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A Construção e a Desconstrução do Brasil; por uma regionalização regionalizante mas também regionalista Hugo Scabello de Mello 5383056 Bacharelado em Geografia / FFLCH / USP Curso de Regionalização do Espaço Brasileiro Professor Rodrigo Valverde Prova substitutiva e segunda prova

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A Construção e a Desconstrução do Brasil;

por uma regionalização regionalizante mas também regionalista

Hugo Scabello de Mello 5383056

Bacharelado em Geografia / FFLCH / USP

Curso de Regionalização do Espaço Brasileiro

Professor Rodrigo Valverde

Prova substitutiva e segunda prova

“L'esprit destructeur

est en même temps

l'esprit constructeur”_Mikhail Bakunin

A Construção e a Desconstrução do Brasil – 2 / 31

Parte I: A construção do Brasil e sua regionalização (prova substitutiva)

I.I O nascimento de uma nação

I.II O estatismo ainda engatinha

I.III Amadurecimento e ditadura

I.IV A saturação do brasileirismo

Parte II: A desconstrução do Brasil e sua regionalização (prova 2°)

II.I Ontologia, geografia e niilismo

II.II Da modernidade à pós-modernidade

II.III Poder + região = separatismo regionalista

II.IV Por uma regionalização regionalizante mas também regionalista

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Parte I: A construção do Brasil e sua regionalização

I.I O nascimento de uma nação“Ora, não é o consenso que faz surgir o corpo

social, mas a materialidade do poder se exercendo sobre o próprio corpo dos indivíduos”

Michel Foucault em “Microfísica do Poder”,texto IX “Poder - corpo”

Ainda que o território hoje hegemonicamente dominado pelo Estado-nação Brasil

tenha sido esparsamente habitado e frequentado por europeus – em especial por

lusitanos – desde meados do século XVI, são poucos ou talvez inexistentes os vestígios

desta nação brasileira até o seu nascimento no século XIX. O processo de colonização se

concentrara no litoral e a partir de três polos principais: Bahia, Pernambuco e Rio de

Janeiro. Segundo Caio Prado Junior em “Formação do Brasil Contemporâneo”, na virada

do século XVIII para o XIX cerca de 60% da população estimada em 3 milhões habitava a

faixa litorânea. Sobre o povoamento do interior se destacavam: o recente de regiões de

Minas Gerais, Mato Grosso e Goias relacionado fortemente com a atividade mineradora; a

ocupação bastante precária de São Paulo vinculada às atividades bandeirantes; e o

gradual e contínuo resultante da produção de gado no sertão nordestino e no Rio Grande

do Sul, a primeira voltada ao abastecimento de Pernambuco e da Bahia já a segunda

direcionada ao consumo do Rio de Janeiro. Ainda segundo o mesmo autor, é possível

afirmar também um processo de povoamento da região Amazônica a partir de seu delta e

relativamente independente. Ou seja, o território onde se consolidará o Brasil único com

os processos de independência da coroa portuguesa e proclamação da República é, nas

décadas imediatamente anteriores, constituído por muitas e diversas regiões coloniais

pouco articuladas entre si – algumas praticamente se relacionavam, em termos políticos

tanto quanto econômicos, tão somente com a metrópole europeia. Em suma, pode-se

falar em três regiões principais produtoras principalmente de cana de açúcar para o

mercado europeu – Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro – três regiões secundárias –

sertão nordestino, extremo sul e São Paulo – uma região de colonização recente – Minas

Gerais, Goias e Mato Grosso – e a independente região Amazônica. Totalizando assim

oito distintas regiões coloniais do Império português na América do Sul.

É indubitavelmente um debate interessantíssimo, além de complexo, o de como

estas cerca de oito regiões coloniais desarticuladas em demasia viriam a ser dominadas e

governadas por um único Estado-nação – ainda mais ao olharmos para o caso das

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colonias espanholas na América Latina que se desdobraram em mais de uma duzia de

Estados nacionais autônomos com suas respectivas identidades e ideologias. Igualmente

indubitável é a limitação das definições e compreensões clássicas de nação – que

normalmente orbitam entre a tríade identidade linguística, étnica e cultural articulado em

um determinado território – para entender esta contrastante diferença. Isto pois a

homogenização, que segundo esta concepção de nação é um dos ingredientes

essenciais, entre regiões coloniais portuguesas não necessariamente era maior do que

entre regiões coloniais espanholas – basta pensarmos por exemplo na homogenização

existente nos quatros países da “Grande Colômbia” (Colômbia, Venezuela, Equador e

Panamá) ou entre a Argentina e o Uruguai, e compará-la com a da colonização gaucha

com o povoamento Amazônico.

Uma explicação mais satisfatória pode ser extraída a partir duma perspectiva mais

econômica. Segundo esta o que teria garantido a unidade nacional das colonias

portuguesas foi um consenso entre as elites econômicas a respeito do emprego de força

de trabalho escrava. Esta necessidade comum e prioritária das classes dominantes teria

garantido e também sido o próprio motivo da unidade territorial brasileira. Todavia, apesar

desta explicação ser bastante mais refinada do que a da mera definição apriorística e

tendente a tautologia de nação – isto devido essencialmente ao fato dela explorar as

relações de poder econômicas da época afim de explicar as transformações ocorridas –

ela ainda parece-me ser insuficiente exatamente por ser limitar essencialmente as

relações econômicas e, assim, ofuscar o papel das disputas, correlações, estratégias e

interesses dos atores envolvidos nos diferentes âmbitos das relações de poder. Colocar o

consenso escravocrático das elites como explicação da unidade nacional brasileira ofusca

os processos políticos históricos e não nos permite compreender a persistência desta

unidade após o fim da hegemonia do trabalho escravo, mas, mais do que isto, não nos dá

nenhuma pista do porque as muitas revoltas que estouraram nos anos finais do século

XVIII e no século XIX tiveram quase sempre um caráter regionalista e separatista –

algumas das quais apoiadas por elites locais.

Sem querer exaurir o debate porém parece-me evidente que a derrota militar de

todas as revoluções regionalistas e separatistas nas colonias portuguesas da América –

como por exemplo a dos Inconfidentes nas regiões das minas (1789), a Cabanagem na

região norte, Farrapos no sul ou mesmo a Conjuração baiana (1798)1 e a Insurreição

1 Apesar de sutil, é revelador o chamado contido no panfleto distribuído no primeiro dia deste levante: “Animai-vos, povo baiense, que está por chegar o tempo feliz da nossa liberdade, o tempo em que seremos todos irmãos”. O panfleto se direcionava, como era de se esperar, ao povo baiense não ao

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pernambucana (1817) – é um dos motivos do porque existe uma única nação e um único

Estado-nação Brasil. O que garantiu em grande parte o nascituro e a sobrevivência desta

nação – principalmente em seus primeiros passos – foram as forças armadas e as suas

unidades igualmente armadas. Estas, a bem da verdade, não se contiveram em sufocar

levantes regionais, mas também estiveram envolvidas profundamente com o processo de

proclamação da República e sua conformação inicial. E, se é verdade que os militares se

afastam parcialmente do palco político durante as primeiras décadas do século XX –

durante a República Velha – eles voltariam a ocupar o centro novamente com o

varguismo e depois por mais outra vez com o golpe de 1964.

I.II O estatismo ainda engatinha2

“temos aqui ministros de Estado que são simples caixeiros de vendas”

Lima Barreto em “Os Bruzundangas”

Após o imperial nascimento do Estado-nação brasileiro, um segundo período se

inicia com a República e se estende até o término desta em 1930 com o início da ditadura

militar de Getúlio Vargas. Durante este o Estado nacional ainda será de maneira geral

pouco presente no cotidiano, caracterizando-se por práticas liberais na economia e

federativas na política. O policiamento estava longe de ser ostensivo, os serviços estatais

distantes da universalidade, e os poderes locais com as políticas e projetos de suas

classes dominantes regionais se impunham à práticas gerais no sentido duma estratégia

nacional unificada. Havia uma forte autonomia das Unidades Federativas frente ao

governo nacional efetivamente hegemonizado pelas elites paulistas e mineiras. Ainda

assim, nesta segunda conformação do Estado-nação brasileiro a unidade nacional se

manteve mesmo com o fortalecimento de práticas e discursos regionalistas. Todavia, para

este período talvez o lema em latim de São Paulo fosse mais próximo da realidade se no

lugar de “non ducor, duco” fosse “non ducor, non duco” (algo como “não sou conduzido,

conduzo”, para “não sou conduzido, não conduzo”).

Merece destaque também o fortalecimento de projetos políticos, especialmente

entre a classe trabalhadora urbana, que colocam em questão os discursos nacionalistas

povo brasileiro. A bem da verdade, parece-me no mínimo bastante improvável se falar em povo brasileiro antes da invenção do Estado-nação Brasil. Retiro esta citação do livreto didático “História das lutas do povo brasileiro” escrito por Rômulo Radicchi e José Ricardo Prieto do projeto Escola Popular

2 Uma das obras mais profundas que trata do debate sobre a ideologia estatista é provavelmente, ainda hoje, o clássico de Mikhail Bakunin “Estatismo e Anarquia”

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argumentando que as contradições essenciais modernas são entre classes sociais, não

entre nações. Alguns mesmo compreendiam o Estado-nação tão somente como uma

forma de organização política das classes dominantes afim de garantir e legitimar esta

dominação, se opondo assim frontalmente ao nacionalismo e ao Estado-nação Brasil.

