117
Alexandre Miguel Rodrigues Manaia da Silva A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma análise de saúde na (e da) relação com os PALOP Dissertação de Mestrado na área científica da Ciência Política e Relações Internacionais, sob orientação da Professora Doutora Daniela Nascimento e apresentada à Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Setembro de 2011

A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

Alexandre Miguel Rodrigues Manaia da Silva

A cooperação para o desenvolvimento portuguesa:

uma análise de saúde na (e da) relação com os PALOP

Dissertação de Mestrado na área científica da Ciência Política e Relações

Internacionais, sob orientação da Professora Doutora Daniela Nascimento e apresentada

à Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

Setembro de 2011

Page 2: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

ii

Alexandre Miguel Rodrigues Manaia da Silva

A cooperação para o desenvolvimento

portuguesa: uma análise da saúde na (e da)

relação com os PALOP

Dissertação de Mestrado na área científica da Ciência Política e Relações

Internacionais, sob orientação da Professora Doutora Daniela Nascimento e apresentada

à Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

Coimbra, 2011

Page 3: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

iii

Sumário

Nesta dissertação pretende-se analisar a forma como Portugal se relaciona com os seus

parceiros preferenciais em matéria de cooperação para o desenvolvimento, os PALOP e

Timor-Leste. A forma como as teorias em Relações Internacionais analisam a

cooperação para o desenvolvimento está longe de ser unânime. Esta complexidade torna

a cooperação para o desenvolvimento uma das práticas diplomáticas mais interessantes

de ser estudada e, simultaneamente, uma das mais utilizadas actualmente.

O empenho de Portugal para com as suas antigas colónias é bastante meritório e merece

destaque nesta dissertação. Contudo este empenho, numa altura de graves problemas

orçamentais, é posto em causa pelo constante incumprimento de Portugal das metas

internacionais estabelecidas. Esta realidade torna urgente a necessidade de actuar de

forma diferenciada e com menos recursos, de forma a fazer mais pelos países

receptores.

A área da saúde foi escolhida para demonstrar alguns dos erros que têm sido cometidos,

bem como formas alternativas de agir. Outro dos erros que podemos verificar é a

existência de uma linha discursiva comum, ao longo dos anos, que cria expectativas

constantemente defraudadas nos estados beneficiários. Estes erros de actuação, em

junção com a incapacidade governativa dos países beneficiários, resultam em décadas

de recursos desperdiçados de forma ineficaz. A importância da saúde, a situação débil

dos países beneficiários e as restrições orçamentais nos países doadores justificam,

portanto, uma outra forma agir e pensar o fenómeno recente da cooperação

internacional para o desenvolvimento.

Palavras-chave: Cooperação, Saúde, Globalização, Desenvolvimento, Retórica

Page 4: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

iv

Abstract

This thesis aims to analyze how Portugal works with its preferential partners in what

concerns cooperation for development, such as PALOP (Portuguese-speaking African

countries) and Timor-Leste. It is far from being unanimous how the international

relations theory analyzes the cooperation for development. This complexity turns out to

make cooperation for development one of most interesting diplomatic practices to be

studied, and simultaneously, one of the most used these days.

Portugal’s commitment with its old colonies is commendable and has a prominent place

in this thesis. However, this commitment has been jeopardized as a result of Portugal’s

constant failure in achieving the international goals established, at a time of a serious

budget crisis. This reality illustrates urgent need to act in a differentiated way and with

fewer resources, yet doing more for the recipient countries.

The area of health has been chosen to demonstrate some of the mistakes that have been

made, as well as the alternative ways to act. Furthermore, another fault to be mentioned

here is the existence of a common speech line over the years, which constantly creates

expectations that do not materialize for the beneficiary states. These errors of actions,

along with the recipient countries inability to rule, result in decades of wasted resources

inefficiently. The importance of health care, the weak position of the recipient countries

and the budget restrictions in donor countries, substantiate the need for a new way of

thinking and acting toward the recent phenomenon of international cooperation for

development.

Key Words: Cooperation, Health, Globalization, Development, Rhetorical

Page 5: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

v

Agradecimentos

Esta dissertação é o resultado palpável de um processo enriquecedor e estimulante a

todos os níveis. Durante este período os momentos de incerteza, frustração e até alguma

angústia foram sempre ultrapassados com a ajuda de algumas pessoas, a quem gostaria

de aqui agradecer:

à minha orientadora, Daniela Nascimento, que desde o primeiro dia se mostrou

disponível para me ajudar a questionar, esquematizar, desenvolver, ou simplesmente

entender as minhas próprias ideias. Pela sua disponibilidade e paciência inesgotável,

durante as fases de menor clarividência e rigor.

ao Dr. Alexandre Diniz, Dr. Cláudio Correia, Dr.ª Ana Diniz Couto e D.ª Dina

que me receberam e acompanharam durante todo o período de estágio na Direcção

Geral da Saúde, que em larga medida contribuiu para um aprofundamento do tema.

aos meus Pais, Irmã, Avós e restante família pela paciência inesgotável, apoio

constante e imensa vontade demonstrada em que tudo corresse da melhor forma.

à Rita, por todos os momentos em que abdicou da minha companhia em favor de

todo este processo. E ainda, pelo interesse, vontade de ajudar e extrema preocupação

com que encarou as minhas incertezas.

ao Samuel e à Telma por todo o companheirismo e dedicação demonstrada em

todo o percurso académico e pessoal.

E finalmente a todos aqueles que de alguma forma estiveram comigo em todos

os sítios por onde passei e que me tocaram e, dessa forma, acabaram por me influenciar

decisivamente e contribuíram para a minha formação académica e pessoal.

Page 6: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

vi

Índice

Sumário ............................................................................................................................ iii

Abstract ............................................................................................................................ iv

Agradecimentos ................................................................................................................ v

Lista de Tabelas/Gráficos .............................................................................................. viii

Lista de Acrónimos .......................................................................................................... ix

Introdução ......................................................................................................................... 1

Capitulo I. A cooperação para o desenvolvimento nas Relações Internacionais ........... 10

1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ....................................................... 10

2.A Ajuda Pública ao Desenvolvimento e a Cooperação Técnica. ............................ 17

3. A Cooperação Internacional, complexidade teórica. .............................................. 19

Capítulo II. Portugal e a cooperação .............................................................................. 28

1. Portugal, a relação com a cooperação para o desenvolvimento e a relação consigo

mesmo. ........................................................................................................................ 28

2. Herança ................................................................................................................... 29

3. Portugal, o Estado Novo e o Mundo ....................................................................... 30

4. Uma alteração de paradigma ................................................................................... 32

5. Cooperação Estratégica aproveitando a História .................................................... 34

6. A operacionalização governamental da cooperação em Portugal........................... 38

7.Princípios Estratégicos da cooperação portuguesa .................................................. 43

8. Sociedade Civil e a Cooperação ............................................................................. 46

Capitulo III. (Des)empenho de Portugal à luz dos compromissos internacionais .......... 48

Page 7: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

vii

1. Operacionalização prática da estratégia nacional para a cooperação para o

desenvolvimento. ........................................................................................................ 48

2. Volume da ajuda ..................................................................................................... 49

3. Evolução histórica ................................................................................................... 52

4.Canalização da Ajuda .............................................................................................. 53

5. A Ajuda Pública ao Desenvolvimento Bilateral ..................................................... 55

6. Sectores de actuação ............................................................................................... 57

7. Avaliação ................................................................................................................ 63

8. Outros mecanismos de Avaliação ........................................................................... 69

Capítulo IV. A Saúde na Cooperação para o Desenvolvimento .................................... 73

1.A Saúde enquanto área prioritária e sector estratégico da cooperação portuguesa . 73

2. Contexto global da saúde enquanto ameaça ........................................................... 76

3.Limitações e constrangimentos à saúde da ajuda para o desenvolvimento ............. 79

4. A diplomacia (na) da Saúde .................................................................................... 80

5. A importância estratégica “de ter e promover saúde” ............................................ 83

6. Portugal e a Saúde Global ....................................................................................... 85

7. A Saúde nos PALOP e urgência de agir, perante a incapacidade de capacitar ...... 86

8. Sustentabilidade na Saúde dos PALOP .................................................................. 91

9. Retórica, linha discursiva comum ........................................................................... 93

Conclusão ....................................................................................................................... 97

Bibliografia ..................................................................................................................... 99

Page 8: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

viii

Lista de Tabelas/Gráficos

Quadro 1 – Objectivos de Portugal em matéria de política externa.

Quadro 2 – Evolução APD Portuguesa 2006/2009

Gráfico 3 –APD Bilateral Portuguesa

Tabela 4 – Evolução do volume disponível para a cooperação para o desenvolvimento

Gráfico 5 – Variação dos Fluxos de APD Bilateral, Multilateral e Total.

Gráfico 6 – APD Bilateral entre os anos 2006 e 2009.

Gráfico 7 – APD Bilateral para os PALOP, Timor-Leste e Resto do Mundo.

Gráfico 8 – Distribuição Sectorial da APD Bilateral Portuguesa

Gráfico 9 - Distribuição Sectorial da APD Bilateral Portuguesa

Gráfico 10 – Variação APD Multilateral entre os anos de 2006 e 2009

Gráfico 11 – Distribuição APD Multilateral

Quadro 12 – Valores APD multilateral Portuguesa

Page 9: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

ix

Lista de Acrónimos

APD – Ajuda Pública ao Desenvolvimento

APAD - Agência Portuguesa de Apoio ao Desenvolvimento

DGS – Direcção Geral da Saúde

CAD – Comité de Ajuda ao Desenvolvimento

CEE – Comunidade Económica Europeia

CONCORD – Confederação Europeia das ONG de Ajuda ao Desenvolvimento

CPLP – Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa

FED – Fundo Europeu de Desenvolvimento

ICP - Instituto da Cooperação Portuguesa

IPAD – Instituto de Apoio ao Desenvolvimento

MNE – Ministério dos Negócios Estrangeiros

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico

ODM – Objectivos de Desenvolvimento do Milénio

OMS – Organização Mundial da Saúde

ONG – Organização não-governamental

ONU – Organização das Nações Unidas

PALOP - Países Oficiais de Língua Oficial Portuguesa

PECS – Plano Estratégico de Cooperação em Saúde

RI – Relações Internacionais

RNB – Rendimento Nacional Bruto

UE – União Europeia

Page 10: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

x

Sometimes it's necessary to go a long distance out of the way in order to come back a

short distance correctly.

Edward Albee.

Begin at the beginning and go on till you come to the end; then stop.

Lewis Carrol, Alice in Wonderland, 1865.

Page 11: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

1

Introdução

Esta dissertação tem como principal objectivo a análise do tipo de cooperação para o

desenvolvimento levado a cabo por Portugal relativamente aos seus parceiros

preferenciais, mais especificamente na área da saúde. O crescimento exponencial da

cooperação internacional nas últimas décadas, sobretudo enquanto ferramenta

diplomática, não pode ser ignorado. A globalização e o estreitamento de relações entre

Estados, sobretudo desde a descolonização, são marcos históricos que em muito

contribuíram para que, hoje, esta seja a principal forma de relacionamento entre

Estados.

Na nossa opinião, este facto fez crescer as espectativas em torno do papel que a

cooperação internacional para o desenvolvimento poderia desempenhar no sistema

internacional. Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência colectiva de

que a acção concertada dos Estados desenvolvidos poderia, verdadeiramente, alterar

todo o panorama de subdesenvolvimento vivido nos países em desenvolvimento.

Acreditando que o status quo destes Estados poderia ser alterado, sobretudo ao nível da

segurança humana, desenvolvimento, direitos-humanos e condições básicas de

subsistência, inúmeras organizações internacionais, como as Nações Unidas ou a

OCDE, juntaram esforços para ajudar a alcançar estes mesmos objectivos. O longo

caminho que foi percorrido desde então degenerou em milhares de programas e

iniciativas que fizeram despertar a consciência na comunidade política e na opinião

pública, de que era necessário agir. A verdade é que ao longo deste sinuoso percurso os

Estados Desenvolvidos alcançaram alguns avanços notáveis em matéria de cooperação

para o desenvolvimento. Um desses avanços, que é hoje desvalorizado mas que há

Page 12: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

2

algumas décadas era impensável, foi a contemplação e definição das verbas disponíveis

para a cooperação internacional nos orçamentos dos países desenvolvidos.

Todo este percurso, de consciência colectiva, pouco alterou alguns factores

fundamentais que impedem, ainda, que os Estados receptores de ajuda ao

desenvolvimento possam crescer e desenvolver-se sustentadamente. O objectivo desta

dissertação é precisamente fazer uma análise de alguns dos factores que, na nossa

opinião, constrangem a cooperação para o desenvolvimento, particularmente no caso de

Portugal para com os seus parceiros preferenciais e que identificamos como sendo os

Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), nomeadamente no sector da Saúde. Se,

por um lado, são muito discutíveis algumas das opções estratégicas tomadas por

Portugal enquanto doador, por outro lado é também reconhecida a incapacidade política

de uma grande parte dos países beneficiários, de alocar e potenciar efectivamente a

ajuda que lhes é prestada. De facto, a situação é ainda mais grave, se restringirmos o

âmbito da análise ao sector da Saúde. A escolha da Saúde, como área específica de

análise, resulta do estágio realizado pelo autor na Direcção-Geral da Saúde, o qual se

revelou fundamental para passar a encarar o sector de saúde como algo prioritário para

qualquer Estado, desenvolvido ou em desenvolvimento. Tendo em conta esta realidade

e o objectivo da nossa análise, torna-se necessário analisar e clarificar alguns conceitos.

O primeiro conceito a ter em conta é o próprio conceito de cooperação. Para Reiss, em

1970, a Cooperação não ia muito para além de um meio para atingir a paz, ou a

convivência pacífica entre Estados. (Reiss, 1970). No entanto, actualmente, o conceito

cooperação vai muito para além da objectiva necessidade de cooperar como forma de

Page 13: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

3

evitar o confrontamento. De facto, as estreitas relações entre os vários Estados criaram

uma interdependência global que tornar a cooperação muito mais do que a ausência de

confrontação. Este facto torna o sistema de alianças do passado completamente

anacrónico. A cooperação hoje tem de ser compreendida como forma de relacionamento

preferencial entre Estados, uma ferramenta diplomática que pode mesmo influenciar a

política interna dos estados. Afigura-se, por isso, fundamental compreender todas as

dimensões do conceito cooperação, por forma a compreender também a necessidade de

adaptar o conceito às necessidades de todos os Estados. Enfatiza-se o termo todos,

porque de facto todos teriam a ganhar com um tipo de cooperação para o

desenvolvimento que fosse pensada de outra forma. Em particular os países

beneficiários, pela potenciação real dos recursos, para poderem crescer

sustentadamente. E os países desenvolvidos, porque numa altura de controlo orçamental

apertadíssimo poderiam criar condições estruturais e necessárias nos países em

desenvolvimento para progressivamente poderem diminuir os montantes destinados à

ajuda ao desenvolvimento. O argumento de que todos teriam a ganhar com uma

mudança de modelo de cooperação internacional para o desenvolvimento é fundamental

no âmbito desta dissertação, na qual procuramos relacionar o conceito de cooperação

internacional para o desenvolvimento com o conceito de “saúde global”.

O conceito de “saúde global” nasce a partir do momento em que se verifica que o

mundo pode vir a ser cada vez mais globalizado e que essa globalização pode fazer

emergir alguns problemas de saúde pública com repercussões globais. A realidade é

que, actualmente e cada vez mais, as doenças transmissíveis não têm fronteiras, devido

ao enorme volume de fluxos de pessoas, bens e serviços um pouco por todo o mundo.

Este facto torna qualquer país permeável a qualquer patologia, mesmo que a génese

Page 14: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

4

dessa mesma patologia ocorra do outro lado do planeta. A necessidade de actuar

globalmente, em termos de Saúde, ganha assim outra importância e é aqui que, na nossa

opinião, este conceito se pode cruzar com o conceito de cooperação para o

desenvolvimento.

Identificada a necessidade de cooperar ao nível da Saúde, seria de esperar que Portugal

enquanto Estado doador aumentasse os esforços para corresponder a esta necessidade. A

verdade é que em termos relativos, a parcela relativa à Saúde no quadro da cooperação

portuguesa tem diminuído nos últimos anos. Portugal tem, à semelhança de outros

países, optado estrategicamente por outras áreas em detrimento da Saúde, o que se pode

revelar um erro estratégico, tendo em conta que os parceiros preferenciais de Portugal

têm indicadores chocantes em termos de Saúde. Grande parte da política externa

Portuguesa, e também do volume disponível para ajuda pública ao desenvolvimento, é

canalizada através do vector preferencial constituído pelos PALOP e Timor-Leste e

centrada noutras áreas consideradas prioritárias e que não abrangem necessariamente a

Saúde, tais como a Educação, criação de infra-estruturas, Serviços, etc.

A opção estratégica de Portugal de enfoque nas antigas colónias é também alvo de

análise nesta dissertação. A preferência por territórios que partilham com Portugal

aspectos culturais, linguísticos e laços históricos não é incomum no sistema

internacional. Os anos que se seguiram à descolonização não foram muito profícuos a

que a relação entre colonizadores e colonizados fosse a melhor, contudo ultrapassadas

algumas décadas verificamos que até Portugal, último país a retirar-se das colónias

depois da Segunda Guerra Mundial, percebeu o seu papel diferenciado em relação às

Page 15: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

5

mesmas e o potencial que poderia advir de um bom relacionamento com os novos

governos.

Sendo certo que este é um tema amplamente analisado por teóricos, pretende-se com

esta análise identificar algumas das questões que consideramos mais pertinentes para

perceber as dinâmicas associadas à cooperação internacional para o desenvolvimento

levada a cabo por Portugal e as suas implicações. Uma grande parte da literatura que

existe sobre o tema debruça-se especificamente sobre as motivações dos países

doadores, ou sobre o impacto negativo do incumprimento das metas estabelecidas

internacionalmente. Esta dissertação pretende ir além disto, apesar de se assumir que é

imprescindível que as metas sejam definidas e cumpridas e que a cooperação contribua

para maximizar ganhos dos países doadores ao mesmo tempo que promove algum tipo

de ajuda e apoio a países em desenvolvimento.

Neste contexto, um dos pressupostos de base desta análise é o de que os

constrangimentos económicos não podem determinar exclusivamente a forma como se

coopera e a eficácia dessa mesma cooperação. E, neste caso em particular, a Saúde é

identificada como uma área em que esta realidade é incontornável. Associado a isto, há

ainda que analisar as condições para que a canalização da ajuda seja potenciada para

níveis satisfatórios. A realidade no terreno ilustra que, passadas décadas desde que

coopera internacionalmente, doadores e receptores ainda não potenciaram ao máximo

todos os recursos existentes. Em parte porque os Estados doadores não têm feito as

melhores escolhas, mas também, em grande parte, porque é necessária uma real

mudança estrutural nos Estados em desenvolvimento. Política e culturalmente ainda não

estão criadas as condições para que Estados em desenvolvimento possam subsistir

sustentadamente, motivo pela qual a boa governação é uma das áreas transversais mais

importantes em contexto de desenvolvimento.

Page 16: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

6

Como já referido a percepção de que o tema é extenso e complexo, a análise foi

restringida ao sector da Saúde, quer pela pertinência do sector, quer por considerarmos

que se trata de um estudo de caso que ilustra bem a realidade e as limitações ao nível da

cooperação internacional para o desenvolvimento, nomeadamente em Portugal. A

problemática central do trabalho é, a partir da caracterização de Portugal enquanto

estado dador, compreender a evolução da cooperação para o desenvolvimento

particularmente em relação ao conceito da saúde global. A relação entre estes dois

conceitos díspares, à partida, resulta na formulação do argumento subjacente a esta

análise e que é “ Se Portugal compreender o imperativo que significa saúde global, a

canalização dos seus recursos para a cooperação internacional será diferente da actual?”

ou “Se a cooperação internacional e a saúde global continuarem a crescer

internacionalmente as principais pandemias globais serão erradicadas?”

Importa ainda salientar, sob o ponto de vista metodológico, a escolha bibliográfica que

complementa toda esta dissertação. A escolha recaiu sobre fontes primárias e

secundárias. A multidisciplinariedade associada a esta tese torna as fontes muito

diversas. Dados relativos aos números de Portugal em termos de ajuda pública ao

desenvolvimento são de relativa facilidade de recolha, no entanto questões mais

subjectivas são de difícil recolha bibliográfica, pelo número restrito de autores que

escrevem sobre temas como a retórica discursiva, a título de exemplo. Em contraste

surge outra dificuldade metodológica decorrente de temas com uma vastidão de autores

enorme, o que torna difícil a selecção das fontes a usar.

A restante bibliografia foi preferencialmente encontrada no âmbito do estágio, que

decorreu em simultâneo com a elaboração desta tese, na Direcção Geral da Saúde. O

acesso a informação, em relação ao sector da Saúde, foi uma das grandes vantagens

deste estágio. Não substituindo o IPAD, na sua função de coordenação à cooperação em

Page 17: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

7

Portugal, a Direcção Geral da Saúde desempenha também um papel importante quer na

cooperação e mobilidade de doentes oriundos de países em desenvolvimento e parceiros

preferenciais de Portugal, quer na posição internacional de Portugal em relação a outras

vertentes da Saúde.

Há que salientar também a estrutura de toda a dissertação em forma de pirâmide,

pretendendo que o leitor consolide conhecimentos em relação a temas mais latos, para

que há medida que a tese avança ir restringindo o alcance temático da análise. Assim

sendo, o primeiro capítulo é um capítulo de sustentação teórica sobre o conceito mais

lato desta dissertação, a cooperação. O primeiro capítulo é uma tentativa de

contextualização do percurso que se vem fazendo em termos de cooperação, sempre

acompanhado pela evolução da teoria associada a esta ferramenta de relacionamento

entre Estados. A nível teórico o objectivo deste capítulo não é uma escolha de uma das

muitas teorias em Relações Internacionais que analisa esta dinâmica. Mais importante

do que escolher uma teoria é a percepção da enorme complexidade do tema e das

múltiplas leituras que este pode ter. Esta “abertura” teórica é benéfica no entendimento

dos argumentos que esta tese pretende validar.

O segundo capítulo restringe mais o espectro da análise, agora para o caso específico de

Portugal. A escolha de Portugal enquanto estudo de caso é importante pelo papel

diferenciado de Portugal em relação às questões para o desenvolvimento. Portugal

assume-se como um dos países no mundo com mais laços culturais e históricos com o

grupo dos países em desenvolvimento, fruto, em grande parte, do seu passado colonial.

Esta característica, juntamente com a posição geográfica central, torna Portugal um

estudo de caso diferente. Todas estas especificidades são explanadas neste segundo

Page 18: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

8

capitulo, que pretende ilustrar a passagem de Portugal de receptor a dador até aos dias

de hoje. Outro dos objectivos deste capitulo passa pela compreensão da actual estratégia

portuguesa em matéria de cooperação, fundamental para perceber algumas das opções

de Portugal em termos de Saúde.

