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Waldomiro Piedade Filho A CRIATIVIDADE NA PEQUENA EMPRESA: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A PERCEPÇÃO DOS DIRIGENTES E DOS EMPREGADOS Doutorado em Ciências Sociais Pontifícia Universidade Católica São Paulo 2006

A CRIATIVIDADE NA PEQUENA EMPRESA: UM ESTUDO DE CASO … Waldomiro Pied… · A criatividade nas empresas pode ter como resultado redução de custos, aperfeiçoamento de produtos

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Waldomiro Piedade Filho

A CRIATIVIDADE NA PEQUENA EMPRESA: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A PERCEPÇÃO DOS

DIRIGENTES E DOS EMPREGADOS

Doutorado em Ciências Sociais

Pontifícia Universidade Católica São Paulo

2006

2

Waldomiro Piedade Filho

A CRIATIVIDADE NA PEQUENA EMPRESA: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A PERCEPÇÃO DOS

DIRIGENTES E DOS EMPREGADOS

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do título de

DOUTOR em Ciências Sociais sob a orientação

do Professor Doutor Paulo-Edgar A. Resende

Pontifícia Universidade Católica São Paulo

2006

3

Banca examinadora:

___________________________________________

___________________________________________

___________________________________________

___________________________________________

___________________________________________

4

Dedico este trabalho às pessoas que renovam

constantemente o sentido da minha vida: minha

mulher Miriam, meus filhos Caio e Thaís, meu

genro Eric e minhas netas Ana Carolina e Ana

Beatriz.

5

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a todos aqueles que, de forma direta ou indireta,

contribuíram para que esta tese se tornasse possível.

Ao Prof. Dr. Paulo-Edgar A. Resende, meu novo orientador.

À Profa. Dra. Maria de Lourdes Manzini Covre, pela orientação, pelos

ensinamentos e pelo exemplo de mulher batalhadora.

À Profa. Dra.Marisa do Espírito Santo Borin e ao Prof. Dr. Ruben Keinert

pela esclarecedora contribuição, por ocasião do exame de qualificação.

Aos proprietários da Malharia Irmãos Silva, pela abertura da empresa

para a realização da pesquisa e aos seus funcionários que tão bem me

acolheram.

À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pelo seu apoio e pelos

anos de excelente convivência acadêmica.

Aos meus pais, pelo estímulo à minha formação acadêmica.

Aos meus amigos Geraldo Borin, Luiz João Corrar, Alberto Ferreira

Machado, Gilberto Caetano, Maura Silva Guedes, pelo incentivo na realização

deste trabalho.

À minha esposa Miriam, pelo apoio e colaboração neste trabalho e pelo

companheirismo durante toda a nossa vida.

6

“A organização, normas e rotinas do trabalho definem quem deve pensar e

quem deve apenas executar as tarefas. É isso que pode tornar um trabalho mais

ou menos interessante e um grupo de trabalho mais ou menos criativo”.

Prof. João Batista Araújo e Oliveira

7

RESUMO

O objetivo deste estudo é pesquisar a criatividade na pequena empresa familiar,

fator que, no ambiente competitivo próprio da atualidade, pode contribuir para

sua sobrevivência.

A criatividade nas empresas pode ter como resultado redução de custos,

aperfeiçoamento de produtos e processos, melhoria da qualidade, e até criação

de novos produtos etc. Desse ponto de vista a criatividade é geradora das

inovações, que é o processo de tornar uma invenção rentável para a empresa..

O estudo de caso se deu em uma malharia situada na cidade de São Paulo,

setor tradicional da economia, sendo a preocupação central compreender como

a criatividade era vivenciada e percebida pelos dirigentes e funcionários; ou

seja, por meio de entrevistas semi-dirigidas, procurou-se desvendar o modo

como a pequena empresa aqui em foco tratava seus empregados no sentido de

estimular o desenvolvimento de idéias criativas.

O pressuposto central foi de que os proprietários das pequenas empresas

familiares do setor tradicional da economia, por centralizarem o conhecimento e

o poder, não estimulam a criatividade dos funcionários, como de fato pôde ser

constatado pela não existência de alguns fatores diversos que caracterizam um

clima favorável à criatividade, tais como: trabalho motivador, autonomia,

valorização da atividade de treinamento, existência de recompensas para os

indivíduos criativos e, principalmente, apoio da direção.

O presente estudo pretendeu contribuir, então, para a reflexão de um tema

ainda pouco explorado na literatura pesquisada.

Palavras chaves: criatividade, pequena empresa, pequena empresa familiar,

malharia, empreendedor e poder.

8

Abstract

The objective of this study is research the creativity in the small family business,

what can contribute for the survival of this kind of organization in the nowadays’

competitive environment.

The creativity in companies can have as results the reduction of costs, the

development of products and processes, quality improvement and even the

creation of new products, among others. In this point of view, the creativity is the

generator of innovation, and this process makes an invention rentable for the

company.

The case study was made in a textile company located in São Paulo and it is

part of a traditional sector of the economy. The main objective is to understand

how the creativity was experienced and noticed by the high administration and

employees. Using semi directed interviews there were an attempt to discover

how this small company deals with its employees to encourage the development

of creative ideas.

The central premise was that the owners of small family business of a traditional

sector of the economy, as they centralize the knowledge and power, do not

encourage the creativity of their employees, what could be evidenced. Some of

the many factors that characterize a favorable environment to the creativity as

motivational work in the operational area, autonomy, valuation of the training

activity, rewards for creative individuals and, specially, support from the high

administration; were not found in the textile company studied.

The following study intend to contribute to put the focus on a subject still little

explored in the literature researched.

Keywords: creativity, small business, small family business, Textile Company,

entrepreneur and power.

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................... 11

O PERCURSO METODOLÓGICO................................................................................................................. 16

CAPÍTULO 1 - UMA PEQUENA EMPRESA FAMILIAR : A MALHARIA

IRMÃOS SILVA ................................................................................................. 22

1.1 HISTÓRICO DO SETOR DE MALHARIA NO BRASIL ........................................................................... 22 1.2 A MALHARIA IRMÃOS SILVA: DE SUAS ORIGENS ATÉ OS DIAS ATUAIS........................................... 25 1.3 CARACTERIZAÇÃO DA MALHARIA IRMÃOS SILVA........................................................................... 35

CAPÍTULO 2 - A PEQUENA EMPRESA: O OLHAR DOS DIRIGENTES SOBRE

A CRIATIVIDADE ............................................................................................. 47

2.1 CRIATIVIDADE: HISTÓRICO E CARACTERÍSTICAS ............................................................................... 47 2.2 EMPRESÁRIOS CRIATIVOS E INOVADORES......................................................................................... 57 2.3 EMPREENDEDORES ........................................................................................................................... 64 2.4 CRIATIVIDADE E ORGANIZAÇÃO ......................................................................................................... 70 2.5 PODER, LIDERANÇA E CRIATIVIDADE NA PEQUENA EMPRESA ........................................................... 73 2.5.1 O PODER E O MITO DA GRANDE FAMÍLIA......................................................................................... 76

CAPÍTULO 3 - OS FUNCIONÁRIOS E A QUESTÃO DA CRIATIVIDADE....79

3.1 O CLIMA ORGANIZACIONAL NA MALHARIA IRMÃOS SILVA ................................................................. 79 3.2 IDENTIDADE/ IDENTIFICAÇÃO ............................................................................................................. 87 3.3 TREINAMENTO .................................................................................................................................... 93 3.4 BENEFÍCIOS........................................................................................................................................ 97 3.4.1 SISTEMA DE RECOMPENSA .......................................................................................................... 100 3.5 A DIVISÃO DO TRABALHO E A LIBERDADE PARA CRIAR .................................................................... 105

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 119

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................ 124

ANEXO 1 - QUESTÕES GERAIS FEITAS A TODOS OS ENTREVISTADOS ................................................ 132 ANEXO 2 - QUESTÕES SUPLEMENTARES FEITAS AOS PROPRIETÁRIOS ............................................... 133 ANEXO 3 - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS DIRIGENTES ................................................................. 134 ANEXO 4 - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS FUNCIONÁRIOS .............................................................. 135

10

Lista de Tabelas

Tabela I – Número de malharias existentes no Brasil por região ...................... 30

Tabela II - Mão de obra direta empregada nas malharias................................. 31

Tabela III - Distribuição de fábricas por porte.................................................... 32

Tabela IV - Sistema de Sugestões nos EUA e Japão ...................................... 101

Tabela V - Sistema de Sugestões na Toyota (Japão) ...................................... 102

11

INTRODUÇÃO

O objeto do presente estudo é a criatividade em uma pequena empresa familiar.

Essa escolha se deu tanto em função da trajetória profissional do autor1, como

pela inegável importância desse tipo de organização na economia brasileira,

tanto em termos de quantidade quanto de participação ativa na geração de

empregos.

1 Trabalhei durante oito anos em uma empresa familiar, que, embora de médio

porte pelo número de empregados, tinha sua administração centralizada,

semelhante à das pequenas empresas. Posteriormente, trabalhei por dezenove

anos no Banco de Desenvolvimento do Estado de São Paulo – BADESP, na

área técnica e gerencial de análise de projetos, bem como na assessoria

operacional da Diretoria e Presidência. A maioria dos projetos de financiamento

apresentados era de empresas de pequeno porte, o que me fez entrar em

contato e avaliar empresas desse universo inúmeras vezes. Além disso, a

reflexão sobre o universo das pequenas empresas, seu ambiente interno e

externo, a forma e os mecanismos de gestão, ampliada na docência da

disciplina Administração de Pequena e Média Empresa e mais recentemente na

implantação e docência do Curso de extensão em Empreendedorismo e Gestão,

vieram a corroborar com o foco da pesquisa.

12

Segundo dados fornecidos pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas

Empresas - SEBRAE/SP, do ano de 2001:

- as micro e pequenas empresas no setor formal urbano (excluindo o setor

governo) representavam 99,2% do total de 4,635 milhões de empresas - as

primeiras correspondiam a 93,9%, e as segundas, a 5,3% desse total. As de

médio porte correspondiam a 0,5 % e as de grande porte, a 0,3%. Em números

absolutos, as pequenas empresas somavam 244.929.