Dentro destas perspectivas se encaixam organizações políticas e sindicais da época

como a Federação Operária de São Paulo (FOSP), a Federação Operária do Rio de

Janeiro (FORJ), a Federação Operária do Rio Grande do Sul e a Central Operária do

Brasil (COB); mas também militantes e escritores como Neno Vasco, Edgar Leunroth,

Astrojildo Pereira, José Oiticica, De Ambris, Oreste Ristori ou mesmo Zélia Gatai e Jorge

Amado3. Um movimento de trabalhadoras e trabalhadores que se estendia e se articulava

para além de fronteiras nacionais.

Em termos de povoamento, a concentração demográfica se mantém próxima das

áreas litorâneas, com destaque para a decadência da produção canavieira fincada na

Zona da Mata nordestina, ascensão da cultura de café, em especial na região sudeste,

além dum explosivo porém volátil adensamento populacional na região norte alavancado

pela extração de resina para a produção de borracha. As práticas políticas e econômicas

descentralizadas e liberais da Republica Velha não estimularam o desenvolvimento de um

planejamento nacional de regionalização que incentivasse uma desconcentração

populacional e econômica articulada com o povoamento de regiões ainda ermas do

território brasileiro. Durante este período, nenhum setor da elite brasileira é capaz ou se

propõe a efetivamente impor uma política de regionalização unificada a todo território

nacional. Ainda que a nação Brasil não tenha corrido grandes riscos de extinção, o

pensamento e os interesses locais e regionais de maneira geral se sobrepuseram à

possíveis e pretensos interesses nacionais. Mesmo as elites mineiras e paulistas, as

quais hegemonizaram durante todo o período o governo federal, pouco se esforçaram

para mascarar seus próprios interesses com as cores verde e amarela – utilizavam-se da

máquina nacional quase que explicitamente para atingir tão somente seus objetivos.

Caso partamos da proposição de que todo e qualquer discurso é geolocalizado

podemos ir mais longe nesta indagação. Torna-se possível então compreender a questão

3 São dezenas, centenas – quiçá milhares – de livros e autores que discorrem sobre o movimento operário revolucionário das primeiras décadas do século XX. Afim de dar algum referencial, gostaria de citar: “Anarco-sindicalismo no Brasil” do sindicalista anarquista Jaime Cubero, “Atuação Libertária no Brasil – A Federação Anarco-sindicalista” de Oscar Farinha Neto, “Minha pátria é o mundo inteiro” e “Anarquismo e Sindicalismo no Brasil” ambos do historiador contemporâneo Alexandre Samis, “Travessias Revolucionárias” da professora Edilene Toledo, ou mesmo o relato autobiográfico que contempla mais a parte final da República Velha escrito por Zélia Gatai “Anarquistas graças a Deus”

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do regionalismo versus nacionalismo na República Velha não como uma mera priorização

do local frente ao geral, mas sim como uma época na qual nenhum setor das classes

dominantes ambicionava (ou era capaz de) travestir seus próprios interesses com cores e

chavões nacionalistas. Isto pois aceitar a tese da geolocalização de todo complexo de

poder-saber – independente da pretensão deste a universalidade, como é inclusive

padrão durante a modernidade – é, no limite, compreender que não existem interesses

“nacionais” ou “gerais” mas sim interesses locais e classistas que, através da coação e da

coerção, podem ter a pretensão de se colocar como “nacionais” e “gerais”. Não existe um

“interesse brasileiro”, mas sim interesses de setores localizados das classes dominantes

que se disfarçam e se impõem como se fossem gerais. O Brasil – como qualquer outra

nação – é uma farsa real e concreta à serviço das castas e camarilhas que este território

dominam.

I.III Amadurecimento e ditadura“sabíamos que todo fraseado da demagogia dos

Getúlios, dos Luzardos, dos Collors e dos Aranhas, não passavam de um anzol para melhor

conquistarem postos de dominação.” Ateneu Libertário de Cultura Social em

“Aos Trabalhadores e ao Povo em geral”,São Paulo 5 de dezembro de 1931

De fato mais correto seria conceder a Getúlio Vargas a alcunha não de “pai dos

pobres” mas sim de “pai do moderno estatismo brasileiro”. Fora durante o seu regime

ditatorial e tendente ao totalitarismo que as principais instituições do Estado-nação

brasileiro vieram a se consolidar e atingir a maturidade4. A polícia deixou de ser uma força

de cunho mais exemplar para se tornar um poderoso instrumento de poder a serviço dos

governantes, tornou-se ostensiva e preventiva, tornou-se capaz de massivamente vigiar,

punir, espionar, controlar, catalogar, carimbar, aprisionar ou mesmo eliminar qualquer ator

político de oposição ao sistema – tanto comunistas como anarquistas foram brutalmente

reprimidos e combatidos com prisões, atentados e exílios arbitrários5. O Estado-nação, a 4 Curiosamente mesmo a USP fora fundada durante o regime de Getúlio Vargas, ainda que como uma

resposta das elites paulistas frente a derrota militar de 19325 Apesar de ser inquestionável o aumento da repressão durante o período militar varguista, faz-se

essencial expor dois pontos. Primeiro, o uso da polícia articulada com legislações repressivas não foi uma invenção de Vargas, todavia foi aprimorado durante seu regime (a lei que permitia a extradição de imigrantes suspeitos e perigosos data ainda da primeira década do século XX, por exemplo). Segundo, é insuficiente dar como único motivo para o intenso enfraquecimento dos projetos revolucionários da classe trabalhadora a repressão estatal – os grosseiros erros estratégicos cometidos por anarquistas (e) sindicalistas revolucionários evidentemente contribuíram em muito para a decadência de seus próprios

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partir daí, abandonará suas práticas mais liberais na economia e terá a pretensão de

julgar e mediar os conflitos entre trabalhadores e burgueses (como se o poder judiciário

estatal pudesse ser neutro), mas também iniciará uma cruzada afim de colocar todas as

organizações sindicais – até este momento geralmente autônomas e geralmente auto-

organizadas – dentro das leis e regras estatais, vinculando os sindicatos ao Ministério do

Trabalho. Por outro lado, o Estado também assumirá um papel de maior protagonismo na

economia, concedendo diversos benefícios à consolidação da produção industrial pesada,

articulando desta maneira os interesses das elites militares então reinantes no Estado-

nação brasileiro com os de setores da burguesia industrial.

Durante o regime varguista – diferentemente do que acontecera na República

Velha – as elites militares que dominaram a máquina estatal não tiveram pudor algum de

maquiar seus próprios interesses por debaixo do discurso nacionalista, além de, é claro,

terem também sido centenas de vezes mais eficientes neste processo. Vargas, como

representante das elites militares – um dos indubitáveis e indeléveis baluartes do poder

na modernidade, em especial e como já indicado no Brasil – simpatizava tanto com o

positivismo social, o qual impregna as forças armadas desde sua origem, quanto com os

preceitos do nazifascismo europeu, os quais acompanharam todo percurso de seu regime

político6. Do primeiro, o governo militar retirava sua obsessão pela “ordem e progresso”.

Dos segundos, tanto a pretensão de construir um Estado-nação forte, centralizado,

disciplinado, homogêneo e militarizado, quanto a utilização do discurso nacionalista

populista visando uma contraposição ao crescente movimento revolucionário classista e

internacionalista, ou mesmo a utilização intensa da propaganda através de instrumentos

de cultura de massas (em especial o rádio) afim de garantir uma maior legitimação

consensual.

Essas características militarescas combinadas a tal “indignidade”7 cometida

exaustivamente durante o regime varguista teriam como resultado, no âmbito do debate a

cerca dos planejamentos políticos de regionalização, a organização de um projeto

nacional estatal objetivando uma ocupação mais eficiente do território – claro que de

acordo com os interesses e as visões de mundo dominantes e a partir da análise

projetos políticos. Sobre este fértil debate sugiro o trabalho de Mestrado em História escrito por Alex Buzeli Bonomo e submetido à PUC-SP “O Anarquismo em SP: As Razões do Declínio (1920-1935)”

6 Aparentemente não só Vargas mas como boa parte da elite da época. Mesmo o prédio da prefeitura de São Paulo, construído no período, nos mostra esta apologia com o “MMM” de sua fachada: Matarazzo, Mussolini e Marcelo Piacentini, arquiteto deste ditador e autor do projeto

7 Com este termo remeto-me as palavras de Deleuze a respeito da crítica de Foucault à prática de “falar em nome dos outros”, à prática representativa

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racionalista. A meta de menor concentração geográfica da população e das riquezas

articula-se harmonicamente com a pretensão à uma maior homogeneidade social, mas

também com a defesa da manutenção e estabilidade do território nacional e suas

fronteiras. Todos estes objetivos presentes no projeto varguista, por sua vez, casam-se

perfeitamente com a defesa custe o que custar da ordem e do progresso da sociedade

capitalista e estatista moderna. Afim de auxiliar neste planejamento foram contratados

alguns geógrafos diplomados.

Tanto por posição política pessoal quanto por considerar um exemplo de singular

interesse, gostaria de me debruçar pouco mais sobre as radicais transformações

ocorridas nos sindicatos durante o regime de Vargas.

