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A COR DO INVISÍVEL: O CASO DO COLÉGIO MARIO QUINTANA por ALEXANDRE PALMA DA SILVA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Orientador: Professor Reuber Gerbassi Scofano Doutor em Educação (UFRJ) Rio de Janeiro 2005

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A COR DO INVISÍVEL: O CASO DO COLÉGIO

MARIO QUINTANA

por

ALEXANDRE PALMA DA SILVA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Orientador: Professor Reuber Gerbassi Scofano Doutor em Educação (UFRJ)

Rio de Janeiro

2005

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A Cor do Invisível: o caso do Colégio Mario Quintana

Alexandre Palma da Silva

Dissertação de Mestrado em Educação submetida à Banca Examinadora do Programa

de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Educação da Universidade Federal

do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em

Educação.

Aprovada por:

Prof. _____________________________ - Orientador Reuber Gerbassi Scofano Doutor em Educação (UFRJ) Prof.ª _____________________________ Speranza França da Mata Doutora em Educação (USP) Prof.ª______________________________ Rosza Vel Zoladz Doutora em Sociologia (Université François Rabelais) Prof. ______________________________ André Bessadas Penna Firme Doutor em Física (CBPF/CNPq) Prof. ______________________________ Mary Rangel Doutora em Educação (UFRJ)

Rio de Janeiro, 6 de dezembro de 2005.

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização prévia do autor, do orientador ou da Universidade.

Alexandre Palma da Silva

Licenciado em Educação Artística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2000. Especialista em Educação e Saúde. Atua como professor de artes na rede pública do RJ.

Ficha Catalográfica

Silva, Alexandre Palma da.

A cor do invisível: o caso do Colégio Mario Quintana / Alexandre Palma da Silva. – Rio de Janeiro, 2005.

120 f.. : il.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação – PPGE, 2005.

Orientador: Reuber Gerbassi Scofano

1. Metodologia da pesquisa: estudo de caso (entrevistas, observações, questionários e análise visual). 2. Educação de Adultos. 3. Contexto educacional no sistema penitenciário. 4. Paulo Freire e Rubem Alves. I. Scofano, Reuber Gerbassi (orient.) II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Educação. III. Título.

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A minha família e seus antepassados.

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AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de agradecer a participação de algumas pessoas que contribuíram direta ou

indiretamente até a última etapa do Curso de Mestrado em Educação na Universidade Federal

do Rio de Janeiro.

Nossos agradecimentos ao Professor Dr. Reuber Gerbassi Scofano, orientador do

presente trabalho. A todos os docentes da Pós-Graduação da Faculdade de Educação, em

especial à Prof.ª Dr.ª Speranza França da Mata e ao Professor Dr. André Bessadas Penna

Firme.

Ao Prof. Dr. Murillo Mendes Guimarães da Escola de Belas Artes, pelas discussões

iniciais; primeiros subsídios para a elaboração desta dissertação. Impossível esquecermos a

Professora Dr.ª Rosza Vel Zoladz por sua generosidade em nosso retorno à Escola de Belas

Artes da UFRJ, dessa vez na condição de aluno externo à Pós-Graduação em Artes Visuais

(PPGAV). Nosso reconhecimento a todos os mestres que atuaram de maneira decisiva: Maria

Helena Willie, Emílio Gonçalves, Dircéia Machado e João Vicente Ganzarolli. Agradecemos

também ao Professor Dr. Gilberto Velho do Museu Nacional/UFRJ, onde tivemos um

primeiro contato com a Antropologia Social.

Nosso abraço aos colegas da Turma 2003 e aqueles que conheci na Pós-Graduação:

Ana Patrícia, Jaqueline Luzia, João Bechara, Fernanda Félix, Licius Bossolan, Mauro El

Chaer, Marco Aurélio, Maria Elvira, Mônica, Rafael, Sandra, José Trigo, Valéria, Vanda e

Zilda Ferreira. À amiga Elba Andrade, pela consultoria jurídica. Ao amigo Julio Hungria, pela

leitura atenciosa. Ao amigo João Marciano, pela serenidade em dividir sua experiência como

arte-educador. À Maria Ignez Duque Estrada (Revista Ciência Hoje), pela revisão do trabalho.

A todos do Colégio Estadual Mario Quintana, onde foi realizado o presente estudo de

caso, em particular: Maria Stella Morgado, Noeli Turle, Edileuza Santana, Izidoro Januário,

Iza Maria, Dagma Santiago, Odair Gonçalves e Regina Glória. Finalmente, nossos

agradecimentos aos alunos-internos da Lemos Brito, pela disponibilidade para conversar

sobre educação.

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Se as coisas são inatingíveis...ora!

Não é motivo para não querê-las...

Que tristes os caminhos, se não fora

A mágica presença das estrelas!

Mario Quintana

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RESUMO

Esta dissertação traça um panorama da educação de adultos no universo prisional

brasileiro, enfatizando o Estado do Rio de Janeiro. Realizamos um estudo de caso

exploratório de cunho quantitativo-qualitativo, tendo como campo de investigação o Colégio

Estadual Mario Quintana.

O centro desta pesquisa envolve três conceitos: professor-educador de adultos,

educação dialógica e escola retrógrada. O trabalho tomou como base pensadores como Paulo

Freire e Rubem Alves, entre outros autores.

Neste processo levamos em conta questionários, entrevistas, observações, e análise de

imagem.

Palavras-chave: educação de adultos, metodologia da pesquisa e análise visual.

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ABSTRACT

This thesis brings an overview of adult`s education in brazilian prisional system, with

emphasis in the State of Rio de Janeiro. We realized a case study, with additional fieldwork in

Mario Quintana`s State School.

The thesis is based in three conceptions: the teacher as an adult upbringer, dialogic

education and antiquated school. The inquiry broachs thinkers as Paulo Freire, Rubem Alves

and other authors.

In this thesis questionaires were used, as well as interviews, observations and image

analysis.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

FSC Fundação Santa Cabrini / SEAP

LB Instituto Penal Lemos Brito / SEAP

CEMQ Colégio Estadual Mario Quintana / SEE

SEE Secretaria Estadual de Educação / RJ

DEC Divisão de Educação e Cultura / SEAP

DESIPE Departamento do Sistema Penitenciário, atual SEAP

SEAP Secretaria Estadual de Administração Penitenciária / RJ

LEP Lei de Execução Penal – Lei Federal n.º 7210/84

VEP Vara de Execuções Penais / RJ

MEC Ministério da Educação / Governo Federal

LDB Lei de Diretrizes e Bases – Lei Federal n.º 93934/96

EJA Educação de Jovens e Adultos, ver LDB

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Escolaridade dos presos brasileiros.........................................................................29

Tabela 2 – Estudantes nas unidades prisionais do país.............................................................33

Tabela 3 – Escolas da SEE localizadas em unidades penais do RJ..........................................33

Tabela 4 - Concepções educacionais de EJA............................................................................39

Tabela 5 - População carcerária do RJ (1995 – 1998)..............................................................47

Tabela 6 - População carcerária do RJ por grupos de idade e cor (1998).................................48

Tabela 7 – Área de atuação dos professores.............................................................................62

Tabela 8 – Tempo de serviço dos professores..........................................................................62

Tabela 9 – Como os docentes gostariam de participar da pesquisa..........................................63

Tabela 10 – Aquisição de escolaridade do aluno-interno.........................................................64

Tabela 11 – Atividades extraclasse do aluno-interno...............................................................65

Tabela 12 – Como os alunos-internos gostariam de participar.................................................67

Tabela 13 – Relacionando questões e categorias......................................................................68

Tabela 14 – Qualidades do professor-educador de adultos......................................................69

Tabela 15 – Diálogo professor-aluno no contexto carcerário...................................................72

Tabela 16 – As instituições escolares ontem e hoje..................................................................74

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO......................................................................................................................12

CAPÍTULO I – CAMINHOS DA PESQUISA

1.1 A inserção no trabalho de campo..............................................................................15

1.2 Os impasses e a metodologia....................................................................................19

CAPÍTULO II – EDUCAÇÃO: A INVISIBILIDADE DO SISTEMA

2.1 Assistência educacional............................................................................................28

2.2 A Escola Freireana....................................................................................................36

2. 3 A escola retrógrada..................................................................................................42

CAPÍTULO III – O CASO MARIO QUINTANA

3.1 O complexo e o colégio...........................................................................................46

3.2 O contexto educacional............................................................................................51

3.3 A comunidade escolar..............................................................................................61

3.4 Três conceitos e uma entrevista...............................................................................68

3.5 Observando os eventos............................................................................................78

3.6 Uma imagem da sala de aula...................................................................................86

CONCLUSÕES......................................................................................................................91

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................97

APÊNDICES.........................................................................................................................103

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INTRODUÇÃO

Lutar com as palavras para nomear o invisível. O título do presente estudo tem como

inspiração A Cor do Invisível, uma das obras de Mario Quintana (1906 – 1994).

Para enxergá-la, Quintana inspirava-se em sua paixão pelos céus azuis de Porto

Alegre.

A atual Constituição consagrou o respeito ao regime democrático. Dessa maneira, a

sociedade passou a conhecer o funcionamento das instituições públicas brasileiras. Nas

grandes cidades, ocasionalmente lembramos da existência das instituições carcerárias através

da mídia policial. Esse caráter de invisibilidade encerra uma espécie de mistério que muitas

vezes impede a abordagem objetiva do assunto.

Pretendemos desvelar uma pequena parte desse desconhecimento através da

educação. Ela será a nossa referência, a cor escolhida para abordarmos um colégio cujo nome

é uma homenagem ao eterno poeta.

O Colégio Mario Quintana, fundado em 1968 no Rio de Janeiro, localiza-se no

interior da Penitenciária Lemos Brito, uma unidade de segurança máxima do Complexo da

Rua Frei Caneca.

A partir de 1998, quando começamos a atuar como arte-educador em presídios,

ficamos na expectativa de, futuramente, utilizar essa experiência em uma pesquisa

educacional. Em 2003, o ingresso na Pós-Graduação em Educação da UFRJ surgiu como uma

oportunidade de aprofundar nossa experiência sob uma perspectiva científica.

Para Lemgruber (1999, p. 150), pesquisadora do Instituto Penal Talavera Bruce

(presídio feminino), “a precária qualidade do ensino, o despreparo e a falta de interesse dos

professores contribuem para tornar a escola muito pouco atraente aos olhos das presas”.

Outros autores, como Stephen Duguid (1996, p. 37) argumentam que o tema é ambíguo:

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“Para alguns, a educação na prisão tem efeitos positivos na gestão dos estabelecimentos penitenciários. Outros enfatizam que a escolarização dos detentos ajuda-os a combater suas deficiências pedagógicas ou culturais, ou insistem nas vantagens econômicas da formação profissional. Os mais otimistas afirmam que a educação deve desempenhar o papel principal, ou, pelo menos, ocupar um lugar importante em todo programa de reabilitação e re-inserção dos presidiários”.

Estimulado pelo debate, gostaríamos de apresentar um problema: quais são as

percepções de alunos-internos e professores sobre o processo educativo em uma escola de

presídio?

Para discuti-lo, tendo como parâmetro o Colégio Mario Quintana, formulamos uma

questão principal: Qual é a visão da comunidade escolar sobre a educação de adultos e o

cotidiano das instituições escolares? Pretendemos responder a essa pergunta através de três

questões de cunho exploratório:

- Quais seriam as qualidades desejáveis para um educador de adultos em uma escola

de presídio?

- Como é possível estabelecer um diálogo professor-aluno, dentro do contexto

carcerário?

- No presente e no passado, quais seriam as percepções de alunos e professores sobre o

cotidiano das instituições escolares?

O marco teórico é o pensamento educacional de Paulo Freire e Rubem Alves,

representado por três conceitos: professor-educador de adultos, educação dialógica e

escola retrógrada.

Nosso objetivo é contextualizar a singularidade do universo educacional presidiário.

Para isso, consideramos a metodologia do estudo de caso, enriquecida por dados

quantitativos e qualitativos. Sua característica mais importante é a utilização de várias fontes

de evidência. O principal instrumento de coleta de dados, a entrevista, é complementado por

questionários, observações e análise visual.

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Como realizamos o estudo em nosso próprio local de trabalho, preferimos não

identificar em grande parte do texto os sujeitos envolvidos, por óbvias implicações éticas.

Assim, dividimos esta dissertação em três capítulos:

O Capítulo I, Caminhos da Pesquisa, descreve a nossa entrada no trabalho de campo

e os impasses metodológicos surgidos nessa inserção.

O Capítulo II, Educação: a Invisibilidade do Sistema, busca uma revisão de

literatura específica, fundamentando o referencial teórico.

O Capítulo III, O Caso Mario Quintana, apresenta os dados obtidos pelos

instrumentos de coleta.

A Conclusão discute globalmente o estudo, seguindo a recomendação do poeta

gaúcho ao visitar A Casa em Ruínas:

“Uma única porta

No único muro de uma casa em ruínas.

Cuidado... Quem atravessar essa porta, à noite

Pode ficar para sempre no Outro Mundo!”

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1 CAMINHOS DA PESQUISA

1. 1 A inserção no trabalho de campo “Aqui nos defrontamos imediatamente com um problema curioso: não é possível ao investigador ficar de fora dos problemas que ele investiga. É necessário tomar partido” (Rubem Alves). 1

No final da década de noventa, a Fundação Santa Cabrini (FSC)2, órgão vinculado à

Secretaria Estadual de Justiça, iniciou contatos com a Escola de Belas Artes da Universidade

Federal do Rio de Janeiro. A intenção era selecionar um grupo de estudantes que constituiria a

primeira equipe de estagiários de arte-educação do sistema penal fluminense. Na ocasião, a

FSC ampliou as ações educativas como uma das opções para a vida do presidiário. O objetivo

era profissionalizar os internos das unidades penais do Estado do Rio de Janeiro através do

ensino de técnicas artísticas.

Lecionar artes plásticas em instituições penais não é uma iniciativa inédita

(ROZÁRIO, 1986; VERONESE, 2000), contudo, a implementação do projeto foi lenta. No

primeiro momento, reunir um grupo de estudantes. Em seguida, participar do longo processo

burocrático que adiou por inúmeras vezes o início das atividades: formalização do convênio,

entrega de documentação, levantamento de material e entendimentos com as direções dos

presídios. Em novembro de 1998, quando, enfim, foi realizada a primeira reunião com os

estagiários, houve um alerta: “as condições mínimas estavam muito longe das ideais”. Dias

depois, estivemos no Instituto Penal Lemos Brito (LB), uma unidade de segurança máxima do

Complexo da Rua Frei Caneca.

Aceitamos o desafio e nossa primeira experiência em “sala de aula” deu-se em um

refeitório da LB onde o som de uma televisão competia conosco. Além das expressões de _______________ 1Alves, 2004a, p. 98. 2 Na ocasião, a SEJ oferecia estágios somente para as áreas de Direito, Psicologia e Serviço Social. A atribuição da FSC é promover o trabalho remunerado para os apenados do Sistema Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro” (Disponível em http://www.seap.rj.gov.br/santacabrini. Acesso em: 2 de junho de 2005).

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desconfiança e curiosidade de uma turma lotada, guardamos uma outra lembrança marcante.

Almoçamos junto com os presos por sugestão de Edson, um interno que o representante da

FSC conhecera quando lecionava no Colégio Estadual Mario Quintana (CEMQ)3,

estabelecimento de ensino da Secretaria Estadual de Educação (SEE). Na semana posterior,

no retorno ao presídio, a situação inusitada não repercutiu bem:

“14/12/98 – Ao passar, um grupo de agentes silenciou a conversa. Um deles quis saber quem eu era e o que eu queria. Expliquei-me: gostaria de saber onde era o refeitório. O sujeito ficou agitado quando ouviu como almocei na sexta: por intermédio de um interno e comendo no prato oferecido pelo rancho. Disse-me que a situação foi completamente anormal. Exemplificou uma situação de eventual invasão da polícia: enquanto eu tentasse me identificar, poderia ser facilmente confundido com um preso e as conseqüências seriam fatais. Em certo momento indagou como eu realmente poderia saber se ele era um funcionário ou interno, uma vez que naquela área a circulação era mista. Finalizou ameaçadoramente, dizendo que aquela unidade é tranqüila, mas é como um vulcão que quando menos se espera pode explodir”. 4

Continuamos a dar aulas na LB após a virada do ano, apesar da ausência do público-

alvo inicialmente pretendido:

“8/3/99 – Pelo que pude perceber, a maioria dos alunos da oficina não se julgava capaz de pintar ou desenhar, por não ter o dom dos que vendiam suas telas na FSC”. Os profissionais não freqüentavam a aula: muitos resistiam aos convites”. 4

As aulas foram transferidas para a seção educacional5. As dependências do CEMQ

também foram utilizadas por sugestão daqueles que freqüentavam o ensino formal. A diretora

não se opôs ao uso de uma sala e nosso contato inicial foi breve:

“21/12/98 – Quando fui beber água, apresentei-me à diretora. Sempre lembrando que aquilo era um presídio, recomendou deixar o portão da escola fechado”. 4

_______________ 3 O CEMQ até o ano de 2003 denominava-se Escola Estadual de Ensino Supletivo Mario Quintana.

4 Diário de campo descrevendo estágio na LB (1998 – 1999).

5 As Seções integram a estrutura organizacional das unidades e são chefiadas por guardas da administração penitenciária. Recentemente, em abril de 2005, a SEAP anunciou a criação da Subsecretaria de Tratamento Prisional. Uma das promessas é rever os critérios de seleção dos técnicos lotados nas Seções de Educação (SEAP. Disponível em http://www.seap.rj.gov.br. Acesso em 30 de maio de 2004).

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Meses depois, através de seu depoimento, fomos apresentados ao tipo de convivência

que se estabelece entre alunos-internos e professores na LB6. Enquanto isso, em oposição ao

apoio desinteressado da escola, o monitoramento da direção do presídio em relação à oficina

de artes era ostensivo:

“15/01/99 – Nos minutos finais da aula fui advertido na frente dos alunos pelo diretor, que estava acompanhado de alguns agentes. Ele exigiu uma lista dos participantes. Algo que a seção educacional não entregou no primeiro dia de aula. A lista evitaria, segundo suas próprias palavras, transformar a aula em uma movimentação de entra-e-sai de boteco. Acusou-me de não ser uma pessoa dinâmica e de não estar vestindo a camisa. Ressaltou que a infra-estrutura da sala de aula era boa, dando a entender que, da mesma maneira em que foi assegurada, tal situação poderia ser facilmente revertida”. 4

Em 1999, o reinício do ano escolar no CEMQ precipitou a organização de um mutirão

entre os alunos-internos para a limpeza de um galpão abandonado, novo espaço para a

realização da oficina. De nada adiantou o esforço conjunto: os vazamentos de esgoto e os

roedores permaneceram.

Em pouco tempo, os estagiários, distribuídos nas unidades dos complexos da Rua Frei

Caneca e Niterói, abandonaram o projeto por várias razões: falta de apoio operacional e atraso

no pagamento da bolsa-auxílio. A essa altura, tínhamos apresentado informalmente ao setor

educativo do Museu Nacional de Belas Artes a idéia de uma exposição artística reunindo os

trabalhos das oficinas.

Em janeiro de 2000 ocorreu a abertura da exposição “À Mão Livre”, reunindo a

produção artística de diversas unidades penais. Edson, nosso ex-aluno na LB, com o qual

almoçamos no primeiro dia de estágio, comemorou a presença de sua pintura:

“A oficina de pintura deu um outro sentido à minha vida, porque não existe maior tortura para um preso do que a falta de ocupação – diz ele, que hoje cumpre pena em regime semi-aberto, trabalha como eletricista e tem permissão para visitar a família de 15 em 15 dias”. (O Globo, 21-01-00).

_______________

6 ‘Escolas Levam cidadania a presos´, O Dia, 1-6-99. Nas palavras da diretora: “Nunca tive nenhum problema. Eles respeitam a mim e a todas as professoras. Se alguém mexe conosco, eles nos defendem. Acaba sendo muito gratificante vê-los interessados”.

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Seguindo os moldes do convênio anterior, a FSC firmou parceria com a Universidade

do Estado do Rio de Janeiro, desdobrando “À Mão Livre”7 em outro projeto de extensão.

Naquele momento, prosseguimos a oficina de arte em um manicômio judiciário, graças à

permuta entre a FSC e a Divisão de Educação e Cultura (DEC) do Departamento de Sistema

Penitenciário (DESIPE), órgão ligado à Secretaria de Justiça.

Ao término do estágio em 2000, a convite da coordenação técnico-social, integramos o

“Telecurso 2000”, um programa de educação à distância, voltado para a escolarização no

ensino fundamental. O projeto foi implementado em algumas unidades e atuamos como

orientador de aprendizagem. Após um mês em que tivemos a oportunidade de conhecer o

universo feminino no cárcere8, a tele-sala foi fechada em decorrência da baixa freqüência das

alunas-internas.

Assim, atribuímos relativa importância pessoal à trajetória nos presídios e prestamos

concurso público para o magistério estadual em 2002. Como veremos a seguir, acreditamos

que a inserção no trabalho de campo, por intermédio da atividade profissional no CEMQ,

trouxe elementos indispensáveis para o delineamento metodológico da pesquisa.

_______________

7 Jornal UERJ em Questão, maio/junho de 2000; “Trata-se do Projeto À Mão Livre, responsável por levar oficinas de arte dadas por alunos do curso de Educação Artística da Universidade às penitenciárias do Rio de Janeiro. O objetivo é implementar um novo método de socialização dos presos”.

8 O CÁRCERE e a rua. Direção: Liliana Sulzbach. Brasil: Rio Grande do Sul, 2005. Documentário (80 min.), 35 mm.

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1. 2 Os impasses e a metodologia “Segunda pergunta: “Qual método que o senhor usa para escrever suas histórias?” (...) Se houvesse método para se ter idéias boas, bastaria aplicar o método que seríamos inteligentes (Rubem Alves)”

9.

Em nosso retorno à LB, vislumbramos a possibilidade de realizar uma pesquisa

educacional. A inserção foi assegurada antecipadamente com a decisão de trabalharmos em

uma escola de presídio. Naturalmente, tornou-se desnecessária uma negociação formal com a

SEE e a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (SEAP).

Na oportunidade de estágio, percebemos que, mesmo quando o pesquisador estava

vinculado ao sistema penitenciário existia a possibilidade de ocorrerem impasses. Havia uma

cooperação técnica entre a FSC e uma instituição universitária visando a criação de uma

cooperativa de trabalho reunindo internos e egressos. Nos primeiros meses do governo

estadual em 1999, toda a ação de campo foi bruscamente interrompida, como descreve

Ribeiro (2001, p. 87):

“Ao chegar à sede da FSC para mais um dia de trabalho recebi um recado da Secretária da presidência: que não me ausentasse dali, pois o presidente queria falar-me. Alterei meus planos, pois meu trabalho não era executado na sede, mas sim nas diversas unidades prisionais, onde passava todo o meu dia junto aos presos. Já no final da tarde, ao ser convocado ao gabinete da presidência, fui recebido com um sorriso e um ofício. Estava sendo exonerado retroativamente ao dia 1.º de maio. Saio da sala perplexo. Tinha dois meses havia sido aprovado para o Mestrado na COPPE, para estudar a questão do trabalho prisional. O que fazer então? E a Cooperativa?”

Através do documento, o servidor foi encaminhando a sua origem funcional; a SEE.

Em vista disso, após um período de articulação pessoal, o funcionário-pesquisador transferiu-

se para outro órgão, onde teve que refazer a sua estratégia de investigação.

_______________ 9 Alves, 2004b, p. 99.

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Entretanto, a inserção é geralmente imprevisível junto às altas esferas administrativas

para os pesquisadores que não pertençam ao quadro funcional do sistema penitenciário

fluminense. A autorização pode ser indeferida (LOBO, 2002) ou suspensa durante a

realização do estudo (ALVITO, 2001). Caso possua relações interpessoais favoráveis, o

pesquisador pode ter maior rapidez no acesso: “Fui encaminhada ao diretor da instituição por

uma pessoa que mantinha relações de amizade com ele e a direção jamais selecionou aspectos

da vida prisional a serem estudados” (LEMGRUBER, 1999, p. 13). Neste sentido, situamos as

explicações de Becker (1977, p. 49) para o leque de obstáculos oferecidos pela instituição em

relação ao papel do pesquisador:

“Os funcionários institucionais sentem que compreendem os problemas em questão melhor do qualquer leigo e não gostam de qualquer interferência potencial ou real, desejando ficar livres para operar à sua maneira. Conseqüentemente, levantam barreiras defensivas destinadas a manter os estranhos do lado de fora e impedir a sociedade envolvente de afetar diretamente a operação da instituição”.

Uma das maneiras de contornar este impedimento, segundo Alves-Mazzotti (1998, p.

160), é utilizar o ambiente de trabalho com que se está familiarizado como campo de

pesquisa. Naturalmente, antes de adotar o duplo papel de professor-pesquisador, realizamos

uma etapa exploratória. Até 2002, em contato privilegiado com a comunidade escolar,

confirmamos uma expectativa: o CEMQ seria a nossa principal aposta no trabalho de campo.

Três fatos justificaram este estudo de caso único (YIN, 2004): o colégio é um caso raro de

educação de jovens e adultos; representa uma típica “escola penitenciária” e revela um

fenômeno na maioria das vezes inacessível à investigação científica.

Para alguns autores, existem divergências em relação à classificação desse tipo de

estudo. Ele pode ser uma forma de pesquisa exploratória (GIL, 2002, p. 41) ou um estudo

descritivo da realidade (TRIVIÑOS, 1987, p. 110). Em nosso enfoque, o desenvolvimento do

trabalho se aproximou de um estudo de caso exploratório, de cunho qualitativo-quantitativo:

“Uma observação muito importante relacionada a isso é que a estratégia de estudo de caso não deve ser confundida com “pesquisa qualitativa” (...). Em vez disso, podem-se basear os estudos de caso em qualquer mescla de provas quantitativas e qualitativas. Ademais, nem sempre eles precisam incluir observações diretas e detalhadas como fonte de evidências (Yin, 2004, 34)”.

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Nos últimos anos, esta conjugação ganhou espaço na pesquisa educacional.

Sob tal perspectiva, vale rever o conceito de intercomplementaridade de Minayo

(2002, p. 22). Refere-se esta à diferença entre quantitativo e qualitativo. Quando o cientista

social trabalha exclusivamente com a estatística, ele apenas apreende a região “visível” ou

concreta. Em oposição, a abordagem qualitativa fixa-se no “invisível”, ou seja; no complexo

mundo dos significados das interações humanas. Não existe uma dicotomia: a relação é

complementar e dinâmica.

Dessa maneira, e retomando as contribuições de Yin (2004) no estudo de caso, os

riscos de artificialidade, generalização, e superficialidade devem ser avaliados. Para diminuir

os seus impactos, formalizamos um protocolo de procedimentos gerais em campo:

I. Priorizar como sujeitos de nossa análise o conjunto de professores e alunos-internos

envolvidos nas atividades escolares.

II. Permear a entrevista, o principal instrumento de coleta de dados, com as questões

de estudo fundamentadas teoricamente.

III. Complementar a entrevista com os dados obtidos nos questionários, observações e

análise de imagem.

IV. Concluir a pesquisa efetivando a discussão global dos “processos e produtos”

(TRIVIÑOS, op. cit., p. 138) elaborados, revendo o problema.

A criação do protocolo resultou no primeiro impasse. A atuação como professor no

CEMQ exigia um intenso esforço de “redescoberta”. Como nos ensina Cardoso (1986, p.

101), “a capacidade de se surpreender, que deve ser inerente ao trabalho do cientista fica

amortecida quando se propõe a fusão total do discurso do investigador com o do grupo

investigado”.

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Em virtude disso, a todo instante rememoramos a nossa atitude como professor-

pesquisador. Hoje, com o distanciamento necessário para avaliar nossa inserção, assimilamos

nossa conduta à do “participante como observador”. Ou seja: professores e alunos-internos

foram informados de que estávamos realizando uma pesquisa educacional, muito embora não

deixássemos totalmente claro o que pretendíamos “para não provocar muitas alterações no

comportamento do grupo observado” (JUNKER apud LUDKE, 1986, p. 29). Inicialmente,

compartilhamos nossos objetivos com os que tínhamos maior afinidade pessoal10:

- “É preciso também vencer o nosso próprio preconceito em relação aos internos e vê-los apenas como alunos” (Prof.ª H.).

- “A palavra educação define minha prática docente numa escola situada em um presídio porque acredito na educação como instrumento de transformação social” (Prof.ª E.).

- “Existe restrição mais por causa do sistema de segurança. Há grande interferência” (Prof. I.).

Da etapa exploratória, herdamos a credibilidade11 que venceu o problema de acesso

aos praticantes de crimes e delitos. Conforme preceitua Becker (1992, p. 155): “Uma vez que

você seja conhecido, e uma vez que se saiba a seu respeito em sua condição anterior, surgem

poucas dúvidas quanto à sua confiabilidade”.

