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A CONTRIBUIÇÃO DAS VANGUARDAS ARTÍSTICAS EUROPÉIAS PARA A POÉTICA DO TEATRO DE TADEUSZ KANTOR. Gustavo Jose Salazar Garcia 1 Universidade Estadual de Londrina A passagem dos séculos XIX para o século XX assistiu ao surgimento da figura do encenador, tempos antes disto, o diretor apenas servia aos poderes do texto, como em alguma oportunidades também servia ao prestigio de atores que ostentavam os títulos de primeiros atores das companhias. Com a introdução do encenador a arte dramática parte para uma busca por sua autonomia, que se baseia em uma busca pelas especificidades desta arte. (ROUBINE, 1997) É neste contexto de uma busca pela autonomia da arte teatral que se insere Tadeusz Kantor, que pode portar o titulo de encenador, por estabelecer processos artísticos que visam a autonomia do teatro com relação às outras linguagens artísticas, utilizando estas como parceira. Ele dirigia seus espetáculos -em boa parte de suas obras, fazia isto simultaneamente com as apresentações -, criava os figurinos, o cenário, enfim ele era o catalisador da encenação. (BELTRAME; MORETTI, 2008) Tadeusz Kantor ( 1915-1990) é o diretor de teatro polonês mais exaltado depois de Jerzy Grotowski 2 . (CALSON, 1997). Sua trajetória artística é marcada por espetáculos teatrais, happenings, exposições de pinturas, instalações e manifestos. O último elemento aqui exposto esteve sempre pontuando as fases de Kantor, no que se diz respeito à reflexão de sua prática artística. A sua trajetória artística é constituída de oito períodos: teatro ephemeric (1938); teatro clandestino (ou teatro independente) (1942 – 1944); teatro autônomo (1956); teatro informal (1961); teatro zero (1963); teatro happening (1965); teatro impossível (1973) e o teatro da morte de 1975 a 1990. (D’ABRONZO, 2008). É importante ressaltar que durante todo o seu percurso artístico, Kantor explora 1 Bacharel em Artes Cênicas pela Universidade Estadual de Londrina e aluno do curso de especialização em Literatura Brasileira pela mesma universidade. 2 Jerzy Grotowski (1933-1999), teórico, crítico e diretor teatral, dirigiu de 1965 a 1984 o Teatro Laboratorio de Króclaw, exprimindo neste período uma pesquisa de relevância impar, para a arte teatral do sec. XX. III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR 1404

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A CONTRIBUIÇÃO DAS VANGUARDAS ARTÍSTICAS

EUROPÉIAS PARA A POÉTICA DO TEATRO DE TADEUSZ KANTOR.

Gustavo Jose Salazar Garcia1

Universidade Estadual de Londrina

A passagem dos séculos XIX para o século XX assistiu ao surgimento da

figura do encenador, tempos antes disto, o diretor apenas servia aos poderes do texto,

como em alguma oportunidades também servia ao prestigio de atores que ostentavam os

títulos de primeiros atores das companhias. Com a introdução do encenador a arte

dramática parte para uma busca por sua autonomia, que se baseia em uma busca pelas

especificidades desta arte. (ROUBINE, 1997)

É neste contexto de uma busca pela autonomia da arte teatral que se insere

Tadeusz Kantor, que pode portar o titulo de encenador, por estabelecer processos

artísticos que visam a autonomia do teatro com relação às outras linguagens artísticas,

utilizando estas como parceira. Ele dirigia seus espetáculos -em boa parte de suas obras,

fazia isto simultaneamente com as apresentações -, criava os figurinos, o cenário, enfim

ele era o catalisador da encenação. (BELTRAME; MORETTI, 2008)

Tadeusz Kantor ( 1915-1990) é o diretor de teatro polonês mais exaltado

depois de Jerzy Grotowski2. (CALSON, 1997). Sua trajetória artística é marcada por

espetáculos teatrais, happenings, exposições de pinturas, instalações e manifestos. O

último elemento aqui exposto esteve sempre pontuando as fases de Kantor, no que se

diz respeito à reflexão de sua prática artística.

A sua trajetória artística é constituída de oito períodos: teatro ephemeric

(1938); teatro clandestino (ou teatro independente) (1942 – 1944); teatro autônomo

(1956); teatro informal (1961); teatro zero (1963); teatro happening (1965); teatro

impossível (1973) e o teatro da morte de 1975 a 1990. (D’ABRONZO, 2008).

