A CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA NA ALFABETIZAÇÃO E …pergamum.unisul.br/pergamum/pdf/98798_Lucimar.pdf · para crianças de 6 a 8 anos: pré e pós teste. .....62 Quadro 10 – Transcrição

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  • UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

    LUCIMAR FERREIRA DA SILVA OLIVEIRA

    A CONSCINCIA FONOLGICA NA ALFABETIZAO E PREPARAO DO

    PROFESSOR - ESTUDO DE CASO

    Tubaro

    2009

  • LUCIMAR FERREIRA DA SILVA OLIVEIRA

    A CONSCINCIA FONOLGICA NA ALFABETIZAO E A PREPARAO DO

    PROFESSOR - ESTUDO DE CASO

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado em Cincias da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Cincias da Linguagem.

    Orientadora: Profa. Dra. Marilia Silva dos Reis

    Tubaro

    2009

  • LUCIMAR FERREIRA DA SILVA OLIVEIRA

    A CONSCINCIA FONOLGICA NA ALFABETIZAO E A PREPARAO DO

    PROFESSOR - ESTUDO DE CASO

    Esta dissertao foi julgada adequada obteno do ttulo de Mestre em Cincias da Linguagem e aprovada em sua forma final pelo Curso de Mestrado em Cincias da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina.

    Tubaro, 31 de julho de 2009.

    ______________________________________________________ Professora e orientadora Dra. Marilia Silva dos Reis

    Universidade do Sul de Santa Catarina

    ______________________________________________________ Professora emrita Leonor Scliar-Cabral Universidade Federal de Santa Catarina

    ______________________________________________________

    Professora Dra. Eliane Santana Dias Debus Universidade do Sul de Santa Catarina

  • Dedico este trabalho a Deus, pela sua

    proteo durante todo este mestrado. A meu

    esposo Ricardo, companheiro, incentivador e

    participante de mais essa etapa da minha vida.

    A meu querido filho Marwim, pelo auxlio e

    compreenso nos momentos de ausncia.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo a Deus por iluminar e guiar meus caminhos. A meu esposo Ricardo

    pelo amor, incentivo e compreenso nos momentos de ausncia e, sobretudo, por partilhar

    deste sonho comigo. Em especial, professora emrita Leonor Scliar Cabral, pela

    implantao do projeto Ler & ser, prevenindo o analfabetismo funcional, atravs do qual foi

    fortalecida a discusso (na academia) sobre a importncia da alfabetizao para o letramento

    para prevenir o analfabetismo funcional e por nos ceder a traduo da obra de Dehaene

    (2007). professora Dra. Marilia Silva dos Reis, minha orientadora, por ter acreditado em

    mim, pelo carinho, amizade e relevante contribuio na minha formao. Ao coordenador do

    curso, prof. Dr. Fbio Rauen, pelo acolhimento e amizade. Agradeo professora Dra. Maria

    Marta Furlanetto, coordenadora do GADIPE, grupo de pesquisa a que estou filiada, pela

    leitura criteriosa da proposta desta dissertao, na sua qualificao enquanto projeto.

    professora e amiga Dra. Eliane Debus, pela acolhida, compreenso e colaborao nas aulas de

    Estgio de Docncia. Muito obrigada!! s alunas participantes desta pesquisa, minha especial

    gratido, por terem contribudo para realizao desse trabalho. A meus pais que, com a

    humildade e simplicidade, me ensinaram desde cedo a importncia de APRENDER A LER e

    de estudar. Aos queridos colegas de curso pelos momentos inesquecveis de convivncia,

    alegria e constante aprendizado. minha cunhada Susana e amiga Rosane, por terem

    despertado em mim a esperana de um sonho realizvel: tornar-me mestre. Aos amigos Alba e

    Mazinho, por me reanimarem constantemente sempre que as dificuldades apareciam.

    Carssimos, obrigada.

  • Lemos para compreender. O propsito da leitura a compreenso. Mas ler no o mesmo que compreender. Podemos ler sem compreender. Podemos compreender sem ler. Ler diferente de aprender a ler (BRASIL, 2003, p. 20). Por isso, no se h de confundir aprendizagem da leitura com o seu objetivo: a compreenso, uma vez que [. . .] no correto tomar a finalidade de uma atividade como sendo sua definio (MORAIS, J. apud BRASIL, 2003, p. 21).

  • RESUMO

    O objetivo geral desta pesquisa consiste em avaliar a influncia de um minicurso a futuros

    alfabetizadores trabalhando a conscincia fonolgica, com base nos princpios do sistema

    alfabtico do portugus do Brasil (SCLIAR-CABRAL, 2003a; b), com e para o letramento.

    Evidenciam-se tambm possveis contradies ontolgicas comumente encontradas nos

    materiais didticos adotados na aprendizagem inicial da leitura, a saber: (i) entre o conceito de

    alfabetizao e o conceito de letramento, mesmo depois da adoo do ensino fundamental de

    nove anos; (ii) entre a relao grafemas e fonemas do portugus do Brasil.

    Metodologicamente, tal minicurso foi estruturado como parte integrante dos contedos

    propostos em uma disciplina curricular do 5 semestre de Pedagogia, e foi ministrado em trs

    etapas: (i) pr-teste: aplicao de dez questes (questionrio) a 14 sujeitos; (ii) interveno

    docente na aplicao de um minicurso; e (iii) ps-teste: reaplicao do mesmo instrumento de

    avaliao (questionrio) ao trmino do minicurso. Os pressupostos terico-metodolgicos

    norteadores da pesquisa tm como base a psicolingustica, os avanos das neurocincias para

    a aprendizagem inicial da leitura, e os princpios do sistema alfabtico do portugus do Brasil

    (SCLIAR-CABRAL, 2003a, p. 50-51), no que diz respeito ao trabalho com a conscincia

    fonolgica na aprendizagem inicial da leitura. Os resultados evidenciam que, embora os

    sujeitos investigados tenham demonstrado despreparo terico-metodolgico sobre a

    conscincia fonolgica na alfabetizao, este comportamento inicial pde ser amenizado com

    o minicurso ministrado, o que nos remete importncia de os espaos de aula sobre o referido

    contedo serem ampliados. H que se rediscutir: (i) os fatores envolvidos na aprendizagem

    inicial da leitura, cujo enfoque seja a premissa de que LER diferente de APRENDER A

    LER; (ii) a importncia de se firmarem, nos semestres posteriores, os conhecimentos

    lingusticos (estruturais) e metalingusticos, sobretudo em termos de fonologia e as relaes

    entre ela e a aprendizagem inicial da leitura na formao dos futuros docentes-alfabetizadores.

    Palavras-chave: Conscincia fonolgica. Aprendizagem inicial da leitura. Formao docente.

  • ABSTRACT

    The general objective of this research consists of evaluating the influence of a mini course of

    teacher formation about the importance of working the phonological conscience in the initial

    learning of reading, with basis in the principles of the Brazilian Portuguese alphabetic system

    (SCLIAR-CABRAL, 2003a; b), to prospective teachers whose proposal of work deals with

    alphabetization with and to literacy. Possible ontological contradictions found commonly in

    didactic materials adopted in the initial learning of reading are also highlighted, such as: (i)

    the concept of alphabetization and literacy, even after the introduction of the nine-year

    Elementary school; (ii) the relation between grapheme and phoneme. Methodologically, such

    mini course was designed as an integrant part of the proposed contents in a curricular

    discipline of the 5th semester of Pedagogy, and it was divided into three parts: (i) pre-test:

    application of ten questions to 14 subjects; (ii) teacher intervention in the application of the

    mini course; and (iii) post-test: reapplication of the same instrument of evaluation

    (questionnaire) at the end of the mini course. The methodological/theoretical indications that

    lead the research is based on the psycholinguistic, advances in neuroscience discoveries about

    the learning of the initial reading, and the principles of the Brazilian Portuguese alphabetic

    system (SCLIAR-CABRAL,2003a, p.50-51), regarding the importance of working the

    phonological conscience in the learning of initial reading. The results show, although the

    subjects in question had demonstrated lack of methodological/theoretical knowledge about the

    importance of phonological conscience in the alphabetization, such initial behavior could be

    eased by the mini course, what points out the importance of discussing more about such

    subject in class. Some issues have to be discussed: (i) the involving factors in the initial

    learning of reading, whose focus be the premise that READING is different from

    LEARNING HOW TO READ ; (ii) the importance of guaranteeing , in the prospective

    semesters, linguistics and metalinguistics knowledge, in terms of phonology and the relation

    between it an the learning of initial reading in the formation of prospective alphabetizer

    teachers.

    Keywords: Phonological conscience. Initial learning of reading. Teacher formation.

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Percentual do nmero de sujeitos que concebem ou a leitura ou a escrita como

    objetos de ensino para crianas de 6 a 8 anos...........................................................................60

    Tabela 2 Resultado numrico das respostas da Questo 1. b) Leitura e Escrita como

    habilidades distintas (ou no): pr e ps-teste. .........................................................................65

    Tabela 3 Resultado numrico das respostas da Questo 1. c) Leitura e Escrita como

    habilidades que se complementam:pr e ps-teste. ..................................................................67

    Tabela 4 - nfase da escola para as habilidades de leitura e escrita.........................................70

    Tabela 5 Diferena entre as atividades de escrever e copiar: pr e ps-teste. ........................72

    Tabela 6 Sons de vogais do portugus do Brasil: pr e ps-teste...........................................74

    Tabela 7 Trabalhar a distino entre sons de vogais e letras de vogais: pr e ps-teste. .......79

    Tabela 8 Resultado da classificao atribuda ao nmero de vogais das palavras estudadas:

    pr-teste. ..................................................................................................................................82

    Tabela 9 Resultado numrico das respostas dos sujeitos sobre as possveis causas dos erros

    de grafia na fase inicial de alfabetizao: pr e ps-teste.........................................................84

    Tabela 10 - Estratgia do sujeito em relao aos diferentes sons do grafema e, no EF de

    nove anos. .................................................................................................................................89

    Tabela 11 Resultado numrico das respostas da questo 9): pr e ps-teste..........................93

    Tabela 12 Resultado numrico das respostas/inferncias dos sujeitos sobre o assunto

    trabalhado no minicurso: pr e ps-teste. .................................................................................95

  • 9

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Valores dos grafemas, independentes do contexto.................................................39

    Quadro 2 Relaes biunvocas entre fonemas e grafemas. ...................................................45

    Quadro 3 - Relaes no-biunvocas entre fonemas e grafemas. .............................................46

    Quadro 4 Valores dos grafemas e e o, em contextos no-tnicos. .................................47

    Quadro 5- Sistema voclico do portugus do Brasil. ...............................................................50

    Quadro 6 Dados de identificao dos sujeitos da pesquisa. ..................................................53

    Quadro 7 Apresentao da questo 1 do instrumento de pesquisa. ......................................59

    Quadro 8 - Apresentao da questo 1. a do instrumento de pesquisa.....................................59

    Quadro 9 Transcrio das respostas sobre o que os sujeitos entendem como ensino de leitura

    para crianas de 6 a 8 anos: pr e ps teste. .............................................................................62

    Quadro 10 Transcrio das respostas sobre o que os sujeitos entendem como ensino da

    escrita para crianas de 6 a 8 anos: pr e ps teste. ..................................................................63

    Quadro 11 - Apresentao da questo 1. b do instrumento de pesquisa. .................................64

    Quadro 12 Transcrio das respostas dos sujeitos da questo 1. b: pr e ps-teste. .............64

    Quadro 13- Apresentao da questo 1. c do instrumento de pesquisa....................................66

    Quadro 14 - Transcrio das respostas dos sujeitos da questo 1. c: pr e ps-teste. ..............66

    Quadro 15 - Apresentao da questo 1. d do instrumento de pesquisa.Erro! Indicador no

    definido.

