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INSTITUTO UNIVERSITRIO DE PESQUISAS DO RIO DE JANEIRO
SONIA LUIZA TERRON
A Composio de Territrios Eleitorais no Brasil:
Uma Anlise das Votaes de Lula
(1989-2006)
Volume I/2
Rio de Janeiro
2009
SONIA LUIZA TERRON
A Composio de Territrios Eleitorais no Brasil:
Uma Anlise das Votaes de Lula
(1989-2006)
Tese apresentada ao Instituto Universitrio
de Pesquisas do Rio de Janeiro como
requisito parcial para a obteno do ttulo de
Doutora em Cincia Poltica.
Orientador Prof. Jairo Nicolau
Rio de Janeiro
2009
Dedicatria
Thereza,
luz que me guia.
Agradecimentos
No curso deste doutoramento e na elaborao desta tese tive grande apoio, sem o
qual no seria possvel conclu-los. Agradeo ao IBGE e ao IUPERJ a oportunidade de
apresentar esta contribuio comunidade cientfica e acadmica, e sociedade. Ao
meu orientador Jairo Nicolau, pelo apoio que recebi desde a primeira vez que estive no
IUPERJ e, pela amizade construda neste perodo, minha sincera gratido. Glucio
Soares, mestre e companheiro de longas caminhadas, grata pela ajuda e incentivo
constantes. Paulo Cesar Martins e Daniel Skaba, no seria a mesma trajetria sem
vocs, obrigada. Pela pacincia e carinho, meu reconhecimento a Smilu, famlia e aos
amigos.
Resumo
A pesquisa analisa a dinmica scio-espacial da base eleitoral de Lula e a
composio de territrios eleitorais nas eleies presidenciais brasileiras, no perodo de
1989 a 2006. Fundamenta-se na teoria que considera o contexto geogrfico como
determinante de padres de voto. Utiliza mtodos de anlise espacial de dados e de
regresso estatstica espacial.
A anlise explora com mapas, estatsticas espaciais, grficos, tipologia de
municpios e outros recursos, as votaes de Lula, nos 5.564 municpios, e as compara
s votaes dos candidatos que receberam mais de 10% dos votos vlidos. A pesquisa
mostra que h padres geogrficos significativos no perodo, intelegveis segundo duas
linhas de evoluo espao-temporal: a da base eleitoral de Lula, e a dos padres da
disputa presidencial.
As duas tm ponto de inflexo bem marcados. A grande mudana na base
eleitoral de Lula ocorre em 2006, quando o padro passa de local para regional; mas na
disputa presidencial a ruptura acontece em 2002. O padro local se instala entre o ciclo
de territrios regionais de 1989 a 1998, e a nova composio regional de 2006.
A semelhana dos territrios eleitorais de Collor e de Fernando Henrique, a
conquista do Nordeste pelo PT e do Rio Grande do Sul, pelo PSDB; a expanso
territorial da desigualdade social; a relao entre padres regionais, polticas pblicas e
reeleio, so outras descobertas analisadas. A influncia do programa Bolsa Famlia
na mudana na base eleitoral de Lula revista luz das novas evidncias, e se confirma
como o fator de maior peso.
Palavras-Chave:
Comportamento poltico, geografia eleitoral, eleio presidencial, voto, anlise espacial
Abstract
The research analyzes the socio-spatial dynamics of Lula's electoral base and the
composition of electoral territories in the Brazilian presidential elections, from 1989 to
2006. It is based in the theory that considers the geographical context as determinant of
vote patterns. Methods of spatial data analysis and spatial statistical regression are
applied.
The analysis explores Lula's voting on the 5.564 municipal districts on maps,
spatial statistics, graphs, municipal typologies and other resources. They are compared
to candidates' voting over 10% of valid votes. The research brought up significant
geographical patterns in the period, according to two evolution lines: the one of Lula's
electoral base, and the one of presidential dispute.
Both have inflection point well marked. The greatest change in Lula's electoral
base happens in 2006, when pattern passes from local to regional. According to the
presidential competition, however, a rupture happens in 2002. This election settles a
local pattern among the cycle of regional territories established from 1989 to 1998, and
the new regional composition of 2006.
The similarity of Collor's electoral territories and of Fernando Henriques; the
conquest of the northeast by PT and Rio Grande do Sul, by PSDB; the territorial
expansion of the social inequality; the synchronicity of regional patterns, public politics
and reelection, are also analyzed. The influence of the Bolsa Famlia cash transfer
program on the change in Lula's electoral base was reviewed under the new evidences.
Its condition as the factor of larger weight was confirmed.
Key words:
Political behavior, electoral geography, presidential election, vote, spatial analysis.
7
SUMRIO
INTRODUO ...................................................................................................................................... 12
CAPTULO 1
TEORIAS, CONCEITOS E PESQUISAS ...................................................................................................... 23
1.1 GEOGRAFIA ELEITORAL................................................................................................................................................... 24 1.2 VIZINHANA, REDES SOCIAIS E CONTEXTO GEOGRFICO ........................................................................................ 28 1.3 MUDANAS NA BASE ELEITORAL DE GRANDES PARTIDOS ........................................................................................ 37
1.3.1 Lula e o Partido dos Trabalhadores .......................................................................................... 37 1.3.2 Partidos do Reino Unido, Frana e EUA ................................................................................... 43
CAPTULO 2
METODOLOGIA DA ANLISE GEOESPACIAL .......................................................................................... 50
2.1 BASE ELEITORAL E TERRITRIO ELEITORAL .............................................................................................................. 51 2.2 ESCALA GEOGRFICA E UNIDADE ESPACIAL DE ANLISE ......................................................................................... 54 2.3 TERRITRIOS ELEITORAIS COM BASE EM MAPAS OU ESTATSTICAS? ..................................................................... 56 2.4 AUTOCORRELAO ESPACIAL ....................................................................................................................................... 62 2.5 REGRESSO ESPACIAL ..................................................................................................................................................... 69
CAPTULO 3
COMPOSIO DOS TERRITRIOS ELEITORAIS ...................................................................................... 77
3.1 H PADRES GEOGRFICOS? ......................................................................................................................................... 77 3.2 TERRITRIOS ELEITORAIS DE LULA .............................................................................................................................. 84
3.2.1 Eleio 1989: 1 Inverso Geogrfica ...................................................................................... 86 3.2.2 Eleies 1994 e 1998: Coalizes de Esquerda .......................................................................... 88 3.2.3 Eleio 2002: rumo ao Centro Poltico e Geogrfico ................................................................ 90 3.2.4 Eleio 2006: 2 Inverso Geogrfica ...................................................................................... 92 3.2.5 Dinmica Espao-Temporal ..................................................................................................... 95
3.3 TERRITRIOS ELEITORAIS DO PRN E DO PSDB ........................................................................................................ 97
CAPTULO 4
DINMICA DE PADRES GEOGRFICOS............................................................................(VOLUME II/2)
4.1 TERRITORIALIDADE COMPARADA: PT VERSUS PRN E PSDB ...................................................................................... 4.2 ESPAOS URBANOS E RURAIS ............................................................................................................................................. 4.3 EXPANSO E RETRAO DOS TERRITRIOS .................................................................................................................... 4.4 ELEIO 2002: RUPTURA...................................................................................................................................................
CAPTULO 5
PADRES REGIONAIS E POLTICAS PBLICAS .................................................................... (VOLUME II/2)
5.1 PADRO REGIONAL I E POLTICA AGRRIA ...................................................................................................................... 5.2 PADRO REGIONAL II E O BOLSA FAMLIA .......................................................................................................................