Todavia, surgiu um impasse. Como professor de educação artística, em determinada

ocasião reunimos alguns alunos-internos para confeccionarmos alguns painéis em grandes

formatos. A entrada no presídio da lona branca foi autorizada pela direção. As pinturas

ornamentariam o auditório da LB em eventos promovidos pelo CEMQ. Posteriormente, uma

colega expôs os trabalhos em um condomínio na Barra da Tijuca. Mais tarde, esse material

retornou ao presídio. _______________ 10 Ver, Silva, 2004. Os questionários colaboraram para a apresentação de artigo na IV Jornada de Pesquisadores do CFCH; “Escolas Diferenciadas: Professores Diferenciados?”. 11 Ao lado de Paulo Freire, Frei Betto assegura que o pesquisador deve compartilhar os momentos de adversidades com o grupo pesquisado porque “a confiança do grupo popular no intelectual que se coloca a serviço dele nasce da experiência de estar na hora do tombo” (FREIRE & BETTO, 2003, p. 63).

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Em 2003, o novo governo estadual organizou profundas mudanças no sistema penal12.

Ao nos dirigirmos ao novo diretor da instituição, tínhamos a intenção de reaproveitar o

material em outras atividades didáticas. Para nossa surpresa, houve uma insinuação.

Recebemos uma advertência pública. A dura repreensão terminou com o mesmo jargão

dispensado aos internos em uma inspeção de segurança: “Retorne à sua rotina!”.

Nossos colegas concordaram que o tratamento foi desproporcional. Alguns deles já

haviam enfrentado situações semelhantes. A diretora do CEMQ buscou a conciliação. O

episódio parecia esquecido e alguns dias se passaram até a chegada de um ofício exigindo

nossa remoção. Desta vez, a justificativa veio por escrito: “O professor não possui perfil para

o trabalho em uma instituição penal”. Para evitar nossa transferência, foi exigida uma

retratação.

A permanência na instituição estava ameaçada. Na berlinda, preferimos nos submeter

a uma espécie de “acareação” empreendida pelo subdiretor da instituição total13 no CEMQ

ante uma intimidada equipe de professores:

- “O que aconteceu? Uma outra conotação... Você levou um pano para fazer um mural, que as escolas podem fazer a vontade... A gente lá leva pano e parece que é para fazer uma teresa14 para os alunos fugirem...” (Prof.ª S.).

A partir deste acontecimento, se explicitássemos nossa condição de pesquisador,

comprometeríamos o estudo de caso. Mas, entre setembro de 2004 e março de 2005

desenvolvemos o trabalho de campo com os seguintes instrumentos de coleta de dados: _______________ 12 Até 2003, o sistema penitenciário fluminense era administrado por alguma Secretaria do Poder Executivo ligada a uma das seguintes ações: justiça, interior, direitos humanos ou cidadania. Nesse processo, um importante fato implicou na transformação do DESIPE na SEAP: os distúrbios na cidade do Rio de Janeiro orquestrados por líderes criminosos presos (2002). 13 Para Goffman (1961, p. 11), “uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada.”. 14 Corda confeccionada com pedaços de pano para fuga de presos.

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1. Questionário da pesquisa caracterizando o CEMQ. Não foi possível alcançar toda a

comunidade escolar: a amostra abrangeu 70% dos professores e 27% dos alunos-internos.

Entre os docentes, a aceitação da ficha oscilou entre o imediato interesse em respondê-la e um

certo grau de receio (Gráfico 1). Nos alunos-internos, a desconfiança surgiu como temor a

algum tipo de investigação da máquina judiciário-penal (Gráfico 2). Questões diferenciadas e

esclarecimentos não disfarçaram o sentimento de apreensão. Alguns colegas esquivaram-se ou

entregaram o material após meses de espera, quando já não tínhamos mais esperança de

colaboração. Na verdade, esperávamos selecionar os alunos e professores que revelassem

interesse em uma entrevista individual.

2417

0102030

Total deprofessoresatuantes no

CEMQ - 2004

Professoresrespondentes

doquestionário

Gráfico 1 – Questionários dos professores

Fonte: Tabulação do autor na pesquisa

271

73

050

100150200250300

Total de alunos doCEMQ - 2004

Alunosrespondentes do

questionário

Gráfico 2 – Questionários dos alunos-internos

Fonte: Tabulação do autor na pesquisa

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2. Os questionários apontaram os alunos-internos e professores mais receptivos. Para

criar um clima agradável, deixamos as respostas fluírem livremente ao longo das entrevistas

focais, atentando para que os temas específicos prevalecessem sobre as naturais digressões.

Adicionalmente, depoimentos registraram as impressões sobre o contexto educacional do

CEMQ. O colégio possuía rádio-gravador, porém dependíamos de permissão para gravar as

fitas. As pequenas instalações também limitavam a privacidade. No final de 2004 começamos

a entrevistar os professores fora da LB. Por essa razão, estávamos submetidos a uma instável

agenda. Empunhamos o gravador em capacitação pedagógica, restaurante, segundo local de

trabalho, residência ou local previamente definido: Centro, Zona Sul e Zona Norte do Rio de

Janeiro. Atingimos 58% dos professores do CEMQ, ao recebermos três roteiros com as

respostas dos não participantes da conversa presencial (Gráfico 3).

14

24

05

10152025

Professoresentrevistados pela

pesquisa

Total deprofessoresatuantes no

CEMQ - 2004

Gráfico 3 – Professores entrevistados

Fonte: tabulação do autor na pesquisa

Esses encontros não se realizaram sem contratempos. Em um deles, o gravador foi

acidentalmente desligado, o que demandou uma reconstituição. Vítima de nossa

inexperiência, a diretora não percebeu quando a entrevista dividiu-se em duas datas. Em um

momento, a fluência verbal de uma colega tornou-se monossilábica. Num extremo, de

entrevistador passamos à condição de entrevistado, sob o peso do forte envolvimento de

determinados professores com a questão penitenciária. Com maior espontaneidade, após

consecutivos adiamentos, um colega também dividiu sua entrevista com um rapaz que cortava

o seu cabelo, a namorada e um amigo no barulhento “camelódromo” da Central do Brasil. De

fato, procuramos diminuir o peso de nossa posição latente: a de professor-pesquisador

conversando sobre um assunto bastante delicado.

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Mas ainda devíamos ouvir os alunos-internos. A partir de uma triagem nos

questionários, percebemos que muitos concordavam em participar. Pelo grande número dos

que se dispunham a responder, a tarefa adiaria nosso cronograma. Preferimos delimitar uma

amostra: seis ex-alunos concluintes do ensino médio em 2003 e 2002; um aluno-interno da

oitava série e outro da primeira série do ensino médio em 2004 e; três alunos da terceira série

do ensino médio em 2005.

A mudança condensou um grupo de longa trajetória nas carteiras escolares do CEMQ.

Com algumas adaptações formais, repetimos as mesmas perguntas do roteiro apresentado aos

professores. A grande diferença é que substituímos o gravador por lápis e papel. Para

sustentar tal procedimento, seguimos o “pensar curto” sugerido por Bogdan & Biklen (1994,

p. 173): “Arranje um número razoável de sujeitos e gaste um conjunto de tempo em cada

entrevista que faça sentido em termos de trabalho envolvido na sua transcrição”.

Na reunião com os ex-alunos, em dezembro de 2004, as falas alcançaram um consenso

de revolta: “O colégio nos abandonou”. Logo, as respostas caminharam para sugestões de

reaproveitamento do grupo, em atividades de monitoria, dando à dinâmica os contornos de

uma pesquisa-ação15. Como professor, acolhemos esta sugestão e recusamos um pedido de

certificado aos presentes. Em 2005, finalizamos onze entrevistas com os alunos-internos.

3. Durante o Curso de Mestrado, tivemos contato com o debate atual sobre a pesquisa

no meio urbano16. Ali, ficou clara a importância da observação participante no trabalho de

campo. Segundo Chizzotti (1998, p. 91):

“A observação participante, introduzida pela Escola de Chicago nos anos 20, duramente contestada pelas pesquisas experimentais, foi abandonada, durante algumas décadas. Sua ressurgência em pesquisa tem auxiliado interpretações mais globais das situações analisadas. Exige, porém, cuidados e um registro adequado para garantir a fiabilidade e pertinência dos dados para eliminar impressões meramente emotivas, deformações subjetivas e interpretações fluidas, sem dados comprobatórios”.

_______________ 15 Thiollent (1987, p. 83), afirma que; “A pesquisa-ação supõe uma participação dos interessados na própria pesquisa organizada em torno de uma determinada ação. Que tipo de ação? Em geral, trata-se de uma ação planejada, de uma intervenção com mudanças dentro da situação investigada”.

16 Curso “Indivíduo e Sociedade”, 2003/02, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS).

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Cumpre destacar, que em nenhum momento, pretendíamos fazer a observação típica

de uma pesquisa etnográfica (ANDRÉ, 1991) em dois eventos pedagógicos: Feira do

Conhecimento e Festival de Música. Nossa observação não estruturada e de caráter qualitativo

foi limitada pela condição de professor-pesquisador.

4. A consulta à documentação foi fragmentada. O CEMQ, apesar de constantemente

receber a visita de pesquisadores e jornalistas, não tinha o costume de ordenar os produtos

resultantes dessas visitas. Isso foi compensado com a colaboração espontânea dos professores

e a organização de um arquivo pessoal. A imagem em seu contexto cultural17 foi o suporte

analítico para a coleta do principal documento visual: o desenho do aluno-interno Jorge Silva.

Também consultamos outras fontes: matérias de jornais, revistas, folhetos, livro de matrícula

(2004), projeto político-pedagógico (2002) e vídeo da formatura do ensino médio (2002).

Finalizando a apresentação deste artesanal exercício de paciência e discrição, fazemos

as seguintes ressalvas:

- O roteiro de entrevista e o questionário (Apêndice A) tiveram a consultoria de uma

especialista em Educação18. O primeiro instrumento, incluiu a diretora e dois ex-docentes do

CEMQ no grupo “Professores atuantes no CEMQ – 2004 / Professores respondentes do

questionário” (ver Gráficos 1 e 3). Os seis ex-alunos do Ensino Médio 2002/2003 também

foram incorporados no grupo “Alunos matriculados no CEMQ – 2004” (Gráfico 2).

- No Livro de Matrículas do ano letivo de 2004 houve diferença entre o número de

alunos nas listas de chamada e as fichas de matrícula e consideramos o item que registrou o

maior número de lançamentos. O total de 271 alunos-internos (Gráfico 2) desprezou os alunos

no anexo do CEMQ e representa um quantitativo aproximado, ao lembrarmos o fluxo de

matrículas durante o período. _______________

17 Curso “Sociologia da Arte: as pregas do olhar”, 2004/02, Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV). 18 Curso “Instrumentação para a Pesquisa Qualitativa”, 2004/02, Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE).

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2 EDUCAÇÃO: A INVISIBILIDADE DO SISTEMA

2.1 Assistência Educacional

“Olha, eu vou ser muito sincera: eu não sabia que existia escola no sistema penal. (...) Ah, porque o que a gente vê na tv, geralmente é tomada em delegacia ou Bangu” (Prof.ª H). .

Rebeliões, superlotação e fugas justificam a maneira sombria de algumas entidades19

avaliarem o atual quadro do sistema penitenciário brasileiro. Uma das faces mais positivas é a

remissão pelo trabalho. A cada três dias de trabalho, o preso, de acordo com o a Lei de

Execuções Penais (LEP - 7210/84, art. 126), abate um dia de detenção. Por outro lado, para

aqueles que nunca conheceram uma instituição penal, torna-se impensável supor que existam

escolas que atendam os criminosos. Segundo a legislação20, o cumprimento da pena em nada

impede a assistência educacional. Ela caracteriza-se pela oferta do ensino de primeiro grau

obrigatório e profissionalizante, implementado em espaços próprios, destinados a tais

atividades. Caso os demais níveis de escolaridade não sejam oferecidos pelo sistema escolar

prisional, a LEP (art. 122 e 123) não descarta a hipótese de continuidade das atividades

educacionais mediante “saída temporária” autorizada pelo Poder Judiciário. Isso não significa

que as coisas sejam realmente assim. Ao apresentarmos um breve panorama sobre esta

temática “invisível”, encontramos:

“Apenas 17,3% dos presos estão envolvidos em alguma atividade educacional. Levando-se em conta que 70% dos presos não terminaram o 1.º grau e que cerca de 10% são analfabetos, é óbvio que os sistemas penitenciários não parecem estar interessados em alterar esse quadro. Ademais, considerando que 83,3% dos estados mantêm convênios com as Secretarias de Educação para o desenvolvimento de atividades educacionais, o quadro resulta ainda mais absurdo” (CESEC, 2004, 16).

_______________ 19 O GLOBO, 24/06/1999, Anistia diz que Brasil trata presos como bichos; “Segundo a entidade, as leis e a Constituição garantem direitos aos detentos, mas na prática as leis não são aplicadas”. 20 Ver, sobre assistência educacional, entre outros: Constituição Federal (art. 205), Código Penal (art. 35 e 38) e LEP (art. 17 a 21 e 83).

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Tabela 1 – Escolaridade dos presos brasileiros21

Analfabetos 10,4%Ensino Fundamental incompleto 69,5%Ensino Fundamental completo 7,5%Ensino Médio incompleto 6,7%Ensino Médio completo 4,8%Nível superior incompleto 0,8%Nível superior completo 0,2%

Os números acima retratam a pouca atenção dada à questão penitenciária. Um caso

flagrante ocorreu no Estado do Rio de Janeiro durante a década de 1980. Se o

“antidemocrático dualismo na rede escolar pública” (CUNHA, 2001, p. 140) não privilegiou

as escolas convencionais, o que dizer dos estabelecimentos de ensino localizados em

presídios?

A ex-diretora do DESIPE, Julita Lemgruber, esclarece esta pergunta, justificando o

déficit de investimentos no sistema: “o governo tinha claramente outra prioridade, que eram

os Centros Integrados de Educação Pública, ninguém desconhece isto, e não foi investido

nenhum recurso na construção de mais vagas (VELHO & ALVITO, 2000, p. 299)”. Segundo

estudo de Martins (2004, p. 10):

“As autoridades educacionais priorizam a rede regular de ensino, sobretudo o ensino fundamental. Havendo crianças fora da escola, espantam-se com a perspectiva de formular políticas para os presos, temendo que este tema – que consideram alheio à sua responsabilidade – ainda lhes retire recursos. Não têm postura ofensiva, no sentido de reivindicar recursos do Fundo Penitenciário para esse fim”.

Os estados brasileiros são auxiliados com repasses orçamentários do Ministério da

Justiça. A Lei Complementar 79/1994 prevê que estes recursos também serão investidos na

formação educacional.

- “A principal meta do governo seria colocar a educação em todas as unidades prisionais e a penitenciária dar condições deles (os internos) de estudar” (Prof.ª S.).

_______________ 21 Fonte: jornal Folha de São Paulo, 17-07-2004, Tiago Ornaghi.

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No entanto, em se tratando das ações governamentais, há uma questão ainda mais

pungente: a resistência da administração prisional em implementar efetivamente a assistência

educacional. Segundo Thompsom (1976), a conversão à cultura geral da penitenciária traz

reflexos significativos na maneira como os membros da direção interpretam a atuação dos

“terapeutas” – educadores, médicos, psicólogos, assistentes sociais e psiquiatras.

De que maneira isso ocorre? Como sabemos, o Poder Executivo é responsável pela

nomeação da administração prisional. Hipoteticamente, este staff pode, em um primeiro

momento, priorizar a “recuperação” dos internos porque, “enquanto anteriormente a tônica do

confinamento carcerário recaía sobre o alvo escarnamento, já a partir do século passado, pelo

menos, passou a merecer ênfase especial a meta reabilitação” (Thompsom, op. cit., p. 36). A

reabilitação tem função semelhante à finalidade do hospital ou da escola: terapia, cura ou

reeducação.

O funcionamento da instituição, porém, depende de rotinas, na maioria das vezes não

sistematizadas, do corpo de guardas. Eles podem entender a ressocialização22 como uma

ampliação do poder das facções criminosas, consentida pelo Estado. O temor pela perda de

autoridade traduz-se no boicote às mudanças propostas (PAIXÃO, 1991). Prioritariamente, o

agente de segurança, pela natureza de sua tarefa, sempre estará a serviço das atividades de

disciplina e vigilância:

“Esse é o lado do agente de segurança: ele tem que ser enérgico! Ele tem que ser repressor mesmo! Ele não tem outra maneira, não existe! Se alguém souber, me diga porque aí vai clarear essas coisas. E tem o outro lado. O agente de segurança nas atribuições dele, ele terá que estar colaborando na recuperação do internado, do preso, do custodiado. Está lá, é informação” (depoimento de L. R. C. – Agente de Segurança Penitenciária, em 23/01/02).

_______________ 22 “Erving GOFFMAN define ressocialização como um processo mais drástico de derrubada e reconstrução de papéis individuais e do senso, socialmente construído, de self. A doutrinação forçada de prisioneiros políticos, por exemplo, ou a “desprogramação” de ex-conversos a cultos religiosos, são exemplos de ressocialização, como também a tentativa de reabilitar indivíduos que organizaram grande parte de suas vidas em torno do crime ou do extenso abuso de drogas e álcool. Uma vez que a ressocialização é um processo drástico que requer grande controle sobre seus sujeitos, ela com freqüência ocorre em sistemas rigidamente controlados, como prisões e hospitais (JOHNSON, 1997, p. 198-199)”.

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Soma-se a isso uma forte expectativa da opinião pública e, conseqüentemente, do

governo estadual, no cumprimento dos objetivos primordiais: punição e intimidação. Logo, a

repressão se sobrepõe à “regeneração”, e a adoção estrita da última meta pelos terapeutas cria

uma desvantajosa “guerra surda”:

- “Em termos de direção do sistema... A escola me parece que está lá porque a lei manda estar. (...) Me parece que a escola fica como uma intrusa ali. E a gente está ali brigando contra essa maré” (Prof. I ).

Para Thompsom (op. cit., p. 77), um professor ou “terapeuta”, pela posição inferior na

hierarquia social da prisão, pode ser encarado pelos internos e guardas como um diletante:

“Os professores exigem que os alunos compareçam em horários certos e, sobretudo, com assiduidade às aulas; os vigilantes declaram que, se razões de segurança e disciplina impedem o atendimento da exigência, ela deverá ser enjeitada, uma vez que estes motivos têm precedência sobre os dos mestres”.

Além disso, a escola concorre com outra preferência. O fato de haver poucas vagas de

trabalho não significa que este reúna condições atraentes: quando remunerado (LEP, Art. 29),

o pagamento pode ser inferior ao salário mínimo. Isso não diminui a procura, situação inversa

à resignação que poderemos encontrar nas escolas:

- “Eles precisam trabalhar internamente porque precisam do dinheiro, então eles têm que abandonar a escola, né?” (Prof.ª D.).

- “Lá dentro, eu acho que a profissão é mais valorizada” (Prof. I.).

Ao contrário do que acontece com o trabalho, a LEP não prevê expressamente a

remissão pelo estudo. Portanto, trata-se de hipótese não prevista em lei. Para a concessão do

benefício, alguns juizes utilizam o critério da analogia, isto é, a aplicação de norma que regula

hipótese semelhante. Esse incentivo também tem ampliado o rol de possibilidades nos estados

do Acre, Amapá, Paraná e Rio Grande do Sul. Em suma, trata-se de uma proposta atualmente

em exame no Congresso Nacional para a adoção do dispositivo em todo país.

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Mas como é calculado esse benefício? No Estado do Rio de Janeiro, de maneira

semelhante à remissão pelo trabalho. Uma Portaria do DESIPE (N.° 772 de 17/05/00)

regulamentou a remissão educacional após um acordo entre a Procuradoria Geral do Estado, a

Vara de Execuções Penais (VEP), o Ministério Público e o Conselho Penitenciário. A

comissão técnica de classificação, instância subordinada à SEAP na unidade penal encaminha

a freqüência escolar e as avaliações dos professores sobre as atividades desenvolvidas pelo

aluno-interno. Logo, a “classificação” é uma iniciativa da direção escolar. A análise favorável

da VEP diminui um dia de pena para cada dezoito horas de estudo:

- “Vamos divulgar mais o trabalho do colégio. Cadê a integração com a VEP? O juiz fala: se formou naquele dia e mais nada” (A., aluno-interno da LB).

- “Fico contente quando o aluno chega e diz: Professora! Consegui! Diminuí a pena em dois anos” (Prof. S.).

Apesar da maior oferta de vagas escolares, o trabalho parece manter-se em primeiro

lugar na preferência dos presos:

- “Cheguei na prisão em dois de março de 2002. Primeira prioridade: trabalho como faxina23 na sala de montagem e manutenção de computadores. Eu trabalhava na cozinha e conheci os professores. Vim para a escola em 2003” (R., aluno-interno da LB).

A maior identificação com a atividade laborativa pode ser explicada quando Ramalho

(1978, p. 105) diz que o interno percebe o trabalho enquanto “negação do grupo social (ou

classe) de onde se recrutam os presos, e pelos quais se identificam os delinqüentes”. Nas

palavras de Julião (2003; p. 94):

“Não é estranho convir que o sistema penitenciário brasileiro, um dos mais críticos do mundo, valorize o trabalho em detrimento do estudo. Neste contexto, o estudo é visto apenas como mero complemento do trabalho”.

_______________ 23 “Faxina é o preso classificado para qualquer ocupação laboral. Assim, há faxinas-datilógrafos, faxinas da enfermaria, faxinas da lavanderia, faxinas da carpintaria, faxinas do gabinete do diretor, etc. (...) Conseguir uma boa faxina é um dos mais fortes anseios dos internos (THOMPSOM, op. cit. p. 53)”.

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No entanto, as estatísticas oficiais do Estado do Rio de Janeiro mostram quase um

terço dos presidiários estudando:

Tabela 2 – Estudantes nas unidades prisionais do país21

RJ MG CE MG PR GO SP AL MT PE SE AC PI RS DF BA RO PA RO MS TO UF32 26 24 21 19 17,2 17 16, 5,9 15 13,9 13,6 13,5 11,7 10,2 9,1 6,9 7,5 6,9 15,7 0 %

Antes de 1967, ano do primeiro convênio entre as áreas de Educação e Justiça, alguns

voluntários, em sua maioria presos políticos, ocupavam o lugar de professores. Anos mais

tarde, as escolas ofereceram a segunda etapa do ensino fundamental e exames de suplência

(JULIÃO, 2003). Até a década de 1990, cada escola do sistema tinha o mesmo nome da

unidade penal, gerando uma série de constrangimentos porque “muitos ex-alunos ainda presos

argumentavam não representar um bom currículo um diploma que estampava um nome

prontamente associado ao seu período de prisão” (RIBEIRO, 2001, p. 61).

Tabela 3 – Escolas da SEE localizadas em unidades penais do RJ24

Unidade Escolar Coordenadoria SEE Unidade / Complexo Penal da SEAP

Prof.ª Alda Lins Freire IV Alfredo Tranjan / Gericinó

Prof.ª Sonia Maria Menezes IV Jonas Lopes Carvalho / Gericinó

Agenor Oliveira “Cartola” IV Esmeraldino Bandeira / Gericinó

Roberto Burle Marx IV Talavera Bruce / Gericinó

Henrique Souza “Henfil” IV Vicente Piragibe / Gericinó

Carlos Costa IV Dr. Serrano Neves / Gericinó

CEMQ X LB - Frei Caneca / Centro

Rubem Braga X Milton Dias Moreira / Frei Caneca

Anacleto de Medeiros X Evaristo de Morais / S.Cristóvão

_______________ 24 As Coordenações Metropolitanas são representações regionalizadas da SEE; a Metro IV abrange os bairros da Zona Oeste e a Metro X; as regiões da Zona Sul e Centro do RJ. O sistema penal possui três grandes complexos – Frei Caneca, Gericinó (Bangu) e Niterói – somando 38 unidades nas seguintes modalidades: penitenciária, presídio, casa de custódia, hospital, sanatório, instituto penal, centro de tratamento e dependência química e patronato.

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Como qualquer outra unidade pertencente à rede estadual, estes estabelecimentos

desfrutam de relativa autonomia25 em articulação com as coordenadorias metropolitanas. Mas

a SEE, possui extra-oficialmente, uma Coordenação de Escolas Diferenciadas criada em 2000

na gestão da Professora Lia Faria. Além da rede presidiária, este setor dá atendimento a três

públicos: jovens em conflito com a lei e populações remanescentes de comunidades indígenas

e de origem africana. Difícil não atentarmos à equivalência simbólica que o aparelho

educacional inferiu aos quatro grupos distintos, classificando-os como “diferenciados”.

Acreditamos que esta expressão, embora signifique o reconhecimento do governo

estadual a respeito da importância do tema, merece em determinada medida o comentário de

Paulo Freire (1988, p. 124) a respeito da palavra “minorias”:

“Palavra também que não gosto muito, pois que nem sempre são minorias, não? Já reparou que as minorias são sempre, somadas, a maioria? Por exemplo, o movimento de mulheres, os movimentos ecológicos, de homossexuais, negros, etc.?”.

Na SEAP, a assistência educacional é exclusiva à “minoria” de presos e vinha sendo

prestada anteriormente ao convênio. A DEC ocupa-se da organização de projetos

educacionais. À FSC compete a gestão de cursos profissionalizantes promovidos com

repasses federais.

Vamos dar agora um exemplo de um eventual embaraço das três agências.

Parte das unidades escolares tem o espaço físico improvisado. A reforma26 das

instalações físicas depende do apoio da direção do presídio.

_______________ 25 Ver, Gadotti (2002, p. 63); “A LDB (Lei n.° 9394/96, que estabelece Diretrizes e Bases da Educação Nacional) é pródiga quando fala da autonomia das instituições de ensino superior (art. 77), mas muito tímida quando fala da autonomia das instituições de educação básica (art. 22).” 26 SEE, Pedagogia Poética, 2004, p. 48; “O Colégio Estadual Mario Quintana, no que diz respeito a sua estrutura física, foi construído gradualmente, negociando-se espaço e conservação com as direções que passam pela penitenciária Lemos Brito”.

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Em contrapartida, a DEC pode divulgar relatórios ampliando as suas estatísticas27,

graças à presença das escolas da SEE.

Por sua vez, a FSC organiza freqüentemente cursos profissionalizantes em horários

coincidentes, o que esvazia as escolas. Isso quando a administração prisional, não promove

alguma ação de impacto28 sem parceria da SEE.

E, por fim, completando o círculo de incompatibilidades, a Superintendência de Saúde

da SEAP, tradicionalmente afeita a levantamentos sobre a população carcerária, aponta

sugestões para a escolarização29. A Coordenação das Escolas Diferenciadas não propôs algo

do gênero muito menos em 2002, época do último encontro de educadores do sistema penal:

- “Falta que o sistema penitenciário se junte realmente com o sistema educacional, reunindo o sistema de saúde dentro do presídio! Reunindo a qualificação dos funcionários, de todos os setores. Porque hoje a sociedade, a administração pública e o presídio também... Tudo é seccionado! O trabalho lá dentro, a educação... É tudo fragmentado! Não dialogam. É como Brecht nos diz: se as vacas dialogassem entre si, não seriam tão facilmente abatidas” (Prof. N.).

_______________ 27 Jornal Metamorfose, Superintendência de Saúde, n.º 28, março de 2003: “Conforme relatório anterior (em julho de 2002) verificamos que num efetivo de 16.538 internos, a Divisão de Educação e Cultura consegue atingir um total de 2901 internos (18%) que se encontram em atividades educacionais e culturais, o que ainda não é o ideal dentro de um universo tão expressivo, mas que se transforma em algo significativo, tamanhas são as dificuldades encontradas”. 28 Em outubro de 2003, a SEAP anunciou um projeto de erradicação do analfabetismo nas prisões do Rio em parceria com uma organização não-governamental. Ao final dos três meses de curso, os alunos receberiam certificação do MEC, estando aptos a cursar a terceira série do Ensino Fundamental (O GLOBO, Disponível em http://www.oglobo.globo.com. Acesso em 31 de outubro de 2003). 29 SUPS, 2001, p. 14; “Assim sendo, é importante que o trabalho do(a) preso(a) não se torne apenas extração de mão-de-obra mal remunerada, mas que constitua uma atividade formadora, valorizando a participação do (a) trabalhador(a) preso(a), a qualificação profissional e a educação formal”.

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2.2 Escola Freireana

“Então, no fundo, foi lá na cadeia que comecei a pensar no que eu tinha que aprofundar do ponto de vista pedagógico” (Paulo Freire).30

Embora o Ministério da Educação (MEC) tenha definido as Diretrizes Curriculares da

Educação de Jovens e Adultos (EJA), a LDB, que é a principal regulamentação do ensino em

nosso país, não faz qualquer menção específica à educação de adultos presos.

Na LDB, a EJA é uma modalidade de ensino que pode apresentar-se nos diferentes

níveis da educação básica. De fato, a Lei tem muitos aspectos inovadores, inclusive ao

reconhecer a “vinculação da educação com o mundo do trabalho e a prática social” (Art. 1).

Mas, no tocante à efetiva articulação, uma lacuna foi aberta. Esse aspecto é considerado por

Demo (2003, p. 92) como mais um ranço do texto legal porque “é incongruente propor o

direito à educação de jovens e adultos que não seja, naturalmente, profissionalizante, porque

se incide na balela da separação artificial entre educação e mercado, ou na pieguice

pedagogista que imagina poder dispensar o mercado”:

“Escola para pobre, escola para rico. (...) Então uma ensina desde que nasce a empreender. Gerenciar, modificar, criar, pesquisar: a escola da elite. E a outra: você vai arrumar um emprego! É terrível isso: estudar para arranjar emprego. Dá vontade de sair correndo da escola!” (Prof. N.).