O terceiro capítulo consiste numa análise mais específica aos esforços de Portugal, em

perpetuar e manter o referido papel diferenciado no sistema internacional. Este capítulo

pretende analisar, recorrendo também a dados quantitativos, a performance de Portugal

à luz dos compromissos internacionais assumidos, nomeadamente os Objectos de

Desenvolvimento do Milénio (ODM). Esta reflexão permite uma análise prática da

forma como a estratégia portuguesa para a cooperação tem sido implementada. Perceber

os números da cooperação portuguesa é ainda vantajoso na compreensão da distribuição

da ajuda, fundamental para compreender que peso tem a Saúde no orçamento para a

cooperação e qual a sua eficácia. O desempenho de Portugal é ainda medido neste

capítulo, a partir da avaliação de que os restantes Estados dadores fazem de Portugal. A

avaliação é um mecanismo fundamental para se perceber quais os aspectos positivos e

sobretudo negativos ao nível da cooperação para o desenvolvimento dos países

doadores. É neste contexto que alguns relatórios de avaliação a Portugal serão também

analisados neste capítulo.

O quarto e último capítulo da dissertação é o capítulo reservado à Saúde, nas suas várias

dimensões, e à forma como tem sido tida em conta por Portugal. O objectivo deste

capítulo é demonstrar que o papel de Portugal é meritório, mas que há luz daquilo que é

hoje a saúde global, Portugal poderia fazer mais e melhor, mesmo com todas as

restrições orçamentais conhecidas. Além deste facto é também tida em conta uma

dimensão retórica, presente na análise discursiva de alguns decisores nacionais sobre

Page 19: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

9

esta matéria. Perante sucessivos falhanços é possível identificar uma linha comum ao

discurso, que acaba por gerar espectativas constantemente não cumpridas.

Page 20: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

10

Capitulo I. A cooperação para o desenvolvimento nas

Relações Internacionais

1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias

Esta tese pretende analisar o fenómeno relacionado com a cooperação internacional.

Não procurando obter conclusões numa temática que não suscita consenso, o mais

importante na análise é compreender a multiplicidade de opiniões e visões como um

benefício, antes de esta multiplicidade ser encarada como uma dificuldade na análise.

Este capítulo procura ser o mais amplo possível, na análise desta temática, como forma

de contextualizar e não excluir dados relevantes, que suscitem validação teórica à

análise.

A complexidade das relações entre Estados está relacionada, numa grande parte das

vezes, com as motivações que levam os Estados a interagir e que emoções os conduzem.

Moisi escreve sobre esta dialéctica e considera, mesmo, que as emoções serão o

principal vector de relacionamento internacional do novo Século. Para o autor, a

humilhação, o medo e a esperança são as emoções dominantes no sistema internacional

e sistematiza quais as reais potencialidades destas, na catalisação de algumas dinâmicas

que poderão deflagrar, em muitos casos, em conflitos. (Moisi, 2009).

A análise sobre as emoções, e o seu papel no sistema internacional, é tão importante

como o papel das motivações dos Estados. (Moisi, 2009).

Page 21: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

11

Podemos considerar que as motivações são sempre subjectivas e, como tal, é difícil

decifrar os objectivos de cada um em matéria de política externa. No entanto, há

algumas dinâmicas que merecem ser tidas em conta, como o crescimento exponencial

do fenómeno da cooperação internacional nas últimas décadas, associado à opção

estratégica que esta forma de relacionamento entre Estados passou a ser. Actualmente,

grande parte da política externa dos Estados é definida em torno deste “instrumento”. A

verdade é que o aspecto motivacional e emocional em torno da cooperação tem sido

amplamente analisado ao nível das teorias das Relações Internacionais (RI), não só

porque reflecte em grande parte a identidade dos Estados, mas também, em muitos

casos, a sua história.

A cooperação para o desenvolvimento é um conceito e simultaneamente uma prática,

relativamente, recente e que foi criado pelos países com maior nível de

desenvolvimento, na tentativa de atenuar as desigualdades e as dificuldades económicas

dos países em desenvolvimento1. O conceito, na sua definição ideal, encara a

cooperação para o desenvolvimento como acções coordenadas para problemas comuns

(Corell, 2005) com base numa relação entre actores estatais, não governamentais ou

privados com vista à promoção do desenvolvimento económico e social sustentável em

países em desenvolvimento.

Podemos afirmar que em alguns casos tal é verificável, como o caso da criação do

MERCOSUL2, em que Estados historicamente rivais cooperaram sob uma perspectiva

económica e de facto retiraram dividendos comuns dessa “aliança improvável”.

Contudo, apesar de alguns casos de sucesso, o debate em Relações Internacionais sobre

1 O conceito “Países em desenvolvimento” foi formulado originalmente para formular considerações

sobre Países com menor capacidade económica, abaixo dos Estados Desenvolvidos, e com um Índice de

Desenvolvimento Humano variável entre o médio e o baixo (Tischler, 2010). 2 O MERCOSUL é um acordo, concretizado em 1991, para o estabelecimento de um mercado comum,

entre os Estados do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai (Flores, 2005).

Page 22: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

12

esta matéria é intenso e inconclusivo, já que diversas teorias optam por enfatizar a

tentativa de capitalizar ganhos, em diversas áreas por parte de Estados doadores, para

prejuízo dos beneficiários, os Estados considerados mais frágeis.

Esta realidade algo paradoxal ilustra bem a ideia de que o crescimento da cooperação

foi acompanhado, pelo crescimento da complexidade das relações entre Estados.

Podemos considerar a abordagem de Jacques Rousseau, sobre a unificação Europeia,

como o primeiro esboço de uma ideia corporativa. Outro grande teórico das Relações

Internacionais sobre a temática, da Cooperação entre Estados, foi o filósofo Immanuel

Kant. No século XVIII Kant teorizou a possibilidade de uma convivência pacífica entre

Estados, através do chamado “pacto federativo”3. O pacto federativo criaria a

possibilidade de uma paz permanente, que seria gerada pela aproximação dos Estados,

uns aos outros, levando à percepção de que a guerra é irracional e a paz e a cooperação

vantajosas. A cooperação seria interpretada como um meio para atingir a paz, ou a

convivência pacífica entre Estados. (Reiss, 1970).

Apesar de diversos autores terem, posteriormente a Kant, criado diversas teorias que

previam a necessidade de cooperar, ou que explicavam os problemas que a cooperação

Internacional poderia gerar no sistema internacional, foi a partir das duas Grandes

Guerras que o fenómeno da cooperação para o desenvolvimento se tornou uma

realidade incontornável. O final da Primeira Grande Guerra foi um período

internacional marcado pelo esforço, único até então, de tentar evitar outro conflito à

escala mundial, como o que tinha destruído parcialmente a Europa. A percepção de que

a coexistência pacífica era imperativa marcou este período, entre guerras, e tal

3 A noção de Pacto Federativo foi explanada por Kant e refere-se a um contrato social, sem qualquer

forma de poder soberano, que permita atingir um paz sustentada. (Kant e Gregor, 1999).

Page 23: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

13

percepção resultou no aparecimento de diversas instituições internacionais com o

objectivo de potenciar o relacionamento saudável entre Estados. (Martin, 1999).

O melhor exemplo é, exactamente, o aparecimento da Sociedade das Nações4.

Woodrow Wilson, Presidente Americano da altura, surge como o principal rosto deste

novo paradigma internacional, numa altura em que a Europa estava destruída e os

Estados Unidos da América assumiram uma posição privilegiada em termos de poder

no sistema internacional e de apoio à reconstrução da Europa. Esta nova posição

internacional facilitou a aprovação dos “14 pontos de Wilson”5, uma herança clara dos

ideais Kantianos.

Este esforço conjunto que marca a primeira acção concertada entre Estados, tendo em

vista a cooperação, cai por terra após a implosão da Segunda Guerra Mundial. A

Sociedade das Nações fica conhecida, historicamente, como uma tentativa fracassada e

ainda algo ingénua de atingir um fim muito mais complexo do que o que a teoria

Kantiana tinha previsto. (Hinsley, 1980).

O final da Segunda Guerra Mundial dita a necessidade de um verdadeiro compromisso

global, com objectivo único de aproximar os Estados e criar uma instituição capaz de

resolver os diferendos internacionais, responsável portanto por criar uma paz

sustentável. A partir deste problema global surge a necessidade de criar uma resposta

global e coordenada. Nasce assim, em 1945 a Organização das Nações Unidas (ONU)

4 Fundada em 1919, esta organização internacional foi responsável pelas negociações de paz depois da I

Guerra Mundial. Considera-se recorrentemente que foi a antecâmara do aparecimento da ONU

(Oppenheim, 2009). 5 Estes 14 pontos seriam os imperativos na época para se atingir paz depois da primeira grande guerra à

escala Mundial. Ficaram conhecidos por este designação por terem sido formulados pelo Presidente dos

EUA da época, Woodrow Wilson (Saraiva, 2001).

Page 24: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

14

que, como princípio fundamental e primeiro artigo da sua carta6, menciona a

necessidade de disseminar a cooperação técnica internacional.

Depois do final da Segunda Guerra Mundial assiste-se, de algum modo, a um exagerado

uso da cooperação técnica, em grande parte devido à bipolarização do mundo, que opôs

o bloco soviético aos Estados Unidos da América. O primeiro grande projecto de

cooperação técnica surgiu, neste contexto, com a necessidade de reconstrução europeia,

que tinha sido o palco predominante das duas Grandes Guerras. O Plano Marshall foi o

mais importante de vários projectos levados a cabo pela lógica das alianças, a

cooperação técnica foi, como é visível, concebida sob uma perspectiva estratégica,

desde a sua génese.

Esta situação veio, de algum modo, desvirtuar o conceito que tinha levado a ONU a

colocar a cooperação como uma prioridade no relacionamento entre Estados, o que

levou a ONU a rever o conceito em 1959, reafirmando a possibilidade de ganhos

mútuos na relação entre Estados desiguais. (Filho, 2007).

Apesar disto, o exagero no recurso a esta ferramenta diplomática pôs ainda mais em

evidência as fragilidades dos Estados mais débeis, que utilizavam esta ajuda externa

sem qualquer critério, ou planeamento a médio/longo prazo. Esta realidade foi mais

evidente e agudizou ainda mais a situação de todos os países receptores quando, na

década de setenta, surgiu a “crise petrolífera”. Além de ter feito com que o preço do

petróleo aumentasse para preços impraticáveis na maioria dos países em

6 “Artigo 1º – Manter a paz e a segurança internacionais e para esse fim: tomar medidas colectivas

eficazes para prevenir e afastar ameaças à paz e reprimir os actos de agressão, ou outra qualquer ruptura

da paz e chegar, por meios pacíficos, e em conformidade com os princípios da justiça e do direito

internacional, a um ajustamento ou solução das controvérsias ou situações internacionais que possam

levar a uma perturbação da paz;” (Nações Unidas, 1945).

Page 25: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

15

desenvolvimento, esta crise fez ainda disparar a taxa de juro dos empréstimos

contraídos pelos Estados em desenvolvimento. A crise do petróleo degenerou então na

chamada “crise da dívida”, que historicamente não é mais do que a incapacidade dos

Estados receptores em pagarem taxas de juros elevadíssimas dos empréstimos

contraídos, depois do recurso a empréstimos internacionais, sem qualquer critério. Esta

situação revelou todas as debilidades dos países receptores, da chamada cooperação

técnica. O princípio fundamental da tentativa de tornar menos evidente a clivagem entre

desenvolvidos e não desenvolvidos, que deveria ser a motivação de dadores e

receptores, acabou por não se verificar e a cooperação desenfreada da época revelou-se

profundamente perversa, pois acabou por ter um impacto profundamente negativo.

(Eichengreen e Lindert, 1992).

Além de ter contribuído decisivamente para uma degradação das condições de vida dos

países em desenvolvimento, esta grave crise financeira serviu ainda para evidenciar as

debilidades de um sistema de cooperação que não estava dotado de qualquer rigor, ou

coerência. (Soros, 2008).

A literatura histórica internacional aponta ainda, como erro estratégico, a crença

generalizada de que uma crescente abertura dos mercados e desregulamentação

económica poderiam ser importantes para o crescimento sustentado de países em

situação económica e financeira débil. Esta situação acabou por ser a premissa

fundamental a cumprir pelos estados receptores que pretendessem contrair empréstimos.

A este novo paradigma as instituições internacionais chamaram Consenso de

Washington7. Esta obrigatoriedade tornou as frágeis economias dos Estados em

desenvolvimento, um alvo fácil na competição com economias mais fortes,

7 O Consenso de Washington consiste em dez medidas, formuladas em 1989, em instituições como o FMI

ou o Banco Mundial, que se tornaram política oficial do FMI, como uma receita para os Estados em

Desenvolvimento (Serra e Stiglitz, 2008).

Page 26: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

16

comprometendo irremediavelmente o futuro e o crescimento dos mercados em

desenvolvimento. (Serra e Stiglitz, 2008).

O colapso do bloco Soviético e o consequente final da Guerra-Fria conferiram alguma

estabilidade ao mundo. No entanto, sob o ponto de vista da cooperação para o

desenvolvimento, este colapso resultou numa diminuição drástica do volume dos fundos

disponíveis. O final da lógica das alianças, resultado da tentativa dos dois blocos

dominantes de angariarem aliados, fez com que este propósito de cooperação não

fizesse mais sentido.

Sem esta motivação, a comunidade internacional sentiu a necessidade de assegurar

alguma coordenação e coerência, que haviam faltado até à data, à cooperação

internacional. É neste contexto que surge a realização da Conferência sobre o

Financiamento e o Desenvolvimento. Esta conferência, realizada em Monterrey, marca

o alinhamento mundial em relação à “Ajuda Para o Desenvolvimento”. Este

alinhamento ficou conhecido como “Consenso de Monterrey”, que acrescentou mais

coerência e harmonia aos processos de cooperação técnica. Alguns dos resultados mais

significativos desta nova parceria entre doadores e receptores foram a avaliação à

eficácia da ajuda, ou ainda, a adopção dos Objectivos do Milénio8. (Lopes, 2005).

A adopção de oito objectivos gerais, apelidados de “Objectivos do Milénio”, marca um

forte compromisso, por parte de grande parte dos países do mundo, na luta contra a

pobreza, fome, desigualdade de género, degradação ambiental e doenças infecciosas. Os

oito objectivos, a cumprir até 2015 são 1) redução para metade da pobreza extrema e da

8 Os Objectivos do Milénio são oito objectivos, definidos em conjunto, com o objectivo final de diminuir

drasticamente a pobreza extrema do Mundo (Nwonwu, 2008).

Page 27: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

17

fome no mundo, 2) alcançar o ensino primário universal, 3) Promoção da igualdade de

género, 4) Reduzir em dois terços a mortalidade infantil, 5) Reduzir em 75% a

mortalidade materna, 6) Combater o VIH/SIDA, a malária e outras doenças graves, 7)

Garantir a Sustentabilidade ambiental, 8) Fortalecer uma parceria global para o

desenvolvimento. (Lofgren e Diaz-Bonilla, 2008).

2.A Ajuda Pública ao Desenvolvimento e a Cooperação Técnica.

É recorrente, mesmo dentro de alguma literatura especializada, existir uma certa

confusão entre o conceito de cooperação internacional e o de Ajuda Pública ao

Desenvolvimento (APD). É portanto essencial, a uma tese que pretende abordar esta

temática, distinguir perfeitamente estes dois conceitos.

A Ajuda Pública ao Desenvolvimento é um dos vários formatos que a cooperação para

o desenvolvimento pode assumir. Esta designação surge apenas depois da criação do

Comité de Ajuda ao Desenvolvimento9 (CAD).

Podemos considerar como diferença fundamental, entre estes dois conceitos, a

reciprocidade, que apenas está associada à Cooperação para o Desenvolvimento.

Idealmente, um projecto de cooperação contempla ganhos mútuos, com a satisfação de

interesses mútuos. Já em relação à Ajuda Pública ao Desenvolvimento a sua

característica mais marcante é o facto de esta ser um investimento sem qualquer tipo de

contrapartida financeira, ou de outro género. (Gomes, 2007).

9 O CAD é uma organização multilateral, inserida na OCDE, responsável pela coordenação e análise de

políticas de desenvolvimento comum (Development Co-operation Directorate, 2011).

Page 28: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

18

Ainda sob esta óptica é necessário distinguir outras variáveis. As principais motivações

da Ajuda Pública ao Desenvolvimento são de índole humanitária, principalmente como

resposta a cataclismos, catástrofes naturais ou situações inesperadas que causem grande

impacto, como surtos infecciosos por exemplo. O factor histórico é também,

recorrentemente, apontado como uma importante motivação. Normalmente antigos

colonizadores assumem a vontade de contribuir para o crescimento e estabilidade das

antigas colónias. (Gomes, 2007).

Outra variável importante é a duração. Para um projecto de Ajuda Pública ao

Desenvolvimento, a duração do projecto é sempre menor do que para um projecto de

cooperação. (Wood, 1986).

Nas últimas décadas, a Ajuda Pública ao Desenvolvimento tem assumido uma

relevância no sistema mundial que não tinha até então.

Alguns teóricos, como Vattel, sustentam que este facto é a confirmação da teoria que

afirma que o subdesenvolvimento e a pobreza extrema em que vivem alguns Estados

são apenas resultado directo da acção de Estados mais desenvolvidos. (Vattel, 1805).

No entanto, estas últimas décadas, em que diversas formas de cooperação

(nomeadamente a APD) se destacaram, como forma de relacionamento entre estados do

Norte e Sul, marcam um esforço conjunto para reverter esta situação. (Wood, 1986).

Page 29: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

19

3. A Cooperação Internacional, complexidade teórica.

Como já foi referido anteriormente, o tema da cooperação tem sido um tema

amplamente tratado pelos teóricos em Relações Internacionais. A complexidade e o

crescimento do volume da cooperação técnica são motivação suficiente para explicar a

grande variedade de literatura sobre o tema na actualidade. É absolutamente vital

compreender a complexidade do tema antes de o tratar de uma forma mais

individualizada.

A principal fonte de discórdia em Relações Internacionais, relativamente a este tema,

prende-se com as reais motivações que estão na base da escolha de uma estratégia de

política externa baseada na cooperação, por parte dos actores internacionais. Esta opção

dos Estados em direccionarem a sua política externa para uma orientação que, em

teoria, serve interesses comuns a outros Estados é algo que é visto com desconfiança

por alguns teóricos e com optimismo por outros.

É esta dualidade que marca, na generalidade, os debates em Relações Internacionais

sobretudo quando se trata de questões relacionadas com a cooperação. Esta tentativa de

racionalizar e perceber a cooperação internacional surge numa altura em que a

cooperação já é a principal forma de relacionamento entre Estados. Esta mudança de

paradigma obrigou algumas teorias a reformularem as suas teses relativas à cooperação,

com a generalidade dos teóricos mais contemporâneos a adoptarem uma atitude menos

radical em relação a este tema.

Para alguns autores, a actual convivência pacífica global existe devido ao aumento

exponencial da cooperação entre Estados, que de algum modo vem suprir a necessidade

Page 30: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

20

de uma governação global centralizada. A criação da ONU associada à adopção de um

conjunto de regras, por uma grande parte dos Estados do mundo, permitiu esta

realidade. Esta adopção de regras comuns gera confiança no sistema internacional, que

acaba por levar a uma certa ordem nas relações entre Estados. Ordem essa que sem

entidade reguladora é sustentada porque o sistema criou mecanismos de auto regulação

que o tornam, de algum modo, previsível. Esta visão desenvolvida por Kehoane marca

uma actualização necessária em relação à escola liberal. (Kehoane, 1984).

Kehoane encara a teoria Liberal Kantiana de “paz perpétua” como uma utopia e critica

ainda a teoria Realista, que considera ser redutora para analisar esta realidade tão

complexa, por apenas se preocupar com aspectos estratégicos defensivos. Esta análise

considera que de facto é possível atingir uma paz estrutural, mas não porque os Estados

são levados a cooperar por serem altruístas. Este romantismo liberal é um dos pontos

que Kehoane critica. Para este autor, e para os seguidores institucionalismo liberal, os

estados são, sem dúvida, egoístas e é o egoísmo que os faz cooperar actualmente. A

clara percepção dos Estados que é necessário cooperar, sob um ponto de vista

estratégico, faz com que, progressivamente, todos sejam mais interdependentes e

consequentemente tenham comportamentos mais expectáveis. Indispensável é perceber

que esta interdependência e esta ordem do sistema, que podem conduzir à paz, não

significam que todos são potencialmente iguais. Toda esta teoria tem como alicerce a

desigualdade entre Estados numa constante competição, num quadro cooperativo de

ganhos comuns, ganhará quem estrategicamente interpretar melhor o sistema. (Kehoane,

1984).

Page 31: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

21

Outra escola de pensamento que encara a cooperação como uma forma de fomentar a

confiança e a ordem no sistema é o Construtivismo.

Tal como no Institucionalismo Liberal esta corrente de pensamento valoriza o papel que

outros actores, como organizações não-governamentais (ONGs), instituições ou fóruns

internacionais têm no sistema. (Onuf, 1998). Para os teóricos construtivistas, todos os

actores referidos têm capacidade para alterarem de forma decisiva interesses ou mesmo

identidades. Todas as experiências vividas pelos Estados são encaradas como uma

forma de “aculturação” que influencia decisivamente aquilo que é um Estado e,

consequentemente, a sua identidade. (Onuf, 1998).

Esta dinâmica é enunciada pelo construtivismo como a capacidade para o agente

constranger a estrutura e simultaneamente ser constrangido, o que torna o sistema

dinâmico. (Wendt, 1999). Esta divergência, que consiste na capacidade dinâmica de

todos os actores para alterarem o sistema ou sofrerem alterações, é determinante na

percepção do argumento construtivista. Sendo a estrutura passível de ser alterada o

agente ganha um papel mais preponderante no sistema internacional. Transportando a

visão construtivista, para a área da cooperação, podemos considerar que os

construtivistas, e a sua análise subjectiva das Relações Internacionais, acreditam que as

políticas externas ou domésticas podem ser influenciadas por normas internacionais,

normas estas criadas na maioria das situações por indivíduos sem interacção directa na

elaboração das mais diversas agendas. (Wendt, 1999). Esta óptica construtivista

contribui para uma análise subjectiva de tudo aquilo que representa a cooperação,

sempre dependente do contexto social, condições históricas, actores envolvidos, ou

ainda factores identitários e culturais. Seguindo a linha de pensamento construtivista é

fácil compreender que a forma como cada Estado coopera, está intimamente relacionada

Page 32: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

22

com as suas relações, com os seus líderes e também com a sua relação com a sua

própria História.

A cultura e a identidade são, para os autores construtivistas, aspectos fundamentais a ter

em conta em todas as dinâmicas internacionais, sendo que a cooperação não é excepção.

Ao papel do indivíduo é conferida uma importância vital, devido à crença de que o

indivíduo é construído, tal como a realidade (Wendt, 1999). Isto é, os construtivistas

acreditam que todos os processos de socialização, aculturação e até as experiências

pessoais que o indivíduo sofre, têm implicações sobre a construção da personalidade e

identidade do indivíduo.

O construtivismo considera igualmente que todos os indivíduos são altamente sociais.

