógico (BRASIL, 1942).
Em fevereiro do mesmo ano é publicado outro decreto: trata-se do Decreto-Lei nº
4127, de 25 de fevereiro de 1942. Ele estabelece as bases de organização da rede federal de
estabelecimentos de ensino industrial. A partir deste momento fica instituída, de acordo
com o art. 9º, a Escola Industrial de Florianópolis, com sede na capital de Santa Catarina.
Chegamos, portanto, no período em que este trabalho deseja se situar: A Escola
Industrial de Florianópolis, dirigida no primeiro momento pelo engenheiro Cid Rocha
Amaral e sua relação com a CBAI.
A COMISSÃO BRASILEIRO-AMERICANA DE EDUCAÇÃO INDUSTRIAL
(CBAI)
De acordo com Amorim (2007), em 1943, realizou-se em Havana a I Conferência
de Ministros e Diretores de Educação das Repúblicas Americanas, e neste evento foi
aprovada a Recomendação XV, com o título de "Escolas de Ensino Industrial e Técnico".
Firmou-se, portanto, um acordo entre o Ministério da Educação e Saúde e o Inter-
American Educational Foundation Inc., órgão subordinado a The Office of the Coordinator
of Inter-American Affairs (OCIAA). Em sua cláusula IV havia a previsão da criação de
uma comissão especial que teria como função a aplicação do programa de cooperação
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educacional entre os E.U.A. e o Brasil. Este é o marco do surgimento da Comissão
Brasileiro-Americana de Educação Industrial (CBAI).
De acordo com Celso Suckow da Fonseca, o programa de ação da CBAI
compunha-se de doze pontos:
1) Desenvolvimento de um programa de treinamento e
aperfeiçoamento de professores, instrutores e administradores;
2) Estudo e revisão do programa de ensino industrial;
3) Preparo e aquisição de material didático;
4) Ampliação dos serviços de bibliotecas; verificar a literatura
técnica existente em espanhol e português; examinar a literatura técnica
existente em inglês e providenciar sobre a aquisição e tradução das obras
que interessarem ao nosso ensino industrial;
5) Determinar as necessidades do ensino industrial;
6) Aperfeiçoamento dos processos de organização e direção de
oficinas;
7) Desenvolvimento de um programa de educação para
prevenção de acidentes;
8) Aperfeiçoamento dos processos de administração e supervisão
dos serviços centrais de administração escolar;
9) Aperfeiçoamento dos métodos de administração e supervisão
das escolas;
10) Estudo dos critérios de registros de administradores e
professores;
11) Seleção e orientação profissional e educacional dos alunos do
ensino industrial;
12) Estudo das possibilidades do entrosamento das atividades de
outros órgãos de educação industrial que não sejam administrados pelo
Ministério da Educação, bem como a possibilidade de estabelecer outros
programas de treinamento, tais como ensino para adultos, etc.
(FONSECA, C.S., 1961, p. 565. v. 1 apud AMORIM, 2007, p. 159).
A intenção, dentre outras, era enviar os Diretores das Escolas Industriais brasileiros
para capacitação nos E.U.A, no Pensylvania State College (MEIRA, 2009, p. 66). De
acordo com Meira (2009), o então Diretor da Escola Industrial de Florianópolis, Cid Rocha
Amaral, viaja para lá em 29 de fevereiro de 1948. De acordo com a autora,
O diretor Cid Rocha Amaral, ao passar o cargo em fevereiro de 1948,
para viajar para os EUA, se deixa fotografar. O texto publicado na revista
e na foto indicam a importância do acontecimento: a Escola precisava ser
remodelada. O modelo: o ensino-industrial norte-americano (MEIRA,
2009, p. 66).
A seguir tem-se a imagem do momento citado acima:
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Figura 1: Sentado à direita do Diretor Cid Rocha Amaral, o professor de Desenho Franklin
Cascaes
Fonte: Acervo do IFSC apud Meira, 2009
De acordo com Almeida (2010, p. 51) em 1946, motivada pelo surto da renovação,
com a colaboração de professores e alunos, havia sido publicada a revista “Arte e
Indústria”. Na edição de 15 de novembro de 1948, em sua primeira página, é trazida uma
publicação do Diretor Cid Rocha do Amaral. Com o título “Brasil - Estados Unidos”, o
Diretor conta como foi sua visita ao Colégio de Artes Aplicadas da Universidade da
Califórnia.