CONCLUSES E CONSIDERAES ...................................................................................... (VOLUME II/2)
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .......................................................................................................... 157
APNDICE A1 ELEIES PRESIDENCIAIS (1989- 2006) - SNTESE DE INFORMAES FACTUAIS ............................ (VOLUME II/2) APNDICE A2 REGRESSO ESPACIAL UTILIZANDO O GEODA ............................................................................................. (VOLUME II/2) ANEXO MAPAS PRODUZIDOS POR OUTROS AUTORES ............................................................................................... (VOLUME II/2)
8
Lista de Ilustraes
FIGURA 1 PADRES ESPACIAIS DA VOTAO (%) DE LULA EM 2002 E 2006 ............................................................. 57
FIGURA 2 DISPOSIO DAS PEAS NO TABULEIRO DE XADREZ. ................................................................................. 60
FIGURA 3 MAPAS DE MORAN LOCAL DA VOTAO (%) DE LULA EM 2002 E 2006 .................................................... 61
FIGURA 4 MATRIZ DE PONDERAO ESPACIAL DEFINIDA PELO CRITRIO DE CONTIGUIDADE (ESQUEMTICA) ................... 62
FIGURA 5 PADRONIZAO DA MATRIZ W .......................................................................................................... 66
FIGURA 6 DIAGRAMA DE ESPALHAMENTO DE MORAN .......................................................................................... 67
FIGURA 7 DIAGRAMAS DE ESPALHAMENTO DE MORAN DA VOTAO PERCENTUAL DE LULA NO SEGUNDO
TURNO DE 2002 (ESQUERDA) E DE 2006 (DIREITA) .............................................................................. 68
FIGURA 8 FLUXO PARA DECISO DO MODELO DE REGRESSO ESPACIAL PROPOSTO POR ANSELIN ................................... 75
FIGURA 9 MAPAS DOS TERRITRIOS ELEITORAIS DO PT, DO PRN E DO PSDB NAS ELEIES PRESIDENCIAIS
BRASILEIRAS (1989-2006) .............................................................................................................. 81
FIGURA 10 MAPAS DOS TERRITRIOS ELEITORAIS DO PDT(1989), PSDB (1989), PPS (1998 E 2002) E PSB
(2002) ........................................................................................................................................ 83
FIGURA 11 GRFICO DO PERCENTUAL DE VOTOS DE LULA (PT) NOS TERRITRIOS ELEITORAIS (1989-2006) ................... 85
FIGURA 12 GRFICOS DO PERCENTUAL DE MUNICPIOS (A) E DE REA (B) NOS TERRITRIOS ELEITORAIS FORTES
DE LULA (1989-2006) ................................................................................................................... 85
FIGURA 13 MAPAS DOS TERRITRIOS ELEITORAIS DE LULA NAS ELEIES PRESIDENCIAIS DE 1989, NO 1 TURNO
(A) E NO 2 TURNO (B) .................................................................................................................... 86
FIGURA 14 DINMICA TERRITORIAL DE LULA (A) ENTRE O 1 TURNO E O 2 TURNO E TERRITRIOS ELEITORAIS
DE BRIZOLA (B) NAS ELEIES PRESIDENCIAIS DE 1989 .......................................................................... 88
FIGURA 15 TERRITRIOS ELEITORAIS DE LULA NAS ELEIES PRESIDENCIAIS DE 1994 E 1998 ....................................... 89
FIGURA 16 TERRITRIOS ELEITORAIS DE LULA NA ELEIO PRESIDENCIAL DE 2002, 1 TURNO(A) E 2 TURNO(B) ............. 91
FIGURA 17 DINMICA TERRITORIAL DE LULA ENTRE O 1 TURNO DE 2002 E A ELEIO DE 1998 (A) E ENTRE O
2 E O 1 TURNO DE 2002 (B) .......................................................................................................... 92
FIGURA 18 TERRITRIOS ELEITORAIS DE CIRO GOMES PPS (A) E DE ANTHONY GAROTINHO PSB (B) NA ELEIO
PRESIDENCIAL DE 2002 ................................................................................................................... 92
FIGURA 19 TERRITRIOS ELEITORAIS DE LULA NA ELEIO PRESIDENCIAL DE 2006 (A) 1 TURNO E (B) 2 TURNO ............. 93
FIGURA 20 DINMICA TERRITORIAL DE LULA ENTRE O 2 TURNO DE 2006 E O 2 DE 2002 (A) E ENTRE O 2 E O
1 TURNO DE 2006 (B) ................................................................................................................... 94
FIGURA 21 TERRITRIOS ELEITORAIS DE FERNANDO COLLOR DE MELLO (PRN) NA ELEIO PRESIDENCIAL DE
1989, (A) 1 TURNO E (B) 2 TURNO ................................................................................................. 97
FIGURA 22 TERRITRIOS ELEITORAIS DO PSDB NAS ELEIES PRESIDENCIAIS DE 1989 A 2006 .................................... 98
FIGURA 23 GRFICOS DE PERCENTUAL DE VOTOS DOS CANDIDATOS DO PRN E DO PSDB NOS SEUS TERRITRIOS
ELEITORAIS FORTES (A), PERCENTUAL DE MUNICPIOS (B) E PERCENTUAL DE REA (C) ................................ 100
FIGURA 24 GRFICOS DOS PERCENTUAIS DE VOTOS (A) E DE REA (B) DOS TERRITRIOS ELEITORAIS DO PT, PRN
E PSDB NAS ELEIES DE 1989 A 2006 ............................................................................ (VOLUME II/2)
9
FIGURA 25 MATRIZ DE CORRELAO ESPACIAL, ESTIMADA POR MORAN GLOBAL MULTIVARIADO, VOTAES (%)
DOS CANDIDATOS NOS MUNICPIOS* ................................................................................. (VOLUME II/2)
FIGURA 26 TIPOLOGIA DAS CIDADES BRASILEIRAS ADAPTADA PARA 6 CATEGORIAS .................................... (VOLUME II/2)
FIGURA 27 ELEITORES E REA DAS ZONAS DE COESO ELEITORAL ........................................................... (VOLUME II/2)
FIGURA 28 DINMICA TERRITORIAL DAS BASES GEOELEITORAIS DE SERRA EM 2002 E LULA EM 2006 NO
NORDESTE ................................................................................................................... (VOLUME II/2)
FIGURA 29 DINMICA TERRITORIAL DAS BASES GEOELEITORAIS DE LULA EM 2002 E ALCKMIN EM 2006 NO SUL E
SUDESTE ...................................................................................................................... (VOLUME II/2)
FIGURA 30 POLARIZAO DA VOTAO PERCENTUAL DOS CANDIDATOS DO PT, PRN E PSDB NAS ELEIES
PRESIDENCIAIS (1989-2006) .......................................................................................... (VOLUME II/2)
FIGURA 31 POLARIZAO DA VOTAO DOS CANDIDATOS FINALISTAS NAS ELEIES PRESIDENCIAIS DE 1989
(MAPA A), 1994 (MAPA B) E 1998 (MAPA C) ................................................................... (VOLUME II/2)
FIGURA 32 AUTOCORRELAO ESPACIAL (MORAN LOCAL) DO IDHM-R, DO IDHM-E E DO NDICE DE GINI DOS
MUNICPIOS EM 1991 .................................................................................................... (VOLUME II/2)
FIGURA 33 BOX PLOT E MAPAS DE MORAN LOCAL DO IDHM-R (1991 E 2000) ..................................... (VOLUME II/2)
FIGURA 34 NDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO MUNICIPAL EDUCAO, 1991 E 2000..................... (VOLUME II/2)
FIGURA 35 NDICE DE GINI DOS MUNICPIOS, 1991 E 2000 ................................................................. (VOLUME II/2)
FIGURA 36 FORA DE TRABALHO POR ATIVIDADE (1995 A 2007) ......................................................... (VOLUME II/2)
FIGURA 37 POLARIZAO DO VOTO ENTRE OS 1 E 2 COLOCADO NAS ELEIES DE 1994 E 1998 ............... (VOLUME II/2)
FIGURA 38 MUNICPIOS COM REGISTRO DE REA DESAPROPRIADA NOS PERODOS DE 1995 A 1998 E DE 1999 A
2002 .......................................................................................................................... (VOLUME II/2)
FIGURA 39 AUTOCORRELAO ESPACIAL DO VALOR AGREGADO DA AGROPECURIA (%) NO PIB DOS
MUNICPIOS NOS ANOS DE 1999, 2002 E 2005.................................................................. (VOLUME II/2)
FIGURA 40 CONTRIBUIO DO BOLSA FAMLIA RENDA MENSAL MDIA NO MUNICPIO E A DINMICA
TERRITORIAL DE 2006 E 2002 ......................................................................................... (VOLUME II/2)
FIGURA 41 VOTAO DE LULA (2002) E INDICADORES (2000) NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO .................. (VOLUME II/2)
10
Lista de Quadros e Tabelas
QUADRO 1 LINHAS DE PESQUISA SOBRE O CONTEXTO COMO DETERMINANTE DO VOTO .............................................. 36
QUADRO 2 GOVERNANTES E PARTIDOS POLTICOS - REINO UNIDO, EUA, FRANA E BRASIL (1979 - 2009) .................. 43
QUADRO 3 CORRELAO ESPACIAL, ESTIMADA POR MORAN GLOBAL MULTIVARIADO, PARA OS PERCENTUAIS DE
VOTOS POR MUNICPIO RECEBIDOS PELOS CANDIDATOS DO PT (1989 A 2006), PDT (1989), PPS
(1994-98) E PSB (2002) EM ELEIES PRESIDENCIAIS* ...................................................................... 96
QUADRO 4 CORRELAO ESPACIAL, ESTIMADA POR MORAN GLOBAL BIVARIADO, PARA OS PERCENTUAIS DE
VOTOS DOS CANDIDATOS DO PSDB, PDT, PPS (1994-98) E PSB (2002) EM ELEIES
PRESIDENCIAIS* ........................................................................................................................... 101
QUADRO 5 SNTESE DE EVIDNCIAS RELACIONADAS, DIRETA OU INDIRETAMENTE, A MUDANAS NA BASE
ELEITORAL DE LULA NO PERODO 1989 2006 ................................................................... (VOLUME II/2)
QUADRO 6 TRS FASES DA INFLUNCIA DA ECONOMIA INTERNACIONAL SOBRE A ECONOMIA E A POLTICA AGRRIA
BRASILEIRA, SEGUNDO DELGADO ...................................................................................... (VOLUME II/2)
TABELA 1 SNTESE DO DESENHO DA PESQUISA .................................................................................................... 16
TABELA 2 CANDIDATOS QUE RECEBERAM MAIS DE 10% DE VOTOS VLIDOS NAS ELEIES PRESIDENCIAIS (1989
- 2006) ........................................................................................................................................ 17
TABELA 3 NMERO DE MUNICPIOS INFORMADOS PELO TSE E IBGE EM ANOS DE CENSO E/OU ELEIO
NACIONAL, E AS RESPECTIVAS DIFERENAS ........................................................................................... 20
TABELA 4 TESTE I DE MORAN OU MORAN GLOBAL PARA OS PERCENTUAIS DE VOTO DE LULA *.................................... 58
TABELA 5 VOTOS (%) DOS CANDIDATOS / PARTIDOS QUE ALCANARAM MAIS DE 10% DOS VOTOS VLIDOS NAS
ELEIES PRESIDENCIAIS DE 1989 A 2006 .......................................................................................... 78
TABELA 6 NDICE DE MORAN GLOBAL DA VOTAO MUNICIPAL (%) DOS CANDIDATOS /PARTIDOS SELECIONADOS
PARA ANLISE* .............................................................................................................................. 78
TABELA 7 CLASSIFICAO DE PADRES GEOGRFICOS COM BASE NO NDICE DE MORAN GLOBAL DA VOTAO (%)
NOS MUNICPIOS, DOS CANDIDATOS SELECIONADOS PARA ANLISE ........................................................... 79
TABELA 8 VOTOS, NMERO DE MUNICPIOS E REA DOS TERRITRIOS ELEITORAIS DO PT NAS ELEIES
PRESIDENCIAIS DE 1989 A 2006 ....................................................................................................... 84
TABELA 9 VOTOS EM CANDIDATOS E PERCENTUAL DE VOTOS NAS ELEIES PRESIDENCIAIS DE 1989 (PRN, PT,
PDT E OUTROS) ............................................................................................................................. 87