É importante ressaltar que durante todo o seu percurso artístico, Kantor explora

1 Bacharel em Artes Cênicas pela Universidade Estadual de Londrina e aluno do curso de especialização em Literatura Brasileira pela mesma universidade. 2 Jerzy Grotowski (1933-1999), teórico, crítico e diretor teatral, dirigiu de 1965 a 1984 o Teatro Laboratorio de Króclaw, exprimindo neste período uma pesquisa de relevância impar, para a arte teatral do sec. XX.

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todas as suas habilidades artísticas, já que estas linguagens vão se sobrepondo

,confrontando-se e formando assim a sua identidade artística. Portanto nota-se aqui um

mosaico de várias formas de articulação artística, no entanto estas não seguem a mesma

perspectiva da Gesamtkuntwerk, proposta por Richard Wagner, que seguindo os ideais

românticos, acabou por influenciar uma corrente simbolista, que propunha formar para

suas óperas, como escreve Patrice Pavis:

“[...] um todo significante e autônomo, fechado em si mesmo [...]. A cena é um modelo reduzido coerente, uma espécie de sistema cibernético (ou semiológico) que integra todos os materiais cênicos numa totalidade e num projeto significante.”. (PAVIS, p. 183, 2007).

Denis Bablet3, no prefacio da edição brasileira do Teatro da Morte aponta que

“A Gesamtunsterk wagneriana, a obra de arte conjunta, repousa sobre a união – senão

na fusão – das artes no interior do espetáculo” (BABLET, 2008, p. xxiv). Mesmo que

visando esta homogeneidade4, a música era o fio condutor. Esta proposta wagneriana

vai influenciar mesmo que de forma a ser refutada, boa parte das atividades artísticas do

inicio do século XX, tal como se estendeu durante o restante do mesmo.

Já nas vanguardas artísticas do inicio do séc. XX, como para Kantor, esta

questão da fusão das artes, toma outra perspectiva, no lugar do homogêneo entra o

heterogêneo. Assim a idéia de criação para Kantor como aponta Bablet (2008, p. xxv) é

“[...] uma verdadeira colagem, cujos elementos atuam uns em relação aos outros na

recusa de todo paralelismo”. Esta citação encontra-se paralela às questões das

vanguardas históricas, tanto na questão da convergência das linguagens artísticas, tal

como no procedimento de colagem de elementos, isto se pode notar em práticas

dadaístas, surrealistas e também integra algumas práticas da Bauhaus. (GOLDBERG,

2006)

Kantor em um período que esteve em Milão, ministrando aulas na Escola

Dramática de Milão sobre seu trabalho, apresenta a idéia de que a arte teatral deve se

valer da relação com as outras artes, na explanação sobre o conteúdo do curso, aos

3 Denis Bablet – Critico e teórico teatral, responsável pela organização dos escritos de Tadeusz Kantor, intitulado Teatro da Morte, dentre outros estudos também sobre a arte teatral. 4 Isto pode ser possível a partir do pressuposto que existem “generalizações acerca do modo como as partes e os todos se inter-relacionam, independentemente da disciplina particular em que as partes e os todos são observados” (LITTLEJOHN, 1982, p. 41)

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alunos ele informa:

Nós nos aproximaremos do teatro através do domínio de outras disciplinas. É necessário abraçar toda arte para compreender a essência do teatro. A profissionalização teatral conduz o teatro a sua derrota. Isso é uma opinião particular. (KANTOR apud CINTRA, 2008, p. 329).

Kantor trabalhou intensamente nesta formulação de um teatro total, sempre

pautado no jogo entre os elementos constituintes do espetáculo, em seu manifesto O

Teatro Independente, fica clara esta questão:

No teatro, esta unidade se obtém pelo manejo dos contrastes, entre os diversos elementos cênicos; movimento e som, forma visual e movimento, espaço e voz; palavra e movimento das formas etc... . (KANTOR, 2008, p 12).

Apesar das grandes influencias que Tadeusz Kantor sofreu em sua formação na

Academia de Belas Artes da Cracovia, ele pouco se interessou pelas obras feitas por

seus professores, já que estas, em sua opinião, não lhe ofereciam nenhum estimulo.

Mesmo que neste período ele tenha se interessado, pelos pensamentos do

Construtivismo e da Bauhaus, de acordo com Plésniarrowicz, ele não acreditava

fielmente nestas linhas de pensamento, podemos notar isto nas próprias palavras de

Kantor, “Eu me formei com os simbolistas.”5 (KANTOR apud PLEŚNIAROWICZ,

1994, p.11).