- num total de 25,8 milhões de ocupações na economia formal urbana (excluídos

os empregados do setor público), as pequenas empresas empregavam 5,333

milhões de pessoas, o que correspondia a 20,6% do total dessas pessoas

ocupadas.

- as micro e pequenas empresas foram responsáveis por 84% das novas

ocupações que surgiram entre 1996 e 2001.

- a potencialidade das micro e pequenas empresas ultrapassa as fronteiras do

território nacional. Em 2001, 64% das firmas exportadoras brasileiras se

enquadravam no padrão dos micro e pequenos negócios. Isso representou US$

7,6 bilhões em vendas para o mercado externo.

De acordo com a homepage do SEBRAE na Internet, “As micro e pequenas

empresas são, atualmente, o grande fator gerador de ocupação, porque a

grande empresa, pela necessidade de aumentar a produtividade, exigência da

globalização, automatiza-se cada vez mais e, assim, emprega menos”.

13

Por outro lado, nota-se que a mortalidade nos pequenos negócios é alta no

Brasil, sendo que a causa desse fato é atribuída a vários fatores, inclusive a

erros banais cometidos pelos seus dirigentes e que podem levá-los à falência já

nos primeiros cinco anos (Kanitz, 1999).

De fato, estudos e pesquisas do SEBRAE2 mostram que os dez pecados

capitais de pequenas empresas brasileiras que não obtiveram sucesso são: usar

sem parcimônia o dinheiro da empresa para pagar contas pessoais; não fazer

um plano de negócios; não controlar os custos; vender a prazo sem avaliar a

real capacidade de pagamento do comprador; investir sem planejamento;

centralizar informações e funções; estabelecer prazos de venda sem avaliar o

capital de giro; acumular sucessivos déficits e dívidas; errar no cálculo do preço;

recorrer ao cheque especial para bancar gastos da empresa.

Além desses problemas de gerenciamento, novos produtos, marcas e empresas

são gerados todos os dias, acirrando mais a competitividade.

E é justamente nesse contexto que surge a criatividade, algo simples que pode

se tornar uma aliado importante, um diferencial nessas organizações, permitindo

que busquem novas respostas (Olivan, 2004).

2 Divulgados na Folha de São Paulo de 22/09/2002 – caderno Especial de Negócios.

14

De Masi, um especialista em criatividade e professor de Sociologia do Trabalho

na Universidade de Roma3, adverte que a burocracia presente, especialmente,

nas grandes empresas cerceia a criatividade. Diz ele:

Quanto mais há controle, mais se destrói a motivação. O controle é o reino da burocracia. A motivação é o reino da criatividade. A burocracia é o nosso grande inimigo. Burocracia significa não ter fantasia.

Afirma o autor que, para ser criativo, é necessário ter certa harmonia interna e

determinado senso de luta, porque criar é um desafio, implica em muitas

probabilidades de erro em relação ao acerto. Coloca, ainda, que na Itália as

pequenas empresas são mais criativas do que as grandes.

Mas podemos nos perguntar: o que, afinal, é criatividade? O que é uma idéia

criativa? Qualquer idéia nova é criativa? Segundo Amabile (1996a):

um produto ou resposta é criativa na amplitude que observadores apropriados independentes concordam que é criativa. Observadores apropriados são aqueles familiarizados com o campo no qual o produto foi criado ou a resposta articulada. Assim criatividade pode ser considerada como a qualidade de produtos ou respostas julgadas ser criativas por observadores apropriados, e ela também pode ser considerada como o processo pelo qual algo assim é avaliado e produzido (p.33).

Krugliankas (1996) diferencia os termos criatividade, inovação e invenção,

afirmando que a criatividade é fundamental para o processo de inovação, mas

não suficiente. Criar significa gerar novas idéias, mas é preciso que a empresa

trabalhe no sentido de vencer as resistências naturais que surgem diante delas.

Já invenção é criar algo novo, inusitado, que envolve a formulação de uma

3 Revista Exame – edição nº 684

15

proposta inédita, enquanto inovação é o processo de tornar uma invenção

rentável para a empresa.

Assim, quando uma empresa introduz um novo bem ou serviço, ou usa um novo

método de trabalho ou utiliza um novo insumo está implantando uma mudança

tecnológica. Mesmo que essa mudança não seja inédita em termos de

conhecimentos, como, por exemplo, copiar ou imitar um produto, mas implique

na aquisição de novos conhecimentos e/ou habilidades e/ou esteja sendo

adotada pela primeira vez, é uma inovação tecnológica.

Então, a criatividade pode ser um fator de diferenciação para a sobrevivência

das pequenas empresas em um ambiente competitivo e globalizado. Baseando-

se em Freud, Manzini-Covre (2003) afirma que todo indivíduo tem uma parcela

de originalidade e autonomia e reconhece que, para conseguir sobreviver na

globalização, a empresa deve permitir espaços para a criatividade.

A criatividade nas pequenas empresas pode ter como resultado o melhoramento

em algo que já está feito, diferindo-se de inovação, que pode ser considerada

como atividades novas para empresa. Desse ponto de vista a criatividade é

geradora das inovações.

Nesse sentido, Kassoy (2004, p.4) afirma:

Na cultura das organizações, a criatividade é instrumento decisivo. Reduz custos, cria e aperfeiçoa produtos e processos, melhora o atendimento e assegura a qualidade... ela responde, ainda, pela abertura das melhores oportunidades de negócios e, principalmente,

16

gera as inovações, sem as quais uma companhia não sobrevive.

Diante disso, o objetivo do presente trabalho foi verificar e analisar como a

criatividade acontece e é percebida pelos dirigentes e funcionários de uma

pequena empresa familiar de um setor tradicional da economia nacional - o

têxtil, tema ainda pouco explorado na literatura pesquisada. A hipótese inicial

era de que, os proprietários, por centralizarem os conhecimentos e o poder,

pouco estimulam seus funcionários a desenvolverem idéias criativas.

As questões iniciais deste estudo foram, principalmente:

Como as pequenas empresas vivenciam a criatividade? Como a criatividade é

percebida pelos funcionários e pelos dirigentes? Os empresários estimulam

seus empregados a desenvolverem idéias criativas? O que leva um funcionário

ser criativo? A forma de gerir os negócios tem influência na criatividade?

O percurso metodológico

Gil (1994, p.43) define pesquisa “como o processo formal e sistemático de

desenvolvimento do método científico [sendo seu] objetivo fundamental

descobrir respostas para problemas mediante o emprego de procedimentos

científicos”. Desta forma, a pesquisa social é ”um processo que, utilizando a

17

metodologia científica, permite a obtenção de novos conhecimentos no campo

da realidade social”.

Nesse contexto, o estudo de caso vem sendo uma estratégia de pesquisa

bastante utilizada na área da psicologia, sociologia, ciência política,

administração, trabalho social e planejamento. Segundo Yin (2001), essa

estratégia permite uma investigação que preserva as características holísticas e

significativas dos eventos da vida real, tais como ciclos, processos

organizacionais e administrativos.

Sendo assim, optou-se neste trabalho por realizar um estudo de caso, pois o

mesmo enquadra-se no que Yin (2001) considera as condições para sua

realização: é empregado quando se buscam respostas para questões do tipo

“como” e “por quê”; quando o pesquisador tem pouco ou nenhum controle sobre

os eventos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos

inseridos em algum contexto da vida real.

O estudo de caso se deu em uma pequena empresa familiar do setor têxtil e do

sub-setor de malharia, situada na cidade de São Paulo, e aqui denominada

Malharia Irmãos Silva (nome fictício). Optou-se pela análise situacional na

pequena indústria pelo fato de esta estar inserida num ambiente globalizado e

competitivo atual de uma forma mais intensa, no sentido de sofrer forte

concorrência dos produtos importados e também nacionais, o que acarreta a

necessidade de constantes soluções criativas.

18

Num primeiro momento, o estudo foi realizado de forma documental, por meio

do levantamento da bibliografia relacionada com o tema. Segundo Lakatos &

Marconi (1982, p.19), a bibliografia pertinente “oferece meios para definir,

resolver, não somente problemas já conhecidos, como também explorar novas

áreas, onde os problemas ainda não se cristalizaram suficientemente”.

Nesse sentido, teve-se como orientação para o aprofundamento da questão

referente à criatividade as leituras dos principais autores que a abordam, tais

como: Domenico De Masi, Eunice Alencar, Teresa Amábile, D. Winnicott, João

Batista Araújo e Oliveira, George F. Kneller, Howard Gardner, Colin Martindale,

Hans Eysenck , Gisela Kassoy, I. Kruglianskas, Tania Stoltz Schleder etc.

Foram também aprofundados conhecimentos sobre a situação atual da pequena

empresa da cidade de São Paulo, e especificamente da indústria de malharia,

por meio de publicações da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo -

FIESP, Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados - SEADE, Serviço

Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE, Banco Nacional

de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, Instituto de Estudos e

Marketing Industrial - IEMI e outras.

Procurou-se compreender o modo como a pequena empresa trata seus

empregados no sentido de estimular o desenvolvimento de idéias criativas e a

sua efetiva aplicação, tema ainda pouco explorado na literatura pesquisada.

19

No processo de pesquisa, optou-se por fazer as entrevistas de forma

semidirigida, com uma seqüência básica de perguntas.

As entrevistas foram feitas inicialmente com os dois proprietários, buscando

captar como se dá a relação cotidiana entre eles e o os empregados, além do

histórico da empresa, principais dificuldades e perspectivas futuras( ver roteiro

de entrevista no anexo 2 e 3).

Numa segunda etapa foram entrevistados funcionários tanto da área

operacional quanto administrativa, tendo como objetivo perceber se eles se

reconhecem como sujeitos criativos, se percebem o valor das idéias criativas e

se a criatividade propicia algum tipo de compensação/ reconhecimento4.