TABELA 10 VOTOS EM CANDIDATOS E PERCENTUAL DE VOTOS NAS ELEIES PRESIDENCIAIS DE 1994 E 1998
(PSDB, PT, PPS E OUTROS) ............................................................................................................. 89
TABELA 11 VOTOS EM CANDIDATOS, E PERCENTUAL DE VOTOS NAS ELEIES PRESIDENCIAIS DE 2002 (PSDB, PT,
PSB, PPS E OUTROS) ...................................................................................................................... 90
TABELA 12 VOTOS EM CANDIDATOS E PERCENTUAL DE VOTOS NAS ELEIES PRESIDENCIAIS DE 2006 (PSDB, PT
E OUTROS) .................................................................................................................................... 93
11
TABELA 13 VOTOS, NMERO DE MUNICPIOS E REA DOS TERRITRIOS ELEITORAIS DO PRN E DO PSDB NAS
ELEIES PRESIDENCIAIS DE 1989 A 2006 .......................................................................................... 99
TABELA 14 NMERO DE MUNICPIOS, POPULAO ESTIMADA 2006, REA, MDIA DO RENDIMENTO MENSAL
DOMICILIAR PER CAPITA 2000 E DO IDHM 2000, POR TIPO AGREGADO DA TIPOLOGIA DAS CIDADES
BRASILEIRAS ................................................................................................................. (VOLUME II/2)
TABELA 15 PERCENTUAL DE VOTOS RECEBIDOS PELO PT NOS MUNICPIOS, POR TIPO AGREGADO DA TIPOLOGIA
DAS CIDADES BRASILEIRAS ............................................................................................... (VOLUME II/2)
TABELA 16 PERCENTUAL DE VOTOS RECEBIDOS PELO PRN E PSDB NOS MUNICPIOS, POR TIPO AGREGADO DA
TIPOLOGIA DAS CIDADES BRASILEIRAS ................................................................................ (VOLUME II/2)
TABELA 17 COMPOSIO DOS TERRITRIOS ELEITORAIS DO PT: MUNICPIOS (%) EM CADA CATEGORIA DA
TIPOLOGIA AGREGADA .................................................................................................... (VOLUME II/2)
TABELA 18 COMPOSIO DOS TERRITRIOS ELEITORAIS DO PRN E DO PSDB: MUNICPIOS (%) EM CADA
CATEGORIA DA TIPOLOGIA AGREGADA................................................................................ (VOLUME II/2)
TABELA 19 ELEITORES, NMERO DE MUNICPIOS E REA DOS TERRITRIOS ELEITORAIS DOS DOIS PRIMEIROS
COLOCADOS NAS ELEIES PRESIDENCIAIS DE 1989 A 2006* ................................................ (VOLUME II/2)
TABELA 20 MORAN GLOBAL DOS VOTOS PERCENTUAIS POR COUNTY DOS DOIS PRIMEIROS COLOCADOS NAS
ELEIES PRESIDENCIAIS AMERICANAS DE 1988 A 2000....................................................... (VOLUME II/2)
TABELA 21 MORAN GLOBAL DOS VOTOS (%) DOS CANDIDATOS DO PRN, PSDB E PT NAS ELEIES
PRESIDENCIAIS DE 1989 A 2006* .................................................................................... (VOLUME II/2)
TABELA 22 REGRESSES ESPACIAIS SOBRE A VOTAO (%) MUNICIPAL DOS CANDIDATOS DO PRN E DO PSDB
NAS ELEIES PRESIDENCIAIS DE 1989 A 1998 ................................................................... (VOLUME II/2)
TABELA 23 PERCENTUAL DE PESSOAS COM 10 ANOS OU MAIS DE IDADE, OCUPADAS NA ATIVIDADE (TRABALHO
PRINCIPAL) ................................................................................................................... (VOLUME II/2)
TABELA 24 RESULTADO DAS REGRESSES ESPACIAIS SOBRE A VOTAO (%) DE LULA NAS CINCO ELEIES.... (VOLUME II/2)
TABELA 25 REGRESSO ESPACIAL SOBRE A DIFERENA ENTRE A VOTAO % DE VOTOS DE LULA EM 2006 E
2002..........................................................................................................................(VOLUME II/2)
TABELA 26 NMERO DE CANDIDATOS, NMERO DE CANDIDATOS COM MAIS DE 1% DOS VOTOS NOMINAIS, E
PERCENTUAL DE VOTOS VLIDOS ACUMULADO PELOS CANDIDATOS, NAS ELEIES PRESIDENCIAIS DE
1989 A 2006 .............................................................................................................. (VOLUME II/2)
TABELA 27 CANDIDATOS COM MAIS DE 1% DO TOTAL DE VOTOS NOMINAIS, E RESPECTIVOS PERCENTUAIS, NO 1
TURNO DAS ELEIES PRESIDENCIAIS DE 1989 A 2006 ....................................................... (VOLUME II/2)
TABELA 28 CANDIDATOS E PERCENTUAIS DE VOTOS NOMINAIS NO 2 TURNO DAS ELEIES PRESIDENCIAIS DE
1989 A 2006 .............................................................................................................. (VOLUME II/2)
TABELA 29 RELAO DE CANDIDATOS, PARTIDOS E COLIGAES NAS ELEIES PRESIDENCIAIS (CANDIDATOS COM
MAIS DE 1% DOS VOTOS NOMINAIS) .................................................................................. (VOLUME II/2)
TABELA 30 REGRESSES CLSSICA E ESPACIAL DA VOTAO (%) DE LULA, NO 2 TURNO DE 2002, NOS
MUNICPIOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ....................................................................... (VOLUME II/2)
12
Introduo
A ltima coisa que descobrimos ao escrever
um livro o que devemos pr em seu incio.
Pascal (1662)
Condicionantes polticos, econmicos e sociais interagem em diversas escalas
geogrficas e podem determinar diferenas significativas no comportamento eleitoral,
que se manifestam em padres espaciais do voto. O estudo desses padres e
determinantes integra a agenda da cincia poltica e da geografia poltica desde suas
origens. A composio de territrios eleitorais nas eleies presidenciais brasileiras, e a
dinmica scio-espacial da base eleitoral de Lula, no perodo de 1989 a 2006, so os
objetos desta pesquisa.
O estudo investiga a existncia e a possibilidade de classificao e comparao
de padres geosociais, na busca de novas evidncias sobre o comportamento poltico-
eleitoral nestas duas dcadas marcadas pelo o retorno ao regime democrtico e por
profundas mudanas polticas, sociais e econmicas. Espera-se contribuir com novas
perspectivas para a anlise das bases eleitorais, em especial de candidatos em eleies
majoritrias, ao testar uma metodologia que possibilita ir alm da representao
cartogrfica do voto, e incorporar o espao geogrfico como um dos determinantes do
comportamento eleitoral.
A tese explora, em primeiro plano, a base eleitoral do presidente Luiz Incio
Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT) que, em trajetria singular, disputou as
cinco eleies presidenciais. Lula foi eleito na quarta tentativa, em 2002, e conseguiu
um segundo mandato em 2006. Focalizamos as principais mudanas e as comparamos
s ocorridas na base eleitoral dos outros presidentes eleitos, Fernando Collor de Mello,
eleito pelo Partido da Reconstruo Nacional (PRN) em 1989, e Fernando Henrique
Cardoso, eleito em 1994 e re-eleito em 1998, pelo Partido da Social Democracia
Brasileira (PSDB).
O desempenho dos candidatos comparado ao nvel municipal para que seja
possvel identificar padres regionais e nacionais de comportamento poltico-eleitoral.
Alm da anlise exploratria procuramos investigar determinantes associados s
mudanas mais significativas ocorridas no perodo, e rever algumas constataes e
hipteses que surgiram da anlise das mudanas 2002- 2006, tais como a tendncia de
13
interiorizao do voto de candidatos concorrendo re-eleio, a semelhana do padro
da base de Lula em 2006 e a de Collor em 1989, e outras.
Consideramos oportuno a proposio deste estudo, em primeiro lugar, pela
relevncia do perodo para a histria da democracia no pas, pelo papel de destaque das
eleies presidenciais neste contexto, e pelo fato de que a srie histrica com as cinco
eleies ainda no foi analisada. A eleio presidencial condicionada, mas tambm ,
simultaneamente, condicionante da poltica social e da poltica econmica. a nica na
qual os eleitores avaliam e comparam os mesmos partidos, candidatos e propostas,
independente do Estado ou municpio onde vivem e votam. Neste sentido provvel
que seja a mais capaz de refletir, em padres geosociais de voto, as grandes mudanas
de comportamento dos partidos polticos e eleitores no Brasil. tambm uma das fontes
mais robustas de informaes para estudos ecolgicos, tipo de anlise realizada com
base em resultados eleitorais agregados por unidade espacial como estados, municpios,
zonas eleitorais ou outras.
Uma caracterstica da pesquisa baseada em mtodos espaciais a capacidade de
revelar processos subjacentes que permanecem invisveis, a no que se considere a
dimenso espacial do voto. No perodo em estudo houve muitas mudanas cuja
influncia sobre o comportamento poltico-eleitoral pode no ter sido detectada. H um
novo contingente de eleitores, os analfabetos e os jovens de 16 e 17 anos, que foram
incorporados categoria dos que tm direito escolha dos representantes polticos. Os
meios de comunicao, os modelos de campanha e a sociedade mudaram. O modus
operandis e a orientao ideolgica e programtica dos partidos tambm mostram sinais
de mudanas claros. A responsabilidade quanto escolha dos representantes polticos
tem sido cada vez mais enfatizada. Como o perodo ainda no foi analisado
integralmente, possvel que encontremos processos que operaram ou que continuam
operando, sem que nos tenhamos dado conta.
O Partido dos Trabalhadores se organizou durante o Regime Militar no ncleo
das organizaes sindicais e dos movimentos sociais urbanos e rurais. Ganhou fora na
dcada de 90, mesmo com a queda dos regimes socialistas, a desarticulao da
esquerda, e a expanso do modelo econmico neoliberal. A participao de Lula e do
Partido dos Trabalhadores em todas as eleies presidenciais, desde 1989, viabiliza a
percepo da dinmica do voto a partir de um mesmo referencial. Uma srie de cinco
eleies na qual um partido, representado pelo mesmo candidato, concorre ao maior
14
cargo poltico do pas em todas elas, at ser eleito, e depois reeleito, uma oportunidade
nica para a pesquisa sobre o comportamento eleitoral no Brasil.
Luiz Incio Lula da Silva foi eleito por ampla maioria no 2 turno de 2002, mas
causou surpresa o favoritismo do Presidente durante a campanha eleitoral de 2006, que
culminou com uma reeleio relativamente tranquila. Cerca de 47 milhes de eleitores
(48,6%) votaram nele no 1 turno, e aproximadamente 58 milhes de brasileiros
(60,8%) lhe garantiram o segundo mandato no 2 turno, ainda que escndalos ligados
corrupo viessem atingindo seu governo e o Partido dos Trabalhadores desde 2005.
Alguns fatores como a estabilidade financeira alcanada com a continuidade das
polticas macroeconmicas do governo anterior, e a implementao de polticas sociais
compensatrias como o Programa Famlia, tm sido associados ao bom desempenho do
Presidente nas urnas.
A comparao dos resultados eleitorais de Lula em 2006 e 2002 mostrou que
houve uma alterao significativa na concentrao geogrfica e no padro scio-
econmico de sua base eleitoral. Em 2002 Lula ganhou mais apoio dos eleitores dos
grandes centros urbanos e das regies do centro-sul do pas, enquanto em 2006 obteve
seus melhores resultados nas regies Norte e Nordeste, e nos estados e municpios
menos desenvolvidos. Essa mudana geogrfica e sociolgica do eleitorado foi
analisada por Nicolau e Peixoto (2007a; 2007b), Zucco (2006; 2008), Power e Hunter
(2007), Carraro et al. (2007), Soares e Terron (2008), Lcio, Renn e Castro (2009), a
partir de bases de dados, mtodos e tcnicas diferentes.