Na Academia de Belas Artes cria o grupo teatral de marionetes, Ephemeric

(Mechanic) Theatre, aonde encenou Death Of Tintagiles de Maurice Maeterlinck, em

1938, no estilo Bauhaus sob a influencia de Oskar Schlemmer, como o próprio Kantor

se referiu. Ele também encenou o drama simbolista Balaganchik, de Blok. Esta tensão

entre construtivismo e o simbolismo, permaneceu na base de todo seu trabalho

(PLEŚNIAROWICZ, 1994, p. 11). Segundo o próprio Kantor, em seu desenvolvimento

artístico, sempre existiu esta contradição entre simbolismo e a arte abstrata. Tadeusz de

forma metafórica comenta sobre isto “Simbolismo foi a herança de nossa tradição

polonesa, que foi grandiosa: Wyspianski, foi o castelo real com os fantasmas dos reis

5 “I had been raised on the symbolists.” (Tradução nossa)

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poloneses mortos.”6 (KANTOR apud PLEŚNIAROWICZ, 1994, p. 11).

Em 1942 a ocupação nazista é intensa na Polônia e, é neste mesmo ano que

Kantor funda o Cricot, um grupo experimental de teatro, aonde encena sua primeira

montagem, Balladina, de J. Slowacki. Esta peça fez parte do primeiro momento das

investigações teatrais de Kantor, que foi denominada Teatro Clandestino. (KANTOR,

2008). A partir da transposição de algumas letras da palavra to cirk ( o circo ), surge o

nome do grupo de Tadeusz Kantor, Cricot, ou também denominado Teatro

Independente da Cracóvia (CINTRA, 2008, p. 14). Com fim da segunda grande guerra,

seu grupo passou a se chamar Cricot 2, este nome se manteve até fim das atividade

desta companhia, que acontece dois anos após a morte de Kantor. (KANTOR, 2008).

O espetáculo Balladyna foi escrito em 1834, é um fabula tragicômica, que

apresenta elementos da tradição nacional e da mitologia popular polonesa. Para Kantor

este material era excelente para uma “colisão” com as idéias das vanguardas artísticas.

Segundo o encenador polonês a realidade da época era tão absurda – presença da

segunda guerra – que a maior parte dos artistas da época se voltou para uma estética

abstrata e seguindo esta mesma tendência foi estruturada a encenação de Balladyna.

Esta peça transpôs todo romantismo de Slowacki, para as concepções abstratas da

Bauhaus, pois Kantor utilizou principalmente formas geométricas, círculos, arcos e

materiais como papel alumínio e papelão. Foram realizadas por volta de quatro

apresentações, em apartamentos de amigos de Kantor e contou com um publico médio

de cem pessoas. ( PLEŚNIAROWICZ, 1994 )

No espetáculo O retorno de Ulisses (1944), que também compõe o período do

Teatro Clandestino, sabe-se que este tinha em cena, objetos como um megafone, tambor

de revolver, uma roda de carro, cadeiras, todos estes encontrados nos escombros da

cidade. Além também de existir na cena um canhão construído por Kantor, como

também um capacete roubado de um soldado. Sem esquecer que o espaço aonde se

encenou, era uma casa abandonada, com os traços da destruição da guerra. Esta

escolha por uma casa abandonada mostra a preocupação de Kantor em explorar a sua

realidade atual, característica esta que irá sempre o acompanhá-lo. Além do que esta

escolha levanta outra questão presente no seu trabalho, que é o questionamento do

espaço físico tradicional e convencional da atividade teatral (D’ABRONZO, 2008).

6 “Symbolism was the heritage of our Polish tradition, which was great: Wyspianski, Krakow`s royal castle the ghost of Poland`s kings who are dead.” (Tradução nossa)

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É válido apontar aqui que, as atividades artísticas oficiais na Polônia durante

este período mais intenso da guerra, se apresentam praticamente nulas e mesmo após o

fim dos conflitos, o regime socialista ali se instaura, em conseqüência disto os artistas e

suas obras por um longo período ficaram à cargo dos ideais políticos ali instaurados.

(BARBA, 2006).

Kantor, inserido neste contexto desfavorável para práticas artísticas

experimentais – assim como foi sua trajetória artística- se sentia da seguinte forma ao

questionar este espaço, destinado canonicamente à arte teatral: “Vejo-me diante de um

edifício de inutilidade publica, preso à realidade de vida como um balão inflado”.

(KANTOR, 2008, p. 2). Nota-se que desde o inicio de suas pesquisas, o encenador

polonês se contrapõe aos cânones teatrais de sua época.

Estes questionamentos com relação às convenções artísticas de sua época, em

especial as da arte teatral, são expostas por toda sua obra. Ainda em seu Manifesto

Teatro Independente, ele se opoe aos recursos tradicionais, - a cortina que se abre, as

poltronas voltadas todas para a mesma direção -, vão para Kantor, criando um hábito

que retira do teatro a sua sensibilidade. O encenador polonês deseja um teatro com “[...]

poder de ação primitivo, desconcertante!” (KANTOR, 2008, p. 2).