As entrevistas foram feitas no próprio local de trabalho, por ocasião da mudança

da coleção inverno para a coleção verão, propiciando um maior tempo livre para

os contatos entre o pesquisador e os trabalhadores. Ocorreram num clima de

cordialidade, sendo que a maioria dos entrevistados mostrou-se muito solícita e

prestativa. Parecia haver a expectativa de que suas falas pudessem propiciar

alguma melhoria da situação da empresa, pois todos se mostraram conscientes

da situação de dificuldade de mercado atravessada pela malharia.

Foram entrevistados nove dos dezoito funcionários existentes, perfazendo 50%

do total de trabalhadores contratados, abrangendo todos os cargos. Foram

feitas perguntas sobre formação escolar, histórico profissional, trabalho

4 Todos os nomes dos entrevistados são fictícios.

20

desenvolvido, relacionamentos na empresa etc., buscando-se compor assim

uma caracterização de cada um deles e perceber como vêem a empresa e

como se vêem nela. Em outras palavras, a intenção era formar uma idéia sobre

a cultura organizacional, obter uma percepção do clima de trabalho, do sentido

de grupo e da subjetividade. O roteiro de entrevistas encontra-se no anexo 1.

Foram feitas, também, questões objetivas sobre o conceito de criatividade, tanto

no que diz respeito ao âmbito gerencial da empresa quanto sobre os

empregados operacionais; este roteiro encontra-se no anexo 4.

Numa terceira etapa foram analisadas e interpretadas as entrevistas, buscando

–se perceber como os empregados se vêem e se sentem com relação aos

aspectos acima mencionados, e especificamente no que tange à criatividade.

Foram colocados exemplos de aplicação das possibilidades da criatividade na

empresa e confrontados com os diversos conceitos emitidos.

As falas dos funcionários foram transcritas e apresentadas no texto em itálico,

sendo ressaltados em negrito os trechos relevantes para o entendimento da

discussão.

Ressalta-se, ainda, que o processo de escolha da empresa objeto do estudo de

caso não foi fácil, pois geralmente as pequenas empresas não fornecem

informações sobre o seu dia a dia, nem permitem dispor do tempo dos

funcionários para entrevistas. Várias empresas foram consultadas e não se

dispuseram a colaborar nesse tipo de estudo.

21

O presente trabalho é composto de três capítulos:

O capítulo 1 apresenta uma visão histórica da Malharia Irmãos Silva, situando-a

no contexto mais amplo da indústria têxtil e suas características.

O capítulo 2 analisa a questão da criatividade nessa empresa, do ponto de vista

dos proprietários, enfocando a questão da inovação, da gestão e do poder.

O capítulo 3 procura desvendar como os empregados se sentem em relação à

criatividade na empresa e como se estabelecem as relações sociais, o clima

organizacional, a identidade/identificação dos empregados com a empresa, o

treinamento e os benefícios existentes.

22

CAPÍTULO 1 - UMA PEQUENA EMPRESA FAMILIAR : A MALHARIA IRMÃOS SILVA

Este capítulo contextualiza a Malharia Irmãos Silva no cenário mais amplo da

indústria têxtil no Brasil, e apresenta sucintamente sua história, identificando

suas principais características como pequena empresa familiar.

1.1 Histórico do setor de malharia no Brasil

De acordo com o relatório do BNDES, “Tecelagem e Malharia” (1998), o

processo de industrialização no Brasil teve seu início com a indústria têxtil. Até

1844, Portugal ditava a política econômica de todas as suas colônias, incluindo-

se aí o Brasil. Em 1785, D. Maria I mandou fechar todas as tecelagens e fiações

do país, com exceção das que fabricavam tecidos grosseiros destinados à

vestimenta dos escravos e à confecção de embalagens, com o objetivo de evitar

que um maior número de trabalhadores agrícolas e extrativistas minerais fosse

desviado para a indústria manufatureira. Posteriormente, em 1810, uma aliança

de comércio feita entre Portugal e Inglaterra reduziu as tarifas alfandegárias dos

produtos ingleses que entravam no Brasil para 15%, taxa esta inferior inclusive à

praticada com a Metrópole, o que tornou a incipiente indústria têxtil ainda menos

23

competitiva. Somente em 1844 foi esboçada a primeira política industrial

brasileira, com a elevação dessas tarifas para cerca de 30%.

Em 1864, o Brasil já tinha uma razoável cultura algodoeira, mão de obra

abundante e um mercado consumidor em crescimento. Outros fatores também

influenciaram a evolução da indústria, dentre os quais destacam-se: a guerra

civil americana, a guerra do Paraguai e a abolição do tráfego de escravos.

Nesse ano, o país contava com vinte fábricas têxteis em funcionamento, com

cerca de 15.000 fusos e 385 teares. Menos de vinte anos depois, em 1881, esse

número duplicou, passando para 44 fábricas, 60.000 fusos e empregando 5.000

pessoas. Nas décadas seguintes, houve uma aceleração no processo de

industrialização e, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, o Brasil tinha 200

fábricas, que empregavam 78.000 pessoas. A limitação na capacidade de

importar ocasionada por essa guerra estimulou o crescimento da indústria

brasileira. Em 1919, a indústria têxtil empregava 105.116 trabalhadores, o que

representava 38,1% do contingente das indústrias de transformação.

Com o término da guerra e a retomada das importações de tecidos, a indústria

têxtil diminuiu o seu crescimento principalmente devido à dificuldade de

competição com os similares estrangeiros que eram vendidos no Brasil por

preços inferiores aos praticados nos seus países de origem. Somente a partir da

crise mundial de 1929 a indústria brasileira voltou a crescer, devido ao processo

de substituição das importações ocorrido em praticamente todos os países.

24

Segundo Durand (1985), nos anos 30 houve restrições legais às importações de

máquinas, que perduraram até 1937, embora nesse período a produção têxtil

tenha aumentado cerca de 50%, passando de 633 para 964 milhões de metros.

A Segunda Guerra Mundial veio acelerar ainda mais o crescimento da indústria

têxtil no país. Iniciou-se, então, a exportação para a Europa e Estados Unidos.

Se comparado a 1920, em 1940 o número de empregados nesse setor triplicou,

e a participação do setor no Produto Industrial atingiu 23,1%. Em 1943, o Brasil

“subiu ao segundo posto do ranking mundial de produção têxtil” (Durand, 1985,

p. 101).

Terminada a guerra, as exportações foram diminuindo, sendo reduzidas a quase

nada; conseqüentemente, os investimentos no setor também se tornaram

escassos, o que acarretou o obsoletismo dos equipamentos. Conforme

Kruglianskas (1996), a exagerada importação de tecnologia inibiu a criação

interna da mesma e fortaleceu os hábitos de consumo imitativos do exterior, o

que tornou as empresas nacionais cada vez mais reprodutoras de tecnologias e

produtos dos países industrializados. Somente a partir de 1970 o setor começou

a passar por grandes transformações, modernizando-se para competir com o

mercado mundial, e as exportações têxteis, que, nesse ano, haviam sido da

ordem de US$ 42 milhões, passaram para US$ 535 milhões em 1975.

Ao final de década de 80, o Brasil assistiu à ruptura do modelo de substituição

das importações, abrindo-se para o mercado externo, e as firmas brasileiras

passaram a competir com suas concorrentes do exterior. As barreiras

25

protecionistas foram sendo derrubadas e, para sobreviver, as empresas tiveram

de se tornar mais competitivas. Muitas faliram e outras passaram por

dificuldades para se adaptar a esse novo mercado. A Malharia Irmãos Silva é

um bom exemplo do que aconteceu.

1.2 A Malharia Irmãos Silva: de suas origens até os dias atuais

A Malharia Irmãos Silva, doravante denominada MIS, é de propriedade de dois

irmãos e começou quando o pai deles, que atuava como mestre de malharia em

uma empresa, comprou, em meados da década de 60, uma máquina de tecer

para a família trabalhar. Com o tempo, eles passaram inclusive a prestar

serviços para a própria empresa na qual o pai ainda estava empregado. Na

ocasião deste estudo, o Sr. João (nome fictício) era o sócio responsável pela

área de produção, e o Sr. José (nome fictício), o sócio que cuidava da parte

administrativa e financeira.

No início, o pai, a mãe, o Sr. João e outro irmão trabalhavam na empresa, então

localizada no fundo do quintal da casa onde eles moravam e denominada

Malharia Silva. Esse início enquadra-se no que Durand (1985) considera usual

ocorrer na formação de uma pequena empresa do ramo têxtil: o envolvimento

da mulher e dos filhos no negócio da família.

26

maior antiguidade (relativamente a outros setores industriais) e por um perfil de divisão do trabalho na qual a mulher tem participação ativa na gestão dos negócios... e os filhos, um envolvimento muito precoce com a operação da firma da família (p. 137).

Quando o pai saiu da sociedade, por volta do início da década de 70, novo

nome foi dado à empresa - Malharia Irmãos Silva (MIS) -, que passou a

pertencer aos dois irmãos – Sr. João e Sr. José. Foi quando ocorreu a primeira

grande mudança, com a compra de uma máquina mecânica automática. Logo

em seguida, houve a compra de uma segunda máquina semelhante, porém com

um detalhe de negociação: a condição de compra pressupunha a vinda de um

operador (tecelão), que trabalhava na empresa que vendia a máquina; até a

ocasião deste estudo, esse funcionário continuava na malharia.

Quando o Sr. José entrou como sócio, ficou responsável pela área

administrativa e financeira. Nessa época, ele já era formado em Administração

de Empresas e havia estagiado em outras empresas do ramo, podendo

contribuir, assim, para que a gestão ocorresse de forma mais profissional.

Nesse início da década de setenta, a produção da firma caracterizava-se como

prestação de serviços para terceiros, ou seja, os clientes enviavam os fios, e os

funcionários da MIS teciam, cortavam, costuravam e entregavam as peças

prontas. Face ao bom relacionamento com o mercado, a empresa foi crescendo

e, devido à diversidade de produtos, evoluiu bem tecnologicamente, bastando

dizer que as malharias pequenas da época usavam no processo de produção o

27

ferro a vapor, enquanto a MIS já utilizava uma mesa a vapor, o que dava ao

produto um diferencial qualitativo significativo.