Os analistas testaram hipteses que confirmaram, na maioria, a forte associao
entre o resultado das urnas em 2006, e as polticas pblicas implementadas no primeiro
mandato de Lula, em especial o Programa Bolsa Famlia (BF). Carraro et al (2007),
apesar de reconhecerem a influncia do Programa, concluram que o sucesso do
Presidente em 2006 deve-se mais ao bom desempenho econmico do governo no
primeiro mandato. A tendncia de interiorizao do voto de presidentes em exerccio ao
se candidatar reeleio foi uma outra hiptese sugerida pelos pesquisadores (Hunter
& Power 2007; Zucco 2008).
Alm dos artigos mais recentes, que focalizaram a mudana na base eleitoral de
Lula de 2002 para 2006, h trabalhos que cobrem mais de duas eleies presidenciais.
Consultamos o estudo de Carreiro (2002), que analisou pesquisas de opinio nas
campanhas para as eleies presidenciais de 1989, 1994 e 1998, para avaliar o impacto
de um conjunto de variveis no voto; e os trabalhos de Jacob et al. (1997; 2000; 2003;
15
2004; 2002), sobre a distribuio espacial do voto ao nvel de microregies geogrficas.
Entretanto, diferenas quanto a cobertura (nmero de eleies), desenho de pesquisa e
mtodos no permitiram a sua utilizao como referncia para este estudo.
O comportamento eleitoral tem sido analisado e explicado por vrios modelos
tericos. De modo geral, h relao entre preferncias do eleitorado, mudanas na
conjuntura poltico-econmica e a emergncia dessas teorias. Nos anos dourados da
economia capitalista que se seguiram segunda Guerra Mundial, os argumentos sobre
as clivagens de classe de Lipset e Rokkan (1967) explicavam a criao de laos de
identidade relativamente estveis com partidos polticos de acordo com interesses de
classe do eleitor. Nas dcadas de 70 a 90, a crise econmica favoreceu o retorno de
polticas liberais, e a queda dos regimes socialista favoreceu a moderao dos partidos
de esquerda. Interesses de classe passaram a disputar espao com interesses particulares,
e o eleitorado comeou a mostrar tendncia a votar de acordo com a avaliao do
desempenho do governo, o voto retrospectivo, ou especificamente com os resultados
das polticas econmicas, o voto econmico.
Johnston e Pattie (2006, pp.40-62) referem-se perspectiva adotada pelos
modelos sociolgicos e retrospectivos como uma abordagem composicional, na qual a
escolha do eleitor por um partido ou candidato predominantemente influenciada pela
sua posio na sociedade ou pelas suas avaliaes pessoais da situao poltica-
econmica. Argumentam que esses modelos podem explicar melhor o comportamento
poltico-eleitoral, se levarem em conta a influncia dos elementos do meio no qual o
eleitor se insere. Na opinio dos autores, possvel explicar, pela anlise do contexto
geogrfico, porque grupos sociais semelhantes, cuja tendncia seria apoiar um mesmo
partido (pressuposto do modelo sociolgico), votam mais nesse partido em algumas
reas do que em outras. A resposta estaria na influncia de contextos geogrficos
diferentes sobre os grupos. Essa abordagem contextual prope que a dimenso espacial
se torne parte integrante dos modelos de voto que dominam as anlises do
comportamento eleitoral, como o sociolgico ou o retrospectivo.
No campo terico-conceitual a tese considera a espacialidade intrnseca dos
fenmenos polticos, mais especificamente daqueles relacionados ao dos partidos e
de seus representantes formais na competio eleitoral. Os argumentos de Agnew
(1996a) sobre o Contexto-como-Lugar, e de Johnston e Pattie (2006, p.62) sobre os
Efeitos Contextuais, sero tomados como base conceitual de sustentao desta pesquisa
16
emprica. Os mtodos de anlise espacial de dados e de regresso estatstica espacial
sero empregados na anlise exploratria e na investigao de determinantes.
As sees seguintes apresentam o desenho da pesquisa, informaes sobre as
estatsticas e bases de dados utilizadas, e a estrutura de captulos.
DESENHO DA PESQUISA
A tabela 1 resume o desenho da pesquisa. O perodo de abrangncia de 1989 a
2006, que inclui cinco eleies presidenciais. A ocorrncia de mudana na base eleitoral
de Lula entre 2002 e 2006 a evidncia que levou proposio do estudo, far uma
anlise em duas dimenses: espacial e temporal. A anlise espacial visa a identificao
dos territrios eleitorais, e ser realizada para cada candidato, em cada pleito. Consiste
na anlise (univariada) da autocorrelao espacial do percentual de votos que o
candidato recebeu nos municpios, no pleito em questo. Cada anlise espacial leva em
conta a votao recebida pelo candidato em todos os municpios vigentes naquela
eleio, ou seja, abrange o universo em estudo. A anlise temporal tem por objetivo a
identificao das mudanas nos territrios eleitorais de Lula entre pleitos, eleies e em
relao aos outros candidatos. A unidade de observao o territrio eleitoral a ser
comparado.
Tabela 1 Sntese do Desenho da Pesquisa
Desenho da Pesquisa Anlise Espacial e Temporal
Evidncia Mudana na Base Eleitoral de Lula de 2002 para 2006
Unidade de Anlise Municpio e Territrio Eleitoral (Espacial) Pleito e Eleio Presidencial (Temporal)
Alcance Temporal 1989 - 2006 (5 eleies presidenciais: 1989, 1992, 1998, 2002 e 2006,
sendo 8 pleitos devido aos 2 turnos de 1989, 2002 e 2006)
Populao 44.512 municpios (8 pleitos x 5.564 municpios*)
Amostra -----------
Caso Base Eleitoral Territrio Eleitoral de Lula na eleio (5 eleies)
Observao Percentual de votao de Lula e dos demais candidatos
que alcanaram mais de 10% dos votos vlidos (por municpio - pleito)
Casos no estudados -------------
Fonte: IBGE, TSE, Planejamento da pesquisa. Elaborao da autora.
* Nmero de municpios vigentes em 2006
17
Os candidatos incluidos na pesquisa esto relacionados na tabela 2, que
apresenta tambm o percentual de votos vlidos que cada um deles recebeu nos pleitos
em que participou.
Tabela 2 Candidatos que receberam mais de 10% de votos vlidos nas
Eleies Presidenciais (1989 - 2006)
Turno
1989 1994 1998 2002 2006
Candidato % Candidato % Candidato % Candidato % Candidato %
1
F Collor 30.5 F Henrique 54.3 F Henrique 53.1 L I Lula 46.4 L I Lula 48.6
L I Lula 17.2 L I Lula 27.0 L I Lula 31.7 J Serra 23.2 G Alckmin 41.6
L Brizola 16.5 C Gomes 11.0 Garotinho 17.9
M Covas 11.5 C Gomes 12.0
75.7 81.3 95.8 99.5 90.2
2
F Collor 53.0 L I Lula 61.3 L I Lula 60.8
L I Lula 47.0 J Serra 38.7 G Alckmin 39.2
100 100 100
Fonte: TSE
A polarizao da disputa entre o PT e o PSDB, ocorrida a partir de 1994, criou
dois ciclos de eleio-reeleio. Essa sincronia facilitou a organizao de comparaes
segundo enfoques diferenciados: os territrios eleitorais de Lula e os territrios
eleitorais dos candidatos do PSDB, os territrios de eleio e reeleio (Fernando
Henrique e Lula), alm das mudanas de uma eleio para outra. No caso da eleio de
1989, os territrios eleitorais de Lula so comparados aos territrios eleitorais de Collor
(PRN) e de Brizola (PDT).
Segundo Gerring (2001, p.20) a pesquisa em cincia social se divide em trs
tarefas interdependentes, cada qual com um conjunto de critrios e objetivos
especficos: formao do conceito, formao da proposio e desenho da pesquisa.
Estas definies acabam por determinar vantagens e desvantagens, potencial e
limitaes da pesquisa, bem como facilidades e dificuldades operacionais. Algumas
vantagens e limitaes desta pesquisa provm de escolhas como a estratgia
exploratria, a multidisciplinaridade, o mtodo, as escalas geogrficas, e a unidade
espacial de observao e agregao de dados.
A pesquisa envolve mais de um campo de conhecimento. Transita
principalmente nos campos da cincia poltica e da geografia poltica, no que concerne
18
ao tema, e no campo da estatstica e da anlise geoespacial, no que se refere ao mtodo.
A aproximao entre os campos de conhecimento uma vantagem, entretanto,
enfrentamos vrias limitaes decorrentes da capacidade da autora nesse trnsito
multidisciplinar.
A Anlise Geoespacial um mtodo apropriado para grandes bases de dados
espaciais. Ainda assim, h limitaes impostas pela escolha das unidades espaciais de
observao e das escalas geogrficas. Para anlises em escala nacional ou regional, o
municpio uma unidade espacial de observao e agregao de dados capaz de
capturar a contento a dinmica eleitoral, objeto dessa investigao. A anlise,
entretanto, s poder ser feita em nveis mais agregados, superiores ao municpio.
A analogia a seguir procura exemplificar as limitaes impostas pela escala
geogrfica. A fotografia de um grupo de pessoas permite fazer inferncias sobre quem
so, o que fazem e onde esto, mesmo sem saber nada sobre elas. Entretanto, no
permite identificar as feies de cada um. Para isto seria preciso aproximar mais a lente
e fotografar cada rosto individualmente. Nesse caso, a capacidade de inferir sobre o
grupo se perde. Esta pesquisa limita-se foto do grupo, e no foi projetada para
anlise de locais especficos ou do comportamento individual de eleitores.
Outra limitao imposta pelo desenho da pesquisa decorre da necessidade de
operacionalizao do conceito de base eleitoral para fins da anlise geoquantitativa.
Esse conceito requer um trabalho de formulao e parametrizao para que se torne
vivel aplic-lo base de dados emprica, de modo que permita identificar, localizar,
mensurar e comparar bases eleitorais. O termo freqentemente empregado como
referncia a grupos de eleitores que apiam sistematicamente determinado partido ou
candidato, e que so identificados pelo local onde vivem, por caractersticas scio-
econmicas semelhantes, ou por ambos.