Esta postura com relação ao ambiente que o circundava, foi uma

das matrizes de seu pensamento, Kantor assim relata:

Só tínhamos força para agarrar o que estava à mão, O OBJETO REAL, e chamá-lo de obra de arte! Mas era um objeto POBRE, incapaz de ser útil na vida, um objeto a ser descartado. Despojado de sua função vital que o salvaria, desnudo, desinteressado, artístico! (KANTOR apud D’ABRONZO, 2008, p. 60).

Complementando este ponto, disserta Thais D’Abronzo, “A

realidade da Guerra apresentou para Kantor a compreensão do objeto, do espaço de

representação e do homem, deslocados de seus valores utilitários” (D’ABRONZO,

2008, p. 60). Assim o encenador polonês vai ver esta questão como um ponto

fundamental ao seu teatro:

A precariedade do espaço, dos objetos e da vida humana constitui um fator decisivo para a realidade teatral de Tadeusz Kantor. [...]. Realidade na qual objetos e pessoas encontram-se

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esquecidas e desgastadas, privadas de sua função na realidade cotidiana. (D’ABRONZO, 2008, p. 61)

Em 1955, ao analisar a sua obra, Kantor diz que o Cricot 2 estabeleceu nesta

época uma transformação entre as relações estabelecidas entre cena e publico , “ Um

publico instalado ao redor das mesas de café, do jazz e do dancing, constituindo uma

realidade autêntica, viva, em oposição a um público passivo, neutro, estacionado em

assentos dos teatros oficiais.” (KANTOR, 2008, p. 16). Desta forma a cena, e

consequentemente o Cricot 2, estabelecem uma realidade viva, que é análoga ao que se

vê na rua, assim o espaço para a representação se torna uma extensão do que público e

atores vivem em seus cotidianos.

O teatro de Kantor sendo assim, à primeira vista, próximo ao cotidiano teve a

necessidade de utilizar meios de expressão contundentes e contestatórios, para colocar

em xeque esta realidade e assim abrir a possibilidade de quebra com o comodismo do

público, estabelecendo assim não apenas rupturas de ordem arquitetônica, mas também

intelectual. E para tal ação Kantor se valeu da seguinte idéia:

A metamorfose do ator, esse ato essencial do teatro – longe de ser camuflada, exibe-se explicitamente e expõe-se quase até a injuria e a zombaria. Maquiagem exagerada, formas de expressão emprestadas do circo, recorrência e perversão de situações, escândalo, surpresa, choque, associações contrarias ao “bom senso” pronuncia artificial e afetada. (KANTOR, 2008, p. 16)

Esta ruptura palco/platéia, assim como todas as outras formas deste mesmo

principio (rupturas) em Tadeusz Kantor vão muito além de um mero egoísmo por parte

do encenador, já que estes rompimentos devem estabelecer uma relação diacrônica com

uma comunicação de importância capital. Kantor justifica esta questão, da seguinte

maneira:

Devemos dar à relação ESPECTADOR/ATOR sua significação essencial. Devemos fazer renascer o impacto original do instante em que o homem (ator) apareceu pela primeira vez diante de outros homens (espectadores), exatamente igual a cada um de nós e, no entanto, infinitamente estrangeiro, muito além da barreira que não pode ser ultrapassada. (KANTOR, 2008, p. 202-203)

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A fundação do Cricot 2, marca o período que o encenador polonês considera

como o ponto de partida, real, de suas atividades teatrais. Este momento artístico como

disserta Thais D’Abronzo, “[...] dá-se por dois motivos fundamentais e recorrentes em

toda sua trajetória de trabalho: a realidade da guerra e a busca por compreender o teatro

como realidade independente dos modos teatrais vigentes e contrários à realidade

cotidiana.” (D’ABRONZO, p. 56, 2008).

Esta segunda etapa das atividades teatrais de Kantor (Cricot 2), apresenta um

grupo de pintores de tendências extremas, poetas e pintores, que buscaram a idéia de um

teatro de vanguarda. Não visando apenas pesquisas de valores estéticos, mais sim uma

ruptura com o método de jogo teatral, aliado às contribuições das distintas habilidades

artísticas dos integrantes deste grupo. (KANTOR, 2008)

Na fase do teatro autônomo, que além de marcar o inicio das atividades de seu

grupo, o Cricot 2, se dá uma insistência nas possibilidades de relação do ator com o

espaço e os objetos, sempre fundamentada em um lógica distinta a que se espera para o

drama. Sobre esta questão D’Abronzo escreve:

A manifestação de choques, escândalos e surpresas, ocasionada pela relação dos atores com o espaço e os objetos, favorecia a liberação do potencial da imaginação rompendo com a “casca do drama”, bem como explorando aspectos desconhecidos da realidade cotidiana. (D’ABRONZO, 2008, p. 62).

