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A Comunicação na Constituição Federal: o efetivo cumprimento dos dispositivos constitucionais e sua adequação à realidade de convergência de meios e mídias. Murilo César Ramos Ecco \ Estudos e Consultoria de Comunicações Faculdade de Comunicação / Universidade de Brasília

A Comunicação na Constituição Federal: o efetivo cumprimento dos dispositivos constitucionais e sua adequação à realidade de convergência de meios e mídias

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A Comunicação na Constituição Federal: o efetivo cumprimento dos dispositivos constitucionais e sua adequação à realidade de convergência de meios e mídias.

Murilo César Ramos

Ecco \ Estudos e Consultoria de Comunicações

Faculdade de Comunicação / Universidade de Brasília

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A Comunicação na Constituição Federal

Dezenove anos atrás: no antigo Auditório Nereu Ramos.

Uma manhã de junho de 1988.

Comissão Temática VIII: Da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia, e da Comunicação.

Deputado Arthur da Távola (PMDB/RJ): segundo substitutivo para a área da Comunicação.

Subcomissão da Ciência e Tecnologia, e da Comunicação: Deputada Cristina Tavares (PMDB/PE).

Apesar de importantes alterações, de agrado do empresariado da comunicação, o substitutivo de Arthur da Távola foi derrubado pela ação sempre eficiente da Associação Brasileira de Emissoras de Radiodifusão (Abert).

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Abert pretendia apresentar o seu próprio substitutivo, que desfiguraria mesmo o moderado esforço de conciliação normativa tentado pelo parlamentar carioca.

Defensores do substitutivo de Arthur da Távola: alternativa foi a obstrução sistemática dos trabalhos da Comissão.

Adversários do substitutivo: além de não poderem evitar a obstrução, viram-se alvo de uma chuva de notas e moedas de cruzados novos, atiradas das galerias por representantes sindicais e de movimento populares, que assistiam à sessão.

Foi, assim, nesse clima de tensão legislativa, que a Comunicação tornou-se a única área temática da Constituinte a não enviar relatório aprovado para a Comissão de Sistematização, superando em polarização questões como reforma agrária e previdência social, por exemplo.

Como resultado desse impasse, coube à própria Comissão de Sistematização elaborar um texto para a Comunicação, que, inspirado em parte no trabalho do deputado Arthur da Távola, transformou-se no Capítulo V, do Título VIII, Artigos 220 a 224, da Constituição Federal.

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Faço esta remissão, hoje, aos acontecimentos de 19 anos atrás, por duas razões principais:

1) Para destacar, com toda a ênfase possível, que o atual Capítulo da Comunicação Social da Constituição Federal é uma colagem de interesses conflitantes, construída na última hora, sob a mais forte pressão político-ideológica que o processo constituinte de 1987-1988 conheceu, o que explica as suas notórias contradições e inconsistências, como tentarei demonstrar.

2) Para destacar também que aqueles interesses em conflito persistem até hoje, e não foram atenuados pelo tempo.

Pelo contrário, sobrevivem e se evidenciam até mesmo no formato desta Conferência, chamada de preparatória.

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Não fosse a pressão do movimento social gerador das lutas pela democratização da comunicação no Brasil, esta Conferência talvez não fosse preparatória.

Ela poderia ser definitiva, sem o compromisso latente de os poderes executivo e legislativo apoiarem e esperarem pela realização de uma ampla Conferência Nacional de Comunicação, nascida do movimento social, por ele construída, e, a partir dele, levada à consideração e deliberação dos poderes estatais constituídos.

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Um pouco mais de passado:

O estabelecimento de um direito à informação, que fosse além do direito liberal restritivo de sermos apenas informados. O direito à comunicação.

O estabelecimento de Políticas Nacionais de Comunicação.

O estabelecimento de um Conselho Nacional de Comunicação, composto por 15 membros:

A esse Conselho, inspirado na Federal Communications Commission, dos Estados Unidos, caberia regular a radiodifusão Brasil.

3 representantes de entidades empresariais; 3 de entidades profissionais da área de comunicação;

1 representante do Ministério da Cultura; 1 representante do Ministério das Comunicações;

2 representantes da Comissão de Comunicação do Senado Federal;

2 representantes da Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados;

1 representante da comunidade científica; 1 representante de instituição universitária;

1 representante da área de criação cultura.

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De forma muito sucinta, esses eram, acredito, os pilares da proposta levada ao Congresso Constituinte pelo movimento social que lutava por uma comunicação mais democrática no Brasil, contemplados no substitutivo da deputada Cristina Tavares e no primeiro texto do deputado Arthur da Távola.

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Restam-me poucas dúvidas de que, mais do que a questão conceitual da natureza do direito, se à informação ou à comunicação; mais ainda do que a idéia, combatida internacionalmente pela Sociedade Interamericana de Imprensa e pela Associação Internacional de Radiodifusão; o grande impasse constituinte de 1988 se deu em torno de se tornar ou não a radiodifusão no Brasil um segmento regulado em moldes autônomos internacionais. E liberais.

O que sobrou:

Art. 224. Para os efeitos do disposto neste capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.

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Na deformação da idéia original do órgão regulador autônomo - por mais imperfeita que fosse sua formulação à época - , está a síntese de um Capítulo constitucional que precisa passar por urgente processo de revisão.

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Comecemos pela dispersão conceitual:

Art. 220. (...) § 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. (...) § 3º (...) II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão (...) § 5º - Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio. § 6º - A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.

Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios (...)

Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens (...) § 3º Os meios de comunicação social eletrônica (...)

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Continuemos, com exemplos de importantes distorções normativas:

Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.