Quando os eleitores depositam seus votos nas urnas esto agindo
individualmente, entretanto, a anlise dos resultados eleitorais revela as preferncias em
comum na escolha dos representantes. Como tais preferncias seriam suficientes para
caracterizar uma base eleitoral? Conceituar e operacionalizar o conceito de base
eleitoral est alm dos objetivos dessa pesquisa. A localizao, o dimensionamento, e a
comparao entre bases eleitorais feita com base em territrios eleitorais, estruturas
constitudas pelo(s) grupamento(s) de municpios onde o candidato recebe percentuais
altos de voto e a dependncia espacial significativamente forte entre eles.
19
ESTATSTICAS E BASES DE DADOS
As estatsticas scio-econmicas e eleitorais so disponibilizadas para recortes
territoriais criados para fins poltico-administrativo, de planejamento ou gesto. Estes
recortes, apesar de seu significado histrico ou institucional, nem sempre so adequados
para a anlise scio-espacial. Deste modo as pesquisas quantitativas em cincias sociais
tem que ser conduzida de acordo com os recortes espaciais para os quais as estatsticas
so disponibilizadas. Essa pesquisa utiliza as estatsticas eleitorais e scio-econmicas
agregados por municpio, o recorte territorial considerado adequado, dentre o conjunto
de recortes territoriais para os quais as estatsticas so disponibilizadas. Ainda assim, os
dados primrios passaram por uma srie de tratamentos e compatibilizaes para
viabilizar a relao de anlises espao-temporal.
As estatsticas eleitorais so divulgadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
para os seguintes nveis territoriais: pas, estados, municpios, zonas eleitorais e, por
solicitao especial, sees eleitorais. Utilizamos as estatsticas eleitorais dos
municpios nas eleies presidenciais de 1989 a 2006. Os percentuais de votao
municipal foram calculados em relao ao total de eleitores que compareceram para
votar naquela eleio, ou seja, em relao ao total de votos nominais, brancos e nulos.
Essa regra foi aplicada no clculo de todos os percentuais de votao. Apenas na
seleo de candidatos para o estudo que se adotou como critrio o percentual de votos
em relao ao total de votos vlidos (exclusive brancos e nulos). Foram includos na
anlise os candidatos que superaram 10% de votos vlidos.
A anlise geosocial foi realizada com variveis scio-econmicas dos Censos
1991 e 2000, referentes ao nvel municipal. As anlises de 1989 e 1994 foram realizadas
com variveis do Censo 1991. As variveis do Censo 2000 foram utilizadas para
analisar os resultados das eleies de 1998, de 2002 e de 2006. As estatsticas estaduais
de rendimento mdio da populao da Pesquisa Nacional de Amostras Domiciliares de
2007 (IBGE) foram utilizadas para estimar os valores de rendimento mdio para 2006.
A base de dados municipais das pesquisas de Nicolau e Peixoto (2007b; 2007a),
que inclui o montante de recursos transferidos anualmente pelo Bolsa Famlia, para cada
municpio, de 2003 a 2006, cuja fonte a Secretaria Nacional de Desenvolvimento
20
Social, e a base de dados da Classificao (Tipologia) das Cidades Brasileiras (PPGEO-
UFPE & FASE 2005), foram cedidas na ntegra para utilizao neste trabalho.1
Ao longo do perodo analisado foram instalados novos municpios, de modo que
a cada eleio presidencial corresponde um quantitativo de municpios diferente da
outra, conforme mostra a tabela 3.
Tabela 3 Nmero de municpios informados pelo TSE e IBGE em
anos de Censo e/ou Eleio Nacional, e as respectivas diferenas
Fontes: IBGE, TSE
H divergncias entre o nmero de municpios informados pelo IBGE (os
municpios instalados) e pelo TSE (os municpios que tiveram eleio) para o mesmo
ano. O IBGE s divulga estatsticas para municpios instalados, e o TSE eventualmente
realiza eleies nacionais em municpios que foram criados, mas ainda no esto
instalados.2 A codificao dos municpios nas bases de dados do TSE tambm
diferente da utilizada pelo IBGE. A adequao dos dados foi feita com base na diviso
municipal vigente em 2006, com 5.564 municpios. Para esse quadro municipal h mais
municpios do que em todas as eleies, exceto a de 2006, que tinha um municpio a
mais.3
Para evitar o grande nmero de municpios sem dados eleitorais as percentagens
da votao foram imputadas com base nos percentuais nos municpios de origem. Por
exemplo, o municpio de Mesquita, no Rio de Janeiro, foi criado com territrio de Nova
Iguau e instalado em 2001. O municpio de Mesquita consta da malha municipal, e tem
resultados eleitorais em 2006 e 2002, mas no teve eleies em 1989, 1994 e 1998. O
1 A autora agradece aos professores Jairo Nicolau (IUPERJ) e Jean Bitoun (PPGEO/UFPE) pela sesso
das bases. 2 A criao e a instalao dos municpios so regulamentadas pela Constituio Federal de 88 e pelas
respectivas Constituies Estaduais. O municpio instalado aps a realizao de sua primeira eleio
municipal, com a posse dos representantes eleitos. 3 Esse municpio Nazria, no Piau, criado com parte do territrio do municpio de Teresina, mas que
no havia sido instalado ainda na poca da eleio 2006. Nazria teve sua primeira eleio municipal em
2008, e foi instalado em janeiro de 2009. Os dados eleitorais de 2006 de Nazria foram somados aos
resultados de Teresina, e a tabela de dados eleitorais de 2006 ficou completa com 5.564 municpios.
Ano Ocorrncia Municpios
TSE Municpios
IBGE Diferena TSE IBGE
1989 Eleio 4475 4425 50
1991 Censo -- 4491 --
1994 Eleio 5019 4974 45
1998 Eleio 5513 5507 6
2000 Censo -- 5507 --
2002 Eleio 5563 5561 2
2006 Eleio 5565 5564 1
21
critrio adotado considera o fato de que o territrio de Mesquita era territrio de Nova
Iguau, e que os votos da rea onde hoje Mesquita esto computados em Nova Iguau
nos pleitos anteriores. Nesse caso, foi atribudo ao registro de Mesquita, em 1989, 1994
e 1998, os mesmos percentuais de votao de Nova Iguau, nas respectivas eleies. No
caso do municpio ter sido criado com rea de mais de um municpio, o percentual
imputado equivale mdia do percentual de votos nos municpios de origem. Para os 57
municpios que foram instalados aps o Censo 2000 os indicadores scio-econmicos
utilizados na pesquisa foram imputados pelo mesmo critrio descrito acima, ou seja, o
do municpio de origem ou, no caso de ter sido criado com territrio de mais de um
municpio, pela mdia dos respectivos valores nos municpios de origem.4
ESTRUTURA DE CAPTULOS
A tese est organizada em cinco captulos, alm da seo de concluses e
consideraes, e de dois apndices e um anexo. O captulo 1 trata do arcabouo terico-
conceitual tomado como referncia para este trabalho. Apresenta um breve histrico do
campo que ficou conhecido como Geografia Eleitoral, e a sua evoluo no que se refere
s formulaes tericas sobre o efeito de vizinhana, redes sociais e contexto geogrfico
no comportamento eleitoral. Trata, particularmente, das linhas de pesquisa americana e
inglesa, desenvolvidas com mtodos estatsticos e, posteriormente, estatsticos espaciais.
Apresenta os principais argumentos de Agnew (1996a) e de Johnston e Pattie (2006,
p.62), que so adotados como base para a pesquisa emprica da tese. A ltima seo faz
uma sntese das principais concluses e argumentos defendidos na literatura recente
sobre as mudanas na base eleitoral de Lula, ocorridas de 2002 para 2006, e de
pesquisas sobre mudanas na base eleitoral de grandes partidos do Reino Unido, da
Frana e dos Estados Unidos.
O captulo 2 apresenta a metodologia da pesquisa. O estudo depende da
identificao dos territrios, que so chave para a anlise, explorao e comparao das
mudanas. O captulo traz uma breve discusso acerca desta identificao, e apresenta
os conceitos e mtodos de anlise estatstica espacial que so empregados,
especificamente a proximidade espacial, as estatsticas de autocorrelao e o mtodo de
regresso espacial.
4 A anlise geoespacial utiliza a Malha Municipal Digital 2005 (IBGE), com 5.564 municpios, em
projeo geogrfica, adequao cartogrfica para escala 1:2.500.000, e formato shape (shp), que o
padro dos softwares utilizados, ArcView e GeoDa.
22
O captulo 3 analisa a composio de territrios eleitorais e a existncia de
padres geogrficos. As votaes de Lula (PT) so analisadas detalhadamente. As
demais votaes, dos presidentes eleitos Fernando Collor de Mello (PRN -1989) e
Fernando Henrique Cardoso (PSDB 1994 e 1998), e dos demais candidatos que
alcanaram mais de 10% dos votos vlidos - Jos Serra (PSDB 2002), Geraldo
Alckmin (PSDB 2006), Leonel Brizola (PDT-1989), Ciro Gomes (PPS 1998 e 2002) e
Anthony Garotinho (PSB 2002) - so analisadas como referncia para comparao
posterior. Os territrios eleitorais de todos os candidatos so mapeados e dimensionados
quanto ao nmero de eleitores, votos, municpios e extenso territorial (rea).
O captulo 4 busca detectar mudanas significativas nos territrios eleitorais no
perodo, e semelhanas e diferenas entre os padres geogrficos das votaes de Lula
em relao aos padres das votaes dos candidatos do PRN e do PSDB. A anlise foi
dividida em trs sees: comparao dos territrios eleitorais do PT versus os do PRN e
PSDB; tipo de municpios que compem os territrios, com base na tipologia das
cidades brasileiras (PPGEO-UFPE & FASE 2005); e dinmica de expanso e retrao
dos territrios. Uma seo final faz o balano das principais descobertas da anlise
exploratria dos captulos 3 e 4.
O captulo 5 traz uma discusso sobre a relao entre polticas publicas,
candidaturas a reeleio, e padres do tipo regional. A primeira seo dedicada aos
padres regionais de 1989 a 1998, e discute a interiorizao da base eleitoral do
Presidente Fernando Henrique em 1998 e uma possvel relao como as polticas de
desenvolvimento agrrio. Na segunda seo analisamos o padro regional de Lula em
2006, e a relao com o programa Bolsa Famlia, luz das novas evidncias reveladas
pela anlise exploratria dos captulos anteriores.
O Apndice A1 traz uma reviso de informaes factuais sobre as eleies
presidenciais de 1989 a 2006, que no so objeto de discusso explcita no corpo da
tese, mas que eventualmente podem ser consultadas para melhor compreenso das
anlises. No Apndice 2 apresentamos uma regresso espacial com dados da votao
municipal de Lula no Estado do Rio de Janeiro, em 2002, comentada passo a passo,
conforme a sequncia de operaes no sistema GeoDa. O objetivo disponibilizar um
exemplo didtico com dados eleitorais para auxiliar outros pesquisadores interessados
neste mtodo de anlise e na utilizao do sistema computacional. No Anexo
reproduzimos alguns mapas de outras fontes para facilitar a compreenso de
comparaes feitas durante a anlise dos padres.