Estes choques não vão em direção da agressividade, literalmente dizendo, na

cena, mas sim vão ao encontro desta vontade de Kantor de confrontar a realidade da

cena com a realidade cotidiana e assim ampliar as arestas da imaginação humana.

Portanto nas palavras do encenador polonês esta idéia de choque, toma um sentido

ontológico. Assim ele coloca da seguinte maneira o papel do choque em sua criação,

contrapondo-se à idéia generalizada de choque, “É um meio real para ferir o miúdo

pragmatismo generalizado do homem atual, um meio de desentulhar a estrada de sua

imaginação sufocada, de fazê-lo apreender os conteúdos outros que não têm lugar no

pragmatismo.” (KANTOR, 2008, p. 60).

Desta forma, o choque (conflito) vai compreender o percurso de Kantor em

toda sua extensão, indo de um questionamento dos modos de utilização do texto

literário, passando por um gama de outras variações, até o choque entre a idéia de vida e

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morte, instaurada com mais força, no período do Teatro da Morte.(CARSON, 1997, p.

447)

O trato com o texto, no teatro de Kantor toma também uma postura de tentativa

de quebra com a realidade cotidiana. Já que o texto não é tido como fio condutor da

encenação, ele esta ali para chocar a sua realidade, com a realidade do ator. O encenador

polonês crê na presença do texto literário, muito validada para a atividade teatral, já que

para ele o texto “[...] constitui uma condensação, da realidade, de uma realidade

tangível. É uma carga que deve estourar. Não é suporte para o teatro. Não é nem um

aguilhão, nem uma inspiração. É um parceiro.” (KANTOR apud BABLET, 2008, p.

xxxvi). Fica claro aqui nesta passagem de Bablet, que esta tensão existente entre os

elementos da cena em Kantor, fogem da superficialidade de considerar este principio

como, elemento de horror, violência, ingerência, mais sim este choque é elemento

necessário para a existência da atividade teatral “kantoriana”.

Nota-se que Kantor, tal como outros artistas de vanguarda do séc. XX propõe,

constantemente, uma revisão dos materiais artísticos, um exemplo disto é a literatura

futurista. Com princípios semelhantes às outras linguagens artísticas, a arte da escrita

futurista deveria se valer de signos musicais e matemáticos, no lugar dos antigos

advérbios, adjetivos e da pontuação. Palavras livres das convenções, acrescidas de uma

imaginação sem fios. Marinetti7 lança diversos manifestos, com a intenção de repensar a

posição e os procedimentos que a arte teatral deveria a partir do “novo tempo” tomar

como bases para a sua formulação. Em seu Manifesto dos Dramaturgos Futuristas, ele

faz um pedido para que se abandonem os temas recorrentes do teatro da época (amor e

adultério), para propiciar a quebra com a realidade cotidiana, baseada em reconstruções

históricas nos palcos. Para ele o teatro não teria outra razão de existir, senão o fato de

distanciar o publico de sua realidade habitual (cotidiana) e lançá-lo em uma atmosfera

de embriaguez intelectual. (GARCIA, 1997)

A negação da aparência de vida é um dos pontos que

fundamentam o Teatro Informal. Neste seu período, Kantor propunha uma nova

definição para o gesto e a decisão humana, questionando os estados emocionais no

trabalho cênico que para ele se transformam insensivelmente em “hipertrofias

7 Filippo Tommaso Marinetti (1876 – 1944), foi um escritor, poeta, editor, jornalista e ativista político italiano, iniciador do movimento futurista, cujo manifesto publicou no jornal parisiense Le Figaro, em 20 de fevereiro de 1909.

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angustiantes, por sua temperatura insólita esses estados biológicos perdem todo elo com

a vida prática tornam-se material da arte”. (KANTOR, 2008, p. 27 e 28).

Esta negação da aparência de vida (inanimado), presente no trabalho de

Kantor, pode ser relacionada com o Ideal Inorgânico, que foi um dos princípios

presentes, nas Vanguardas Artísticas do Século XX. O desprezo pelos valores clássicos,

e a exaltação do presente deu-se na grande euforia pelos avanços tecnológicos da época.

Contrapondo o ranço romântico, ainda presente em seu tempo, os futuristas vão dar

prioridade à poesia concreta dos edifícios, pontes e usinas. O automóvel neste contexto

se torna a expressão poética do novo tempo (GARCIA, 1997).