A respeito desse tema, o texto final do Plano Nacional de Educação, sancionado pelo

governo federal através da Lei 10.172 de 2001, define os objetivos e metas da EJA:

17. Implantar, em todas as unidades prisionais e nos estabelecimentos que atendam adolescentes e jovens infratores, programas de educação de jovens e adultos de nível fundamental e médio, assim como de formação profissional, contemplando para esta clientela as metas n.° 5 (fornecimento pelo MEC de material didático-pedagógico) e n.° 14 (oferta de programas de educação à distância)”.

_______________ 30 FREIRE & BETTO, 2003, p. 52.

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O trecho acima destaca a utilização da informática como instrumento para o

desenvolvimento dos programas de EJA. Nesse aspecto, foi notável o convênio entre o

Ministério da Justiça e a Fundação Pró-Educar para a inserção da informática na alfabetização

de presos. Segundo Martins (2004), a parceria, concebida no final da década passada,

disponibilizou para quatorze estados o curso “Educação pela Informática”.

Mas há uma questão premente: se o sistema escolar público ainda não absorveu esta

tecnologia educacional, o que podemos esperar da educação à distância na rede escolar

prisional? Mesmo em um cenário favorável, o uso desta ferramenta exigiria a superação de

eventuais desconfianças do sistema de segurança em relação à possibilidade de acesso do

preso à Internet.

“Falta à escola criar projetos que gerem maior interesse para o aluno. Qual? A informática” (M – aluno-interno da LB).

Uma avaliação criteriosa desta demanda necessita da presença constante do poder

público e da sociedade civil nos fóruns privilegiados de discussão, um dos espaços onde a

educação presidiária pode deixar de ser um tema proibido. Foi na V Conferência Internacional

de EJA em Hamburgo, Alemanha, ano seguinte à aprovação do texto da LDB, que a

declaração final desse encontro reconheceu o direito das pessoas presas ao aprendizado:

“Tema 8 47. Reconocer el derecho de todas las personas encarceladas a aprender: a) proporcionando a todos los presos información sobre los diferentes niveles de enseñanza y formación y aceso a los mismos; b) elaborando y aplicando en las cárceles programas de educación general com la participación de los presos, a fin de dar a sus necesidades y a sus aspiraciones em materia de aprendizaje; c) haciendo más fácil que las organizaciones no gobernamentales, los profesores y otros responsables de actividades educativas trabajen en las cárceles, posibilitando así el aceso de las personas encarceladas a los estabelecimientos docentes y fomentando iniciativas para relacionar los cursos seguidos en las cárceles con los que tienen lugar fuera de ellas”.

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Buscando situar o entendimento da comunidade educacional sobre o tema,

consultamos a Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Apêndice

B). Constatada a irrisória quantidade de trabalhos e referenciais, optamos pela “Escola

Freireana”, a primeira fundamentação teórica de nosso estudo de caso.

1. Professor-educador de adultos – Para este conceito trouxemos algumas

contribuições de diletos colaboradores de Paulo Freire. O primeiro, Gadotti (2005); não

admite um monopólio na escolarização estatal. O grande número de paradigmas da educação

não-formal, no espectro das organizações não-governamentais, partidos políticos e igrejas,

muitas vezes revitaliza a educação pública e avaliza a EJA, onde:

- O conhecimento não é medido exclusivamente pelo saber sistematizado: o educando

acessa à cultura geral pela participação coletiva e solidária.

- A aceitação é maior quando, preferencialmente, o educador ou animador cultural é da

própria comunidade e há um prévio diagnóstico do grupo para o encontro entre o saber

erudito e o saber popular. Nesta sondagem, normalmente, verifica-se que esses alunos são

trabalhadores.

Esses tópicos foram reafirmados pelo autor em sua recente conferência31 na cidade do

Rio de Janeiro, onde a EJA não foi confundida com um programa compensatório para os que

não estudaram na idade adequada. Para Gadotti, “o professor deve saber que muitos procuram

a educação em idade adulta aguardando uma repetição do imaginário de giz e quadro-negro. É

vital não frustrar as expectativas em relação aos conteúdos. Eles não se limitam a avaliações

curriculares: a formação de atitudes é essencial à estabilidade emocional do aluno”.

Aqui temos uma de suas sugestões: incorporar a cidade como espaço de aprendizagem.

O estudante circula em espaços culturais como teatros e cinemas? Ele sabe onde pode

conseguir seus documentos pessoais ou conhece as atribuições do Ministério Público? Logo, a

pedagogia da cidade incluiria uma educação a respeito dos direitos negados ao cidadão.

_______________ 31 IV Jornada Internacional de Educação do Estado do Rio de Janeiro. 21 a 23 de julho de 2005.

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De maneira complementar, Romão (2005) identifica o professor-educador de

adultos. Ele é ao mesmo tempo a face institucionalizada do “profissional da educação” e o

sujeito social compromissado com um projeto de vida reflexivo. Assim, o professor se

tornaria um educador na medida em que não ficasse restrito à esfera pedagógica. A partir de

sua classificação (Tabela 4), sintetizamos esquematicamente os quatro campos docentes do

professor democrático:

Tabela 4 - Concepções educacionais de EJA

CAMPOS / CONCEPÇÕES

AUTORITÁRIA DEMOCRÁTICA ANÁRQUICA

CONHECIMENTO Informação, Ensino, Leis Científicas, Conteúdo

Formação, Ensino/Aprendizagem, Processos, Objetivos

Omissão, Aprendizagem, Espontaneísmo, Desejos

DIDÁTICA Professor Ativo, Aluno Passivo, Unidade-Programa

Professor Ativo, Aluno Ativo, Unidade Didática

Professor Passivo, Aluno Ativo

RELACIONAMENTO Controle, Imposição, Insegurança, Hierarquia, Consenso

Persuasão, Negociação, Segurança, Competência, Conflito

Permissividade, Confusão, Indiferença, Anarquia, Dissenso

AVALIAÇÃO Classificatória, Periódica, Quantitativa

Diagnóstica, Permanente, Qualitativa

Formativa, Pós-Escolar, Qualitativa

IMPLICAÇÕES → Indisciplina, Aula Expositiva, Planos de Curso x Vida do Aluno

Escola Cidadã, Equilíbrio, Divergências, Trabalho Conjunto

Pedagogia Analítica, Democratismo Confortável, Livre Expressão

2. Educação dialógica – O relato30 de Paulo Freire sobre o breve período no cárcere é

uma marca da virulenta repressão política a sua atuação no cenário educacional.

A partir da década de 1950, seu diálogo impulsionou a prefeitura de São Paulo e o

governo João Goulart. Nessas e em outras ocasiões, vemos a sua preocupação com o caráter

popular da educação de adultos:

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“A dimensão global da Educação Popular contribui ainda para que a compreensão geral do ser humano em torno de si como ser social seja menos monolítica e mais pluralista, seja menos unidirecionada e mais aberta à discussão democrática de pressuposições básicas da existência (FREIRE, 2005, p. 17)”.

De imediato, Freire nos remete a Martin Buber (1878 – 1966). Buber nos ensina que a

existência precede o cerne de todas as coisas, numa inversão do pensamento cartesiano. A

aproximação entre o sujeito e objeto não deve ser permeada pela superficialidade, e sim, pela

personificação. É a passagem do “eu-isso” coisificado para o “eu-tu” pessoalizado, visto na

crônica “O Ipê e a Escola” de Rubem Alves (2002a).

Sob influência do existencialismo, o pensamento freireano (2003a, p. 96) refunda a

pedagogia do diálogo valorizando a identidade cultural dos indivíduos porque “é na prática

de experimentarmos as diferenças que nos descobrimos como eus e tus. A rigor, é sempre o

outro enquanto tu que me constitui como eu na medida em que eu, como tu do outro, o

constituo como eu”.

Anos depois32, o educador reafirmou a clarividência do diálogo aluno-professor, no

qual “quem forma se forma e re-reforma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser

formado”. É a “do-discência”, um dos mais conhecidos neologismos freireanos: “quem

ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”.

Freire (2003b) nos mostra que o diálogo do educador-educando é um fenômeno que

prescinde da existência de uma “palavra verdadeira”. É na práxis, é na reflexão sobre as

nossas ações, que encontramos a palavra autêntica. Ela está em oposição ao “palavreado”,

sinônimo de um vazio freqüentemente convertido em imobilismo. Tanto o verbalismo quanto

a palavra que valoriza a ação pelo ativismo não problematizam a inconclusão do mundo.

A palavra é verdadeira quando está revestida pela humildade do educador, suscitando

um diálogo que não combina com a arrogância, a auto-suficiência ou a manipulação

paternalista. O diálogo transformador da realidade é aquele em que o sujeito supera o pensar _______________ 32 Freire (2000, p. 25)

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ingênuo pela criticidade. A educação dialógica é humanista porque não conforma uma

postura fatalista dos oprimidos a uma das estratégias dos opressores: a educação bancária.

É contra essa estratégia de doutrinação da instituição escolar classista, caracterizada

pela transferência de conteúdos separados dos universos populares, que temos o conceito de

empowerment. Ele é um “método dialógico” de ensino, um nível de autonomia do educando

que ultrapassa o individualismo ao buscar uma transformação radical da sociedade:

“Isso faz do empowerment muito mais do que um invento individual ou psicológico. Indica um processo político das classes dominadas que buscam a própria liberdade da dominação, um longo processo histórico de que a educação é uma frente de luta” (FREIRE, 2003c, p. 138).

Esta concepção dialógica libertadora implica na conscientização: uma assunção

epistemológica que não é a simples ruptura com o saber empírico. É um processo, em que “o

homem, refaz o caminho natural pelo qual a consciência emerge capaz de perceber-se”

(Freire, 2002, p. 119).

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2. 3 A escola retrógrada

“Não basta que as portas das prisões sejam abertas. É necessário que haja música nas ruas” (Rubem Alves). 33

Há alguns meses, o MEC manifestou a intenção de oferecer bolsas de estudo nas

faculdades particulares para alunos oriundos da rede pública, negros, índios, portadores de

deficiência e ex-presidiários. Em um segundo momento, o governo federal recuou,

contemplando somente os estudantes de escolas públicas, portadores de necessidades

especiais e professores com baixa renda familiar34. Não importa sabermos se a redução de

vagas foi motivada pela contrapartida na isenção de impostos aos mantenedores do ensino

privado. Mais uma vez, uma oportunidade de escolarização não contemplou ao menos

indiretamente, o sistema penal.

Recentemente, o parâmetro do vestibular chegou à educação penitenciária fluminense,

a exemplo do que ocorre na maioria do sistema escolar “extra-muros”.

“Me sinto bem. Matei o primeiro leão: o ensino fundamental. O segundo vai ser o ensino médio e o vestibular” (W - aluno-interno).

Desde a implantação do ensino médio nos presídios, os secretários de governo vêm

expondo claramente esta convicção:

“Então eu penso nesses alunos que estão formando hoje, que busquem a universidade. Sejam eles orgulhosos, busquem a universidade. Não se contentem com o Ensino Médio. Depois da universidade, busquem uma pós-graduação. Se vocês são da primeira turma do ensino médio a se formar no presídio, que você seja o primeiro aluno a se formar numa universidade!” (Discurso de William Campos, ex-secretário estadual de educação. In: FORMATURA do ensino médio do CEMQ 2002. Produção de Elionaldo Fernandes Julião. Rio de Janeiro: 2002. 1 fita de vídeo (?min.), VHS, son., color.)

_______________ 33 Alves, 2002b, p. 163-164. 34 Ver, Lei 11.096/05 que institui o Programa Universidade para Todos (PRO-UNI) e matéria da Agência Folha, Porto Alegre, 27/03/04: “Tarso (Genro) atende área econômica e reduz previsão de vagas estatizadas”.

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“Primeiro, considerar a proposição seguinte, observando que é verdadeira: em 2002 tivemos 69 presos inscritos nos vestibulares da Uerj e UFRJ; em 2003 foram 225 os inscritos; em 2004 o número chegou a 383. Considerando que nesse período a população de condenados do sistema teve um crescimento inferior a 20%, o que significa a evolução de inscrição nos vestibulares na ordem de 455%? Avanço ou retrocesso? (Presídios: há esperança, Astério Pereira do Santos, secretário estadual de administração prisional, Jornal do Brasil, 01/05/05)”.

Mas algumas vozes começam a rever este quadro. A distensão na legislação,

favorecendo o acesso a faculdades particulares, acarretou uma tímida inflexão. O debate

acalorado abriu espaço para uma crítica à exagerada preocupação com os vestibulares.

Nos últimos anos, as principais universidades brasileiras deixaram de divulgar a lista

dos colégios mais bem classificados em seus exames. Em 2004, um júri formado por

educadores aceitou o desafio35 de eleger as dez escolas representativas do grupo de

instituições de qualidade localizadas na cidade do Rio de Janeiro. Entre os critérios de

avaliação apontados pela comissão figuraram o projeto político-pedagógico, a

responsabilidade sócio-inclusiva, a formação docente, a qualidade do ensino-aprendizagem,

as condições físicas, o ambiente, o intercâmbio institucional, as atividades extracurriculares, a

participação da família e a preparação para o mercado de trabalho.

Mas, afinal, quais seriam os paradigmas que sugerimos para a escola rediscutir o

quadro de sujeição aos conteúdos, privilegiando o prazer no aprendizado? A escola

retrógrada não pretende responder imediatamente a esta pergunta. Ela é a terceira categoria

analítica de nosso estudo.

Escola retrógrada – Há alguns anos Rubem Alves vem causando surpresa ao

comentar com entusiasmo os desafios de nossas escolas. Sua pedagogia lúdica é oposta ao

modelo tradicional e científico (SCOFANO, 2002). Prova disso, é que Alves (2004c, p. 32)

defende a adoção de um sorteio para o fim de “uma das maiores pragas da educação

brasileira”: o vestibular. Ele recorre a metáforas para questionar o cotidiano das instituições

escolares e das práticas docentes automatizadas. _______________ 35 Como encontrar o Colégio Ideal, Revista O Globo, 29/08/04, por Lílian Fernandes e Ruben Berta.

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Nos últimos anos, não seria exagerado afirmar que o interesse renovado por educação

foi sobremaneira atualizado graças à publicação de seus textos na imprensa. Entretanto, não é

difícil perceber como a popularização de suas idéias ainda causa perplexidade no campo das

“ciências da educação”. Em uma de suas crônicas mais contundentes, “Gaiolas ou Asas”,

Alves (2002a) diz que “escolas que são asas não amam pássaros engaiolados (...) O que elas

amam são os pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem de voar. Ensinar o vôo,

isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser

ensinado. Só pode ser encorajado”. E, comenta o sofrimento das professoras nas escolas

periféricas:

“O que elas contam são relatos de horror e medo. Balbúrdia, gritaria, desrespeito, ofensas, ameaças... E elas, timidamente, pedindo silêncio, tentando fazer as coisas que a burocracia determina que sejam feitas: dar o programa, fazer avaliações... Ouvindo seus relatos, vi uma jaula cheia de tigres famintos, dentes arreganhados, garras à mostra – e as domadoras com seus chicotes, fazendo ameaças fracas demais para a força dos tigres... Sentir alegria ao sair de casa para ir a escola? Ter prazer em ensinar? Amar os alunos? O seu sonho é livrar-se de tudo aquilo. Mas não podem. A porta de ferro que fecha os tigres é a mesma porta que as fecha junto com os tigres”.

Ao concluir, ele propõe um pensamento educacional que agregue utilidade e prazer:

“Ferramentas são conhecimentos que nos permitem resolver os problemas vitais do dia-a-dia. ”Brinquedos” são todas aquelas coisas que, não tendo nenhuma utilidade como ferramentas, dão prazer e alegria à alma. (...).

Ferramentas e brinquedos não são gaiolas. São asas. Ferramentas me

permitem voar pelos caminhos do mundo. Brinquedos me permitem voar pelos caminhos da alma. Quem está aprendendo ferramentas e brinquedos está aprendendo liberdade, não fica violento. Fica alegre, vendo as asas crescerem... Assim, todos professor, ao ensinar, teria que perguntar: “Isso que vou ensinar é ferramenta? É brinquedo?”. Se não for, é melhor deixar de lado”.

Assim como em “Gaiolas ou Asas”, o recado de Rubem Alves (2003a) em “Quero

uma Escola Retrógrada” é uma alusão ao nosso sistema de ensino. Quando o texto propõe um

modelo medieval escolar, na verdade, temos uma constatação na leve ironia do autor. Nossas

instituições de ensino se assemelham cada vez mais a fábricas e estão produzindo seres

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homogêneos, “unidades biopsicológicas móveis, portadoras de conhecimentos e habilidades”.

Qual seria a saída?

“Abandonar a linha de montagem de fábrica como modelo para a escola e, andando mais para trás, tomar o modelo medieval da oficina do artesão como modelo para a escola. O mestre-artesão não determinava como deveria ser o objeto a ser produzido pelo aprendiz. Os aprendizes, todos juntos, iam fazendo cada um a sua coisa. Eles não tinham de reproduzir um objeto ideal escolhido pelo mestre. O mestre estava a serviço dos aprendizes e não os aprendizes a serviço do mestre. O mestre ficava andando na oficina, dando uma sugestão aqui, outra ali, mostrando o que não ficara bem, mostrando o que fazer para ficar melhor (o modelo maravilhoso de “avaliação”). Trabalho duro, fazer e refazer. Mas os aprendizes trabalham sem que seja preciso que alguém lhes diga que devem trabalhar. Trabalham com concentração e alegria, inteligência e emoção de mãos dadas. Isso sempre acontece quando se está tentando produzir o próprio rosto (e não o rosto de um outro). Ao final, terminando o trabalho, o aprendiz sorri feliz, admirando o objeto produzido.

O trecho acima pode parecer uma utopia. Puro engano. Rubem Alves encontrou a

escola dos seus sonhos. É difícil descrever o seu encantamento em Vila Nova de Famalicão,

Portugal. O motivo? A Escola da Ponte, segundo Alves (2003a), rompe com as “gaiolas da

educação”: é como um koan dos Mestres Zen. Eles evocavam grandes máximas sobre o que

os seus discípulos imaginavam saber. O mesmo impacto de revelação – satori –, na visita à

escola dos seus sonhos, o educador deseja aos professores: “Que eles desaprendam as

montanhas de teorias que são comumente despejadas sobre eles”.

Na escola de Vila Nova de Famalicão, do Professor José Pacheco, as aulas são

realizadas em pequenos grupos. Os alunos são estimulados ao trabalho comunitário. A

experiência do saber vivido e o jogo lúdico são as grandes ferramentas educacionais. Os

programas foram substituídos por projetos envolvendo as disciplinas curriculares com os

temas geradores. Não há espaço para a indisciplina; os conteúdos direcionados para o

vestibular foram abolidos. Definitivamente, a Escola da Ponte é um espaço de

aprendizagem solidária.

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3 O CASO MARIO QUINTANA

Nosso ponto de partida é a localização do CEMQ: os dados obtidos na descrição do

contexto educacional, nos questionários, nas observações e na análise visual complementam o

desdobramento da entrevista conceitual.

3.1 O complexo e o colégio

Na região do Rio Comprido, duas intervenções urbanas comprovam o acesso facilitado

ao complexo presidiário: o elevado Paulo de Frontin e o túnel Santa Bárbara. Há ainda duas

estações de metrô: Praça Onze e Estácio. Em seus arredores, encontramos uma nítida

impressão de vazio demográfico, mesmo com a gradativa ocupação empresarial da Avenida

Presidente Vargas. Em oposição ao fluxo comercial, o crescente desinteresse pela região36 é

notório.

Por outro lado, o número de favelas adjacentes à construção aumenta. As organizações

criminosas que disputam o narcotráfico nos morros também estão infiltradas no Complexo

Frei Caneca. Embora separadas nas unidades penais, as facções constituem uma ameaça à

segurança37. A vulnerabilidade é minimizada pela presença do I Batalhão de Polícia Militar e

a sede do Serviço de Operações Especiais da SEAP. Assim, a desvalorização simbólica e

material de áreas centrais da cidade do Rio de Janeiro é agravada, sobretudo no Estácio, pela

existência de um conjunto penal, cuja população carcerária cresce a cada ano: _______________ 36 Fonte: Anuário Estatístico da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Instituto Pereira Passos (2000). Esta publicação mostra dados sobre a população carcerária do RJ e aponta a III Região Administrativa do Rio Comprido englobando os bairros do Catumbi, Cidade Nova e Estácio. Entre 1970 e 1996 houve um decréscimo superior a dez mil habitantes residentes nesta área que possui um total de treze favelas. 37 Ver, o artigo; “Tráfico: chame o vigia!”. Revista Inteligência. Ano II. n.º 28. Março de 2005. César Caldeira sugere que a atual política penitenciária estadual acredita que os presos não serão resgatados quando o morro vizinho ao complexo é controlado por uma facção criminosa rival.

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Tabela 5 - População carcerária do RJ (1995 – 1998) 36

Ano 1995 1996 1997 1998 Total 11 793 12 311 12 365 12 576

Frei Caneca 1 849 1 932 1 944 1974 LB 502 526 528 533

Para Foucault (2001) o panóptico é uma estratégia de observação do poder

institucional. A Casa de Correção38 do Rio de Janeiro, criada em 1850 pelo Império, seguiu

este modelo arquitetônico (Figura 1). Ao atravessar os seus muros, entendia-se que os

egressos retornariam à sociedade, capacitados profissionalmente.

O primeiro raio do edifício, cujo projeto original encontra-se inacabado, foi ocupado

pela atual Casa de Custódia Milton Dias Moreira. Na década de 1950, a Casa de Correção

passou a denominar-se Penitenciária do Distrito Federal. Mais tarde, houve nova troca de

nome: Instituto Penal Lemos Brito (LB). Ao longo dos anos, um hospital, um manicômio

judiciário e outros três presídios anexaram-se aos dois prédios principais (Figura 2).

Figura 1 Figura 2 _______________ 38 Disponível em http://www.seap.rj.gov.br/esc/hist/casa_correcao_hist.htm. Acesso em 31 de outubro de 2003.

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Em 2003, iniciou-se a demolição do complexo de sessenta e quatro mil metros

quadrados. Pretendia-se, através de uma parceria entre os governos municipal e estadual, a

construção de um condomínio residencial39. Mas o instável quadro político fluminense

interrompeu a transferência da Frei Caneca para outro local.

Em paralelo, a massa carcerária do Estado ultrapassou vinte mil presos. Ela é

eminentemente jovem e não-branca (negros e pardos). Tal característica persiste como fruto

da tradicional associação entre cor e criminalidade, conforme a análise de Ribeiro (1995)

sobre o Poder Judiciário:

Tabela 6 - População carcerária do RJ por grupos de idade e cor (1998) 36

Idade e cor

18-25

26-30

31-35 36-40

41-46

46 ou mais

Sem informação

Branca Parda Negra Sem informação

Total 1257 6985 2176 345 576 68 50 3779 4125 2863 689 Frei Caneca

216 1197 374 58 98 10 12 648 707 490 120

LB 59 325 101 15 27 3 3 176 192 133 32

A LB é uma unidade de segurança máxima. A maioria dos seiscentos internos praticou

crimes hediondos40 e por isso tem longas penalidades a cumprir. Às sete horas da manhã as

celas são abertas para o café da manhã e existe uma relativa circulação. Os prisioneiros

podem freqüentar a biblioteca da seção educacional, a assistência médico-jurídica, cursos de

informática, cultos religiosos e atividades esportivas. O trabalho é oferecido por uma oficina

mecânica, uma fábrica de móveis, uma padaria e uma oficina de reciclagem de papel.

Também existem aulas de teatro, trabalhos artesanais e visitação de estudantes universitários.

Os cubículos individuais estão divididos em três pavilhões. Um maior número das celas de

seis metros quadrados possui eletrodomésticos adquiridos pelos internos. A contagem do

efetivo, o “confere”, é realizada diariamente pelos agentes de plantão.

_______________

39 Plano de demolição: penitenciária vai dar lugar a condomínio. Revista Veja Rio, 30 de abril de 2003.

40 Latrocínio; extorsão qualificada pela morte ou mediante seqüestro; estupro; atentado violento ao pudor; epidemia com resultado mortal; envenenamento de água potável ou substância alimentar ou medicinal qualificado pela morte e genocídio.

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Pela baixa quantidade de conflitos, a unidade é considerada “segura”. Outras

particularidades a tornam emblemática. Na década de 1960, a unidade abrigou uma oficina

gráfica. No final dos anos setenta houve uma grande rebelião na qual também participaram

presos políticos. No mesmo local, em 1981, o cantor Jards Macalé apresentou-se em benefício

da União Nacional dos Estudantes. Oito anos depois, criou-se o Instituto de Cultura e

Consciência Negra Nelson Mandela. A penitenciária também foi cogitada para uma

experiência piloto no início da década de noventa: o conselho de gestão participativa (Velho

& Alvito, 2000). Em 2003, presenciamos a pintura dos corredores para a gravação do longa-

metragem “Quase Dois Irmãos”, de Lucia Murat. 41

Invariavelmente, a rotina prisional interfere no cotidiano da instituição escolar. O

primeiro impacto refere-se aos conflitos entre internos e guardas42. Outros fatores também

foram apontados na pesquisa: a incompreensão e a burocracia institucional, o estresse e a

evasão escolar em favor do trabalho.

- “Eles (professores) ouvem piadas de guardas” (A – aluno-interno).

- “Você tem que solicitar permissão pra tudo que você quer realizar que não seja rotineiro!” (Prof.ª H.).

- “Temos dificuldades de concentração por causa dos problemas familiares ou jurídicos” (M – aluno-interno).

- “Os horários de trabalho e funções que eles têm lá atrapalham o horário da escola” (Prof.ª D.).

Existem mais semelhanças ou mais diferenças entre os espaços escolar e prisional? A

esmagadora maioria afirmou que o colégio é diferente do restante da prisão, embora este

ainda seja considerado pelos guardas como mais um setor da unidade. Para os alunos, ali, eles

seriam tratados como “gente”. _______________

41 Nacionalidade de verdade e de mentira: a emancipação da telefônica foi o nome do livro de Carlos Lacerda impresso nesta oficina em 1961. A página eletrônica www.brazilianmusic.com.br/macale/sr_8085.html, acessada em 08/11/2003 detalha este show musical. O fundador do Instituto, José Carlos Brasileiro, já representou os presos brasileiros em conferências internacionais sobre o racismo (Jornal O Dia, 22/09/02).

42 Internos protestam na LB. Jornal O Dia, 26/6/03; “Um grupo de detentos do presídio Lemos Brito, no Complexo Frei Caneca, fez um protesto ontem de manhã contra resolução do DESIPE que restringe os objetos pessoais nas celas. Os presos iniciaram greve de fome e se recusaram a participar das oficinas. O policiamento foi reforçado”.

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O status da instituição escolar foi comparado ao da igreja evangélica43. Afinal, a

atividade escolar é desenvolvida pela SEE e não pela SEAP. Mas os professores não

apontaram o relacionamento amigável como fator de distinção. Para eles, o aluno é mais

“entusiasmado”. A remissão seria um fator de estímulo e a escola, uma “válvula de escape”.

No colégio, os internos teriam a chance de reconquistar a sua cidadania. Nas palavras de um

dos docentes: “Nós, professores, e a direção principalmente, tentamos criar um ambiente igual

a qualquer outra escola boa fora da cadeia”.

Diante desse comentário, reformularmos a questão anterior: quais seriam as diferenças e

as semelhanças entre o CEMQ e uma escola voltada para a educação de adultos fora da

prisão?

Vejamos alguns depoimentos. “O aluno, ele é aluno em qualquer lugar”. Para os

docentes não haveria diferenças de conteúdos, embora os currículos ainda não tenham sido

adaptados à clientela. “Esse adulto já vivia uma experiência infeliz e hoje traça seus novos

horizontes, mas continua com a mesma expectativa e busca do aluno de uma escola comum”.

Que expectativa? Uma professora lembrou que “todos os professores têm o

compromisso de levar a mesma formação, haja vista o resultado do vestibular, em que muitos

alunos internos são aprovados”. O impedimento comparativo pela falência na educação

noturna ou inexperiência “extra-muros” não induz a um fatalismo: “Em algumas situações, eu

até vejo a escola de presídio, a escola diferenciada, numa posição melhor que a escola daqui

de fora. A apresentação da escola, o cuidado com a escola...” Contudo, prevaleceram duas

diferenças: a valorização do professor e a qualidade do trabalho pedagógico,

indiscutivelmente associada ao reduzido número de alunos-internos nas salas:

- “Há várias atividades aplicáveis a turmas de adultos na prisão que são praticamente impossíveis em outros grupos. A principal razão para esse fato é que o quantitativo de alunos na prisão é menor; uma média de quinze alunos em sala” (Prof.ª Z).

- “Quanto à questão do tratamento, eu percebo um respeito maior pela figura do professor lá dentro. É a valorização do nosso trabalho” (Prof. I).