Assim sendo, os interesses dos actores não são interesses completamente exteriores ao

sujeito. O sujeito não se movimenta de forma estratégica no sistema com o objectivo de

apenas maximizar ganhos. Os interesses são, para os construtivistas, endógenos, sendo

portanto construídos, tal como tudo na realidade. A identidade joga nesta teoria um

papel fundamental. É através da identidade que os interesses são gerados e é através

desta dinâmica reflexa que estrutura e sujeito se mutam a cada acção (Comin, s.d.).

Podemos então considerar que, sob a óptica desta corrente, os actores não encaram a

cooperação apenas como uma forma de imperialismo ou de maximização de ganhos

individuais, como consideram outras teorias. Até que porque, mesmo as preferências ou

interesses são construídos socialmente e não definidos pelos actores (Zehfuss, 2006).

A cooperação é um exemplo crasso de diferentes interpretações para um mesmo

problema. Esta panóplia de diferentes interpretações torna a interpretação do fenómeno

Page 33: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

23

da cooperação algo muito complexo, podendo ainda tornar-se mais difusa se apenas

considerarmos as motivações subjacentes à cooperação.

Os autores neo-realistas têm uma compreensão mais extremada e radical em relação à

cooperação, bem como a outros temas relacionados com as relações entre Estados. Esta

dinâmica é encarada sob a perspectiva Hobbesiana, que encara a sobrevivência e a

segurança do Estado como condições base que determinam toda a política externa e

consequentemente a cooperação internacional. Esta premissa fundamental evidencia que

toda a ajuda externa é definida pelo interesse nacional, no caso dos Estados. A

perspectiva Hobbesiana revela então uma certa falta de moralidade, que marca todo o

discurso Neo-Realista (Waltz, 1979).

A definição/entendimento de cooperação sofre uma mutação sob a perspectiva desta

teoria, que não acredita em ganhos mútuos nas relações entre Estados. Prevalece a teoria

da soma zero, em que para um qualquer Estado ganhar, terá de existir sempre um

Estado a perder (Thomas, 2001). Qualquer Estado doador teria, sob esta óptica,

interesses em aumentar ganhos materiais, com novos investimentos e oportunidades

muito vantajosas com lucros substanciais. Mas ainda mais importante, que os possíveis

ganhos materiais, seriam os bens não quantificáveis como o alargamento da influência

política e geoestratégica, em Estados frágeis e susceptíveis a subornos ou tráfico de

influências.

Esta óptica neo-realista pretende reafirmar a convicção de que no sistema internacional,

a cooperação internacional é indissociável de todas as relações de poder e portanto

desprovidas de qualquer moralismo ou ética (Waltz, 2001).

Page 34: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

24

Outra corrente de pensamento usualmente mencionada, quando se fala de cooperação, é

o Estruturalismo. De uma natureza claramente Marxista, esta corrente de pensamento

interpreta o crescimento desta forma de relacionamento internacional como uma forma

de Imperialismo. Esta conclusão resulta da ideia de que existe um modelo ocidental que

é aplicado a Estados em desenvolvimento e que acaba por acentuar mais ainda as

desigualdades e as clivagens entre doadores e receptores, levando assim a que a situação

não se inverta e que os doadores sejam sempre beneficiados pelo manutenção do status

quo (Guimarães, 2005).

Esta corrente reclama que a utilização do modelo de desenvolvimento, consagrado no

“Consenso de Washington”, em nada favorece os países receptores que ficam cada vez

mais dependentes da ajuda externa. A noção de ganhos mútuos, que deveriam surgir

com a cooperação é, assim desconstruída por esta abordagem. Autores estruturalistas

consideram a cooperação como a nova ferramenta de dominação (Touraine, 2005).

Outras teorias consideram anacrónico falar de imperialismo nos dias de hoje, mas esta

corrente considera que a obrigatoriedade de levar este modelo a países sem estabilidade

política e social é condenar, à partida, os países receptores (Touraine, 2005). Além

destas teorias em R.I., ainda surgem outras abordagens ao tema, com enfoque também

em diferentes áreas. Um dos exemplos é a teoria Neoliberal, com uma vertente

importante para a Economia Política Internacional. Sob o ponto de vista Neoliberal, a

cooperação internacional pode ser vista como um obstáculo ao desenvolvimento global.

Isto porque a defesa do mercado livre é condição fundamental para esta teoria, que

considera-a como uma forma de intervencionismo sobre a acção estatal. A defesa do

mercado livre global não se mostra compatível, segundo autores neoliberais, com

Page 35: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

25

intervenções estatais que afectam a total liberalização no acesso aos mercados (Grieco,

1990).

É esta multiplicidade de teorias sobre a temática que a torna tão rica e,

consequentemente, tão complexa. Esta multiplicidade de disciplinas, que analisam o

fenómeno actual da cooperação internacional é reveladora da importância que esta

forma de relacionamento adquiriu. Nos dias de hoje, podemos facilmente verificar casos

em que Estados historicamente rivais optam por cooperar, devido à percepção

generalizada de que podem retirar dividendos comuns, num sistema internacional cada

vez mais competitivo.

Desde o final da Segunda Guerra Mundial, podemos afirmar que se assistiu a uma

complexificação de todas as relações institucionais internacionais, facto que não poderia

passar despercebido às grandes correntes de pensamento das Relações Internacionais.

Para qualquer investigador que pretenda estudar o tema da cooperação internacional é

indispensável conhecer os debates teóricos despoletados por todos os acontecimentos

históricos já relatados, mas ainda mais importante é interpretar as transformações, ao

nível da governação, associadas a cada período.

Muito para além da percepção do antagonismo de propostas teóricas como a Liberal ou

a Realista é necessário compreender alguns dados comuns, que poderão fornecer

informações importantes associadas a esta dinâmica. Todos os argumentos apresentados

pelas diversas correntes de pensamento poderão parecer completamente antagónicos à

partida. No entanto, autores como Foucault apontam aspectos motivacionais comuns.

Foucault acrescenta a toda a esta complexidade aquele que acredita ser o dado

fundamental, e comum, às diversas teorias em Relações Internacionais: a manutenção

Page 36: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

26

da ordem do sistema (Foucault, 2007). Muito para além dos objectivos mais altruístas

ou mais competitivos, é a manutenção do Sistema e da sua ordem que está em questão.

Qualquer uma das teorias não sistematiza, ou prevê, uma alteração brusca do sistema,

apesar de todos os factores em volta da governação terem sido alterados drasticamente

desde o final da Segunda Guerra Mundial (Foucault, 2007). Este autor recua ainda mais

no tempo e recorda Vestefália, como uma data marcante nas Relações Internacionais, e

que já nessa época foi concretizado com esta mesma finalidade. Todas as alterações que

ocorreram entretanto no sistema e que levaram, por exemplo, ao final do “Estado

Providência” não conseguiram abalar a estabilidade e a ordem do sistema, em grande

parte devido à ferramenta da cooperação internacional. Os objectivos subjacentes à

governação mudaram e a cooperação também, o que se materializou no aparecimento de

novos actores, que passaram a desempenhar funções anteriormente apenas destinadas ao

actor central, o Estado (Foucault, 2007).

Esta argumentação sustenta que grande parte dos projectos de cooperação poderão, de

facto, materializar-se em ganhos mútuos e que outros até poderão ter um cariz mais

egoísta e realista, mas que objectivamente o que todos procuram é que o sistema não

sofra uma alteração de fundo, que acabe por tornar as acções ainda mais imprevisíveis e,

consequentemente, mais perigosas. A complexidade do tema e as diferentes abordagens

são sempre analisadas na óptica dos Estados e não na óptica do sistema.

Paradoxalmente, é mais fácil analisar o tema encarando as diferentes opiniões do que

encarar os pontos em comum que podem surgir entre teorias.

Tendo em conta este enquadramento, o capítulo seguinte terá novamente a cooperação

internacional como tema geral, mas procura restringir a análise ao caso de Portugal e à

sua política externa.

Page 37: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

27

Portugal é hoje um Estado doador, tendo já no passado sido um Estado receptor. Nos

dias de hoje, e talvez influenciado pelo crescimento exponencial da cooperação

internacional, Portugal define grande parte da sua política externa e das suas Relações

Internacionais usando este instrumento diplomático. Se a princípio as prioridades eram

estabelecidas sem grande critério, hoje em dia podemos verificar a adopção de metas

específicas anuais, ou ainda, a adopção de um Estratégia Nacional, em grande parte

virada para as antigas colónias nacionais, para os PALOP10

e para Timor Leste.

10

Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Este grupo, formado em 1996 é constituído por Angola,

Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

Page 38: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

28

Capítulo II. Portugal e a cooperação

1. Portugal, a relação com a cooperação para o desenvolvimento e a

relação consigo mesmo.

O presente capítulo visa apresentar, em traços gerais, o passado, presente e futuro da

cooperação para o desenvolvimento em Portugal.

A escolha de Portugal como estudo de caso para ilustrar as diferentes dimensões de um

Estado que se assume como detentor de um papel especial no sistema internacional não

foi inocente. Portugal pode ser considerado como um estudo de caso de enorme relevo a

nível internacional dada a sua posição geográfica central, ponto estratégico entre três

continentes. Outro motivo fundamental, e que distingue Portugal de outros Estados, é a

sua alegada vocação para a cooperação. Depois de um passado colonial, Portugal passou

de colonizador a principal parceiro estratégico das suas ex-colónias. A este factor não

serão alheios laços culturais comuns como a língua, comuns e o passado secular de

relacionamento comum, com os antigos territórios ultramarinos. Por todos estes motivos

e ainda pelo seu enquadramento é importante perceber como se concretiza a cooperação

para o desenvolvimento em Portugal.

Page 39: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

29

2. Herança

Como verificável no capítulo anterior, o fenómeno da cooperação internacional cresceu

exponencialmente nas últimas décadas, por todo o mundo. Verificando que passámos da

inexistência desta ferramenta diplomática, para a sua utilização massiva numa questão

de décadas, ainda mais necessário se torna compreender esta nova dinâmica.

Como ficou claro no primeiro capítulo, esta realidade é ampla e complexa, devido à

existência de uma multiplicidade de correntes e teorias das Relações Internacionais que

a permitem explicar. Ainda assim, foi possível encontrar uma convergência de opiniões

e teorias, que focava a manutenção, no tempo, da ordem do Sistema Internacional.

Verificando que os factores de governação, foram profundamente abalados e,

consequentemente, alterados é de realce que a ordem internacional seja mantida, mesmo

depois de décadas de grandes convulsões. A estabilidade e a previsibilidade desde

sempre foram factores primordiais para os principais actores em Relações

Internacionais. (Kegley, 2009).

Todo o último capítulo, de validação teórica, ou de contextualização do “estado da

arte”, relativo à cooperação internacional é útil também para uma análise mais prática

do fenómeno da cooperação internacional. De facto, o caso Português ilustra

perfeitamente a mudança radical em matéria de política externa nas últimas décadas, tal

como a opção estratégica actual, inscrita na visão estratégica para a cooperação

internacional, que será explanada mais a frente.

Page 40: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

30

É inevitável referir a data de 1961 como assinalando a génese da cooperação, como

ferramenta diplomática de Portugal, pois é o ano que assinala a criação do Comité de

Apoio ao Desenvolvimento (CAD). Historicamente Portugal é membro fundador do

CAD e esta condição, por si só, torna Portugal num país pioneiro na cooperação

internacional para o desenvolvimento. (Olivares e Guedes, 2005).

À data da criação do CAD, Portugal mantinha um estatuto diferenciado dos restantes

países fundadores devido à sua condição de doador e receptor. É importante assinalar

que nesta altura Portugal era apenas doador devido a acordos bilaterais celebrados com

as, agora, ex-colónias (Olivares e Guedes, 2005).

3. Portugal, o Estado Novo e o Mundo

Os anos que sucederam o final da Segunda Guerra Mundial serão relembrados pelo

esforço dos países Europeus em restaurar o dilacerado continente Europeu. Não só no

plano económico e financeiro, já que a Europa foi palco geográfico das duas Grandes

Guerras, mas também sob o plano ideológico e dos valores. Havia nesta altura a plena

consciência de que na Europa não podia voltar a acontecer um conflito armado, como os

dois que haviam acontecido com pouco distanciamento temporal.11

Esta consciência comum, entre os principais líderes Europeus, levou à criação de

organizações de cooperação que contribuíssem para que o diálogo e o movimento

corporativo fossem a base da “nova Europa” (Cini, 2003).

11

Apenas duas décadas separam as duas Grandes Guerras Mundiais, que tiveram como palco preferencial a Europa.

Page 41: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

31

É neste contexto histórico que é criada a Organização para a Cooperação Económica

Europeia12

, originalmente criada para gerir da melhor forma a aplicação das verbas

recebidas através do plano Marshall, entre outros objectivos. (Cini, 2003).

Resultado de uma boa experiência Europeia, em 1961 nasce a Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE)13

. Portugal, apesar de

discursivamente proclamar o seu afastamento da Europa, devido à preferência Atlântica

foi membro fundador das duas organizações. Vários autores, como Nicolau Andersen-

Leitão afirmam que a retórica discursiva de Salazar não correspondia à realidade.

Podemos portanto afirmar que a componente discursiva associada à cooperação para o

desenvolvimento é criada no exacto momento em que Portugal, por opção estratégica,

se tornou doador. Este facto não torna a cooperação indissociável da retórica política

mas é importante, sob o ponto de vista da percepção motivacional e estratégica

(Andresen-Leitão, s.d.).

Como já referido outro importante fórum internacional, criado também em 1961, foi o

Comité de Apoio ao Desenvolvimento (CAD). Portugal é igualmente membro fundador

deste comité que, actualmente, é um dos principais fóruns internacionais que tem como

tema fundamental a Cooperação para o Desenvolvimento.

O CAD é um comité da OCDE que foi criado exactamente para monitorizar e coordenar

a aplicação dos recursos, que os seus membros disponibilizam em favor dos países

receptores. Aos Estados receptores é pedida responsabilidade na aplicação dos recursos,

sempre na tentativa de diminuir o nível de pobreza, reforçando a preocupação com as

12

Criada em 1948, abrangia originalmente Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Grã-Bretanha, Itália, Noruega, Portugal, Suíça, Suécia, Turquia e Espanha.

Page 42: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

32

populações dos chamados “Estados frágeis”14

. Actualmente o CAD, percebendo alguns

erros cometidos no passado, é responsável ainda por avaliações de desempenho dos seus

Estados membros (OCDE, 2010).

4. Uma alteração de paradigma

A revolução de 25 de Abril de 1974 em Portugal marcou, de forma clara, uma cisão

com o Estado Novo, marcado pela governação de Salazar e Marcelo Caetano. Em

matéria de política externa, Portugal estava isolado, já que foi um dos últimos países

democráticos a abandonar a experiência colonial. A exigência irredutível dos demais

Estados democráticos era agora cumprida, no momento em que Portugal concedia a

independência às suas ex-colónias. Com a revolução de Abril, acabava finalmente o

isolamento internacional de Portugal, bem como, a Guerra Colonial (Gonçalves, 1994).

Do ponto de vista internacional, esta alteração foi bem recebida. A queda repentina das

estruturas autoritárias abriu as portas à participação activa de Portugal num sistema

internacional já dominado pelos valores democráticos e anticolonialistas (Gonçalves,

1994). O afastamento em relação às ex-colónias, bem como a condição financeira do

país no final da guerra colonial, fez com que Portugal fosse afastado do CAD, enquanto

país doador. Portugal era agora apenas um país receptor de Ajuda Pública para o

Desenvolvimento. Esta realidade manteve-se até a data da adesão de Portugal à

Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1986. Com a adesão de Portugal ao

14

O termo “estados frágeis”, ou “estados falhados”, é utilizado para descrever países incapazes de administrar os seus territórios de uma forma efectiva (Kaplan, 2008).

Page 43: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

33

“projecto europeu”, Portugal passou a assumir também para si as metas, estabelecidas

por todos os Estados Membros, em termos de cooperação internacional (Palma, 2002).

Este foi o pior momento de Portugal, em matéria de cooperação para o

desenvolvimento. O regresso a África, por todas as emoções envolvidas entre ex-

colonizadores e ex-colonizados, não se revelou fácil. Uma forte animosidade entre

Portugal e as antigas colónias marcou este período específico para a cooperação

portuguesa.

Mais de três décadas depois da Revolução de 25 de Abril de 1974, Portugal é,

necessariamente, um país diferente. O caminho percorrido depois da descolonização até

ao, processo de construção europeu e ao processo de consolidação de crescimento

sustentável interno, tornaram Portugal um país mais atento ao exterior e perfeitamente

consciente da alteração de paradigma, imposto pela globalização, e das reais

potencialidades do salutar relacionamento entre estados.

Durante séculos Portugal foi construindo uma teia de relações privilegiadas com uma

assinalável diversidade de países. O passado nacional da aventura dos Descobrimentos

mostrou ao mundo um país que é hoje largamente multicultural, e em grande parte

devido a esta herança.

Actualmente Portugal tenta reconstruir uma teia de relações históricas, mas numa

perspectiva cada vez mais estratégica. Interpretando o sistema e as suas regras, e

potenciando assim a sua posição no mundo actual. Neste contexto, a globalização

constituiu uma importante oportunidade para Portugal. Numa altura em que grande

parte da atenção diplomática estaria focada no processo de integração europeia, os

governantes Portugueses foram audazes a ponto de perceberem que seria igualmente

importante tentar uma reaproximação estratégica com todos os países com os quais

partilhava aspectos culturais comuns, como a língua (Pereira, 2005).

Page 44: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

34

A reaproximação aos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e a

Timor-Leste torna-se, do ponto de vista estratégico, uma vantagem para Portugal, quer

para si individualmente, quer colectivamente, enquanto membro da União Europeia. O

património histórico e cultural que Portugal construiu e disseminou por todo o mundo

voltou a conferir a Portugal uma centralidade, muito para além da vantagem geográfica,

bastante importante no actual sistema Internacional. (Ministério dos Negócios

Estrangeiros, 1995).Esta consciência colectiva fez com que progressivamente a ajuda

pública para o desenvolvimento fosse ganhando relevância a nível interno.

5. Cooperação Estratégica aproveitando a História

“Há dez anos procurou-se dar expressão ao objectivo segundo o qual a cooperação é

“uma política de interesse nacional e de longo prazo”.

(José Manuel Durão Barroso, 1995).

A citação pertence a José Manuel Durão Barroso, actual Presidente da Comissão

Europeia e em 1995 Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal e demonstra a

percepção de que a cooperação internacional, a longo prazo, poderia constituir um

trunfo diplomático. Esta percepção levou o Ministério dos Negócios Estrangeiros em

Page 45: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

35

1995 a declarar os seguintes objectivos estratégicos em matéria de política externa, para

a área da cooperação internacional:

Fonte: Ministério dos Negócios Estrageiros (1995:11).

Quadro 1 – Objectivos de Portugal em matéria de política externa.

Da análise desta sistematização operacional, de há mais de uma década, destacam-se as

vertentes motivacionais e estratégicas. É de realçar, que ao longo da tabela é sublinhado

aquilo que alguns autores apelidam de “vocação histórica” de Portugal. O legado

deixado por Portugal, através de um processo de aculturação15

que durou séculos, é hoje

determinante e constitui o maior contributo para a definição da nossa identidade actual,

em matéria de política externa. Portugal reassume actualmente a sua opção pelas ex-

colónias, mas hoje através desta ferramenta diplomática que é, inegavelmente, a

cooperação internacional para o desenvolvimento (Moreira, 2004).

Neste sentido, a centralidade geográfica proporcionou a Portugal uma acelerada

integração europeia. Este processo de integração, segundo o MNE, deve ser

acompanhado por uma constante afirmação da cultura Portuguesa. A integração

Europeia não deve ser sinónima de uniformização cultural, de todos os Estados da

15

Aculturação é um termo sociológico que se refere a uma adaptação ao sistema de valores de outra

sociedade e integração do conhecimento e comportamentos entre os grupos culturais, num processo

dinâmico e contínuo (Backstrom, 2009).

Page 46: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

36

comunidade. A queda das fronteiras imaginárias, na Europa, deverá ser encarada como

uma forma de reafirmação, de todos os elementos culturais e identitários que

diferenciam Portugal no Mundo. (MNE, 2003). Este “papel histórico” diferenciado é

ainda acentuado pela forte carga ideológica presente em vários documentos oficiais, que

caracterizam a identidade portuguesa em matéria de política externa. Em teoria,

podemos aproximar esta vocação histórica de Portugal ao papel dos Estados Unidos no

sistema internacional. Obstante a posição de hegemonia dos Estados Unidos e enorme

diferença de poder militar, económico ou territorial, podemos comparar em termos

discursivos esta auto proclamação. Os Estados Unidos, apesar do seu isolacionismo

histórico, proporcionado pelo facto de estar ladeado pelos Oceanos Pacífico e Atlântico,

acreditaram desde a sua fundação ter um lugar “especial”16

no mundo. Mearsheimer é

um autor crítico de algumas opções estratégicas americanas, mas ilustra perfeitamente o

papel que os Estados Unidos acreditam ter, bem como o papel que os outros esperam

que os Estados Unidos desempenhem. A posição de pacificador e garante de ideais

democráticos, que estiveram na origem da fundação, do próprio Estado, são

características que os próprios Norte-americanos esperam que o país preserve. Mesmo

que na maioria das vezes, o Estado Hegemónico não retire dividendos dessa posição.

Como o próprio Mearsheimer menciona, inúmeros Estados esperam que os Estados

Unidos assumam a sua posição hegemónica para retirarem benefício desse status

(Mearsheimer, 2010).

Portugal, apesar de não ter obviamente um papel semelhante ao atribuído aos Estados

Unidos, é ainda assim um estudo de caso importante pelo seu potencial em relação à

cooperação internacional para o desenvolvimento, nomeadamente no que diz respeito

16

Varella descreve este papel como uma “característica que acompanha o nascimento dos EUA,

representando uma visão missionária: salvar o mundo do mal. Essa predestinação é encontrada tanto nos

textos jurídicos qudno em muitos instrumentos de divulgação cultural, há séculos” (Varella, 2004).

Page 47: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

37

aos seus principais parceiros. Mesmo saindo de uma ditadura colonialista, o que torna o

caso português diametralmente oposto do caso Americano, Portugal assume hoje uma

postura diferenciada em relação às ex-colónias. Durão Barroso justificou a opção

preferencial pelos PALOP como uma necessidade comum, o que reitera os benefícios

comuns e vantagens para receptores e doadores. Para além deste facto existe “a

necessidade de Portugal se reconciliar com o passado, na valorização das relações com

o espaço lusófono”. (Durão, 1998). Em 1995, foi o próprio Ministério dos Negócios

Estrangeiros (MNE) a expressar os desígnios da vocação histórica de Portugal:

Contextualizada a Politica de Cooperaçao, devem ser sublinhados dois

aspectos que permitem melhor avaliar a sua natureza: o facto de essa

política se traduzir numa “Vocação Histórica” que contribui para a

definição da nossa identidade em política externa e o facto de ela operar

através da chamada “Ajuda Pública ao Desenvolvimento (Ministério dos

Negócios Estrangeiros, 1995).