    Quadro 16 Transcrio das respostas dos sujeitos da questo 1. d: pr e ps-teste. .............69

    Quadro 18- Apresentao da questo 2 do instrumento de pesquisa. ......................................71

    Quadro 19 Transcrio das respostas dos sujeitos da questo 2 (2. 1): pr-teste. .................71

    Quadro 20 Transcrio das respostas dos sujeitos da questo 2 (2. 1): ps-teste..................72

    Quadro 21 Apresentao da questo 3 do instrumento de pesquisa......................................73

    Quadro 22 Transcrio das respostas dos sujeitos da questo 3 (3. 1; 3. 2): pr-teste. .........73

    Quadro 23 Transcrio das respostas dos sujeitos da questo 3 (3. 1; 3. 2): ps-teste. .........74

    Quadro 24 - Apresentao da questo 4 do instrumento de pesquisa. .....................................75

    Quadro 25 Transcrio das respostas dos sujeitos da questo 4: pr-teste.............................76

  • 10

    Quadro 26 Transcrio das respostas dos sujeitos da questo 4 (4.1; 4.2; 4.3; 4.4): ps-teste.

    ..................................................................................................................................................76

    Quadro 27 - Apresentao da questo 5 do instrumento de pesquisa. .....................................77

    Quadro 28 Transcrio das respostas dos sujeitos da questo 5: pr-teste.............................78

    Quadro 29 Transcrio das respostas dos sujeitos da questo 5: ps-teste. ...........................79

    Quadro 30- Apresentao da questo 6 do instrumento de pesquisa. ......................................81

    Quadro 31- Apresentao da questo 7 do instrumento de pesquisa. ......................................83

    Quadro 32 Transcrio das respostas dos sujeitos da questo 7: pr-teste.............................84

    Quadro 33 Transcrio das respostas dos sujeitos da questo 7: ps-teste. ...........................84

    Quadro 34- Apresentao da questo 8 do instrumento de pesquisa. ......................................86

    Quadro 35 Transcrio das respostas dos sujeitos da questo 8 (8. 1): pr-teste. ..................87

    Quadro 36 Transcrio das respostas dos sujeitos da questo 8 (8. 1): ps-teste..................88

    Quadro 37 - Apresentao da questo 9 do instrumento de pesquisa. .....................................91

    Quadro 38 Transcrio das respostas dos sujeitos da questo 9: pr-teste.............................92

    Quadro 39 Transcrio das respostas dos sujeitos da questo 9: ps-teste. ...........................92

    Quadro 40 Apresentao da questo 10 do instrumento de pesquisa....................................94

    Quadro 41 Transcrio das respostas dos sujeitos da questo 10: pr e ps-teste. ...............95

  • 11

    SUMRIO

    1 INTRODUO.................................................................................................................13

    1.1 A IMPORTNCIA DO SISTEMA ESCRITO PARA O LETRAMENTO....................15

    1.2 ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: A ALFABETIZAO NO CICLO DA

    INFNCIA ...............................................................................................................................18

    1.3 OBJETIVOS E ESTRUTURA DA DISSERTAO.....................................................20

    2 FUNDAMENTAO TERICA...................................................................................22

    2.1 LETRAMENTO E ALFABETIZAO.........................................................................22

    2.2 A CONSCINCIA FONOLGICA NA APRENDIZAGEM DA LEITURA................28

    2.3 O PROCESSAMENTO DA LEITURA ..........................................................................34

    2.4 O AVANO DAS NEUROCINCIAS E A APRENDIZAGEM DA LEITURA..........35

    2.5 PRINCPIOS DO SISTEMA ALFABTICO DO PB REFINANDO CONCEITOS..37

    2.6 A NO-BIUNIVOCIDADE NA DESCODIFICAO DE ALGUNS GRAFEMAS...45

    3 METODOLOGIA.............................................................................................................52

    3.1 TPICOS METODOLGICOS .....................................................................................52

    3.1.1 Pesquisa Participativa.................................................................................................52

    3.1.2 Problema ......................................................................................................................52

    3.1.3 Sujeitos .........................................................................................................................53

    3.1.4 Corpus da pesquisa......................................................................................................54

    3.2 PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS............................................................54

    3.3 PROCEDIMENTOS DE ANLISE DO CORPUS ........................................................56

    4 ANLISE E DISCUSSO DOS DADOS.......................................................................57

    4.1 ANLISE E DISCUSSO DA QUESTO 1 ................................................................58

    4.1.1 Anlise e discusso da questo 1. a ............................................................................59

    4.1.2 Anlise e discusso da questo 1 (1. b) pr-teste e ps-teste.................................64

    4.1.3 Anlise e discusso da questo 1 (1. c) pr-teste e ps-teste .................................66

    4.1.4 Anlise e discusso da questo 1 (1. d) pr-teste e ps-teste.................................68

    4.2 ANLISE E DISCUSSO DA QUESTO 2 ................................................................71

    4.3 ANLISE E DISCUSSO DA QUESTO 3 ................................................................73

    4.4 ANLISE E DISCUSSO DA QUESTO 4 ................................................................75

  • 12

    4.5 ANLISE E DISCUSSO DA QUESTO 5 ................................................................77

    4.6 ANLISE E DISCUSSO DA QUESTO 6 ................................................................81

    4.7 ANLISE E DISCUSSO DA QUESTO 7 ................................................................83

    4.8 ANLISE E DISCUSSO DA QUESTO 8 ................................................................86

    4.9 ANLISE E DISCUSSO DA QUESTO 9 ................................................................91

    4.10 ANLISE E DISCUSSO DA QUESTO 10 ..............................................................94

    5 CONSIDERAES FINAIS...........................................................................................98

    REFERNCIAS ...................................................................................................................105

    ANEXOS ...............................................................................................................................108

    ANEXO A INSTRUMENTO DE AVALIAO (PR-TESTE E PS-TESTE).......109

  • 13

    1 INTRODUO

    Dizer que ler muito mais do que descodificar, conforme apontam muitos

    estudiosos, especialmente da rea da educao, implica a inferncia de que ler seja, tambm,

    decodificar: por esta faceta da aprendizagem da leitura que este trabalho vai se firmar. A

    opo por esta natureza de estudo (no nvel mais lingustico) no deve ser interpretada como

    uma viso reducionista de leitura: concebe-se a decodificao como mais um dos nveis de

    leitura. Numa arquitetura neuronal, a decodificao se situaria num nvel mais baixo e o da

    interpretao textual num nvel mais alto (SCLIAR-CABRAL, 2008). Partindo do princpio

    de que ler diferente de aprender a ler, a realizao do presente estudo deu-se como uma

    tentativa de se evidenciar a importncia do papel da instruo (lingustica e psicolingustica)

    nessa fase inicial da aprendizagem da leitura com e para o letramento.

    Ler diferente de aprender a ler. Para Scliar-Cabral (2008), o ato de ler constitui-

    se numa atividade muito complexa, por envolver um conjunto de processos que se do

    paralelamente no nosso crebro. O estudo da leitura pode ser abordado sob diferentes

    perspectivas: epistemolgica, discursiva, cognitiva e, na aprendizagem inicial desta

    habilidade, tambm sob a perspectiva lingustica/metalingustica (instruo sobre fonema,

    grafema, som, letra, etc.). Neste trabalho, nosso foco recai sobre esta ltima perspectiva.

    Outrossim, vale ressaltar que o fato de centrarmos o foco de discusso nos aspectos mais

    lingusticos e psicolingusticos da aprendizagem da leitura, no implica, de forma alguma, que

    releguemos para um segundo plano os problemas mais amplos que envolvem a leitura, como

    os que tratam de aspectos semntico-discursivos, nem tampouco a importncia de se trabalhar

    a motivao para a leitura desde a fase inicial de escolarizao.

    A descrio dos princpios do sistema alfabtico do portugus do Brasil por

    Scliar-Cabral (2003a, p. 19) emerge da convico da autora de que a principal causa dos

    fracos resultados obtidos no ensino-aprendizagem da leitura e da escrita, e que muito vem

    aumentando o ndice de analfabetismo funcional no Brasil, reside na ausncia de uma slida

    fundamentao por parte dos educadores sobre os processos neles envolvidos.

    So muitos estes processos, dentre os quais se ressaltam a descodificao e

    codificao da palavra escrita: neste estudo, vamos abordar especificamente os que dizem

    respeito descodificao no portugus do Brasil. 1

    1 Na pgina 36 estes conceitos so desenvolvidos.

  • 14

    O processo de descodificao implica o reconhecimento das letras e os valores

    atribudos aos grafemas por parte do leitor, para que ele reconhea a palavra escrita, condio

    imprescindvel para chegar compreenso e interpretao do texto escrito. Na codificao, o

    processo inverso: aqui o redator converte os fonemas em grafemas na escrita, e o faz a partir

    de sua variedade sociolingustica. 2 Por isso de fundamental importncia o professor estar

    atento variedade que seu aluno pratica, uma vez que a distncia entre o oral e o escrito ser

    algumas vezes muito grande, cabendo explicaes especficas, pois embora o sistema escrito

    seja um s para todo o territrio brasileiro, a diversidade impera na fala (SCLIAR-CABRAL,

    2003a, p. 124).

    Esta dissertao, portanto, evidencia a importncia do estudo dos princpios do

    sistema alfabtico do portugus do Brasil na formao inicial e continuada de docentes que

    atuam nos anos iniciais do ensino fundamental de nove anos, bem como a importncia de se

    trabalhar a conscincia fonolgica no ciclo da infncia3, para que formem leitores e escritores

    para o letramento, ou seja, para o exerccio pleno da cidadania.