Longe de querer reduzir o complexo debate que há a cerca da caracterização do

sindicalismo em terras brasileiras durante os primeiros anos do século XX, parece-me

haver duas principais principais polêmicas. A saber; se houve hegemonia da corrente

vinculada ao anarco-sindicalismo ou da vinculado ao sindicalismo revolucionário, e se

este segundo era hegemonicamente relacionado a projetos anarquistas ou não8. Todavia,

independente de posições a respeito destes debates9, se extrai daí o consenso de que

este sindicalismo era caraterizado por ser antiestatista, anticapitalista, internacionalista,

classista, autônomo e pautado na democracia direta e na ação direta – isto pois ambos, o

anarco-sindicalismo e o sindicalismo revolucionário, hasteavam tais bandeiras. Este

sindicalismo, caracterizado pela participação política direta da classe trabalhadora em

organizações classistas e de democracia direta – em especial o sindicato da categoria e

sua assembleia – mas também pela participação direta nas ações políticas – em especial

através da greve, da sabotagem e da manifestação de rua – conseguira intervir nas

relações de poder da República Velha, garantindo melhorias diversas para a classe

trabalhadora, mas também um empoderamento próprio – um auto-empoderamento.

Contrastante com (mas principalmente combatendo e combatente a) este

sindicalismo classista e internacionalista, o projeto filofascista de Vargas preconizava um

sindicalismo dócil e submisso ao Estado-nação e seus nacionais interesses, uma

“heteronomia”10 sindical. Um sindicalismo legalizado mas também estatizado. Não deveria

8 Sobre este debate indico os já citados escritos: “Travessias Revolucionarias” de Edilene Toledo, “ Sindicalismo e Anarquismo no Brasil” e “Minha Pátria é o Mundo Inteiro” de Alexandre Samis, mas também o artigo de Felipe Corrêa “Anarquismo e Sindicalismo Revolucionário”

9 Pessoalmente concordo com a maior parte dos anarquistas contemporâneos. Estes dão como resposta as duas polêmicas: a hegemonia do sindicalismo revolucionário (talvez com exceção do sindicalismo da Baixada Santista) e a forte vinculação deste com o anarquismo

10 Adjetivo de Oscar Farinha Neto no já citado “Atuação Libertária no Brasil – A Federação Anarco-sindicalista”

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mais haver confronto direto entre trabalhadoras e burgueses – o “grande irmão” Estado-

nação deveria julgar e dar a palavra final sem greves e conflitos. O sindicato não mais

deveria ser um espaço autônomo de organização da classe trabalhadora, mas um espaço

de mediação de conflitos vinculado e submisso ao Estado. Mesmo com resistência de

setores revolucionários, o “sindicalismo varguista” se tornaria hegemônico.

Como resultado – independente de políticas populistas pró-trabalhadores como a

Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) – a classe trabalhadora enquanto ator político

se vira inquestionavelmente mais distante e apartada das concretas relações de poder.

Independente da política ditatorial varguista em alguma medida representar os anseios

das classes trabalhadoras – independente até mesmo da possibilidade absoluta dalguma

política representar alguma classe outra, ou seja, independente da real possibilidade de

representação11, independente da possibilidade de alguém ou algum setor “compreender

melhor os verdadeiros interesses do povo, mais do que o próprio povo”12 – a participação

política direta da classe – seja tanto na organização e no planejamento quanto na

execução desta – fora fortemente reduzida no regime Vargas. A CLT não era arrancada

pela classe através de greves gerais, mas sim concedida pelo justo e sábio governante

homem, católico, branco, hétero e militar com nome e sobrenome, Getúlio Vargas. O

recado era (e é) claro: os direitos trabalhistas não são conquistas da organização e da

luta da classe trabalhadora, mas sim concessões de um (bom) estatista. Não cabia mais

ao sindicato – e as organizações da classe trabalhadoras – qualquer protagonismo, ele

era, agora, uma espécie de inerte e tendendo ao simbólico apêndice do Estado-nação13.

11 Apesar da crítica à representação ser quase um lugar comum na literatura anarquista, gosto muito mesmo do pequeno livro de Todd May “Pós-estruturalismo e Anarquismo” – talvez exatamente por sinteticamente articular para esta crítica (como diz o seu título) anarquismo e pós-estruturalismo; Bakunin e Foucault

12 Mikhail Bakunin em “Estatismo e Anarquia”13 Ainda que numa singela e breve nota de rodapé, parece-me de relevância indicar que, mesmo antes de

Getúlio e Mussolini, os bolcheviques russos já tinham investido contra o poder sindical autônomo em seu território. Ainda durante os primeiros anos de ditadura “proletária”, período conhecido a posteriori como do “comunismo de guerra”, quando Lênin vivia e governava, as organizações de resistência dos trabalhadores foram submetidas ao Estado. Segundo Richard Pipes em “História Concisa da Revolução Russa”: “Num regime assim, é claro, os sindicatos livres constituíam uma anomalia, justificando sua abolição pelo argumento de que a Rússia soviética tornara-se um 'Estado proletário' – a partir da total identidade de interesses, obedecendo o Estado o trabalhador estaria realizando o que mais convinha a si mesmo, ainda que pensasse de outra forma”; pouco depois o autor nos fornece um pequeno porém revelador escrito da época de Leon Trotski discorrendo sobre o assunto: “No período de construção do Estado socialista, os sindicatos são necessários não para lutar por melhores condições de trabalho – tarefa da organização social e política como um todo –, mas para organizar a classe trabalhadora com vistas à produção: educar, disciplinar, distribuir e unir categorias inteiras e trabalhadores individuais. Em uma palavra, de mãos dadas e de maneira definitiva, para integrar os trabalhadores à estrutura de um único projeto econômico”. Ainda segundo o mesmo livro, além dos sindicatos serem “tratados como órgãos do Estado”, o “direito de greve também desapareceu, declarado supérfluo, sob a alegação de que não tinha sentido os trabalhadores cruzarem os braços contra si mesmos”.

Uma segunda situação que nos permite supor a existências de traços antisindicais e antiproletários no

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I.IV A saturação14 do brasileirismo“O Brasil não é um país sério!”

comentário atribuído à De Gaulle

Para finalizar esta parte primeira, gostaria de retomar o debate do nacionalismo

como um discurso de legitimação do poder do Estado-nação, como uma visão de mundo

a serviço da manutenção da ordem vigente15 – que oculta por detrás de uma pretensão

universal interesses localizados tanto no espaço quanto na pirâmide social – afim de

apontar alguns aspectos diferenciais do nacionalismo especificamente brasileiro, o qual

chamarei de brasileirismo.

Segundo a moderna ciência política, os Estados-nação se diferenciam a partir de

seu pilar fundamental de legitimação em três tipo. Um determinado Estado-nação pode ter

um discurso nacionalista a ele articulado baseado principalmente em seu território, ou no

seu povo, ou ainda em suas instituições. O brasileirismo evidentemente é

majoritariamente mantido pelo primeiro, pelo território nacional – aparentemente esta

proposição atinge o status de consenso dentro da geografia política.

projeto leninista foi o embate, durante o IX e o X Congresso bolchevique, entre os chefes do partido e a fração conhecida como “Oposição dos Trabalhadores” (no livro de Pipes aparece este nome, contudo, parece-me mais comum a tradução “Oposição Operária”), composta principalmente por militantes operários vinculados ao Sindicato dos Metalúrgicos. Estes reivindicavam basicamente um maior controle direto da produção por parte dos trabalhadores e suas organizações sindicais, basicamente o empoderamento da classe. Lênin se colocou contrário a estas propostas, acusando-as de “desvios sindicalistas”, e argumentando que os operários da “Oposição” não representavam os interesses dos próprios operários. Este momento da Revolução Russa é, talvez, um dos apogeus da trágica história moderna da alienação política através da ardilosa representação: Lênin, o pretenso representante, chega a singular afirmação de representar mais o representado do que o próprio representado! É o reflexo querendo ser mais o refletido que o próprio...

Distante de querer afirmar a frívola e absurda tese da absoluta identidade entre leninismo/bolchevismo e nazifascismo – ou até mesmo da existência de um “fascismo de esquerda” – ainda assim faz-se necessário admitir que ambos compartilham a ambição de um Estado-nação forte e centralizado que elimine ou submeta à força as organizações autônomas da classe trabalhadora. Ambos ocultam tanto os interesses dos trabalhadores quanto as contradições entre classes por debaixo de um forte apelo à legitimidade do Estado-nação e seu papel de representação. Em ambos projetos, o estatismo sobrepuja o classismo. Em ambos regimes, a classe trabalhadora, com suas próprias organizações, fora profundamente apartada e efetivamente expulsa das disputas políticas – a diferença essencial está nos fascistas apelarem aos pretensos interesses nacionais, enquanto os bolcheviques apelavam à revolução proletária mundial e à sua ditadura, ou seja, ela se encontra mais no âmbito do discurso do que da prática. O Estado fascista afirma representar os interesses da nação enquanto o Estado socialista diz ser representante da classe trabalhadora, todavia, ambos afastam esta classe e suas massas populares da prática efetiva da política. Partem duma formulação política “que lhe permitam explorar as massas em nome do próprio povo” (Mikhail Bakunin em “Estatismo e Anarquia”, itálico já presente no original).

Ademais, uma obra outra de referência acerca destes debates dos primeiros anos de regime socialista estatista é inquestionavelmente a “Revolução Russa” escrita por Maurício Tragtenberg.