Este elogio às máquinas, que também pôde ser entendido como Ideal

Inorgânico como intitula Thais D’Abronzo, em sua dissertação de mestrado, propõe

uma primeira ruptura com os princípios de uma organicidade ideal e harmônica para a

arte, como podemos observar no movimento simbolista. Um exemplo disto é o ideal de

arte total wagneriano. O que é proposto pelos futuristas para tomar o lugar do passado e

romper com estes procedimentos é: uma forma mecânica e inorgânica de se conceber a

arte. (D’ABRONZO, 2008)

Este ideal inorgânico, proposto inicialmente por Marinetti, vai se estender por

diversos campos artísticos. Em 1913, o pintor Russolo8, escreve o manifesto A arte dos

ruídos, e revela que na Antiguidade só havia silêncio, mas com o advento da

industrialização, a partir do século XIX, surge o ruído. Ele propunha uma tipologia para

os ruídos, “classificados segundo qualidades sonoras – sussurros, estrondos, gritos

humanos e animais, etc... - pretendia utilizá-los como base para a composição musical”

(GARCIA, 1997, p. 36). Assim com a crescente incidência de ruídos, vindo das grandes

cidades, tal como, também já notada no campo, sugere uma lógica de que “o som puro

em sua insignificância e monotonia, não mais consegue despertar emoção”. (RUSSOLO

apud GOLDBERG, 2006, p. 11)

O mesmo principio inorgânico também foi aplicado às performances

futuristas, no que se diz respeito aos movimentos corporais, os quais eram baseados nos

8 Luigi Russolo (1885 - 1947) foi um pintor e compositor Itáliano, futurista e o autor da L'Arte dei Rumori (A arte do ruído) em 1913 e Música Futurista.Ele acreditava que a vida contemporânea era muito ruidosa e que os ruidos deveriam ser utilizados para a criação música.

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movimentos staccatos das máquinas. Em uma montagem de Giacono Balla9, em 1914,

doze pessoas representaram uma máquina tipográfica, cada um dos integrantes fazia as

diferentes peças que compõem este objeto. Esta apresentação foi intitulada de Macchina

tipográfica.

Kantor em seu manifesto do Teatro Informal coloca as suas aspirações sobre

esta negação da aparência de vida:

Na elocução chega-se até essa matéria bruta matéria primeira e primária, ridicularizando toda convenção clássica, essa que mimável, se deforma sem cessar pelo uso cotidiano [...] (KANTOR, 2008, p. 28).

Na encenação de No Pequeno Solar (1961) que pertence ao

período do teatro informal, baseada na obra de I. Witkiewicz, Kantor apresentava atores

junto a várias bolsas, dentro de um armário, aonde jogavam com a tensão e a luta entre

eles. Segundo D’Abronzo, as questões investigadas nesta peça são, “[...] a degradação

da vida biológica, e a perda de utilidade na vida prática e cotidiana, para assim alcançar

a condição de matéria degradada e inerte, que se recusa a ser construída e fixada em

uma forma.” (D’ABRONZO, 2008, p. 64).

Aqui é interessante anexar outra passagem do manifesto do Teatro Informal,

onde Kantor reforça a questão da omissão pela concepção clássica de vida:

Os atores oprimidos no espaço estreito e absurdo do armário, empilhados aos objetos mortos, (sacos, uma massa de sacos) Sua individualidade e sua dignidade degradadas, pendurados inertes como as vestimentas, identificam-se com a massa de sacos (os sacos: embalagem que ocupa a ordem mais baixa na hierarquia dos objetos e torna-se então facilmente uma matéria não objetual) (KANTOR, 2008, p. 28).

9 Giacono Balla (1871 - 1958), pintor italiano, nasceu em Turim. Em 1910 declarou publicamente sua filiação ao movimento futurista do qual se afastou em 1931. Com sua obra tentou endeusar os novos avanços científicos e técnicos por meio de representações totalmente desnaturalizadas, sem chegar a uma total abstração.

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Neste mesmo manifesto sobre o Teatro Informal, Kantor nos apresenta a sua

encenação. Descrevendo que na cena há muitos objetos, dispostos livremente, tudo bem

caótico e ao acaso. Um armário velho e apodrecido e um grande objeto recoberto por

um lençol velho. Este objeto ele dá o nome de Maquina de Morrer, nele se encontra

uma grande manivela, que na descrição do encenador polonês pode parecer “[...] um

absurdo moedor de café ou em uma máquina de moer carne.” (KANTOR, 2008, p. 30).

Ao passo que existem estes objetos, que a principio levariam a se deduzir que

este espaço seja um quarto, aparece outro objeto, uma carroça de lixo. Aqui nota-se os

contrates entre elementos , que cotidianamente não convivem no mesmo ambiente –

cria-se aqui um choque, uma tensão , questão importante para o teatro de Kantor.