Segundo relato do Sr. João, em meados da década de setenta, com o

falecimento dos proprietários das principais empresas clientes, a MIS passou a

procurar novos mercados, só que estes queriam pagar um preço muito baixo

pelo trabalho, além de exigirem um prazo longo para os pagamentos. Nessa

ocasião, ele observou muitos concorrentes falirem e, por isso, passou a

direcionar a linha de produção para a confecção de golas e aviamentos. Como

ele mesmo lembrou:

Para ter-se idéia da qualidade e penetração no mercado,

vale dizer que, quando o Brasil ganhou o Campeonato

Mundial de Futebol, em 1978, a gola do uniforme da

seleção brasileira era fabricada pela MIS.

Por volta de 1982, as golas eram simples e, com o surgimento das máquinas

eletrônicas, passaram a ser personalizadas. Nessa ocasião, cada gola era

vendida para os clientes pelo equivalente a US$1.10; hoje o preço vigente no

mercado é de R$0,39/R$0,40.

A partir daí, as fábricas de máquinas começaram a desenvolver algumas mais

apropriadas para a fabricação de golas: equipamentos menores, mais rápidos e

mais ágeis. Para fazer frente a essa nova fase, a empresa adquiriu mais duas

máquinas eletrônicas usadas, sendo uma vinda de Caxias do Sul e outra de

Campos do Jordão. Como o Sr. João já conhecia e trabalhava bem nas

28

máquinas mecânicas, estudava o manual dos novos equipamentos e assim

aprendia a operá-los.

Por volta de 1991, a empresa deu um novo salto qualitativo em termos de

equipamentos, adquirindo duas novas máquinas eletrônicas. Como diz o Sr.

José:

... aí entrou o Collor e deu... .antigamente você tinha

certas limitações, o custo de internalização era muito alto.

Nesse ponto o Collor foi bastante positivo. Ele abriu o

mercado e começou a chamar a indústria nacional

automobilística de carroça, então ele forçou, pelo menos,

ele alavancou a modernização do parque tecnológico e a

gente aproveitou o “gap” e importou algumas máquinas

alemãs – duas máquinas – com facilidades do BNDES.

Então nós tivemos as primeiras máquinas eletrônicas.

De fato, Saicali (1999) afirma que a abertura da economia brasileira ocorrida no

governo Collor mudou radicalmente o ambiente de negócio das empresas

nacionais, trazendo para o nosso país produtos diversificados com preços muito

mais competitivos, embora nem sempre de melhor qualidade. Além disso, com a

queda da inflação, o poder de compra dos consumidores foi fortalecido.

Para a MIS essa foi a fase de maior crescimento. Com esses e outros

equipamentos adquiridos, chegou a produzir 60.000 golas por mês. Nessa

época, a empresa mudou para um prédio maior (em que estava até a ocasião

deste estudo) com três pavimentos, o qual, em médio prazo, estará deixando,

com o objetivo de reduzir custos, uma vez que o mesmo é alugado. Esse

29

período de prosperidade durou até 1998, quando o mercado foi invadido

principalmente pelos produtos coreanos, comercializados a um preço muito

baixo.

Sobre esse período, Saicali (1999, p. 124) afirma: “Foi um verdadeiro choque

que as empresas não conseguiram suportar”. Muitas delas, na tentativa de se

modernizarem tecnologicamente para se tornarem competitivas

internacionalmente, acabaram por se endividar e fecharam ou foram vendidas.

Essa situação é observada no processo de globalização como sendo uma das

principais características do capitalismo. Para Singer (1997, apud Loebel e

Piedade Filho, 2001, p.46), assim como a internacionalização, a globalização

não passa “de manifestação de um fenômeno mais fundamental que é a

ampliação de mercado”.

Como também afirma Resende (1997) ao referir-se à globalização: “ a

mercadoria, por vocação, é sedenta de espaço” (p. 31). O autor nos fala da

mudança dos padrões de produção conjuntamente com a unificação dos

mercados financeiros e um fluxo livre de capitais e serviços. Acentua, ainda, as

mudanças no espaço do planeta, salientando que as grandes empresas mantém

as funções de pesquisa e desenvolvimento em sua base nacional, mas o foco

no mercado internacional é realçado em um alto grau de interconexão.

Segundo relato do Sr. José:

30

... a gente tinha clientes que compravam 10.000, 15.000

jogos (de gola e punho) para incorporar em peças por

mês, e de repente começou a minguar. A gente foi visitar

e eles disseram: “aqui no Brasil não dá mais... de repente

chegam aí uns coreanos, numas feiras, e oferecem o

mesmo produto por 1/3 do preço. Produto acabado”.

A MIS passou por momentos difíceis do ponto de vista financeiro nos anos 2000

e 2001, como reflexo da crise do setor, e só não quebrou porque possuía capital

de giro significativo.

De fato, o mesmo ocorreu com o setor de malharia em geral, que teve um

decréscimo no número de fábricas, o qual foi bem acentuado entre 1996 e 1998

(sentido posteriormente pela MIS), mas vem diminuindo, conforme pode ser

visto a seguir, na tabela I:

Tabela I – Número de malharias existentes no Brasil por região

Ano Total Norte Nordeste Sudeste Sul C. Oeste

1991 3.685 19 61 2.916 675 14

1992 3.576 19 67 2.772 702 16

1993 2.934 15 54 2.197 653 15

1994 3.398 26 83 2.492 774 23

1995 3.019 25 88 2.042 831 33

1996 2.891 24 82 1.922 829 34

1997 2.830 25 111 1.845 814 35

1998 2.932 31 128 1.896 837 40

1999 3.098 35 150 1.992 871 50

2000 3.195 39 196 2.041 863 56

2001 3.250 38 206 2064 883 59

Fonte : IEMI – Instituto de Estudos e Marketing Industrial

31

Embora o número de fábricas venha caindo significativamente no sudeste, esta

região ainda é responsável por quase 2/3 do número total de fábricas existentes.

Com relação à mão de obra direta, vê-se na tabela II que também há um

decréscimo no número de trabalhadores empregados até 1997 e uma rápida

ascensão nos anos seguintes. Interessante notar que a Região Sudeste, que em

2001 detinha 63,5% das fábricas existentes, possuía nessa mesma época

somente 53,6% da mão de obra direta empregada.

Tabela II - Mão de obra direta empregada nas malharias

Mão de Obra

Direta 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

2001

Norte 356 279 245 262 263 175 162 209 293 309

297

Nordeste 1.028 1.018 890 1.023 1.116 2.311 2.706 3.369 4.244 5.305

5.531

Sudeste 61.071 58.142 54.274 56.887 48.642 43.127 35.412 41.129 52.187 55.945

56.126

Sul 42.088 40.097 36.784 38.106 35.573 34.608 28.896 31.256 39.792 41.245

41.866

C. Oeste 188 213 196 229 259 256 232 542 649 721

754

Total 104.731 99.749 92.389 96.507 85.853 80.477 67.408 76.505 97.165 103.525

104.574

Fonte : IEMI – Instituto de Estudos e Marketing Industrial

Com relação ao número de fábricas, mão de obra direta empregada e volume

de produção, tem-se a seguinte distribuição por porte de fábrica (tabela III):

32

Tabela III - Distribuição de fábricas por porte

Porte 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Pequenas

Nº de Fábricas 2.851 2.538 2.007 1.969 1.752 1.703 1.594 1.699 1.596 1.634

Mão de Obra Direta 51.625 33.903 33.375 26.157 23.270 21.795 17.928 22.312 22.530 24.004

Produção - tons 146.598 109.321 123.669 90.821 85.338 83.916 84.918 94.493 77.981 95.462

Médias

Nº de Fábricas 808 1.018 908 1.414 1.256 1.178 1.231 1.227 1.493 1.546

Mão de Obra direta 42.676 56.411 50.305 63.976 56.813 53.307 46.794 50.683 71.532 76.215

Produção - tons 147.965 202.138 218.828 273.203 255.713 258.694 251.258 276.065 320.387 391.803

Grandes

Nº de Fábricas 26 20 19 15 11 10 5 6 9 15

Mão de Obra Direta 10.430 9.435 8.709 6.374 5.770 5.375 2.686 3.510 3.103 3.306

Produção - tons 13.862 13.041 19.891 10.333 9.709 9.815 10.524 12.537 15.609 17.737

Total

Nº de Fábricas 3.685 3.576 2.934 3.398 3.019 2.891 2.830 2.932 3.098 3.195

Mão de Obra Direta 104.731 99.749 92.389 96.507 85.853 80.477 67.408 76.505 97.165 103.525

Produção - tons 308.425 324.500 362.388 374.357 350.760 352.425 346.700 383.095 413.977 505.002

Fonte : IEMI – Instituto de Estudos e Marketing Industrial

Nesses dez anos, pode-se observar um aumento muito grande no número de

fábricas de médio porte (91%) e uma diminuição de 42% no número de fábricas

de grande porte. Com relação a fábricas de pequeno porte houve uma queda de

42,7% no número existente, acompanhada de uma redução de 53,5% na mão

de obra empregada e de 34,9% do volume de produção.

Diante dessa situação, muitas tecelagens fecharam nessa época. Também a

MIS começou a ter problemas financeiros e voltou-se novamente para a

confecção, mas mesmo esse mercado já estava sendo assediado pelos

33

produtos importados e pelos produtos fabricados por pequenas malharias

localizadas na cidade de Monte Sião.