14 Apresento o conceito de saturação no texto “A Pós-moderna Revolução Socialista” ainda não publicado em meu blogue. Este é parte do projeto “A Dinastia e o Império das Liberdades Negadas”

15 Remeto-me aqui ao debate travado por Michael Löwy em “As aventuras de Karl Marx contra o barão de Munchhausen”

A Construção e a Desconstrução do Brasil – 12 / 31

É difícil imaginar como assim não seria, dada tanto a heterogeneidade da

população quanto a precariedade das instituições nacionais. O povo que habita o território

do Estado-nação Brasil, além de ser oriundo em primeiro momento de diversas e

diferentes colonias portuguesas, é formado durante quase toda sua história por

movimentos migratórios originados de lugares os mais variados possíveis – fluxo de

escravas e escravos de povos africanos distintos, fluxo de imigrantes assalariados de

regiões extremamente heterogêneas (em especial Itália, onde o Estado-nação é

inventado tão somente no século XIX, mas também da fragmentada e separada

Espanha). O recorrente apelo lançado por políticos demagogos – ou mesmo muitas vezes

por intelectuais como, por exemplo, Mario de Andrade, Gilberto Freyre ou Sérgio Buarque

de Holanda – de que o povo brasileiro é um povo multirracial, de que a nação brasileira é

plural, ou qualquer coisa do gênero, parece-me, por ser tão obviamente desesperado,

somente comprovar a heterogeneidade dos habitantes do território brasileiro, mas

também indicar para talvez a própria inexistência orgânica de um ente “povo brasileiro”.

Sobre as instituições nacionais, alem destas terem ganhado maior relevância somente a

partir do período varguista, escreverei só que existem oficialmente mais de quinhentas mil

pessoas encarceradas pelo braço jurídico policial do Estado-nação – em sua maior parte

devidos a crimes relacionados à venda de mercadorias ilegais (drogas ilícitas, armas etc)

ou à propriedade privada (furto, roubo, sequestro etc) –, mas também que a Polícia Militar

de São Paulo com frequência ganha o título de mais assassina do mundo.

Dos três pés possíveis, resta o território para manter o Leviatã. Este conceito da

geografia política que designa a localização, a distribuição e os limites da atuação de um

determinado ente político, no caso, o do Estado-nação Brasil, em muito nos ajuda a

pensar a História e as Geografias deste ator político.

O primeiro triunfo dos estatistas brasileiristas foi a manutenção – e a expansão

subsequente – da gigantesca extensão nacional através de intervenções das forças

militares regulares. A única perda territorial foi a do Uruguai, entretanto irrelevante ao

compararmos o tamanho inicial destinado as colonias portuguesas na América do Sul com

o tamanho atual do Estado-nação Brasil. Como antes esbocei, esta vitória inaugural foi,

no limite, resultado de operações militares bem-sucedidas. Resultou do sufocamento de

todos os levantes regionalistas. Uma vitória armada das Forças Armadas militares.

O outro triunfo dos estatistas brasileiristas foi a manutenção da ordem interna

através da construção de um formidável aparato, civil e militar, repressivo, disciplinar e de

A Construção e a Desconstrução do Brasil – 13 / 31

controle. Este projeto, iniciado antes porém largamente fomentado durante o regime

varguista, trespassou os mais diferentes momentos nacionais. Independente de suas

torturas, prisões, assassinatos e deportações, este sobreviveu ao fim do regime Vargas,

ao golpe militar de 1964, mas também à reabertura democrática. Novamente, uma vitória

armada embora das Forças Armadas militares articuladas com Forças Armadas civis.

Chegamos, então, a uma segunda característica do projeto brasileirista: sua

militarização. E, é claro que a enfase territorial no discurso brasileirista se relaciona

intimamente com a sua essência militar. São as elites armadas as responsáveis pela

garantia tanto das fronteiras nacionais contra possíveis ataques externos, quanto da

estabilidade interna do território contra possíveis levantes e insurreições, revoltas e

revoluções. Evitar estes perigos, em especial os do segundo grupo, ao Estado-nação é,

sem dúvida, uma necessidade premente das elites militares: não somente para manter

seus cargos e espaços privilegiados de poder, mas também por uma questão de vida e

morte pois muitas cabeças do alto escalão costumam rolar durante processos

revolucionários. Trabalhadoras submetidas às atrocidades de diversos Estados-nação

entoavam os internacionalistas versos “logo verás que as nossas balas / são para os

nossos generais”16 – curiosamente suprimidos na versão de Stalin.

Partindo, por fim, destas duas características do brasileirismo faz-se possível

compreender os projetos de regionalização nacional – mais intensamente presentes

durante as ditaduras militares – para além do que seu próprio discurso alega, para além

da pretensa defesa dos interesses da nação. Faz-se possível nos questionarmos quais

são as classes sociais e onde elas estão localizadas, verdadeiras interessadas ocultas

por detrás da ideologia brasileirista. Os projetos de regionalização vinculados aos

governos militares visam uma desconcentração econômica e demográfica afim tanto de

melhor garantir as fronteiras do território nacional, quanto de melhor garantir a

estabilidade interna – metrópoles são grandes fontes de instabilidade, ou mesmo

fomentar uma maior homogeneidade entre as diferentes regiões presentes no território do

Estado-nação Brasil. Estes projetos de regionalização são uma espécie de estratégia

geopolítica com objetivos de manutenção da ordem estatista vigente. Garantir, custe o

que custar, esta ordem é, como já foi posto, um indubitável interesse das elites diversas,

16 Segundo uma nota de Alexandre Samis em “Minha Pátria é o Mundo Inteiro”, “Os versos de L’Internationale foram escritos pelo proudhoniano Eugène Pottier em 1871, no contexto da Comuna de Paris e dedicados ao “cidadão” Gustave Lefrançais. Posteriormente seria elaborada uma versão anarquista de L’Internationale, no ano de 1892. A música foi uma composição posterior de Degeyter. Eugène Pottier. Oeuvres Complètes. Paris: Maspero, 1966, p.101.“

A Construção e a Desconstrução do Brasil – 14 / 31

mas em especial das elites armadas.

Todavia, simultaneamente ao nascimento destes diversos Estados-nação,

Nietzsche já professava: “Todos os deuses devem morrer”. O Leviatã Brasil, igualmente,

deve perecer.

A Construção e a Desconstrução do Brasil – 15 / 31

Parte II: A desconstrução do Brasil e sua regionalização

II.I Ontologia, geografia e niilismo“Nihil est”

citação latina

“Toda sutileza tende ao niilismo” Schlegel

Esta segunda parte de meu texto – a qual visa fornecer uma plausível resposta

para as questões da segunda prova da disciplina de “Regionalização do espaço brasileiro”

– parte da compreensão de geograficidade exposta por Élvio Rodrigues Martins, professor

doutor “da casa”, no artigo “Geografia e ontologia: o fundamento geográfico do ser”,

contudo porém, autoconceder-me-ei o a permissão de por vezes tomar caminhos distintos

nalgumas das encruzilhadas. Com estes desvios, pretendo articular geografia e ontologia

mas numa perspectiva impregnada de consumado niilismo.

Élvio, no texto supracitado, retoma o debate ontológico afim de evidenciar algumas

indelicadezas há tempos enraizadas no cientifico discurso geográfico. Retomando os

conceitos básicos da ontologia, explicita-se a confusão muito comum de considerar o

espaço como um ser, equivoco por sua vez relacionado à indevida “coincidência entre

matéria e espaço, e posteriormente entre materialidade e objetividade”17. Os entes, por

existirem, têm e estão no espaço. Todavia o espaço, por sua vez, não é um ser nem um

ente, tampouco é a própria existência material, mas sim “uma dimensão e forma da

existência do ente”.

Assim sendo, o entendimento que temos da existência é fortemente vinculada à

noção de espaço que possuímos – ou melhor “a compreensão do espaço e do tempo é a

compreensão que temos da existência dos entes”. Esta compreensão não é um dado a

priori, tampouco imutável e universal, pelo contrário, esta se forja no próprio contato do

ser-aí (dasein) na existência e “emerge como uma construção social”. Em outras palavras,

uma específica concepção de espaço (e tempo) é determinada pela sociedade em

questão – é “um atributo cultural”, e a ela sempre se associa uma compreensão

igualmente específica de existência. Desta perspectiva, então, não faz sentido se falar em

“concepções erradas de espaço e tempo” – isto tanto pois não existe uma concepção

deles verdadeiramente verdadeira e dotada de eternidade e universalidade, ou seja, uma

concepção de espaço e tempo fora do próprio espaço e tempo; quanto pois toda

17 Todas as citações deste trecho foram retirados do texto referido de Élvio Rodrigues Martins, “Geografia e ontologia: o fundamento geográfico do ser”, exceto quando explicitada outra fonte

A Construção e a Desconstrução do Brasil – 16 / 31

concepção de espaço e tempo é coerente dentro de seu respectivo e relativo espaço e

tempo, pois é fruto dum momento de sua própria conformação social e cultural.

Colocado o debate do espaço enquanto uma categoria da existência, um atributo

social de compreensão do mundo, avança-se para o de que viria a ser, então, a geografia.

Em suma, esta é apresentada como relacionada ao processo humano e social de

“Descrição” da natureza, do qual “fundam-se os aspectos 'topo-lógicos' e 'crono-lógicos'

que serão ordenadores do pensamento e por sua vez orientadores da ação do sujeito

sobre a realidade”. Ou seja: “A geografia nasce, portanto com a relação entre a sociedade

e a natureza. É propriedade do homem e é propriedade do meio”. Mais especificamente,

esta geograficidade se apresenta como uma compreensão relacionada à Localização e à

Distribuição dos entes durante este processo de Descrição do Mundo realizado por um

Homem pautado numa concepção geográfica determinada por uma Sociedade. A

geografia, então, não se limita a compreensão do espaço, “não é o mesmo que espaço”,

pois o entendimento da Localização e da Distribuição dos entes não se limita

exclusivamente a esta categoria. A geografia é, ainda segundo o mesmo autor e no

mesmo artigo, uma categoria da existência, “um complexo constituído das categorias de

tempo, espaço, movimento e relação”.