23
Captulo 1
Teorias, Conceitos e Pesquisas
A cincia poltica e a sociologia poltica tm se dedicado investigao das
identidades poltico-eleitorais pela tradio dos modelos sociolgicos ou racionais de
voto, e a geografia poltica pela via espacial. A unio dessas tradies permite ampliar
a leitura do eleitorado como um conjunto de atores que se identifica ao nvel regional ou
local atravs de suas escolhas polticas. O arcabouo conceitual que fundamenta esta
pesquisa situa-se numa zona de interao entre estes campos do conhecimento. para
este campo comum que se pretende trazer a anlise das mudanas na base eleitoral de
Lula e da composio dos territrios eleitorais nas eleies presidenciais.
Ethington e McDaniel (2007) avaliaram publicaes de cincia poltica e de
geografia poltica e constataram pouca ou nenhuma interao. exceo de uns poucos
casos, raro a referncia ou a citao de livros ou artigos de um campo no outro, ou
mesmo a composio de comisses editoriais multidisciplinares. Os autores ressaltam
que a diviso profissional deixa o espao comum pouco explorado, e que a interao
entre as reas importante para ultrapassar questes territoriais tradicionais e pensar
sobre a espacialidade intrnseca a todas as instituies, eventos e aes polticas.
Este captulo traz, na primeira seo, um breve histrico do campo que ficou
conhecido como Geografia Eleitoral, cuja origem pode ser rastreada at a Frana do
incio do sculo passado. Na segunda seo apresentamos a evoluo do campo no que
diz respeito s formulaes tericas sobre o efeito de vizinhana, das redes sociais e do
contexto geogrfico no comportamento eleitoral. Tratamos, particularmente, das linhas
de pesquisa americana e inglesa, desenvolvidas com mtodos estatsticos e,
posteriormente, estatsticos espaciais. Os argumentos de Agnew (1996a) e de Johnston e
Pattie (2006, p.62) que sero apresentados, fundamentam a pesquisa emprica desta tese.
A terceira seo destaca pontos relevantes para discusso neste trabalho,
provenientes de estudos que analisam as mudanas na base eleitoral de Lula ocorridas
de 2002 para 2006, e de outros que tratam deste tipo de mudana em grandes partidos
do Reino Unido, dos Estados Unidos (Kim et al. 2003) e da Frana (Martin 2008).
24
1.1 Geografia Eleitoral
A Geografia como prtica intelectual tem uma longa histria que remonta ao
sculo XVI, nas universidades inglesas (Cormak 1997, Withers 2002, Withers e
Mayhew 2002 apud Johnston 2003), e ao comeo do sculo XIX, nas americanas
(Koelsch 2002 apud Johnston 2003). Mas tanto na Europa quanto na Amrica s foi
reconhecida formalmente como disciplina acadmica independente no comeo do
sculo XX. A Geografia praticada nessa poca tinha razes na geologia, a base da
Geografia Fsica, em especial na geomorfologia. A academia discutia como o ambiente
afetava a atividade humana: seria uma influncia determinstica, como acreditavam uns;
ou um fator relevante, mas no determinante do comportamento humano, como
preferiam outros? Para qualquer posio, entretanto, o resultado era o mesmo: a
geografia se ocupava com a descrio de mosaicos de reas com caractersticas
ambientais e atividades humanas particulares as regies fisiogrficas5.
A tradio da geografia francesa foi de grande importncia para dar as bases da
Geografia e da Sociologia eleitorais. Em 1913, Andr Siegfried publicou o Tableau
politique de la France de l'Ouest sous la IIIe Rpublique, com uma anlise inovadora
que marca a fundao de um campo acadmico novo. O trabalho foi republicado em
1995. Usando mapas eleitorais posteriores ao incio da III repblica, Siegfried (1995)
demonstrou a estabilidade do voto pela direita nos pays de l'Ouest durante amplo
perodo.
Siegfried identificou a influncia da estratificao scio-espacial no voto de
maneira inusitada: pesquisou e encontrou relao entre o voto de esquerda e direita no
norte da Frana de acordo com a formao geolgica (tipo de rocha) predominante na
regio. Siegfried seguia a tradio da poca, baseada na descrio de regies pelas suas
caractersticas geomorfolgicas e na investigao da possvel influncia dessas
caractersticas no comportamento humano. O norte da Vende, por ser grantico, teve
uma ocupao de carter rural, a no-concentrao dos habitantes, um certo elitismo
(influncia dos notables) e catolicismo. Essa sub-regio votava pela direita. J o sul,
calcrio, apresentava maior densidade demogrfica, e um peso menor da igreja catlica,
5Cf. Johnston (2003) sobre a relao da Geografia com as Cincias Sociais.
Cf. Castro, Gomes e Corra (2007) sobre os conceitos chave da geografia: paisagem, regio, espao,
territrio, e lugar, assim como sua relevncia e interpretao nas vrias correntes do pensamento
geogrfico que se estruturaram durante a evoluo do campo.
25
votando pela esquerda. Foi com base nessa constatao que Siegfried concluiu o Le
granite vote droite, et le calcaire vote gauche.
O pesquisador francs no sugeria uma relao causal direta entre o tipo do solo
e a orientao do voto. O que explicitava na declarao acima a correspondncia entre
a formao geolgica, uso do solo e distribuio de propriedades (agricultura ou
indstria, grandes ou pequenas propriedades), estrutura dos arranjos de classes sociais
locais e, consequentemente, essa influncia no voto. Enquanto os mapas refletiam
aspectos geolgicos locais, os resultados eleitorais significativamente diferenciados
refletiam relaes sociais particulares, e isso, j desvinculado da geomorfologia,
continua sendo o foco da Geografia eleitoral atual.
Em 1933, Siegfried se tornou catedrtico de gographie conomique et politique
no Collge de France. Sua vinculao com a Geografia Eleitoral continuou, com seus
estudos sobre a regio de Ardche (Siegfried 1949). Dois anos antes, Siegfried se
aventurou a escrever sobre o desenvolvimento da Amrica Latina (Siegfried 1947).
Segundo Johnston (2003), dentre as Cincias Sociais, apenas a Economia e a
Antropologia estavam firmemente estabelecidas nas universidades na primeira metade
do sculo passado. Aps a Segunda Guerra Mundial, entretanto, a Economia, a
Sociologia e a Cincia Poltica se tornaram o ncleo das Cincias Sociais, com a
Antropologia perdendo espao devido ao crescente interesse nas sociedades modernas
em detrimento das primitivas. Outras disciplinas com as quais as Cincias Sociais
interagiam tambm ganharam importncia acadmica nessa poca, notadamente a
Psicologia, devido ao interesse crescente na compreenso do comportamento humano.
Era a revoluo comportamental nas Cincias Sociais.
Por essa poca Goguel j trabalhava na tradio da geografia eleitoral. A
influncia de Siegfried sobre Goguel clara, a despeito das diferenas entre os dois.
Siegfried baseava sua geografia poltica na geologia e tomava a questo religiosa como
central na sua obra Goguel era mais socilogo que gegrafo.
O namoro de Goguel com a geografia eleitoral comeou cedo. Em 1947
publicava um manual (Goguel 1947). Em 1950 j publicava outros estudos de geografia
eleitoral (1954). Porm, Goguel explodiu na Cincia Poltica em 1951, quando publicou
Sociologie lectorale: esquisse d'un bilan, guide de recherches, juntamente com
Georges Dupeux (Goguel & Dupeux 1951). Em outra obra especificamente de geografia
eleitoral, datada de 1951, Goguel (1951) refora o uso descritivo e explicativo dos
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mapas eleitorais. Duas dcadas mais tarde, Goguel (1970) usou as mesmas estratgias
para analisar a Quarta Repblica.
Uma das obras mais famosas de Goguel se refere a vrias eleies, comeando
em 1945, so as Chroniques lectorales (Goguel 1981; Goguel 1983b; Goguel 1983a),
uma srie majestosa de estudos eleitorais fazendo amplo uso de estatsticas, inclusive
atravs de mapas. Nove anos antes de sua morte, Goguel (1990), em poucas pginas,
resume a evoluo dos estudos eleitorais na Frana, com nfase na geografia eleitoral.
Goguel fez escola, dirigindo vrias teses. Entre elas, destaca-se a de Rudelle (1978)
sobre a instabilidade constitucional da Frana republicana que tambm fez uso de
recursos cartogrficos.
A tradio cartogrfica permaneceu forte na Frana e nos pases de lingua
francesa. Assumiu uma fora multidisciplinar, sendo muito usada na histria, na
sociologia e na poltica, alm da geografia. A tradio combinava mapas e alguma
anlise estatstica para compreender os fenmenos polticos. A anlise das eleies
presidenciais na Frana (Martin 2008), que ser apresentada na seo 1.3, um exemplo
de como esta tradio ainda se mantm.
A metodologia francesa no era, entretanto, uma anlise espacial como a que se
desenvolveu nos pases de lngua inglesa, em especial nos Estados Unidos e Inglaterra.
Nesses pases o comportamento eleitoral comeou a fazer parte da agenda de cientistas
polticos e socilogos na dcada de 40, prevalecendo os mtodos estatsticos ao invs
dos cartogrficos. Simultaneamente, uma nova gerao de gegrafos procurava
desenvolver mtodos quantitativos para reorientar a disciplina e inser-la no rol das
cincias sociais.
Em 1937, Herbert Tingsten analisou dados eleitorais e sociais agregados por
distritos eleitorais de Estocolmo, e descobriu uma forte correlao ecolgica positiva
entre a proporo de eleitores da classe trabalhadora e o apoio aos partidos de esquerda.
Segundo os resultados da pesquisa, quanto maior a classe trabalhadora com domiclio
no distrito, maior o apoio ao partido socialista sueco. Tingsten inaugurou a corrente
metodolgica de anlise estatstica de dados eleitorais e sociais agregados, os estudos
ecolgicos, que se tornou parte integrante da Geografia Eleitoral. (Johnston & Pattie
2006, p.47).
V. O. Key (1949) se tornou referncia ao explicar o comportamento diferenciado
dos eleitores dos estados do sul dos Estados Unidos pelos aspectos histricos
decorrentes da Guerra Civil e do racismo, e por um fenmeno que denominou friends
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and neighbours (amigos e vizinhos). Esse efeito se caracterizava pela preferncia por
candidatos locais em detrimento daqueles de outras partes do estado ou do pas.