Portugal reafirma assim a sua opção pela Ajuda para o Desenvolvimento como forma de

relacionamento com as ex-colónias. A relação secular de Portugal com as antigas

colónias não constitui apenas um vector fundamental de política externa, vai para além

disto sendo, actualmente, parte da identidade de Portugal (Durão, 1998).

Afirmar constantemente que a língua, enquanto elemento presente no relacionamento

com as ex-colónias, é a vantagem predominante na relação com as antigas colónias é

deveras minimalista. Analisando um documento semelhante ao do MNE de 1995, mas

datado de 2006, compreendemos com mais clareza esta atitude altruísta assumida por

Portugal e que coloca em relevo princípios como os Direitos Humanos, a diversidade

cultural e religiosa ou a luta contra a pobreza e a sustentabilidade ambiental, em áreas

prioritárias como educação, economia ou saúde. Portugal reafirma assim a necessidade

de apoiar e capacitar os países em desenvolvimento, mais concretamente os PALOP,

vector da política externa portuguesa que se mantém, desde os primeiros passos de

Page 48: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

38

Portugal enquanto doador. Tudo isto depois de ter sido um dos últimos países a

abandonar a opção colonial, depois da Segunda Grande Guerra. A orientação

estratégica, em matéria de cooperação para o desenvolvimento, manteve-se no tempo. A

relação privilegiada com os PALOP e Timor, bem como a prioridade de integração

europeia constituem quase a totalidade dos esforços encetados por Portugal, em matéria

de Política externa desde que se tornou um país democrático.

Além dos óbvios benefícios mútuos, rapidamente compreendidos por todos os que

planeiam estrategicamente a política externa portuguesa, é ainda clara a importância do

factor geográfico na ligação da Europa com o resto do mundo. A posição geográfica

Portuguesa é, pois, fundamental, porque cria vias de relacionamento importantes de

ligação deste continente a continentes como África, América ou até Ásia. De um

autoproclamado isolamento, passamos, desde a adesão à Comunidade Económica

Europeia (CEE), a uma abertura ao mundo como poucos Estados conseguiram e

conseguem alcançar no sistema internacional. (Teixeira, 2008).

6. A operacionalização governamental da cooperação em Portugal

Como já referido, é inequívoca a importância da cooperação internacional para

Portugal, como garante de relacionamento diplomático, económico e até como forma de

potenciar a posição geoestratégica.

Esta importância, quer pelo crescimento do volume da cooperação internacional no

mundo, quer pelas opções tomadas por Portugal em matéria de política externa, é

encarada pelos decisores políticos portugueses como fundamental. Em termos

organizacionais e políticos esta importância é visível, quer pelo conteúdo dos

Page 49: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

39

documentos oficiais, quer pelo elevado número de organismos existentes com

competências directas nesta área. Esta grande compartimentação (de responsabilidades)

cria problemas ao nível da coordenação e da operacionalização. É facilmente

perceptível que o Ministério dos Negócios Estrangeiros tem sempre a última palavra,

até porque toda a responsabilidade política e institucional recai sobre este Ministério.

Contudo, revela-se difícil coordenar centenas de institutos e fundações que deveriam ter

como fim o apoio técnico ao próprio Ministério. A este propósito Ana Guedes Mesquita

refere que tem sido difícil para o Ministério dos Negócios Estrangeiros assegurar um

controlo rigoroso de todas as acções promovidas em Portugal em termos de cooperação

para o desenvolvimento (Mesquita, 2005). Apesar da existência de uma Estratégia

Nacional para a Cooperação, datada de 1995 e que surge da necessidade de fazer mais e

melhor com menos recursos, estas dificuldades criam constrangimentos vários e

decisivos, como a falta de coordenação e coerência. A definição de uma tal estratégia é

um momento importante para a cooperação para o desenvolvimento em Portugal, que

entre outras medidas, ditou a criação do Conselho de Ministros para os Assuntos da

Cooperação, em 1998. Estas mudanças levaram a que o orçamento de Estado do ano de

1999 tivesse, pela primeira vez, uma parcela relativa à cooperação internacional para o

desenvolvimento.

Outro momento fundamental da cooperação internacional portuguesa foi a criação do

Instituto de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD)17

, em 2003. Este órgão, resultado da

fusão do Instituto da Cooperação Portuguesa (ICP) e da Agência Portuguesa de Apoio

ao Desenvolvimento (APAD), veio conferir uma nova forma de actuação do governo

17

“O Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), criado em Janeiro de 2003, é um

instrumento central da política externa portuguesa. Toda a cooperação de ajuda pública do Estado

português é realizada por este organismo. A acção do IPAD tem em vista a promoção do

desenvolvimento económico, social e cultural dos países de língua oficial portuguesa, bem como a

melhoria das condições de vida das suas populações” (Ministério dos Negócios Estrageiros, 2011).

Page 50: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

40

português relativamente às questões da cooperação internacional para o

desenvolvimento. O objectivo central à criação do IPAD foi conferir uma melhor

coordenação interna dos recursos e prioridades de cooperação internacional, que se

materializariam numa melhor actuação externa em matéria de promoção de

desenvolvimento nos países receptores de ajuda. (IPAD, 2011).

No entanto, o IPAD viria a ser importante não só em termos de coordenação, mas

também em termos de avaliação de custos. A falta de um órgão verdadeiramente

central, tornou toda a cooperação internacional portuguesa uma verdadeira manta de

retalhos, em que ninguém tinha realmente a certeza de quanto era gasto anualmente, e

mais grave ainda, que recursos eram gastos de forma desnecessária e injustificada.

Actualmente, com todos os Ministérios a canalizarem fundos para a cooperação para o

desenvolvimento nas mais diversas áreas, o IPAD assume uma importância

fundamental. Além da tarefa de supervisão, quer a órgão públicos quer privados, o

IPAD tem a responsabilidade de elaborar planos anuais que indicam quais as reais

necessidades, de cada Estado preferencial. Estes planos, apelidados de Planos Anuais de

Cooperação são elaborados em conjunto com representantes diplomáticos presentes em

Portugal, de modo a dar a reflectir quais as reais necessidades dos países receptores,

tornando-se uma ferramenta essencial para doadores e receptores (IPAD, 2006).

Todas estas mudanças estruturais resultaram em diferenças fundamentais na forma de

actuação de Portugal em matéria de cooperação internacional para o desenvolvimento.

Analisando comparativamente alguns documentos oficiais é fácil perceber uma

mudança em termos de política que vai para além da semântica e do simples discurso.

Page 51: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

41

“Um terceiro plano de reforma que tem vindo a ser considerado prende-se com a

necessidade de dotar a política de cooperação de uma base organizativa mais sólida e

eficiente, o que passa pela clarificação das funções e competências das diferentes

instituições, designadamente o Instituto da Cooperação Portuguesa, o Fundo para a

Cooperação Económica e o Instituto Camões, no âmbito do Ministério dos Negócios

Estrangeiros, e dos diferentes departamentos que, na orgânica dos diversos ministérios,

têm competências no domínio da cooperação.” (MNE, 1995).

“A programação de segunda geração, que surge a partir de 2001 e que requer agora um

novo dinamismo, contém três passos distintos: primeiro, uma identificação política das

áreas prioritárias por via do contacto entre os responsáveis políticos pela cooperação em

cada país; segundo, um trabalho de programação técnica efectuado pelo IPAD, com

recurso a consultores especializados nos sectores em que isso se justifique; terceiro, já

numa fase de elaboração de projectos, o trabalho com os executores competentes, sejam

do sector público ou do sector privado, para corresponder ao estabelecido nas primeiras

duas fases” (MNE, 2009).

O documento “Visão Estratégica para a Cooperação”, (2009), marca, sem margem para

dúvidas, um momento importante para Portugal. Além de rever todas as orientações

estratégicas, previstas em 1999, este documento tem em conta novas metas e

compromissos assumidos por Portugal. Além da declaração de Monterrey18

, estão ainda

previstos os objectivos previstos no quadro da Declaração da Cimeira do Milénio da

ONU19

.

18

A Declaração de Monterrey surge da conferência Internacional das finanças para o desenvolvimento,

em Março de 2002 (Goff e Heinbecker, 2005). 19

Na Declaração do Milénio, adoptada no ano de 2000, a comunidade internacional traçou como

objectivo erradicar a pobreza extrema e a fome (OECD et al., 2011).

Page 52: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

42

Para além desta actualização, está ainda incluído um fundamental compromisso de

responsabilização política, inexistente até então. Esta responsabilização é importante

porque foca aspectos como a orçamentação, execução, coordenação política e relação

com a sociedade civil. Todas estas dimensões previstas neste documento sugerem que,

politicamente é necessário um compromisso real e efectivo para a persecução das metas

traçadas. Esta responsabilização mostra um grau diferente de envolvimento na questão

da cooperação para o desenvolvimento, que em parte existe devido às metas impostas

internacionalmente. Compromissos assumidos, como os Objectivos de

Desenvolvimento do Milénio, serviram para a tomada de consciência da necessidade

real de aumentar a eficácia do uso de todos os recursos, bem como para a necessidade

de aumentar substancialmente o volume dos recursos existentes. Ainda assim, Portugal

tem reafirmado, consecutivamente, que os recursos disponíveis são escassos, razão

principal para justificar o incumprimento de alguns objectivos internacionais,

delineados para Portugal. Estes objectivos, delineados para os Estados doadores, são o

resultado não só do crescimento exponencial da cooperação para o desenvolvimento

enquanto forma preferencial de relacionamento, mas também da necessidade de

fomentar uma forte coordenação multilateral nesta matéria.

Toda a estratégia de cooperação portuguesa corresponde, em larga medida, às

necessidades identificadas pela comunidade internacional. O documento “Uma visão

estratégica” (2009) demonstra que Portugal, enquanto país doador, tem o dever de

promover um processo de globalização mais justo, participado e inclusivo, bem como,

uma integração económica de todos os países, que se encontrem em fase de maturação e

desenvolvimento a nível económico, de forma a fomentar uma competitividade que

sirva os interesses de todos. Todos estes objectivos latos devem corresponder a uma

Page 53: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

43

coordenação multilateral, que seja profícua e que faça com que nenhum recurso seja

desperdiçado. (IPAD, 2009).

Esta relação entre aproveitamento dos recursos existentes e necessidade de aumentar o

volume desses mesmos recursos está espelhado na estratégia portuguesa, que deriva dos

vários documentos produzidos pelos principais fóruns internacionais. A estratégia

portuguesa assenta ainda em princípios fundamentais, que caracterizam perfeitamente a

importância que Portugal confere à Cooperação para o Desenvolvimento e que são

apresentados de seguida.

7.Princípios Estratégicos da cooperação portuguesa

Um dos princípios estratégicos subjacentes à cooperação portuguesa diz respeito ao

“Empenho na prossecução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio”. Os ODM,

definidos pela ONU foram desde a sua adopção um objectivo essencial para Portugal. A

consciência de que as metas traçadas seriam bastante ambiciosas não fez recuar

Portugal, quer devido ao seu forte envolvimento em questões da cooperação para o

desenvolvimento, quer pelo facto de as metas traçadas estarem acima da realidade da

maioria dos parceiros preferenciais de Portugal.

Priorizando áreas fundamentais como a Saúde, e Educação ou Boa Governação os

ODM surgiram como uma oportunidade única para, efectivamente, reduzir o número de

pessoas que vivem em pobreza extrema20

. Ainda assim, é possível afirmar que Portugal

não alterou significativamente a sua estratégia em função dos ODM, porque toda a

estratégia portuguesa já estava focada em atingir objectivos similares. De facto, o

20

Segundo o Banco Mundial todas as pessoas que vivem com menos de um dólar por dia estão em situação de pobreza extrema (SENAC, 2009).

Page 54: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

44

documento “uma visão estratégica para a cooperação Portuguesa” (2009) apesar de não

contemplar mudanças estruturais, para atingir os ODM, já previa este movimento como

um objectivo comum a atingir.

Neste sentido, principal mudança que surge com os ODM, em questões de cooperação

para o desenvolvimento, tem a ver com o número de parceiros institucionais

empenhados em objectivos similares e com os quais Portugal passa a lidar.

Aliada a esta mudança, o facto de este objectivo figurar na estratégia portuguesa é de

grande importância, dada a grande visibilidade que este compromisso representa para a

sociedade civil. Num país ainda caracterizado por alguma reserva no que diz respeito à

cooperação para o desenvolvimento, esta iniciativa veio dar visibilidade e importância a

objectivos reais e papel de Portugal no seu relacionamento com os seus parceiros

preferenciais.

Um segundo princípio estratégico refere-se à promoção da chamada “segurança

humana”. Portugal cedo se apercebeu que a segurança humana tem que ir muito para

além de cooperação militar e por isso procurou capacitar os órgãos institucionais dos

países com quem se relaciona em matéria de cooperação para o desenvolvimento, de

modo a garantir que os órgãos locais conseguissem garantir o controlo territorial e

político, de forma a conferir estabilidade aos territórios. Apenas com um contexto

estável se pode perspectivar um crescimento sustentado de um país em

desenvolvimento. Partindo deste pressuposto, Portugal tem procurado, não só em casos

de conflito armado, mas também em contextos de instabilidade social, assegurar que os

Estados receptores da ajuda conseguem ultrapassar períodos mais conturbados, sempre

na óptica de defender, acima de qualquer pressuposto, a segurança humana.

O terceiro princípio estratégico é o de “apoio à Lusofonia”. Como já foi referido, a

Lusofonia constitui vector estratégico fundamental para Portugal. A língua Portuguesa é

Page 55: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

45

hoje uma das principais línguas do mundo e o número de pessoas que utilizam o

português, como língua materna diariamente é substancialmente maior devido ao

passado colonial português. A língua é de facto, um dos mais marcantes aspectos

culturais de Portugal. A língua assegura ainda uma vantagem de relacionamento com as

ex-colónias, pois é objectivamente mais simples a comunicação e o entendimento.

Finalmente, o quarto princípio diz respeito à promoção de um “Desenvolvimento

Económico e Sustentável”. O surgimento e desenvolvimento dos ditos Estados mais

frágeis constitui, teoricamente, a motivação principal dos países doadores. Nesse

sentido, a sustentabilidade económica dos países em desenvolvimento é condição

imprescindível para diminuir a pobreza extrema e, simultaneamente, fomentar a coesão

social e ambiental. O alinhamento destas prioridades estratégicas define todas as opções

tomadas por Portugal em matéria de cooperação para o desenvolvimento. Aqui

podemos verificar a opção por países que partilham aspectos culturais importantes

(como as ex-colónias), bem como a definição de áreas preferenciais de actuação como a

educação e um enfoque especial na boa governação. A transição dos anteriormente

designados territórios ultramarinos para Estados Soberanos não foi pacífica e, ainda

hoje, se fazem sentir problemas decorrentes dessa transição. Portugal e a comunidade

internacional demonstram através de vários documentos produzidos que a boa

governação é fundamental para ultrapassar problemas estruturais que, enraizados,

provocam pobreza extrema, iliteracia e problemas em áreas como o ambiente ou a saúde

pública. Priorizar um compromisso como a boa governação permite ainda, alargar o

espectro de programas e iniciativas a apoiar. A vastidão de áreas que podem ser

abrangidas por projectos, que tenham em conta a boa governação ou a segurança

humana, são úteis dentro da estratégia nacional definida. Contudo, do ponto de vista

funcional, torna toda a definição da estratégica algo genérica e excessivamente

Page 56: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

46

inclusiva. Uma grande maioria dos projectos apresentados pode enquadrar-se dentro da

imensidão do conceito, o que torna quase todos os projectos elegíveis à partida. Este

constrangimento pode asfixiar iniciativas que sejam prioritárias e de enquadramento

estratégico mais favorável.

8. Sociedade Civil e a Cooperação

Igualmente fundamental é a forma como se articulam a cooperação para o

desenvolvimento e a sociedade civil. O documento designa sociedade civil como o

“conjunto de associações e impulsos de natureza não-governamental, independente e

autónoma, que constituem um espaço privilegiado para o exercício de uma cidadania

activa e responsável.” (IPAD, 2009). A esta definição está associada a enorme

variedade de organizações de sociedade civil em Portugal, o que só por si é mais do que

um factor de dispersão e descentralização que requer uma enorme coordenação. Ainda

assim, e apesar da necessidade de priorizar projectos e tornar mais coesa a vasta rede de

pessoas e organizações, que têm como objectivo a cooperação, Portugal reafirma que a

liberdade e espírito de iniciativa da sociedade civil tem que ser constantemente

valorizado. A importância atribuída a todas as parcerias está expressa na Estratégia

Nacional para a Cooperação. Sempre apelando à necessidade de coordenação real e

efectiva, o documento refere que todas as relações entre actores institucionais e

parceiros públicos, ou privados são fundamentais pelo capital humano e financeiro

envolvido. Esta é mais uma forma de apelar à participação da sociedade civil, criando

um envolvimento favorável à persecução de políticas e disponibilização de recursos

Page 57: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

47

para esta ferramenta diplomática. A verdade é que grande parte da realidade apresentada

neste capítulo é apenas teórica, isto é, é a realidade inscrita nos documentos citados. Na

prática, a convergência destes objectivos com a realidade nem sempre retrata uma forma

eficaz de executar a cooperação internacional para o desenvolvimento, como vamos

perceber no próximo capítulo.

Page 58: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

48

Capitulo III. (Des)empenho de Portugal à luz dos

compromissos internacionais

1. Operacionalização prática da estratégia nacional para a cooperação

para o desenvolvimento.

O capítulo anterior analisou os principais princípios e directrizes da cooperação para o

desenvolvimento, enquanto ferramenta diplomática, em Portugal. Como foi verificável,

a definição de uma estratégia nacional marcou uma viragem institucional importante, no

modus operandis de Portugal relativamente aos seus parceiros preferenciais.

Apresentadas as prioridades e motivações de Portugal, em relação à cooperação para o

desenvolvimento e revistas as prioridades geográficas de relacionamento, é importante

auferir o cumprimento das metas traçadas e dos compromissos assumidos. Portugal

construiu uma teia de relações muito forte e consolidada, mas que obriga a um esforço

permanente e a um compromisso real, por forma a corresponder às metas projectadas. A

evolução do volume de recursos disponíveis e canalizados para a cooperação merece,

portanto, atenção neste capítulo.

Page 59: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

49

2. Volume da ajuda

Segundo dados do IPAD, Portugal canalizou para a área da cooperação para o

desenvolvimento a percentagem de 0,23 do seu Rendimento Nacional Bruto (RNB), no

ano de 2009. A esta percentagem do RNB, corresponde o valor de 368 milhões de

euros.

O valor registado está bastante aquém dos 430 milhões de euros disponibilizados em

2008 e este decréscimo inverte a tendência de crescimento que Portugal vinha atingindo

nos últimos anos. Dados dos anos de 2006 até 2009, no quadro 1, ilustram esta

realidade.

Quadro 2 – Evolução APD Portuguesa 2006/2009

O crescimento, pouco significativo, de 0,01% entre os anos de 2006 e 2007 explica

perfeitamente o fraco investimento realizado neste período específico. Em 2008

assistiu-se ao maior aumento quantitativo de volume de recursos para a cooperação para

o desenvolvimento. O crescimento de 0,05 pontos percentuais corresponde a um

aumento de cerca de 87 milhões de euros, no curto espaço de um ano. Este aumento

exponencial, em relação a anos transactos, pode ser explicado pela concessão de uma

linha de crédito a Marrocos, de 66 milhões de euros.

Page 60: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

50

Gráfico 3 – APD Bilateral Portuguesa

Como ilustra o gráfico 3, o crescimento da parcela relativa ao Resto do Mundo no ano

de 2008 reflecte perfeitamente a diferença quantitativa em relação a outros anos que

figuram no gráfico. E em grande parte, o factor responsável por este aumento

significativo foi o empréstimo concedido a Marrocos.

Durante o ano de 2009 a percentagem fixou-se nos 0,23% do PIB. Esta percentagem

significa um decréscimo em relação ao ano transacto, mas acaba por seguir a linha de

aumento de 0,01% dos anos anteriores, se exceptuarmos o ano de 2008. Encarando o

ano de 2008 como um ano de excepção, a verdade é que Portugal continua bastante

longe das metas estabelecidas. Tendo como referência o ano de 2009, Portugal

encontra-se de facto a uns longínquos 0,10% da meta estabelecida. Meta esta que era

um objectivo para 2006, segundo as metas traçadas após a assinatura da Declaração do

Milénio, em 2000. Mais distante está ainda Portugal se considerarmos a meta de 0,7%,

projectada para o ano de 2015. Para que Portugal atingisse a meta de 0,7% deveria

triplicar o volume da ajuda, o que significaria um esforço financeiro de mais de mil

milhões de euros, para além do esforço actual de Portugal.

Page 61: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

51

O porta-voz da Plataforma Portuguesa das ONGD21

, César Neto lamenta que Portugal

continue a não respeitar os compromissos assumidos, mesmo tendo em conta a actual

conjuntura europeia. O compromisso de aumentar, gradualmente, a percentagem do PIB

para 0,51% do PIB em 2010 já foi falhado largamente e a tendência é para o próximo

compromisso, estabelecido para 2015, ficar ainda mais aquém do objectivo definido.

Esta realidade coloca algumas preocupações às ONGD portuguesas porque pela

primeira vez, nos últimos anos, Portugal viu o financiamento da Ajuda Publica para o

Desenvolvimento diminuir em relação ao ano transacto. Este é um sinal preocupante

para o representante das ONGD em Portugal, porque mesmo havendo a consciência

colectiva de que muito raramente Portugal conseguiu cumprir as metas estabelecidas em

matéria de cooperação para o desenvolvimento, nos últimos anos nunca se tinha

assistido a uma redução orçamental deste tipo. Mas ainda assim, César Neto acredita ser

possível fazer melhor, mesmo não acreditando que seja possível atingir os objectivos.

(Neto, 2011).

21 A Plataforma Portuguesa das Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD) é

uma associação privada sem fins lucrativos que representa um grupo de 69 ONGD registadas no

Ministério dos Negócios Estrangeiros (Plataforma Portuguesa ONGD, 2011).

Page 62: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

52

3. Evolução histórica

Tabela 4 – Evolução do volume disponível para a cooperação para o desenvolvimento

Como mencionado no capítulo anterior, a primeira metade da década de oitenta não foi

um período significativo, em termos de recursos disponíveis para a Ajuda Pública ao

Desenvolvimento. Quer pelo atraso económico de Portugal na altura, quer pela sua

saída, enquanto doador, do CAD. Esta tendência foi invertida na segunda metade da

década de oitenta, em que se registou um crescimento relativo, correspondente a dois

pontos percentuais do PNB. O século XXI, contrariamente ao esperado, regista uma

média de 0,23% do PNB de Portugal de fundos canalizados para a cooperação para o

desenvolvimento, excluindo o atípico ano de 2004. Esta estagnação evolutiva está

aquém do esperado no passado. Os compromissos Internacionais, assumidos por

Portugal, eram bem mais ambiciosos e o enorme esforço que Portugal se propôs a

concretizar é hoje adjectivado como limitado, quer em recursos, quer em ideias. João

Gomes Cravinho, ex-Secretário de Estado para a Cooperação e os Negócios

Estrangeiros, acredita que existe neste âmbito um “debate estéril”, dominado pelos que

Page 63: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

53

acreditam que o volume da APD não é fundamental e os que acreditam que é imperativo

cumprir as metas internacionais definidas. Contudo, o argumento de que é imperativo

melhorar a qualidade e eficiência da ajuda púbica, destinada ao desenvolvimento não

tem de se sobrepor ao argumento que acredita ser imperativo cumprir as metas

internacionais. Esta é a opinião de João Gomes Cravinho partilhada nesta análise, e que

assenta na ideia fundamental de quando se trata de recursos públicos “há uma obrigação

absoluta de assegurar a qualidade, a relevância e a utilidade de verbas que serão sempre

escassas face aos desafios” (Cravinho,2008).