A partir daí, Élvio se orienta no sentido de explicar o que é o Homem e o que é a

Sociedade, trabalhando com o par universal/particular. Para tal, recorre tanto ao discurso

cientifico da biologia quanto à ontologia filosófica de Heidegger. Assim, uma Sociedade se

singulariza a partir de suas diferenças em relação à outra sociedade, sendo o universal da

Sociedade apresentado como tão somente poucos elementos “possivelmente

relacionados à sobrevivência e à reprodução material, conjuntamente com e os atos em si

de apropriação aí contidos”. Enquanto o universal do Homem é posto como sua

composição bioquímica, mas também seu fundamento ontológico – já que possuir “uma

singular estrutura bioquímica e uma cadeia de DNA determinada” é uma característica

comum à qualquer forma de vida, isto é, não singulariza o ser da espécie humana. O que

nos singulariza enquanto espécie seria exatamente o fato de nos colocarmos esta

questão ontológica “o que é o Homem?”. Por fim, sendo todos os Homens resultado desta

síntese bio-ontológica, o que singularizaria um determinado indivíduo frente aos outros

seria “a sua escolha, o seu remeter-se para a vida”. Esta escolha, por sua vez, é

determinada pela Sociedade a qual o tal individuo pertence, mas “revestida de

aleatoriedade” pois “se assim não fosse, estaríamos eliminando a individualidade do

processo”.

A Construção e a Desconstrução do Brasil – 17 / 31

É indubitável que a explicação cientifica filosófica, que intentei resumir ainda que

talvez de maneira simplória no parágrafo anterior, é bastante coerente dentro do

paradigma moderno. Para voltar aos termos do debate até agora travado: a compreensão

apresentada por Élvio Rodrigues Martins de Homem e Sociedade é coerente com a

construção social da qual ela é parte18. Contudo, ainda assim é importante ressaltar que

ela é somente uma interpretação coerente com o momento atual da nossa sociedade

particular, como também que ela não é necessariamente a única. Ela é válida para hoje e

aqui: ela é uma relativa verdade. E, aceitando-a por um átimo, gostaria de ressaltar duas

fragilidades retóricas desta compreensão.

Primeiro, afirmar que o fundamento ontológico do Homem é a sua própria

orientação à ontologia parece-me, no fundo, uma tautologia em muitos aspectos

semelhantes à cartesiana “cogito ergo sum”. Ambas são proposições ocas, vazias de

sentido, que nada acrescentam à compreensão da problemática. Isto pois, a menos que

de antemão já se concorde que o quê singulariza o Homem como espécie seja

exatamente o fato dele se perguntar o quê o singulariza como espécie, nada nos leva a

aceitar esta tese. De maneira semelhante, a menos que se acredite de antemão que o ato

de pensar é em si uma prova incontestável tanto do Eu quanto da existência como um

todo, a máxima de Descarte em nada contribui. O “pensar”, a priori, é uma prova tão

absoluta da Existência quanto qualquer outro verbo: porque não “ando logo existo”? Ou

“bebo logo existo”? De mesmo modo o perguntar-se “o que é o Homem?” é um ato tão

singularizante da humanidade quanto qualquer outro perguntar-se, já que nenhuma outra

espécie, ao menos aparentemente, realiza também diversas questões sobre si e a

existência. O foco fundamentalmente ontológico do ser humano é, assim, um axioma,

uma posição a priori e indemonstrável.

Segundo, o ensaio num primeiro momento apresenta a “escolha” (remeter-se), este

elemento que singulariza cada Homem dentro do universo genérico da espécie, como

determinada e condicionada pela Sociedade específica a qual o Homem específico está

imerso, para, na sequência e repentinamente, recorrer à uma “aleatoriedade” como

elemento constitutivo desta escolha afim de resguardar a tal “individualidade do

processo”. Uma observação e uma pergunta de imediato se colocam: a introdução da

“aleatoriedade” é um claro argumento ad hoc, trata-se duma explicação arbitrária e a

posteriori que visa preencher uma lacuna dantes impensada; mas, para além disto, qual é

a necessidade de se preservar a individualidade, em absoluto? O que motiva esta

18 É difícil até de imaginar uma compreensão que não o seja, para não escrever impossível

A Construção e a Desconstrução do Brasil – 18 / 31

inexplicada e pretensamente inexorável blindagem? Por que a individualidade não pode

ser eliminada (para me utilizar do termo do próprio Élvio) do processo?19

O artigo nos evidencia as razões que supostamente levam Heidegger à

preservação da individualidade. Segundo o texto, o filósofo advoga que uma situação na

qual o remeter-se do Homem, é determinado pela Sociedade, uma situação na qual o ser-

aí está “condenado à sociabilidade”, “teria caráter inautêntico”. A Autenticidade estaria

num “viver orientado para a morte”, aí estaria o verdadeiro sentido do ser

Contudo, o filósofo Gianni Vattimo em “O Fim da Modernidade: Niilismo e

hermenêutica na cultura pós-moderna” nos oferece uma interpretação ligeiramente

diferente deste mesmo Heidegger a partir dum diálogo com Nietzsche. Segundo aquele, o

“viver para morte” não deve ser compreendido como um apelo ao “retorno do ser”, uma

tentativa de superar a situação da vida como fábula, um projeto reapropriativo frente a

desvalorização dos valores supremos – que inclui a dissolução do ser no mundo, a

determinação da escolha pela sociabilidade na qual o indivíduo se encontra imerso. Mas,

pelo contrário, deve ser compreendido como uma despedida do ser enquanto tal, um

“abandonar o ser enquanto fundamento”20. Para Vattimo, “O niilismo consumado, como o

ab-grund heideggeriano, chama-nos a uma experiência fabulizada da realidade, que é,

também, nossa única possibilidade de liberdade”21.

É com esta perspectiva, conceituada como de niilismo consumado, que pretendo

associar o restante do trajeto – ainda que, como se verá no próximo ponto, com ressalvas

importantíssimas e qualitativas frente à posição expressa por Vattimo no livro citado. Um

convite à dissolver o ser no mundo, viver a vida como fábula e a verdade como clareira –

como uma experiência retórica e estética; à ouvir melodiosamente as perigosas palavras

de Nietzsche “O que é portanto a verdade? Uma multidão móvel de metáforas,

metonímias e antropomorfismos; em resumo, uma soma de relações humanas que foram

realçadas, transpostas e ornamentadas pela poesia e pela retórica e que, depois de um

longo uso, pareceram estáveis, canônicas e obrigatórias aos olhos de um povo: as

19 A meu ver “A indiv idual idade moderna é construída a part i r dos processos de domest icação dos corpos desenvolvidos por poderes (art iculados com saberes) d iscip l inares e de contro le, cada um destes poderes classif ica numa escala cont ínua cada uma das indiv idual idades dentro de sua própria h ierarquia. O lugar específ ico de cada um desses corpos é encontrado a part i r da sobreposição das posições ocupadas nas diferentes classif icações hierárquicas. Aquele todo poderoso Homem l ivre e racional centro do universo se revela, com a saturação, tão somente como um corpo doci l izado pelo poder.” ( t recho de “A Pós-moderna Revolução Socia l ista”)

20 Heidegger em “Ser e tempo”21 Vattimo no capítulo I “O Niilismo como Destino” da primeira parte “Apologia do Niilismo” do já citado “O

Fim da Modernidade – Niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna”

A Construção e a Desconstrução do Brasil – 19 / 31

verdades são ilusões das quais se esqueceu que são”22. Mas não só, talvez numa mesma

proporção seja um convite a aceitar com tranquilidade as perturbadoras três teses do

“Tratado do Não-ser” daquele que fora indubitavelmente um dos mais originais

pensadores da antiguidade clássica, Górgias: o ser não é; se o fosse, seria incognoscível;

e se fosse cognoscível, seria incomunicável.

Curiosamente, mesmo a moderna ciência do século XX é capaz de nos fornecer

alguns argumentos a favor do niilismo consumado. Isto pois, algumas de suas principais

teorias nos apontam suas demasiadamente restritas fronteiras. Limitar-me-ei a citar o

Teorema da Incompletude Matemática de Gödel, e o Princípio da Incerteza de

Heisenberg23. O primeiro, consensualmente uma das mais relevantes descobertas

matemáticas de nosso tempo, é uma demonstração lógico-matemática de que existem

verdades matemáticas que são matematicamente indemonstráveis. Ou seja, mesmo se

possível fosse reduzir totalmente a realidade a modelos matemáticos racionalmente

construídos (se houvesse equivalência completa entre a matemática e a existência), ainda

assim existiriam pontos cegos, proposições inexplicáveis. O segundo, essencial à física

quântica, trata-se da demonstração de que é impossível determinar com precisão e

simultaneamente a posição e a velocidade (momento) de uma partícula. Esta teoria,

apesar de bastante compreensível, coloca por água abaixo a utopia cientifica do século

XIX contida na ideia de que se medíssemos a posição e a velocidade de todos os entes

do universo, seríamos capazes de prever todo futuro e reconstruir todo passado.