Monte Sião está situada no Estado de Minas Gerais, perto da divisa do Estado

de São Paulo, nas imediações de Águas de Lindóia. Com a liberação da

importação dos equipamentos, essa cidade mineira tornou-se um pólo de

malharia. Segundo o Sr. José, a característica principal de suas empresas é que

praticamente todas se originaram na própria família – em suas máquinas

trabalhavam pai, mãe e filhos. Com isso, havia falta de tecnologia e de

capacidade gerencial, principalmente na elaboração dos custos de produção,

pois não se consideravam para formação do preço de venda as despesas de

manutenção e nem as despesas da depreciação dos equipamentos;

conseqüentemente, o preço final das malhas era muito baixo, além de a matéria

prima (fios) ser comprada sem nota fiscal, o que também contribuiu para o

barateamento do preço do produto. Segundo o site de Monte Sião, só no ano de

1997 surgiram na cidade mais de 100 novas lojas. Hoje, ela é denominada “a

capital nacional do tricô” e, além de abastecer o mercado interno, também

exporta seus produtos.

Atualmente, a MIS voltou à confecção, só que encontrou um mercado muito

recessivo e assediado pelos importados. Embora tenha equipamentos

modernos, seu quadro de pessoal foi reduzido, visando cortar custos. Essa

situação de dificuldade foi bem caracterizada pelo tecelão Eduardo:

34

Tem seus altos e baixos... atribuo isso ao mercado...

começa aqueles cortes. Isso, acho que é normal em todas

as empresas, não é?

Também a passadeira Maria exprimiu a situação de apuro pelo qual vinha

passando a firma:

Eles não são assim uns patrões ruins, para atrasar

pagamento, não. Quando chega a acontecer isso é que

não tem onde tirar mesmo. Porque ultimamente a empresa

tem passado por uma série de problemas.

E ainda Roberto, da expedição:

Eu acredito que a empresa deve estar enfrentando

problemas de toda a situação. Em termos de empresa a

gente não tem o que reclamar... a única coisa é isso: a

gente está passando por uma crise, a dificuldade acho que

deve ser geral e não é bom para ninguém.

Diante desse mercado globalizado, a MIS teve de se rever e mudar. A estratégia

adotada para sobreviver foi muito criativa, demonstrando mais uma vez o

espírito empreendedor dos seus dirigentes: na ocasião deste estudo, eles

trabalhavam em parceria com os clientes (de bom nome no mercado),

oferecendo modelagem para que colocassem no catálogo ou fazendo peças de

amostra a partir de modelos fornecidos por esses próprios clientes. A partir

desses catálogos personalizados, eram feitos os pedidos, e a MIS

confeccionava modelos exclusivos, como explicou o Sr. José:

...antes você fazia a planilha de custos, acrescentava

o”mark-up” e tinha o preço de venda que era negociável,

então você atuava: para lá um pouquinho, puxa para cá,

35

você ajustava e rodava. E balizado pelo mercado. Hoje

nós temos uns clientes que são grandes e assediados. É

um tipo de leilão mesmo que você vai fazer para que a

empresa consiga ser parceira. .A gente fala: “vamos fazer

uma parceria; a gente entra com o equipamento, com a

nossa tecnologia, desenvolve uma modelagem para vocês

e vocês optam, e se gostarem põem no catálogo, no

mostruário”. Se venderem a gente faz, se não a gente não

faz.

Uma dificuldade que a MIS vinha enfrentando com seus clientes era que eles

tinham como foco a moda de inverno; para o verão, a parceria não acontecia no

volume desejado. Saliente-se que a característica da produção no setor de

malharia é que no verão acontece a produção para o inverno, e vice-versa.

Quando as entrevistas deste estudo foram realizadas, a empresa vinha

prospectando novos clientes, mas a sua situação financeira não era boa,

principalmente se comparada ao passado, ao velho tempo das “golinhas”. O

quadro de funcionários possuía vários cargos vagos.

1.3 Caracterização da Malharia Irmãos Silva

A Malharia Irmãos Silva pode ser caracterizada como uma pequena empresa,

pois, na época da realização da pesquisa, possuía dezoito funcionários

registrados, enquadrando-se no critério utilizado pelo IBGE, que estabelece para

36

esse tipo de empresa entre 10 e 99 funcionários efetivos. Também se

enquadrava no critério do SEBRAE, que prevê, na indústria, de 20 a 99 pessoas

ocupadas, abrangendo não só os empregados, mas também os proprietários da

empresa. É importante ressaltar que o número de trabalhadores já foi maior

nessa empresa em outras épocas (chegou a trinta pessoas) e, dependendo do

lançamento de novas coleções e do comportamento do mercado, pode variar.

Além disso, a MIS trabalha com pessoal terceirizado para serviços de costura.

Outro critério quantitativo utilizado para definir o porte da empresa refere-se ao

valor da receita bruta anual. Conforme estabelecido no Estatuto da

Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (Lei n 9.841 de 05/10/1999,

alterada pelo Decreto n 5.028 de 31/03/2004), a receita bruta anual deve estar

entre R$ 433.755,14 (quatrocentos e trinta e três mil, setecentos e cinqüenta e

cinco reais e quatorze centavos) e R$ 2.133.222,00 (dois milhões, cento e trinta

e três mil, duzentos e vinte e dois reais). No ano de 2004, a MIS teve uma

receita bruta da ordem de R$ 880.000,00 (oitocentos e oitenta mil reais).

Com respeito a critérios qualitativos que caracterizam a pequena empresa,

conforme Leone (1991, apud Gonçalves e Koprowski, 1995), destacam-se: não

possuem administração especializada fora da empresa; usam trabalho próprio

ou de familiares; não pertencem a grupos financeiros e econômicos; existe

estreita relação pessoal do proprietário com os empregados; há dificuldade de

obter créditos, mesmo em curto prazo, e há falta de poder de barganha nas

negociações de compra e venda.

37

A MIS se enquadrava em todos esses critérios. Era administrada unicamente

pelos dois sócios proprietários, sendo um deles responsável pela parte

administrativa financeira (Sr. José) e outro pela parte de produção (Sr. João).

Com relação a emprego de familiares, a filha de um dos sócios trabalhava na

empresa e ocupava cargo-chave: era responsável pelo setor de faturamento.

Até três meses antes da realização da pesquisa, também trabalhava na

empresa a filha do outro sócio (Flávia), tendo então funções de estilista e

coordenadora de vendas. Foi ela quem selecionou e treinou a atual estilista,

Luciana, e segundo depoimento desta:

... tinha a Flávia [filha do Sr. José], que era a estilista e eu

a estagiária dela. Aí ela saiu e falou: “olha, você tem um

relacionamento muito bom com o meu tio.... eu posso ir

embora e te deixar aqui sossegada que a coisa vai”.

Com relação ao critério “falta de poder de barganha nas negociações de compra

e venda”, podemos percebê-lo na fala do Sr. José:

A inadimplência, por mais incrível que pareça, já chegou a

30%. Você recebe parcelado e compra o fio. São cinco ou

seis fiações grandes e dez distribuidores no Brasil inteiro;

todos aqui em São Paulo. Então você não pode atrasar

nada porque, se atrasar, eles não te fornecem mais. Só

que no recebimento a coisa é um pouco mais flexível. É

meio difícil contemporizar, compatibilizar receita e

despesa, quando não existe uma sinergia de fluxo de

caixa, como a gente conhece nos meios acadêmicos; na

vida real é um pouco diferente.

38

Já a ”estreita relação pessoal do(s) proprietário(s) com os empregados” foi

percebida na empresa em foco pela forma amigável como os segundos se

dirigiam aos primeiros e nas falas de diversos funcionários, sendo que chamou a

atenção a forte relação afetiva que parecia existir entre alguns destes e a

fidelidade que demonstravam em relação à direção da empresa.

Ivone, que possuía segundo grau completo, estava na empresa desde 1997

(com intervalo de dois anos, nos quais trabalhou em outra empresa), trabalhava

como secretária dos proprietários e cuidava de recursos humanos, contabilidade

e contas a pagar, assim se pronunciou:

... o pessoal [proprietários] confia demais nas pessoas...

eles saem, largam a chave na minha mão, sem problema.

Eu não sei se é porque me conhecem de outra época, né?

Mas eles também confiam em mim. Pelo menos da

minha parte, eu acho que eles têm confiança. ..

Roberto, que era coordenador de expedição e estava na empresa havia quatro

anos e meio, percebia o ambiente como cordial:

Eles [patrões] são bem sociais. Eles são abertos ao diálogo.

Há também uma outra caracterização importante. Trata-se do ponto de vista

tecnológico.

Segundo Sousa (2005), do ponto de vista tecnológico e da quantidade de

máquinas envolvidas, pode-se dividir a economia industrial em dois tipos: o que

usa intensivamente maquinários, sejam máquinas pesadas, com alta tecnologia

39

mecânica ou instrumentos de engenharia; e outro que, embora use máquinas

nas suas atividades cotidianas, o faz de forma pouco intensiva em comparação

à utilização de mão-de-obra.

Bacha (1975) nomeia esses tipos de indústria como dinâmico e tradicional.

Como exemplos de indústrias dinâmicas, cita o tipo A - metalúrgica, papel,

borracha, química, etc., e o tipo B - mecânica, material elétrico e de

comunicações etc.. Como exemplo de indústria tradicional, tem-se: madeira,

mobiliário, couros e peles, têxtil, vestuário, produtos alimentícios, gráfica etc.

Ao se avaliar o porte de uma indústria, seja ela pequena, média ou grande é

importante levar-se em conta não só o número de empregados, mas o uso de

maquinários e tecnologia. Uma grande empresa pode, por exemplo, ter pequeno

número de empregados, entretanto pode ter um faturamento muito alto, pelo

processo de mecanização, como é o caso das indústrias dinâmicas.

Com relação às empresas tradicionais, como afirma Souza (2005, p.22), “fica

muito difícil de se ter alta produtividade pela mecanização, já que elas são, por

essência, intensivas em mão de obra”.

A MIS pode ser caracterizada como indústria tradicional e também como uma

empresa familiar, como ocorre comumente no Brasil. Esse tipo de empresa é

responsável por uma grande porcentagem de geração de empregos, de

sustentação da economia e aquecimento do mercado. A esse respeito, Vidigal

(1996, p.14) afirma:

40

A não ser as criadas pelo governo, todas as empresas, na origem, tiveram um fundador ou um pequeno grupo de fundadores, que eram seus donos. As ações ou cotas da empresa seriam provavelmente herdadas por seus filhos. Praticamente todas as empresas foram familiares na origem...Podemos ter certeza que as empresas familiares representam mais de 99% das empresas não estatais brasileiras.