    A alfabetizao, entendida como a aprendizagem inicial da leitura, vem sendo h

    muito objeto de estudo de vrios pesquisadores de diferentes reas do conhecimento. Isso

    porque a alfabetizao, processo complexo e mltiplo, um dos momentos mais esperados de

    toda a sequncia da vida escolar, pois nesse perodo que a criana se lana efetivamente no

    mundo da linguagem escrita.

    Nesta dissertao, trata-se da descrio da realizao de um minicurso a futuros

    alfabetizadores trabalhando a conscincia fonolgica na aprendizagem inicial da leitura

    (SCLIAR-CABRAL, 2007; 2008; 2009), com e para o letramento.

    Tal minicurso constituiu parte integrante dos contedos propostos em uma

    disciplina curricular do 5 semestre de Pedagogia de uma universidade do estado de Santa

    Catarina, e foi ministrado em trs etapas: (i) pr-teste: aplicao de um teste de dez questes

    (questionrio) a 14 sujeitos, com o objetivo de se diagnosticar o conhecimento (dos referidos

    sujeitos) sobre o tema; (ii) interveno docente na aplicao de um minicurso; e (iii) ps-teste:

    reaplicao do mesmo instrumento de avaliao (questionrio) ao trmino do minicurso.

    Os pressupostos terico-metodolgicos norteadores da pesquisa tm como base a

    psicolingustica firmada nos avanos das neurocincias para a aprendizagem inicial da leitura,

    e os princpios do sistema alfabtico do portugus do Brasil (SCLIAR-CABRAL, 2003a, p.

    2 Na pgina 39 estes conceitos so desenvolvidos. 3 Ciclo da infncia compreende o perodo das trs sries iniciais do ensino fundamental de nove anos, e que se

    estendem faixa etria de 6 a 8 anos das crianas, conforme a legislao atual.

  • 15

    50-51), no que diz respeito conscincia fonolgica na aprendizagem inicial da leitura: tais

    princpios tomam como base as lies de Mattoso Camara Jr., a partir dos fundamentos da

    fonologia do portugus.

    O presente trabalho aborda o ensino da lngua em contexto de sala de aula: como

    tal, integra-se ao grupo de pesquisa GADIPE (Grupo de Anlise do Discurso: Pesquisa e

    Ensino), 4 vinculando-se ao projeto Letramento, Ensino e Sociedade, do Programa de Ps-

    Graduao em Cincias da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina. Por sua vez,

    o referido projeto integra-se ao Ler & Ser, prevenindo o analfabetismo funcional5, projeto

    coordenado pela professora emrita Leonor Scliar-Cabral, em parceria interinstitucional,

    UFSC e UNISUL.

    1.1 A IMPORTNCIA DO SISTEMA ESCRITO PARA O LETRAMENTO

    O acesso ao sistema escrito um direito de todos. Esse processo de mediao do

    sujeito constitui uma condio necessria, embora no suficiente, para o pleno exerccio da

    cidadania. A apropriao da linguagem escrita e a prtica da cidadania esto interligadas e

    permitem ao indivduo expressar seus pensamentos, o que pode torn-lo cidado crtico e

    ativo, transformador da realidade.

    O exerccio das prticas sociais do nosso tempo tem, em grande medida, o sistema

    escrito como pressuposto. Ele est a servio das necessidades do homem e tem a propriedade

    de subsidiar boa parte das atividades cotidianas.

    Sabe-se, no entanto, que, no Brasil, no que se refere alfabetizao, a situao

    ainda desanimadora. Segundo os resultados do INAF (2007), na faixa etria dos brasileiros

    de 15 a 64 anos, temos: 7% de analfabetos absolutos; no nvel rudimentar, temos 25%; no

    nvel bsico, temos 40%, e apenas 28% conseguem o nvel pleno. Tais nmeros evidenciam

    que ainda temos um nmero muito elevado de analfabetismo funcional no pas. 6

    4 GADIPE a professora Marilia Reis integra este grupo de pesquisa, coordenado pela professora Maria Marta

    Furlanetto. O GADIPE volta-se, especificamente, para a PE: PESQUISA e ENSINO de lngua. 5 Projeto Ler & Ser, prevenindo o analfabetismo funcional: para maiores informaes, visitar o endereo:

    http://lereser. wordpress. Com. 6 Conforme Projeto Ler & Ser, diminuindo o analfabetismo funcional, sob a coordenao da professora

    Emrita Leonor Scliar-Cabral (2008, p. 4).

  • 16

    De acordo com esses dados, especificamente em relao ao alto ndice de

    analfabetismo funcional, percebe-se que uma grande parte dos brasileiros no tem as

    condies mnimas necessrias ao exerccio pleno da cidadania. Diante de tal realidade,

    necessrio reforar a importncia de um ensino-aprendizagem inovador da leitura e da escrita,

    como condio fundamental de transformao dessa mesma realidade.

    recorrente a queixa, por parte de professores, sobre o baixo desempenho de

    alunos no que diz respeito compreenso em leitura e produo escrita. Esse problema tem

    origem muitas vezes nos anos iniciais de escolarizao e se prolonga at a vida adulta, quando

    estes mesmos alunos ingressam na universidade, por exemplo.

    Especificamente sobre a produo escrita, Heinig (2003b), analisando o contexto

    escolar, contrape duas posturas adotadas por professores frente ao ensino e aprendizagem do

    sistema escrito da lngua portuguesa: a mecanicista e a laissez-faire ou espontanesta. Na

    primeira concepo, existe a crena de que a aprendizagem da ortografia se d atravs de

    estratgias de memorizao, ou seja, criana so apresentadas listas de palavras e frases

    que so lidas, decoradas e servem para o ditado (p. 12). Por sua vez, para fixar a grafia

    correta de uma palavra, isto , de acordo com a norma, a criana deve repeti-la por meio de

    treino ortogrfico, no havendo, portanto, a preocupao em relacionar a aprendizagem do

    sistema escrito com o cotidiano do aprendiz.

    Na segunda concepo, a laissez-faire, a crena a de que a aprendizagem do

    sistema escrito acontece de forma natural e espontnea, em que o aluno, exposto

    repetidamente a materiais escritos, aprende a grafia correta das palavras. A autora assinala

    ainda que, de acordo com esta concepo, no se deve interferir na forma como o aluno

    escreve, preciso respeit-lo, ficando implcito assim um preconceito contra o ensino

    sistemtico da lngua escrita. Disso resulta uma grande incoerncia, pois no se ensina

    ortografia, mas se cobra. Isso facilmente perceptvel quando da produo de textos dos

    alunos, em que a partir dos resultados, a avaliao feita levando-se em conta principalmente

    o seu rendimento ortogrfico.

    Neste sentido, Morais (2007, p. 37) tambm afirma que aprender ortografia no

    um processo passivo, no um simples armazenamento de formas corretas na memria.

    Ainda que a norma ortogrfica seja uma conveno social, o sujeito que aprende a processa

    ativamente. Por isso, nesse processo, o que se faz necessrio realizar uma interveno

    didtica adequada, e no exerccios mecnicos e descontextualizados, que privilegiam a

    memorizao/fixao em detrimento da compreenso dos mecanismos de escrita, a saber: os

    aspectos fonticos, fonolgicos e sintticos. Para tanto, o educador precisa ter conhecimento

  • 17

    sobre as regras de descodificao e codificao do portugus do Brasil, a fim de que possa

    equacionar de forma segura e eficiente as dificuldades que o aprendiz experimenta.

    A criana, ao chegar escola, traz consigo os conhecimentos, crenas, costumes,

    valores e variedades lingusticas adquiridas no meio social em que est inserida. Assim, ao

    escrever, faz a todo instante uma relao entre o que fala e o que ouve, ou seja, ela usa sua

    fala, sua variao sociolingustica como referncia para a escrita. Da que comumente escreve

    da forma como ouve e fala (Ex: mininu, leiti, denti, bolu, ...). neste momento de introduo

    aprendizagem da leitura que o professor tem um papel determinante no processo de

    aprendizagem do aluno, levando-o a compreender a convencionalidade da escrita ortogrfica

    e, principalmente, conscientizando-o de que, muitas vezes, fala-se de uma forma e escreve-se

    de outra.

    A exposio frequente a materiais escritos, inegavelmente, ajuda o aluno a

    conhecer sua lngua materna, mas no suficiente. Cabe ao professor sistematizar o ensino do

    sistema escrito, de maneira a potencializar o educando a refletir, a partir de suas dificuldades,

    sobre a produo escrita, instrumentaliz-lo autocorreo e reviso constante dos prprios

    textos. Essa estratgia, alm de contribuir para o aprendizado da ortografia, propicia ao aluno

    a compreenso de que escrever reescrever, revisar, buscando aperfeioar, ou seja, revemos

    o que escrevemos para nos comunicarmos melhor (MORAIS, 2007, p. 118). Desse modo,

    entendemos que a ao pedaggica mais adequada e produtiva a que contempla, de maneira

    articulada e simultnea, o respeito pelas diferentes variedades sociolingusticas e a

    conscientizao sobre as regras de descodificao e codificao da nossa lngua.

    Nessa direo apontada, Scliar-Cabral (2003a) apresenta uma proposta consistente

    e coerente sobre o ensino-aprendizagem da leitura e da escrita em lngua portuguesa,

    auxiliando os educadores envolvidos com leitura e escrita: para a autora, os que se interessam

    pela compreenso do sistema escrito, por compreend-lo, podero ter uma mediao mais

    eficiente (e significativa) em sala de aula. A autora preconiza que a formao dos educadores

    que atuam no ensino fundamental requer especial ateno, uma vez que carregam a

    responsabilidade de orientar os alunos no domnio do principal instrumento de acesso

    informao e reflexo, que a leitura (por extenso, a escrita). E uma das principais causas

    do insucesso escolar est nas dificuldades que os alunos enfrentam para se tornarem eficientes

    em leitura (SCLIAR-CABRAL, 2003b).

  • 18

    1.2 ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: A ALFABETIZAO NO CICLO

    DA INFNCIA

    Atualmente, no Brasil, a aprendizagem formal da leitura d-se no ciclo da infncia

    do ensino fundamental de nove anos, com a entrada da criana aos seis anos na escola. A

    ampliao do ensino fundamental de oito para nove anos de durao, instituda pela lei n 11.

    274, em 6 de fevereiro de 2006, estabelece a incluso de crianas de seis anos de idade na

    instituio escolar. Um fator importante para a incluso dessas crianas (de seis anos) no

    sistema de ensino deve-se aos resultados de estudos demonstrarem que, quando as crianas

    ingressam na instituio escolar antes dos sete anos de idade, apresentam, em sua maioria,

    resultados superiores em relao quelas que ingressam somente aos sete anos, obtendo,

    inclusive, melhores mdias de proficincia em leitura. (SAEB, 2003 apud MEC, 2007, p. 5-

    6). Assim, o objetivo de um maior nmero de anos de ensino obrigatrio assegurar a todas

    as crianas um tempo mais longo de convvio escolar, maiores oportunidades de aprender e,

    com isso, uma aprendizagem mais ampla. (MEC, 2004, p. 17).