Em outras palavras, e afim de concluir momentaneamente este talvez infindável

debate, entendo que devemos desistir da procura de qualquer sentido ontológico forte

para o ser e para a existência; qualquer proprium, que restabeleça um sentido essencial

para o ser. Devemos abandonar a busca por Autenticidade, ou qualquer outra por uma

situação verdadeira de consciência, ou noção congênere – direção a qual parece-me que

o discurso materializado no ensaio de Élvio toma.

22 Nietzche em “Sobre a Verdade e a Mentira”23 Talvez as teórias sobre a matéria escura também contribuam para tal, já que está é um . “Na cosmologia,

matéria escura (ou matéria negra) é uma forma postulada de matéria que só interage gravitacionalmente (ou interage muito pouco de outra forma). Sua presença pode ser inferida a partir de efeitos gravitacionais sobre a matéria visível, como estrelas e galáxias. No modelo cosmológico mais aceito, o ΛCDM, que tem obtido grande sucesso na descrição da formação da estrutura em grande escala do universo, a componente de matéria escura é fria, isto é, não-relativística. Nesse contexto, a matéria escura compõe cerca de 23% da densidade de energia do universo. O restante seria constituído de energia escura, 73% e a matéria bariônica, 4% “ (Wikipédia)

A Construção e a Desconstrução do Brasil – 20 / 31

II.II Da modernidade à pós-modernidade“Que significa o niilismo?

Que os valores supremos se depreciaram” Nietzsche

Um debate que de imediato imerge e se impõe – principalmente relacionado à

hipótese de que toda compreensão (todo discurso) é uma construção social determinada

por e coerente com o momento da Sociedade na qual se insere, mas também à de que o

remeter-se do Homem na Existência igualmente é determinado por e coerente com a

Sociedade na qual este está imerso – é o da caracterização da condição atual de nossa

Sociedade. Vivemos numa Sociedade moderna24, ou é possível falar em pós-

modernidade? Se sim, sob que condições? Em quais lugares e a partir de qual momento?

Nos vimos, então, no meio do campo de guerra de trincheiras do pós-modernismo. No

meio do debate de se é legitimo e coerente se falar em fim da modernidade e

em pós-modernidade; se existe de fato uma condição pós-moderna .

Enquanto alguns pensadores argumentam pela evidencia da condição pós-

moderna (os chamados pós-modernos), outros afirmam, pelo contrário, a persistência e a

pertinência da Modernidade. Absolutamente distante de querer exaurir esta querela,

gostaria tão somente de indicar que, além do já citado filósofo Gianni Vattimo25, temos

discursos de geógrafos como Lyotard e Edward Soja que assumem a defesa da condição

pós-moderna. Por outro lado, igualmente geografo, temos, por exemplo, David Harvey

como crítico feroz da pós-modernidade. Este, em “Condição Pós-moderna”, nos

apresenta argumentos tanto no sentido de expor a chamada pós-modernidade como

mudanças superficiais em determinadas Sociedades capitalistas modernas, quanto no de

compreender os discursos pós-modernos, os discursos que dalguma maneira fazem

apologia destas mudanças, como ideologias deste capitalismo moderno.

Efetivamente parece-me pouco difícil discordar seriamente de David Harvey neste

ponto. Até mesmo pois, com o distanciamento temporal, “É curioso constatar que por

repetidas vezes aqueles que defendem a pós-modernidade apontam como

evidência desta algumas novas transformações no capital ismo, nas artes,

24 Evidentemente uma discussão que precede a esta é do que é a modernidade, todavia, este não é o objetivo deste já extenso texto, mas é um dos horizontes do já citado “A Pós-moderna Revolução Socialista”

25 Vattimo relaciona a pós-modernidade principalmente à possibilidade de fim da história, de se viver a vida como fábula. Segundo ele, isto se daria a partir das décadas finais do século XX e nos países capitalistas avançados.

A Construção e a Desconstrução do Brasil – 21 / 31

nas tecnologias, que porém, ao passar dalguns anos se revelam como

meras modas de um momento e um lugar do mesmo. É de se impressionar a

pelo menos aparente ingenuidade de discursos da década de 70 e 80 que

acreditavam que a massificação dos meios de comunicação e outras novas

tecnologias, articulada com as novidades estéticas das artes das décadas

passadas, e misturada com um novo aparente ascenso, expansão e

intensificação da sociedade de consumo, indicavam mudanças profundas na

sociedade. Televisão + pop art + shopping center = fim da modernidade.

Passadas três ou quatro décadas, o caráter plenamente moderno de tais

apologias é evidenciado a medida que aquelas mudanças se revelam como

meras modas daquelas épocas, nada mais – ou melhor, um pouco mais sim,

como modas muitas vezes relacionadas aos poderes dominantes e suas

instituições, o Estado-nação, as empresas capitalistas e as acadêmias

universitárias etc. Não por acaso mais de um fim da história já teve seu

fim.”2 6

Mesmo Gianni Vattimo pode facilmente ser compreendido também

como um apologista de mudanças superficiais ocorridas em algum países

capitalistas centrais, pode ser acusado como, em alguns de seus discursos,

um plenamente moderno ideólogo do capital ismo. Basta pensarmos no seu

deslumbre pela generalização do valor de troca.

Dada tanto a evidente incompatibilidade entre os fundamentos da Sociedade

moderna e a ausência de fundamentos fortes niilista, quanto a negação da condição pós-

moderna, como, então, fica a associação aqui apresentada com o discurso niilista

consumado? Mas, além disto, como se explica também a presença indelével deste

“hóspede incômodo” na sala da Sociedade Moderna? Ou seja, dada a evidente

persistência do niilismo na Modernidade, como se explica sua patente incoerência com o

paradigma moderno?27 Todo e qualquer discurso niilista oriundo da época moderna é

sempre necessariamente uma ideologia capitalista e moderna?

Não.

Dada que a Sociedade esta sempre em movimento, dada que a Modernidade é um

momento de nossa Sociedade – compreensão esta inclusive coerente dentro do próprio 26 Este trecho é do já citado “A Pós-moderna Revolução Socialista”27 A meu ver esta incompatibilidade entre o niilismo consumado e os fundamentos modernos se expressa

patentemente nas diferenças entre uma ontologia fraca e uma ontologia forte

A Construção e a Desconstrução do Brasil – 22 / 31

paradigma moderno – faz-se possível distinguir dois tipos de discursos coerentes dentro

da Sociedade moderna. Não só se faz possível fundamentar um discurso a partir da

coerência com os fundamentos próprios do momento Moderno da Sociedade, mas

também é possível fundamentar um discurso a partir das possibilidades abertas pela

saturação destes mesmos fundamentos. Ou seja, um discurso coerente na Modernidade

pode ter como base os fundamentos da modernidade, ou partir das vias forjadas pela

saturação destes mesmos fundamentos. É aí, nesta corrosão, décadence, desconstrução,

nas fissuras e debilidades da Sociedade Moderna que se encontra a única chance niilista:

a possibilidade de ir para além da Modernidade. Isto pois é na própria saturação dos

fundamentos de uma determinada conformação social que podem ser encontrados os

vestígios em latência de sua próxima conformação. A Modernidade saturada, apesar de

não ser ainda a Pós-modernidade, indica suas possibilidades.

Ou seja, este texto se coloca, a partir daqui, numa perspectiva incomum. Negamos

a condição pós-moderna ao mesmo tempo em que afirmamos a pertinência e a

legitimidade de discursos, práticas e projetos pós-modernos. Por um lado, distingui-se em

absoluto da tradição pós-moderna ao concordarmos que as recentes mudanças

tecnológicas, artísticas etc não constituem um rompimento com a modernidade, e os

discursos apólogos destas, assim, se caracterizam como meras ideologias modernas.

Mas por outro lado, a partir de sucessivos desvios, postula-se outra saída para discursos,

práticas e projetos pós-modernos: buscar nos caminhos abertos pela saturação dos

fundamentos modernos as indicações latentes duma possível Sociedade além da

Modernidade28.

Faz-se prioritário, então, dissecar, desconstruir as características da Sociedade

Moderna. Mas como “não é o consenso que faz surgir o corpo social, mas a

materialidade do poder se exercendo sobre o próprio corpo dos

indivíduos”2 9, nos debruçaremos, a seguir, sobre o que é o Poder e as

características do Poder Moderno.

28 Novamente em “A Pós-moderna Revolução Socialista” desenvolvo a hipótese de que estes discursos pós-modernos realizam uma confusão “entre a saturação do moderno e a consumação do ni i l ismo. Apontam elementos da saturação moderna como se estes fossem a própria consumação ni i l is ta. Confundem uma moda com o eterno retorno, uma histór ia com o f im da histór ia, uma l iberdade negada com a vontade de poder (a negação l ibertada), um Homem com o além-homem”. Para na sequência me or ientar na proposição de que “entre a saturação da modernidade e a consumação da pós-modernidade encontra-se necessariamente uma ruptura revolucionár ia, uma derrubada da hegemonia dos atuais poderes, com suas classes e inst i tu ições dominantes e modernas (. . . )”

29 Esta é também a epigrafe da parte I.I deste mesmo texto. A citação é de Foucault em “Microfísica do Poder”

A Construção e a Desconstrução do Brasil – 23 / 31

II.III Poder + região = separatismo regionalista“Fora do poder, tudo é ilusão”

Lenin

Depois de nadar por tempos nos mares da ontologia e do niilismo, vemo-nos

subitamente envoltos no debate do Poder. Para dar prosseguimento a esta caminhada,

convidarei Claude Raffestin de “Por uma Geografia do Poder” para nos acompanhar.