Outra discusso de Key (1955) tratou da dinmica das eleies. De acordo com
sua teoria h eleies normais e crticas. As eleies crticas quebram os padres de
apoio partidrio estabelecidos, e criam subitamente novos padres, ocasionalmente
irrevogveis. Depois de uma eleio crtica estes novos padres se fortalecem e
produzem um novo perodo de eleies normais at a prxima ruptura. Aos perodos
tipificados como normais corresponde uma geografia eleitoral relativamente estvel,
caracterizada por determinado grau de regionalizao do apoio a determinado partido,
em detrimento de outro. Numa eleio crtica, entretanto, a estabilidade geogrfica
desmorona.
Um desses realinhamentos teria ocorrido nos EUA nos anos 70 quando o sul
democrata comeava a mudar em direo aos republicanos. Key influenciou trabalhos
como o de Clark Archer e Peter Taylor (1981 apud Johnston 2006), que identificaram
na geografia regional das eleies presidenciais americanas diferentes eras de padro
de votao distintos, ocorridas no perodo de 1828 a 1980. Outros continuaram essa
linha de trabalho identificando, em diversas escalas, reas de padres de votao
consistentes ao longo do tempo.
A linha metodolgica relacionada lgica social da poltica se desenvolveu
simultaneamente, a partir de 1948, com os socilogos da Universidade de Columbia,
liderados por Paul Lazarsfeld e Bernard Berelson. Ao invs de dados agregados como a
maioria dos estudos anteriores, inclusive os de Siegfried, Tingsten e Key, o grupo de
Colmbia utilizava levantamentos sociais detalhados, em comunidades especficas, e
recolhia evidncias de que os eleitores eram influenciados, e tambm influenciavam, as
vises e opinies daqueles com quem falavam ou interagiam (Lazarsfeld et al. 1944).
Um dos efeitos metodolgicos de longo prazo dos estudos de Colmbia foi a
utilizao levantamento estatstico amostral (surveys), pesquisa com entrevistas
individuais, como principal fonte de dados para a anlise do comportamento eleitoral.
Na dcada de 50 os cientistas polticos da Universidade de Michigan lanaram o
American National Election Studies, um survey nacional que continua at hoje. Estudos
subseqentes ganharam em habilidade para generalizar os resultados para a totalidade
do eleitorado, embora tenham perdido a capacidade de observao da poltica local
(Johnston 2006).
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No clssico The American Voter, Campbell et al (1960) concluram que a
vinculao individual aos partidos era a principal causa do comportamento eleitoral. A
partir da as questes investigadas pela cincia poltica entraram profundamente no
campo das atitudes individuais e na psiqu do eleitor. Os aspectos econmicos
relevantes, a influncia da religio, a deciso racional baseada em especulao
prospectiva ou anlise retrospectiva, o poder de persuaso das campanhas, a influncia
de aspectos pessoais dos candidatos, como o carter e a personalidade, dentre outras,
passaram a ser objeto central na investigao sobre a escolha eleitoral.
As principais correntes tericas sobre o comportamento eleitoral, como a
sociolgica e a da escolha racional, partiram da. Nessas teorias a espacialidade do
comportamento eleitoral, ainda que implcita, no explorada como um possvel
determinante do voto. A dimenso espacial explicitada os modelos analticos,
eventualmente, para capturar diferenas regionais marcantes. A partir da dcada de 80,
entretanto, com o desenvolvimento de novas tcnicas de anlise estatstica, e a crescente
disponibilidade de dados eleitorais georeferenciados e de Sistemas de Informaes
Geogrficas, a dimenso espacial passou a ser novamente inserida no contexto das
teorias sobre o comportamento eleitoral.
1.2 Vizinhana, Redes Sociais e Contexto Geogrfico
Johnston e Pattie (2006, pp.40-62) denominam de composicional a abordagem
da maioria dos modelos de comportamento eleitoral na qual a escolha do eleitor por um
partido ou candidato predominantemente influenciada pela sua posio na sociedade
ou pelas suas avaliaes pessoais da situao poltica-econmica: modelos sociolgicos
ou retrospectivos. Os autores argumentam em favor de uma abordagem complementar:
a abordagem contextual, na qual as pessoas se decidem influenciadas pelos elementos
do meio no qual seu cotidiano se insere.
Para eles essa abordagem interage de vrias formas com as duas outras. Sugerem
que as pessoas de determinada posio social so mais propensas a escolher um partido
ou candidato em particular, mas o apoio pode ser maior em algumas reas do que em
outras. Isso por conta do impacto do meio no desenvolvimento da conscincia local de
classe, e das respectivas relaes com ideologias locais. Desse modo a geografia se
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tornaria parte dos modelos centrais, sociolgico ou retrospectivo, que dominam as
anlises do comportamento eleitoral.
A origem deste argumento est no trabalhos de Tingsten (1937 apud Johnston &
Pattie 2006, p.47), que descobriu que o apoio da classe trabalhadora ao partido socialista
sueco aumentava nos arredores de Estocolmo, onde os membros dessa classe moravam;
e no trabalho de Key (1949), que mostrou que muitos indivduos ganhavam mais apoio
em reas prximas do seu domiclio do que em qualquer outro lugar relevante do
distrito eleitoral. O efeito de vizinhana (friends-and-neighbours effect) supe as
pessoas votam em candidatos locais devido ao conhecimento e convivncia que tm
com esse candidato.
Estudos subsequentes resgataram a linha de pesquisa de Columbia e do trabalho
de V. O. Key, e deram continuidade busca de comprovao da influncia de efeitos
contextuais no comportamento eleitoral. Kevin Cox (1969 apud Johnston & Pattie
2006) conceituou os eleitores como ns de uma rede, que recebem, processam e
transmitem informao poltica. Para ele a extenso da influncia a que o indivduo
poderia ser submetido por parte daqueles com quem convive dependeria de uma
variedade de circusntncias como:
distncia geogrfica: as pessoas seriam mais influenciadas pelos vizinhos do
que pelos que vivem mais longe.
crculo de convivncia: maior influncia da opinio de pessoas do crculo de
conhecimento do que de pessoas estranhas.
campo de fora: presses de indivduos e grupos politicamente mais
poderosos.
reciprocidade: as pessoas tenderiam a ser mais influenciados por aqueles
com quem so estruturalmente relacionados como esposos e esposas,
empregados e empregadores, filhos e pais, do que por pessoas com as quais
no tm relaes estruturais.
ideologia: eleitores com fortes convices polticas seriam menos abertos
influncia do que aqueles com opinies fracas.
O trabalho de Cox continua a influenciar a Geografia Eleitoral, apesar de que
alguns de seus pontos de sustentao enfraqueceram. A presso que grupos polticos ou
indivduos mais poderosos podem fazer sobre a escolha do eleitor, circustncia
identificada como campo de fora, por exemplo, enfraqueceu depois da introduo do
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voto secreto. O argumento da influncia do crculo de convivncia foi derrubado por
Granovetter (1973) que mostrou a importncia do conhecimento casual como meio de
confronto de opinies heterodoxas.
As descobertas de Tingsten e de V. O. Key podem ser observadas sob dois
prismas. Do ponto de vista do candidato, pode-se dizer que o friends-and-neighbours
effect o embrio da Base Eleitoral. Da perspectiva do indivduo, o friends-and-
neighbours effect o contexto mais prximo a ele, que age continuamente,
independente da ao de candidatos ou de representantes dos partido poltico.
Por hiptese, o efeito de vizinhana age sobre uma minoria de modo que sejam
mais favorveis s opinies polticas e ao apoio partidrio da maioria local,
independente de classe social, apenas pelo fato de morarem numa mesma vizinhana. O
resultado esperado a polarizao scio-espacial: em qualquer vizinhana com redes
sociais locais ativas, o apoio ao partido preferido da maioria , provavelmente, maior
que aquele que seria previsto pela anlise exclusiva da composio scio-econmica da
rea (Johnston & Pattie 2006, p.49).
O efeito de vizinhana um efeito tpico de aglomeraes urbanas. Analistas
como Huckefeldt (apud Ethington & McDaniel 2007) passaram a combinar dados
agregados e surveys para associar a participao poltica do indivduo ao contexto social
e econmico intra-urbano, em bairros e vizinhanas locais. Chegaram concluso de
que h uma relao entre participao poltica e contexto social.
Os acadmicos dos efeitos contextuais foram criticados pela sua confiana em
dados ecolgicos agregados para fazer inferncias individuais (falcia ecolgica).
Eulau e Rothenberg (1986 apud Ethington & McDaniel 2007), simpatizantes da anlise
contextual, responderam ao desafio terico e metodolgico. Levantaram dados sobre a
interao social e concluram que a vizinhana enquanto lugar no tinha impacto sobre
o comportamento poltico; mas a vizinhana, definida por redes sociais, mesmo que
desligada fisicamente do lugar, influenciava o comportamento poltico e as escolhas
eleitorais. Fizeram uma distino terica entre o contexto social criado por redes
individuais de interao social, e o ambiente, com a conotao de lugar. Contexto,
portanto, passou a ser definido como espao vivido, sendo a interao social entre as
redes pessoais o nexo causal deste espao.
Huckefeldt, que anteriormente liderava a linha de pesquisa sobre os efeitos
contextuais na cincia poltica, seguiu Eulau e Rothenberg passou a enfocar as
interaes sociais como o nico efeito de contexto capaz de influenciar o eleitor. Essa
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linha de pesquisa distanciou-se do senso concreto de espao e lugar, do foco geogrfico,
em direo a um modelo de rede social (Baybeck & Huckfeldt 2002; Huckfeldt et al.
2005). Huckefeldt desenvolveu uma variedade de mtodos para estudar a interao
social. Suas descobertas comprovaram a importncia da interao social e do fluxo de
informao pelas redes sociais na definio do comportamento poltico.
A partir de ento se estabeleceu uma distino terica entre os trabalhos de
cientistas e gegrafos polticos (Ethington & McDaniel 2007). A linha dos cientistas
polticos se mostra mais propensa idia de que o contexto que influencia o
comportamento eleitoral aquele estabelecido pelas redes de interao social, quer entre
amigos e vizinhos ou entre ambientes homogneos ou heterogneos (Baybeck &
Huckfeldt 2002; Huckfeldt et al. 2005). A linha de pesquisa mais prxima dos
gegrafos polticos tende para a idia de que o contexto geogrfico exerce mais
influncia do que a interao social (Burbank 1995; Cho & Rudolph 2008; Johnston &
Pattie 2006).