    A Resoluo n 110 CCE/SC de 12/12/2006 estabelece que os trs anos iniciais

    so importantes para a qualidade da Educao Bsica: voltados alfabetizao e ao

    letramento, necessrio que a ao pedaggica assegure, nesse perodo, o desenvolvimento

    das diversas expresses e o aprendizado das reas de conhecimento estabelecidas nas

    Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Dessa forma, entende-se que a

    alfabetizao dar-se- nos trs anos iniciais do ensino fundamental, agora sob a denominao

    de ciclo da infncia. Nesses termos, os professores alfabetizadores passam a dispor de mais

    tempo para trabalharem o ensino da leitura e da escrita para as crianas de 6 a 8 anos.

    O documento Ensino Fundamental de Nove Anos: orientaes para a incluso da

    criana de seis anos de idade, elaborado pelo Ministrio da Educao MEC (2007) postula,

    dentre outras orientaes que, o espao da sala de aula deve ser um espao de formao de

    leitores. Um espao, portanto, com muitas leituras: de livros, jornais, panfletos, msicas,

    poesias e do que mais se tornar significativo, que tenha o professor, leitor experiente que [ou

    deveria ser], como mediador. Reafirma-se neste documento uma grande nfase prtica

    pedaggica que propicie s crianas o acesso e contato intensos com diferentes gneros

    textuais: textos da ordem do narrar, do relatar, de descrever aes, do expor e do

    argumentar, a fim de que elas no s se motivem para ler e escrever como tambm

  • 19

    observem/reflitam sobre as diferentes caractersticas desses textos que circulam socialmente,

    seus estilos, usos e finalidades. Os autores pontuam que esse contato, por si s, no garante

    que as crianas se alfabetizem, ou seja, que se apropriem do Sistema Alfabtico de Escrita.

    necessrio, alm disso, um trabalho sistemtico, centrado tanto nos aspectos funcionais e

    textuais quanto nas correspondncias grafofnicas, isto , nas relaes grafema-fonema7.

    Nessa direo, torna-se importante destacar alguns aspectos relacionados aprendizagem

    inicial da leitura contemplados no referido documento, que corroboram com o que se defende

    neste trabalho.

    Para o MEC (2007), [. . .] a escrita possui relao com a pauta sonora. Essa

    uma descoberta que nem sempre realizada espontaneamente, razo pela qual se torna

    imprescindvel (p. 78) ajudar o educando a descobrir os princpios que regem tal relao: a

    relao grafema-fonema. Para tanto, preciso lev-lo a compreender que os grafemas

    substituem/representam algo: os segmentos sonoros mnimos que chamamos de fonemas. Aos

    poucos, a criana dever entender, por exemplo, que: CA no pode ser o mesmo que AC, que

    a ordem muda as coisas quando lemos e/ou escrevemos; o grafema c representa algo (os

    fonemas /k/ ou /s/), independente de c aparecer manuscrito [c] ou em outro formato

    autorizado para ser c [c]; o CA de casa igual ao CA de cavalo, porque as palavras orais

    /kaza/ e /kavalu/ comeam parecido, quando falamos, embora se refiram a coisas bem

    diferentes do mundo real; em toda slaba de nossa lngua, ou seja, em cada parte pronunciada

    de uma palavra h sempre uma vogal. (MORAIS 2005 apud MEC, 2007, p. 79).

    Finalizando, Leal, Albuquerque e Rios (2005 apud MEC, 2007, p 80-81) citam

    algumas brincadeiras que fazem parte da nossa cultura e envolvem a linguagem, que podem

    ajudar no processo de alfabetizao, que podem auxiliar os alfabetizandos na automatizao

    dos valores dos grafemas: cantar msicas e cantigas de roda, recitar parlendas, poemas,

    quadrinhas, adivinhas, jogo da forca, entre outras. As autoras ressaltam que os jogos

    fonolgicos aqueles que dirigem a ateno da criana para as semelhanas e diferenas

    sonoras entre as palavras podem ser poderosos aliados dos professores no ensino da leitura.

    No caso da apropriao do sistema alfabtico, tais jogos possibilitam criana manipular as

    unidades sonoras/grficas (palavras, slabas, palavras), a comparar palavras ou partes delas

    [....], a usar pistas para ler e escrever outras palavras, avanando, dessa forma, na

    aprendizagem inicial da leitura.

    7 No documento citado, as palavras so respectivamente: letra-som.

  • 20

    1.3 OBJETIVOS E ESTRUTURA DA DISSERTAO

    O objetivo geral desta pesquisa consiste em avaliar a influncia de um minicurso a

    futuros alfabetizadores trabalhando a conscincia fonolgica, com base nos princpios do

    sistema alfabtico do portugus do Brasil (SCLIAR-CABRAL, 2003a; b), com e para o

    letramento. Alm desse, um objetivo especfico foi focado: evidenciar possveis contradies

    ontolgicas comumente encontradas nos materiais didticos adotados na aprendizagem inicial

    da leitura, a saber: (i) entre o conceito de alfabetizao e o conceito de letramento, mesmo

    depois da adoo do ensino fundamental de nove anos; (ii) entre a relao grafemas e fonemas

    do portugus do Brasil8. Em relao a este ltimo, partiu-se do seguinte questionamento: teria

    o sistema alfabtico do portugus apenas cinco vogais? Na maioria dos manuais didticos

    sobre a aprendizagem da leitura, sim. Entretanto, com base nos princpios do nosso sistema

    alfabtico, a criana chega escola com o conhecimento intuitivo muito maior que o das

    cinco letras que representam os fonemas voclicos: sete fonemas voclicos orais, mais cinco

    fonemas voclicos nasais, o que no coincide, de forma alguma, com a equivocada

    classificao tradicional de apenas cinco vogais. Da a grande contradio ontolgica que

    impera nesta fase inicial do ensino-aprendizagem da lngua portuguesa que, uma vez no bem

    resolvida, contribuir, certamente, para a ampliao dos ndices de analfabetos funcionais no

    pas.

    Em termos de sua organizao, o trabalho traz, alm deste captulo, outros quatro.

    No segundo captulo, est o referencial terico que enfoca, inicialmente, consideraes sobre

    os conceitos de alfabetizao e letramento, evidenciando a importncia em se distinguir

    alfabetizao e letramento, e a especificidade de ambos os processos. Na sequncia, abordam-

    se a conscincia fonolgica na aprendizagem inicial da leitura, com base nos resultados das

    pesquisas das neurocincias e os processos envolvidos no processamento da leitura.

    Apresentam-se ainda os princpios do sistema alfabtico do portugus do Brasil, quando

    tambm se discute sua importncia na compreenso de como acontece o processo de

    decodificao, quais os contextos e regras envolvidos. Discutem-se tambm as

    correspondncias biunvocas e no-biunvocas entre grafemas e fonemas. Sabemos que tais

    8 Conforme Scliar-Cabral (2009, p. 35), lembramos que todo o falante-ouvinte nativo, alfabetizado ou no, tem

    conhecimento no-consciente [conhecimento intuitivo] dos fonemas e os utiliza com propriedade; quando escuta ou fala, sabe a diferena entre /ba.la/ e /ma.la/. J o conhecimento consciente dos fonemas [foco da presente pesquisa] se desenvolve com a aprendizagem do sistema alfabtico da respectiva lngua.

  • 21

    relaes nem sempre se realizam da forma esperada, em que cada grafema venha

    corresponder a um fonema e cada fonema a um grafema.

    O terceiro captulo descreve a metodologia adotada na pesquisa, explicitando tipo

    de pesquisa, sujeitos, instrumento de coleta de dados e sua forma de aplicao e anlise. No

    quarto captulo, so apresentados os dados para anlise e discusso, o que foi feito

    considerando-se as respostas dos sujeitos ao pr-teste e ps-teste. Por fim, so apresentadas as

    consideraes finais, enfatizando os aspectos mais relevantes da dissertao. Em anexo,

    encontra-se o instrumento de coleta de dados elaborado para a pesquisa (um questionrio de

    dez questes), enfocando a conscincia fonolgica na alfabetizao.

  • 22

    2 FUNDAMENTAO TERICA

    2.1 LETRAMENTO E ALFABETIZAO

    No presente estudo, aborda-se a alfabetizao com e para o letramento. Tem-se,

    portanto, a compreenso da necessidade de aprendizagem do cdigo escrito como objetivo

    maior no s da alfabetizao por si s, mas da alfabetizao para o exerccio pleno de

    cidadania, iniciado ainda nos primeiros anos da escolarizao do ensino fundamental, uma

    vez que ela [a escrita] condiciona a aquisio de informao na nossa sociedade e

    compreende a aquisio de conhecimentos e habilidades matemticas e cientficas (MORAIS

    et al, 2004, p. 53), o que justifica firmarmos o que estamos denominando de alfabetizao

    com e para o letramento.

    significativo que a palavra letramento cause certa estranheza, pois no Brasil, foi

    dicionarizada recentemente. O surgimento desse termo teve origem na verso para o

    Portugus, da palavra de lngua inglesa literacy. O ingls literacy vem do latim littera, que

    significa letra e, o sufixo cy denota condio ou estado de ser. Ou ainda, conforme Soares

    (2004, p. 18), letra- do latim littera, e o sufixo -mento, que denota o resultado de uma ao

    (como, por exemplo, em ferimento, resultado da ao de ferir).

    O termo letramento foi criado quando se passou a entender que nas sociedades

    contemporneas, isto , nas sociedades regidas pelo desenvolvimento tecnolgico e cientfico,

    insuficiente o aprendizado das primeiras letras. Para viver e trabalhar em uma sociedade

    urbanizada e informatizada, se faz necessrio um domnio cada vez maior da leitura e da

    escrita. Este domnio configura-se, hoje, condio fundamental para o pleno exerccio da

    cidadania. Como bem observa Soares (2004), para atender adequadamente as exigncias dessa

    sociedade, no basta o sujeito aprender a ler e escrever, mas se apropriar verdadeiramente da

    escrita nas prticas sociais que a envolvem.