É impossível, aqui e hoje, não encontrar com Foucault ao nos perguntarmos o que

é o Poder na Modernidade. Afim de não me alongar desmedidamente neste debate (o que

provavelmente já o fiz), limitar-me-ei a colocar que as duas mais relevantes contribuições

trazidas, a este debate por este autor, foi a de pensar o poder não como posse mas como

exercício – ou seja, o poder é sempre uma relação social, nunca tão somente uma

relação entre indivíduos – e a de ressaltar aspectos outros que não o repressivo do

exercício do poder – o poder não se limita a negar pretensas vontades individuais, o

poder cria, disciplina, controla, molda etc30. Uma das consequências imediatas desta

compreensão é a de que o poder, logo, não se encontra exclusivamente nas mãos do

estatista máximo, mas sim, trespassando o corpo social como um todo.

A partir destes estudos de Foucault sobre a problemática do Poder, mudanças

profundas foram efetuadas em diversos campos do saber. Dentro dos limites da

geografia, muitos discursos visaram à uma reorganização radical da Geografia Política a

partir essencialmente da leitura foucaultiana de Poder. Transformar a Geografia política

clássica – que na verdade “é uma geografia do Estado, pois veicula e subentende uma

concepção totalitária, a de um Estado todo-poderoso”31, mas também uma “geografia

unidimensional, o que não é aceitável na medida em que existem múltiplos poderes que

se manifestam nas estratégias regionais ou locais”32 – numa geografia do poder foi uma

das ambições centrais de, por exemplo, Paul Claval, além do já citado Claude Rafestin.

Importante ressaltar que, assim como a afirmação da geografia política clássica do

Estado-nação como ator político único e privilegiado – esta evidente confusão entre

poder, política e Estado – é plenamente portadora de conteúdo – pois contém em si uma

apologia estatista contribuindo para legitimar intrinsecamente a moderna situação de

30 A tese central da “História da Sexualidade”, por exemplo, é a de que o poder moderno, mais do que reprimir o sexo, fomenta uma sexualidade específica – heteronormativa e monogâmica

31 Claude Raffestin em “Por uma geografia do poder”32 idem

A Construção e a Desconstrução do Brasil – 24 / 31

hegemonia política deste ator33 – construir uma geografia política do poder é um ato

igualmente pleno de conteúdo. Isto pois nos capacita a olharmos para atores políticos

outros que não o moderno Estado-nação; mas, para além disto, abre-nos a possibilidade

de organizarmos um discurso geopolítico que parta dum remeter-se aos momentos e aos

lugares onde este mesmo Estado-nação fraquejou, quando sua hegemonia fora

fortemente ameaçada: nos possibilita pensar a (mas também para a) geopolítica das

revoluções e dos levantes sociais, nos capacita a construir uma geopolítica à serviço dos

poderes que resistem ao e sazonalmente ameaçam o monopólio político do Estado-

nação34. Este debruçar parece-me especialmente estratégico dentro da perspectiva pós-

moderna niilista aqui exposta, já que se existe alguma chance de um dia vivermos uma

conformação social para além da Moderna, esta passa necessariamente pelo

aniquilamento do Estado-nação – passa pelo ocaso do estatismo.

Uma geografia política fundamentada nos momentos de debilidade do poder do

Estado-nação se coloca, então, de acordo com a proposição anterior de que um discurso

pós-moderno tem como única possibilidade buscar suas referencias nas vias abertas pela

saturação da modernidade. Se é verdade a hipótese já colocada de que é a partir da

saturação dos fundamentos da Sociedade Moderna que se encontram, em latência, os

vestígios duma possível Sociedade Pós-moderna, logo são os períodos de instabilidade

revolucionária momentos privilegiados para um possível remeter-se pós-moderno. É de se

supor que nestes momentos – quando as instituições essenciais da Sociedade Moderna

se veem mais ameaçadas – sejam mais abundantemente encontrados aspectos latentes

da pós-modernidade. Pensando no campo do poder, é plausível cogitar que os vestígios

dos possíveis atores políticos pós-Estado-nação sejam mais facilmente identificados

durante períodos revolucionários.

O que nos leva diretamente a seguinte indagação: quais são as características dos

e quem são os atores políticos que ameaçam a hegemonia política do Estado-nação

durante os momentos de instabilidade revolucionária? Mas também, devido a nossa já

colocada posição, como este se relaciona e se explica a partir da saturação da

Modernidade? Temos, então, uma tarefa dupla. Por um lado, temos que nos debruçar

sobre as revoluções afim de identificar e analisar o que e quem levou o Estado-nação a

33 “O Estado, com maiúscula, é o único ator que a geopolítica leva em consideração. Retomar o expediente geopolítico sem outra forma de proceder é negar, de antemão, as possibilidades de a população encontrar seu próprio poder”. Claude Raffestin em “Por uma geografia do poder” terceira parte, capítulo III.III

34 Uma geopolítica do Poder Popular

A Construção e a Desconstrução do Brasil – 25 / 31

esta situação de risco; por outro, faz-se necessário associar este estudo à uma

perspectiva niilista para que possamos diferenciar aspectos dos projetos políticos

envolvidos que vão para além da modernidade de aspectos que a reafirmam na sua

pureza original (reapropriativos)35.

Infelizmente não será possível realizar estas tarefas aqui, limitar-me-ei a fornecer

algumas breves indicações.

Retomando a companhia de Foucault, temos que “a partir do momento em que há

uma relação de poder, há uma possibilidade de resistência”36. O próprio exercício do

Poder na Modernidade possibilita em sua saturação – nas suas fissuras e debilidades – a

organização de atores políticos outros que resistem a este. Com isto já é possível afirmar,

ao nos debruçarmos sobre a História e as Geografias da Modernidade, que estes atores

políticos de resistência são o que chamamos de movimentos sociais – incluindo aqui

movimentos diversos, como o sindical, o estudantil, o por terra, o racial, por teto, o

feminista, outros movimentos de gênero e sexualidade etc37. Mas também nos é possível

compreender um período de instabilidade revolucionária como resultado da combinação

de dois fatores: uma correlação de forças fortemente favorável aos atores políticos de

resistência somada a uma intensa incompatibilidade entre os projetos38 destes e o do

Poder Moderno.

Outro caminho possível que nos ajuda a compreender o que caracteriza este poder

da resistência é pensar que “Se é certo que o poder, e em especial na época

moderna, permeia toda a sociedade, ou seja, é necessário pensá-lo como

exercício não como posse, como uma relação social não como uma relação

entre indivíduos; contudo não é correto afirmar que tão somente por isto o

poder afeta igualmente a toda Sociedade. Pelo contrário, ainda que quase

35 Dentro da discussão aqui traçada, estas são as duas únicas possibilidades, já que dentro da conformação social moderna uma compreensão pode ser coerente ou com os fundamentos da modernidade, ou com as possibilidades abertas com a saturação destes mesmos fundamentos.

36 Michel Foucault em “Microfísica do Poder”37 Evidentemente este debate carece de refinamento. Salta aos olhos logo de início que movimentos

relacionados ao gênero, à sexualidade e à raça/etnia possuem um caráter transversal – estão presentes praticamente em todos os lugares do corpo social moderno e suas relações de poder. Se impõe também a plausível suposição de relativa prioridade dos movimentos sindicais e estudantis nos centros urbanos – já que a classe trabalhadora passa grande parte de seu tempo confinada à oficina, enquanto a juventude da classe trabalhadora encontra-se por boa parte de seu tempo aprisionada entre os muros escolares. Por outro lado, a questão da terra parece adquirir centralidade nas zonas rurais – pois concentra nela tanto a problemática da moradia quanto a da posse dos meios de produção. A questão ecológica/animal, por sua vez, parece-nos a menos promissora, apesar de sua possível relevância – o que talvez se explique sarcasticamente pelas óbvias dificuldades encontradas na auto-organização política animal/vegetal.

38

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todas e todos de alguma maneira exerçam o poder e se subordinem ao

poder, com seus corpos, é coerente supor que exercer mais, de determinada

altura na vertical hierarquia social, tenha consequências diferentes de se

subordinar mais. As consequências do poder diferem de acordo com o andar

ocupado na pirâmide social, e, logo, a saturação na essência moderna

deste poder é recebida igualmente de maneiras diferentes – influenciando

assim o remeter-se de determinado ente. Isto se dá pois a dominação se

realiza sempre e simultaneamente em dois atos: o do exercício do poder – o

mando – e o da submissão ao poder – o obedecer. Apesar do total de

mandos ser sempre igual ao total de obedeceres, e, de maneira geral, todas

e todos mandarem e obedecerem, é evidente a possibil idade de demarcar

setores sociais que mandam com mais frequência e intensidade em

contraposição à setores que obedecem com mais frequência e intensidade.

Como dizia mais ou menos Mikhail Bakunin; apesar de não ser possível

estabelecer exatamente onde começa a noite e termina o dia, é

inquestionável a existência do dia e da noite, igualmente se dá com a

questão de classe – apesar de não ser possível estabelecer exatamente

onde começa a classe dominante e termina a classe dominada, é

inquestionável a existência das classes 39”4 0.