De acordo com o mesmo autor (1999), a origem da empresa familiar no Brasil

está ligada à criação das capitanias hereditárias. Como o rei de Portugal, D.

João III, não dispunha de recursos financeiros nem humanos suficientes para

colonizar o Brasil e não queria abandonar nossas extensas terras com receio de

que fossem exploradas pelos franceses e holandeses, dividiu o país em quinze

capitanias, como o próprio nome diz, hereditárias; isto é, podiam ser

transmitidas por herança (nesse caso adotou-se o princípio da primogenitura,

em que o filho mais velho herdava tudo). Assim, o território brasileiro foi dividido

por linhas horizontais espaçadas a cada 50 léguas (aproximadamente 300 Km).

O “dono” das terras, chamado donatário, tinha de pagar impostos ao rei e

manter sua lealdade a ele, mas, em contrapartida, podia doar parte das terras a

outros e cobrar impostos dos que nelas residiam. Dessas capitanias, somente

duas prosperaram, que foram as de Pernambuco e São Vicente, pois estavam

baseadas no plantio da cana e produção do açúcar. Diz o autor:

Nesses primeiros empreendimentos familiares prevalecia a primogenitura, preservando a unidade da prosperidade. Mais tarde as famílias passariam a adotar o sistema mais afetivo, sentimentalista, de dividir a herança igualmente entre todos os filhos, o que viria a gerar o desmembramento das propriedades ou do controle acionário das empresas, facilitando a fragmentação,

41

decadência e morte da grande maioria das empresas familiares (p.19).

Uma segunda fase da empresa familiar no Brasil foi a da agroindústria e

empresa rural. Devido à bravura dos empreendedores que deixavam as grandes

cidades visando instalar suas próprias empresas, foram abertas estradas e

criadas novas cidades. Surgiram nessa época os “senhores do engenho” e os

“barões do café”, que tinham também o costume, mantido até nossos dias, de

dividir o patrimônio igualmente entre os filhos. Segundo Vidigal (1999), a divisão

das terras entre todos os filhos foi um dos fatores que ajudaram a acabar com a

riqueza dessas famílias tradicionais.

Uma terceira fase da empresa familiar teve início com a industrialização. No final

do século XIX, com a iminência de acabar a escravidão no Brasil, surgiram

programas para atrair imigrantes da Europa para substituir essa mão de obra.

Muitos deles optaram por ficar nas cidades e iniciar alguma atividade comercial.

Destacam-se alguns empresários que construíram verdadeiros impérios, sendo

que muitos deles perduram até hoje: Matarazzo (tecelagem), Antonio Pereira

Ignácio (Grupo Votorantin), Bangu (tecelagem), Hering (tecelagem), Lundgrem

(Casas Pernambucanas) e muitos outros.

A Segunda Guerra Mundial trouxe um surto de modernização para o Brasil, pois

o mercado mundial estava produzindo material bélico e não conseguia atender a

demanda interna de bens de consumo (automóveis, utensílios domésticos,

roupas etc.) nem bens de capital (máquinas, equipamentos industriais etc.).

Foram criadas a indústria siderúrgica (Companhia Siderúrgica Nacional) e a

42

indústria química (Nitroquímica). Além disso, a queda da produção agrícola na

Europa abriu espaço para aumento das exportações brasileiras. Por outro lado,

o perfil dos imigrantes que vinham para o Brasil mudou: passou de camponeses,

na maioria analfabetos, para judeus, com alto nível cultural e experiência

empresarial; nessa ocasião, perseguidos principalmente por Hitler. Criou-se a

indústria de eletrodomésticos, a indústria automobilística, de autopeças etc. e o

comércio se modernizou.

Hoje, a empresa familiar é responsável por grande parte dos negócios no

mundo e em nosso país. Lansberg et al. (1996, apud Oliveira, 1999, p.21)

consideram que 70% das empresas em todo o mundo pertencem a famílias e

que esse percentual tende a aumentar nas duas próximas gerações.

Também de acordo com o Instituto de Desenvolvimento Administrativo (IMD), de

Lausane (apud The Economist, 1994 p.73): “Cerca de 99% das companhias da

Itália são empresas familiares…”. Esse Instituto apresenta outras estimativas

para a participação das empresas familiares na Europa: Portugal 70%, Inglaterra

75%, Espanha 80%, Suíça 85-90%, e Suécia 90%.

No Brasil, tal cenário não é diferente. De acordo com Oliveira (1999, p.20), no

final da década de 80, de cada dez empresas, nove eram familiares e o controle

estava com uma ou mais famílias. Esses números mostram a importância do

tema na economia nacional e ratificam a preocupação tanto dos dirigentes

quanto dos especialistas (aqui entendidos como acadêmicos e consultores) em

estudá-lo.

43

Lodi (1993, p.3) assim conceitua empresa familiar:

...é aquela em que a consideração da sucessão da diretoria está ligada ao fator hereditário e onde os valores institucionais da firma identificam-se com um sobrenome de família ou com a figura de um fundador. O conceito de empresa familiar nasce geralmente com a segunda geração de dirigentes, ou porque o fundador pretende abrir caminho para eles entre os seus antigos colaboradores, ou porque os futuros sucessores precisam criar uma ideologia que justifique a sua ascensão ao poder.

Donnelley e Fritz (1989, apud Macedo, 2001, p.26) consideram familiar a

empresa “que tenha estado ligada a uma família há pelo menos durante duas

gerações e com ligações familiares que exerçam influência sobre as diretrizes

empresariais, os interesses e objetivos da família”.

Já Bernhoeft (1989, apud Macedo, 2001) amplia esse conceito, unindo os dois

anteriores, quando afirma que esse tipo de empresa mantém membros da

família na administração dos negócios, ou tem sua origem e sua história

vinculadas a uma família.

Para Lanzana ( 1999, apud Macedo, 2001), porém, diferentemente de Lodi, não

existe obrigatoriedade da empresa passar pelo processo sucessório para ser

considerada familiar. Segundo o autor, as estatísticas demonstram que 70% das

empresas familiares não chegam à segunda geração. Afirma que basta a

concentração de capital nas mãos da família como suficiente para interferir no

controle administrativo.

Analisando os conceitos acima, pode-se observar que eles possuem em comum

o fato de a empresa familiar se caracterizar como uma organização em que as

44

relações familiares dos dirigentes estão presentes e interferem em sua

dinâmica.

A Malharia Irmãos Silva se enquadra tanto na conceituação de empresa familiar

de Lanzana, que afirma que basta a concentração de capital nas mãos de uma

família (um ou mais membros) para a empresa ser considerada familiar, quanto

na conceituação de Bernhoeft, que coloca que é necessário que os membros da

família estejam na administração, origem e na história da empresa.

Bernhoeft (1989, apud Oliveira, 1999) apresenta algumas características das

empresas familiares: laços afetivos extremamente fortes influenciando os

comportamentos, relacionamentos e decisões da organização; valorização da

antiguidade como um atributo que supera a exigência de eficácia ou

competência; exigência de dedicação (‘vestir a camisa’); postura de austeridade,

seja na forma de vestir, seja na administração dos gastos; expectativa de alta

fidelidade; dificuldades na separação entre o que é emocional e racional,

tendendo mais para o emocional e jogos de poder, em que muitas vezes mais

vale a habilidade política do que a capacidade administrativa.

De fato, foi possível observar na MIS algumas dessas características, que foram

ressaltadas nas entrevistas.

Maria, que entrou na empresa havia mais de sete anos como auxiliar de limpeza

e na ocasião deste estudo era passadeira, demonstrou sua fidelidade aos

patrões:

45

...eles são bons patrões. Tanto o Sr. João quanto o Sr.

José. Eu acho eles bons.... aliás foi o dedo de Deus né?

Por exemplo: eu não tenho pai e não tenho mãe, então foi Deus que pôs eles.

Severino, tecelão com experiência de trabalho de doze anos em uma outra

empresa, e que estava na MIS havia quatro meses, assim se pronunciou com

relação à valorização da antiguidade:

A gente... não se mete muito, porque os mais velhos aqui

manda né? Muitas coisas também...a produção... .isso eu

já falei para eles, só que eu acho que eles não deram

atenção...

Com relação à postura de austeridade, Severino manifestou o seu desejo de

contribuir para a redução dos gastos em vários momentos:

Conversar e ficar de papo, eu acho que isso aí tem que

mudar tudo....tem que deixar alguém responsável, quando

ele vai almoçar, porque eu percebo que quando os patrões

não está... entendeu?

...tem que fazer um papel e por em cada porta: saiu,

apaga a luz. Vai almoçar, cada um na sua sala aqui em

cima. Vão almoçar. Eu fico doente, não é meu, puxa, tá

tirando de nós. Tá tirando do café ou o açúcar; tá tirando

do café. O homem pode economizar e comprar café ou o

açúcar sem reclamar entendeu?. Então as luzes estão

acesas, eu vou lá e apago. Apago mesmo. Na minha casa,

se eu estou na sala assistindo televisão, a luz está

apagada, só tem a luz da cozinha acesa porque as

crianças bebem água, vão ao banheiro. Lá em casa só

tem a cozinha, mas por quê? Porque eles estão

acostumados a isso. Economia. É melhor pra nós.

46

Assim como a maioria das pequenas empresas familiares, a MIS possui

características que revelam muito do modo centralizado de seus dirigentes

administrarem: estreita relação dos proprietários com os empregados, exigência

de dedicação e expectativa de alta fidelidade.