    A autora adverte, entretanto, que se apropriar da escrita diferente de ter

    aprendido a ler e escrever, uma vez que, aprender a ler e escrever significa adquirir uma

  • 23

    tecnologia, a de decodificar a lngua escrita; apropriar-se da escrita , antes, tornar a escrita

    prpria, assumindo-a como sua propriedade. Um exemplo disso quando o sujeito, mesmo

    no sabendo ler e escrever, no sendo alfabetizado, faz uso da contribuio que a escrita

    impe em seu meio social: quando vai a um estabelecimento comercial e solicita o carn

    para efetuar o pagamento de suas contas; quando, ao passar no caixa do supermercado, exige

    o cupom fiscal dos produtos comprados; quando pede a algum que lhe leia a bula de remdio

    e/ou o manual de instruo de um eletrodomstico; quando sabe discernir o nibus apropriado

    para sua rota, enfim, muitas outras prticas poderiam ser citadas.

    importante dizer que no h uma questo fechada acerca do que seja o

    letramento, o que existe so diferentes posies tericas adotadas por autores que estudam o

    fenmeno. Tfouni (2002) assinala que existe at mesmo uma polissemia relacionada a este

    termo, tornando a sua conceituao ainda mais complexa.

    Costa Val (apud CARVALHO; MENDONA, 2006), define letramento como

    sendo um processo de insero e participao na cultura escrita, que tem incio bem cedo e se

    prolonga por toda a vida. Exemplifica, dizendo que este processo inicia quando a criana,

    imersa que est na sociedade letrada, comea a conviver com as diferentes manifestaes da

    escrita seja visualizando placas, rtulos, embalagens comerciais, folheando revistas etc. . .

    Para Matncio (apud KLEIMAN 2003, p. 242), letramento a construo de

    sentidos pelos sujeitos permeado por suas prticas sociais, culturais e discursivas.

    Complementando, Rojo (1998, p. 181-182) afirma que O letramento adquire mltiplas

    funes e significados, dependo do contexto em que ele desenvolvido [. . .] est presente

    tambm na oralidade. Nas palavras de Marcuschi (apud SANTOS, 2004, p. 120), letramento

    um processo de aprendizagem social e histrica da leitura e da escrita em contextos

    informais e para usos utilitrios, por isso um conjunto de prticas, ou seja, letramentos [...]

    Distribui-se em graus de domnios que vo de um patamar mnimo a um mximo.

    Retomando a perspectiva de Soares (2004, p. 44), letramento o estado ou

    condio de quem se envolve nas numerosas e variadas prticas sociais de leitura e de

    escrita. Chamemos a ateno para as palavras: estado e/ou condio. O sujeito alfabetizado,

    que sabe ler e escrever e que faz uso socialmente da leitura e da escrita, isto , que se envolve

    nas prticas sociais de leitura e de escrita, muda seu estado, seu modo de viver na sociedade.

    Disso decorre que, ao tornar-se letrado, torna-se diferente sob vrios aspectos: social, cultural,

    cognitivo, lingustico, entre outros; passa, inclusive, a pensar de maneira diferente de uma

    pessoa no-alfabetizada ou iletrada, por exemplo. (SOARES, 2004).

  • 24

    Ainda seguindo Soares (2004), h que se identificar no conceito de letramento as

    dimenses social e individual. Na dimenso individual, o letramento visto como um atributo

    pessoal, em que so evidenciadas as habilidades individuais presentes na leitura e na escrita,

    envolvendo desde a habilidade de codificao e decodificao de palavras at a capacidade

    de compreender textos escritos. Nesta perspectiva, a leitura e a escrita so tidas como

    habilidades igualmente lingusticas e psicolgicas, mas que envolvem processos distintos.

    Enquanto as habilidades de leitura estendem-se da habilidade de decodificar palavras escritas capacidade de integrar informaes provenientes de diferentes textos, as habilidades de escrita estendem-se da habilidade de registrar unidades de som at a capacidade de transmitir significado de forma adequada a um leitor potencial (SOARES, 2004, p. 69).

    Contudo, a autora assinala que, apesar das diferenas essas categorias no se

    opem, antes, se complementam. Acrescente-se a isso o fato de que as habilidades e

    conhecimentos empregados na leitura e na escrita podem ser aplicados diferenciadamente

    produo de uma variedade de gneros de escrita, dificultando assim a formulao de uma

    definio precisa/consistente de letramento. Essa impreciso conduz a uma questo ainda

    mais problemtica: o que caracterizaria um sujeito letrado e um sujeito iletrado?

    Considerando-se a heterogeneidade presente em cada um dos constituintes do

    letramento, a leitura e a escrita, possvel afirmar que pelo vis da dimenso individual fica

    difcil se ter resposta pergunta acima. Segundo Soares (2004, p. 70), As competncias que

    constituem o letramento so distribudas de maneira contnua, cada ponto ao longo desse

    contnuo indicando diversos tipos e nveis de habilidades, [...] o que consequentemente

    implica uma outra questo: que ponto desse contnuo define uma pessoa como letrada? E a

    decididamente se impe uma nova pergunta, para a qual tambm no temos resposta: que

    qualidades e/ou atributos so inerentes ao indivduo para que seja considerado letrado? Scliar-

    Cabral (2009, p. 10) esclarece que No existe uma oposio entre letrado e iletrado e sim,

    graus de letramento, desde aquele que no consegue reconhecer a palavra escrita at aquele

    com a competncia para compreender e redigir os textos de complexidade maior que circulam

    socialmente.

    As questes levantadas evidenciam a relativizao do fenmeno do letramento,

    uma vez que, para definir sujeitos letrados de iletrados, se faz necessria uma definio do

    conceito de letramento com o qual se articula, ou seja, o que se conta como letramento na

    sociedade moderna num contexto social especfico. Se nos reportarmos a definies de

    letrado e iletrado apresentadas pela UNESCO em 1958, por exemplo, e a compararmos com a

  • 25

    definio de letrado funcional da UNESCO (2007), veremos que as atividades sociais que

    envolvem a lngua escrita variam no tempo e no espao, segundo as necessidades de

    determinado momento histrico e de determinado estgio de desenvolvimento da sociedade,

    no tendo, portanto, uma essncia esttica e nem universal. Vejamos:

    letrada a pessoa que consegue tanto ler quanto escrever com compreenso uma frase simples e curta sobre sua vida cotidiana. iletrada a pessoa que no consegue ler nem escrever com compreenso uma frase simples e curta sobre sua vida cotidiana (UNESCO, 1958 apud SOARES, 2004, p. 71). funcionalmente letrada a pessoa que puder engajar-se em todas as atividades nas quais o letramento for condio para o desempenho efetivo no seu grupo e comunidade e tambm para permitir-lhe que continue a utilizar a leitura, a escrita e o clculo para o seu prprio desenvolvimento e o de sua comunidade (UNESCO, 2007 apud SCLIAR-CABRAL, 2009, p. 10).

    Cabe mencionar ainda outra definio: [. . .] ser letrado entender, usar e refletir

    sobre textos escritos, a fim de alcanar as prprias metas para desenvolver o conhecimento e

    as potencialidades e participar na sociedade (PISA, OCDE, 2003, trad. SCLIAR-CABRAL,

    2009, p. 10).

    Na perspectiva da dimenso social, que privilegiaremos, o letramento

    [...] no um atributo unicamente ou essencialmente pessoal, mas , sobretudo, uma prtica social: letramento o que as pessoas fazem com as habilidades de leitura e de escrita, em um contexto especfico, e como essas habilidades se relacionam com as necessidades, valores e prticas sociais. Em outras palavras, letramento no pura e simplesmente um conjunto de habilidades individuais; o conjunto de prticas sociais ligadas leitura e escrita em que os indivduos se envolvem em seu contexto social (SOARES, 2004, p. 72).

    Finalizando, a perspectiva apontada nos remete ao que diz Scliar-Cabral (2009)

    sobre a alfabetizao como sendo o passo necessrio e indispensvel para o letramento e a

    decodificao como meio para o letramento. Para essa autora A alfabetizao necessria

    para o indivduo atingir um nvel de letramento que lhe permita a insero na sociedade,

    compreendendo e sabendo redigir os textos indispensveis para exercer a cidadania e para

    competir no mercado de trabalho (p. 16). Ressalta ainda que

    Uma boa alfabetizao permite ao indivduo automatizar o reconhecimento das letras, os valores dos grafemas associados aos fonemas. Sem esta automatizao, o indivduo tropear diante de palavras novas e no ler com fluncia, no compreender os enunciados, o texto. Somente uma leitura fluente far com que o indivduo leia com prazer, o que permitir a ampliao e o aprofundamento dos esquemas cognitivos, ou seja, de seu conhecimento, com a construo de sentidos adequados e inferncias (SCLIAR-CABRAL, 2009, p. 16).

  • 26

    Nessa direo, entende-se uma boa alfabetizao como sendo aquela que

    contempla a especificidade e, ao mesmo tempo, a indissociabilidade de ambos os processos

    alfabetizao e letramento. Da uma proposta de alfabetizao com e para o letramento, a

    qual releva, como j enfatizamos, estratgias de ensino-aprendizagem que desenvolvam a

    conscincia fonolgica do educando, a partir da decodificao de palavras inseridas em

    textos da prtica social de leitura e escrita do aprendiz (REIS, 2008). A esse respeito, Soares

    (2004), em seu artigo Letramento e alfabetizao: as muitas facetas faz uma retomada

    [necessria] dos conceitos de alfabetizao e letramento, buscando identificar a evoluo

    desses conceitos ao longo das duas ltimas dcadas, em um movimento que prope chamar de

    reinveno da alfabetizao, visto que, diferentemente do que acontece em outros pases, h

    uma tendncia na literatura especializada tanto na rea das cincias lingusticas quanto na

    rea da educao no Brasil em aproximar [ainda que propondo diferenas] alfabetizao e

    letramento, o que tem levado a uma inadequada e inconveniente fuso dos dois processos,

    com prevalncia do conceito de letramento sobre o conceito de alfabetizao, que tem

    conduzido, por sua vez, a um apagamento da alfabetizao, apagamento esse que a autora

    denomina, talvez com algum exagero, como ela mesma diz, desinveno da alfabetizao.

    Segundo Soares (2004, p. 8-9), o neologismo desinveno pretende nomear a

    progressiva perda da especificidade do processo de alfabetizao, [. . .] que fator explicativo

    evidentemente no o nico, mas talvez um dos mais relevantes do atual fracasso na

    aprendizagem inicial da leitura nas escolas brasileiras. Dentre outras causas para essa perda de

    especificidade, a autora aponta a mudana conceitual que se difundiu no Brasil a partir de

    meados dos anos de 1980, derivada dos estudos sobre a psicognese da lngua escrita, de

    Emlia Ferreiro e Ana Teberosky (1985). Importa esclarecer que Soares no nega a

    incontestvel contribuio da concepo construtivista na rea da alfabetizao, uma vez que

    possibilita a compreenso da trajetria que a criana faz em direo descoberta da escrita,

    porm, ressalta que o paradigma conceitual construtivista conduziu a alguns equvocos e

    falsas inferncias, no que diz respeito aprendizagem da leitura, pois, privilegiando a faceta

    psicolgica da alfabetizao (p. 11), obscureceu sua faceta lingustica fontica e

    fonolgica.