_______________

43 Sobre a atuação de evangélicos e católicos no sistema penal do Rio de Janeiro, ver, entre outros; Lobo (2002).

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Os alunos-internos enfatizaram as diferenças, especialmente, no “acompanhamento dos

professores”, tornando o colégio uma “referência” pelo “ensino mais eficaz”: “Lá fora não é

possível esse retorno aluno-professor, que aqui é maior” (Aluno-interno J).

Um único informante declarou o ensino como “abaixo da média”. Outras críticas não

foram esquecidas:

- “Não tem recreio. Eu pertenço mais à série do que ao grupo da escola” (E – aluno-interno).

- “Exemplos da diferença: cisma do professor novo, limitação do funcionamento da escola e autorização para filmes” (R – aluno-interno).

3.1. O contexto educacional

Passaremos a contextualizar o ambiente escolar do colégio tomando como base as

considerações de Bogdan & Biklen (1994).

O CEMQ, fundado em 1968, é a primeira escola de presídio implementada após o

convênio entre as áreas de justiça e educação do Estado do Rio de Janeiro. Em 2002, auge da

expansão do ensino médio, o colégio chegou a possuir anexos em outros dois presídios do

complexo. Para ter acesso à unidade escolar, ultrapassamos a portaria central. A entrada é

autorizada através de uma lista encaminhada pela direção da LB. Após a revista acompanhada

por um detector de metais, a roleta nos guia ao pátio interno, de onde avistamos as unidades.

Nova checagem é realizada na entrada da LB. Após o “controle”, uma bifurcação.

Uma escada dá acesso aos setores administrativos da unidade: sala da direção e refeitório. Um

portão segue para um corredor pintado de verde. Do lado direito temos a passagem que

conduz ao hospital, a sala do serviço social, uma pequena cela e o auditório. Do lado oposto:

salas de segurança, Defensoria Pública, artesanato e de uma entidade não-governamental.

Mais adiante há uma última divisória gradeada entre estes setores e um longo corredor

principal. Na parede à esquerda deste caminho de cem metros que une o pátio, a quadra de

esportes, os dois ranchos, as oficinas, uma capela, uma sala compartilhada por várias igrejas

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evangélicas e a biblioteca, encontramos um letreiro: “Colégio Estadual Mario Quintana.

Ensino Fundamental e Médio”.

No final do corredor, uma pintura44 exibe um envelhecido retrato do poeta. Abaixo da

entrada, foi pintada uma frase atribuída a Leonardo da Vinci: “A maior conquista do homem é

a sua capacidade de aprender”. O pórtico é uma referência constante para a transformação na

vida do aluno-interno:

- “Os detentos respeitam a escola como lugar para estudar. O portão da escola é passagem para rua. É outra vida, é outra conversa” (J – aluno-interno). - “Quando ele passa pela porta de entrada, eu acho que todo mundo sabe disso... Ele não tem cidadania. (...) A cor é outra, tudo! O cheiro... tudo, tudo!” (Prof. N.).

Mofo, infiltrações e mosquitos denunciam o abandono geral do prédio centenário. A

instituição escolar possui instalações improvisadas em uma galeria. No lugar de janelas, as

grades não regulam invernos e verões rigorosos das oito salas de aula. A cada ano letivo, são

no máximo quinze turmas de educação básica. Uma pia e um bebedouro estão posicionados

ao lado da secretaria. Próximo ao balcão de informações, alguns cartazes indicam a proibição

de empréstimo de livros ou de instrumentos musicais. Não existe banheiro destinado aos

alunos-internos. Nas salas e murais estão expostos os trabalhos discentes. Na última Copa do

Mundo, permitiu-se a decoração do ambiente (Figura 3). Mesmo assim, mesas e paredes não

apresentam uma única pichação. O território privativo aos professores, faxinas e funcionários

é composto pelas dependências da direção, cozinha, banheiro e sala de reuniões (Figura 4).

O equipamento audiovisual – televisão45, vídeo-cassete e compact disc – está guardado

na última acomodação e, excepcionalmente, quando da exibição de vídeos, a turma pode

adentrar no recinto. Dependendo do assunto da fita ou dvd, a autorização exige uma demorada

interlocução entre as direções do colégio e da instituição penal. A sala foi reformada há três

_______________

44 O Jornal Folha de São Paulo (20/08/02) registrou o depoimento do seu autor, Joaquim Luiz Cunha; “Na escola, aprendemos muitas coisas positivas, que me fizeram pintar um mundo bonito”. 45 No artigo “História na Prisão”, André Roseira comenta sua experiência docente em uma escola de presídio do Rio de Janeiro. Para diminuir a resistência às aulas tradicionais caminhou-se para exibição de filmes e debates sobre a realidade dos alunos: a violência policial, as facções criminosas e a intolerância religiosa. Revista de História. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional. Ano I, n.º 1, Julho 2005.

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anos com o intuito de receber as instalações de um laboratório de informática. No entanto,

remeteram-se os computadores do governo federal para um estabelecimento escolar de nome

homônimo. O equívoco perdurou e o espaço ainda é utilizado como “sala de reuniões”.

Figura 3 Figura 4

O corpo docente e o pessoal auxiliar não dividem o lugar da refeição com os alunos-

internos. O primeiro grupo almoça no refeitório destinado à equipe de agentes. O segundo

aguarda a comida do rancho. Alguns internos preferem esperar as aulas da tarde almoçando

no interior do colégio. No entanto, um único momento de alimentação pode ser

compartilhado: um lanche é oferecido aos estudantes e professores, interrompendo por alguns

minutos as aulas nos turnos da manhã e da tarde. Os alunos-internos permanecem em sala

sentados; é um breve intervalo. A alternativa ao lanche escolar custa caro. Os produtos

vendidos na cantina do pátio são três vezes mais caros do que os preços de mercado.

De maneira geral, o colégio tem má reputação externa. Isso encobre uma visão de

suposto alheamento dos professores atuantes em escolas de presídios. Este ponto de vista é

continuamente rechaçado pela direção do CEMQ: “Quando eu vejo que o professor está

achando que aqui é cabide de emprego eu dou um carrinho”46. _______________

46 O “carrinho” é a transferência do professor para outra unidade escolar. In: FORMATURA do ensino médio do CEMQ 2002. Produção de Elionaldo Fernandes Julião. Rio de Janeiro: 2002. 1 fita de vídeo (?min.), VHS, son., color.

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No entanto, a avaliação externa anual da SEE parece corroborar esse julgamento

negativo. Em 2005, o resultado não foi diferente. Desde a criação do “Nova Escola”, o

colégio vem integrando o ranking dos estabelecimentos menos conceituados da rede estadual.

A equipe docente tem apoiado a insatisfação pública da diretora e ambos contestam os

indicadores do programa47. A avaliação ignoraria as especificidades das “escolas

diferenciadas”, submetendo os professores a um permanente desestímulo: o pagamento da

mais baixa gratificação em seus salários.

Mas os documentos internos compactuam com a avaliação externa? Ao consultarmos

o Projeto Político-Pedagógico (2002), muito se comenta a respeito da limpeza, recursos

humanos, gestão escolar ou de uma biblioteca que, na prática, é uma inacessível estante.

Porém a falta de unidade transparece. É como se cada ação proposta envolvesse apenas um

pequeno grupo de professores. Enquanto docente de educação artística, testemunhamos o

quanto a atualização anual do texto representava apenas mais uma rotina no planejamento

inicial. Um comentário final atesta essa obrigação: “O projeto político-pedagógico se justifica

pelo fato de o Ministério da Educação e Cultura, através das Secretarias Estaduais, pretender

realizar um redimensionamento da Educação, necessário para o desenvolvimento e

crescimento do país”. Mas a superficialidade não dominou as entrevistas. Os professores e

alunos-internos sugeriram mudanças e aqui agrupamos as suas idéias:

– Debater propostas para o conhecimento das distintas realidades de professores e

funcionários, buscando a compreensão da guarda em relação ao papel docente;

– Integrar as instâncias judiciárias e educacionais, visando facilitar o trabalho dos

professores e o maior esclarecimento dos alunos-internos sobre a remissão;

_______________

47 Educadores fazem críticas à avaliação. Jornal Extra, 19/03/05; “Disseram que para escolas de presídio haveria outros critérios, mas vejo que não houve. Minha evasão é muito grande, porque os internos são transferidos – explica a diretora do Mario Quintanta”. As estatísticas do CEMQ são comparadas com as médias de EJA da rede estadual e em nenhum momento menciona-se o seu pertencimento a Coordenação de Escolas Diferenciadas; ver, Relatório de Avaliação Externa do Programa Nova Escola. RJ: SEE / CESGRANRIO, 2003.

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– Capacitar guardas em relação ao funcionamento das escolas e estabelecer normas

para os professores que queiram trabalhar em presídios, oferecendo dinâmicas, estágios e

incentivos que compensem o risco de vida;

– Conscientizar os internos e as direções das unidades penais sobre a importância das

escolas, realizando reuniões e campanhas de matrículas; disponibilizar cursos

profissionalizantes, palestras sobre temas da atualidade, atividades artísticas, aulas de

informática e apoio psicológico;

– Equacionar os horários da escola e do trabalho, definindo ou não a obrigatoriedade

das atividades educacionais, e impedir que as punições disciplinares aos internos prejudiquem

o comparecimento à escola;

– Ampliar a rede escolar em presídios e igualar a sua infra-estrutura com a das escolas

“extra-muros”, estimulando a autonomia dos seus diretores;

– Favorecer o interno interessado pela escola e aquele que trabalhe; resgatar a

memória dos ex-alunos; priorizar o grau de instrução na seleção dos faxinas escolares; manter

o clima de respeito entre estudantes e professores.

Essas sugestões não exibem uma reflexão anteriormente conjeturada no diagnóstico da

realidade escolar.

O projeto político-pedagógico debruçou-se na vida do detento antes de seu ingresso no

sistema penitenciário. No documento, a busca da humanização motivaria a procura do interno

pelo estabelecimento escolar. A proposta reabilitadora admite a insuficiência de referências

teóricas no atendimento a uma clientela tão específica. No perfil social, constatou-se a

desagregação familiar e a ocupação de parentes dos alunos-internos em atividades que

independem de escolaridade.

Seguindo outro viés, buscamos mapear o entendimento dos familiares de professores e

alunos-internos sobre o CEMQ.

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Há uma inversão de expectativas. Maridos ou filhos apóiam a iniciativa do trabalho

docente prisional sempre com uma grande resistência. Poucos professores têm uma família

que veja com orgulho a escolha, encarando a situação de “cabeça aberta”.

Do lado dos alunos-internos, um pequeno grupo destacou a participação efetiva dos

familiares. Os pais, ajudando nas tarefas escolares dos seus filhos recebem acompanhamento

nas atividades educacionais. “O Dia da Família na Escola”, atividade proposta pelo MEC em

2002, foi lembrada como uma experiência merecedora de continuidade:

- “Olha, eu vou lá há seis anos (...) Mas agora eles já estão aceitando, já estão entendendo (Prof.ª H.)”.

- “Minha filha diz para minha mãe que vem me visitar: vó, pergunta para meu pai se ele está estudando?” (A – aluno-interno)

- “De ir, não se importa que eu vá e tudo, mas ele (meu marido) tem resistência” (Prof.ª A).

- “Minha mãe me incentiva desde a escola de rua. Ajudei meus sobrinhos que tinham dificuldades em matemática. No dia da família na escola em 2002 não vou esquecer da escola com professores, alunos e família” (W – aluno-interno).

Diante da resistência das famílias, quais circunstâncias levaram os professores a

trabalhar em um presídio? No momento em que uma geração de mestres convive com a

perigosa rotina das escolas brasileiras48, a relação custo-benefício levada ao extremo. A

fragilidade do complexo é superior à inexistente proteção na maioria das escolas públicas.

Como sabemos, ao final da década de oitenta os conflitos na rede municipal do Rio de Janeiro

tornaram-se exemplares: ameaças de alunos, depredações, invasões de grupos armados e

brigas entre grupos de jovens rivais (GUIMARÃES; 1998).

Em oposição, a severa institucionalização não comporta distúrbios disciplinares no

CEMQ. Ao contrário das escolas “de rua”, a licenciosidade não é tolerada pelos próprios

alunos-internos. Além disso, independente de sua vinculação com a SEE, o professor é uma

figura reverenciada. No projeto político-pedagógico encontramos esta frase: “eles (os alunos)

têm um comportamento disciplinar excelente e um profundo respeito pelos profissionais da _______________

48 Segundo pesquisa da Organização das Nações Unidas para a Educação (UNESCO); Violência prejudica o rendimento escolar, Jornal O Globo, 24/3/02.

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escola”. Então, enquanto professor-pesquisador, comumente ouvíamos a seguinte frase

esotérica: “Aqui é mais seguro do que uma escola de rua”. Todavia, com o gravador ligado,

apenas uma professora alegou esta conveniência: “Eu estava muito preocupada em pegar

escolas perigosas, você está dando aula e tem que sair correndo com tiro atrás”. O discurso

dos professores ofereceu um leque diversificado de explicações: o engajamento pessoal; o

acaso; a fácil localização ou a mera conciliação de horários.

O colégio como local “seguro” guarda uma conotação diferente na exposição de um

dos alunos-internos: “Procurei refúgio na escola para sair da rotina e mudar minha vida

através da cultura, leituras, maiores possibilidades”. A maior parte dos depoimentos restantes

não segue esta justificativa. O convite de um professor, a indicação de outro detento ou a

meditação sobre a importância do estudo justificaram a matrícula no colégio.

Esse fato evidencia outras particularidades da realidade prisional. Diante da omissão

da SEE, improvisou-se uma merendeira contratada, exercendo também as funções de

secretária, e três faxinas realizando serviços de informática, copa e limpeza. Os internos são

escolhidos por critérios subjetivos e não têm qualquer tipo de treinamento para o trabalho. No

atual modelo, conta-se com a sorte:

- “Ele avisou aos que estavam querendo brigar, não chegaram a se atracar, mas querendo brigar... E ele conseguiu apaziguar e tal e aí um lá disse: o cara é bandido. Não, mas todo mundo é bandido aqui, está todo mundo preso! (...) Então eles comentaram: o professor está chegando e tal, vocês querem passar essa idéia para o professor? Aí pediram muitas desculpas e tal...” (Prof. I) - “Eu costumo sempre lembrar do Arley que era um funcionário nosso lá na escola. Eu gostava muito dele, sentia que ele gostava de mim, foi quem me ajudou bastante no início... Foi dando dicas de como me portar... porque ali dentro tem todo um código” (Prof. A).

Ainda em relação à estrutura organizacional, costumeiramente atribui-se a orientação

pedagógica a algum membro da equipe docente. A sobrecarga de atribuições traz como

conseqüência a necessidade da direção de recorrer à ajuda dos professores na compra de

materiais, redação de correspondências e lançamento de registros escolares.

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Esse expediente, em parte, legitima a representação da diretora, porque

inexplicavelmente não existe consulta para o cargo de gestão escolar. Se o preso não tem

direito ao voto, por que os professores não podem eleger o seu representante? Canal de

participação, o colégio já possui: o conselho de classe. Nele, alunos-internos e professores

têm a oportunidade de trocar experiências:

- “... trabalhar na Mario Quintana eu acho muito legal e fascinante. Os alunos de cada turma participam do conselho de classe. Por isso que eu falo que existe essa democracia, entendeu? Porque em outros lugares em que eu trabalhei... aluno? Fica lá fora. Então o que é legal é isso, os alunos participarem. Cada aluno representante de cada turma, junto com os professores, sentados em círculo. E é legal porque eles fazem elogio e tudo, mas eles também têm espaço, né? para criticar quando necessário” (Prof.ª E.).

As eleições nas escolas de presídio não corresponderiam a uma injustiça aos esforços

dos pioneiros gestores das escolas de presídio. No entanto, a abertura política da escola

pública impõe-se como uma tarefa permanente nas sociedades democráticas. No caso da atual

direção do CEMQ, o pleito apenas confirmaria o seu natural carisma:

- “A direção da Escola Mario Quintana busca dar qualidade ao ensino, de tal forma que ela é equiparada a uma escola comum, externa, da rede...” (Prof. I.).

- “Lá na escola eu gosto muito... Eu acho que a nossa gestora lá, ela tem um perfil assim muito adequado para aquela unidade” (Prof.ª E.).

A diretora atua desde 1968 no colégio e há treze anos foi para esse cargo. Em maio do

ano passado, o hospital penitenciário do complexo criou uma biblioteca que leva o seu nome.

A sua receptividade junto à atual administração prisional é a nova aposta para a solução de

um antigo problema. Há mais de dez anos os professores tentam obter uma gratificação de

periculosidade49. Para o pagamento do abono, muito já foi feito: abaixo-assinado, comissão

executiva, abertura de processo administrativo e aproximação com o Poder Legislativo. Ante

as sucessivas negativas, a luta foi provisoriamente esquecida. _______________

49 O decreto 15.186, publicado no Diário Oficial do Estado em 27/07/90 concede gratificação de difícil acesso para escolas localizadas em morros, afastadas por longas distâncias e com limitação de transportes públicos. Anos depois, a rebelião na Casa de Custódia de Benfica (2004), desdobrou-se na hipótese do pagamento de abono aos professores lotados em escolas próximas a estabelecimentos prisionais, o que foi prontamente negado em nota de esclarecimento: “As gratificações concedidas pela SEE baseiam-se em critérios de avaliação e desempenho desenvolvidos dentro do Programa Nova Escola” (www.see.rj.gov.br, acessada em 12/07/04).

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O debate tomou fôlego com o recrudescimento da administração prisional fluminense.

A política de endurecimento50 não poupou o CEMQ: as restrições aos eventos pedagógicos

retomaram a mobilização. No início de 2005, houve nova interferência: a direção da LB

impôs ao efetivo carcerário a obrigatoriedade da freqüência escolar. Como sabemos, a

assistência educacional é preconizada pela LEP. Interessa discutirmos a truculência: não

houve consulta prévia aos professores e os internos descontentes com a medida foram

ameaçados de transferência para uma unidade penal de menores “regalias”.

- “A diferença da rede pública é a obrigação: aqui o aluno sai do convívio interessado em participar, sair da mesmice” (A – aluno-interno).

- “Eu achei um tanto quanto arbitrário mas nessas primeiras aulas o que eu percebi: a escola cheia, as pessoas que vieram talvez por não terem motivação” (Prof.ª A).

Diante de tais circunstâncias, qual é a auto-imagem da comunidade escolar em uma

instituição penal? A partir das entrevistas, condensamos as respostas de alunos-internos e

professores:

- Vejo-me bem pelo círculo de amizades porque o colégio é o lugar ideal dentro do

presídio. Quando cheguei, primeiro senti inibição e depois recuperei minha auto-estima. Sou

um ser humano como qualquer outro, posso cometer erros, me redimir e obter progressos nos

estudos. Tenho o apoio do professores, eles são quase psicólogos: a escola muda a rotina e

diminui o meu estresse através da descontração. Às vezes sou manipulado, mas me preparo

como qualquer aluno cumpridor de suas tarefas.

- Ao estimular a sua participação espontânea, o interno acredita que o colégio pode

ajudar no seu desenvolvimento pessoal. Sinto-me valorizado e premiado pelo interesse, a

vontade, o respeito e a ausência de problemas disciplinares. A cada instante recebo o retorno

imediato de sua transformação e isso é bom para a auto-estima. Compreender o interno e

reforçar a sua liberdade em sala de aula; esse é o segredo de uma postura humanitária. Não

sou um funcionário da SEAP; sou um professor da SEE. _______________ 50 Carnaval atrás das grades, Jornal O Povo, 8/02/02. O I Concurso de Fantasias do Sistema Penitenciário, realizado na LB, seria impensável nos dias de hoje. A prioridade é o investimento na segurança: SEAP completa dois anos e anuncia objetivos para 2005, Jornal O Sistema, março de 2005.

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A integração de professores e alunos perpassa fatos marcantes que dimensionam o

contexto educacional no Mario Quintana:

- Isso me chamou muita atenção, no que diz respeito à valoração do ato. O que tem valor para as pessoas lá dentro? Qual o conceito de ética e de uma série de coisas? Como se deve relativizar o que se entende por bom e por mal? (Prof. J.).

- Me marca sempre... Mas, saber... quando o primeiro aluno passou no vestibular. Isso para mim foi fantástico (Prof. N).

- A formatura foi uma passagem inesquecível: a imprensa, o RJ-TV, a família reunida, o Secretário de educação presente (A – aluno-interno).

- Eu acho que é o dia-a-dia, tá? Cada dia é uma coisa nova acontecendo e gostosa! (...) Agora, tem negativas, tem! De revista... Aqueles alunos durante muito tempo... que voltam queimados de ficar no sol (Prof.ª A).

- Logo depois, percebi que eles gritavam: “Liberdade! Liberdade! Liberdade!”. Eles simplesmente estavam comemorando a saída de um dos presos para a liberdade. Ele era meu aluno e chorando de emoção foi tremendo até a porta da sala se despedir de mim (Prof.ª C).

- Foi o festival de música, a feira da cultura, a interação com os professores nos eventos e a convivência. O lançamento do livro neste ano (J – aluno-interno).

- Eu estava dando aula quando soou o alarme. E o interno veio correndo para me avisar... que... era melhor eu ir para a secretaria. Porque tinha um problema sério lá fora. E ele veio me avisar e quando ele foi subir, voltou para o cubículo dele, subiu a escada, ele morreu! Levou um tiro e morreu (Prof. S.).

- A questão da demolição da cadeia em 2003. Tristeza, apoio aos colegas, aos professores. A escola faz parte da nossa vida (W – aluno-interno).

- Aí eu voltei, o abracei e conversei com ele. Aí ele falou assim: “Professor, você tem todos os problemas do mundo. Nós também temos. Só que tem uma coisa: você é um homem livre, pode correr atrás deles”. Olha, bicho, nós aprendemos com os nossos alunos. Nesse dia eu tomei mais uma lição de vida (Prof. O).

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3.3 A comunidade escolar

O questionário

Para a caracterização da comunidade escolar, elaboramos dois questionários mistos

com perguntas abertas e de múltipla escolha. Para cada grupo buscou-se alcançar o maior

número de sujeitos no CEMQ, objetivando a triagem daqueles que participariam da segunda

etapa da pesquisa: a entrevista. Os dados obtidos entre os alunos-internos traçaram um perfil

sócio-educacional enquanto as informações dos professores alcançaram o propósito inicial de

sondagem, como veremos a seguir:

O professor

Dos professores consultados, quase dois terços são do sexo feminino. O grupo é

predominantemente maduro; boa parte encontra-se na faixa de 40 a 59 anos de idade.

6% 12%

18%

24%6%

34%

20 a 2930 a 3940 a 4950 a 59Mais de 60Não informou

Gráfico 4 – Faixa etária dos professores

Fonte: Tabulação do autor da pesquisa

A inserção do professor-pesquisador na área de Linguagens justificou o maior número

de respondentes nas seguintes disciplinas: Língua Portuguesa, Inglês, Educação Física e

Educação Musical. Em segundo lugar ficaram os docentes de História, Geografia e

Sociologia.

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Tabela 7 – Área de atuação dos professores

Área Quantidade

Linguagens, Códigos e suas Tecnologias 6 Ciências Humanas e suas Tecnologias 5

Ciências da Natureza e suas Tecnologias 3 Ensino Fundamental (1.º segmento) 2

Ensino Religioso 1 Total 17

Onze deles estão trabalhando no colégio há menos de seis anos. No entanto, cinco

docentes acumulam mais de duas décadas de experiência no magistério. Muitos já exerceram

funções de diretor, agente cultural, coordenador pedagógico ou de projetos.

Tabela 8 – Tempo de serviço dos professores

Em anos No

magistério No CEMQ

1 – 5 1 11 6 – 10 5 3

11 – 15 2 - 15 – 20 2 - 20 – 25 1 -

Mais de 25 5 1 Não informou 1 2

Total 17 17

Como a rede estadual atende prioritariamente o ensino médio, metade tem formação

universitária e 24% cursou ou está concluindo pós-graduação lacto sensu (especialização).

6%

52%24%

18%

Magistério

Superior

Especialização

Mestrado

Gráfico 5 – Formação acadêmica docente

Fonte: Tabulação do autor da pesquisa

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Todos têm experiência com EJA. Quase metade somente conhece as especificidades

do CEMQ. O restante, além da experiência em penitenciárias, também já atuou ou atua nesta

modalidade de ensino em “escolas comuns”. Os docentes de longa trajetória no magistério,

embora tenham pouco tempo de serviço no colégio, são os que têm maior vivência com

adultos:

18%

12%

6%

6%12%

46%

1 – 5

6 – 10

11 – 15

16 – 20

Mais de 25

Não informou oununca atuou

Gráfico 6 – Tempo de atuação em EJA fora do CEMQ

Fonte: Tabulação do autor da pesquisa

Houve uma boa adesão ao trabalho de campo. Obviamente, a conduta de “participante

como observador” trouxe dúvidas em relação aos objetivos da pesquisa que foram superadas

favoravelmente. Dos vinte e quatro professores, dezessete responderam os questionários:

Tabela 9 – Como os docentes gostariam de participar da pesquisa

Questionários, entrevistas, reuniões ou depoimentos 8 Não opinou 6 Propondo alternativas curriculares ou projetos educativos 2 Gostaria de conhecer mais as possibilidades 1 Total 17

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O aluno-interno

Dos 73 alunos-internos respondentes do questionário; 46 eram do ensino fundamental,

21 integravam o ensino médio e 6 constituíam o grupo de ex-alunos de 2002/2003 (Tabela

10). Quase metade situava-se na faixa etária de 30 a 49 anos, uma diferença de dez anos em

relação à média de idade dos professores:

27%

21%3%

1%

34%14%

20 a 2930 a 3940 a 4950 a 59Mais de 60Não informou

Gráfico 7 – Faixa etária dos alunos-internos

Fonte: Tabulação do autor da pesquisa

Calculamos a aquisição de escolaridade através da comparação entre a “Série atual no

CEMQ” e “Última série cursada em liberdade”. O decréscimo de escolarização ocorreu

quando a última série concluída pelo aluno-interno antes de estudar na prisão foi superior à

atual série cursada no CEMQ em 2004:

Tabela 10 – Aquisição de escolaridade do aluno-interno

Escolaridade Fundamental 1 Fundamental 2 Médio Ex-aluno Total de alunos 0 7 4 3 1 15 1 1 3 4 0 8 2 1 2 4 2 9 3 1 3 2 3 9 4 0 3 2 0 5 5 0 1 1 0 2 6 0 0 2 0 2 7 0 0 1 0 1 Decréscimo 8 6 1 0 15 Não informou 4 2 1 0 7 Amostra 22 24 21 6 73

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O montante de trinta alunos sem ganho ou em decréscimo de escolaridade chama a

atenção: muitos, mesmo possuindo o ensino fundamental ou médio, refizeram os estudos.

Anteriormente, 48% estudaram em outra escola de presídio antes do ingresso no CEMQ. Na

época da aplicação do questionário, 85% da amostra estava matriculada há menos de dois

anos no colégio.

22%

24%19%

12%

7%7% 4%1%3%1%

Menos de 1 anoAté 1 anoAté 2 anosAté 3 anosAté 4 anosAté 5 anosAté 6 anosAté 7 anosAté 10 anosNão soube precisar

Gráfico 8 – Tempo de estudo do aluno-interno

Fonte: Tabulação do autor da pesquisa

O questionário também perguntou: “Além do CEMQ, participa ou já participou de

alguma outra atividade na penitenciária?” Além do colégio, na LB, os alunos-internos podem

envolver-se em várias ocupações, algo incomum na maioria das prisões brasileiras.

Tabela 11 – Atividades extra-classe do aluno-interno

Atividade Número de referências Participa ou já participou de:

Quantidade de alunos

Trabalho 51 Três atividades 19 Artesanato e teatro 44 Uma atividade 16 Cursos de informática 36 Duas atividades 11 Igrejas evangélicas 34 Quatro atividades 11 Atividades esportivas 28 Cinco atividades 8 Biblioteca ou poesia 9 Seis atividades 4 Outras atividades 9 Sete atividades 3 Pastoral penal católica 7 Oito atividades 1 Não mencionou 3 Total 73

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Com base no que foi visto, fica evidente o quanto estas opções apresentam

possibilidades eficazes para avaliar a visão do interno sobre a sua reintegração social. Quando

inquirido sobre o seu futuro, surgem três cenários marcantes (Gráfico 9). No primeiro, temos

a busca pelo mercado de trabalho. O aluno-interno presume que vai resgatar a sua dignidade

através do emprego, ainda que a notória reincidência criminal demonstre o contrário. Isso não

impede, em segundo lugar, um projeto de vida “favorável” ou “melhor” do que o atual

período de detenção. Uma terceira perspectiva é o prosseguimento das atividades escolares,

suprindo a necessidade do “querer aprender mais”. Fora do cárcere, ele se vê em um curso

técnico ou faculdade. A educação seria a garantia de um futuro melhor ao lado da família.

23%

8%

8%21%1%22%

5%

3%

7%

1%

1%

Trabalho

Religião

Família

Educação e cultura

Não respondeu

Favorável

O que importa é opresente

Correção moral

Incerto / dificuldades

Não sei

Outros

Gráfico 9 – Visão de futuro do aluno-interno

Fonte: Tabulação do autor da pesquisa

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Neste item, muitos compreenderam a pesquisa como uma chance de dividir os seus

problemas:

- “Eu vejo o meu futuro com esperança, pois eu tenho o apoio da minha família para recomeçar a minha vida em liberdade”.