A LGICA SOCIAL DA POLTICA
Defensor dos argumentos da lgica social da poltica, Zuckerman (2005, pp.3-
11) tenta explicar porque essa linha de pesquisa perdeu proeminncia por um longo
perodo. Para ele o comportamento poltico e a opo eleitoral sempre tiveram uma
complexa relao com a lgica social da poltica, na qual as circunstncias sociais
imediatas da vida das pessoas influenciam o que elas acreditam e fazem sobre poltica.
Segundo sua opinio Angus Campbell, Philip Converse, Warren Miller, e Donald
Stokes, Anthony Downs, Heinz Eulau, V. O. Key, Robert Lane, e Sidney Verba,
visionrios que determinaram a agenda de pesquisas por mais de meio sculo,
entenderam e aceitaram esses princpios tericos.
Entretanto, afirma Zuckerman, se distanciaram deles em suas pesquisas.
Conduziram surveys que examinavam indivduos, mas ignoravam os membros dos seus
crculos sociais, e transformaram grupos sociais em objetos de identificao individual.
Na anlise das decises eleitorais focalizavam atitudes polticas, percepes dos
candidatos e preferncias polticas. Como o American National Election Survey se
tornou fonte primria de dados sobre o comportamento eleitoral, as pesquisas eram
projetadas para investigar identificao partidria e percepes dos candidatos em
eleies particulares. Esse modelo estruturou a pesquisa eleitoral tambm em outras
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democracias. Quando Key e Downs introduziram a teoria da escolha racional, e a
ateno da academia se voltou ainda mais para o nvel individual de anlise. A lgica
social da poltica perdia terreno.
Alguns fatores teriam ajudado, na sua opinio, a explicar este distanciamento e
mudana de direo. Dentre eles a deciso conjunta de usar surveys de amostragem
nacional como fonte emprica exclusiva de evidncias do comportamento poltico, e de
analisar os dados com tcnicas estatsticas. Os surveys nacionais eram projetados para
explicar os resultados das eleies sem considerar os crculos sociais, e a tcnicas
estatsticas disponveis s se aplicavam a informantes independentes uns dos outros, um
princpio que seria violado se membros do mesmo crculo social fossem includos na
mesma pesquisa. Como resultado, esses levantamentos no viabilizavam informaes
sobre o contexto social da poltica.
Os estudos acadmicos sobre lgica social da poltica tem sido conduzidos, em
grande parte, por cientistas polticos e socilogos, embora economistas, advogados e
psiclogos venham trazendo contribuies importantes (Zuckerman 2005).
O CONTEXTO GEOGRFICO
Em contrapartida ao segmento acadmico da sociologia eleitoral, gegrafos e
cientistas polticos optaram por mostrar que h mais no contexto do que interao
social. Deste grupo destacamos os trabalhos de:
Books e Prysby (1991) - o contexto como lugar pode influenciar o voto de
quatro maneiras: (a) entendimento das questes, condies e eventos locais,
(b) informao poltica canalizada por condutores geogrficos, (c)
campanhas locais para mobilizao e educao quanto ao voto, e (d)
interao social entre vizinhos e dentro de redes sociais.
Burbank (1995) - ao estudar os mecanismos psicolgicos do contexto
encontrou evidncias de que a percepo individual do ambiente um
importante fator causal.
Cho e Rudolph (2007) - encontram evidncias de um contgio espacial
que afeta o comportamento eleitoral e sugerem que, somado interao
social o contexto espacial, pode agir como um efeito inconsciente ou de
baixa intensidade que atinge o comportamento eleitoral.
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Johnston e Pattie (2005) - encontraram fortes evidncias da influncia do
contexto espacial nos votos no Partido Trabalhista na Inglaterra.
Estes estudos tm como elemento comum uma vinculao de contexto ao espao
e ao lugar. Entretanto, a separao terica de contexto do lugar, proposta pelos
acadmicos da linha da interao social, como Huckfeldt (espao social) e Eulau e
Rothenberg (espao vivido), inviabiliza a captura destes efeitos contextuais baseados
no espao em si.
Neste sentido, o conceito de context-as-place, ou contexto-como-lugar, proposto
por Agnew (1996a), uma outra alternativa que surge na geografia poltica. O conceito,
segundo o autor, engloba todos os mecanismos causais do contexto e oferece uma base
terica que equilibra o individual e o agregado. A teoria contextual desenvolvida por
Agnew procura oferecer um modelo alternativo para examinar e entender a poltica em
toda sua complexidade. A perspectiva do contexto-como-lugar enfatiza a situao
geogrfica dos eleitores, candidatos, questes e informao, ao invs de atribuir causas
universais ao comportamento poltico.
Para John Agnew, que desenvolveu esse argumento durante dcadas, a geografia
deveria ser incorporada dentro dos modelos clssicos e as variaes geogrficas nas
decises de voto deixariam de ser vistas como o resultado de um processo poltico ou
econmico global ou nacional, no incorporado pelas variveis escolhidas no modelo
estatstico (Agnew apud Johnston & Pattie 2006, p.18). De acordo com esse
argumento, se todos os processos de influncia fossem reconhecidos no modelo, as
variaes geogrficas que se manifestam como influncias independentes nos resultados
eleitorais desapareceriam. Agnew afirma que o geogrfico intrnseco explicao:
O apelo chave em favor da teoria social geogrfica que as categorias
sociais nacionais no so empiricamente apropriadas, nem teoricamente
coerentes, como causas do comportamento eleitoral. As categorias
nacionais no podem causar decises individuais de voto. Causalidade
somente pode ser descoberta como mecanismos sociais especficos que
traduzem estrutura social em atos individuais e vice-versa (Agnew 1990
apud Johnston & Pattie 2006, p.18, traduo nossa).
Agnew desenvolveu esse argumento inicialmente em Place and Politics
(Agnew 1987 apud Johnston & Pattie 2006), como parte de um projeto mais amplo
destinado a combater o que ele chamava de a desvalorizao do espao nas cincias
sociais e a desvinculao do espao de qualquer papel constitutivo em poltica
(Agnew 1996a, p.144). Segundo ele, a adoo do indivduo como unidade primria de
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anlise na cincia poltica levou a um individualismo ontolgico, cuja teoria e prtica se
desenvolveram associadas proliferao de dados de levantamentos amostrais e a
capacitao em modelagem estatstica formal (Agnew 1996b). Critica a viso de
indivduos situados como o comeo e o fim do mundo poltico que, mesmo agregados,
comportam-se de forma autnoma em relao aos outros indivduos e a seu meio
ambiente, mantendo seu ponto de vista como atores racionais que possuem interesses
particulares (Ethington & McDaniel 2007, p.10). No argumento de Agnew, o contexto
conta na geografia eleitoral, mas vem sendo amplamente ignorado por causa da
preocupao dominante com o mapeamento da distribuio espacial que ento
explicada por fatores no espaciais (Agnew 1996a, p.129).
Em resposta a Agnew, o cientista poltico americano Gary King (1996) diz que
os gegrafos polticos no deveriam se preocupar tanto em provar que o contexto conta,
e que seria mais produtivo procurar demonstrar que no conta. Para King o contexto
raramente conta, e a maioria dos trabalhos sobre contexto esto equivocados. Conclui
que h considervel variao espacial no comportamento eleitoral, mas depois que ns
controlamos a partir do que temos aprendido sobre os eleitores, no sobrou muito para
os efeitos contextuais (King 1996, p.160, grifo do autor). A resposta de Agnew King
foi:
A alternativa de King [ anlise contextual] individualismo ontolgico
(e metodolgico). A Geografia [segundo King] se refere a como os
indivduos se distribuem espacialmente e so distribudos em agregados.
um monumento a nossa ignorncia que disperso e agregao limitem
as possibilidades de se fazer inferncias sobre escolhas e atos individuais.
Entretanto, uma vez que descobrimos o que determina as escolhas
individuais, no h mais necessidade de se preocupar com isto [a
geografia]. Explicao e generalizao so o mesmo. Mas o meu ponto
que ns nunca poderemos explicar satisfatoriamente o que move as
escolhas e aes individuais a menos que situemos os indivduos no
contexto scio-geogrfico de suas vidas... Em outras palavras, as causas
das crenas e aes polticas dos indivduos so organizadas
geosociologicamente. (Agnew 1996b, p.165, traduo nossa)
Agnew refuta o argumento de que o efeito vizinhana um desvio do padro
nacional que define o comportamento eleitoral normal (1996b, p.167). Para Agnew
(apud Johnston & Pattie 2006, p.42) a lgica se inverte: haveria vrias geografias do
voto, construdas de baixo para cima. Elas seriam resultantes de uma mirade de
processos locais, ligados a processos que operam em outros lugares e noutras escalas
talvez mais fortes em alguns locais que em outros ao invs de ser resultantes de um
padro nacional ou regional, com alguns desvios locais. Os processos que permanecem
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ativos por um longo tempo podem ser agregados em padres nacionais como, por
exemplo, nas clivagens de classes.
Agnew enfatiza que se deve observar a soma do grande nmero de processos
locais interativos. Por causa dessa interao, lugares similares tendem a ter resultados
eleitorais similares, os padres de voto, mas a agregao que importa. Segundo ele os
padres de voto por classe no so impostos aos lugares por um processo nacional
constante, mas ao contrrio, so impostos pelo somatrio de uma variedade de
processos locais. Ainda que as interaes possam ser potencializadas em grande parte
pela mobilidade espacial da populao e pela penetrao da mdia nacional, mesmo
assim so construdas sobre contextos sociais locais. (Johnston & Pattie 2006, p.42).
A maior parte do trabalho emprico de Agnew foi sobre a Itlia, onde ele
encontrou suporte para o seu argumento nas considerveis evidncias que as
identidades, valores e preferncias que inspiram tipos particulares de ao poltica ....
esto inseridas nos lugares ou contextos geogrficos onde as pessoas vivem suas vidas.
(Agnew 2002, 3 apud Johnston & Pattie 2006).
Agnew afirma que os lugares tm um papel crucial na criao de atitudes
polticas e conseqentemente de comportamento eleitoral porque:
Os lugares representam a micro-geografia da vida e do as bases para a
maioria das interaes sociais. Os Lugares so as arenas para a socializao
poltica.
Esses lugares se inserem dentro de uma ampla diviso social do trabalho, e
parte de sua caracterstica derivada das posies que ocupam dentro dessa
estrutura scio-econmica maior.
As redes de comunicao ligam os lugares e mediam fluxos de informao
entre pessoas e lugares.
Todos os lugares esto inseridos em territrios nacionais, e seus
representantes polticos junto s instituies nacionais so importantes tanto
quando representam preocupaes locais