    Soares destaca ainda e fundamentalmente entre os equvocos e falsas inferncias,

    o tambm falso pressuposto, decorrente deles e delas, de que apenas atravs do convvio

    intenso com o material escrito que circula nas prticas sociais, ou seja, do convvio com a

    cultura escrita, a criana se alfabetiza (SOARES, 2004, p. 11). Da que afirme que a

    alfabetizao, enquanto processo de aprendizagem do sistema convencional de uma escrita

  • 27

    alfabtica e ortogrfica foi, de certa forma, obscurecida pelo letramento, tendo este

    frequentemente prevalecido sobre aquela. Em suma, a proposta construtivista de alfabetizao

    no Brasil, semelhana da Whole language9 nos Estados Unidos, considera que as relaes

    entre o sistema fonolgico e os sistemas alfabtico e ortogrfico da nossa lngua, no

    constituem propriamente objeto de ensino, pois sua aprendizagem deve ser incidental,

    implcita, assistemtica (p. 14) sob o pressuposto, conforme j foi dito, de que a criana

    capaz de descobrir por si mesma as relaes grafema-fonema, em sua interao com material

    escrito e por meio de experincias com prticas de leitura e escrita (SOARES, 2004, p. 14).

    Nesse contexto, ento, h que se perguntar: ocorreria a algum a possibilidade de

    se alfabetizar, de APRENDER A LER sem a aprendizagem das relaes grafema-fonema,

    isto , das relaes entre o sistema fonolgico e os sistemas alfabtico e ortogrfico de sua

    lngua? Qual seria a especificidade da alfabetizao e do letramento? No que precisamente

    consiste a reinveno da alfabetizao proposta por Soares?

    A exposio frequente a materiais escritos que circulam socialmente,

    inegavelmente, ajuda o aluno a conhecer sua lngua materna, a motiv-lo para a leitura, mas,

    em se tratando de alfabetizao, isso insuficiente. Para que a criana efetivamente se

    alfabetize, APRENDA A LER, preciso que haja um ensino intencional, sistemtico e

    intensivo das relaes grafema-fonema, a fim de que ela [a criana] possa compreender,

    dominar e refletir sobre tais relaes, atingindo dessa forma a essncia no o objetivo da

    aprendizagem da leitura: a decodificao. Reconhecer (ou identificar) palavras a primeira e

    mais importante tarefa a nica tarefa especfica ao processo de aprender a ler (BRASIL,

    2003, p. 22).

    Alfabetizao e letramento so processos de natureza diversa, que envolvem [...]

    conhecimentos, habilidades e competncias especficos, que implicam formas de

    aprendizagem diferenciadas e, consequentemente, procedimentos diferenciados de ensino

    (SOARES, 2004, p. 15). Assim, a especificidade da alfabetizao implica o desenvolvimento

    da conscincia fonmica e o ensino explcito, direto e sistemtico das correspondncias

    grafema-fonema; a aprendizagem das relaes entre o sistema fonolgico, alfabtico e

    ortogrfico. J a especificidade do letramento implica o desenvolvimento de habilidades de

    uso [do sistema convencional de escrita] em atividades de leitura e escrita, nas prticas sociais

    que envolvem a lngua escrita; [. . .] a imerso das crianas na cultura escrita, participao

    9 Movimento que se difundiu nos Estados Unidos nos anos de 1970, sob a liderana de Kenneth Goodman, que,

    entre ns, no Brasil, chegou pela via da alfabetizao com o chamado construtivismo no quadro desta

  • 28

    em experincias variadas de leitura e escrita, conhecimento e interao com diferentes

    gneros de material escrito (SOARES, 2004, p. 15).

    Isso posto, percebe-se que alfabetizao e letramento tm diferentes facetas,

    embora designem processos distintos, so interdependentes e indissociveis uma no deve

    se sobrepor outra, e sim, integrar-se no ensino-aprendizagem da leitura, cada qual com a sua

    necessria e importante especificidade.

    Finalizando, a reinveno da alfabetizao proposta por Soares (2004) vem ao

    encontro do que se defende neste trabalho: a faceta fnica da alfabetizao, a especificidade

    da alfabetizao, que implica o ensino intencional, sistemtico e intensivo das relaes

    grafema-fonema, isto , a decodificao, e relaes fonolgico-grafmicas, isto , a

    codificao. No entanto, preciso esclarecer, tal como Soares, que defender a especificidade

    do processo de alfabetizao no significa dissoci-lo do processo de letramento (p. 11),

    como j assinalamos anteriormente, mas, antes, recuperar uma faceta fundamental deste

    processo: a decodificao.

    Reinventar a alfabetizao, portanto, significa romper com alguns paradigmas

    conceituais anteriores responsveis em grande parte pelos altos ndices de reprovao e

    repetncia na etapa inicial do ensino fundamental - que, ou se concentram na excessiva

    especificidade da alfabetizao, ou seja, na exclusividade atribuda a apenas uma das facetas

    da alfabetizao, ou, em lugar de fugir a essa excessiva especificidade, apagam a necessria

    especificidade da aprendizagem inicial da leitura: a decodificao. Da a importncia em se

    distinguir alfabetizao de letramento. Este ltimo [. . .] s se pode desenvolver no contexto

    da e por meio da aprendizagem das relaes grafema-fonema, isto , em dependncia da

    alfabetizao (SOARES, 2004, p. 14).

    2.2 A CONSCINCIA FONOLGICA NA APRENDIZAGEM DA LEITURA

    A alfabetizao, entendida como a aprendizagem inicial da leitura, vem sendo h

    muito objeto de estudo de vrios pesquisadores, de diferentes reas do conhecimento. Isso

    porque a alfabetizao, processo complexo e mltiplo, um dos momentos mais importantes

    concepo as relaes grafema-fonema no constituem objeto de ensino direto e explcito, pois sua aprendizagem decorreria de forma natural da interao com a lngua escrita (SOARES, 2004, p. 12).

  • 29

    de toda a sequncia da vida escolar. nesse perodo que a criana se lana efetivamente no

    mundo da linguagem escrita. E ainda que diferentes teorias de aprendizagem se proponham a

    explicar como a criana aprende, seja pelo vis do estmulo-resposta (behaviorismo),

    construtivismo e/ou do sociointeracionismo, nem sempre explicam por que alguns alunos

    aprendem mais rapidamente que outros. Isso desperta, inevitavelmente, dvidas cada vez mais

    frequentes nos professores envolvidos com a to importante e difcil tarefa de alfabetizar.

    Ressalte-se, entretanto, que no objetivo, nesta seo, discorrer sobre tais teorias, nem

    discutir mtodos e tcnicas de alfabetizao que se aproximam mais ou menos daquelas

    correntes tericas. Pretende-se apenas discutir sobre o desenvolvimento da conscincia

    fonolgica como facilitador da aprendizagem da leitura e da escrita pela criana.

    Scliar-Cabral (2009, p. 33-34) aborda a conscincia fonolgica como um dos

    fundamentos das dificuldades que o alfabetizando enfrenta, alm da dificuldade que trata do

    desmembramento da slaba:

    Antes de se alfabetizar, o indivduo percebe a cadeia da fala como um contnuo: no h pausas entre as palavras, como os espaos em branco que as separam na escrita, nem contrastes entre os sons que constituem as slabas: no s as pistas acsticas que definem uma consoante e uma vogal adjacentes so interdependentes, como tambm seus respectivos gestos na fonao, em virtude da co-articulao.

    Definimos conscincia fonolgica, conforme Scliar-Cabral (2009, p. 35):

    A conscincia fonolgica insere-se na conscincia metalingustica. Elas decorrem da capacidade de o ser humano poder se debruar sobre um objeto, no caso, a lngua, de forma consciente, utilizando uma linguagem. No caso da conscincia fonolgica, o objeto sobre o qual voc se debrua conscientemente so os fonemas, e a linguagem utilizada o alfabeto. Uma primeira distino a fazer entre conhecimento no consciente dos fonemas para o uso e o seu conhecimento consciente dos fonemas. Todo o falante-ouvinte nativo, alfabetizado ou no, tem conhecimento no consciente dos fonemas e os utiliza com propriedade: quando escuta ou quando fala, sabe a diferena entre /bala/ e /mala/. J o conhecimento consciente dos fonemas se desenvolve com a aprendizagem do sistema alfabtico da respectiva lngua.

    A autora, em Conscincia fonolgica e os princpios do sistema alfabtico do

    portugus do Brasil, levanta duas perguntas imprescindveis para uma melhor compreenso

    de conscincia fonolgica: O que um fonema? e Por que o fonema no som?.

    Vejamos a primeira:

    O que um fonema? Muitos confundem fonema com som. No entanto, a definio clssica de fonema, estabelecida pelo linguista R. Jakobson, : O fonema um feixe de traos distintivos. O fonema tem uma funo distintiva, isto , serve para distinguir um significado bsico de outro, como j no citado exemplo de /bala/ e

  • 30

    /mala/. Veja bem, o fonema no tem significado: serve para distinguir significados. Quer dizer que /b/ e /m/ no significam nada, mas trocando um pelo outro no contexto /_ala/, o significado se altera (2009, p. 35).

    E a segunda pergunta a seguinte:

    Por que o fonema no som? Porque o fonema uma unidade psquica: assim como no se pode colocar uma cadeira dentro da cabea, as molculas de ar que se comprimem e se rarefazem para produzir as ondas acsticas tambm no podem entrar em dentro da cabea. [....] O fonema um feixe de traos invariantes, de natureza abstrata, que so reconhecidos por sua funo de distinguir significados, permitindo que as pessoas se comuniquem atravs da lngua verbal oral. No importa como as pessoas pronunciem o terceiro seguimento que aparece na palavra carta [r], pois o som que o carioca produz s tem de parecido com o que um gacho de Bag diz no fato de ambos serem consoantes, e s! Mas o fonema o mesmo! (2009, p. 35).

    Para Scliar-Cabral, a conscincia fonmica ou habilidade de perceber as unidades

    mnimas da fala (os fonemas), considerada por muitos autores como sendo capaz de predizer

    o sucesso na alfabetizao, motivo pelo qual vm se difundindo no Brasil materiais e prticas

    pedaggicas tanto no meio educacional, especificamente na pr-escola e em classes de

    alfabetizao, quanto em clnicas fonoaudiolgicas para o desenvolvimento de tal habilidade.

    Confirmando o pressuposto, Micbride-Chang (1995 apud SCLIAR-CABRAL, 2003a, p. 50)

    assevera que a conscincia fonmica est entre os mais poderosos prenunciadores de uma

    subsequente capacidade para a leitura de palavras longitudinais. Pesquisadores do

    Laboratrio de Psicologia Experimental da Universidade Livre de Bruxelas, tambm

    referenciados pela autora, acreditam categoricamente, porm, com base em experimentos

    realizados, em que a relao entre a aquisio da conscincia fonmica sobre o fonema e a

    aquisio do letramento alfabtico o de causalidade recproca. (MORAIS; MOUSTY;

    KOLINSKI, 1998, apud SCLIAR-CABRAL, 2003a, p. 51).