- “Trabalhando no meu comércio de bijuterias artesanais”.

- “Uma vida digna e correta”.

- “Vou esperar sair para ver o que vai acontecer”.

- “Com esperança, embora viva o presente e procure ser feliz agora”.

- “Minha finalidade é fazer eletrônica. Estou me preparando, apesar da falta de apoio”.

- “O nosso futuro só pertence a Deus!”

- “Com muita dificuldade, devido à minha idade”.

Como dissemos, ao privilegiar um “grupo experiente” não contatamos os alunos-

internos que manifestaram o interesse pela entrevista. Assim, gostaríamos de frisar a

disponibilidade dos sujeitos que responderam o questionário:

Tabela 12 – Como os alunos-internos gostariam de participar

Referências Citações Ajudando o pesquisador 19 Colaborando da maneira solicitada 18 Não respondeu 7 Outros 7 Total 51

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3.4 Três conceitos e uma entrevista

As entrevistas empreenderam, na prática, um cotejo da pedagogia51 do gesto político-

poético junto a vinte e cinco sujeitos da comunidade escolar do CEMQ: quatorze professores

e onze alunos-internos (Apêndice C). Em se tratando de um estudo de caso exploratório, as

questões da investigação espelharam as categorias propostas no principal instrumento de

coleta de dados: a entrevista.

Tabela 13 – Relacionando questões e categorias

Questões de estudo Categorias Quais seriam as qualidades desejáveis para um professor-educador de adultos em uma escola de presídio?

Professor-educador de adultos

Como é possível estabelecer um diálogo professor-aluno, observando o contexto carcerário?

Educação dialógica

No presente e no passado, quais seriam as percepções de alunos e professores sobre o cotidiano das instituições escolares?

Escola retrógrada

A preocupação foi constatar quais as categorias de análise (BARDIN, 1970, p. 153)52

que apareceriam com maior freqüência em “expressões-sínteses”. Por conseguinte, o número

de determinadas sentenças propiciou a discussão do marco teórico escolhido. Nas tabelas a

seguir, estabelecemos o número de contagens correspondentes às expressões decodificadas

em cada pergunta e em seguida, empreendemos um esforço analítico.

_______________

51 Ver; Scofano (2003, p. 27); “Proponho então que trabalhemos em prol de uma Pedagogia que some Paulo Freire e Rubem Alves. A Pedagogia da Conscientização enriquecida com a Pedagogia da Inconscientização”.

52 “No conjunto das técnicas de análise de conteúdo, a análise por categorias é de citar em primeiro lugar: cronologicamente é a mais antiga; na prática é a mais utilizada. Funciona por operações de desmembramento do texto em unidades, em categorias segundo reagrupamentos analógicos. Entre as diferentes possibilidades de categorização, a investigação dos temas, ou análise temática, é rápida e eficaz na condição de se aplicar a discursos directos (significações manifestas) e simples”.

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Abaixo, desenvolvemos as categorias do primeiro conceito:

Tabela 14 – Qualidades do professor-educador de adultos

Categorias / Expressões Incidência 1- Ser amigo Mais um elemento que o aluno vai poder confiar, né?

22

2- Conhecer, adequar-se à realidade Nunca esquecer a realidade e o seu papel ali.

8

3- Igualar o aluno-interno ao aluno Dentro da escola eles são pessoas, eles são alunos.

4

4- Ser competente Eles cobram mesmo da pessoa, estão ali para aprender, querem aprender.

3

Se atualmente o relacionamento entre docentes e alunos é sufocado pela indisciplina,

como é possível estabelecermos um clima de reciprocidade? No presídio, onde os conflitos

encontram-se mais presentes fora do espaço escolar, “Ser amigo” apareceu vinte e duas

vezes:

- “É na parte de aconselhamento, por exemplo”.

- “Mas também como um amigo, um colega, né?”

- “Interesse do professor”.

- “Mais um elemento que o aluno vai poder confiar”.

- “Se ele já está interessado eu não daria recado”.

- “Mas eu digo de um aspecto de orientar, de como fazer”.

Não se trata apenas de uma orientação estratégica com o intuito de conter a

permissividade. A amizade em uma concepção democrática da EJA é fruto da negociação e da

mútua persuasão, postura que encerra uma mediada estima, ou seja; o “olhar nos olhos

naturalmente”. O professor deve ser “paciente”, “ajudar” o aluno-interno ou dar “exemplos”

através de sua “perseverança”:

- “Então nós temos que ajudá-lo a cumprir a sua pena”.

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- “Procure ver que você está ajudando, entendeu?”

- “Você tem que ajudar esse irmão”.

A afetividade não pode nascer da intolerância. Muito menos de idéias preconcebidas

em relação ao detento atendido pela assistência educacional. É preciso uma atitude

compreensiva:

- “O acolhimento, né? O respeito”.

- “Não é bem aceitar, só procurar compreendê-los”.

A rotulação do aluno em sua condição marginal desapareceria quando o professor

atravessasse os muros: “Deixasse o preconceito dele do lado de fora”. Diante de tal afirmação,

surge a negação de uma sociedade discriminatória: “É a abdicação de qualquer tipo de pré-

conceito”.

Nas escolas de presídio, marcadas pela solidariedade ao drama do encarceramento, o

aspecto relacional assumiria um exercício diário de abnegação. ‘Ele precisa gostar do que ele

vai fazer: ele precisa acreditar também”.

Isso exigiria uma dose de voluntarismo: “Que ele estivesse pré-disposto realmente e

abraçasse essa causa”.

Lecionar na prisão, sem dúvida, não é uma tarefa para um professor absorvido pela

indiferença:

- “E que realmente tivesse muita disponibilidade, vontade, sensibilidade”.

- “Venha com disposição”. “Venha para o Mario Quintana ou outro local... Qualquer colégio que seja... Com disposição, com vocação”.

“Conhecer, adequar-se à realidade” é citado oito vezes: esta categoria vem

associada com a necessidade de mudança de percepção sobre o colégio de presídio: “Mudar a

visão a partir da convivência” ou “O professor não está acostumado a trabalhar aqui”.

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Para almejar esta ruptura, o professor “nunca deveria esquecer a realidade do aluno”.

Reconhecendo o local de trabalho, a adequação curricular seria uma conseqüência: “É não ...

assim... não valorizar demais o conteúdo”. A adaptação não beneficiaria apenas os alunos:

“Aprendi e cresci muito junto com eles”.

Antes de tudo, é indispensável ter crença no valor da aproximação: “A atuação dos

professores junto aos alunos se faz um poderoso instrumento de conquista”. Dirigindo-se aos

professores, Gadotti (2005, p. 32) diz que este procedimento consiste em “fazer o diagnóstico

histórico-econômico do grupo ou comunidade onde irão trabalhar e estabelecer um canal de

comunicação entre o saber técnico (erudito) e o saber popular”.

O conhecimento da realidade educacional tem afinidade com o que interessa ao

projeto de vida discente. A perda desta instrumentalidade afugenta os alunos da escola que

não aproveita “uma série de experiências, vivências e saberes construídos na luta pela

sobrevivência” (Romão, 2005, p. 69).

No entanto, parece ocorrer o inverso pelo nível fugidio do discurso “igualar o aluno-

interno ao aluno”. A expressão “aluno-interno” encarna duas realidades inseparáveis:

educacional e institucional. No entanto, os depoimentos mostram que seria mais fácil aceitar o

indivíduo enquanto “aluno” do que enquanto “presidiário”. Ou seja: vamos considerar apenas

o contexto educacional – aluno – e deixar a sua condição institucional – interno – à margem.

Para o professor, uma cômoda solução. Para o interno, uma identidade conflituosa: na escola,

por algumas horas ele é um aluno; um cidadão “igual”. Na instituição, durante o restante do

dia, um “desigual”. A singularidade do colégio foi dissimulada quatro vezes:

- “É olhar para o aluno, o preso como um aluno, não como um preso”.

- “Dentro da escola eles são pessoas, eles são alunos”.

- “Porque dentro da escola eles não são criminosos”.

- “O professor deve ficar tranqüilo porque os alunos que estão na escola são pessoas normais”.

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Tabela 15 – Diálogo professor-aluno no contexto carcerário

Categorias / Expressões Incidência 1- Diálogo amigo O professor procurar compreender, eu acho que é isso o principal.

16

2- Diálogo participativo As aulas seriam construídas junto com os alunos.

15

3- Diálogo com a realidade Chegar à linguagem dele!

6

4- Diálogo didático Nós teríamos que ter uma estrutura diversificada muito maior.

5

Em “diálogo amigo”; primeira categoria de educação dialógica, citada dezesseis

vezes, a “amizade”, reapareceu: “O professor tem que ser principalmente amigo!”, “Antes de

ser professor, um amigo: ter afetividade”, ‘Amigos que trabalham juntos, integração aqui

como o grupo, uma corrente”, “Ser atencioso e amigo”, “Do professor ser mais próximo”, “É

com atenção e valorização”, “Ele confiar naquilo que eu vou tentar passar para ele” e “É o

envolvimento do professor”. Mas, desta vez, além da compreensão, a amizade vem imbuída

da escuta:

- “Ele deve compartilhar os problemas com os alunos”.

- “No Mario Quintana, compreender as dificuldades dos internos”.

- “O aluno faz do professor uma espécie de psicólogo”.

- “Cumplicidade, clareza, repetição”.

- “Conquistar o aluno, cumprimentar, falar bem”.

- “O professor tem que ouvir o aluno”.

O “diálogo participativo” apareceu quinze vezes. Ele enseja o caráter plural da

educação popular. Aqui temos a sala de aula como um fórum privilegiado de idéias: “O clima

de debate facilita a comunicação em sala”, “É necessário o aprendizado coletivo”, “Eu acho

que a gente pode trabalhar muito assim com debates”, “Que ele se sinta à vontade para

externar as suas opiniões, as suas experiências de vida”. De acordo com Freire (2003c, p.

125), o diálogo democrático não justifica a omissão do professor junto aos seus alunos na

busca pela compreensão do objeto de estudo:

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Precisamente porque há uma epistemologia aqui, minha posição não é a de negar o papel diretivo e necessário do educador. Mas não sou do tipo de educador que se considera dono dos objetos que estudo com os alunos. Estou extremamente interessado nos objetos de estudo – eles estimulam minha curiosidade e trago esse entusiasmo para os alunos. Então podemos juntos iluminar o objeto.

A ascensão do professor no debate, nada tem a ver com um domínio da palavra, e sim

com a aproximação entre os sujeitos “do-discentes”: “Como posso dialogar, se me sinto

participante de um gueto de homens puros, donos da verdade e do saber, para quem todos os

que estão fora são essa gente, ou são nativos inferiores?” (Freire, 2003b, p. 80).

Vejamos algumas respostas:

- “O professor sair do pedestal é legal”.

- “É... colocando-se no mesmo patamar”.

- “Deveria haver assim uma relação, eu creio, de parceria. De respeito é lógico, mas de troca”.

- “Participação do aluno, não jogar a matéria”.

- “Alma aberta para aprender também com eles ou troca mesmo, numa interação mesmo”.

O convite à participação reflete o contínuo questionamento a neutralidade do ato

educativo (Freire, 2002, p. 116):

“É que, no fundo, uma das radicais diferenças entre a educação como tarefa dominadora, desumanizante, e a educação como tarefa humanizante, libertadora, está em que a primeira é um puro ato de transferência de conhecimento, enquanto a segunda é ato de conhecer. Estas tarefas radicalmente opostas, que demandam procedimentos da mesma forma expostos, incidem ambas, como não podia deixar de ser, sobre a relação consciência-mundo”.

A situação de comunicação pedagógica no cárcere aspiraria uma penetrante

interatividade: “Tornar a aula muito agradável, ele apreende melhor, ele tem um diálogo

comigo, franco”, “O feedback também da turma” ou “Converse com os alunos para saber

interesses e então fazer o planejamento; o aluno também deve fazer o mesmo”. Assim,

teríamos a ação-reflexão: “A escola tem que estar se questionando o tempo todo”.

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74

Para o entendimento do grupo com vistas à construção e a superação do saber, seria

imperativo diagnosticar as necessidades do aluno: “É muito importante saber que tipo de

aluno você tem, da realidade dele e estar aberto ao diálogo”; “Aí eu dava exemplos do dia-a-

dia para eles pegarem”; “O conteúdo ligado diretamente com a sua vivência”; “Que o centro

de interesse girasse em torno das experiências, vontades e curiosidades dos próprios alunos”;

“Adequar cada parte do programa aos interesses e expectativas do corpo discente”.

O prévio levantamento do “diálogo com a realidade”, repercutiria, de certa forma, o

“diálogo didático”, uma alusão às alternativas de ensino: “Veja só: tem alunos que são muito

criativos”, “Podemos utilizar poesias, vídeos e músicas”, “Ter jogo de cintura” ou “A gente

pode usar o cinema, eu acho que a literatura... muitas vezes o aluno não tem o hábito de ler”.

Tabela 16 – As instituições escolares ontem e hoje

Categorias / Expressões Incidência

1- Lugar tradicionalista Eu acho que antigamente se preparava mais, o aluno tinha mais capacidade.

13

2- Lugar de limitação Não sei qual é a função da escola: limitação?

8

3- Lugar de profissionalização e escolarização A escola não me capacitou.

7

4- Lugar de participação Eu acho que deveria educar coletivamente.

6

4- Lugar social adequado As duas experiências foram suficientes.

6

Gostaríamos de relacionar as categorias listadas através de alguns exemplos coletados

em trechos maiores de entrevistas. Assim, com depoimentos mais completos,

problematizaremos o pensamento alvesiano:

“Lugar tradicionalista” (13 vezes): “No passado, a disciplina, a autoridade como

uma forma autoritária de exercer a disciplina, interferia bastante no trabalho do professor com

o aluno. Era um trabalho em que você não era perturbada, entre aspas, mas em que também

você não conhecia o seu aluno. Isso dificultava, muitas vezes, que você tivesse o

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conhecimento, a comunicação, daquilo que ele conseguia aprender da sua disciplina. Hoje, já

não temos mais esse problema, mas também estamos para o lado oposto: o aluno, por excesso

de indisciplina, também não consegue... ele não consegue aprender os conteúdos básicos, né?

Nós temos que chegar a um equilíbrio, reequilibrar essas forças aí. É: liberdade e disciplina”.

Nessa e em outras falas, há uma certa nostalgia do “Eu posso dizer que no meu tempo

era melhor”:

- “Eu acho que antigamente se preparava mais, o aluno tinha mais capacidade”.

- “A matéria de outra forma, o conteúdo, as informações”.

- “Havia assim uma figura do professor. Eu acho que tinha um significado mais importante do que hoje”.

- “Ela se preocupa muito em informar e isso ainda exclui muitos os alunos, não é?”

- “A parte de ensino, ficou tudo em segundo plano”.

- “Eu via muitos professores assim como um modelo a ser seguido”.

Alves (2003b, p. 27) tem uma outra opinião sobre o significado do clamor pelo

tradicionalismo:

‘Estive pensando que, em todas as instituições onde uma classe detém o poder absoluto – prisões, asilos de velhos, orfanatos, escolas, exércitos - , existe sempre a possibilidade do exercício do sadismo, que continua a estar presente nas práticas escolares”.

Nos depoimentos sobre o presente, a concepção escolar do passado é “atualizada”:

“Acabo repetindo paradigmas conservadores e tradicionais” ou “Mas na prática a gente tem

que pegar a didática que você teve com seus ex-professores”.

“Lugar de limitação” (oito vezes): “Eu gostaria de complementar dizendo o

seguinte... Eu acho que a escola falha muito em identificar as habilidades, as tendências dos

alunos. Porque o que eu vejo na Mario Quintana... alunos poetas, alunos cantores, alunos

músicos, escultores, artesãos. Por que na época em que eles eram crianças e estavam na escola

essas habilidades não foram identificadas? Porque se tivessem sido, eles provavelmente

teriam seguido um novo mundo, né? Então eu acho que a escola falha muito nisso. Tanto no

passado como hoje. A escola de uma maneira geral... Não vou me deter nas escolas muito

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bem estruturadas, não. Estou falando no geral. Escolas públicas em sua grande maioria. Falha

na identificação desses pendores artísticos e tudo mais”.

Vejamos outros depoimentos sobre dificuldades e más recordações: “No passado não

tive boas recordações”, “Quando eu fui aluna, deixava muito a desejar”, “Uma certa

dificuldade em adquirir conhecimentos, descontinuidade”, “Mesmo assim, que eu lembro, era

difícil”, “Hoje, apesar do espaço, com toda dificuldade a gente está conseguindo aprender” ou

“Atualmente, dificuldades: professores tomam gerais (revistas) e há greve de agentes”.

Caberia aqui uma nova pergunta: o “sucesso escolar” pode ser medido com base na

otimização do sistema de ensino ou na aprendizagem motivada pelo prazer?

“É isso que eu sinto ao ver as conversas sobre qualidade total em educação. As crianças estão lá, para serem transformadas em coisa deliciosa. Temo, entretanto, que em vez de sopa de tartaruga, na maioria das vezes o que temos ao final é angu queimado e frango encruado. Enquanto a gente vai mastigando aquela coisa horrorosa, preparada depois de muito sofrimento, os especialistas, com um sorriso amarelo, nos informam: foi feito em panelas da melhor qualidade, importadas... (Alves, 2004a, p. 130)”.

“Lugar de profissionalização e escolarização” (sete vezes): “A escola não me

capacitou, por exemplo, na preparação para o vestibular. Refiz o segundo grau. Terminei o

segundo grau sem saber. Tanto no passado como agora ficou faltando alguma coisa”.

“Cabeça vazia é oficina do diabo” é a frase utilizada pelos alunos-internos para

explicar o seu desprezo à ociosidade. Do lado de fora, nas “escolas de rua”, é a maneira de

alguns professores justificarem a supervalorização dos conteúdos nas atividades educacionais.

Nos dois casos, o discurso religioso vê a escola como lugar de esforço, obrigação, capacitação

e preparação. No entanto, Alves (2004c) defende que:

“Os doutores nas coisas divinas sentenciaram que cabeça vazia é

oficina do diabo. E chegaram mesmo a inventar rezas a serem repetidas como realejo, só para encher a cabeça, tão logo ela fique vazia. Pensavam que, por esse modo, enchendo a cabeça com palavras, não ficaria espaço livre em que o diabo se alojasse”.

Eu discordo. Quando a minha cabeça fica vazia, eu me vejo

transformando em criança. Ponho-me a brincar. Brinco com as palavras. As palavras viram brinquedos.

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Assim, em herética e erótica oposição aos juízos teologais, afirmo a minha verdade humana e infantil: ´Cabeça vazia é um quarto de brinquedos` (...)

Então você não sabia que palavras são brinquedos.... Brinquedos são objetos curiosos. Não servem para nada. Diferente das ferramentas e utensílios, que sempre servem para alguma coisa”.

“Esforço, retorno ao estudo”, “Não via a escola como obrigação”, “Atualmente, a

expectativa é de profissionalização”, “A escola não me capacitou”, “Nós não temos escolas

profissionalizantes de qualidade”, “Então era um momento muito... era estudar para virar

operário!”, ou “Ela não visa mais essa questão de preparar o aluno para o vestibular, o que

também acho correto”.

Não se trata aqui de fazermos uma apologia à não obrigatoriedade da escolarização ou

profissionalização. Importa revermos a representação da escola como um espaço de

sofrimento. A escola não deve privilegiar somente os conhecimentos úteis; as “ferramentas”.

O desprezo pelos “brinquedos” coloca em segundo plano a “educação da sensibilidade (Alves,

2002a, p. 184)”.

“Lugar de participação” (seis vezes): “As escolas por onde passei, públicas ou

privadas, cada uma tinha sua metodologia, salvo a Lindolfo Reis e o Liceu. O colégio Mario

Quintana é o melhor. O aluno tem direito, tem lugar nos eventos, está no patamar equiparado

de outras pessoas. Existe a experiência democrática de convívio”.

Gradativamente, o processo educacional vem tentando romper a limitação e o

tradicionalismo: “Eu posso falar, expor idéias, debater...”, “Houve uma melhora na escola:

está mais democrática; os alunos são mais ouvidos, inclusive vistos”, “O diálogo é maior! E

eu acho que isso é muito importante para o desenvolvimento do cidadão” ou “Eu acho que

hoje há uma interação maior”.

Apenas seis vezes a escola é vista como “Lugar social adequado”: “Passado e presente

com a mesma idéia de inclusão social; em qualquer lugar” ou “Ela atende a todas as minhas

expectativas”.

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3.5 Observando os eventos

Começaremos a descrever algumas observações realizadas no CEMQ. A análise ficou

restrita a dois eventos pedagógicos realizados em 2004: Feira do Conhecimento e o Festival

de Música. Em todos os momentos, procuramos observar o familiar. Em sociedades

complexas, tal procedimento ultrapassa a mera confrontação com o exótico. Nessa óptica,

“estranhar o familiar” é um exercício no qual a própria inserção do pesquisador em campo

encerra uma interpretação:

“O processo de descoberta e análise do que é familiar pode, sem dúvida, envolver dificuldades diferentes do que em relação ao que é exótico. Em princípio dispomos de mapas mais complexos e cristalizados para nossa vida cotidiana do que em relação a grupos ou sociedades distantes ou afastados. Isso não significa que, mesmo ao nos defrontarmos, como indivíduos e pesquisadores, com grupos e situações aparentemente exóticos ou mais distantes, não estejamos sempre classificando e rotulando de acordo com princípios básicos através dos quais fomos e somos socializados” (Velho, 2002, p. 128).

As ações e os discursos dos sujeitos envolvidos nos eventos situaram nossas percepções

sobre a comunidade escolar carcerária. Nos intervalos, quando não desempenhávamos

atribuições inerentes ao trabalho docente, anotamos sucintamente algumas palavras-chave,

convertidas em registros que veremos a seguir:

1. Feira do Conhecimento. Trata-se da quinta edição do projeto pedagógico realizado

nas dependências do CEMQ, também denominado feira da “cultura” ou de “ciências”. Os

trabalhos realizados pelos alunos-internos durante o ano letivo são a principal atração da

mostra. O evento não foi realizado em 2003, em conseqüência de uma insurreição ocorrida

em uma unidade do Complexo de Gericinó53.

Logo pela manhã de primeiro de dezembro, ajudamos na montagem dos murais nas

salas de aula e corredor, juntamente com outros colegas. Perto da sala de artes, os alunos-

internos da oficina de música instalaram os equipamentos de som no mini-palco montado para _______________ 53 Pela primeira vez, registrou-se a presença de professores entre o grupo de reféns mantidos ao longo de mais de uma semana de conflito. As secretarias de educação e administração prisional reinauguraram a Escola Estadual Carlos Costa há poucos meses. Ver, Jornal O Dia, 16/7/05.

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a animação do evento. O professor voluntário e um ajudante prepararam o “sopão” na cozinha

do colégio.

No dia da Feira, um guarda não precisou justificar sua presença na sala de reuniões

porque todos já sabiam: a diretora, após longas negociações, conseguira a entrada de uma

máquina fotográfica. Uma colega se responsabilizou pelo registro da atividade. A única

condição: o agente estaria ao lado da professora acompanhando o tema de cada foto. Durante

os preparativos da tarefa, ele conversou amenidades. Concordávamos apenas para disfarçar o

inevitável constrangimento. Ao sairmos da sala de reuniões, os integrantes da oficina de

música batiam palmas e cantavam. Na primeira sala de aula nos deparamos com três alunos-

internos conversando. Percebendo nossa presença, eles apontaram para os murais ou

manipularam os experimentos exibindo os trabalhos expostos. Em outra exposição,

observamos as provas de alunos do ensino fundamental penduradas em cordéis: elas tinham

figuras infantis mimeografadas. No dia do evento, alguns “monitores” mostraram os trabalhos

para outros colegas e convidados. Raramente faziam-se perguntas.

Do lado de fora das salas do colégio, os presidiários aguardaram pacientemente a

“abertura oficial” da Feira. As cadeiras escolares estavam distribuídas ao longo do corredor..

Dezenas de internos ficaram em pé, de braços cruzados e, em implícito respeito aos docentes,

deixaram vazias as cadeiras que lhes eram reservadas. A maioria era de alunos ou ex-alunos

do colégio. Uma parte dos professores manteve-se afastada. Outro grupo procurou integrar-se

em conversas ou na própria organização do evento. No final do corredor, o pequeno show na

sala de artes continuava. Um interno cantava enquanto um professor ensaiou uma batucada.

Para passar o tempo, a merendeira serviu um cafezinho. Um interno-artesão presenteou nossa

colega de Ciências com um chaveiro. Finalmente, com a passagem repleta de presos, a

diretora tentou promover o início da atividade deixando surpresos o subdiretor e o guarda

censor. Terminados os agradecimentos, iniciaram-se os discursos:

- “O mercado está muito competitivo hoje. Não adianta mais sair com certificado da escola: tem que sair com conteúdo. Se você não tiver conteúdo você não consegue fazer um concurso. E o meu nome vale muito. O aluno assiste uma penca de aulas e eu assino certificado. Eu não faço isso! E seus professores querem qualidade! Se a professora não deixar passar não vou dar certificado! Apesar da Nova Escola ter avaliado o Mario

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Quintana com nota um, depois de amanhã, vamos fazer uma tarde de autógrafos com os textos do professor de português! Agora, eu gostaria de convidar todos vocês para ver os trabalhos nas salas de aula”.

Mesmo com o atraso desanimador, o evento não poderia começar sem as palavras do

subdiretor da LB:

- “A gente sabe que o novo sonho da diretora é a implantação do ensino universitário no presídio (...) Minha superioridade atual como sub-diretor não significa que eu um dia eu não vá precisar de um preso (...) A partir de agora está aberta oficialmente a Feira de Cultura do Colégio Estadual Mario Quintana!”

Após os discursos dos “dois diretores”, ainda faltava o pronunciamento de dois

professores: “A educação é um direito de expressão! O erro ortográfico não interfere no

conteúdo, que é mais importante do que a aparência e a forma!”. “A gente aprende muito com

eles. Eles colocam os sentimentos à imagem e semelhança de Deus. Através do amor ao

próximo, é mais fácil o interno se ver no lugar do outro”.

Minutos depois, a diretora estava conosco, juntamente com o professor de português, o

subdiretor da unidade e alguns internos para a gravação de um vídeo da SEE. Um aluno foi

convidado, mas preferiu não participar. Outros dois, matriculados no ensino médio, atenderam

a curiosidade de uma repórter. Na pequena mesa-redonda, todos deram depoimentos. Diante

da câmera, o ex-aluno E. S.54, manteve o discurso de “interno-modelo”:

“Não me julgava capaz de pintar, de escrever ou de fazer uma poesia. Mas descobri aqui que a ressocialização de um preso é feita através do trabalho e, principalmente, da educação. A educação é uma importante ferramenta de mudança. (...) Passei na UERJ para pedagogia. É uma pena que o sistema não me permita fazer o curso no momento. Mas isso não me desanima. Este ano vou fazer vestibular novamente. Quero ser professor e quem sabe futuramente dar aulas aqui no Mario Quintana. Se tivesse tido a oportunidade que estou tendo agora jamais cometeria os erros do passado” (“Sucesso Escolar incentiva a ressocialização de presos”. Disponível em http://www.see.rj.gov.br/noticias. Acesso em 2/12/04).

_______________ 54 A respeito do posicionamento para a imprensa, por parte das pessoas marginalizadas, ver Goffman (1988, p.34); “Outra de suas tarefas usuais é a de aparecerem como oradores perante diversas platéias de normais e estigmatizados: elas apresentam o caso em nome dos estigmatizados e, quando elas próprias são nativas do grupo, fornecem um modelo vivido de uma realização plenamente normal; são heróis da adaptação, sujeitos a recompensas públicas por provar que um indivíduo desse tipo pode ser uma boa pessoa”.

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Na sala de reuniões do CEMQ, serviu-se o “sopão” para cerca de vinte pessoas, entre

professores, convidados e equipe da LB. Auxiliada pela merendeira, a diretora organizou a

distribuição dos pratos. Enquanto experimentávamos o caldo, os faxinas do colégio

ofereceram a refeição a cerca de cem internos em um balcão improvisado na secretaria. A

animação no minipalco prosseguiu até o final da tarde.

2. Festival de Música. Trata-se da quarta edição do festival, um dos mais tradicionais

eventos do CEMQ. Um dos objetivos, segundo o projeto político-pedagógico, era

“possibilitar, através da música, o despertar de valores sociais, morais, culturais e espirituais”.

O gospel, como um ritmo musical evangélico, impulsionou uma maior participação pela forte

religiosidade na LB (Tabela 11). Entretanto, a “mpb” também mobilizou o interesse dos

alunos-internos, ávidos em demonstrar afinidades com os “clássicos musicais”.

Etapa gospel – Tarde de 15 de setembro. Passamos pela portaria central e aguardamos

no “controle” da LB. Dobramos o corredor e encontramos o professor de música

acompanhado de três pessoas na sala de artesanato. O rapaz e as duas moças constituíam o

júri externo, uma garantia de hipotética isenção na avaliação musical.

No colégio, houve nova distribuição de camisas do festival para os professores. No

auditório55, por coincidência, o diretor da LB sentou ao nosso lado. Hora em que o pastor

evangélico convidado iniciou uma oração. Em relação à véspera, a mobilização aumentara de

cem para cento e cinqüenta internos.