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Figura 2: Revista Arte & Indústria – periódico da Escola Industrial de Florianópolis –
15/11/1948
FONTE: Acervo do IFSC apud MEIRA, 2009
Neste trabalho, a figura do Diretor Cid Rocha do Amaral é tida, para nós, como um
expert. Para Hofstetter, Schneuwly e Freymond (2017, p. 67), inspetores, professores do
primário e do secundário e diretores de escola são experts pelo fato de que “conhecem
perfeitamente o ofício docente e nele se destacam”. Ainda continuam os autores afirmando
que, assim sendo, a expertise é “realizada por pessoas do meio escolar, isto é, pela
profissão docente”. Merece, portanto, destaque a figura do Diretor Cid que se propõe a
viajar aos EUA e relata suas experiências a favor da educação.
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Também pode-se mencionar a figura de um outro expert que comenta a respeito do
ensino industrial americano. Trata-se do professor Virgílio Cavalcanti, técnico em mercado
de trabalho, lotado na seção técnica do Rio de Janeiro, um dos mais antigos funcionários
da CBAI. Em entrevista ao Boletim da CBAI de dezembro de 1958, o prof. Virgílio
Cavalcanti, quando perguntado sobre quais os pontos em que mais acentuadamente se
distancia o desenvolvimento do ensino industrial norte-americano, do nosso, respondeu:
O ensino industrial nos Estados Unidos já chegou a um ponto que ainda
estamos muito longe de atingir. Lá é uma honra trabalhar com as mãos e,
muito mais do que nós, o americano já se livrou do complexo do
colarinho branco. Não creio que o elemento humano no nosso país seja
inferior ao dos Estados Unidos. Criem-se as condições necessárias e o
ensino industrial tornar-se-á um dos sustentáculos do progresso do Brasil
(BOLETIM DA CBAI, 1958, p. 13).
Matérias a respeito da CBAI eram publicadas nos chamados “Boletins da CBAI”,
que passaram a ser publicados em janeiro de 1947 e deixaram de ser impressos em junho
de 1961. “Legislação federal de ensino, cultura técnica, administração escolar, notícias do
Ministério e notícias das escolas da rede federal compunham as matérias recorrentes no
Boletim” (CUNHA; FALCÃO, 2009, p. 162 apud PROHMANN, 2016, p. 99). Segundo
Pinto e Novaes (2008), os Boletins “forneciam orientações didático-pedagógicas às escolas
técnicas do país”.
Para se ter uma idéia, abaixo há uma publicação da edição de abril de 1951:
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Figura 3: Boletim da CBAI de Abril de 1951
Fonte: Museu Virtual da UTFPR.
Em busca de elementos matemáticos nestes boletins, foi possível encontrar alguns
deles em algumas edições. Arlindo Clemente, professor da Escola Técnica Nacional, dá
alguns exemplos de como familiarizar o aluno com a matéria.
[...] a continuação e o grande uso de problemas formulados deste modo,
necessariamente provocarão no aluno um desenvolvimento mental que o
levarão, no futuro, a raciocinar matematicamente diante de problemas
novos: raciocinar em termos matemáticos é pensar certo [...]. O raciocínio
matemático é que transformará o antigo operário, empiricamente
formado, no operário moderno muito mais capaz, porque com muito
maior capacidade intelectual. [...] (CBAI, Vol. II, n. 6, jun. 1948: 87 apud
PROHMANN, 2016, p. 154).
Nota-se, portanto, um local de destaque para o pensamento matemático. Pinto e
Novaes (2008) reforçam a ideia de que o maior desafio ao professor era de fato
contextualizar os conteúdos a partir de problemas de aplicações práticas ao mundo
tecnológico.
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É comum dizer-se que a Matemática ensina raciocinar e, no ensino
industrial, essa proposição assume caráter mais amplo. É a Matemática
que desempenha o mais importante papel na formação mental do
especialista. E daí resulta que ao professor de Matemática está
adjudicada, talvez, a mais importante parcela da soma de conhecimentos
que formarão o profissional competente. (CLEMENTE, 1948, p. 86 apud
PINTO; NOVAES, 2008).
Mais adiante, as autoras também afirmam que o professor deveria trazer a oficina
para dentro da sala de aula e que procurasse resolver problemas práticos da profissão.
Novamente, elas mencionam, outro trecho de Clemente:
O raciocínio matemático é que transformará o antigo operário,
empiricamente formado, no operário moderno muito mais capaz, porque
com muito maior capacidade intelectual. E, sem dúvida, esta parcela de
cultura é aquela que dará ao operário a possibilidade de ligar seu cérebro
às mãos. Esta é a função da Matemática no ensino industrial.
(CLEMENTE, 1948, p. 87 apud PINTO; NOVAES, 2008).
Dialogando neste mesmo sentido, um exemplar do Boletim da CBAI fala a respeito
da base de cultura:
Para que se tornem realidade as aspirações do profissional, é necessário
que ele tenha bases de cultura com noções gerais de desenho, de
matemática, português, amplos conhecimentos de tecnologia da sua
profissão e outras matérias que lhes são correlatas.