A priorização de objectivos orçamentais, como o controlo do deficit ou a estabilização

da despesa pública, tem sido invocada como motivo para a falta de empenho para com

os compromissos assumidos. João Gomes Cravinho alerta que, face à escassez de

recursos, é necessário priorizar, programar, avaliar e racionalizar de modo a que se

possam obter resultados progressivamente melhores. (Cravinho,2008).

4.Canalização da Ajuda

Analisar o fluxo anual de recursos que é canalizado pelo Estado Português para a ajuda

pública ao desenvolvimento é importante, contudo insuficiente. É fundamental também

perceber de que forma esta ajuda é canalizada e até onde chega.

Tecnicamente, podemos agrupar os processos de canalização da ajuda em dois tipos:

ajuda pública ao desenvolvimento bilateral ou multilateral. A APD bilateral é

caracterizada pela ajuda prestada directamente a um determinado país receptor, quer a

Page 64: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

54

título individual quer através de apoios de Organizações não-governamentais para o

Desenvolvimento (ONGD). A outra característica que a APD bilateral pode ter é a

realização de actividades no próprio país doador, como é exemplo o apoio a refugiados.

(Afonso e Fernandes, 2005).

A APD multilateral, por seu lado, é resultado da canalização de recursos directamente

para os orçamentos de organizações multilaterais que actuam, directa ou indirectamente,

na área do desenvolvimento. Estes fundos passam a ser geridos autonomamente pela

organização em questão (Afonso e Fernandes, 2005).

Gráfico 5 – Variação dos Fluxos de APD Bilateral, Multilateral e Total.

Através do gráfico 5 podemos verificar que nos últimos anos a tendência foi de

aproximação entre os valores destinados à ajuda bilateral e multilateral. A tendência

actualmente é para um trabalho bi-multi que se pretende que passe por uma abordagem

comum face a fragilidades, previamente identificadas nos países receptores da ajuda. A

capacidade para um determinado país doador conseguir articular a sua componente

bilateral e multilateral em torno de um determinado objectivo estratégico, pode tornar a

Page 65: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

55

actuação muito mais eficaz, sob a perspectiva dos países receptores. Existe, neste

âmbito, uma nova ferramenta de actuar na cooperação, à qual se chamou abordagem

sectorial integrada. Esta nova ferramenta é encarada no Sistema Internacional, como

uma tentativa conjunta de desenvolver ou apoiar um determinado sector de forma

integrada e colectiva. A principal vantagem desta nova abordagem é a unificação na

gestão dos recursos, na tentativa de alcançar objectivos comummente acordados

(Afonso e Fernandes, 2005).

Esta nova forma de actuação poderá potenciar o papel de Portugal no Mundo.

Actualmente Portugal é membro da União Europeia (EU), e de todas as principais

organizações multilaterais para o desenvolvimento, o que poderá permitir a Portugal um

papel de relevo ao nível da coordenação, especialmente para com os PALOP. Este é, de

resto, o 6º Objectivo identificado pelo governo em matéria de política externa

Portuguesa22

(Governo de Portugal, 2003).

5. A Ajuda Pública ao Desenvolvimento Bilateral

Segundo dados do IPAD, a APD Bilateral Portuguesa atingiu, no ano de 2009, os 199

milhões de euros. Em termos de percentagem, este valor corresponde a 54% do total da

APD portuguesa em 2009, prova da prevalência que a abordagem “bi-multi” tem

assumindo nos últimos anos.

22

6º Objectivo – Papel activo de Portugal na Construção Europeia e na Cooperação Internacional

(Governo de Portugal, 2003).

Page 66: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

56

Gráfico 6 – APD Bilateral entre os anos 2006 e 2009.

A distribuição destes 199 milhões de euros (gráfico 6) comprova a opção estratégica

pelos PALOP e Timor Leste. Este bloco, parte integrante dos continentes Africano e

Asiático, representa 83% da APD bilateral Portuguesa relativa ao ano de 2009. Esta

centralização em Timor Leste e nos PALOP, já analisada no capítulo anterior, reflecte

um equilíbrio difícil de atingir. Se por um lado a análise pode levar a crer que apoiar,

quase em exclusivo, apenas seis países é concentrar demasiado os recursos existentes,

por outro lado podemos reafirmar a necessidade de não dispersar demasiado esses

mesmos recursos, sobretudo quando são cada vez mais escassos.

Gráfico 7 – APD Bilateral para os PALOP, Timor-Leste e Resto do Mundo.

Page 67: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

57

O argumento da continuidade, utilizado pelo MNE, faz sentido em teoria. A

continuidade permite um conhecimento da realidade local, cultural, dos hábitos e

necessidades reais dos países preferenciais da ajuda. No entanto, o profundo

conhecimento que existe em relação, quer aos PALOP quer a Timor não foi ainda

suficiente para colmatar algumas da fragilidades identificadas pelo CAD, na sua última

avaliação a Portugal, avaliação esta que será fundamental para identificar as principais

lacunas e falhas na cooperação para o desenvolvimento levada a cabo por Portugal, e

que vão para além da escassez de recursos disponíveis (OCDE e Banco Africano de

Desenvolvimento, 2010).

6. Sectores de actuação

Na análise decorrente do volume da APD Portuguesa é ainda fundamental compreender

que áreas de actuação recebem mais, ou menos, recursos. Normalmente, a área de

actuação do projecto não é determinada pelos bens disponíveis por parte do doador, mas

sim pelas necessidades de cada país receptor. Aquilo a que Maria Manuela Afonso

chama de gestão de recursos centrados pelas necessidades dos países beneficiários,

evitando estratégias puramente ditadas pela oferta (Afonso, 2005).

Page 68: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

58

Actualmente, qualquer projecto de APD pode ter em conta mais que um sector, neste

caso estamos na presença de um projecto multissectorial ou transversal, pelo espectro de

áreas que pode contemplar. Outras contribuições podem não ter como objectivo

nenhuma área em específico, o exemplo mais claro é o apoio prestado para o alívio da

dívida e restruturação orçamental.

Gráfico 8 – Distribuição Sectorial da APD Bilateral Portuguesa

Gráfico 9 - Distribuição Sectorial da APD Bilateral Portuguesa

Page 69: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

59

De acordo com os gráficos apresentados podemos perceber qual o peso de cada sector

na distribuição da APD bilateral portuguesa. Nos quatro anos representados,

verificamos uma prevalência, que de resto desde sempre se verificou na APD bilateral

portuguesa, para a canalização de uma grande maioria dos fundos para o sector das

Infra-estruturas e Serviços Sociais. É interessante analisar que, apesar de a Educação

continuar a ser a área com mais financiamento em todos os anos analisados, podemos

verificar um crescimento enorme dos valores correspondentes ao item “Governo e

Sociedade Civil”. Este facto comprova a importância que Portugal atribui à “Boa

Governação” e à sociedade civil. Este investimento reflecte a real necessidade de

conferir estabilidade às antigas colónias, que contribua para um crescimento sustentado.

Noé Nhantumbo acredita que a ausência de “boa governação” é a fonte de todos os

problemas em África e que a tomada de consciência de que a culpa não reside apenas no

colonialismo, é um avanço significativo. Para o autor, é tão importante que os países

doadores percebam esta realidade, aumentando sectorialmente o montante disponível

para a “boa governação”, como que os países receptores percebam esta necessidade.

Ainda segundo Nhantumbo:

“ Os Africanos têm de compreender que a chave para um futuro de

sucessos está de facto na Boa-Governação porque nela estão os conceitos

que se aplicados os levarão à viabilização dos seus Países. A tão cara e

falada democracia tem as suas bases na Boa-Governação. Transparência

governativa, responsabilização consequente, separação efectiva de

poderes são requisitos fundamentais para que a democracia exista.”

(Nhantumbo, 2007).

Importa ainda salientar enquanto unidade sectorial a área da Saúde, que será tema do

próximo capítulo. O gradual desinvestimento que se vem verificando nos últimos quatro

anos deve, na nossa opinião constituir motivo de reflexão. Considerada como uma área

fundamental, a importância da Saúde tem sido menosprezada nos últimos anos pela

Page 70: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

60

APD portuguesa, numa altura em que alguns problemas graves de Saúde pública

assolam os principais beneficiários da ajuda pública para o desenvolvimento

Portuguesa, alguns desses problemas já totalmente erradicados em Portugal, como a

Poliomielite23

. A proliferação destes graves problemas de Saúde pública, associados ao

crescimento exponencial do volume de doentes que são enviados para Portugal,

deveriam ser motivos suficientes para que a Saúde continuasse a constituir uma grande

prioridade de actuação.

Em ordem inversa, ao que acontece com a ajuda bilateral, podemos encontrar o

investimento crescente na APD multilateral. Como verificável no gráfico 10, a ADP

multilateral registou uma subida significativa no ano de 2008, com um aumento de

cerca de 25 Milhões de euros. A comprovar esta opção, relativamente recente, Portugal

decidiu documentar esta estratégia. O documento denominado “Estratégia Portuguesa

de Cooperação Multilateral” reflecte uma das recomendações do CAD, aquando da

avaliação em 2006 – a necessidade de fazer crescer o apoio de Portugal por via da APD

multilateral.

Gráfico 10 – Variação APD Multilateral entre os anos de 2006 e 2009.

23

A Poliomielite é uma doença viral contagiosa, transmitida através de alimentos e água contaminados, e

que afecta o sistema nervoso central. Causa paralisia e deformações no corpo. Actualmente é uma doença

extinta nos países desenvolvidos, graças à existência de uma vacina eficaz (Cliff e Smallman-Raynor,

2006).

Page 71: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

61

O pós-25 de Abril mostrou ao mundo que Portugal, conciliando as suas vertentes

Lusófona e Europeia, podia ser um actor chave no plano internacional e por isso

também em matéria de desenvolvimento. A era da globalização potenciou ainda mais

esta abertura de Portugal que, actualmente, tem papel preponderante nas mais

importantes organizações internacionais. A estratégia multilateral para a cooperação

portuguesa refere como instituições preferenciais, a União Europeia, a Comunidade dos

Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP), a ONU24

, a OCDE25

, as Instituições

Financeiras Internacionais26

, a conferência Ibero-Americana e ainda as diversas

organizações regionais27

direccionadas, directa ou indirectamente, para as questões para

o desenvolvimento (IPAD, 2007).

Todas estas instituições contam com o decisivo contributo de Portugal, estando a UE,

actualmente, no topo das prioridades. Uma grande parcela de recursos para a

cooperação multilateral disponibilizada por Portugal é absorvida, portanto, pela UE. A

UE é actualmente o maior dador multilateral do mundo, ultrapassando inclusivamente

algumas organizações multilaterais criadas apenas para promover o desenvolvimento.

O Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) é o fundo criado pela Comissão Europeia

para a coordenação de recursos, disponibilizados por todos os Estados Membro. As

contribuições anuais são canalizadas para este fundo, que mesmo já sendo o destino de

grande parte dos fundos portugueses, continua a ver os contributos nacionais crescer

anualmente, conforme ilustra o gráfico 11.

24

Assembleia Geral, ECOSOC e seguintes Fundos, Programas e Agências especializadas - PNUD, ACNUR, FNUAP, UNICEF, FAO, OMS e OIT (IPAD, 2007). 25

Em especial o CAD (IPAD, 2007). 26

Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Bancos Regionais de Desenvolvimento - BAfD, BAsD e BID (IPAD, 2007). 27

União Africana, a SADC e a CEDEAO (IPAD, 2007).

Page 72: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

62

Gráfico 11 – Distribuição APD Multilateral: Fonte: IPAD.

Vinculando todos os Estados-Membros a um contributo anual para o FED28

, a União

Europeia garante um volume de recursos assinalável. Estes recursos são

disponibilizados para todos as regiões ou países em desenvolvimento, sem qualquer tipo

de estratégia geográfica associada. De facto, é aos Estados-Membros da UE que cabe o

papel de influência de orientação, estratégica e geográfica, de cooperação para o

desenvolvimento. Nesta questão em particular, Portugal assume legitimas pretensões de

ter um papel relevante, quer pela sua tradição histórica para com África, quer pela

afirmada estratégia portuguesa de apoio a sectores como a segurança humana e

ambiental, como complemento ao desenvolvimento sustentável. Este papel é

desempenhado, não só dentro da UE, mas também no seio de todas as outras

organizações multilaterais de apoio ao desenvolvimento (Ministério dos Negócios

Estrangeiros, 1995).

28

O Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) é o principal instrumento da ajuda comunitária no

âmbito da cooperação para o desenvolvimento. O Tratado de Roma de 1957 previu a sua criação para a

concessão de ajuda técnica e financeira, inicialmente aos países africanos que eram colónias na altura e

com os quais determinados Estados mantinham laços históricos (União Europeia, 2011).

Page 73: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

63

O quadro 12 apresenta os valores disponibilizados por Portugal para a cooperação

multilateral, representando os principais parceiros em 2009.

Quadro 12 – Valores APD multilateral Portuguesa.

7. Avaliação

A avaliação constitui um dos principais momentos da Cooperação para o

Desenvolvimento em Portugal. A capacidade para perceber que aspectos podem ser

melhorados e como atingir essa melhoria é, sem dúvida, o principal benefício da

avaliação da execução anual de Portugal.

Portugal, em comparação com o restante grupo de dadores do CAD, faz parte do grupo

dos pequenos dadores. Esta classificação pode parecer minimalista e redutor, apenas

pelo tamanho geográfico de Portugal e, consequentemente, pelos baixos valores gerados

pelo País, mas a verdade é que o esforço financeiro relativo de Portugal está de facto

bastante aquém das espectativas. Esta é a principal fragilidade identificada à cooperação

para o desenvolvimento por parte de Portugal. Esta é claramente a indicação, por parte

Page 74: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

64

de quem nos avalia, de que falta ainda um rigoroso compromisso político para alcançar

as metas pretendidas.

Para além dos ODM, considerando o consenso de Monterrey e o Conselho de Assuntos

Gerais e Relações Externas da UE os compromissos mais relevantes, de ordem

quantitativa, podemos afirmar que Portugal falhou em ambos. Politicamente, os

decisores reafirmam a vontade de atingir as metas passadas, que ainda não foram

atingidas, mas justificam o incumprimento com as constantes restrições orçamentais

impostas.

Contudo, o argumento deste trabalho sugere que tais constrangimentos não têm de ser

decisivos. As últimas avaliações do CAD a Portugal são a prova desta realidade. O

CAD realiza, de quatro em quatro anos, uma avaliação rigorosa de todas as políticas

nacionais de cooperação, de todos os seus Estados-Membros. Esta avaliação é levada a

cabo por outros estado-membros, que são designados aleatoriamente. Portugal

submeteu-se durante o ano de 2010 à última avaliação do CAD, levada a cabo pela

Irlanda e pela Finlândia, bem como um elemento da Eslovénia, excepcionalmente

convidado por Portugal. Esta avaliação intensiva decorreu durante vários meses em

Portugal, com uma visita complementar a um dos países com maior relevância

estratégica para Portugal (nesta última avaliação o país designado foi Cabo Verde.)

(Plataforma Portuguesa ONGD, 2010).

Se consultarmos as últimas três avaliações levadas a cabo pelo CAD, verificamos que

Portugal evoluiu lentamente entre 2001 e 2010. O CAD refere, já em 2006, alguns

progressos significativos, decorrentes dos principais problemas identificados em 2001,

particularmente em termos da disseminação da informação, em que o esforço de

Page 75: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

65

Portugal é valorizado em várias iniciativas mediáticas, como a campanha “ Pobreza

Zero”.

É inegável o valor destes relatórios, mais concretamente no que concerne às

recomendações feitas por forma a atingir uma melhoria significativa em aspectos

fundamentais como Coerência das Políticas, Eficácia da Ajuda, Desenvolvimento de

capacidades ou Segurança e Desenvolvimento, temas gerais do relatório de 201029

.

O avanço alcançado com a criação do IPAD, como já referido anteriormente, constituiu

a principal inovação evolutiva entre os anos de 2001 e 2006. Contudo o CAD acredita

que IPAD necessitava ainda de mais recursos humanos como forma de assumir um

controlo geral do orçamento da ajuda bilateral. O relatório do CAD refere ainda que

Portugal beneficiaria bastante se o IPAD assumisse uma postura menos administrativa e

mais estratégica em matéria de cooperação para o desenvolvimento. A

operacionalização e a escolha dos projectos seria mais criteriosa, o que contribuiria para

uma maior eficácia da ajuda. (IPAD, 2006).

A avaliação do CAD, datada de 2006, alertava em traços gerais, para a necessidade de

uma gestão totalmente centralizada nos resultados, mas coerente com a estratégia de

cooperação traçada por Portugal. Procura-se assim uma previsibilidade que é benéfica

para todos os actores envolvidos. Como já referido, uma grande maioria dos actores

internacionais procuram uma estabilidade e ordem no sistema internacional, que possa

dotar todas as acções de previsibilidade. É neste sentido que o CAD recomenda a

adopção de planos plurianuais, planeando projectos com maior antecedência projectos e

beneficiando assim os países receptores da ajuda. (IPAD, 2006).

29

Coerência das Políticas e Eficácia da Ajuda (tema central), Desenvolvimento de capacidades (tema especial), (Segurança e Desenvolvimento (tema especial escolhido por Portugal), Igualdade de Género (Questão transversal) e Acção Humanitária (Plataforma Portuguesa ONGD, 2010).

Page 76: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

66

O relatório de 2006 é ainda muito crítico em questões como a revisão da distribuição

sectorial da ajuda bilateral, o incumprimento das metas em relação ao volume da ajuda

disponibilizada por Portugal ou a aplicação de projectos que não tenham como

objectivo principal suprir necessidades reais dos países receptores.

Conforme analisámos anteriormente, as metas em termos de volume da ajuda foram

constantemente incumpridas, as elações principais a retirar do relatório são, portanto, a

fragmentação sectorial e a avaliação da pertinência dos projectos financiados. Se por um

lado é elogiado o trabalho que é feito por Portugal, em questões como a Educação e o

ensino da Língua Portuguesa, por outro deve ser questionado o papel cada vez menos

relevante que a Saúde assume nos sucessivos projectos de cooperação bilateral levados

a cabo por Portugal.

A verdade é que não podemos afirmar que a área da Saúde tenha sofrido uma evolução

qualitativa nos PALOP, que possa levar a que Portugal consiga apostar noutros sectores,

em detrimento da Saúde. A recomendação de que as necessidades reais dos países em

desenvolvimento devem ser analisadas, em detrimento de oportunidades de projectos

vantajosos para a o país doador, é portanto fundamental e tem de ser tida em conta.

Cláudio Correia, responsável pela divisão da mobilidade de doentes, da Direcção Geral

da Saúde (DGS) é categórico ao afirmar que os pedidos de assistência médica dos

PALOP quadruplicaram nos últimos anos. Os acordos realizados nesta área permitem

aos PALOP o envio de doentes para Portugal com uma cota de doentes, definida

anualmente, para cada país individualmente. A definição destas cotas é contudo

insuficiente e Cláudio Correia refere falhas na triagem dos doentes nos países de

origem, o que leva a que alguns casos já cheguem em estado terminal a Portugal

(Correia, 2010). O representante da divisão de mobilidade de doentes da DGS afirma

Page 77: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

67

ainda que há um esforço financeiro significativo anual, com a chegada de milhares de

doentes dos PALOP, que na sua maioria vêm para receber cuidados de saúde altamente

especializados, que não existem nos seus países de origem (Correia, 2010).

Na verdade, este é um esforço financeiro que poderia ser minimizado. A Saúde,

enquanto estudo de caso escolhido, pode ser um exemplo perfeito de falta de eficácia e

coerência da ajuda. A verdade é que a falta de recursos não pode ser encarada como

uma limitação determinante para Portugal. Discursivamente, este tem sido o argumento

utilizado, até à exaustão, para justificar a incumprimento das metas previstas. No

entanto, e socorrendo-me do argumento desta tese, há a percepção de que se podia fazer

mais e melhor, mesmo na actual conjuntura económico-financeira.

Em questões de cooperação para o desenvolvimento, o objectivo final deve ser dotar o

país receptor de condições necessárias para que este possa atingir um estado de

desenvolvimento consolidado e sustentável. Portugal tem falhado claramente neste

objectivo, porque neste momento, em questões de Saúde, canaliza grande parte dos

recursos disponíveis para a prestação de cuidados de Saúde em solo nacional, deixando

assim de dotar os países receptores de ajuda, de condições necessárias para tratamentos

especializados nos respectivos países de origem. O investimento falha na medida em

que não são criadas condições para que, no futuro, cada país em desenvolvimento

consiga ter um sistema de saúde que absorva e consiga assegurar os cuidados de todos

os seus cidadãos.

O relatório do CAD de 2010, é o espelho desta realidade. Tal como em 2006, o CAD

reconhece que Portugal melhorou significativamente desde a anterior avaliação, em

aspectos como segurança humana. O CAD foca ainda a aposta de Portugal nos PALOP,

o que demonstra o envolvimento de Portugal em desafios internacionais relevantes,

Page 78: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

68

como é o apoio aos chamados “Estados Frágeis”. Ainda assim é evidente a falha

sistemática de Portugal em honrar compromissos em relação ao volume da ajuda, que

como já vimos, tem sofrido um aumento pouco significativo.

Outra das grandes falhas apontadas a Portugal, resultantes da observação do CAD,

prende-se com a necessidade de simplificar todo o processo de definição da ajuda.

Apesar dos avanços feitos nos últimos anos nesta área em específico, Portugal continua

ainda a utilizar uma forma de actuação bastante fragmentada. O número de

organizações com responsabilidades nesta área torna todo o processo mais demorado e

necessariamente mais complexo. A recomendação é, em 2010, a mesma que em outras

avaliações: a necessidade de conferir a um só órgão, neste caso o IPAD, a coordenação

de todos os projectos de cooperação e ajuda. De facto, o IPAD tem actualmente

competências reforçadas, mas a fragmentação ainda é uma constante, existindo um

grupo de organismos que gere muitos pequenos projectos, em detrimento de um órgão

que assuma o planeamento de poucos grandes projectos.

Do extenso documento, com inúmeras recomendações, podemos ainda destacar as

correcções recomendadas em áreas como a cooperação multilateral, apesar do progresso

alcançado em termos de percentagem de volume nos últimos anos neste tipo de ajuda.

Ou ainda, a necessidade de criar mecanismos mais céleres na ajuda a Estados terceiros

contra crises humanitárias ou catástrofes naturais. (OECD, 2010).