Todos se levantaram e fecharam os olhos. Alguns de cabeça baixa para os aplausos ao

final da reza.

Iniciaram-se breves discursos. O diretor do presídio lamentou a ausência da diretora do

CEMQ. Ela não pôde comparecer à atividade. Naquela tarde, o professor de música

desempenhou a função de “mestre de cerimônias”. Ele encontrara uma nova estratégia para

______________ 55 Sessão presídio. Jornal O Globo, 20/7/03, Segundo Caderno; A superintendência de audiovisual do governo estadual classificou o auditório de 1500 lugares como a maior sala de cinema do Centro do Rio de Janeiro.

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distribuição de brindes. No dia anterior, sua insistência em perguntar sobre quem freqüentava

o colégio recebeu inúmeras negativas. A solução? Introduzir uma dinâmica para animar os

intervalos das apresentações musicais. Vejamos uma de suas intervenções perante a platéia:

- “Bem, essa música que acabamos de ouvir é Tudo pertence a Deus. Eu acabei de receber um recado... É um convite para todos os irmãos... A Congregação Lemos Brito vai realizar o culto hoje às dezessete horas! Tá ok? Obrigado... Chegou a hora do sorteio! Vamos lá? Silêncio... Diz a Bíblia... Diz a Bíblia que dois discípulos... Cantavam apesar dos açoites! Quem...?”

- “Paulo e Silas!”

- “Poxa, alguém aqui faz seminário evangélico? Vou fazer outras perguntas mais difíceis sobre a cultura evangélica!”

O coral foi uma das primeiras atrações. Um interno regeu o grupo de cerca de vinte

vozes perfiladas com bata vermelha, gola branca e pasta preta nas mãos. O alongamento da

apresentação rendeu comentários velados de insatisfação dos professores. Meia hora depois,

um convidado gospel cumprimentou o público e recebeu palmas. Na beirada do parapeito, deu

boa tarde e rogou: “Vamos clamar por Deus, independente da religião”.

Em sua apresentação, a caixa de som andou sozinha com a vibração. “Agora eu queria

convocar todos para mais perto do palco! Eu quero todos aqui ao meu lado! Todos aqueles

que nesse momento esperam uma resposta de Deus!”. Os internos ultrapassaram os lugares

que os separavam dos professores e da equipe dirigente e espalharam-se próximos as laterais e

corredor central.

Olhos fechados. Abraços. Choro. Cabeças baixas. Aglomeração. Novo louvor. O

cantor de olhos entreabertos em lágrimas fez sinal discreto para a mesa de som. A música

ensurdecedora deixou os internos em transe: “Eu quero todos de joelhos para orar!”. Nesse

instante, o diretor da LB subiu os degraus e se posicionou no tablado. Sob aplausos

emocionados, ofertou-se uma placa comemorativa ao cantor-pastor.

Os números musicais estenderam-se até o meio da tarde. O mestre de cerimônias

também distribuiu brindes para dois professores. Os jurados estavam desconcentrados com o

volume do som. Nosso colega sugeriu que conduzíssemos os jurados convidados à sala de

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reuniões. No caminho, a curiosidade do grupo nos levou à sede da congregação evangélica.

No colégio, outra meia-hora foi gasta na contagem das tabelas. Instruído pelo mestre de

cerimônias, um dos “músicos” da banda musical “Missionários do Rock”56 nos lembrou o

horário: cinco horas da tarde. Retornamos ao auditório. Os professores estavam no palco. Na

ausência da diretora, o representante da penitenciária não desperdiçou a oportunidade para

entregar os troféus:

- “Falo isto pelo meu lado humano e profissional: quando a gente proporciona um trabalho como este é muito gratificante. Quero fazer aqui um agradecimento especial ao professor de música e aos demais colaboradores. Como hoje, gostaria que todo o coletivo que lotou em peso o auditório estivesse aqui terça-feira para ver o teatro. O ator e o cantor não vivem sem o público”.

No final do evento, presenciamos um pequeno tumulto. Uma fila de alunos se dirigiu à

secretaria do CEMQ para o lanche festivo. Na confusão, a maioria de nossos colegas separou-

se. O professor voluntário foi o mais acionado na cozinha. O faxina que trabalha no

computador tentou seguir a ordem de chegada dos que se aproximaram. Um aluno-interno,

muito conhecido entre os professores, atravessou a fila com um colega e esticou na ponta dos

dedos um copo plástico. Ciente de que a sua rede de relacionamentos era minimamente

valorizada em relação à maioria não matriculada que apareceu oportunamente para o lanche,

ele argumentou: “Eu sou aluno da escola!”. A repetição impune da frase57 cessou

abruptamente quando alguém reclamou: “Mas você não é diferente de ninguém por causa

disso!”.

No momento em que professores, faxinas, jurados e a merendeira confraternizavam

reservadamente, a fila de internos dissipara-se. Os guardas não apareceram para o pequeno

lanche na sala de reuniões. Recebemos o convite de uma das acompanhantes do professor de

educação musical para conhecer uma igreja evangélica. Vinte minutos depois, estávamos na

portaria do complexo. _______________ 56 MISSIONÁRIOS do Rock. Direção: Cleisson Vidal e Andréa Prates. Brasil, Rio de Janeiro, 2005. Documentário (72 min.), vídeo. 57 A respeito do Você sabe com quem está falando? Da Matta (1991, p. 95-96) afirma: “Nesse sentido, a estratégia social e política mais visível no Brasil é a de buscar a relação. Quem você conhece versus quem conheço é o dado fundamental no cálculo social brasileiro, sendo muito mais importante do que saber o que você faz ou onde você nasceu”.

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Etapa popular - Quatorze de setembro de 2004. Com mais de uma hora de atraso, os

convidados da SEE, Pastoral Penal e imprensa passaram no corredor em direção ao auditório.

Saímos por último do colégio. A banda apresentou sucessos de Milton Nascimento, Elis

Regina e outros artistas de “mpb clássica”. Na primeira fileira, os “dois diretores” e

funcionários das secretarias de educação e administração prisional. Nos assentos de trás, o

grupo de professores; dali assistimos a todo o evento. Os internos de camisa verde lotaram a

segunda metade das cadeiras empoeiradas. Os poucos agentes, de camisa azul ou a paisana,

fingiam desinteresse. Uma filmadora e uma câmera fotográfica registraram a atividade.

Faxinas, professores, internos-músicos, equipamentos de som e troféus completavam o foyer

decorado de bolas coloridas, serpentinas e painéis. O diretor da LB abriu a etapa popular:

- “Boa tarde. Parabéns pela participação da rapaziada. Não é fácil vir aqui na frente, compor e ensaiar. Agradeço a diretora pelos anos em que está promovendo este evento. Parabéns aos professores: eles dão aula aqui na cadeia como se estivessem dando aula para seus filhos. Meus parabéns”.

Ao seu lado, a diretora do colégio agradeceu as doações:

- “Quero agradecer as autoridades (...). Meus agradecimentos ao diretor, ao subdiretor, ao chefe de segurança, aos funcionários e ao meu amigo A. C. (um guarda). Tem também a Márcia Badaró do Hospital... E minhas amigas da Pastoral! São elas que conseguem dinheiro e a gente compra tudo. Com a doação dá pra comprar os brindes e os instrumentos musicais... Isso é que é ressocialização!”

O professor de educação musical ajudou no sorteio de brindes. Atrás dele, um retro-

projetor iluminava a parede com as letras das músicas. Alguns títulos eram bem sugestivos:

“Conscientização”, “Saudades”, “Prisioneiro da Escuridão”, “Moral e Cívica” e “Teu Corpo

Deitado”. Entre um dos intervalos do Festival, mais sorteios de aparelhos de barbear,

sabonetes, canetas e lápis. O “mestre de cerimônias” convocou dois internos ao palco. E 58,

ex-militar e monitor das aulas de educação musical de início, não foi aplaudido com

unanimidade ao receber uma camisa do festival. Com E. S., a recepção do público também

não foi acalorada. O ex-aluno recebeu um walkman de presente e cumprimentou a primeira

fileira do auditório. _______________ 58 Aceitando convite da Revista Elle, n. 2937, 15-21 abril de 2002, E. fotografou um dia da visita de sua companheira. O ensaio incluiu outros internos da LB e resultou na exposição “Amor Prisioneiro”, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

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Nos momentos finais, dois grupos de pagode convidados pela direção da LB cantaram

acompanhados do tímido coro de internos. O filho da diretora dançou com a namorada. O

diretor de um colégio estadual, um cantor de pagode e um colega do professor de educação

musical reuniram-se para a apuração.

A comissão tardou em divulgar o resultado. O forte calor cansou o público do auditório

e, após alguns minutos, muitos se retiraram. Meia hora depois, o “mestre de cerimônias” ao

lado de toda a equipe docente no palco, anunciou um empate: “Consciência” e “A Saída”.

Cada composição representava, respectivamente, uma unidade penal onde o colégio funciona.

Mas um clima de inconformismo revelou-se na troca de olhares entre os internos. O

desconforto foi quase imperceptível: as comemorações abafaram a frustração dos insatisfeitos.

No ano anterior, a LB perdera a premiação para o Presídio Pedrolino Oliveira. Os internos

“convidados” não eram necessariamente mal vistos por esse motivo, mas porque cumpriam

pena em uma prisão de ex-militares. A rixa não era verbalizada com freqüência. Mas os

professores sabiam que a intolerância era relevada em atividades pedagógicas, como no caso

do festival ou eventualmente, nos conselhos de classe. A preocupação era visível: a escolta até

o auditório somente foi revelada na iminência do evento. Isto ficou ainda mais claro no

discurso que antecedeu a apresentação de “A Saída”, quando o seu intérprete, temendo

alguma hostilidade, deixou claro que não estava querendo competir; apenas colaborar.

Afirmar um interesse conciliatório do júri seria precipitado, ante a sintonia da platéia

com os dois finalistas. Nos agradecimentos, o embaraço não gerou qualquer tipo de

contestação acintosa, mesmo quando o intérprete de “A Saída”, observado atentamente pelos

guardas, mediu palavras ao apoiar a decisão do júri. A tensão diminuiu quando o cantor do

hip-hop “Consciência” dirigiu-se aos detentos e agradeceu a premiação. A platéia contornou o

imbróglio rapidamente com mais aplausos. Novos discursos encerraram a atividade. Um

grupo de convidados, professores e agentes caminhou lentamente até o CEMQ. Salgados e

refrigerantes substituíram o cachorro-quente da tarde gospel.

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3.6 Uma imagem da sala de aula

O título acima nos convida a uma reflexão sobre um instrumento de crescente

utilização na pesquisa educacional: a coleta de dados visuais.

Em um estudo comparativo entre a escola formal e a escola de samba, Motta (2003)

apresentou uma série de desenhos que ilustraram as percepções de alunos sobre o cotidiano

das duas instituições. Como resultado, constatou-se um nítido afastamento entre o universo

escolar e as práticas culturais dos alunos.

Indo mais além, Alves (2002), fixou-se nas posturas corporais. Um conjunto de

imagens procurou sintetizar a formação docente. O encontro de alunos e professores no ensaio

fotográfico realizado em uma escola pública do Rio de Janeiro também não passou

desapercebido. Na conclusão, evidenciou-se um processo de comunicação de conhecimentos,

valores e crenças no modo de aprender o ofício de “ser professor”.

Desses exemplos resta a pergunta: como efetivar uma análise visual que alcance o

vigor de um trabalho científico?

A coleta de dados visuais é respaldada por alguns autores, como Vergara (2004, p.

173), que afirma: “Existem diversos motivos para a sua utilização. O motivo maior é ir além

das palavras escritas ou do que os discursos orais podem revelar”. Esta técnica pode ser semi-

estruturada ou não-estruturada. Na primeira proposta, o sujeito tem liberdade para escolher o

que vai desenhar. Na última, o pesquisador sugere um tema.

Consideramos que a imagem seguinte (Figura 5) pertence à segunda categoria porque

ela originou-se do VI Concurso de Desenho da LB, de 2002, em que a alegria foi o mote.

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Figura 5

Ao retornarmos como professor à unidade penal, encontramos uma pequena

publicação reunindo os participantes do certame (YUNES, 2002). Na coletânea, as ilustrações

ocupam papel secundário: o maior interesse são as dezenas de prosas e poesias. A referência

direta ao nosso estudo de caso é o próprio título do desenho que escolhemos: “Escola Mario

Quintana”. Do autor, Jorge Silva, não temos qualquer comentário escrito sobre o trabalho, o

que de imediato impõe um limite ao exame do desenho, um procedimento essencialmente

qualitativo.

Nosso parâmetro é o estudo da imagem em seu contexto cultural. Para Duvignaud

(2005), este é o único método que permite compreender o sentido e a significação da imagem

em seu relacionamento com os tipos diversificados de sociedades. Para que elementos, ainda

não muito claros, o nosso interesse se manifesta de forma latente no diálogo entre Jorge e a

tessitura do desenho?

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A resposta emerge da descrição, no sentido que Maffesoli (1998, p. 123) empresta ao

termo:

Metodologicamente, sabe-se que a descrição é uma boa maneira de perceber, em profundidade, aquilo que constitui a especificidade de um grupo social. Quanto a isto, os diversos processos etnológicos foram disseminados por todas as ciências sociais. E isso porque os rituais, múltiplos e diversos, que pontuam a vida corrente, o jogo das aparências, as técnicas corporais, as modas linguageiras, vestimentárias, sexuais, em suma, a cultura em suas diversas manifestações, são, em seu sentido mais estrito, a expressão de um grupo, de uma sociedade, de uma época.

A descrição é a alternativa para que retomemos a perplexidade do primeiro contato,

um olhar estrangeiro “capaz de olhar as coisas como se fosse pela primeira vez e de viver

histórias originais. Todo um programa se delineia aí: livrar a paisagem da representação que

se faz dela, retratar sem pensar em nada já visto antes. Contar histórias simples, respeitando

os detalhes, deixando as coisas aparecerem como são (Peixoto, 1998; p. 363)”.

Nesta abordagem, buscamos evitar a generalização que um único desenho pode

naturalmente oferecer. Em nossa breve análise, o objetivo primordial foi mapear uma das

possíveis interpretações para um desenho que representa a sala de aula em um presídio.

De início, queremos apresentar o seu autor. Por coincidência, um dos alunos da oficina

de pintura, na ocasião de nosso estágio. Nunca mais reencontramos Jorge Silva na LB. Nada

sabemos sobre a natureza de seu delito. Dispomos apenas do fragmento de uma poesia de

Jorge:

“Eu vivo! Não vivo muito bem aqui nesta ilha, mas estou vivendo cheio de esperanças, paciência e resignação. Eu vivo na esperança de ser perdoado, mas não peço que tirem a culpa do culpado. Eu continuo querendo viver ainda mais. Porque a vida é para ser vivida intensamente a cada segundo. A vida é sem dúvida a mais linda dádiva de Deus. Eu vivo para ver nas noites de luar uma estrela solitária brilhando no céu.

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Eu vivi um sonho e acordei para a realidade da vida. E ainda estou sonhando... só que desta vez acordado. Eu vivo sonhando com a coisa mais sublime que uma pessoa pode ter: a liberdade. Eu vivo porque é lindo acordar de manhã, ir até a janela e contemplar o sereno regando com todo carinho uma linda flor”.

Temos uma lembrança que abre a janela do poema “Eu Vivo”. A janela, entendida

enquanto suporte da criação artística; uma moldura da permanência do seu autor na LB. Em

nosso último encontro, Jorge foi reticente em relação ao ensino fundamental. Havia o trabalho

na oficina de carpintaria. Mas, disse-me sossegado: “Sim, continuo desenhando”.

Desconhecíamos a imagem em análise: o lançamento do livro seria realizado no ano

subseqüente.

Ele nos procurou em sala de aula e mostrou o livreto do concurso de 2001. Uma das

imagens recebera a primeira colocação. A premiação? O desenho na capa em cores. A seleção

dividiu a opinião dos internos. Muitos não gostaram da idéia que José insistiu em nos

explicar: presos vistos pela sociedade como leões em um zoológico. A configuração de um

espaço fechado traduz a aproximação deste trabalho com “Escola Mario Quintana”.

No desenho premiado com o terceiro lugar na sexta edição do concurso da Pastoral

Penal, vemos os alunos, a professora e a sala de aula, e procuramos interpretar a imagem.

São apenas três garotos sentados, de frente para uma professora: eles estão

“assistindo” a mais uma aula.

Os internos, não são mais feras. Entretanto, continuam presos na “cela de aula”. Eles

são alunos; alunos-internos. A sala de aula humaniza e infantiliza. A compleição física dos

meninos é desproporcional ao tamanho da figura feminina. É uma escola de educação de

adultos, mas vemos crianças trajando bermudas e chinelos. O corte e a tintura dos cabelos

uniformes reafirmam o anonimato.

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Eles não estão organizando um trabalho em grupo ou uma apresentação musical. A

atenção está focada, não havendo dispersão ou conversas paralelas. Mesas e carteiras mantêm

o afastamento. Os lápis reverberam o apego à escrita. As mãos agitam-se no ar. Parece que a

professora foi surpreendida com uma pergunta.

Sua reação foi austera. Ela exibe uma fisionomia tensa. Recostou o corpo e abriu os

braços, atônita. Parece não trazer a resposta esperada. O que motivou o encontro naquela sala?

É mais uma lição de Português. À direita do cabeçalho, Jorge sinalizou a área de estudo

escrevendo: “Conjugue o verbo amar no tempo presente”.

O exercício não foi uma escolha aleatória. Em um contexto de violência carcerária59,

os presos têm sentimentos? Podem amar? Não há tempo para responder esta pergunta. A

professora deve cumprir o programa, a metade do segundo bimestre se aproxima. No desenho,

ela ocupa a extremidade do grande triângulo cuja base apóia-se nos três alunos.

Todos os trabalhos do concurso de desenho serão publicados. É preciso dizer ao maior

número de pessoas que o colégio é um espaço de igualdade. Ele é uma chance na intersecção

entre a liberdade e a vida institucionalizada. O desenho não revela a localização do

estabelecimento escolar. Não existem portas ou janelas gradeadas. Em tese, todos os alunos

são iguais, não importando saber o sexo, a raça, a convicção política ou a vida pregressa. Não

temos uma pista que identifique o público atendido. As inscrições do lado esquerdo superior

da lousa, têm o mesmo título do trabalho: “Escola Mario Quintana”.

É uma escola numa tarde de terça-feira em 21 de maio de 2002. A sala de aula não é

superlotada. O colorido em preto e branco acentua um clima de frieza geométrica, expresso

pelo acinzentado do chão e na seqüência de tijolos. Não existe um cavalete, um painel, uma

televisão, um computador ou mural. As carteiras destinadas aos alunos são o único mobiliário.

Para a professora não há mesa, cadeira ou armário. Apenas a confrontação dos três alunos. _______________ 59 O Projeto Político-Pedagógico (2002, p. 3) do CEMQ diz: “Nós, professores que trabalhamos dentro do sistema penal, lugar em que a violência existe sob todas as formas, sejam concretas ou mascaradas, não podemos, em hipótese alguma, nos alienarmos desse contexto. Nosso objetivo não é a mera reprodução de conteúdos e sim adequar a disciplina à possibilidade de transformação do interno e de sua capacidade de pensar e agir”.

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CONCLUSÕES

Ao investigar por seis meses o tema, sob a forma de um intensivo trabalho de campo,

consideramos as perdas e os ganhos.

O provisório contentamento não nos impede de reiter a preocupação de Garcia (2001,

p. 13-14) sobre o destino dos trabalhos acadêmicos: “Nossas pesquisas, reflexões e escritos

contribuem para estabelecer um fértil diálogo universidade-escola ou apenas ampliam o fosso

entre estes dois níveis de escolaridade?”

Diante da pergunta, nosso único conforto é a sensação de que influímos positivamente

na comunidade escolar, desejosa em compartilhar, ainda que em uma abordagem científica, a

sua “experiência-modelo”.

Como sabemos, uma pesquisa educacional é sempre uma tarefa incompleta. Nas

palavras de Mario Quintana: “O poema é uma garrafa de náufrago jogada ao mar; quem a

encontra salva-se a si mesmo”.

Essa impressão fica mais evidente na metodologia do estudo de caso, em que os

limites do fenômeno em foco e o contexto não são claramente definidos (YIN; 2005). Mesmo

assim, acreditamos ter esboçado uma das tonalidades da “cor do invisível”. Ou seja: o que

apresentamos aqui não encerra outras reflexões sobre a educação no sistema penal. Isso é

patente na insuficiência deste relatório, porque, enquanto professor-pesquisador; descrevemos

algo do qual também fazemos parte.

Nesta dissertação, pode-se verificar o descompasso entre a LEP e a LDB no caso

brasileiro.

A “assistência educacional”, apesar de reconhecer um direito, é uma expressão que,

em si, reveste-se de uma discutível vitimização do preso. Outro sinal da necessidade de uma

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urgente revisão do texto da LEP é a forma antiquada pela qual os segmentos da educação

básica ainda são nomeados: “primeiro e segundo graus”.

Por outro lado, o caráter generalista da LDB não exclui a adoção dos parâmetros

curriculares referentes à organização pedagógica da EJA. Na adaptação desta modalidade de

ensino ao cárcere, sugerimos a educação para o trabalho cooperativo. Sob tal perspectiva,

programas que estimulem a autonomia seriam uma das alternativas no combate ao forte

estigma social do egresso.

A implementação de projetos não depende exclusivamente da aprovação do Fundo

Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica. Nesse processo, conta-se com a

sensibilização da sociedade civil e autoridades governamentais. Como a inexistência da prisão

perpétua leva à previsão do retorno do detento à sociedade, cogitamos uma ação político-

pedagógica calcada em um saber fundamental: “mudar é difícil mas é possível” (Freire, 2000,

p. 88).

Quanto à remissão da pena pelo estudo, sua aplicação em nível nacional permitiria

aperfeiçoar esse dispositivo. No atual modelo, enfatizou-se o aspecto quantitativo. Assim,

surgiu uma distorção: a persistente re-matrícula de internos que já possuem algum nível de

escolaridade.

- “A pessoa fica trinta anos presa... Ficar numa escola que só tem o primeiro grau... Ou ela fica terminando a oitava série e voltando para o C. A., terminando a oitava... Isso tudo para poder contar para a remissão. Enfim, o que adianta tudo aquilo ali?” (Prof. J.)

Este movimento de repetência consentida cria um efeito ilusório de aprendizado. A

simples aferição não significa o aproveitamento nas atividades educacionais. Para sistematizar

as ações públicas, importa observar atividades diversificadas e critérios que definam o

envolvimento qualitativo dos detentos na rede escolar “intra-muros”.

Isso não ocorreria de imediato, e sim com uma paulatina mudança na cultura

institucional. Daí surge um apelo pragmático: um intercâmbio corporativo atenuaria a tensa

convivência entre professores e guardas no sistema penitenciário.

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No tocante ao estado do Rio de Janeiro; as estatísticas oficiais são satisfatórias quando

comparadas às médias nacionais e, alarmantes ao relembrarmos a exclusão de dois terços da

massa carcerária. A situação atual reafirma a parcimônia de investimentos e a sobreposição de

agências.

Sem dúvida, as mais de três décadas de convênio entre as áreas de educação e

administração prisional e as particularidades da Lemos Brito refletiram-se no pioneirismo do

Colégio Mario Quintana. Em meio à improvisação, temos uma unidade comparável a um

estabelecimento de pequeno porte da rede “convencional”. Essa similaridade inclui toda gama

de vicissitudes que podemos encontrar em uma escola periférica: a falta de infra-estrutura, o

centralismo democrático e a preocupação com a segurança.

No caso específico, os questionários confirmaram a irremediável evasão escolar. Para

os professores, a ausência de superlotação é sinônima de qualidade no atendimento ao aluno-

interno. Para a SEE, é um indicador de um “colégio diferenciado”, numa clara mensagem de

que as atividades pedagógicas em nada modificariam a avaliação externa negativa, em grande

parte, ocasionada pelos altos índices de evasão escolar.

Esses problemas não respondem à pergunta inicial desta pesquisa: quais são as

percepções de alunos-internos e professores sobre o processo educativo em uma escola de

presídio?

Para tentar respondê-la, englobamos os dados obtidos nos instrumentos de coleta. Nas

entrevistas, formulamos três questões exploratórias destinadas à comunidade escolar do

CEMQ:

Quais seriam as qualidades desejáveis para um professor-educador em uma

escola de presídio?

O aluno-interno, mesmo durante o período de estudos, não abandona a sua condição

de detento. Da mesma forma, o colégio não deixa de ser uma instituição escolar dentro de

uma penitenciária. Mesmo com a tentativa de igualdade em relação a um aluno ou escola “de

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rua”. Reforçando essa vontade onírica, as três crianças da imagem escolhida, assim como as

provas com figuras infantis observadas na Feira do Conhecimento, insinuam um tipo de

tratamento inadequado à realidade do aluno-interno.

Grosso modo, há uma contradição. Ao mesmo tempo em que se enfatiza um prévio

diagnóstico, existem pistas de um afastamento do contexto prisional. Contra isso, não

duvidamos que a amizade seja um instrumento legítimo. A competência, também é uma

qualidade e está disponível, conforme as indicações dos questionários: eles apontam uma

extensa qualificação e vivência docente.

Mas, em uma prática educativo-crítica (FREIRE; 2000), como seria possível buscar a

igualdade sem assumir a identidade cultural do interno?

Esta assunção enquanto adulto-presidiário; transposta do discurso para a prática, não

legitimaria um sujeito condicionado. Ela seria o primeiro passo de um trabalho docente que

tivesse o cárcere como ponto de partida.

Retomando a pedagogia da cidade de Gadotti, responderíamos a estas perguntas: Os

alunos sabem quais são os seus direitos? Reconhecem a escola como um espaço cultural?

Como é possível estabelecer um diálogo professor-aluno, observando o contexto

carcerário?

Primeiramente, a educação dialógica não recusa a diversidade. Ela é oposta à postura

descrita por Freire (2003a, p. 96): “Partimos de que a nossa forma de estar sendo não é apenas

boa, mas é melhor do que a dos outros, diferente de nós. A intolerância é isso. É o gosto

terrível de se opor às diferenças”.

Entretanto, o professor, para debater os delicados assuntos que envolvem a instituição

total no espaço da sala de aula, depende da confiança do aluno-interno, o que torna raro este

momento de intercâmbio. Portanto, a convivência plena nem sempre é possível: a comunidade

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escolar dificilmente permite o conhecimento de suas realidades pelo próprio temor em

explicitar dois mundos inconciliáveis: a liberdade e o confinamento.

Guardadas as devidas proporções, uma das tendências que contrasta com a disposição

ao diálogo é a reprodução de uma comunicação obtusa observada na rede “extra-muros” Os

conteúdos tornam-se uma salvaguarda na ocultação dos polêmicos temas do cotidiano:

- “A base do colégio é a educação. Diferente dos problemas da vida como uma geral (revista de segurança) na cadeia” (A – aluno-interno).

No desenho de Jorge Silva e nos eventos, vemos indícios de um certo distanciamento

entre professores e alunos-internos. Se o fato, infelizmente, permanece em boa parte das

“escolas convencionais”, ele é inevitavelmente agravado pelo macrocosmo penal.

No desenho, a professora é o centro das atenções e precisa ter algum tipo de didatismo

que a proteja dos relatos da rotina prisional. A conferência ou aula expositiva pressupõe a

organização de um diálogo hierárquico. Não é a saída definitiva: o entorno da escola é uma

unidade penal de segurança máxima.

Nos rituais de integração, há um claro formalismo na fala dos “dois diretores”, nas

atitudes dos professores e convidados. Na etapa gospel e no comportamento de alguns alunos-

internos, vimos um forte apego a uma discursiva “conversão educacional” 60. Afinal, a platéia

também é composta de um público externo à prisão que necessita de provas constantes da

“ressocialização”. Logo, a erudição; musical ou intelectual, adquire uma importante

simbologia.

Esta nuance não descarta a eclética diversidade de interesses que envolvem o diálogo

participativo e amistoso apoiado em um leque de opções didáticas adequadas à realidade

dos internos. _______________ 60 Algo equivalente ao discurso religioso de Assunção de Salviano, o personagem definitivo de Callado (1960).

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No presente e no passado, quais seriam as percepções de alunos e professores

sobre o cotidiano das instituições escolares?

Em relação à escola retrógrada, o tradicionalismo e a limitação permanecem. No

depoimento de um dos docentes entrevistados:

“Desde o passado até hoje, o modelo da escola é o mesmo. A gente é adestrado na escola mais do que é educado” (Prof. J).

Segundo Alves (2003c, p. 18), é importante não esquecer que a escola pode ser um

lugar prazeroso: “Mas ninguém jamais pensou em avaliar a alegria dos estudantes – mesmo

porque não há métodos objetivos para tal. Porque a alegria é uma condição interior, uma

experiência de riqueza e de liberdade de pensamento e sentimentos”.

Nesse sentido, a tristeza da professora desenhada por Jorge contrasta com a felicidade

dos internos na Feira do Conhecimento ou no Festival de Música.