[...]
Profissional na expressão verdadeira é aquele que conhece a tecnologia, a
prática e ainda tem bases suficientes para progredir dentro do campo
profissional. A tecnologia e a prática são irmãs gêmeas; nasceram juntas,
são, portanto, amigas de todos os profissionais competentes e andam de
braços dados com aprendizes que desejam uma formação profissional
completa. Está aí, portanto, o porquê da profissão que muitos desejam
conhecer, e, quando conseguem, tornam-se em condições de dirigir
grupos profissionais, transmitir seus ensinamentos ou trabalhar por conta
própria (BOLETIM DA CBAI, 1960).
Há também um outro artigo publicado no Boletim da CBAI de 1951 cuja título era
A Matemática na Prática e no Ensino, de Ângelo Martignoni. Para ele “Admite que a
ciência matemática é a razão para o progresso científico, mas que essa matemática mais
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elaborada deve ser deixada para estudos posteriores porque não vai ao encontro das
finalidades dos cursos técnicos” (PINTO; NOVAES, 2008, p. 753).
Percebe-se, ao longo do texto, a intenção de se modificar a prática do ensino de
Matemática nas escolas industriais brasileiras, que sofreram interferências do Movimento
da Matemática Moderna. Pinto e Novaes (2015) fazem inclusive uma comparação com o
que acontecia no Brasil e em Portugal:
Nas escolas técnicas industriais, tanto no Brasil, como em Portugal, a
passagem de um ensino prático para um ensino racional, tecnológico e
científico, necessitava de mais rigor e de conteúdos matemáticos que
atendessem as necessidades dos novos cursos, como o de
Telecomunicações e Eletrônica, no Brasil, e o de Eletricidade, em
Portugal (PINTO; NOVAES, 2015).
Neste último estudo, as autoras concluem que ocorreu no Brasil uma revolução de
métodos vinda do tecnicismo norte-americano mas que não deu lugar às transformações
dos conteúdos, o que se pode perceber tratar-se de uma modernização conservadora.
(PINTO; NOVAES, 2015).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como dito anteriormente, a pesquisa encontra-se em fase muito inicial. Ainda é
preciso colher muitos materiais cujo acesso ainda não nos foi permitido como, por
exemplo, os originais dos próprios Boletins da CBAI e os do próprio acervo do IFSC.
No entanto, percebe-se que a CBAI teve repercussões também no Estado de Santa
Catarina e que um dos experts da Escola Industrial de Florianópolis viajou até os EUA
para cursos ofertados pela CBAI.
Há outros trabalhos publicados que necessitam ser explorados para a compreensão
das mudanças nas orientações pedagógicas ligadas à Matemática. Alguns dos exemplos
foram explorados durante o texto.
A pesquisa necessita evoluir para se aferir de que modo o retorno do Diretor
influenciou nas discussões entre o corpo docente, nas metodologias de ensino, na produção
de materiais didáticos, entre outros.
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REFERÊNCIAS
ALMEIDA, A. V. de. Da Escola de Aprendizes Artífices ao Instituto Federal de Santa
Catarina. Florianópolis, SC: Publicações do IF-SC, 2010, 234 p.
AMORIM, M. L. O surgimento da Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial
(CBAI). História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 23, p. 149-171, Set/Dez
2007.
BOLETIM DA CBAI. Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial. Programa
de Cooperação Educacional mantido pelos governos do Brasil e dos Estados Unidos.
Centro de Pesquisas e Treinamento de Professores. Vol. XII, n. 3, dez. 1958, p. 13.
BOLETIM DA CBAI. Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial. Programa
de Cooperação Educacional mantido pelos governos do Brasil e dos Estados Unidos.
Centro de Pesquisas e Treinamento de Professores. Vol. XVI, n. 5-6, jul-ago. 1960.
BRASIL. DECRETO-LEI Nº 4.073, DE 30 DE JANEIRO DE 1942. Lei orgânica do
ensino industrial, Brasília, DF, jan 1942. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-4073-30-janeiro-1942-
414503-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 19 fev. 2018.
______. LEI Nº 378, DE 13 DE JANEIRO DE 1937. Dá nova organização ao Ministério
da educação e Saúde Pública, Brasília, DF, jan 1937. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1930-1939/lei-378-13-janeiro-1937-398059-
publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em: 06 mai. 2018.
CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa.
Teoria e Educação, n. 2, 1990. pp. 177-229.
HOFSTETTER, R.; VALENTE, W. R. (org.) Saberes em (trans)formação: tema central
da formação de professores. 1. ed. - São Paulo: Livraria da Física, 2017.
JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da
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