Page 79: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

69

8. Outros mecanismos de Avaliação

A prova real de que a cooperação para o desenvolvimento assume, actualmente, um

papel preferencial na política externa de uma larga maioria, dos Estados é a importância

conferida à avaliação destes neste domínio. Para além do CAD, enquanto parte

integrante da OCDE, a Cooperação Portuguesa está também sujeita a outros tipos de

avaliação, quer pela sua inclusão em outras organizações, quer por deliberação

ministerial interna. Uma das organizações que se propôs a elaborar um relatório de

avaliação foi a CONCORD (Confederação Europeia das ONG de Ajuda ao

Desenvolvimento). O relatório do CONCORD30

, intitulado “Aid Watch 2010”, mostra

que os Estados-Membros da UE não alcançaram os objectivos colectivos para a

cooperação para o desenvolvimento. Tendo em conta que a UE é o maior dador

multilateral do mundo, este incumprimento compromete significativamente o esforço

global para atingir os ODM. O incumprimento por parte de Portugal é, portanto,

acompanhado pelo incumprimento por parte da EU como um todo. Os números são

reveladores desta realidade, com o relatório a referir um desvio de mil milhões de euros,

desde o ano de 2008, com Portugal a ter a quinta pior performance do grupo. O relatório

refere ainda que o rigoroso controlo orçamental de uma grande parte dos Estados

europeus não pode servir como argumento para negligenciar os objectivos assumidos

pelos mesmos. Esta grande disparidade entre os compromissos assumidos e a realidade

poderia colocar em causa o papel da Europa, enquanto líder global das causas da ajuda

ao desenvolvimento. (CONCORD, 2010).

30

O CONCORD é a Confederação Europeia das ONG de Ajuda ao Desenvolvimento. Os seus membros, associações nacionais e redes internacionais, representam mais de 1 600 ONG que são apoiadas por milhões de cidadãos de toda a Europa. O CONCORD promove reflexões e acções políticas e contribui regularmente para o estabelecimento do diálogo entre as instituições europeias e outras organizações da sociedade civil (Martins, 2010).

Page 80: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

70

A verdade é que passamos de uma época de entusiasmo desenfreado, para uma de

descrença generalizada. Os objectivos traçados em Monterrey, ou a própria Declaração

dos Objectivos do Milénio foram adjectivados como as metas mais ambiciosas de

sempre, constituindo uma tentativa real e objectiva para reduzir significativamente a

pobreza e o subdesenvolvimento no Mundo. No entanto, à medida que os anos vão

passando e as avaliações se vão sucedendo, percebemos que estamos ainda muito longe

das metas entusiastas que haviam sido traçadas. Até porque na altura na definição, de

tais metas, nada foi dito quanto a formas de atingir as metas, ou quanto às diferentes

capacidades dos Estados para garantirem, ano após ano, um esforço financeiro

significativo, canalizável para a APD (Lieshout, et al. 2010).

O relatório da CONCORD refere ainda que esta é a primeira geração da História com

condições suficientes para reduzir as enormes desigualdades existentes e que ainda não

é tarde para a Europa reassumir um papel preponderante, nesta questão. A questão

fundamental é que Portugal, à semelhança da Europa, tem apostado em projectos que,

para quem está no terreno, não são considerados na sua maioria absolutamente

prioritários e/ou eficazes.

Neste contexto, é a nossa convicção que a limitação orçamental não tem que ser

determinante fundamental na persecução de metas e objectivos fundamentais como os

ODM. A Europa, à semelhança de Portugal, deve racionalizar e estudar a aplicação

estratégica e eficaz de recursos que ameaçam ficar mais escassos de ano para ano. A

necessidade de fazer mais com menos é portanto o novo desafio que se coloca aos

países doadores. E para que isto possa acontecer é necessário um conhecimento da

realidade dos países receptores, das suas necessidades reais, bem como priorizar que

sectores devem ser privilegiados a curto prazo (Cravinho 2008).

Page 81: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

71

É neste aspecto que Portugal se pode destacar, quer no seio da União Europeia, quer em

termos de cooperação bilateral. O conhecimento impar da realidade dos países onde foi

presença activa, durante a era do colonialismo, pode ser actualmente um enorme

vantagem. Ainda assim, os últimos resultados da cooperação portuguesa, bem como as

últimas avaliações, criaram a consciência em Portugal da necessidade de uma avaliação

constante do seu desempenho em matéria de ajuda para o desenvolvimento. Esta

avaliação inclui uma auditoria interna e independente a todas as actividades levadas a

cabo pelo IPAD, mecanismo que tem como objectivo melhorar a eficácia da ajuda, a

partir da compreensão do impacto dos projectos levados a cabo e o seu alcance.

Também neste relatório encontramos referência à necessidade de repensar a cooperação

para o desenvolvimento, numa perspectiva de actuação a longo prazo. A

sustentabilidade dos projectos é identificada como uma das principais necessidades de

actuação, em países em desenvolvimento. O investimento a curto-prazo não consegue

resolver problemas de fundo em Estados ditos “Frágeis”, colmatando apenas pequenas

falhas sectoriais. A Resolução n.º 82/2010 do Conselho de Ministros corrobora esta

opinião:

“A descoordenação e a incoerência de políticas têm custos económicos

elevados, quer para as populações dos países em desenvolvimento, quer

para os próprios contribuintes nacionais e, nesse sentido, Portugal tem

subscrito, em diversos fóruns internacionais, em particular no quadro da

UE, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico

(OCDE) e da Organização das Nações Unidas (ONU), um conjunto de

compromissos internacionais em matéria de CPD, que destacam a

importância de assegurar que as políticas adoptadas em diferentes áreas

sejam coerentes e consistentes com os objectivos do desenvolvimento.”

(Governo de Portugal, 2010).

Perante estas avaliações, João Gomes Cravinho, opta por salientar os progressos

realizados por Portugal numa época de contenção orçamental. Tendo em conta

Page 82: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

72

declarações de 1995, percebemos que existe uma linha discursiva que teve a sua génese

com o próprio aparecimento da cooperação para o desenvolvimento em Portugal. As

declarações de João Cravinho, Durão Barroso, ou qualquer outro Secretário de Estado

para a Cooperação ou Ministro dos Negócios Estrangeiros seguem um alinhamento que

será também analisado neste trabalho. É fundamental perceber os argumentos utilizados,

muitas vezes até à exaustão, pelos decisores políticos nacionais, antes de encarar formas

alternativas de actuação. O próximo capítulo pretende ser uma análise do sector

específico da Saúde, na ajuda pública para o desenvolvimento levada a cabo por

Portugal. Pretende-se ainda que a avaliação aqui explanada seja cruzada com a forma

como a retórica política é projectada, para a área específica da cooperação internacional,

sempre tendo em conta a importância que a cooperação para o desenvolvimento tem nos

dias de hoje e analisando o papel de Portugal, enquanto estudo de caso.

Page 83: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

73

Capítulo IV. A Saúde na Cooperação para o

Desenvolvimento

1.A Saúde enquanto área prioritária e sector estratégico da cooperação

portuguesa

No capítulo anterior verificámos, através dos números, algumas das opções de Portugal

em matéria de cooperação para o desenvolvimento. Segundo estes mesmos números, foi

possível perceber que o sector da Saúde é um sector estratégico que vê o seu orçamento

anual progressivamente diminuído. É indiscutível que a área da Saúde sempre foi uma

das áreas mais significativas em cada estado, contudo esta importância ganha ainda

outra dimensão se acrescentarmos à Saúde uma dimensão global.

De acordo com a Organização Pan-Americana em Saúde:

“Se bem que as doenças novas e re-emergentes representam uma ameaça,

existem também outras preocupações. Os desastres naturais, os acidentes

químicos e nucleares, a mudança climática e suas consequências e o

bioterrorismo que podem afectar a segurança da saúde pública

internacional. Entretanto, as mesmas forças da globalização que

permitem que os patógenos circulem livremente no mundo, podem ser

utilizadas para construir alianças multinacionais para ajudar a expandir o

acesso aos remédios e às vacinas, a fim de melhorar a infra-estrutura da

saúde pública nos países em desenvolvimento e iniciar melhores

programas de educação de recursos humanos em saúde pública em todo o

mundo.” (Organização Pan-Americana Para a Saúde, 2007).

Mirta Roses, Directora Geral desta organização, ilustra bem nesta afirmação o novo

paradigma sobre questões de Saúde, desenhado através da globalização. O constante

fluxo de informação, bens, serviços e mesmo pessoas redesenharam o sistema

Page 84: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

74

internacional de forma clara e marcam os passos mais recentes da política externa, de

todos os Estados. Contudo, este paradigma, tal como afirma Mirta Roses, é

profundamente perverso pela dualidade que apresenta, entre a capacidade de difundir

rapidamente um cura, ou ainda mais rapidamente uma nova e perigosa patologia. A

globalização fez surgir a saúde global, da mesma forma que fez nascer a economia

global, ou qualquer outro movimento global. Os desafios globais necessitam de

respostas globais, mesmo que sejam criados, em muitos casos, alguns dogmas difíceis

de combater. Pranab Bardhan acredita que a ideia de que a globalização torna os ricos

mais ricos e os pobres mais pobres é um desses dogmas. A fundamentação do seu

argumento assenta em exemplos claros de países como a China que encararam a

globalização como uma oportunidade e conseguiram assim alterar, significativamente, o

número de pessoas que viviam abaixo do limiar da pobreza. A abertura, implícita ao

processo de globalização, não representa uma inevitabilidade para os países mais

pobres, pode ser encarada sim, como um desafio que implica uma mudança estrutural

que, segundo o autor, não é fácil, mas que é a única forma de conseguir crescer. Esta

realidade não torna a globalização como a solução para todos os problemas, assim como

não faz da globalização a fonte de todos os problemas. Para o autor, a cooperação

internacional para o desenvolvimento deve funcionar como apoio a áreas fundamentais

como a Saúde, enquanto os Estados receptores criam as condições para a tal mudança

estrutural fundamental para crescer, num contexto de globalização. (Bardhan, 2005).

Joanna Macrae, confirma a necessidade de uma mudança estrutural nos países

receptores da ajuda, de forma a que esta ajuda seja mais eficaz. A autora acredita que

actualmente é impossível separar a economia da política, mas este facto não pode

influenciar decisivamente a estratégia em torno da ajuda pública ao desenvolvimento. A

autora argumenta igualmente, tal como já foi afirmado, que a falta de condições

Page 85: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

75

políticas nos países receptores, torna a ajuda pouco efectiva. Esta premissa deve ser

encarada como verdadeira e inequívoca, para que os Estados doadores compreendam

que é cada vez mais urgente reformular o compromisso em torno da cooperação

internacional para o desenvolvimento. A verdade é que a receita ideal para a cooperação

internacional para o desenvolvimento em geral, na Saúde em particular, não é muito

complexa e até já foi encontrada. A canalização de dinheiro para esse efeito e a

existência de perfeitas condições políticas de governação seriam elementos

determinantes suficientes para fazer um qualquer país crescer sustentadamente.

Contudo, sabemos que os recursos são escassos e a estabilidade política, na maior parte

dos países em desenvolvimento, nem sempre é uma realidade. Esta realidade imperfeita

e complexa, face ao que seria desejável, faz com que os dadores optem, numa grande

maioria das vezes, por disponibilizar fundos para o “hardware” da saúde. A opção pelas

condições físicas, como medicamentos ou infra-estruturas, torna os resultados imediatos

melhores, mas não beneficia a sustentabilidade desses resultados no tempo (Macrae,

2001). Joanna Macrae afirma ainda que a crise na saúde e nos sistemas de saúde é

estrutural e não apenas cingida a um problema de infra-estruturas. Os países em

desenvolvimento precisam tanto de hospitais como de condições sociais e politicas, para

terem esse mesmo hospital. Em contextos de violência e conflito, é importante afirmar

que estes não podem ser as causas fundamentais do falhanço dos sistemas de saúde. Isto

é, o conflito cria problemas graves de saúde pública, nomeadamente no que diz respeito

à ausência de capacidade para garantir cuidados de saúde à população e à fragilização

dos meios disponíveis, mas não explica problemas estruturais dos próprios sistemas de

saúde. A autora reitera a importância do sector da Saúde nos Estados mais frágeis,

argumentando que a Saúde tem uma componente política, legitimando o Estado aos

olhos da população. A prestação de serviços básicos, como a Saúde, representa uma das

Page 86: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

76

responsabilidades idealmente asseguradas pelo Estado, garantindo o acesso equitativo e

igual a cuidados de saúde e esta verdade não pode ser alienada (Macrae, 2001).

2. Contexto global da saúde enquanto ameaça

A evolução da saúde global tem correspondido aos novos desafios que vão aparecendo.

A verdade é que todo o caminho que foi percorrido desde as primeiras conferências

internacionais sanitárias31

, em meados do século XIX, até à criação da Organização para

a Saúde da Liga das Nações ou da Organização Mundial de Saúde (OMS), toda a

evolução surgiu como resposta às novas ameaças à saúde pública. Só faz sentido pensar

em organização e coordenação mundial em torno da Saúde, a partir do momento em que

certas patologias ultrapassaram fronteiras e ameaçaram, de igual forma, países em

desenvolvimento e desenvolvidos. Cólera, Malária ou Febre-amarela são alguns dos

exemplos dos primórdios desta abordagem vertical à saúde pública internacional

(Basch, 1978). A abordagem vertical em Saúde era a forma de actuação dominante na

época, apenas procurando dar resposta a problemas imediatos de saúde pública, nunca

alargando o espectro para determinantes como a higiene ou condições gerais de

alimentação, como forma de disseminação de doenças. Apenas a Segunda Guerra

Mundial veio alterar a forma como a saúde global era encarada. O período pós-Segunda

Guerra Mundial marcou, de forma inequívoca, a forma como a Saúde era encarada em

termos mundiais, exactamente devido a uma mudança de abordagem por parte da OMS.

Aspectos como a nutrição, higiene ou exercício físico são exemplos de novas

prioridades da OMS, que marcam a passagem de uma abordagem totalmente vertical

31

As primeiras conferências internacionais sanitárias são datadas de 1851, 1859, 1868, 1874, 1881 e 1885, na tentativa de ultrapassar dois fortes surtos de cólera na Europa (Siddiqi, 1995).

Page 87: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

77

para uma abordagem mais horizontal de outras determinantes de Saúde, que não as

doenças transmissíveis. Esta nova filosofia surge numa época em que conceptualmente

a Saúde passou a ser mais do que a ausência de doenças e passa a ser enquadrada no

âmbito da cooperação internacional para o desenvolvimento. Esta profunda revolução

em relação às anteriores prioridades é ainda mais acentuada devido aos actores que,

segundo a OMS, deveriam ter um papel mais activo em questões de saúde global.

Segundo a OMS, a partir da década de 70, e depois da própria OMS ter chamado a si

própria a coordenação de toda a organização vertical, teriam de ser os estados doadores

a assumir responsabilidades no estabelecimento de sistemas de saúde e infra-estruturas

nos países em desenvolvimento. Esta responsabilização dos doadores, perante os países

em desenvolvimento, geraria nestes um mecanismo automático de melhoria contínua de

todas as condições de Saúde que progressivamente progrediria para a capacitação de

todos os países em desenvolvimento no que respeita às condições propícias para

assegurar bons níveis de controlo de saúde pública (Basch, 1978).

Esta mudança de paradigma fez também alterar as prioridades no acesso a cuidados de

Saúde. Depois do programa “Saúde para todos” a abordagem passou a incidir nos

cuidados de Saúde primários, exactamente como reforço da abordagem horizontal, com

os países desenvolvidos a assumirem cuidados com áreas transversais aos cuidados de

Saúde. A noção de que o conceito de saúde global é indivisível e ultrapassa fronteiras é

fundamental para que o debate teórico em torno da forma de actuar, altere

decisivamente o conceito enraizado de actuar apenas quando existem graves problemas

de saúde pública.

Page 88: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

78

Analisando a literatura especializada, alguns autores referem que a primeira vez que o

termo “global health”/”saúde global” foi amplamente explanado foi em 1978, por

intermédio de Paul Frederick Basch. A obra International Health aparece num contexto

completamente diferente do actual, com o mundo crescentemente dividido em dois

pólos e onde havia ainda uma outra preocupação, os Estados não-alinhados na sua

maioria constituídos por antigas colónias, Asiáticas e Africanas, com indicadores

“chocantes” em termos de saúde pública, depois de guerras coloniais destrutivas e com

sistemas de saúde muito frágeis ou mesmo inexistentes. O autor, neste contexto,

considera ainda que a década de 90 foi uma década perdida, tanto económica como

politicamente, década na qual prevaleceu o consenso de Washington, com implicações

claras do ponto de vista da cooperação internacional para o desenvolvimento em geral e

na área da Saúde, em particular (Basch, 1978). A morte de Basch não determinou o final

do pensamento crítico sobre impacto das transformações globais na Saúde. Em 2009,

surge uma nova edição do livro de Basch com toda uma nova síntese do contexto global

histórico, cultural, económico e político, como forma de perceber as características e

números mais recentes em termos da saúde global. À semelhança de Basch, os novos

discípulos acreditam que as mudanças significativas das últimas décadas, potenciadas

pela globalização, mudaram decisivamente a forma de ver o mundo e implicam novos

desafios importantes. Em questões de saúde pública novas doenças infecciosas

aparecerem, enquanto outras reapareceram, para além de novas doenças que ainda estão

por explicar, que frequentemente têm a sua génese em países em desenvolvimento.

Graves problemas relacionados com aspectos básicos da saúde pública, como higiene ou

imunização tornam mais vulneráveis os habitantes dos países em desenvolvimento ao

surgimento e proliferação de novas doenças.

Page 89: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

79

Esta realidade torna fundamental, a necessidade real de potenciar a Saúde e os sistemas

de saúde dos países em desenvolvimento, como forma de dar resposta a este grave

problema global. Prova desta realidade é a importância conferida à Saúde, na altura da

definição dos Objectivos do Milénio, com um bom número de objectivos a serem

directamente relacionados com indicadores de Saúde (Holtz, 2009), como são exemplos

os objectivos 4, 5 e 6.

3.Limitações e constrangimentos à saúde da ajuda para o

desenvolvimento

Algumas teorias em Relações Internacionais privilegiam, ao nível da cooperação para o

desenvolvimento, o altruísmo dos Estados doadores em favor dos receptores. Por vezes,

este altruísmo pode fazer os Estados caírem em alguns erros, na tentativa de

solucionarem rapidamente os problemas, geralmente graves, dos países em

desenvolvimento. Um desses erros é a fragmentação da ajuda, ainda mais problemática

no caso da saúde. O apoio de uma grande variedade de organizações resulta numa ajuda

fragmentada, porque o Estado não tem capacidade política para que a ajuda seja

coordenada e canalizada de forma eficiente. A percepção da urgência, numa área tão

sensível quanto a Saúde, é outra das razões para que a ajuda não seja eficaz. A

necessidade de uma resposta urgente faz com que falte planeamento e coordenação na

forma como esta ajuda é canalizada. (Macrae, 2001).

Apesar de toda a incapacidade política dos chamados “Estados frágeis” é ainda

identificado algum alheamento por parte de alguns responsáveis pela ajuda. Estes

Page 90: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

80

actores têm, indubitavelmente, de ter a capacidade para analisar os impactos políticos

decorrentes da sua intervenção. Isto implica uma definição de estratégias que não

sirvam apenas os interesses de política externa, dos estados doadores frequentemente

colocados acima de interesses colectivos (Macrae, 2001).Para além desta preocupação

são ainda identificados novos constrangimentos aos países em Desenvolvimento, que

podem condicionar decisivamente a forma como esses podem crescer, ou ver a sua

situação tornar-se ainda mais dramática. Um dos novos desafios colocados é a recente

escalada do preço de bens alimentares e energéticos, o que torna ainda mais difícil a

subsistência de um grande número de pessoas que vivem abaixo do limiar da pobreza.

(Macrae, 2001). Factores como os que foram apresentados tornam o termo “saúde

global” extremamente complexo e necessariamente diferente, de dia para dia, a cada

novo desafio colocado.

4. A diplomacia (na) da Saúde

A percepção de que o próprio conceito de saúde global é hoje diferente, do que em

1978, é corroborado pelo próprio Instituo de Saúde dos Estados Unidos. O relatório de

2009 avança com a seguinte definição:

“The goal of improving health for all people in all nations by promoting

wellness and eliminating avoidable disease, disability , and death. It can

be attained by combining population-based health promotion and disease

prevention measures with individual-level clinical care. This ambitious

endeavor calls for an understanding of health determinants, practices, and

solutions, as well as basic and applied research on risk factors, disease,

and disability.” (Instituto Americano de Medicina, 2009).

Page 91: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

81

Paulo Buss acredita que esta é uma definição possível, mas reforça a importância do

novo conceito da Diplomacia da Saúde, não referido na definição transcrita. Para Buss,

este conceito é definido como uma nova área de conhecimento e prática, remete para

uma série de recursos e instrumentos políticos e de política externa, directamente

ligados à saúde e outros sectores, em torno da saúde global. A Diplomacia da Saúde tem

ainda em conta, outros objectivos como a paz e a prosperidade, como exemplifica o

autor. A paz e a prosperidade deixaram de ser objectivos apenas da diplomacia da paz,

para passarem hoje a ser objectivos de outras áreas da diplomacia como a Diplomacia

da Saúde e da ciência (Buss, 2010). A importância verdadeiramente global da Saúde é

um dos aspectos mais importantes neste debate, também sublinhados por outros autores.

Acreditando que a principal preocupação deve passar obrigatoriamente pelas

necessidades reais dos países em desenvolvimento, a saúde global tem sempre em conta

a redução das desigualdades no acesso aos cuidados de saúde e a protecção das

sociedades contra ameaças globais.

Neste contexto, a cooperação para o desenvolvimento, associada ao conceito da saúde

global faz portanto todo o sentido. A cooperação em torno de um objectivo comum, que

permitirá ganhos mútuos, está na génese da própria concepção da cooperação para o

desenvolvimento. E neste contexto, a inexistência de barreiras físicas para problemas

graves de saúde pública ganha ainda outra dimensão. A clara percepção do que

significa, para todos os actores, o conceito de saúde global implica o aparecimento de

uma nova estratégia e uma nova abordagem para a cooperação para o desenvolvimento

e mais concretamente para a Saúde. A dependência dos estados em desenvolvimento,

em questões para a Saúde, faz exaltar ainda mais a interdependência que existe

actualmente no sistema internacional. Importa ainda distinguir o conceito de saúde

global e saúde internacional. O conceito de saúde internacional, que precedeu o de

Page 92: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

82

saúde global, era um conceito muito mais limitado sob o ponto de vista disciplinar.

Actualmente, especialistas em gestão, direito, economia, agricultura, engenharia

ambiental, medicina veterinária ou ciências mostram interesse por trabalhar nas suas

áreas de forma a potenciar a saúde global, especificamente porque é perceptível o

alcance lato do conceito.

Autores mais realistas sugerem outro tipo de leitura para o novo paradigma

nomeadamente no que diz respeito a questões para o desenvolvimento. Para autores que,

teoricamente, tenham uma visão mais realista, a explicação para estas parcerias e

cooperação entre estados são apenas uma forma de perpetuar os seus próprios interesses

e aproveitar alguns problemas dos países em desenvolvimento, como forma de

aproveitarem a seu favor o fenómeno que constitui a globalização (Yach;

Bettcher,1998).