Por últ imo, gostaria de indicar como outro aspecto fundamental destes

atores polít icos à tendência a autogestão horizontal e local. Isto pois assim

como toda organização hierárquica e representativa se relaciona com uma

39 Gosto da definição de dominação que Felipe Corrêa nos oferece com base numa leitura de Bertolo em “Para uma teoria libertária do poder”: “'A dominação define, então, as relações entre desiguais – desiguais em termos de poder, ou seja, de liberdade –, define as situações de ‘supraordenação’ e subordinação; define os sistemas de assimetria permanente entre grupos sociais.' A dominação, neste sentido, implicaria as desigualdades de poder que definiriam relações de mando/obediência permanentes, também em nível macro, não entre indivíduos, mas entre grupos sociais (castas, classes etc.).

A relação de dominação fundamenta-se, portanto, nas relações de mando/obediência, “nas quais o mando possui um conteúdo de regulação do comportamento daquele que obedece”. Essa relação de mando/obediência, segundo Bertolo, não se dá por meio da função de regulação. Ele defende que não se obedece (em um sentido amplo) uma norma; para ele uma norma se respeita. A obediência está ligada a um mando, “ou seja, à forma em que se apresenta a norma dentro de um sistema de dominação”. Assim, a dominação estaria ligada fundamentalmente à “expropriação da função de regulação exercida por uma minoria”, responsável por impor suas regras “ao resto da sociedade” – ou seja, estaria ligada à imposição.

Portanto, se a “função social de regulação” de uma sociedade é “exercida somente por uma parte da sociedade, se o poder é então monopólio de um setor privilegiado (dominante), isso dá lugar a outra categoria, a um conjunto de relações hierárquicas de mando/obediência que proponho chamar de dominação”. A dominação, assim definida, implicaria monopólio do poder e hierarquia”

40 Trecho de “A Pós-moderna Revolução Socialista”

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perspectiva ontológica forte; a autogestão se relaciona com uma

perspectiva ontológica fraca. “A saturação dos valores supremos abre (como

única) possibi l idade a organização de relações horizontais, pois toda

relação verticalizada se fundamenta nalgum valor supremo.” 4 1

Em suma, estes atores polít icos que por vezes ameaçam a hegemonia

do Estado-nação – colocam em risco toda o sistema de poderes e

instituições que garantem a permanência da conformação social Moderna –

são os movimentos sociais que resistem ao Poder Moderno. A composição

desta é caracterizada por um corte multidimensional de classe, e sua lógica

de organização se pauta na autogestão horizontal e local. O conjunto destes

poderes de resistência é o que chamamos de Poder Popular. É o que

parece-me encontrarmos ao nos debruçarmos por sobre os mais intensos

períodos modernos de instabil idade revolucionária – os sovietes, as

coletivizações de terra e o controle operário de fábrica das revoluções

russas; os cordões industriais e o Poder Popular do Chile de 1971 à 1973; a

coletivização de fábricas, empresas e terras em diversas regiões durante a

Revolução Espanhola; a comuna de Paris; as ocupações de fábricas e

escolas de 1968 etc 4 2.

Esta característica local é reforçada também por Claude Raffestin no

já citado l ivro: “o protesto regional raramente é único, pois al ia-se a outros,

tais como o feminismo, a autogestão e a ecologia. (…) Nesses quatro

protestos, o que está em jogo são as relações essenciais e existenciais.

(…) Retomar o poder pela base por meio do cotidiano e, sobretudo,

recuperar uma malha territorial que possa permitir o exercício dese poder.

Em resumo, trata-se de redescobrir, para as coletividades, malhas

concretas que se oponham às malhas abstratas propostas pelo Estado.

Estamos certamente no l imiar de uma era na qual a região, a que é vivida,

desempenhará um papel cada vez maior para as diversas comunidades.” 4 3

Imergindo esta citação no pensamento até agora desenvolvido,

41 Idem42 Muitíssimos são os estudos sobre a autogestão durante períodos revolucionários. Cito, por exemplo, “A

Revolução Russa” de Maurício Tragtenberg, “A ideia dos sovietes” de Pano Vassilev “A organização da economia autogestionária: dilemas e desafio” de Felipe Vella Pateo, boa parte da obra de Castoriadis, ou mesmo o documentário “A Batalha do Chile” em especial a parte “Poder Popular”

43 Claude Raffestin em “Por uma geografia do poder”

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podemos afirmar que ela nos indica – além da articulação entre

regionalismo, autogestão e feminismo (e ecologia) – a possibil idade duma

conformação social além da Modernidade fundamentar-se com base na

escala regional – não mais na escala nacional como é característica da

época Moderna. Por últ imo, ela também nos indica que este processo de

recuperação de uma malha territorial (uma regionalização) não mais pode

partir duma criação racional cientif ica abstrata, mas tão somente duma

retomada “pela base por meio do cotidiano”.

Em outras palavras, este processo de regionalização necessariamente

deve ser regionalizante e regionalista . Ele deve, ao mesmo tempo,

fundamentar seu conceito de região a partir duma perspectiva ontológica

fraca – isto é, reconhecer a região como uma construção social restri ta no

espaço e no tempo, e também que a fundação da região é indissociável do

próprio regionalizar – e ser um projeto tocado pelo e para o Poder Popular

local.

II.IV Por uma regionalização regionalizante mas também regionalista“somente a ação espontânea do povo pode criar a

liberdade”

Mikhail Bakunin em “Deus e o Estado”

Por fim, retornamos a perguntara originária desta segunda parte do texto, a saber:

“Como você conduziria um processo de regionalização para o Brasil do século XXI? Qual

seria o conceito de região utilizado? Como seria organizada a metodologia de pesquisa?

Por que se dividiria o espaço brasileiro? Em que medida esta proposta poderia ser

comparada com momentos anteriores da regionalização do espaço brasileiro? Quais

seriam suas contribuições para o Brasil?”. É evidente que, dado o específico percurso

trilhado até aqui, alguns desvios se impõem a este conjunto de perguntas.

A compreensão da primeira das perguntas – que parece-me também ser a central –

acaba por ser radicalmente transformada. Isto pois, dentro da nossa perspectiva niilista e

pós-moderna: 1) um processo de regionalização adequado e coerente não pode ser

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conduzido exclusivamente em bases racionais de um planejamento44 cientifico tampouco

por uma pessoa qualquer (ainda menos pelo Estado-nação e suas instituições, como, por

exemplo, o Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas da Universidade de São Paulo), a regionalização que aqui defendemos só pode

ser conduzida pelo Poder Popular da própria região em questão; 2) Não faz sentido se

falar de um processo de regionalização para o Brasil, pois, dada a pretensão de irmos

além de qualquer Estado-nação associada ao nosso latente regionalismo, se evidencia

que serão necessariamente muitos e diversos processos de regionalização do território

atualmente dominado pelo Brasil – mesmo as atuais Unidades Federativas devem ser

totalmente retaliadas em pequeninas regiões.

Todavia, parece-me que conseguimos fornecer respostas mais diretas para muitas

das outras questões. Depois de um longo caminho de várias e várias páginas, nos é

possível afirmar alguns pontos. Chegamos a um conceito específico região – mas

também indicamos alguns aspectos metodológicos. Fornecemos argumentos no sentido

tanto do porquê dividir o espaço brasileiro de determinada maneira, quanto as possíveis

contribuições desta divisão para o Brasil – ainda que explicita e intencionalmente passem

pela destruição deste mesmo. E também, fornecemos as bases para comparar esta

proposta de regionalização regionalizante mas também regionalista com as outras

propostas dantes aqui desenvolvidas – todas fundamentadas na construção social

Moderna, não nas possibilidades abertas pela saturação desta, logo, radicalmente

diferentes.

44 Henry Lefebvre em “A Revolução Urbana” realiza uma crítica arrasadora ao planejamento urbana. Acredito que poderíamos utilizar as bases de sua argumentação afim de criticar igualmente projetos de regionalização que partam do Estado-nação, ou de empresas capitalistas.

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Bibliografia Alex Buzeli Bonomo “O Anarquismo em SP: As Razões do Declínio (1920-1935)”

Alexandre Samis “Minha pátria é o mundo inteiro”

“Anarquismo e Sindicalismo no Brasil”

Caio Prado Junior “Formação do Brasil Contemporâneo”

Claude Raffestin “Por uma geografia do poder”

David Harvey “Condição Pós-moderna”

Edilene Toledo “Travessias Revolucionárias”

Élvio Rodrigues Martins “Geografia e ontologia: o fundamento geográfico do ser”

Felipe Corrêa “Anarquismo e Sindicalismo Revolucionário”

“Para uma teoria libertária do poder”

Felipe Vella Pateo “ A organização da economia autogestionária: dilemas e desafio”

Friedrich Nietzsche “Sobre a Verdade e a Mentira”

“Para além do bem e do mal”

Franco Volpi “O niilismo”

Gianni Vattimo “O fim da modernidade – niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna”

Hugo Scabello “A Dinastia e o Império das Liberdades Negadas”

Jaime Cubero “Anarco-sindicalismo no Brasil”

Martin Heidegger “Ser e Tempo”

Maurício Tragtenberg “A Revolução Russa”

Michel Foucault “Microfísica do Poder”

“História da Sexualidade (tomo I, II e III)”

“Vigiar e Punir”

Mikhail Bakunin “Estatismo e Anarquia”

“A ilusão do Sufrágio Universal”

“Deus e o Estado”

Oscar Farinha Neto “Atuação Libertária no Brasil – A Federação Anarco-sindicalista”

Richard Pipes “História Concisa da Revolução Russa”

Todd May “Pós-estruturalismo e Anarquismo”

Zélia Gatai “Anarquistas, graças a Deus”

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