Finalizando, gostaríamos de ressaltar que nas questões de estudo da entrevista, três

categorias repetiram-se: amizade, realidade e participação. São três palavras que podem

assinalar a percepção de alunos-internos e professores do Colégio Mario Quintana sobre o

universo escolar prisional. Elas inserem-se verdadeiramente no trabalho de uma educação de

adultos que poderá encontrar espaços para a articulação de uma “escola cidadã” (GADOTTI,

2002): dentro e fora do presídio.

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APÊNDICE A –ROTEIROS DE ENTREVISTA,

DEPOIMENTOS E QUESTIONÁRIOS

(PROFESSORES E ALUNOS-INTERNOS) ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA (QUESTÕES DE ESTUDO) 1- Que qualidades são necessárias para o trabalho de um professor em uma escola de presídio? 2 - Qual é a melhor maneira de professores e alunos dialogarem na prisão? 3- A escola, a partir de suas experiências pessoais, no presente e no passado, vem atendendo as suas expectativas? Funções? Modelos? Significados? DEPOIMENTOS (CONTEXTO EDUCACIONAL) I- Impacto da prisão no cotidiano da escola. II - Comparação entre os dois espaços: LB e CEMQ. III - Diferenças e semelhanças entre uma escola “comum” e uma escola voltada para a educação de adultos na prisão. IV- Sugestões de medidas para a área de educação de adultos presidiária. V- Visão familiar da integração com o colégio. VI - Circunstâncias que o levaram a trabalhar / estudar em uma escola de presídio. VII - Auto-imagem (“Como você se vê”) na condição de aluno e professor no presídio. VIII- Fato marcante no colégio.

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Amigo (a) professor (a): Estamos desenvolvendo uma pesquisa sobre educação no sistema penal através do Curso de Mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Desta forma, estamos trilhando caminhos que, com certeza, também valorização as escolas diferenciadas da rede estadual. Sua participação é opcional: não se trata de uma avaliação e sim, de um trabalho universitário com finalidade científica. Gostaríamos de reforçar a importância do retorno deste material o mais breve possível. Para entregar o mesmo, você poderá entrar em contato comigo nos meus dias de trabalho (segundas e terças). Agradecemos antecipadamente por sua colaboração e estamos disponíveis para eventuais esclarecimentos. Alexandre Palma da Silva - Professor de Ed. Artística – Colégio Estadual Mario Quintana Contato: 1- Nome e idade:___________________________________________________________. 2- Disciplina (s):___________________________________________________________. 3- Experiência profissional: Magistério C. E. Mario Quintana a) Tempo de serviço:________________ano (s).

a) Tempo de serviço:_______________ano (s).

4- Perfil acadêmico: ( ) magistério ( ) superior ( ) especialização ( ) mestrado ( ) doutorado 5- Com exceção do Colégio Mario Quintana, já atuou em educação de jovens e adultos? ( ) sim ( ) não. Em caso afirmativo, por quanto tempo? ______________ ano (s). 6- Você tem interesse em participar de uma pesquisa sobre educação no sistema penal? ( ) sim ( ) não. Em caso afirmativo, de que maneira? ________________________________________________________________________. 7- Contato:_______________________________________________________________.

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1- Nome e idade do aluno-interno:_______________________________________________. 2- Qual é o seu grau de escolaridade? Última série cursada em liberdade

Série atual no C. E. Mario Quintana

3- Há quanto tempo estuda no C. E. Mario Quintana? ____________ano (s). Já estudou em outra escola de presídio, antes de estudar no C. E. Mario Quintana? ( ) sim ( ) não. 4- Além de assistir as aulas no C. E. Mario Quintana, participa ou já participou de alguma outra atividade abaixo no presídio Lemos Brito? Marque com X um quadrado ou quantos quadrados forem necessários, não esquecendo de preenchê-los: TRABALHO ( ) Aonde?

ARTESANATO E TEATRO ( )

CURSOS DE INFORMÁTICA ( )

IGREJA EVANGÉLICA ( )

PASTORAL PENAL ( )

ATIVIDADES ESPORTIVAS ( )

BIBLIOTECA OU POESIA ( )

OUTRAS ATIVIDADES ( )

PREFIRO NÃO MENCIONAR ( )

X

5 – Como você vê o seu futuro? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________. 6- Você tem interesse em participar de uma pesquisa sobre educação no sistema penal? ( ) sim ( ) não. Em caso afirmativo, de que maneira?

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APÊNDICE B – PESQUISA NA CAPES

- Consultamos o banco de dados www.capes.gov.br usando as seguintes expressões: “educação de presidiários”, “educação de adultos presos”, “educação de adultos no sistema penal” e “educação presidiária”. I – Quantidade de dissertações e teses x localização

Universidade/Ano 1989 1999 1997 2001 2002 2003 UFRJ 1 UFRGS 1 UERJ 1 1 Univ. Fed. Mato Grosso

1

USP 1 1 UNESP 1 1 PUC/SP 2 Univ. S. Marcos 1 Total 1 1 2 3 3 2

II – Síntese das pesquisas Título

Resumo

Um dos caminhos da educação na penitenciária de Marília/SP.

Busca entender a prática educativa na prisão exigida pela Lei Penal em uma visão de “fora para dentro” (pesquisador) e “dentro para fora” (presos)

Reeducação presidiária: a porta de saída do sistema carcerário.

Mostrar a possibilidade de recuperação com base teórica no Existencialismo e na Educação Política de Adultos através de pesquisa realizada no presídio Ji-Paraná – RO

Reflexões críticas sobre educação de adultos em situação especial: um estudo descritivo-interpretativo e uma proposta de ressocialização.

Reflexões críticas sobre a educação de adultos em situação especial, apresentando uma proposta alternativa ao problema da ressocialização.

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Teatro: Gesto e Atividade. Investigando processos educativos através de técnicas dramáticas, com um grupo de presidiários.

O referencial de Paulo Freire e Bertolt Brecht à luz do gesto dramático para a construção de uma proposta de Teatro Educação

Educação por trás das grades: uma contribuição ao trabalho educativo, ao preso e à sociedade.

A partir do trabalho educativo com jovens e adultos encarcerados na Casa de Detenção de Marília (SP), buscou-se uma contribuição para a educação escolar.

Educação de adultos presos: possibilidades e contradições da inserção da educação escolar nos programas de reabilitação do sistema penal do Estado de São Paulo.

No estado de São Paulo, o autor problematiza o conceito de reabilitação diante das contradições da gestão penitenciária que busca anular as individualidades, num contraponto à vocação ontológica do Homem, defendida por Paulo Freire.

A Educação na Penitenciária Feminina da Capital: a crença da reabilitação

O pressuposto desta pesquisa, realizada em uma penitenciária feminina, é o desejo de fazer do ambiente escolar um espaço diferente dos outros setores da prisão.

Aspectos do envelhecimento em indivíduos encarcerados e as oportunidades educacionais no sistema penitenciário.

Propõe a abordagem de uma educação gerontológica nos currículos da Educação de Jovens e Adultos/Educação à distância, descrevendo a velhice na prisão.

Política Pública de Educação Penitenciária: contribuição para o diagnóstico da experiência do Rio de Janeiro.

Análise da política educacional fluminense através da legislação penal conjugada com trabalho de campo.

A cela de aula: tirando a pena com letras. Uma reflexão sobre o sentido da educação nos presídios.

Investigação dos significados atribuídos à educação escolar de prisioneiros, confirmando idéias já estabelecidas.

A Educação Escolar no Sistema Prisional Sob a Óptica dos Detentos

Estudo exploratório intensivo realizado com treze internos de uma prisão do Vale do Paraíba em São Paulo.

Educação, Ambiente e os Reeducandos da Colônia Penal Agrícola das Palmeiras, Município de Santo Antônio de Leverger, um Estudo de Caso.

Estudo de caso realizado na Colônia Agrícola das Palmeiras (Município de Sto. Antonio de Leverger em Mato Grosso), enfocando valores ambientais.

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APÊNDICE C – ENTREVISTAS COM PROFESSORES E ALUNOS-INTERNOS

1- Que qualidades são necessárias para o trabalho de um professor em uma escola de presídio? I - Olha, eu vejo que eles são muito exigentes e dedicados. Eles cobram mesmo, tá? Eu comecei com experiência, porque estágio e aula relâmpago que eu dei em uma escola foi uma experiência, dizendo a verdade. Inclusive falei para a diretora que eu tive uma rapidíssima passagem em um estágio e por uma escola particular. Eles são muito dedicados e cobram muito. E você tem que fazer, digamos assim, “das tripas, coração”. Eu posso falar isso do Mario Quintana: eles cobram mesmo da pessoa, estão ali para aprender, querem aprender. Ao contrário de alguns adolescentes que não querem aprender, não todos os adolescentes. Então, eles querem realmente aprender. J - Que tenha muita paciência e perceba que não vale a pena dar murro em ponta de faca depois que inventaram o inox. Porque se antes o ferro enferrujava, o aço inoxidável, não! Curto e grosso. Da forma como as escolas estão... é reproduzir. Porque se você não fizer assim, vão fazer por onde tirar você de lá, porque você vai incomodar. Então é achar que você vai, estando lá... É fazer nada! No sentido de mudar alguma coisa. Porque não se consegue mudar isso de baixo para cima. Ou se muda de cima para baixo ou não se muda. Porque de baixo para cima, aquele que está em cima te manda sair de campo, te expulsa do jogo. Você quase saiu do jogo, não foi? Você sabe muito bem. Eu saí literalmente, fui posto pra fora, eu levei cartão vermelho. Então é isso. Eu não tive a paciência que talvez você tenha tido. Eu não negociei, eu não transigi, eu não fiz política. Eu não tenho a veia de um político. Eu não tenho pavio. E político não tem pavio, tem rastilho. H - Eu diria a ele... que entrasse lá sem nenhum tipo de preconceito. Deixasse o preconceito dele do lado de fora. Encarasse, assim, como um desafio... Mas eu aconselharia qualquer professor a trabalhar lá. Tanto que eu já levei vários professores para lá. Três professores... Eu levei uma outra que não voltou porque ainda não teve chances de gratificação por lotação prioritária, que á professora F. de Português. Os professores que eu levei para lá todos gostaram muito, gostam muito. E - E a segunda pergunta, um recado é uma coisa que eu vejo, os professores lá fazem e eu também... E que é uma prática lá da nossa diretora – e que mesmo que isso seja a prática a gente nunca deve esquecer. É olhar para o aluno, o preso como um aluno, não como um preso. Eu falo isso porque todo mundo que sabe que nós damos aulas em escola de presídio: “Ah, você trabalha no presídio? Como é que é?” Tem gente que pergunta até se tem grade separando os alunos do professor. Então eu digo: “gente, são pessoas como nós, né, que cometeram alguma... transgressão, algum crime e estão lá pagando a pena”. São pessoas. Então é olhar diretamente nos olhos, conversar com eles e ser professor da mesma forma que é fora... É isso. E outra coisa também... É... não valorizar demais o conteúdo. Porque é você pensar que você está dentro de uma escola de presídio e que todo conhecimento que você está transmitindo... eu tenho essa preocupação, eu nem sei se... Sabe? É mostrar, e dentro do conteúdo, e dando exemplos. Nunca esquecendo a realidade dele, sabe? E mostrar... E cada vez mais mostrar a importância da escola para ele. Eu acho que é isso. A coisa é o mais simples. Não é nada de complicado. É o mais simples. É olhar para ele como um aluno, olhar nos olhos naturalmente e nunca esquecer a realidade e o seu papel ali. Porque ali nós sabemos... eles valorizam o professor, nós somos profissionais valorizados. Então, a gente aproveitar essa... essa oportunidade, eu acho que isso é o sucesso mesmo do colégio, né? Da escola que é importante. RG - Que fosse tão competente quanto ele é em outros colégios. Que estudasse até muito mais a questão da metodologia, das técnicas, dentro da matéria dele, para atender aquela clientela. E que

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realmente tivesse muita disponibilidade, vontade, sensibilidade para ressocializar aquelas pessoas, porque dentro da escola eles não são criminosos, dentro da escola eles são pessoas, eles são alunos. O – Venha com disposição. Venha para o Mario Quintana ou outro local... Qualquer colégio que seja... Com disposição, com vocação. Porque você vai encontrar muitas situações que podem te desestimular. Mas pelo contrário: você pode e tem que tomar isso como estímulo para prosseguir. Porque você pode ouvir, ver situações e se sentir um pouco angustiado, desanimado. Mas todo dia ao colocar a cabeça no travesseiro, ao refletir mesmo, em momentos... procure ver que você está ajudando, entendeu? Você vai ver na realidade que não existe essa separação: preso e viver solto. O que existe na sociedade é um todo. É o próprio meio ambiente. Você tem que ajudar esse irmão que está caído de alguma forma ou estigmatizado. Muito mais estigmatizado do que seria a realidade interior desse cidadão. A - É o recado que eu já dou até a colegas nossos... Já tem três colegas novos que eu levei pra lá. Levei, entre aspas. É um trabalho gratificante, um trabalho gostoso, um trabalho em que a gente tem uma resposta até... Eu acho até um pouco egoísta do professor um trabalho em que você vê a resposta de imediato. Porque o aluno... fica realmente grato, dentro desse salário tão pequeno que a gente tem pelo menos há essa compensação. Fora o que está acontecendo em muitas escolas, né? E, também, não são todas as turmas, mas de maneira geral. Salário pequeno... o professor não é valorizado nem pela direção nem pelos alunos, então é um negócio desgastante! Você vai remando contra a maré! E ali não... Em tudo! O acolhimento, né? O respeito... I - Bom, se o interesse dele fosse de trabalhar lá, ele ia gostar muito. Ele ia gostar bastante. O recado que eu daria a ele é que precisa gostar do que vai fazer. Ele precisa acreditar também. Porque ali ele não vai ser somente um professor como, aliás, nós não somos só professores. Hoje, como professores, se permite aqui o parênteses, a gente está suprindo a ausência do Estado, está suprindo a ausência da família. Então às vezes o aluno depende só do professor. Ele não tem um pai presente, ou está separado da mãe, ou ela já morreu, por alguma questão, às vezes até de forma violenta... A maioria dos alunos de comunidade carente passa por esse problema... Então ele não tem em casa a presença, o carinho, a educação. Aí, ele traz essa revolta para a escola e na escola o professor acaba assumindo isso. Lá no sistema eu creio que isso se acentua um pouquinho mais. Porque o Estado que deveria ser o tutor do interno acaba falhando em vários aspectos: seja no social, seja no profissional... No passado e no presente. Então o interno fica às vezes dependente do professor até para escrever uma carta. Não que o professor vá fazer esse trabalho. Não cabe a gente fazer isso, inclusive nós somos proibidos de fazer isso. Mas eu digo de um aspecto de orientar, de como fazer... Então o professor acaba ficando com esse papel. É na parte de aconselhamento, por exemplo. Muitos internos entram em depressão pela própria rotina do sistema, pelos problemas que eles acumulam. Então o professor acaba sendo um psicólogo, aquela pessoa que vai sentar e conversar. Porque o Estado falha nessa parte, e muitos deles também não têm confiança em se abrir com os órgãos que estão lá dentro para ouvi-los. Eles acabam fazendo isso com a escola porque têm confiança na presença do professor. Então eu aconselharia a esse colega que ele estivesse pré-disposto realmente e abraçasse essa causa. Não só como professor em si que vai passar os conteúdos e coisa e tal... Mas também como um amigo, um colega, né? Um profissional que vai ser mais um elemento em que o aluno vai poder confiar, né? Para sua recuperação, vamos dizer assim, social. S – Bem, eu fico muito limitada, eu, que tenho trinta e sete anos atuando numa unidade prisional, então eu fico muito chateada quando escuto dizer que o professor vai pra lá porque escola de presídio é muito bom. Não há aula por causa de greve dos internos, por causa de greve de agente, quando há... É... Qualquer motivo fecha a unidade, então o professor não dá aula. Não é isso. Porque lá na Lemos Brito nós temos essa experiência: quando fecha a unidade, meus professores ficam aguardando terminarem a geral para dar aula. E o professor, para atuar na penitenciária, não pode ir por causa do horário – é diurno. O professor tem que compreender um aluno como uma pessoa que está à margem da lei. Não pode discriminá-lo. Aceitar... Aceitá-lo com o crime que ele cometeu e procurar ajudá-lo

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para quando ele acabar de cumprir a pena ter condição de voltar para a nossa sociedade. Professor que não aceita o delito que eles cometeram não tem condições de trabalhar em unidade. Não é bem aceitar, só procurar compreendê-los. Porque eu também, com trinta e sete anos de unidade, eu não aceito. Mas quem somos nós para julgá-lo? Algum motivo o levou ao delito. Então nós temos que ajudá-lo a cumprir a sua pena e ajudar na sua transformação. Z - O meu recado é: “não há nada a temer ao ensinar em escolas de presídios. A única coisa que devemos ter em mente é a abdicação de qualquer tipo de pré-conceito”. C - Cada dia de aula é cheio de surpresas e gratificante. Aprendi e cresci muito junto com eles nesses dois anos de presídio. Acho que não só professores, mas todos que quisessem, aprenderiam muito aqui dentro, o verdadeiro valor da vida e da liberdade. I - A atuação dos professores com alunos se faz um poderoso instrumento de “conquista” do alunado.

---- A – Se ele já está interessado eu não daria recado, incentivo através de exemplos. A – Interesse do professor. R – Se espelhe nos professores. W – Exemplo de perseverança, experimentar “provar o ensino”. J – Ter uma nova maneira de olhar o cárcere. Mudar a visão a partir da convivência como os alunos. G – O professor não está acostumado a trabalhar aqui. O que o professor vê na mídia é diferente. M – O professor deve ficar tranqüilo porque os alunos que estão na escola são pessoas normais. Já os alunos têm que ter força de vontade para conseguir sua meta, seu objetivo de estudar. 2- Qual é a melhor maneira de professores e alunos dialogarem na prisão? I – Olha em comecei a notar que a Física é uma matéria de que geralmente os alunos ficam falando: “para que serve a Física?” Aí eu dava exemplos do dia-a-dia para eles pegarem... Mas começou mesmo a deslanchar foi neste ano, quando começamos a fazer experiências com sucata. Isso no Mario Quintana, a única escola em que lecionei. Tive uma passagem muito rápida por outra em que eles não foram muito éticos comigo. Não por culpa da escola, a entidade, pessoa jurídica; mas as pessoas físicas. Eu posso até voltar para aquela escola mudando as pessoas físicas. Seja dito: a pessoa física, não a jurídica. E atualmente no Mario Quintana a resposta que me deu feedback tem sido essa. Quando eu comecei a fazer experiências de sucata, vi que eles são muito criativos com a sucata, pela questão da sobrevivência, de criar coisas... Eu fui pegando, pesquisando em livros, vendo, conversando com eles. Eles geralmente gostam de fazer experiências. Eu também dou a parte tradicional da Física, e muitos alunos acham que exercício é a prática. Mas não, o exercício é a prática, digamos assim, da teoria. Porque prática mesmo é a Física experimental, de laboratório, que a gente faz. Aliás, eu fui criada em laboratório, eu fiz meu estágio em laboratório. Fiz curso de laboratório de extensão na PUC. Mas a maioria das escolas não tem laboratório, e a nossa escola, por questões de verba, não tem. Então, eu fui criando, e a gente tem que ter jogo de cintura. E apesar de eu ter tido uma ótima

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professora, que inclusive foi minha amiga pessoal... na prática é outra coisa. Aí a gente tem que criar, bolar, ter o popular jogo de cintura. Mas a partir do momento em que eu comecei a fazer a prática da Física, inclusive de maneira lúdica, brincando com eles... para não ficar aquela aula maçante... fazendo piada, brincando com eles. Uma vez teve uma aula que eles fizeram educação física pra ver o sistema cartesiano. “Pra cima, levanta os braços: positivo!”. “Pra baixo, negativo!”. “Pra esquerda, negativo!”. “Pra direita, positivo!”. Aí realmente eles começaram a ver que a Física não é só aquilo, mas no dia-a-dia eles estão gostando. A aula ideal a gente tem que fazer... Por mais que se prepare uma aula, na prática o negócio é outro. Eu preparo às vezes. Quanto aos outros professores de cada disciplina, cada um vai ter sua característica, né? O feedback também da turma... eles podem ter um feedback comigo e com outra disciplina já ser diferente. Com você, por exemplo, que trabalha com artes, eles já podem ter até outro feedback. Eu aproveitei até um trabalho de artes seu para dar uma aula de óptica. Eles fizeram uma montagem e eu aproveitei. Então a gente aproveita para a nossa feira de ciências. Porque aí também fica Física para praticamente tudo. Modéstia à parte, sem fazer pouco para as outras matérias, a Física é fundamental. “Desculpem as feias, mas beleza é fundamental”. Essa frase do Vinícius era muito machista. Ele tinha frases muito machistas, faço questão de colocar isso na entrevista. J – Criatividade. Veja só: tem alunos que são muito criativos. Eles conseguem embrulhar um monte de bombinhas. Criar um bomba e explodir a caixa d`água do banheiro dos rapazes – na escola onde eu trabalho. Não deixa de ser criativo, você construir um artefato explosivo. Então, essa coisa da criatividade... a gente que já trabalhou no sistema tendo a oportunidade de ir ao Museu Penitenciário, a gente vê a criatividade daqueles alunos presos. Na concepção de armas de brinquedo, mas que intimidam e proporcionam fuga. Tem-se lá cachaça a partir de cascas, de folhas que a gente jamais imaginou que pudessem virar cachaça... Então não é propriamente permitir que haja criatividade. Até a escola hoje permite que haja criatividade. É uma criatividade, digamos... que está esgotada. É mais ou menos o que eu vou tentar te explicar melhor: você é livre para criar o que pode ser criado. O que te permitem criar. Não pode passar dali. Você pode ser criativo desde que a sua criatividade não venha de encontro às expectativas de um “status quo”, de qual é a função real da escola, que é muito mais adestrar do que educar. Não imaginar como seria a aula, mas o que deveria ser a aula. Porque é muito difícil você transformar uma aula de qualquer coisa em uma coisa interessante. Exemplo: eu, professor de História readaptado, antes de readaptar também dava aula. Hoje eu só dou aula de Artesania. A minha aula de História, eu nunca tive uma aula que durasse mais de uma hora e meia, minha matrícula é de quarenta horas. Como o projeto inicial de ginásios públicos era sempre aula dupla, toda aula tinha uma hora e meia. E era muito difícil manter um aluno numa aula de História durante uma hora e meia. Até uma aula de cinqüenta minutos não é uma tarefa fácil. Dependendo de qual seja a disciplina e o conteúdo daquela disciplina naquele dia, ou seja, o assunto que eu vou tratar, é difícil manter o aluno quieto. O aluno pede para ir ao banheiro, depois quer beber água ou depois tá jogando bolinha de papel, giz no outro e tal. Você tem que gastar pelo menos dez por cento da aula pedindo silêncio, para que eles se aquietem. Agora, dando a oficina de Artesania... a minha oficina dura no mínimo quatro horas e às vezes eles nem pedem para ir ao banheiro. Levam a garrafinha para encher d`água e beber a garrafinha para não terem de sair e toda hora beber água. Então o que é isso? Como explicar? De resto, a maneira que eu sou não mudou: do jeito que eu faço em uma aula eu faço em outra aula. Eu não sou uma pessoa dando aula de História e outra pessoa dando aula de arte. O que eu acho é que o conteúdo é outro, a aula é uma coisa outra. Então não é como deve se dar aula e sim o que deve ser realmente dado na aula. O que deve ser realmente importante que se aprenda nesta p... isso todo mundo já sabe. E isto é que tem que ser questionado. Antes de saber como é que eu vou dar aula, é saber como eu vou ter que dar aula. Será que é tão importante, todo mundo saber o que é mitocôndria? Ou no Português, as coordenadas subordinadas sindéticas ou assindéticas. É um monte de palavrões que as pessoas começam a ver bem pequeninas, e que na realidade, depois que você cresce... Você vê um arquipélago, fragmentos de memória que você no dia-a-dia pouco usa ou nada usa. Então isso deveria ser formulado de outra maneira. Acho desnecessário, essa maneira de querer conhecer tudo, como se tudo fosse importante. Quando na realidade muita coisa que se ensina é mentira! Porque muita coisa que se ensinou no passado, provou ser mentirosa. A própria ciência no seu processo evolutivo, prova

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que o que se acreditou, que se viu há trezentos, trezentos e cinqüenta anos atrás, hoje não é mais. Todo mundo tem que aprender essa porcaria e há trezentos anos atrás era a maior mentira. Um monte de gente tá aprendendo um monte de coisa hoje. Daqui a trezentos anos será a maior mentira, o maior engodo. A escola tem que estar se questionando o tempo todo. N – A arte me ajudou a entender. Eu atuo também com teatro porque meu pai - e eu só fui descobrir há pouco tempo - ele era festeiro. Fazia balão, festas, festas católicas, carnaval. Eu lembro que a gente fazia em casa máscaras de carnaval... fazíamos fantasias e ele pegava a família inteira. Ia pra Rio Branco, ia pra outros lugares e quando era Natal era a vila inteira, preparava pernil... Eram coisas coletivas e aí eu aprendi, agora principalmente, eu deduzi, que é possível e que é necessário o aprendizado coletivo. Por que? A comunidade, seja ela escolar, de bairro ou científica, ela é um organismo. Ela afunda junto ou eleva-se junto. É um organismo vivo. Então, na aula, pelo menos eu tento fazer isso, eu tento chegar ao raciocínio coletivo. O que é raciocínio coletivo? Se nós estamos em redação ou ortografia, precisa que o aluno entenda a lógica. Só que ele vai entender, mas não sozinho, com papel, livro ou exercício. Primeiro eu fico falando, conversando, sobre lógica e tentando que todos se manifestem, coloquem a sua opinião. Quando um coloca uma opinião, já abre o raciocínio do outro, que discorda ou não, que fala. E outro do outro lado e outro, o outro, o outro... E de repente a sala inteira está debatendo a crase. Porque a crase e porque não a crase? A sala inteira está debatendo porque escrever tema, porque não pode ter outro tema. Então eu fico com um organismo que está raciocinando ao mesmo tempo, junto, e vai sair um produto de todos. E não um tira dez e outro tira zero, porque um entendeu e o outro não entendeu. Então, eu proponho – às vezes sim, ou não – essa bolha, essa unidade. Esse jogo de futebol, um time, a gente vê o gol. Onze pra fazer gol. Na sala, o objetivo é a educação e a cidadania. De todos. A pior coisa do mundo é: eu ter quinhentos alunos, com quatrocentos eu consegui e com outros cem não consegui. Aí não dá; quatrocentos se tornam cidadãos de primeira categoria e cem são cidadãos de terceira categoria e vão voltar pro presídio porque não entenderam. Enquanto o último não entender, a aula não pode acabar. Pára ali. Trava ali. Porque quando eu for para o outro dia, eu estou seguindo o raciocínio da aula anterior. Quando eu pego turmas seguidas em vários anos, eu começo o ensino médio no primeiro ano e só termino essa aula no último dia da terceira série. É o raciocínio coletivo que vai levar à produção do conhecimento do ensino médio. Agora se eu for dar uma aula hoje aqui ou ali, vou dar uma aula que não tem nada a ver com a outra, no ano que vem não tem nada a ver com outra, não tem nada a ver com a outra... Aí o cara vai ficar louco e eu também. Então repito todas as aulas, eu sempre começo igual a novela. Se acabou a outra, para ver se essa, a outra, tá fresca, se teve mudança de raciocínio pra gente ir produzindo novas informações, pra essas novas informações gerarem novas informações, novas informações, novas informações... E eternamente novas informações. Então é o tipo de aula, eu não vou chamar de ideal, mas que eu te falaria que é o único jeito que eu sei fazer. E descobri isso através do teatro e, antes, trabalhando ou indo a festas. Ser carregado pela mão. Onde um segura o balão, o outro acende a bucha. Outro vem e faz não sei o quê. E o pernil na padaria. E é isso. E festa junina eu cansei de pendurar bandeirinha porque ia ter festa na rua. Sempre coletivo, sempre coletivo, sempre coletivo. D – É... professor Alexandre, no Rio de Janeiro eu acho que nós temos uma situação especial por assim dizer. Meu conhecimento é mais no Rio de Janeiro. Apesar de ler bastante sobre a situação da educação nos outros estados, me parece que nas grandes cidades, né, como o Rio de Janeiro,o centro de São Paulo, talvez outro estado do Brasil não tenha tanto essa problemática. Mas nessas duas cidades, a população que, vamos dizer, que invade a cidade sem controle nenhum, nenhum, nenhum! A migração é muito grande. E as crianças que vêm evidentemente juntas com essa população ficam morando em locais de grande carência de recursos. Essas crianças... não têm nenhuma qualidade de vida! E o grosso dessas crianças é... são realmente os nossos alunos das escolas públicas, né? E o que acontece com essas crianças? Como elas não têm qualidade de vida, também não têm qualidade no relacionamento, pois não têm qualidade no relacionamento familiar, não têm qualidade no relacionamento sociedade, professor inserido nisso... O que dificulta bastante o nosso trabalho. Então na realidade, nessas grandes cidades, nós teríamos que ter uma estrutura diversificada muito maior.