47

CAPÍTULO 2 - A PEQUENA EMPRESA: O OLHAR DOS DIRIGENTES SOBRE A CRIATIVIDADE

Neste capítulo é abordada a questão da criatividade na pequena empresa do

ponto de vista dos dirigentes. Assim, partiu-se do histórico e da conceituação de

criatividade e buscou-se responder a algumas questões, tais como: Os

dirigentes são criativos? Eles procuram inovar? São empresários

empreendedores? A organização estimula a criatividade nos funcionários? As

relações de trabalho e o poder favorecem a criatividade?

2.1 Criatividade: histórico e características

A criatividade é uma das mais importantes faculdades humanas e, juntamente

com o raciocínio, nos distingue do animal.

De Masi (2003) aborda os aspectos históricos da criatividade e afirma que, no

mundo antigo, em várias épocas glaciais, o ancestral do homem sobrevivia às

mudanças de clima graças a essa faculdade, que também foi propiciada pela

alimentação, pela hereditariedade, pelos usos e costumes, pelas linguagens e

pelas técnicas.

48

A dieta do homem antigo, rica em proteínas e gorduras, e a necessidade de

capturar suas presas propiciaram-lhe o crescimento de seu cérebro. Nesse

percurso histórico, a criatividade evoluiu para a fabricação de utensílios e

organização dos grupos sociais, sendo importante ressaltar também a criação

da religião, iniciada quando o homem de Neandertal enterrava junto com seus

mortos diversas oferendas, prevendo a existência de vida após a morte. Quando

começaram surgir as cidades, a criatividade humana cresceu em ritmo mais

acelerado, devido aos ambientes mais sossegados, quando comparados

àqueles observados na vida nômade, e, também, devido à possibilidade de

maior troca de idéias entre as pessoas. Dessa forma, verificaram-se grandes

invenções e descobertas, tais como: o barco, a cerâmica, o mapa geográfico

etc. E também o Estado, que é uma das mais importantes criações do homem.

Na Mesopotâmia nasceram algumas características mais significativas dessa

organização, tais como: sistema de governo, ordem interna, existência de

exército, poder executivo e legislativo etc.

A Grécia desempenha um papel relevante na história da criatividade, sendo que

se pode citar a riqueza da cultura, a exaltação da beleza e da verdade e o

legado da democracia. Também merecem destaque a existência de numerosas

cidades e vilas que permitiam a freqüente troca de informações, o clima

favorável da região, a ênfase nas atividades intelectuais em detrimento das

atividades físicas, a apreciação da beleza e o pensar enfatizando a intuição com

a reflexão.

49

Ainda de acordo com De Masi (2003), é dessa época antiga que advém a

palavra simpósio, que era o ficar à mesa após um jantar, promovendo-se

conversas entre os amigos, bebendo vinho. O filósofo Platão já reconhecia os

benefícios dessa forma de educação para adultos, desde que aplicada

corretamente, sem resvalar para uma forma de bebedeira sem rumo. Assim, o

simpósio era uma forma de explorar os pensamentos não aflorados do

inconsciente, permitindo-se chegar a uma forma de contribuição para a

criatividade coletiva.

De Masi (2000) também mostra uma forma de incrementar a criatividade

científica ao relatar que, no século XVIII, um grupo de pessoas cultas

(enciclopedistas) decidiu transmitir o saber que possuía para os que não

sabiam. Dessa forma, reuniam-se em uma casa de campo Diderot, Rousseau e

outros. Na parte da manhã, estudavam em cada quarto isoladamente. Na parte

da tarde, reuniam-se e cada um lia para os outros aquilo que tinha escrito. A

noite era dedicada ao entretenimento e à música. Salienta-se que esses

luminares não tinham qualquer preocupação de ordem econômica ou prática.

Um fator criativo pertinente aos gregos, nessa época, está ligado à “metis”, qual

seja, uma forma que compreende as diversas astúcias da inteligência. Os

filósofos Platão e Aristóteles atribuem àqueles dotados de “metis” a

característica da agudez, vivacidade e fineza de espírito, além da exatidão do

golpe de vista, orientando-se para atingir objetivos preconizados. Essas

características impulsionam o homem para a criatividade.

50

Na continuidade, quando aborda a visão histórica sobre a criatividade, De Masi

(2003) ressalta a explosão criativa de Florença, que também se voltou para a

arte, a filosofia e a literatura. Baseando-se em Wackernagel e Camesasca, o

autor afirma que a explosão da criatividade nessa época do Renascimento não

se devia somente à personalidade dos artistas e ao seu impulso criativo

espontâneo, mas também à grande procura por obras de arte existente naquela

época. Por detrás das produções, havia então uma grande tenacidade que

chegava à privação e ao sofrimento, e que era característica das personalidades

criativas de todos os tempos.

Um outro nome ligado à criatividade científica foi Galileu; com ele, a matemática

provocou um desenvolvimento na física, promovendo um tipo de criatividade

que permaneceu até a sociedade industrial.

Na mudança da sociedade rural para a sociedade industrial surgiu uma série de

invenções (óculos, bancos, arreios de cavalo etc.) que propiciaram esse salto de

época, desembocando no Iluminismo, gerando a produção numerosa de

tecidos, móveis e aço.

Nessa época da Revolução Industrial, De Masi (2003, p.315) detecta a mudança

do processo criativo, asseverando que “a essência da nova organização, que

encontra no Scientific Management de Taylor a fórmula mais inovadora, é a

criação genial sem a contribuição de gênios”. O autor denomina a ciência

organizacional como a invenção das invenções e afirma: “será possível imprimir

a toda e qualquer atividade humana o máximo de estímulo à eficiência e à

51

produtividade, utilizando igualmente mão de obra grosseira e inteligências mais

medíocres” (p.316).

Mas há vários outros autores que também pesquisaram sobre criatividade e

podem auxiliar na precisão do conceito que permeia o presente trabalho.

Watson (1928, apud Amabile, 1996, p.20) levanta uma questão sobre

criatividade vivenciada na composição de um poema em ensaio brilhante e

fornece a resposta: “os obtemos [poemas] manipulando palavras, mudando-as

até que um novo padrão surja”.

Ghiselin (1952, apud Stoltz, 1999) conceitua a criatividade como “o processo de

mudança, de desenvolvimento, de evolução, na organização da vida subjetiva”.

Schleder (1999) destaca que Kneller (1978), baseado em Mel (1961), aponta

quatro categorias às quais pertencem as principais definições de criatividade:

a pessoa que cria: sua fisiologia, temperamento, atitudes pessoais, hábitos e valores;

os processos mentais: percepção, motivação, aprendizado, pensamento e comunicação).

as influências ambientais e culturais;

os produtos da criatividade: teorias, invenções, pinturas poemas, etc (p.14).

Mednick (1962, apud Eysenck, 1999, p.204), seguindo a mesma linha de

pensamento de Watson (1928), formula a seguinte definição de criatividade “é a

formação de elementos associativos em novas combinações que ou satisfazem

exigências ou são úteis de alguma forma”.

52

Torrance & Torrance (1974, apud Schleder, 1999) introduzem o conceito de

problema para definir criatividade e avaliam o pensamento criativo como:

um processo natural nos seres humanos que nos sensibiliza para os problemas, deficiências e lacunas nos conhecimentos ou nas informações, levando-nos a reconhecer dificuldades, buscar possíveis soluções em nossas experiências prévias ou nas dos outros, formular hipóteses sobre todas as soluções possíveis, avaliá-las, testá-las, modificá-las, bem como reexaminá-las e, ao final, comunicar os resultados alcançados (p.15).

E há também Winnicott (1975, p.95), para quem a criatividade significa “um

colorido de toda a atitude com relação à realidade externa”. O autor atribui

grande importância à assimilação de novas experiências criativas e contrasta a

criatividade com a submissão à realidade externa, ou seja, o fato de o indivíduo

ter de se ajustar ou adaptar-se ao mundo e seus pormenores. Dessa forma,

ressalta que: “viver criativamente constitui um estado saudável, e que a

submissão é uma base doentia para a vida” (p. 95).

Segundo o autor, a criatividade relaciona-se, portanto, à maneira como o

indivíduo aborda a realidade externa. O autor considera que, para uma pessoa

com capacidade cerebral razoável, “tudo o que acontece é criativo, exceto na

medida em que o indivíduo é doente, ou foi prejudicado por fatores ambientais

que sufocaram seus processos criativos” (Winnicott, 1975, p.99). Assim, o

impulso criativo é necessário a um artista para produzir uma obra de arte, mas é

também algo presente quando qualquer ser humano “se inclina de maneira

saudável para algo ou realiza deliberadamente alguma coisa, desde uma sujeira

53

com fezes ou o prolongar do ato de chorar como fruição de um som musical”

(p.100).

Vernon (1989, apud Eysenck, 1994, p.200) acrescenta a aceitação da

comunidade científica para formação do conceito de criatividade e formula a

seguinte definição: “[a criatividade] denota a capacidade de uma pessoa em

produzir idéias novas ou originais, compreensões, invenções, ou produtos

artísticos, que são aceitos por especialistas como tendo valor científico, estético,

social ou técnico”.

Evans e Russell (1989) salientam a importância de se enxergar a criatividade

como um processo e não como um momento de compreensão. Dessa forma, o

processo criativo compõe-se de cinco fases:

Preparação - refere-se à análise das tarefas, coleta de dados, procura de padrões, experimentação de algumas idéias, questionamentos de suposições.

Frustração – ocorre quando somos incapazes de resolver a questão, quando nos sentimos entediados, irritados ou desanimados, e duvidamos da nossa rápida capacidade.

Incubação – é o período em que desistimos de tentar, deixamos a questão de lado e a entregamos à mente inconsciente.

Percepção intuitiva – é a inspiração, o “aha!”, o momento em que normalmente associamos à criatividade.

Elaboração – envolve testar as compreensões e dar-lhes forma (p.53).

54

Martindale (1994, p.159) sintetiza várias abordagens analisadas anteriormente e

coloca que “uma idéia criativa é geralmente definida como uma nova, no senso

comum, útil ou apropriada para a situação na qual ocorre”.