(KANTOR, 2008).

Como forma de aprofundar os elementos utilizados em seu período do Teatro

Informal, Tadeusz Kantor apresenta o manifesto do Teatro Complexo, que foi

publicado em 1966, juntamente ao programa do espetáculo Der Schrank (O Armário),

que é uma reprise, com alterações da peça No Pequeno Solar. Aqui Kantor aprofunda os

princípios preconizados no Teatro Informal. Assim como também fala novamente sobre

seus fundamentos, como a postura com relação ao texto dramático, colocando ele de

igual importância em relação aos outros elementos da cena. (KANTOR, 2008, p. 41)

Neste texto (Teatro Complexo) Kantor fala sobre o respeito do caráter

estranho, como caminho essencial à criação, assim como nota-se em sua encenação No

Pequeno Solar, aonde existe a presença de elementos que se contrapõem em cena.

Ainda neste manifesto, é reforçada a importância do principio da espontaneidade e do

acaso, assim ele fala sobre o circo que contém em sua base, estes elementos, que para

seu teatro são fundamentais. (KANTOR, 2008)

No fim do manifesto Teatro Complexo, Kantor nos apresenta as bases deste e

também do período Teatro Informal, - partes estas da trajetória do encenador polonês ,

que se complementam -, “O fascínio do teatro informal baseia-se no método que se

serve do risco da negação e da destruição.” ( KANTOR, 2008, p. 43).

D’Abronzo (2008, p. 66) diz que até esse momento da trajetória de Kantor,

“[...], caracterizadas pelo objeto destituído do cotidiano, bem como pela tentativa de

compreender a condição do ator como semelhante à realidade de um objeto inútil [...]”

(D’ABRONZO, 2008, p. 66), mostrando uma convergência com questões presentes nas

práticas das vanguardas históricas. Mas algo que interessa desta relação

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Kantor/Vanguardas, no que diz respeito a este trabalho, são os ready-mades de Marcel

Duchamp que integrou o movimento Dadaísta.

Os ready-mades de Duchamp eram objetos que dialogavam com o inesperado,

pois os mesmos eram deslocados de sua função utilitário-cotidiana. Jorge Glusberg,

define da seguinte maneira este tipo de obra, “[...] vem a ser a elevação de objetos de

uso cotidiano ao status de objeto de arte através da seleção feita por artistas que vão lhes

conferir uma nova função e valor.” (GLUSBERG, 1987, p. 18). Assim estes objetos são

inseridos no “campo artístico como uma realidade pronta”. Portanto segundo

D’Abronzo (2008) cabia ao público destas obras a operação de questionamento, do

significado dos objetos enigmáticos, propondo ao espectador uma experiência de

observação da obra de arte, para além do seu significado visual pronto e ampliando e

questionando assim as fronteiras da relação com a obra.

D’Abronzo, traça na sua dissertação de mestrado a convergência de Kantor

com os ready-made, da seguinte forma:

Em Kantor, a postura do ready-mades ultrapassa os limites do questionamento da arte. Entretanto, a realidade explícita do objeto, revelada pelo processo artístico, propondo ao espectador uma experiência visual para alem da aparência, dialoga com as criações artísticas do encenador polonês. (D’ABRONZO, 2008, p. 68)

Kantor (2008) se contrapõe ao naturalismo no teatro, pois este coloca formas

em cena, que não atingem o publico de forma completa, por serem objetivas, assim

estabelecem um obstáculo para a percepção da obra de arte. Assim esta idéia de relação

com o objeto fundamentada nos ready-mades, vem se contrapor, a está estética

naturalista, propondo assim uma obra de arte viva.

Hugo Ball10 visava uma aproximação da arte com esferas mais profundas da

percepção humana, definindo assim esta necessidade de vida na arte, “Toda arte viva,

porém irracional, primitiva, complexa: falará uma língua secreta e deixará documentos

que não vão falar de edificação, mas do paradoxo.” (BALL apud GOLDBERG, 2006, p.

45). Estes objetos, são deslocados de suas funções primarias, são abertos a inúmeras

10 Hugo Ball – Poeta Alemão, integrante do movimento Dadaísta, juntamente com sua futura esposa Emmy Hennings, abriram em Zurique (Alemã), o histórico Cabaret Voltaire.

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possibilidades de jogo e de formulação de significados. Chegando até a serem

questionados de serem se são ou não obras de arte. Não por acaso, uma exposição que

contou com boa parte da produção de Duchamp na Fundación PROA (Buenos Aires),

tinha como titulo Marcel Duchamp: una obra que no es una obra "de arte".11

Ainda é necessário expor aqui que esta idéia também converge com o

surrealismo, aonde a busca por uma realidade dos sonhos, para a arte foi uma constante.