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É muito comum que, na academia, no movimento social, aqui mesmo no Congresso, nos envolvamos em acirradas discussões sobre as concessões de radiodifusão, sobre o cruzamento dessas concessões com parlamentares, sobre os procedimentos de outorga de concessões, sem que, em geral, olhemos o instituto da concessão, como também o da permissão, sob a ótica iluminadora do direito administrativo.

Iluminadora por suas potencialidades para uma crítica aguda do atual modelo de exploração por empresas privadas, comerciais, de outorgas de televisão e rádio no Brasil.

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É muito comum ainda que empreguemos o conceito de serviço público para caracterizar a exploração por interesses privados, comerciais, de outorgas de rádio e televisão.

E, de fato, a exploração desse serviço pode ser assim conceituada, mas não apenas porque se vale do espectro radioelétrico, que seria a única razão para que o Estado interviesse no mercado livre do rádio e da televisão no Brasil.

A telefonia móvel celular, como outros serviços de telecomunicações, também utiliza o espectro, mas não recebe outorga de serviço público, ou seja, não se vale dos institutos da concessão e da permissão. A telefonia móvel celular se vale do instituto da autorização, e, não obstante ser ela um serviço regulado, trata-se de uma regulação ex-post, como se diz no jargão do setor; primeiro deixa fazer, depois fiscaliza e cobra.

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Já uma empresa privada de transporte coletivo urbano, por exemplo, que nada tem a ver com a utilização de um bem público tecnicamente escasso, pode receber uma concessão ou permissão para a exploração do serviço que presta.

Recebe porque se trata de um serviço público, que deveria ser prestado diretamente pelo Estado, mas a União, por razões de conveniência, decide outorgá-lo mediante a assinatura de um contrato.

E é esse contrato, público, detalhado, com a explicitação clara de direitos e deveres pelas partes - o Estado e o concessionário - que permite a regulação chamada ex-ante. Ou seja, o Estado pode, e deve, impor cláusulas contratuais que permitam a fiscalização rígida dos deveres dos concessionários, e não apenas a fruição, por eles, do direito que lhes é mais caro: o de lucrar comercialmente com a atividade.

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Uma pergunta que sempre me ocorre em ocasiões como esta: quem conhece, já viu, já estudou, já criticou, um contrato de concessão, ou de permissão, de radiodifusão?

Site do Ministério das Comunicações: link para contratos assinados de radiodifusão, mas não há modelos, íntegras ou sequer extratos de contratos. Embora haja remissão para extratos de contratos publicados no Diário Oficial da União. E isso para contratos assinados somente a partir dos anos 2000.

E os contratos anteriores? Aqueles originais em razão dos quais estão sendo atribuídas freqüências para a exploração da televisão digital terrestre. Quais são seus termos? Que direitos e obrigações estão lá explicitados?

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O instituto da concessão e da permissão para os serviços de radiodifusão no Brasil é uma anomalia, e precisa ser revisto, em profundidade, e com urgência. Desde os preceitos constitucionais que o asseguram até a legislação caduca que o mantém.

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A Comunicação na Constituição Federal Voltemos às distorções normativas:

§ 1º - O Congresso Nacional apreciará o ato no prazo do art. 64, § 2º e § 4º, a contar do recebimento da mensagem.

§ 2º - A não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal.

§ 3º - O ato de outorga ou renovação somente produzirá efeitos legais após deliberação do Congresso Nacional, na forma dos parágrafos anteriores.

§ 4º - O cancelamento da concessão ou permissão, antes de vencido o prazo, depende de decisão judicial.

§ 5º - O prazo da concessão ou permissão será de dez anos para as emissoras de rádio e de quinze para as de televisão.

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Não há como se pensar hoje em políticas de comunicação no Brasil, convergentes ou não, sem se revisitar o Capítulo da Comunicação Social, para conhecer a sua história, sua discussão e elaboração polarizada, contraditória, eivada, já nos idos dos anos 1980, de arcaísmos, como, por exemplo, a constitucionalização de prazos de outorga.

Não há como se pensar em políticas de comunicação no Brasil, convergentes ou não, sem que se olhe a história constitucional mais recentes das comunicações brasileiras:

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1995: telecomunicações versus radiodifusão; MC versus Anatel; LGT versus CBT.

2002: a pressão pela nova redação do artigo 222, depois de a própria radiodifusão ter deixado o processo dormir por quase dois anos sobre a Mesa da Câmara; o apressado conceito de comunicação social eletrônica e o inadequado tratamento constitucional dado à idéia de convergência de meios e mídias.

2006: a decisão técnica sobre a televisão digital terrestre – a prevalência do interesse privado singular sobre o interesse público; a hegemonia da técnica sobre as políticas.

2007: a iminente decisão técnica sobre o rádio digital – a possibilidade de mais uma vez o interesse privado singular prevalecer sobre o interesse público; a hegemonia da técnica sobre as políticas.

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O Ministério das Comunicações, a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e a Anatel merecem cumprimentos pela realização desta Conferência Preparatória.

Mas, nada na história recente das políticas de comunicação no Brasil nos autoriza a acreditar que, sem uma ampla mobilização social, como a que está prevista na Conferência Nacional para a qual estamos a nos preparar, será possível pensar no efetivo cumprimento dos dispositivos constitucionais, adequados à realidade da convergência de meios e mídia.

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Como nada na história recente das políticas de comunicação no Brasil nos autoriza a pensar que o primeiro passo da Conferência Nacional será outro que não o de revisar, ampla e profundamente, o Capítulo da Comunicação Social da Constituição Federal, a partir das 3 premissas básicas que há 20 anos inspiraram o relatório da saudosa deputada Cristina Tavares:

O Direito à Comunicação

Políticas Nacionais de Comunicação

Comunicação e Regulação Autônoma

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MUITO OBRIGADO!