Outros autores, como Macfarlane, que se afastem mais desta visão realista, afirmam que

apesar do altruísmo que possa estar associado à cooperação internacional para o

desenvolvimento é importante em qualquer projecto existir uma grande ponderação. À

semelhança do que acontece em Portugal, os projectos relativos à Saúde são muitas

vezes levados a cabo de forma precipitada e pouco eficiente. O altruísmo subjacente a

quem quer ajudar, não pode colocar em causa o discernimento, na aplicação de recursos

cada vez mais escassos. No entanto, o sector da Saúde tem sempre uma componente de

urgência associada que condiciona, à partida, todo o planeamento que possa existir. A

multidisciplinariedade, implícita ao conceito é neste contexto, uma enorme vantagem. A

ponderação, a vários níveis de análise e perante várias perspectivas, de todas as

condicionantes e impactos de um projecto de Saúde num país em desenvolvimento

permite avaliar e reajustar no terreno possíveis debilidades existentes.

Page 93: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

83

Uma das debilidades identificadas por todos os autores, na altura de avaliação da

cooperação para o desenvolvimento, mais concretamente, no sector da Saúde, é a falta

de coerência e planeamento dos projectos, o que condiciona à partida a sustentabilidade

dos projectos, acabando apenas por privilegiar os números e os resultados a curto prazo.

Neste contexto, a própria Organização das Nações Unidas refere que a Saúde é algo que

é diferente dos outros desafios globais actuais, porque é quase sempre consequência de

carências a outros níveis, como escassez alimentar ou mudanças climáticas. Assim

sendo, sustentabilidade de um projecto de cooperação para o desenvolvimento, na área

da Saúde, está sempre sujeita a todo o contexto envolvente e este facto, torna

indispensável que a saúde global seja pensada sob uma perspectiva

multidisciplinariedade, que tarda em ser uma realidade em alguns casos práticos, como

o português. (Macfarlane, 2008).

5. A importância estratégica “de ter e promover saúde”

Sob o ponto de vista teórico, é inegável o crescimento exponencial dos teóricos que

atribuem elevada importância ao conceito de “saúde global”, designadamente a nível

político. Alcazar e Fidler são peremptórios na afirmação de que a saúde global ocupa

actualmente um lugar de destaque, estratégico na agenda internacional. Prova desta

realidade é a inclusão do tema na agenda em diversos fóruns mundiais como a

Assembleia Geral das Nações Unidas, do G8 ou da Organização Mundial do Comércio.

(World Health Organization, 2010). Teoricamente, a ideia de saúde global ganhou

alguma relevância no sistema internacional devido ao crescimento de outras agendas,

relacionadas intimamente com factores de Saúde, tais como a segurança, a economia e a

Page 94: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

84

justiça social. Quanto à segurança podemos afirmar que a agenda da segurança se cruza

intimamente com a da saúde global pelo receio de propagação de doenças, numa era em

que é possível espalhar um vírus mortal, de forma global, numa questão de horas. Já no

que diz respeito à economia não podemos considerar apenas a avaliação do impacto

económico do sub-desenvolvimento ou do crescimento pandémico de algumas doenças.

Falar de economia global e de saúde global implica também abordar questões

fundamentais como a importância de indústrias como as do tabaco, alimentares ou

farmacêuticas, no contexto actual. No que diz respeito à agenda da justiça social, a

saúde é fundamental, tendo em conta que é vista como um direito fundamental e

inalienável. Este pressuposto faz com que qualquer ameaça à Saúde, em qualquer uma

das suas dimensões, tenha que ser vista como uma prioridade da comunidade

internacional (World Health Organization, 2010). Estes são alguns dos motivos

responsáveis pelo exponencial crescimento da relação entre a política externa e a Saúde.

A nível internacional, esta realidade incontornável faz com que o conceito de saúde

global seja hoje altamente politizado, saindo da esfera puramente técnica

tradicionalmente associada a uma área como a Saúde. Tal facto não é necessariamente

negativo, porque confere à Saúde, uma importância estratégica que esta não tinha até

então.

Esta mudança estrutural fez com que muitos estados redefinissem a sua política externa

em função da crescente importância da saúde global. A clara percepção das várias

esferas da saúde global, em torno de temas fundamentais como o desenvolvimento

económico, política externa, segurança e comércio, conseguiram determinar uma

mudança importante na definição, em vários estados, de políticas para o

desenvolvimento. (Amorim, 2007).

Page 95: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

85

6. Portugal e a Saúde Global

Aparentemente, e em razão dos dados apresentados em capítulos anteriores, Portugal

ainda não compreendeu esta alteração de paradigma em relação às questões

relacionados com a Saúde, no que diz respeito à sua política de cooperação para o

desenvolvimento. Não se afirma que Portugal não faça um esforço meritório em relação

a esta questão, afirma-se sim, por outro lado, que o planeamento em relação à Saúde não

é o mais adequado tendo em conta os novos desafios e novas realidades. A visão

estratégica para a cooperação, datada de 2005, contempla o sector Saúde enquanto

sector estratégico de actuação preferencial. Contudo, este facto não contribuiu para que

a parcela destinada à saúde não diminuísse relativamente a outros anos.

Estrategicamente, e em teoria, a Estratégia Nacional Portuguesa pretende que o

objectivo geral seja sempre “fortalecer os sistemas públicos de saúde nos países em

desenvolvimento enquanto elemento fundamental nas estratégias de redução de

pobreza” (IPAD, 2005). Pretende-se ainda que a aplicação deste objectivo seja sempre

resultado de um cruzamento entre com uma estratégia sectorial com prioridades

horizontais, direitos humanos, luta contra a pobreza, igualdade de género, diversidade

cultural ou sustentabilidade ambiental, e elementos como a boa governação, democracia

e educação para o desenvolvimento. Tudo isto, preferencialmente aliado a um “maior

investimento financeiro” (IPAD, 2005).

O documento é, de facto, um bom exercício teórico e também uma boa forma de

compreender uma alternativa válida, em ternos de intervenção prioritária na área da

saúde, em alguns pontos. Nele se pode compreender a difícil dicotomia resultante da

globalização e que permite, por um lado, a rápida disseminação de tecnologias médicas

e por outro, o rápido alastrar de pandemias a nível global.

Page 96: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

86

É também possível identificar algumas das causas em relação ao desinvestimento nesta

área, por parte de Portugal, apesar do volume financeiro disponível para a saúde a nível

internacional ter aumentado. Segundo o documento estratégico, o aparecimento de uma

grande multiplicidade de fundos sectoriais, cada vez mais difíceis de gerir pelos países

terceiros, significou uma perda considerável de oportunidades de financiamento,

tornando mais frágil todo o mecanismo de eficácia da ajuda. (IPAD, 2005). A verdade é

que, se teoricamente, a política externa de Portugal se parece posicionar

convenientemente neste tema em específico, na verdade e na prática ainda se encontra

num imbróglio institucional que não permite nem coordenação, nem a eficácia desejável

de uma grande maioria dos projectos implementados. É hoje impossível, mesmo ao

IPAD, saber quantos projectos estão em fase de implementação por Portugal, ou

quantos já foram implementados. Em relação ao caso português, falar na necessidade da

capacitação dos países em desenvolvimento também na área da saúde, como forma de

potenciar os recursos da cooperação, tem que implicar também uma simplificação

organizacional por parte de quem tem o papel de coordenação e avaliação em Portugal.

7. A Saúde nos PALOP e urgência de agir, perante a incapacidade de

capacitar

Como já analisado anteriormente, os PALOP e Timor-Leste constituem o principal

vector de actuação e apoio em matéria de cooperação para o desenvolvimento por parte

de Portugal. É inegável que apesar da actuação e presença de Portugal nestes países, que

os indicadores em termos de Saúde ainda deixam muito a desejar. A mortalidade

Infantil e a mortalidade materna apresentam ainda níveis anormais/muito elevados na

maior parte destes países, condicionando em grande medida a baixa esperança de vida à

Page 97: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

87

nascença. Cabo Verde consegue diferenciar-se dos demais pelos bons números que

apresenta em todos os indicadores de Saúde, no entanto, as doenças infecciosas,

perinatais e deficiências nutricionais afectam igualmente Cabo Verde, à semelhança dos

restantes PALOP (República de Cabo-Verde, 2007). Comum a todos os PALOP, é

também o alto nível de fertilidade que ainda é deficientemente acompanhado por

serviços de planeamento familiar, o que contribui inegavelmente para uma elevada

mortalidade materna.

Os sistemas de saúde, base fundamental para qualquer país em desenvolvimento, têm

uma baixa cobertura, estando portanto acessíveis a uma pequena proporção da

população. Apesar da proximidade com Portugal, os PALOP continuam a registar uma

enorme carência de recursos, comprovada pelo rácio entre gastos de saúde e pessoal

qualificado, inferiores à média Africana. Angola e Cabo Verde são, ainda assim, os

menos dependentes da intervenção externa. No entanto, todos apresentam ainda uma

grande carência de recursos humanos, o que impossibilita à partida que se consigam

atingir as metas propostas nos ODM (IPAD, 2005). Todos estes factores, associados a

outros factores horizontais deficitários, criam limitações à capacidade institucional dos

PALOP. A fragilidade institucional limita qualquer actuação do Estado e impõe

constrangimentos ao nível do planeamento, tornando-o, cada vez mais dependente de

actuação externa. Nestes casos, os países podem optar por focar a sua atenção em

necessidades imediatas de funcionamento mínimo dos serviços ou permitir condições de

formação e investigação, que servirão os países a médio-longo prazo. Como já

analisado, em relação à Saúde, a opção passa quase sempre por privilegiar o imediato,

optando por agir apenas em urgência, na tentativa de suprir necessidades básicas de

saúde pública imediatas (German; Randel, 1995).

Page 98: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

88

É inegável que os Estados com este tipo de necessidades se caracterizam por um baixo

PIB, uma elevada dívida externa, grande dependência em relação ao exterior, fraca

capacidade de todas as instituições públicas e de governo, além de um baixo índice de

desenvolvimento humano.32

Contudo, é indispensável que se pense a Saúde a longo

prazo, como forma de capacitação dos demais sistemas de saúde, mesmo que nestes

estados existam sempre situações de urgência, até porque a maioria dos problemas

enumerados, justificam uma actuação a nível institucional a longo prazo. Como já

referido anteriormente, a percepção de que a mudança institucional, é fundamental, tem

de ser convicção dos países doadores, mas também dos receptores. A capacidade de

mudança estrutural e institucional por parte de quem dá e de quem precisa de receber é

fundamental e implica uma vontade de actuar a um nível diferente daquele a que

Portugal tem actuado.

Como já foi demonstrado anteriormente, Portugal, contraria a tendência dos maiores

doadores, em que os ODM e a saúde global condicionaram estrategicamente as agendas

internacionais, permitindo um aumento da parcela destinada à saúde. O desinvestimento

português nesta área reflecte-se num total de 2,79%, do total de ajuda pública ao

desenvolvimento bilateral portuguesa, referente ao período entre 2003 e 2008. Esta

percentagem engloba já todos os custos decorrentes das evacuações dos doentes

PALOP, um valor que tem aumentado significativamente de ano para ano. De facto, o

processo de evacuação de doentes provenientes dos PALOP para Portugal, é uma das

formas de APD com que Portugal concretiza diariamente a sua contribuição em matéria

de Saúde. Este processo corresponde a necessidades urgentes da população dos PALOP.

32

O Índice de Desenvolvimento Humano é uma forma de comparar o grau de desenvolvimento humano de todos os países. Este índice é alcançado através da média geométrica de dados que têm em conta a expectativa de vida no momento do nascimento, educação e PIB per capita (Moreira, 2003).

Page 99: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

89

Com uma cota pré-estabelecida anualmente para cada Estado, Portugal predispõe-se a

receber nos seus hospitais milhares de habitantes oriundos dos PALOP, com reais

necessidades de cuidados de Saúde urgentes. A triagem funciona de acordo com os

critérios das autoridades dos países de origem dos cidadãos evacuados para Portugal.

Não é à toa que todos os anos o número de doentes evacuados supera em muito a cota

definida anualmente, principalmente em cuidados de saúde altamente especializados. A

Direcção-Geral da Saúde e as embaixadas dos países de nacionalidade dos doentes,

asseguram o acompanhamento dos doentes em Portugal. Este acompanhamento inclui a

marcação de consultas nos hospitais centrais, o visto provisório para quem vem de fora

e também uma ajuda monetária por parte da embaixada. para alojamento e alimentação

durante a estadia do doente em Portugal.

Cláudio Correia, chefe de divisão da mobilidade de doentes da Direcção-Geral da

Saúde, principal responsável por este processo não tem dúvidas em afirmar que o

volume de doentes que chegam a Portugal justifica a importância que este acordo tem

para os PALOP. Contudo, e como já foi referido antes, esta solução dispendiosa para

Portugal consegue apenas responder a urgências imediatas, deixando por resolver

problemas a longo prazo. Os problemas estruturais que já foram abordados

anteriormente são vistos com preocupação por parte de Cláudio Correia, que recorre à

alegoria do pescador e do peixe para explicar como se deveria intervir. A necessidade

de ensinar a “pescar em vez de dar o peixe” é fundamental e poderia fazer com que os

recursos utilizados para a evacuação de doentes diminuíssem drasticamente, criando

aqui a possibilidade de canalizar estes fundos para a real capacitação dos sistemas de

saúde dos PALOP (Correia, 2010).

Page 100: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

90

O actual sistema torna “cómoda” a situação dos países em desenvolvimento apoiados

por Portugal em matéria de saúde, na medida em que se limitam a enviar para Portugal

todos aqueles doentes que necessitam de cuidados altamente diferenciados, não

necessitando assim de reproduzir e desenvolver formas de prestar esses mesmos

cuidados no seu próprio país. Esta aparente comodidade, torna mais difícil todo um

processo de mudança mais profunda que só por si já é bastante complicado. A

necessidade de mudança pode criar oportunidades, quer para receptores, quer para

doadores e enquanto as duas partes não pretenderem que a situação seja diferente, os

problemas para a população vão continuar.

A abordagem de Foucault, tal como revisto no primeiro capítulo, prevê que os actores

do sistema internacional privilegiem a estabilidade e a previsibilidade do sistema, como

forma de defesa e protecção face às ameaças. A verdade é que a posição internacional,

em ternos de rankings e indicadores de Saúde, manteve-se inalterada desde a

descolonização nos países em vias de desenvolvimento. A situação destes países, quer

em termos de índice de desenvolvimento humano, quer em indicadores de Saúde

manteve-se inalterada apesar da forte de presença, de várias formas, de ex-potências

coloniais nos seus territórios. Nesse sentido, e perante tais factos, podemos afirmar que,

a imperiosa necessidade de mudança estrutural que crie condições para uma efectiva

capacitação dos sistemas de saúde ainda não aconteceu por falta de vontade de todas as

partes envolvidas (Bardhan, 2005). Não se pretende que o argumento seja mais uma

teoria da conspiração, com rasgos de novo colonialismo. A verdade é que os países

receptores vivem há décadas com apoios inconstantes, que aparecem e reaparecem

apenas em alturas de extrema necessidade. Esta actuação incoerente acaba por ter

impacto positivo nos números que vão sendo gerados anualmente, mas não gera as

condições necessárias para que os países em desenvolvimento sejam capazes de

Page 101: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

91

assegurar que uma próxima urgência em saúde pública, dentro das suas fronteiras, seja

combatida e gerida dentro do e pelo próprio Estado, que em teoria tem o papel de

assegurar essa segurança à sua população. Para que os estados doadores, que atravessam

claras dificuldades de controlo orçamental, possam um dia deixar de contribuir com

elevados montantes para os países receptores, pretende-se apenas que os recursos

actuais passem a ser canalizados para uma progressiva e efectiva capacitação dos

sistemas de saúde dos países em desenvolvimento. Só assim estes poderão crescer e

tornar-se de facto independentes, num mundo cada vez mais interdependente e

globalizado.

8. Sustentabilidade na Saúde dos PALOP

Em 2009, é aprovado pelos Ministros de Saúde dos países da CPLP, no Estoril, o Plano

Estratégico de Cooperação e Saúde. Fundamentalmente focado para os ODM, esta

declaração surge da constatação geral de que os sistemas de protecção social e de saúde

dos PALOP e de Timor-Leste são ainda muito frágeis, com cobertura deficiente,

escassez de unidades de serviço e dificuldades na governação. Constata, além disso, que

os gastos com saúde, nestes Estados, são irrisórios, não cobrindo sequer as necessidades

básicas com cuidados primários de Saúde. (Machado et al., 2011). Esta tomada de

posição surge da necessidade de desenvolver um novo modelo operativo de cooperação

para o desenvolvimento, depois de se compreender que o modelo tradicional com

enfoque vertical estaria completamente desajustado às necessidades dos PALOP, para

além de ser desajustado às práticas correntes de outros Estados doadores a nível

internacional. Este programa, designado de Plano Estratégico de Cooperação em Saúde

Page 102: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

92

(PECS) previa, portanto, uma mudança rumo a uma abordagem horizontal, capaz de

potenciar factores importantes como a língua ou elevado número de recursos humanos

qualificados no terreno. É visível uma tentativa de tornar sustentável toda a nova

abordagem prevista no novo documento onde se refere que é “reconhecida a ligação

entre Saúde e desenvolvimento, e definindo a Saúde como direito fundamental e

obrigação do estado, fixa-se como principal propósito do plano o aperfeiçoamento dos

sistemas de saúde dos Estados-membro da CPLP de forma a garantir o acesso universal

a serviços de Saúde de qualidade.” (Plano Estratégico de Cooperação em Saúde, 2009)

A capacidade institucional dos sistemas de saúde é portanto a prioridade deste

documento, sempre em relação com conceitos com desenvolvimento, saúde global ou

democracia (Machado et al., 2011).

O documento foca a sustentabilidade e inova também quando propõe sete eixos de

actuação para definição de futuros projectos, e respectivos objectivos de

implementação. São eles: a “formação e desenvolvimento da força de trabalho em

saúde, informação e comunicação em saúde, investigação em saúde, desenvolvimento

do complexo produtivo da saúde, vigilância epidemiológica e monotorização da

situação de saúde, emergência e desastres naturais e promoção e protecção à saúde”

(CPLP,2011). Em teoria, estes sete eixos fundamentais suprem muitos dos erros e

omissões cometidos por Portugal até então. A aposta em áreas diversificadas como a

formação de pessoal em saúde, numa altura em que os estudantes de intercâmbio

PALOP acabam por nunca voltar ao seu pais, ou a informação e comunicação em saúde

seriam realmente formas muito válidas de pautar a actuação de Portugal nos diversos

parceiros preferenciais. A verdade é que, volvidos dois anos do PECS, há com certeza

um verdadeiro aspecto positivo que passa pela percepção e constatação de que a

cooperação para o desenvolvimento em matéria de Saúde estaria a seguir por um

Page 103: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

93

caminho que não era de todo o correcto. A necessidade de programar este documento

em conjunto com os Ministros da Saúde dos PALOP serve, de algum modo, como

validação para esta tese, que se propõem a identificar alguns erros de actuação, que vão

muito para além da escassez de recursos. Apenas tornando estes projectos sustentáveis

se pode almejar a tornar os sistemas de saúde eficazes e efectivos, sempre na

perspectiva de que os estados em desenvolvimento não serão, idealmente, países em

desenvolvimento para sempre e que esta condição serve apenas para dotar estes Estados

das condições necessárias para se desenvolverem.

9. Retórica, linha discursiva comum

Em 1991, Jack Mendelsohn afirmava que grande parte dos problemas da ordem mundial

seriam resolvidos se a confrontação fosse substituída pela cooperação, a retórica política

substituída pela realidade e o unilateralismo dos Estados Unidos pela acção colectiva

coordenada pela Organização das Nações Unidas. Há duas décadas atrás, a identificação

de alguns dos problemas do sistema internacional estava já correcta por parte de Jack

Mendelshon. Contudo estes problemas e outros subsistem. A opção pela cooperação

internacional, felizmente, cresceu exponencialmente entretanto, sendo contudo ainda

incapaz de substituir a confrontação. Quanto à retórica e à realidade, parece ser um

problema endémico global, que subsiste desde sempre. (Mendelshon, 1991).

Teoricamente, o debate em relação ao papel da retórica e da componente discursiva em

torno da política é bastante aceso, mas algo inconclusivo. Nicholas O'Shaughnessy e

Stephan Henneberg optam por explicar a retórica discursiva, desfasada da realidade,

como “populismo”. O marketing político, para estes autores, consiste em toda a

Page 104: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

94

comunicação política que é feita com base em expressões, que se sabe à partida que são

opinião base da chamada opinião pública. Eticamente, havendo manipulação da

informação ou desfasamento em relação à realidade, toda e qualquer retórica política é

condenável. Outra perspectiva em torno da componente discursiva política é a

simbologia. A utilização estratégica de palavras em determinadas alturas e para

determinadas audiências é outra das formas de utilizar a retórica ao serviço da política.

Aqui as emoções e a psicologia de massas são outras matérias que interessam analisar,

sob pena de compreender a “habilidade discursiva” de alguns dos principais oradores a

nível mundial (O'Shaughnessy e Henneberg, 2002).

Para Bitzer a retórica vai muito para além disto, para o autor inclui motivações,

princípios, pensamentos, argumentos e sentimentos, tudo em comunicação. A retórica

política inclui todos estes aspectos enquanto instrumento de acção ou expressão.

Enquanto arte política, desde sempre, toda a dialéctica da retórica pode resumir-se a

uma simples questão; “até que ponto a retórica política tem de conter verdade e validade

moral?” (Bitzer, 1998). A retórica foi considerada pelos gregos a saúde da alma, pois

reflectia qualidades do intelecto que só através da arte de bem se exprimir poderiam ser

dadas a conhecer. A retórica sofista da época, dava enfâse exactamente à capacidade de

persuasão do orador, para produzir determinados efeitos na multidão (Bitzer, 1998). E

actualmente, muito para além de toda a teoria associada à retórica, o fim é sempre este,

a necessidade de produzir determinado efeito através da oratória ou da escrita.

É relevante analisar a importância da retórica associada à política, na cooperação para o

desenvolvimento em Portugal, porque é de fácil percepção que existe uma linha comum

discursiva no que concerne a este tema específico. Considerando o período desde o qual

Portugal se tornou dador, até aos dias de hoje, podemos encontrar uma linha discursiva

bem delineada. A justificação de que os recursos são escassos e de que, perante grandes

Page 105: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

95

constrangimentos orçamentais, não é possível fazer mais é um vector comum a todas as

personalidades, que foram sendo responsáveis pela cooperação para o desenvolvimento

em Portugal. Não sendo uma irrealidade que, de facto, Portugal desde há várias décadas

nunca conseguiu uma estabilidade orçamental que lhe permitisse um aumento

exponencial do montante disponível para a cooperação para o desenvolvimento, alienar

outros factos a esta discussão seria uma falácia. A retórica discursiva, nesta questão em

particular, é visível na diferença de discursos perante diferentes públicos.