    Nessa mesma direo, os autores do relatrio brasileiro sobre a Alfabetizao

    Infantil: Os Novos Caminhos, encomendado pela Comisso de Educao e Cultura dos

    Deputados em 2003, apontam a conscincia fonolgica como sendo a chave para a

    compreenso do princpio alfabtico, isto , de que os grafemas representam fonemas.

    Ressaltam ainda que a conscincia fonolgica o mais importante preditor de sucesso em

    leitura, que esta habilidade [de prestar ateno s unidades mnimas de sons da fala] ajuda a

    criana a entender a lgica da decodificao e que, portanto, deve situar-se na base de

    qualquer programa de alfabetizao (BRASIL, 2003, p. 37).

  • 31

    Do exposto, papel ento do educador, - e aqui no se fala s do alfabetizador,

    mas tambm aqueles que atuam com pr-escolares - criar estratgias de ensino-aprendizagem

    que propiciem o desenvolvimento da conscincia fonolgica.

    Como exemplo de aplicao pedaggica, Scliar-Cabral (2003b, p. 40-41) sugere

    que se demonstre ao educando que as palavras so formadas por pedacinhos representados

    por letras. Mudando uma pela outra, muda o significado. O professor pode, ento, escrever

    na lousa a palavra vela ou mela. medida que for escrevendo cada letra, deve pronunciar

    o som do fonema que ela representa: /v/, //, /l/, /a/ a fim de que a criana reconhea a

    diferena de valores dos grafemas. Outra possibilidade: usando fichas, pode pedir s crianas

    para formarem essa mesma palavra sobre sua carteira. Depois, pedir a elas que substituam a

    primeira letra por p, b, t, d, s, n, e fazer um jogo para ver quem consegue formar mais

    palavras. Em seguida, solicitar a leitura das palavras produzidas pelo aluno, com as quais

    formar uma frase. Outra sugesto gravar uma fita com a fala das crianas. Aps grav-las,

    o professor pode examinar as gravaes em sala de aula, e pedir que ouam/observem como

    cada um tem o seu jeito prprio de falar, que deve ser respeitado. Esse tambm o momento

    de professor e aluno fazerem a ponte entre a fala e a escrita, de compreenderem como j foi

    dito, que apesar das variaes na fala, no escrevemos do mesmo jeito que falamos.

    Esta mesma estratgia, seguida do registro e anlise na lousa de uma das falas das

    crianas, possibilita refazerem a percepo que elas tm da cadeia da fala, como j o dissemos

    anteriormente, ou seja, possibilita refazerem a percepo daquilo que elas reconhecem como

    um continuum, um bolol, que precisa ser segmentado, isto , dividido em pedacinhos

    menores, as palavras, e estas em pedacinhos menores ainda (no possvel falar em fonemas

    para uma criana pequena) que so representados por uma ou duas letras (SCLIAR-

    CABRAL, 2003b, p. 39-40).

    neste cenrio que entram as descobertas das pesquisas de ponta no assunto,

    realizadas pelas neurocincias e pela psicolingustica, que possibilitam compreender os

    processos mentais que ocorrem ao se aprender a ler e a escrever: nelas todas, foi constatado o

    ganho cognitivo para o alfabetizando, quando se aborda a conscincia fonolgica na sua

    aprendizagem inicial da leitura. Pautada nas principais concluses de tais pesquisas, Scliar-

    Cabral (2008) chama a ateno para a necessidade de repensarmos os mtodos de

    alfabetizao e o ensino-aprendizagem da leitura e da escrita, a fim de prevenirmos o

    analfabetismo funcional no Brasil.

    Estratgias de ensino-aprendizagem que desenvolvem a conscincia fonolgica

    no constituem em si um mtodo, conforme exemplificamos anteriormente, embora se

  • 32

    assemelhem aos mtodos fnicos de alfabetizao, uma vez que dirigem a ateno da criana

    para a dimenso sonora da lngua, ou seja, das relaes grafema-fonema. Na conscincia

    fonolgica, trabalha-se a percepo do valor de cada grafema, e qual a representao do som

    de cada grafema numa dada palavra, num dado contexto.

    O que aqui se defende a faceta fnica da alfabetizao, a especificidade da

    alfabetizao, que implica o ensino intencional, sistemtico e intensivo das relaes grafema-

    fonema, isto , a decodificao grafofonolgica. A razo primordial que fundamenta a fnica

    que a base dos sistemas alfabticos, ou seja, os grafemas (formados por uma ou mais letras)

    representam um fonema (classe de sons com funo de distinguir significados) (SCLIAR-

    CABRAL, 2009, p. 15).

    Nossa preocupao, portanto, reside no processo de aprender a ler para que o

    alfabetizando possa consequentemente compreender, alcanando dessa forma o objetivo

    central da leitura. E aqui chegamos exatamente no ponto em que a abordagem fnica

    criticada, especialmente no Brasil.

    lie Bajard (2006), em seu artigo Nova embalagem, mercadoria antiga, questiona

    dois textos representativos da abordagem fnica: o relatrio entregue Cmara dos

    Deputados do Brasil e um texto do Observatoire National de la Lecture (ONL), instituio

    referenciada no relatrio. Segundo o autor, os textos analisados expressam uma dicotomia

    entre decodificao e compreenso, ou seja, h uma necessidade de extrair a pronncia antes

    do sentido, de decodificar a palavra antes de compreend-la, de dominar o sistema alfabtico

    antes de atingir a compreenso, relegando, desse modo, a construo de sentido/significado a

    uma fase posterior, j que a essncia da leitura se centra na decifrao do cdigo, segundo a

    interpretao que Bajard faz sobre a proposta que releva a importncia de se trabalhar a

    conscincia fonolgica na aprendizagem inicial da leitura. O autor acrescenta ainda que,

    retornar ao mtodo fnico [a partir da conscincia fonolgica], ou seja, avatar do mtodo

    tradicional, no pode ajudar a sociedade a reduzir o analfabetismo funcional por ela produzido

    em massa (p. 506).

    No presente estudo, discordamos de Bajard, especialmente no que se refere no-

    contribuio da proposta de instruo fnica para erradicao do analfabetismo funcional.

    No isso que os dados do programa Iniciativa de Interveno Precoce (Early Intervention

    Iniciative), desenvolvido pelo Conselho do Condado Oeste de Dunbartonshire, na Esccia,

    revelam. Segundo Scliar-Cabral (2007, p. 5),

  • 33

    O programa comeou em 1997, com a meta para ser atingida em dez anos. Em 1997, somente 5% das crianas que frequentavam a primeira srie do primrio conseguiam escores altos em leitura: com a aplicao do programa, a cifra subiu para 45%. A reverso do problema tambm se pode observar no fato de que em 1997, as crianas com escores baixos que frequentavam a segunda srie do primrio, constituam 11% e em 2007 baixaram para 1 %. Ainda em 2001, antes que o programa apresentasse efeitos nos estudantes que ingressavam na escola secundria, um entre cada trs alunos (28%) era analfabeto funcional: depois de ter frequentado sete anos do ensino fundamental, seu nvel de leitura era o equivalente ao de uma criana de 9 anos e meio. Em agosto de 2005, j sob o efeito do programa, a porcentagem de tais alunos baixou para 6%.

    Entende-se como analfabeto funcional o indivduo que, embora alfabetizado, no

    compreende os textos que l, dificultando, assim, o seu exerccio de cidadania, no que se

    refere s suas prticas sociais da leitura e da escrita (SCLIAR-CABRAL, 2008), isto , falta-

    lhe a competncia para ler e escrever os textos dos quais necessita em sua vida cotidiana

    familiar, social e de trabalho. Scliar-Cabral (2007, p. 5) explica que o programa Iniciativa de

    Interveno Precoce (Early Intervention Iniciative),

    prioriza a educao infantil, desenvolvendo a conscincia fonolgica na pr-escola e utilizando basicamente o mtodo fnico sinttico e o enfoque multissensorial, com material pedaggico elaborado a partir de pesquisas (Jolly Phonics); atividades de interveno, com uma equipe de professores especialmente treinados; avaliao e monitorias contnuas; tempo extra para a leitura no currculo, acessoria s famlias e de quem cuida das crianas e a implementao de um entorno de letramento na comunidade (Education Guardian, 2007).

    semelhana deste, situa-se o projeto interinstitucional (UFSC/UNISUL) Ler &

    Ser: prevenindo o analfabetismo funcional, cujo principal objetivo realizar uma ao

    consistente e continuada para reduzir o analfabetismo funcional no Brasil, no qual esta

    pesquisa se integra.

    Retomando a perspectiva de Bajard (2006), no que diz respeito aos pressupostos

    terico-metodolgicos abordados no Relatrio Final pelo Grupo de Trabalho Alfabetizao

    Infantil: Os Novos Caminhos, cumpre dizer que, a nosso ver, este ltimo documento

    bastante elucidativo e coerente quando afirma: Lemos para compreender. O propsito da

    leitura a compreenso. Mas ler no o mesmo que compreender. Podemos ler sem

    compreender. Podemos compreender sem ler. Ler diferente de aprender a ler (BRASIL,

    2003, p. 20). Por isso, no se h de confundir aprendizagem da leitura com o seu objetivo: a

    compreenso, uma vez que [. . .] no correto tomar a finalidade de uma atividade como

    sendo sua definio (J. MORAIS apud BRASIL, 2003, p. 21).

    Os autores do relatrio citado, especialistas nacionais e internacionais, advogam

    que existe diferena entre aprender a ler e ler para aprender. Ler diferente de aprender

  • 34

    a ler. Aprender a ler ajuda o leitor a ler. Ler ajuda o leitor a compreender. Para entender um

    texto escrito, primeiro o leitor precisa saber ler (BRASIL, 2003, p. 21). Assim, as pessoas

    aprendem a ler, tornam-se capazes de ler, e usam essa capacidade para aprender a partir do

    que lem (op.cit., p. 21). Com base em pesquisas realizadas, afirmam ainda que: As

    crianas que lem melhor e mais compreendem o que lem so as que melhor aprenderam a

    decodificar, pois essa habilidade permite que se tornem leitoras eficientes e independentes

    (op. cit., p. 48). Para esses mesmos autores, ensinar a decodificar e ler com fluncia a

    forma mais eficaz de preparar a criana para desenvolver vocabulrio e compreenso de

    textos, posteriormente (op. cit., p. 48).