O próprio Kantor discorre sobre esta questão, no contexto dos surrealistas:

Os surrealistas o reivindicavam em seu reflexo equivoco no subconsciente e a realidade do sonho, no qual, liberado de suas funções reais, ele erguia uma ponta do véu de seu mistério. Ele foi totalmente afastado para criar um mundo sem objeto, campo da sensação pura e do sentido metafísico da criação. (KANTOR, 2008, p. 102)

A idéia de sua fase Teatro Happenin (1967), nasce com o intuito de fazer

nascer possibilidades e atividades “inatas” e “primárias”, estabelecer um lugar de

preexistência do ator, tomando como ponto de vista que este espaço, no teatro de

Kantor, não é ocupado pelo universo ilusório do texto. Assim desta forma o ator não

representa um papel, ele acaba por assumir de forma consciente sua existência e suas

ações, as colocando dentro da obra artística. O Teatro Happening se torna para Kantor

uma necessidade na época, “Nessa situação seria ridículo tentar construir alguma coisa,

opor valores estéticos ilusórios. Era necessário aceitar a realidade, encontrada, pronta”.

(KANTOR, 2008, p. 103)

Nesta fase, o Teatro Happening, a idéia do ready-made, é utilizada da seguinte

forma segundo D’Abronzo (2008, p. 70): “estabelecer um jogo de manipulação e

repetição com os objetos e os fenômenos da vida cotidiana, no intuito de privá-los de

sua função utilitária e de sua finalidade, para que adquirissem, assim, uma outra noção

de vida e realidade autônoma”.

Uma das marcas registradas deste período é a sua intervenção intitulada

Happening Panorâmico do Mar, aonde Kantor por diversas horas rege o mar como se

estivesse à frente de uma orquestra, o público ficava sentado de frente ao mar em

cadeiras de praia, assistindo o encenador polonês de fraque e sobre um palanque,

11 . Exposição de objetos, quadros e fotos de Marcel Duchamp, que aconteceu em 2008, na Fundación PROA, que esta localizada em Buenos Aires – Argentina.

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“conduzir” o movimento marítimo. (KANTOR, 2008, p. 126-127)

No teatro impossível, Kantor se coloca a refletir sobre toda sua

trajetória deste o teatro clandestino. Esta fase é considerada como a transição entre o

teatro happening e seu último período o teatro da morte. Nesta fase ele reavaliou as

influencias dadaístas, surrealistas e o happening. (D’ABRONZO, 2008)

O Teatro da Morte, é a ultima fase das investigações teatrais de

Kantor, ela vai de 1975 até 1990, sendo interrompida com a morte de Kantor.

D’Abronzo nos coloca um breve resumo da pulsão que conduziu esta fase, “Com o

Teatro da morte, concretiza-se o que Kantor já esboçava nas fases anteriores, ou seja,

que o conceito de vida em arte somente pode ser expresso pela ausência de vida”

(D’ABRONZO, 2008, p. 77).

A autora ainda diz que com relação ao uso dos objetos nesta fase,

Kantor vê os objetos pobres, destituídos de utilidade, “[...] são carregados de memória,

podendo gerar ações de vida nos personagens de sua cena”. (D’ABRONZO, 2008, p.

79). Já que os personagens na cena do teatro da morte, são distanciados de suas

memórias, não tem uma biografia, assim estes objetos podem devolver a eles alguma

ação, que lhe aproxime da vida. Portanto aqui esta utilização do objeto, não o eleva a

categoria de obra de arte, mais sim como dito acima é carregado de experiências

(memória). Revelando assim esta evolução, do pensamento de Kantor, que buscou

sempre uma reformulação das questões teatrais.

Por fim temos aqui nesta fase do Teatro da Morte, a utilização em

cena de manequins. Que são objetos colocados como um modelo para o ator, isto esta de

acordo com esta perspectiva de Kantor de potencializar o conceito de vida através da

presença da morte, mais uma vez se constata o choque entre dois elementos, que por

conseqüência amplia a questão artística.

Segue aqui o que diserta D’Abronzo sobre os manequins no teatro

de Kantor:

O manequim dialoga com a realidade, na qual objetos e pessoas se encontram esquecidas e inúteis, pois perderam o valor diante da realidade cotidiana. Também, o manequim deveria constituir um modelo vivo pela “artificiosidade”, impregnada de encanto e repulsa, manifestando a presença da morte de maneira concreta, ou seja, que caracteriza a própria ausência da vida. (D’ABRONZO, p. 79, 2008)

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