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Psicólogos, orientadores educacionais, médicos, nutricionistas, que apoiassem a escola e até, digo mais, um apoio psicológico para os professores para que o trabalho ocorresse, fluísse bem melhor. H – Eu acho que o diálogo é muito importante, né? Dialogar com o aluno é muito importante. E também saber que tipo de aluno você tem, né? Porque você despertar interesse vai depender muito do grupo. Então é muito importante saber que tipo de aluno você tem, saber da realidade dele e estar aberto ao diálogo. Dentro da comunidade também. E – É... Isso é uma preocupação constante minha. Eu sempre eu acho que a gente tem que melhorar e que quanto mais o professor se comunicar... e assim, procurar uma interação com os alunos, eu acho que a aula vai flui melhor e vai ficar mais interessante. Principalmente na minha área mesmo, de História e Sociologia, eu acho que a gente pode trabalhar muito assim com debates, eu acho que há uma infinidade de formas de se trabalhar em que o aluno... para tentar transformar a disciplina numa coisa agradável, o ensino numa coisa agradável. E hoje nós temos uma infinidade de instrumentos... O cinema, eu acho que a literatura – a gente pode usar – e muitas vezes o aluno ele não tem o hábito de ler. Então eu tenho assim uma preocupação constante também da conscientização da importância da leitura. Porque nós estamos vivendo num momento, nessa era da globalização, da comunicação acelerada, onde tudo é descartável. Então os alunos vão perdendo muito o contato com a leitura, com a importância do papel. Então aí fica uma coisa assim que eu tenho... que eu acho assim importantíssimo... essa questão da leitura, de estar tentando colocar a literatura, a música, a arte... é, sabe? Junto com a História que eu acho que é uma forma agradável... e também de desenvolver o amor pela leitura. Eu acho que isso aí... Na disciplina de História, de Sociologia, é muito importante. RG – Que ele se sinta à vontade, que eu permita que ele se sinta à vontade para externar as suas opiniões, as suas experiências de vida que vão servir para um conhecimento prático e depois um conhecimento científico. E de uma maneira, melhor possível, tornar a aula muito agradável; que ele apreenda melhor; que ele tenha um diálogo comigo, franco. E eu também diria que tenho colocar para ele a minha competência na minha disciplina e ele confiar naquilo que eu vou tentar passar para ele. O – É tentar chegar à linguagem dele! Já que hoje em dia essa linguagem, esse discurso coloquial, se apresenta como dominante na nossa sociedade. Não adianta muito a gente chegar cheio de verborragia, cheio de gramática, aprofundamento... Você tem que ter isso na bagagem, mas você também tem que buscar essa cultura social, esse saber do povo. Isso de uma certa forma, você amanhã ou depois irá chamar de folclore. É o saber do povo mesmo, a língua do povo, a língua das ruas, para você se comunicar e poder se fazer entender. Até para você chegar a outro nível de conhecimento que haja e perceba ser interessante e ser assimilado. A – Colocando-se... Da forma até que eu procuro fazer. É... colocando-se no mesmo patamar... Eu estou ali como alguém que precisa de alguém para exaltar, orientar... Mas todos ali são importantes, inclusive... A gente trabalha com formação e a gente aprende... Alma aberta para aprender também com eles, ou troca mesmo, numa interação mesmo. I – Bom, eu acho que entre professor e aluno deveria haver assim uma relação, eu creio, de parceria. De respeito é lógico, mas de troca. O aluno, ele traz muita coisa dele. Bagagem dele que o professor deveria, eu creio, aproveitar... Nesse aspecto aí, eu concordo com o pensamento moderno... Em relação ao pensamento antigo, em que o professor era o dono da verdade, é claro que hoje não é mais assim. O aluno tem muitos recursos à disposição dele e alguns de que nem o professor dispõe. Então o aluno tem muito com que contribuir para o bom andamento da aula. Então o relacionamento entre eles deveria ser de troca. É claro que o professor traz um maior número de informação, o professor tem o seu planejamento, que ele vai colocar em prática junto ao aluno. Mas o relacionamento deveria ser de parceria. Eu aprendo muito com meus alunos. Inclusive porque o aluno ele tem mais tempo até do que o professor para pesquisar... Então dentro dos assuntos que a gente discute em sala de aula, estuda em

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sala de aula, os alunos enriquecem muito com conhecimento geral que trazem, né? geralmente, o aluno do ensino médio. S – O professor tem que, principalmente, dar o respeito para o aluno, respeitá-lo. E nós sabemos que num mundo violento como a gente está andando, as famílias muito... as famílias desagregadas... Então eu acho, principalmente, que o professor tem que ouvir o aluno porque o aluno, quando chega na sala de aula, ele chega com problemas de família!.. Então, eu acho que o professor tem que ser principalmente amigo! Mas amigo assim, dentro do respeito: professor e aluno. Dar liberdade ao aluno, não intimidade. Liberdade sim, pro aluno levar o problema ao professor, e o professor, como educador, procurar ajudar quem chega na escola cansado... Às vezes vem até do trabalho, então o professor tem que procurar ouvi-lo, ajudá-lo... Então é isso que eu falo: o professor deve procurar compreender, eu acho que é isso o principal, porque está todo mundo assim. Ainda mais no nosso caso, a gente tem muito problema. Aliás, problemas todos nós temos. Mas o professor tem que procurar ajudar, compreender. É muito importante que o aluno sinta que ele pode confiar no professor. Às vezes a gente vai perder aluno porque o aluno está com problema... Porque lá tudo é problema... A família não vem, ele quer parar de estudar! E... qualquer problema, “ah eu tô com a cabeça cheia”. Então quando fala que vai para liberdade, aí nossa Senhora! Aí que ele pára de estudar porque vai para a liberdade. Nós temos até um exemplo, Alexandre e, você sabe; o S., lembra do S. do primeiro ano? Ano passado, em outubro parece, o S. abandonou a escola porque... porque já estava esperando alvará, porque ia para liberdade e, conclusão: não conseguiu sua liberdade e hoje está lá conosco no primeiro ano novamente. Poderia estar no segundo. Mas não é porque nós, professores não escutamos o aluno. Vários professores conversaram, mostraram para ele. E eu falo para eles: gente, se eu soubesse que o alvará chegaria rápido, vocês ficariam lá no cubículo, eu deixaria todo mundo no cubículo esperando o alvará! Mas se vocês vierem para escola, vocês vão fazer outras coisas, é uma terapia, vocês vão conversar com o professor, conversar com os seus colegas... O professor vai trazer coisas lá extra-muros para vocês... Então, o tempo passa, isso aqui é uma terapia para vocês. Melhor do que ficar lá em cima esperando com toda essa ansiedade, ansiedade piora o quadro, o alvará não chega... Quer dizer, um aluno perdeu um ano. Poderia estar adiantado! Z - Acredito que devemos preparar uma aula pensando em nós mesmos como alunos. É imprescindível ter a sensibilidade e a sensatez de adequar cada parte do programa aos interesses e expectativas do corpo discente. Em suma, é fundamental sempre nos questionarmos: se fosse eu o aluno seria esse tipo de aula que eu gostaria de assistir? C - A melhor maneira de se comunicar com o aluno é com atenção e valorização. Uma aula interessante seria aquela em que o centro de interesse girasse em torno das experiências e vontades e curiosidades dos próprios alunos. Com isso as aulas seriam construídas junto com os alunos. Para as aulas serem mais dinâmicas, também podemos utilizar poesias, vídeos, músicas, etc. I - Interagindo, trabalhando conteúdo ligado diretamente com a sua vivência. --- W – No Mario Quintana, compreender as dificuldades dos internos. Antes de ser professor, um amigo como o professor N. Ter afetividade. R – Participação do aluno, não jogar a matéria. E – O aluno faz do professor uma espécie de psicólogo: os professores têm jogo de cintura. A – Cumplicidade, clareza, repetição de explicações, carinho. O professor não deve pensar só no salário. Lá fora também deveria ser assim, aqui o aluno é interessado, ao contrário da escola pública.

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A – Participação; concordo com W. A – Todas as aulas são iguais. Sugestão de tema: preservar a Natureza. R – A professora I. chegou a suspender sua licença especial. É o envolvimento do professor. Ele deve esquecer os problemas de casa e vir com amor para prestigiar a escola. Ele deve compartilhar os problemas como os alunos, é uma troca entre alunos e professores, incentivar. W – Conquistar o aluno, cumprimentar, falar bem, gerando interesse. O clima de debate facilita a comunicação em sala como nas aulas de História e Geografia. J – Que o professor, antes de planejar a aula, converse com os alunos para saber interesses e então fazer o planejamento. O aluno também deve fazer o mesmo. O professor deve sair do pedestal e ser companheiro do aluno, dialogar. Amigos que trabalham juntos, integração aqui como o grupo, uma corrente. G – Concordo com o J.: O professor sair do pedestal é legal. O professor ser mais próximo. Como exemplo: professor de Matemática F. M – Qualidades fundamentais na comunicação com o aluno: ser atencioso e amigo. 3- A escola, a partir de suas experiências pessoais, no presente e no passado, vem atendendo as suas expectativas? Funções? Modelos? Significados? I – Não, no passado, quando eu fui aluna, deixava muito a desejar. Achava que tinha que ter mais democracia no tempo de aluno e inclusive no tempo da faculdade. Durante um ano eu estudei em uma faculdade federal e uma vez passaram um projeto para os calouros falarem... E depois disseram que aquilo não ia dar em nada. Achei muita empáfia dentro de uma universidade federal. Depois fui estudar numa particular, na época em que eu podia pagar, a universidade não era cara. Achei bem melhor em outros aspectos do que a federal. Mais democrática. E atualmente como professora eu vi que houve uma melhora na escola. Tá mais democrática, os alunos são mais ouvidos, inclusive vistos. Eu tive aula de didática, mas na prática a gente tem que pegar a didática que você teve com seus ex-professores. E por isso com meus alunos eu procuro manter um diálogo. Porque eu já fui também aluna. E com muitas coisas eu não concordava. Então procuro ver o que eu concordava e o que eu não concordava, dar as aulas e ver também o que eles falam. Por que o professor tem que buscar também o sinal de feedback. J – Não mudou. Desde o passado, até hoje o modelo da escola é o mesmo. A gente é adestrado na escola, mais do que é educado. Ou tentam fazer que a gente mais obedeça do que crie em qualquer situação. Então, a gente é mais orientado a reproduzir do que a produzir criativamente alguma coisa. Então, hoje como professor e ontem como aluno, eu não vejo a menor diferença em relação à escola. Mudou o meu lado. Porque antes eu levava esp... Hoje, eu dou esp.... Se antes eu era aquele a ser enquadrado, hoje eu sou aquele que busca enquadrar. E me revolto... É claro que tem problema por conta disso. A gente acaba ou agindo com rigor, ou sendo permissivo... O que não é legal. Eu vejo que uma escola que permita as pessoas fazerem do mundo uma coisa legal teria que ser uma escola onde as pessoas primeiro gostassem de ir. Eu não gostava muito de ir à escola. Hoje as pessoas não gostam muito de ir à escola. Então, se a escola é o lugar onde as pessoas se encontram e aprendem a construir o mundo... então para construir o mundo tem que ser uma escola interessante... As pessoas têm que ter vontade de ir e ela tem que estimular a criação. Tem que estimular processos em que as pessoas possam expandir as suas funções, as suas vontades. Como a gente está num mundo muito diferente,

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esquisito... acredito que uma escola dessas teria de ser, antes de tudo, uma escola rebelde. Se for uma escola passiva e reprodutora do que está aí, ela só pode contribuir para que o mundo seja uma m... N – Bem, em relação ao passado é meio complicado porque eu já estou com quarenta e quatro anos. Então vou ter que voltar bem a memória. Eu estudei numa escola para operários do SESI no ensino fundamental. E essa escola... a minha avó era operária da fábrica Bangu, na fábrica Deodoro. E aí essa escola do SESI era acoplada no bairro Anchieta, que é ao lado da fábrica Deodoro, uma fábrica de tecidos. Então eu fiz o antigo primário lá, depois fui para Brasília com meu pai... É um intervalo de dois anos que eu tenho dificuldade de lembrar. Aí eu fiz lá o fundamental e depois o ensino médio em um colégio particular: Arte e Instrução, em Cascadura. Então o que eu lembro de estudo é uma coisa que eu tento discutir muito com os alunos hoje, que é o seguinte: me falavam “estuda que é para arrumar emprego”, “estuda, porque se não estudar não vai arranjar emprego em lugar nenhum”, “estuda para fazer concurso”. Sendo que eu fiz datilografia, aprendi datilografia, me colocaram no curso de datilografia que é mais ou menos hoje: aprenda informática, né? “Pra poder arrumar emprego tem que saber datilografia”. Então era um momento muito... era estudar para virar operário! Minha família era operária, todos tinham, têm, baixo nível de escolaridade. Era estudar para ser operário mesmo... E eu não tinha ainda noção do que era, do que acontecia. Mesmo assim, eu lembro que era difícil... Me dar merenda, caderno, uniforme, tudo era complicado. Não era fácil minha vida; normal, pobre, como qualquer brasileiro que não seja da elite. Aí eu tento já fazendo uma ponte entre o passado e o tempo atual... Eu tento quebrar, onde eu vou dar aula e principalmente no presídio. É quebrar isso: a pessoa não tem que estudar para ser operário, estudar para arranjar emprego. Ela tem que estudar para entender um mundo melhor, desenvolver, acompanhar os acontecimentos, se libertar da ignorância da escuridão. Foi diretamente, concretamente isso. E lá no presídio essa tese, se eu puder chamar assim, ela se confirma completamente. Para mim (eu posso estar errado), todos que não puderam estudar ou tiveram baixa escolaridade procuram resolver a vida da forma possível ou quase animalesca. É tomar! Me dá, é meu! E não hesitaram na hora de tomar ou tiver que acontecer uma coisa fatal.. E acho que essa escola nossa, a Mario Quintana, ela deveria tirar da cabeça do interno que ele tem que estudar para sair dali e arrumar emprego. É o contrário... Até porque o que acontece é o seguinte: eu trabalho com teatro e teatro popular. Teatro é uma arte coletiva. Se você treinar um ator isoladamente, separando os dotes, dons, talentos, qualquer coisa assim... se vou prepará-lo individualmente para atuar em um campo coletivo... e isso é paradoxal: se a arte é coletiva, ele tem que aprender coletivamente como futebol. A molecada joga pelada junto. Um depende do outro e vai crescendo, e ele aprende coletivamente porque ele pode vir a ser um jogador de futebol que vai jogar coletivamente. E aqui é a mesma coisa, só que aí eu jogo na área de educação para o aluno. Ou seja, eu acho que a educação não deveria dar notas individuais, preparar individualmente, ensinar a competir para passar no vestibular, para ser o primeiro. Porque esse cidadão vai ficando individualista. E aí, quando ele é inserido concretamente no mercado de trabalho, que deveria ser coletivo – ou melhor, a sociedade é coletiva; ela funciona agregada, ela não funciona isoladamente –, ele não sabe, ele não aprendeu a viver em coletivo. A escola ensina a aprender a viver sozinho. Ele sente, ele acha que é isso: ele tem que ser um engenheiro, um médico, ou isso ou aquilo... E não: a função social do médico, a função social do engenheiro, não é? Porque não é um médico em si, é um médico dentro de uma sociedade. Não é um médico sozinho, dentro de casa, leigo, dentro de uma prisão. Ele é um médico, um engenheiro, um professor que vai auxiliar a sociedade como um jogador de futebol, um ator. Ele deveria fazer isso... Então é uma expressão que se usa muito: “se o gato não aprende a brincar com a bola, quando ele crescer ele não vai pegar o rato”. A bola é um treinamento, o jogo é um exercício em que ele fica ali, jogando a bolinha pro gato, desde bebê... Correndo atrás, pegando, né? Quando aparece o rato e ele já é adulto, ele corre e apanha o rato! Ele tinha agilidade, ele cria estímulo, cria instinto, cria “time”, tudo! Não é? Ele reage! E o que a gente faz na educação é apassivar o aluno para um trabalho de sociedade. E, ao contrário e pior, a gente incentiva o individualismo. E aí o cara se dá mal sempre. E nos conflitos, se a gente for perceber, os chamados comandos e organizações criminosas, eles são escolas coletivas. Ali se aprende junto, o crime! Então o cara entra para uma organização coletiva, ele quer se agrupar. E na escola, ainda mais se a gente está falando de passado e presente, esse período onde as carteiras eram juntas, eu isso me lembro, sentávamos juntos, dois a dois

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às vezes o ano inteiro... E a época da cadeira universitária que era só espaço de sentar a bunda e um único pedaço para botar o papel. Ou seja: o contato com o companheiro acabou total! E espaço, acabou totalmente. A cadeira universitária era aquela fila de setenta a cem cadeiras com corredores no meio... Isolava mesmo essa questão de prova, de colar, não colar. Então, infelizmente a base da sociedade capitalista acha que tem que educar individualmente, quando eu acho que deveria educar coletivamente. Quer dizer, aulas coletivas e não aulas individuais. D – Apesar de estar há quase um ano apenas na Escola Mario Quintana, que atende a uma população de internos... eu estou gostando muito do trabalho, eu acho que os professores, principalmente da escola, desenvolvem um confronto, eu não diria, uma atitude, né? Então o trabalho vem atendendo a minha expectativa porque nós conseguimos ver o aluno fora do contexto escolar, que é o ideal... Inseri-lo no mundo, no contexto do aluno. No passado, a disciplina, a autoridade, como uma forma autoritária de exercer a disciplina, interferia bastante no trabalho do professor com o aluno. Em um trabalho em que você não era perturbada, entre aspas, mas em que também você não conhecia o seu aluno. Muitas vezes isso dificultava para você ter o conhecimento, a comunicação, do que ele conseguia aprender da sua disciplina. Hoje, já não temos mais esse problema, mas também estamos mais para o lado oposto: o aluno, por excesso de indisciplina, ele também não consegue... não consegue aprender os conteúdos básicos, né? Nós temos que chegar a um equilíbrio, reequilibrar essas forças aí. É: liberdade e disciplina. H – Olha, parcialmente eu diria que sim, né? Não está atendendo totalmente. É... eu estudei em colégio de freira, estudei também no Anglo-Americano que era um colégio de uma mentalidade mais avançada... Mas a escola naquela época era mais repressora do que hoje em dia. Então eu acho que atende parcialmente... Tanto naquela época como agora. A escola - não sei se algum dia - vai atender totalmente as expectativas que a gente tem. E mais, eu como aluna... via muitos professores assim como modelo a ser seguido. A professora que eu sou hoje vem muito por aí. Aquele professor com quem em me identificava eu acho que... eu tenho um pouco do comportamento dele. E aqueles professores com os quais eu não me identificava, eu tento me afastar ao máximo que eu posso. Aqueles professores repressores, que só querem nivelar por cima, tá? Eu acho que não é por aí de jeito nenhum. Eu vivi muito isso. É muito difícil, né? Porque você já tem diversos tipos de escola. Você tem particular, o ensino público e aquele público como o Pedro II, o Cap – UERJ. Mas de uma maneira geral, os alunos, principalmente da escola pública, estão assim muito alienados. Eu vejo os alunos assim. Houve inclusive uma pesquisa em São Paulo com alunos do ensino médio noturno no qual eu trabalho... E perguntaram a esses alunos por que eles iam à escola? E a resposta foi: “para ver os amigos”. Essa foi a resposta, entendeu? A parte de ensino ficou em segundo plano. Um lugar para refrescar as idéias, um ponto de encontro... Então já fica bem diferente da proposta da escola. Eu gostaria de complementar dizendo o seguinte... Eu acho que a escola falha muito em identificar as habilidades, as tendências dos alunos. Porque o que eu vejo na Mario Quintana... alunos poetas, alunos cantores, alunos músicos, escultores, artesãos. Por que na época em que eles eram crianças e estavam na escola essas habilidades não foram identificadas? Se tivessem, eles provavelmente teriam seguido um novo mundo, né? Então eu acho que a escola falha muito nisso. Tanto no passado como hoje. A escola de uma maneira geral... Não vou me deter nas escolas muito bem estruturadas, não. Estou falando no geral. Escolas públicas em sua grande maioria. Falham na identificação desses pendores artísticos e tudo mais. Hoje eu acho que está havendo...um movimento, mas esse movimento está apenas começando. Tem até, parece, uma secretaria nova, na questão das atividades extra-classe. Então as crianças estão sendo encaminhadas para escolas de balé, escolas de música. Isso é fundamental. E – É... Eu acho que a escola não atende às expectativas. De modo geral, ela não atende ainda às expectativas dos professores. Mas, pensando no tempo em que eu era aluno, e já tem um bom tempo, eu acho que algumas mudanças aconteceram. Mudanças para melhor e mudanças para pior... Por exemplo, no meu tempo vamos dizer aí, nos anos setenta, em que eu era adolescente... eu creio que... do que eu lembro assim... eu tinha impressão, eu como aluna, que o professor era mais valorizado,

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havia assim uma figura do professor. Eu acho que tinha um significado mais importante do que hoje. Por outro lado... nos dias de hoje, nós temos muito mais liberdade de expressão, nós temos assim várias formas... Eu acho que há uma autonomia do professor na sala de aula. Eu acho que existe uma maior criatividade, não é só aquele modelo em que o professor é o mestre e ele vai ensinar... e os alunos vão aprender. Eu acho que hoje há uma interação maior. Não é só o professor, ele é participante junto com os alunos. Então eu acho que interage mais, acho que há uma comunicação maior ... Agora o que, infelizmente... há uma coisa que é a própria desvalorização do professor enquanto profissional. Isso aí eu acho que quebra um pouco e até... como nós estamos num momento assim, em que se pode se dizer, claro que com certos limites, de uma liberdade democrática, é... uma maior liberdade. Eu acho que há também na figura do professor... Não por causa da liberdade, mas por causa da desvalorização profissional, ele deixa de ter a credibilidade. Entendeu? Eu acho que as coisas se misturaram um pouco. Não sei se eu respondi. RG – Não. Eu acho que ela falha especialmente nos primeiros anos. Porque ela não descobre os talentos dos alunos. Ela se preocupa muito em informar e isso ainda exclui muitos os alunos, não é? A educação ainda é para uma elite. O – Nós temos um problema, né? A escola, eu não poderia deixar de dizer que ela preenche todos os requisitos nesse sentido. Ela é realmente um instrumento fundamental. Mas o grande detalhe que a gente ainda se vê na escola numa dicotomia muito distanciada da realidade social... No campo profissional também. Se bem que hoje o pessoal, em termos de discurso, vem se pronunciando em favor de integrar mais a escola, essa integração do aluno socialmente, do mercado de trabalho, entendeu? Mas a gente ainda vê muitas falhas: muito discurso e pouca prática. A – Olha, eu acho que sim. Tem atendido sim. É... É outro tempo, outra época no meu tempo de estudante. A matéria de outra forma, o conteúdo, as informações, então... Eu acho que ela ainda cumpre o papel dela, de formar a pessoa integralmente. Acho que está cumprindo sim... Tem coisas ainda a serem superadas, mas no geral, acho que sim. I – Olha, sem saudosismo... Eu posso dizer que no meu tempo era melhor. Aí é claro, que os pedagogos, o pessoal, os profissionais da educação, eles não olham por esse lado. Eles entendem que naquele tempo os métodos eram rígidos e tal e que não cabem hoje. Mas no meu tempo eu estudei na escola pública e passei para uma universidade pública. Já hoje o aluno de escola pública não consegue passar, não tem condições. E é claro que a escola tem uma outra visão: ela não visa mais essa questão de preparar o aluno para o vestibular o que também acho correto. Porque senão nós vamos formar robôs como os porquinhos. Porém, se ela não leva o aluno à universidade pública, ao nível superior, ela deveria direcionar para algum lado. O profissionalismo... Nós não temos escolas profissionalizantes de qualidade. O mercado de trabalho... E a formação geral nossa é muito geral mesmo... De tão geral que diluí. E o aluno sai dali sem estar preparado para coisa alguma e muito menos para o vestibular. Então eu acho que a escola de hoje deveria ser repensada. Tem muitos caminhos aí, nessa área eu não sou a melhor pessoa indicada para falar porque não é a minha área... Mas eu acho que tem muitos caminhos para seguir e... se espelhar um pouco. Nem todas as experiências passadas foram ruins. Tem muita coisa do passado que poderia estar funcionando hoje, né? A questão da formação do elemento, por exemplo, em moral, costume, caráter... Isso o professor exigia. Os critérios que tinham naquele tempo, lógico, não podem ser aplicados da mesma forma. Mas pelo menos os objetivos deveriam prevalecer. E a escola hoje em dia, a título de uma abertura, ela acaba dando, trabalhando assim uma liberdade demais, assim excessiva, em que o aluno se vê sem compromisso nenhum com a responsabilidade, com o respeito aos professores e aos colegas. Isto está sendo abandonado na escola pública de hoje. E não é só na pública não, tá? na particular também. Está difícil a coisa. Então eu acho que a escola do meu tempo valorizava mais esses aspectos e a escola de hoje, a título da sociedade moderna, de um liberalismo, de um tratamento mais avançado entre aspas, permite ao aluno chegar à pós-adolescência, adultos, sem nenhuma responsabilidade com nada. Então

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ele acha comum, por exemplo, matar aula, se um aluno não tem bom aproveitamento, ele tem “n” condições de recuperar. Então isso faz com que ele não se sinta responsável. S – Bom, no tempo que eu era aluna há muitos anos atrás... Porque eu já sou professora há trinta e sete anos era completamente diferente. Eu acho que antigamente se preparava mais, o aluno tinha mais capacidade. Ele saía, assim mais... ele saía da escola escrevendo muito bem, lendo muito bem apesar de ter muitas assim... É... a parte decorativa. A gente decorava muito. A gente era obrigada a saber todos as afluentes do Rio Amazonas, nós éramos obrigados a saber as capitais dos países... Prova oral! No tempo da prova oral! Era mais difícil do que hoje... Latim... Ih, peguei Latim, estudei na época do Latim... Era mais difícil sim! As provas que nós fazíamos, até concurso... Concurso para o Estado era muito mais difícil do que é hoje... Você pegava pessoas assim que não tinham nem o primário e escreviam melhor de que alunos hoje universitários. Só que hoje... Não se girava tanto em torno do aluno. Hoje o centro é o aluno! Nós tínhamos que ouvir... O professor falava, falava, falava e o aluno não podia questionar. Hoje se desenvolve muito a parte criativa do aluno, a autocrítica do aluno... O aluno dá suas sugestões, o aluno debate com o professor, ele forma sua opinião. Então eu acho que isso... O diálogo é maior! E eu acho que isso é muito importante para o desenvolvimento do cidadão. Z – A expectativas que são criadas provêm do meu modelo enquanto discente. Atualmente, fazendo parte do corpo docente, procuro aplicar ao meu planejamento tudo que foi proveitoso e eficaz na minha época de educanda. É claro, que muitas vezes acabo repetindo paradigmas conservadores e tradicionais, o que nem sempre é ineficaz. Todavia, esforço-me para tornar minha prática como educadora a mais humana, íntegra e eficiente possível. C - Na Mario Quintana, as expectativas são um pouco diferentes do que nas escolas da rua. Os alunos se dirigem a ela, não só em busca de conhecimentos, mas também, de um pouquinho de paz e liberdade. A maioria nunca foi à escola, teve uma vida pobre e sofrida. Meus alunos dão muito valor à escola e a tudo que ela lhes oferece. Acho que, pela primeira vez na vida, eles reconhecem o verdadeiro significado da escola. Ela atende a todas as minhas expectativas. I - Sim, dentro do possível. ---- W – A escola não me capacitou, por exemplo, na preparação para o vestibular. Refiz o segundo grau. Terminei o segundo grau sem saber. Tanto no passado como agora ficou faltando alguma coisa. R – Concordo com E. na limitação. E – Passar de ano, receber o diploma, não sei qual é a função da escola: limitação? O vestibular depende de mim. Não via a escola como obrigação. A – Uma certa dificuldade em adquirir conhecimentos, descontinuidade. Não foram experiências proveitosas, não atendeu em conhecimentos, conquistas. As coisas se limitam dentro do cárcere. A – Atendeu às expectativas: esforço, retorno ao estudo. A – As duas experiências foram suficientes, atenderam à minha expectativa. R – No passado tinha as matérias, mas eu não entendia, tirava nota baixa. Atualmente, debato com funcionário da cadeia. Hoje, apesar do espaço e com toda dificuldade, a gente está conseguindo aprender.

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W – Ambas atenderam à expectativa. Atualmente, há dificuldades: professores tomam geral e há greve de agentes. J – Passado e presente com a mesma idéia de inclusão social em qualquer lugar. Para funcionar são necessários bons educadores. As escolas que seguem Paulo Freire e Vigotsky têm crescimento. As escolas em que passei, pública ou privada, cada uma tinha sua metodologia, salvo a Lindolfo Reis e o Liceu. O colégio Mario Quintana é o melhor. O aluno tem direito, tem lugar nos eventos, está no patamar equiparado de outras pessoas. Existe a experiência democrática de convívio. G – No passado não tive boas recordações. A escola não era motivadora. Eu era desinteressado, tinha dificuldade para aprender. Aqui no colégio sinto vontade de vir e só falto por necessidade. A escola promove o ambiente, os professores, a metodologia é boa. Eu posso falar, expor idéias, debater... M – No passado recente não havia uma expectativa maior, até pela própria adolescência; Atualmente a expectativa é de profissionalização após a conclusão do ensino médio.

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