    Do exposto, vale lembrar que a decodificao precisa ser aprendida pelo valor

    que as letras tm, muitas vezes condicionadas pelo contexto, e no por seus nomes bem

    como, que, tanto os fonemas (classe de sons), quanto sua representao, os grafemas (uma ou

    mais letras), tm a funo de distinguir significados, o que propiciar o avano para uma

    aprendizagem plena da leitura (SCLIAR-CABRAL, 2009, p. 16).

    2.3 O PROCESSAMENTO DA LEITURA

    De acordo com Scliar-Cabral (2003b, p. 35-36), os processos envolvidos na

    leitura so os seguintes:

    Motivao, que determina que texto se vai ler: poesia, notcia de jornal, seo de

    anncios de emprego, classificados, entre outros.

    Pr-leitura, que determina a seleo do esquema mental para ns atribuirmos o

    sentido adequado s palavras do texto. Um esquema mental, tambm denominado roteiro ou

    marco, um conhecimento prvio que temos sobre alguma coisa. Assim, quando a criana

    vem escola, por exemplo, j tem alguns conhecimentos estruturados em sua memria, isto ,

    j tem esquemas como famlia, casa, brinquedos (vrios), vesturio, bairro, dentre outros.

    escola, portanto, cabe ampliar e aprofundar tais esquemas, o que ocorrer, principalmente,

    atravs da leitura.

    Movimentos de fixao e sacada para fatiar a frase, ou seja, quando o

    indivduo j est alfabetizado, no fixa o olhar s numa letra, mas processa toda uma frase,

  • 35

    com suas respectivas particularidades (pargrafo, maisculas, sinais de pontuao,

    conectivos. . .).

    Reconhecimento das letras, atribuio dos valores aos grafemas e

    identificao do vocbulo (descodificao): a autora adverte que decorar o nome das letras

    no tem nada a ver com descodificao, visto que uma mesma letra pode representar fonemas

    distintos, dependendo da posio que ocupa na palavra, como exemplificamos em outras

    sees. O que importante enfatizar a funo dos grafemas: distinguir significados, como,

    por exemplo, se substituirmos o p de pato por m, b, t, f, g, j, c e assim por diante. Quanto ao

    reconhecimento das letras, imprescindvel mostrar ao alfabetizando, desde o incio da

    aprendizagem da leitura, o que diferencia uma letra de outra: trabalhar sempre por

    comparao.

    Veja-se:

    O meio crculo c combinado com um trao vertical I sua direita, vai nos dar a

    letra d; a rotao para esquerda nos dar a letra b; ao rotarmos para baixo teremos a letra p; j

    a rotao para esquerda agora nos dar a letra q. Do mesmo modo, O trao vertical I sozinho

    pode representar o i maisculo ou o le minsculo, se acrescido de um trao horizontal - vai

    nos dar a letra L maiscula, que por sua vez, se acrescido de mais dois traos formar a letra

    E. Nessa mesma letra E, se retirarmos o trao horizontal inferior, teremos a letra F. Ao

    acrescentar um trao vertical esquerda da letra V, distinguimos VALA DE MALA.

    Atribuio do sentido s palavras, s frases e ao texto; a interpretao do

    texto e a reteno. Esse ltimo consiste na incorporao, de forma estruturada, dos

    conhecimentos adquiridos na leitura de um texto memria.

    Essa mesma autora ressalta que criana no se podem dar textos para ler, sobre

    os quais no tenha qualquer conhecimento prvio sobre o assunto (ou seja, um esquema). De

    outro lado, argumenta que os textos informativos devem ampliar e aprofundar os

    conhecimentos que o aprendiz j possui (p. 37).

    2.4 O AVANO DAS NEUROCINCIAS E A APRENDIZAGEM DA LEITURA

    Nesta seo, parte-se do seguinte questionamento: Como se d o processamento

    das habilidades de leitura e escrita no crebro humano?

  • 36

    Nos estudos de Stanislas Dehaene, neurocientista francs, foi descoberto que o

    crebro humano associa as regies da linguagem e da viso para proporcionar a leitura. Em

    seus experimentos, atravs de um aparelho (IRM imagem por ressonncia magntica),

    Dehaene rastreou o funcionamento do crebro de dois grupos de pessoas: um grupo de

    alfabetizados, e outro, de no alfabetizados. Ento, a partir de estmulos visuais (textos

    verbais e no-verbais) testados com esses grupos, o pesquisador no hesita em afirmar que

    [...] o lado esquerdo do crebro que ativamos quando lemos, precisamente atrs da orelha, na regio occpito-temporal-ventral-esquerda. Seria, ento, essa a regio que muda no momento da leitura: as pessoas alfabetizadas, ao lerem, ativam esse circuito; as no alfabetizadas, ao serem expostas a letras, no ativam esse circuito (DEHAENE, 2007 apud SCLIAR-CABRAL, 2008).

    Para cada sentido, para cada funo, o crebro reservou uma rea especializada.

    Para a leitura identificada a regio occpito-temporal-ventral-esquerda (no hemisfrio

    esquerdo), regio especializada em reconhecer os traos invariantes que compem as letras,

    cujos valores so os mesmos, independente de seu tamanho ou fonte (SCLIAR-CABRAL,

    2008).

    Ilustrando o conceito de invarincia:

    MALA; MALA; mala; mala; MALA; mala; mala; MALA; mala.

    V-se, no caso das letras que compem a palavra mala, que, independente de

    seu tamanho, da caixa (MAISCULA ou minscula) ou da fonte (impressa, manuscrita,

    itlico, negrito ou sublinhado) l-se /mala/ e no /bala/, por exemplo. Isso possvel porque

    uma ou duas letras (os grafemas) esto associadas a um fonema, ambos com a funo de

    distinguir significados, conforme verificado nas tcnicas de neuroimagem funcional (IRM),

    de eletroencefalografia (EEG) e de magnetoncefalografia (MEG), utilizadas por Dehaene

    (SCLIAR-CABRAL, 2008).

    Scliar-Cabral (2008) esclarece que o processo de leitura se d mediante uma

    interconexo entre as reas visuais [do crebro] que reconhecem as letras, as reas auditivas e

    motoras da palavra oral (recepo) e as reas que processam o sentido.

    A recepo da linguagem anterior a sua produo, isto , para aprender a falar,

    a criana precisa, antes, ouvir e compreender o que os adultos dizem para ela, para s depois

    produzir suas primeiras palavras. A mesma coisa acontece com a lngua escrita: para saber

  • 37

    escrever, preciso, antes, saber ler. Nesta perspectiva, a alfabetizao no deve comear pelo

    ensino isolado da escrita, ela [a escrita] at pode ser trabalhada durante a leitura, desde que

    quela no seja atribuda importncia maior (SCLIAR-CABRAL, 2008). Atente-se para o

    seguinte: a habilidade de copiar diferente da habilidade de escrever.

    O que reunimos, no curso da leitura, no so os nomes das letras, mas os

    fonemas que elas representam as unidades da fala, abstratas e escondidas, que a criana

    deve descobrir (DEHAENE apud REIS, 2008, p. 8). Nessa direo, a aprendizagem inicial

    da leitura dar-se- no somente pelo reconhecimento das formas das letras, como tambm (e

    especificamente) pelo valor que elas representam. Reis (2008) cita ainda a hiptese de leitura

    e escrita de uma criana de seis anos num trabalho escolar: G foi. Esta criana escreveu,

    vrias vezes, a expresso G foi para uma dada atividade escolar, que j havia acontecido e

    a leu para sua me como J foi. Neste caso, a criana se orientou pela sua percepo

    auditiva (a escuta), associando o fonema // letra g, a qual somente teria o valor de // se

    estivesse diante de e ou i, como em gelo e girafa, respectivamente.

    Finalizando, com base em Scliar-Cabral (2008), advoga-se que as descobertas das

    neurocincias podem nos instruir sobre a forma como a criana vai aprender a ler o sistema

    escrito, que releva:

    estratgias de ensino-aprendizagem que desenvolvam a conscincia

    fonolgica do aprendiz;

    o reconhecimento, pela criana, dos traos que diferenciam as letras entre

    si. Ex: L, F, E, V, M, p, q, b, d, c, e;

    o domnio, pelo alfabetizando, dos valores dos grafemas associando-os aos

    fonemas que representam. Ex: caro e carro, caa e saca, bela e dela;

    a compreenso, pelo aprendiz, de que tanto os fonemas quanto os grafemas

    tm a funo de distinguir significados. Ex: VEJA diferente de SEJA.

    2.5 PRINCPIOS DO SISTEMA ALFABTICO DO PB REFINANDO CONCEITOS

    Scliar-Cabral (2003a; b) tem dedicado grande parte de suas pesquisas para

    entender e explicar as possveis razes do baixo desempenho de alunos, no que diz respeito a

    descodificao e codificao da lngua escrita. A descodificao refere-se ao reconhecimento

  • 38

    da palavra, ou seja, ao reconhecimento das letras e atribuio dos valores aos grafemas na

    leitura. J a codificao refere-se converso dos fonemas em grafemas na escrita, isto , a

    escrita da palavra.

    Para uma melhor compreenso dos princpios do sistema alfabtico do portugus

    do Brasil, apresentamos, numa das sees anteriores, os conceitos de fonema e de som,

    conforme Scliar-Cabral (2009). 10

    Acrescenta-se diferena que a autora estabelece entre fonema e som, a diferena

    entre fonema e grafema: se, por um lado, o fonema, conforme j dito, um feixe de traos

    distintivos, cuja funo a de distinguir significados, pode-se compreender o grafema como

    a representao do fonema. Deve-se entender grafema como uma ou mais letras que

    representam um fonema (no sistema alfabtico do portugus do Brasil, no mais que duas

    letras) (SCLIAR-CABRAL, 2003a, p. 27). Veja-se na palavra txi: temos quatro grafemas

    para representarem os seis fonemas /ta.ki.si/11. No caso, o grafema x se l como a

    transposio realizao de ks. Na palavra bolo, temos quatro grafemas para representarem

    os quatro fonemas /bo.lo/.

    Os princpios do sistema alfabtico do portugus do Brasil esto organizados em

    dois grandes grupos: as regras de descodificao e as de codificao. As regras de

    descodificao implicam o reconhecimento e identificao, por parte do leitor, das letras que

    representam os grafemas e seus valores na leitura; por sua vez, as regras de codificao dizem

    respeito converso dos fonemas em grafemas na escrita. Nesta seo, porm,

    apresentaremos sucintamente as que consideramos mais relevantes num e noutro grupo.

    Scliar-Cabral (2003a; b) desdobra as regras de descodificao em quatro

    subgrupos, a saber: as regras de correspondncia grafofonmica independentes do contexto;

    as regras de correspondncia grafofonmica dependentes do contexto grafmico; as regras

    dependentes da metalinguagem e/ou do contexto textual morfossinttico e semntico; valores

    imprevisveis para o grafema x, e e o e a leitura de muito.

    O primeiro