A 15 de Novembro de 2007, Cavaco Silva, Presidente da República recebeu o então

Presidente de Timor-Leste, José Ramos Horta no Palácio Nacional em Queluz. No seu

discurso, durante esse jantar Cavaco Silva reafirmou a importância que Timor-Leste

tinha para Portugal afirmando que a cooperação teria necessariamente de passar a ter,

ainda, mais importância para Portugal (Jornal Expresso, 2007).No entanto, meses

volvidos, o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação da altura,

reafirma precisamente o contrário, quando confrontado com relatórios que traduziam o

fraco empenho de Portugal, no que diz respeito aos compromissos em termos de volume

anual disponível para a cooperação. Este exemplo é apenas um pequeno exemplo de

como a retórica tem sido utilizada para este pressuposto. Diplomaticamente é

constrangedor que metas ou fasquias sejam colocadas altas para, volvidos meses ou

poucos anos, se verificar que mais uma vez Portugal falhou. Ainda assim, a constatação

de que as metas traçadas são irrisórias não se aplica acontece apenas em Portugal, com

quase a totalidade dos Estados europeus a ficarem aquém das metas europeias traçadas

em 2002. (Jornal Publico, 2002). Se, sob o ponto de vista diplomático esta estratégia é

condenável, sob o ponto de vista operacional esta estratégia é decisivamente negativa.

Perante o plano teórico da previsibilidade, já analisado, estabelecer metas que há partida

são de “impossível cumprimento” apenas cria expectativas nos países receptores que

Page 106: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

96

podem condicionar decisivamente o futuro desses mesmos estados. Em termos de

Saúde, esta disparidade pode resultar em muitas mortes e em graves problemas de saúde

pública.

Este exercício não pretende apenas exaltar todos os problemas que a cooperação para o

desenvolvimento em Portugal tem. Muito pelo contrário, a verdade é que a actuação de

Portugal nos PALOP e em Timor-Leste é absolutamente decisiva. Todo o apoio técnico

prestado por Portugal nas mais diversas áreas, e mais concretamente na Saúde, é

importantíssimo para as populações dos países em causa. Ao mesmo tempo que

podemos afirmar que Portugal falha em muitos dos compromissos, podemos igualmente

reafirmar o número de vidas que são salvas pela intervenção portuguesa. A proximidade

cultural e linguista permitem a Portugal um papel, de facto, diferenciado em relação a

outros parceiros corporativos. Apesar dos números pouco positivos apresentados, em

relação ao esforço de Portugal para com os seus parceiros preferenciais, é indiscutível

que a actuação de Portugal é insuficiente, mas paradoxalmente fundamental para

milhares de pessoas. (Cravinho, 2009). A questão não se prende com a pertinência de

agir, essa é inegável em Estados com um tão baixo índice de desenvolvimento. Esta tese

apenas pretende ser uma reflecção sobre de que forma Portugal deve cooperar, sem

nunca negar o papel diferenciado que Portugal, enquanto estudo de caso, desempenha

para os seus parceiros preferenciais.

Page 107: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

97

Conclusão

Através deste trabalho foi possível compreender a complexidade actual da cooperação

para o desenvolvimento, enquanto ferramenta diplomática. Para além disso, e referindo-

me ao estudo de caso, ficou igualmente em evidência o papel que Portugal desempenha

neste momento, em questões para o desenvolvimento para com os seus parceiros

preferenciais, os PALOP. No entanto, e apesar dos esforços financeiros evidentes de

Portugal, as metas internacionais estabelecidas são constantemente incumpridas. Este

facto gerou a principal motivação na escolha desta temática para a dissertação, contudo,

e depois de uma extensiva investigação, e depois de finda esta tese, fica a ideia de que o

incumprimento das metas é apenas uma das falhas de um sistema operacional que ainda

não se fez notar.

A Saúde, enquanto área específica de análise escolhida, é reveladora desta incoerência

de Portugal, enquanto país doador. A cooperação internacional para o desenvolvimento,

por parte de Portugal, para a área da Saúde tem sido prestada apenas para suprir

necessidades imediatas de países que ainda nem conseguiram estabelecer um sistema

nacional de saúde. À medida que os cada vez menos recursos vão sendo gastos é

perceptível que não foram ao longo de todos estes anos criadas condições, numa grande

maioria, dos PALOP para que estes possam ser capazes de responder a todas as

necessidades das suas populações, em termos de Saúde. Esta realidade demonstra uma

enorme incoerência em relação aos sucessivos documentos governamentais que têm

sido produzidos, sobre a cooperação em Portugal, que visivelmente são excelentes

exercícios em matéria de cooperação internacional para o desenvolvimento.

Page 108: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

98

Contudo, mais grave e insustentável se torna esta situação se, analisando o conceito

recente da saúde global, compreendermos que a Saúde é um tema quente nas agendas

dos diversos fóruns internacionais, pela urgente necessidade de agir colectivamente, na

tentativa de minimizar pandemias que já não respeitam fronteiras nem hierarquias.

Associada a estas dinâmicas, por si já bastante complexas, podemos identificar uma

convergência discursiva em torno desta questão que cria embaraços diplomáticos e gera

expectativas infundadas nos países receptores de ajuda pública ao desenvolvimento.

Apesar de tudo isto, a convicção que fica é que realmente Portugal poderia ser um

estudo de caso de referência global, se conseguisse potenciar todas as suas

características em torno da questão da cooperação internacional para o

desenvolvimento. Apesar de todo o mérito que tem actualmente, não conseguindo ser

um excelente doador em termos de metodologia e aplicação no terreno do plano teórico

inscrito nos diversos documentos oficiais, fica apenas ideia de que Portugal tem os

próximos anos para melhorar, mesmo depois de um longo percurso percorrido nas

últimas décadas.

Page 109: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

99

Bibliografia

Afonso, Maria Manuela (2005), “O papel da Avaliação nos Desafios da Cooperação Portuguesa”,

comunicação relativa à XXIII Conferência Internacional de Lisboa – Portugal na Europa e no Mundo,

Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais, 5-6 Dezembro, Lisboa,

http://www.ieei.pt/post.php?post=85

Afonso, Maria Manuela; Fernandes, Ana Paula (2005) abCD Introdução à Cooperação para o

Desenvolvimento. Lisboa: Colprinter, 96-117.

Amorim et al. (2007) Oslo Ministerial Declaration: global health, a pressing foreign policy issue of our

time. The Lancet, 369. 1373-1378.

Andresen-Leitão, Nicolau (s.d), “Orgulhosamente sós ou gloriosamente europeus?” Instituto de Estudos

Estratégicos e Internacionais, http://www.ieei.pt/post.php?post=116

Backstrom, Bárbara (2009) Saúde e Imigrantes: As Representações e as Práticas sobre a Saúde e a

Doença na Comunidade Cabo-Verdiana em Lisboa. Lisboa: editorial do Ministério da Educação, 168.

Bardhan, Pranab (2005) Scarcity, Conflicts and Cooperation. Cambridge: MIT Press. 201-249.

Barroso, Durão (1998), O factor político na Cooperação Portuguesa, Cadernos de Economia, 45, 36-41.

Basch, P.F (1978) International Health. New York: Oxford University Press.

Bitzer, Lloyd (1998) “Political Rhetoric” in Farrell, Thomas (ed.) Landmark essays on contemporary

rhetoric. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, Inc. 1-22.

Buss, Paulo (2010) “Textbook of international health: Global health in a dynamic world” Journal of

Public Health Policy. Vol. 31, 96-99.

Cini, Michelle (2003), European Union Politics. Oxford: Oxford University Press, 13-29.

Comin, Daniela (s.d), “As relações Argentino-Brasileiras: Identidade Colectiva e suas implicações no

processo de construção do MERCOSUL in BIBLIOTECA VIRTUAL de Derecho, Economía y Ciencias

Sociales, http://www.eumed.net/libros/2008a/377/Teoria%20Construtivista.htm

Page 110: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

100

Corell, Hans (2005) “The global Compact” in Brennan, Daniel; Mullerat, Ramon (eds.) Corporate Social

responsibility : the corporative governance of the 21st century. Netherlands: Kluwer Law International,

235-242.

Correia, Cláudio (2010) Entrevista pessoal. Lisboa, Portugal. Chefe de divisão da mobilidade de doentes

internacionais. 9 de Dezembro.

CPLP (2011) O Plano Estratégico de Cooperação em Saúde.

http://www.google.pt/url?sa=t&source=web&cd=4&ved=0CDUQFjAD&url=http%3A%2F%2Fwww.cpl

p.org%2FAdmin%2FPublic%2FDWSDownload.aspx%3FFile%3D%252FFiles%252FFiler%252Fcplp%

252Fredes%252Fsaude%252FIIReuniaoEstoril%252FDOC5_PECS2009-

2012_15Maio.pdf&ei=wdWDTtXzOZSQ4gSupqBw&usg=AFQjCNGDbwPyKdF9NMQFO2PWQW3qx

gTLzA

Cravinho, Gomes João (2008), “O Futuro da Cooperação Portuguesa” Colóquio sobre Cooperação

Portuguesa, http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/6923.pdf

Cravinho, Gomes João (2009) Entrevista à Lusa, disponível em http://www.publico.pt/Política/joao-

gomes-cravinho-diz-que-portugal-nao-conseguira-atingir-meta-da-ue-de-ajuda-ao-

desenvolvimento_1376749

CONCORD (2010) AidWatch - Challenging Self-Interest, getting EU aid fit for the fight against poverty.

http://aidwatch.concordeurope.org/static/files/assets/7bdf51c9/CONCORD_2011.pdf

Development Co-operation Directorate (2011)

http://www.oecd.org/department/0,2688,en_2649_33721_1_1_1_1_1,00.html .

Eichengreen, Barry; Lindert, Peter (1992) The international Debt Crisis in Historical Perspective.

California : MIT Press, 1-9.

Filho, Wladimir (2007) O Brasil e a crise haitinana: a cooperação técnica como instrument de

solidariedade e acçao humanitarian. Brasil: Fundação Alexandre Gusmão, 29-44.

Flores, Maria (2005) O Mercosul nos discursos do governo brasileiro: (1985-1994). Rio de Janeiro:

Editora FGV, 25-27.

Foucault, Michel (2007), Security, territory, population: lectures at the Collège de France, 1977-78.

Palgrave Macmillan.

German, Tony; Randel, Judith (1995) The reality of aid. London: Earthscan Publications Limited.

Page 111: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

101

Goff, Patricia; Heinbecker, Paul (2005) Irrelevant or indispensable? The United Nations in the twenty-

first century. Canada: Wilfrid Laurier University Press, 43.

Gomes, Daniela Siqueira (2007) “A Ajuda Publica ao Desenvolvimento: Rumo à erradicação da

pobreza?” Jornal Defesa e Relações Internacionais,

http://www.jornaldefesa.com.pt/conteudos/view_txt.asp?id=501

Gonçalves, Wlliams (1994), “Convergências, cooperação e a comunidade dos Países de Língua

Portuguesa”. Intervenção Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais, Dezembro de 2004.

Governo de Portugal (2003), Papel activo de Portugal na Construção Europeia e na Cooperação

Internacional, http://www.portugal.gov.pt/pt/Documentos/Governo/PCM/ENDS_6.pdf

Governo de Portugal (2010) Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2010. Resolução Conselho de

Ministros, 04 de Novembro de 2010.

Grieco, Joseph (1990), Cooperation among nations: Europe, America, and non-tariff barriers to trade.

New York: Cornell University Press, 1-27.

Guimarães, Maria Helena (2005), Economia política do comercio internacional: teorias e ilustrações.

Cascais: Ilustrações Universitárias e Cientificas, Lda, 99-105.

Hinsley, F. (1980), Power and pursuit of Peace. Cambridge: University Press, 309 – 322.

Holtz, Timothy et al (2009) Global health in a dynamic world. Oxford: Oxford university press.

Instituto Americano de Medicina (2009) The U.S Commitment to global health: Recommendations for

the public and private sectors, www.nap.edu/catalog/12642.html

IPAD (2005) “Estratégia da Cooperação Portuguesa para a Saúde”,

http://www.ipad.mne.gov.pt/CentroRecursos/Documentacao/EstrategiaCooperacao/Documents/Estrategia

saudeMaio2011.pdf

IPAD (2006a) “Plano de Acção de Portugal para a Eficácia da Ajuda”

www.oecd.org/dataoecd/30/50/30216572.pdf

Page 112: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

102

IPAD (2006b) “Exame do CAD a Portugal -2006”,

http://www.ipad.mne.gov.pt/CooperacaoDesenvolvimento/ExameCADCooperacaoPortuguesa/Document

s/Exame%20CAD%20PT.pdf

IPAD (2007) “Estratégia Portuguesa de Cooperação Multilateral”,

http://www.ipad.mne.gov.pt/CooperacaoEuropeiaMultilateral/estrategiamultilateral/Documents/Estrategia

Multilateral.pdf

IPAD (2009) “Uma Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa ao Desenvolvimento”,

www.ipad.mne.gov.pt/images/stories/Publicacoes/VisaoEstrategica,ing.pdf

Jornal Expresso (2007) “Cavaco Silva garante maior importância à cooperação” artigo publicado no

expresso online a 15 de Novembro, http://aeiou.expresso.pt/timor-leste-cavaco-silva-garante-maior-

importancia-a-cooperacao=f167995

Jornal Publico (2002) União europeia define aumento da ajuda para a países pobres” artigo publicado no

jornal publico online a 14 de Março. http://economia.publico.pt/Noticia/uniao-europeia-define-aumento-

da-ajuda-a-paises-pobres_73546

Kant, Immanuel; Gregor, Mary (1999) Pratical philosophy. Cambridge: Cambridge University Press,

327.

Kaplan, Seth (2008) Fixing fragile states: a new paradigma for development. United States of America:

Praeger security, 5.

Kegley, Charles (2009), World Politics: Trend and Transformation. United States: Cengage Learning,

Inc, 85-160.

Keohane, Robert (1984), After Hegemony, Cooperation and Discord in the World Political Economy.

Princeton: Princeton University Press, 5-48.

Lieshout, Peter van et al. (2010) Less Pretension, More Ambition: Development Policy in Times of

Globalization. Amsterdam: Amsterdam University Press. 105-117.

Lopes, Carlos (2005), “Development Co-operation Revisited: New Dilemmas for a Narrower Agenda” in

Melber, Henning (ed.) Trade, development, cooperation. What Future for Africa?. Dinamarca:

Afrikainstitutet, 7-10.

Page 113: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

103

Lofgren, Hans; Diaz-Bonilla, Carolina (2008) “Foreign Aid, Taxes, and Government Productivity:

Alternative Scenarios for Ethiopia’s Millennium Development Goal Strategy” in Go, Delfin; Page, John

(eds.) Africa at a turning point? Growth, aid, and external shocks. Washington D.C: World Bank

Publications, 267-300.

Macfarlane, Sarah et al. (2008) “In the name of Global Health: Trends in Academic Institutions” Journal

of Public Health Policy. 29, 383-401.

Machado, Maria do Céu et al (2011) “Diplomacia da Saúde na CPLP” Le Monde Diplomatique.

Publicação 01-03-2011, 5.

Macrae, Joanna (2001) Aiding Recovery? The crisis of Aid in Chronic Political Emergencies. New York:

Palgrave. 7-48.

Martin, Lisa (1999), “An institutionalist view: international instituitions and state strategies” in Hall, John

(ed.) International Order and the Future of World Politics. Cambridge: University Press, 78 – 98.

Martins, João (2010) “Os membros da U.E. continuam a falhar na Ajuda Pública ao Desenvolvimento”

Plataforma Portuguesa ONGD,

http://www.plataformaongd.pt/conteudos/File/ComunicacaoSocial/Comunicado%20Lanamento%20Relat

rio%20Aidwatch%20-%20CONCORD.pdf [7 de Outubro de 2010].

Mearsheimer, John (2010), “Imperial by Design” National Interest. Dezembro 2010.

Mesquita, Ana Guedes (2005), A política Portuguesa de Cooperação para o Desenvolvimento, Centro de

Estudos sobre África e do Desenvolvimento, Universidade Técnica de Lisboa, Colecção Documentos de

Trabalho, nº67, 5.

Mendelsohn, Jack (1991) “Rhetoric V. Reality” The Bulletin of the atomic scientists. 47(5), 34-35.

MNE (2003), Principais linhas da Política Externa Portuguesa, Programa do XV Governo Constitucional.

Ministério dos Negócios Estrangeiros (1995), Portugal Dez anos de Política de Cooperação. Lisboa, 7-

15.

Ministério dos Negócios Estrangeiros (1995), Portugal Dez anos de Política de Cooperação. Lisboa, 12.

Ministério dos Negócios Estrangeiros (1995b), Portugal Dez anos de Política de Cooperação. Lisboa.

125-136

Page 114: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

104

Ministério dos Negócios Estrangeiros (2011)

http://www.mne.gov.pt/mne/pt/ministerio/organizacoes/ipad/ .

Moisi, Dominique (2009), The geo politics of emotion. London: Bodley Head.

Moreira, Adriano (cord.) (2001), Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Instituto Português

Conjuntura Estratégica. Coimbra: Almedina.

Moreira, Daniel Augusto (2003) Analfabetismo funcional: o mal nosso de cada dia. Brasil: Cengage

Learning Editores, 42.

Nações Unidas (1945) Carta das Nações Unidas. São Francisco: United Nations.

Nhantumbo, Noé (2007) África, Moçambique: sem coerência não há boa governação. Durban: Just Done

Productions. 99-109.

Neto, César (2011) Entrevista à Lusa. Portugal. Porta-voz da Plataforma Portuguesa ONGD. 11 de Junho

de 2011. http://www.plataformaongd.pt/noticias.aspx?info=&id=353

Nwonwu, Francis (2008) Millenium development goals: achievements and prospects ofmeeting the

targets in Africa. South Africa: Africa Institute of South Africa, 1-8.

O'Shaughnessy, Nicholas; Henneberg, Stephan (2002) The idea of political marketing. United States of

America: Praeger Publishers. 209-221.

OCDE; Banco Africano de Desenvolvimento (2010) Perspectivas económicas em África. OECD

Publishing, 12-47.

OCDE (2010), Directory of Bodies of the OECD. OCDE Publishing, 115-120.

OECD (2010) Portugal 2010 Main Findings and Recommendations.

http://www.ipad.mne.gov.pt/CooperacaoDesenvolvimento/ExameCADCooperacaoPortuguesa/Document

s/Portugal%20(2010)%20DAC%20Peer%20Review%20-

%20Main%20Findings%20and%20Recommendations.pdf

Page 115: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

105

OECD et al. (2011) Perspectivas Económicas em África 2011: África e os seus Parceiros. OECD

Publishing, 63.

Olivares, Mario; Guedes, Cesar (2005), Globalización, Inveriones Extranjeras y Desarrolo en América

Latina.

Onuf, Nicholas (1998), Internacional Relations in a constructed World. M. E. New York : Sharpe,Inc,

58-79.

Oppenhiem, Lassa (2009) The league of nations and its problems. Middlesex: Echo Library, 7-16.

Organização Pan-Americana Para a Saúde (2007) http://www.paho.org/english/d/Director_PAHO.htm

Palma, Elisabete (2002), “A política de cooperação portuguesa” in Janus Online,

http://www.janusonline.pt/2002/2002_3_3_6.html

Pereira, Luísa (2005), “Cooperação para o desenvolvimento, complexidades e desafios” in Mateus, Maria

e Pereira, Luísa (eds), Língua Portuguesa e cooperação para o desenvolvimento. Lisboa: Edições Colibri

e CIDAC, 9-16.

Plataforma Portuguesa ONGD (2010) “Exame à Cooperação Portuguesa pelo CAD da OCDE”

Plataforma Portuguesa ONGD, http://www.plataformaongd.pt/noticias.aspx?info=&id=325 [23 de

Setembro de 2010].

Plataforma Portuguesa ONGD (2011) http://www.plataformaongd.pt/site.aspx?info=plataforma .

República de Cabo-Verde (2007) Política Nacional de Saúde.

Reiss, Hans (1970), Kant: political writings. Cambridge: University Press, 116-130.

Saraiva, José Sombra (2001) Relações Internacionais: Entre a preponderância europeia e a emergência

americano-soviética (1815 – 1947). Brasil: Instituo Brasileiro de Relações Internacionais, 174.

SENAC (2009) Saúde e prevenção de doenças. Rio de Janeiro: SENAC Nacional, 18.

Page 116: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

106

Serra, Narcís; Stiglitz, Joseph (2008), The Washington Consensus Reconsidered. Oxford: Oxford

University Press.

Siddiqi, Javed (1995) World Health and World Politics, the world health organization and the U.N.

System. London: Hurst & company, 14-15.

Smallman-Raynor, Matthew; Cliff, A. (2006) Poliomyelitis: A World Geography: Emergence to

Eradication. Oxford: Oxford University Press, 3-4.

Soros, George (2008), The new paradigm for international markets. United Stares: Public Affairs, 106-

122.

Teixeira, Nuno Severiano (2008), “Portugal: democratization and foreign policy” in Teixeira, Nuno

Severiano (ed.) The international politics of democratization: comparative perspectives. New York:

Routledge, 71-82.

Thomas, Ward (2001) The ethics of destruction: norms and force in international relations. United States

of America: Cornell University, 181-196.

Tischler, Henry (2010) Introduction to Sociology. United States: Cengage Learning, 200.

Touraine, Alain (2005) “Alain Touraine” in Markun, Paulo (ed.) O melhor da roda viva. São Paulo: F-

QM Editores Associados Ltda, 231-244.

União Europeia (2011) “Site oficial da União Europeia”

http://europa.eu/legislation_summaries/development/overseas_countries_territories/r12102_pt.htm .

Varella, Marcelo (2004) Direito internacional económico ambiental. Brasil: Editora del Rey, 92.

Vattel, Emer (1805), The law of nations: or, Principles of the law of nature applied to the conduct and

affairs of nations. Northampton: S & E. Butler, 50-56.

Waltz, Kenneth (1979a), Theory of International Politics. New York: Mcgraw-Hill, 105.

Waltz, Kenneth (1979b), Theory of International Politics. New York: Mcgraw-Hill, 126.

Page 117: A cooperação para o desenvolvimento portuguesa: uma ... · 1.De “paz perpétua” a catalisador de assimetrias ... Por sua vez, estas expectativas fizeram crescer a consciência

107

Waltz, Kenneth (2001), Man, the state, and war: a theoretical analysis. New York: Columbia University

Press, 224-238.

Wendt, Alexander (1999), Social Theory of International Politics. Cambridge: Cambridge University

Press, 139-193.

Wood, Robert (1986), From Marshall Plan to debit Crisis. Los Angeles: University of California Press,

1- 93.

World Health Organization (2010) “Health in foreign policy and development cooperation”, documento

de apoio ao item 6 da Assembleia Geral da OMS, de 13-16 de Setembro de 2010.

Yach, D; Bettcher, D (1998) “The globalization of public health, the convergence of self-interest and

altruism” American Journal of Public Health. 88-5, 738-741.

Zehfuss, Maja (2006), “Constructivim and identity: a dangerous liaison”, in Guzzini, Stefano e Leander,

Anna (eds), Constructivism and Internacional Relations . Oxon: Routledge, 93-117.