Uma das pesquisadoras da criatividade mais renomadas na atualidade é

Amabile, que atribui a produção criativa a um conjunto de fatores referentes

tanto ao indivíduo quanto a variáveis sociais, culturais e históricas do ambiente

onde o indivíduo se acha inserido. A autora (1996a) assim define criatividade:

um produto ou resposta é criativa na amplitude que observadores apropriados independentes concordam que é criativa. Observadores apropriados são aqueles familiarizados com o campo no qual o produto foi criado ou a resposta articulada. Assim criatividade pode ser considerada como a qualidade de produtos ou respostas julgadas ser criativas por observadores apropriados, e ela também pode ser considerada como o processo pelo qual algo assim é avaliado e produzido (p.33).

Segundo Amabile (1996, apud Alencar e Fleith, 2003), existem três

componentes que precisam estar em interação para que o trabalho criativo

aconteça. O primeiro deles é a habilidade de domínio, que envolve talento,

conhecimento adquirido através da educação formal, experiência e habilidades

técnicas na área. Assim, é necessário ter muito conhecimento sobre uma área

para poder transformá-la.

O segundo componente, denominado processos criativos relevantes, inclui

estilo de trabalho (capacidade de concentração, dedicação ao trabalho,

persistência), domínio de estratégias que favoreçam a produção de novas idéias

(usar analogias, brincar com as idéias) e traços de personalidade (autodisciplina,

55

persistência, tolerância por ambigüidades, não conformismo, independência,

automotivação e desejo de correr riscos). Para a autora, esses estilos e traços

podem ser desenvolvidos tanto na infância quanto na vida adulta.

O terceiro componente da criatividade é a motivação intrínseca, que diz

respeito à satisfação e ao envolvimento do indivíduo com a tarefa e engloba

interesse, competência e autodeterminação. Esse componente pode levar ao

desenvolvimento dos dois outros componentes, quer seja através da busca de

mais informações sobre a área estudada (habilidade de domínio), quer seja

levando o indivíduo a romper com estilos de produção habitualmente

empregados (novas estratégias criativas).

Kneller (1978) considera que pessoas criativas apresentam alguns traços

comuns, que são:

- inteligência – normalmente, a pessoa criativa tem inteligência superior à média,

mas não necessariamente está no ápice da escala;

- consciência – o indivíduo criativo é sensível ao seu meio, observa coisas que

os outros deixam passar, como texturas, reações pessoais, pormenores de

noticiários, etc.;

- fluência – a pessoa criativa é em geral fluente no sentido de produzir mais

idéias que uma pessoa comum sobre determinado assunto, e pode ou não

exprimi-las verbalmente;

56

- flexibilidade – a pessoa criativa é mais flexível que a maioria. Tenta várias

abordagens, sugerindo vários usos para as coisas;

- originalidade - abrange capacidades como a de produzir idéias raras, resolver

problemas de maneira incomum, usar coisas e situações de modo não

costumeiro;

- elaboração – a pessoa criativa não apenas tem idéias novas, mas segue-as;

- ceticismo – a pessoa criativa tende a ser mais cética em face das idéias

aceitas e menos suspicaz em relação às novas;

- persistência - a criatividade exige persistência, uma vez que ela muitas vezes

tem de ser sustentada por longos períodos de tempo, e enfrentando muitos

obstáculos.

- humor – o humor permite ao criador exprimir sentimentos que uma pessoa

normal reprimiria;

- inconformismo – ao contrario do conformista, o criativo tem idéias originais e é

aberto à experiência. Acredita nas suas próprias idéias, aceita as novidades e

está aberto a experiências;

- autoconfiança – a pessoa criativa tem confiança não naquilo que fez, mas no

que pode, com o tempo e fortuna, realizar.

57

Retomando a empresa aqui em foco, foi possível observar que tanto o sr. João

quanto o sr. José apresentavam alguns traços comuns às pessoas criativas

descritos por Kneller (1978), tais como: inteligência superior à média;

consciência; fluência; flexibilidade; originalidade; persistência; inconformismo.

Graças a esse espírito criativo e empreendedor dos proprietários, a Malharia

Irmãos Silva progrediu e se firmou no mercado.

2.2 Empresários criativos e inovadores

No âmbito empresarial, é comum confundir-se o conceito de criatividade com o

de inovação. De modo geral, pode-se dizer que enquanto criatividade refere-se

à geração de idéia, inovação diz respeito à implementação dela.

Schumpeter (1961) mostra a importância da criatividade e da inovação no

processo capitalista e, conseqüentemente, para as empresas, e afirma que o

capitalismo “é por natureza, uma forma ou método de transformação econômica

e não, apenas, reveste caráter estacionário, pois jamais poderia tê-lo” (p.105). O

impulso fundamental que põe e mantém em funcionamento a máquina

capitalista “procede dos novos bens de consumo, dos novos métodos de

produção ou transporte, dos novos mercados e das novas formas de

organização industrial criadas pela empresa capitalista” (p. 105).

58

Ao descrever o processo capitalista, o autor analisa que a abertura de novos

mercados e a organização da forma de produzir, da oficina do artesão à firma,

servem de exemplo do mesmo processo de mutação industrial que

revoluciona incessantemente a estrutura econômica a partir de dentro, destruindo incessantemente o antigo e criando elementos novos. Esse processo de destruição criadora é básico para se entender o capitalismo. É dele que se constitui o capitalismo e a ele deve se adaptar toda a empresa capitalista para sobreviver (Schumpeter 1961, p.106).

Em sua análise, Schumpeter (1982) define desenvolvimento pela realização de

novas combinações (de materiais e forças ao alcance do ser humano) que

englobam cinco casos: 1) introdução de um novo bem, ou de uma nova

qualidade de um bem; 2) introdução de um novo método de produção ou uma

nova maneira de manejar comercialmente uma mercadoria; 3) abertura de um

novo mercado; 4) conquista de uma nova fonte de oferta de matérias primas ou

de bens semimanufaturados; 5) estabelecimento de uma nova organização de

qualquer indústria. O autor reconhece a importância da inovação e enfatiza que

esta é uma peculiaridade da conduta do empresário.

Tanto Amabile quanto Kruglianskas consideram que, embora não seja

suficiente, a criatividade é fundamental para que ocorra o processo de inovação.

Amabile (1996, p.1) assim diferencia os dois termos:

Criatividade é a produção de idéias novas e úteis em qualquer área de atuação... Inovação é a implementação de uma idéia dentro de uma organização com sucesso. Dessa forma, criatividade individual e do grupo são pontos de partida para a inovação; são condições necessárias,

59

mas não suficientes. A inovação de sucesso depende também de outros fatores e pode se originar de idéias criativas geradas fora da organização (como tecnologia, por exemplo).

Na mesma linha de raciocínio, Kruglianskas (1996) considera que a inovação é

o processo de tornar uma invenção rentável para a empresa.

Quando uma empresa introduz um novo bem ou serviço, utiliza novos insumos,

ou utiliza novos métodos, está implantando uma mudança tecnológica. Não

importa que esse novo bem ou serviço seja cópia ou imitação ou não seja

inédito em termos de conhecimento universal, mas, se está sendo adotado pela

empresa pela primeira vez e implica na aquisição de novos conhecimentos e/ou

habilidades, constitui-se em inovação tecnológica.

Marquis & Myers (1969, apud Krugliankas, 1996) conceituam inovação

tecnológica como:

uma atividade complexa, que se inicia com a concepção de uma nova idéia, passa pela solução de um problema e vai até a real utilização de um novo item de valor econômico ou social (p. 17).

Os autores identificam três categorias de inovações: inovações complexas, que

decorrem de ações sistemáticas com planejamento altamente formalizado e que

consomem altos volumes de recursos, como por exemplo, o Programa Espacial

americano, o Programa de Desenvolvimento do Submarino Nuclear Brasileiro

etc; inovações radicais, que alteram a estrutura produtiva de todo um setor da

economia, criam novos paradigmas e requerem investimentos significativos em

equipamentos e novas tecnologias, como por exemplo, a descoberta da

60

máquina a vapor, do raio X, do laser etc.; e inovações incrementais, que são as

pequenas mudanças realizadas geralmente nas empresas e que levam à

melhoria de produtos, a mudanças de insumos, redução de custos etc.

Enquanto as duas primeiras inovações (complexas e radicais) geralmente ficam

a cargo das grandes empresas, as incrementais são o foco central das

pequenas e médias de setores tradicionais, e são fundamentais para manter a

competitividade entre elas.

A inovação incremental está associada a pequenas melhorias efetuadas em

produtos ou em processos, que não têm, necessariamente, uma grande

visibilidade imediata. Neste sentido, ela tem um significado muito próximo do

termo “Kaizen” (melhoria contínua).

Essas melhorias tendem a ocorrer na empresa de forma sistemática e

continuada. Um bom exemplo disso é a aplicação do TQM “Total Quality

Management”, que é a mobilização contínua de todos os profissionais da

organização, com o objetivo de melhorar a qualidade de suas atividades, de

seus produtos e serviços, para satisfazer, ao menor custo, as necessidades de

seus clientes.

Ao analisarem as inovações nas pequenas e médias empresas têxteis, Rattner

e Thorstensen (1985) afirmam que, como elas não podem acompanhar as

grandes inovações que dependem de grandes inversões de capital em

máquinas ou instalações sofisticadas, procuram diferenciar seu produto de

61

forma a torná-lo atrativo para diferentes segmentos do mercado, tanto em

termos de fios como de acabamentos utilizados.

Consideram os autores que o pequeno e médio empresário do setor têxtil inova

através da aquisição de máquinas, na maioria dos casos usadas, da alteração

do processo produtivo através da mixagem de fios, de padrões de tecidos

exigidos pelo mercado comprador e pelo avanço tecnológico.

Segundo Oliveira, (1995), no Brasil, o fordismo (termo associado com a

produção de massa organizada através da divisão do trabalho em tarefas

diminutas, repetitivas, relativamente simples e seqüenciais na linha de

produção) continua a ser usado em grande parte das empresas, sejam de

pequeno, médio e até grande porte. Analisa o autor que, muitas vezes, a adoção

de novas tecnologias leva apenas à intensificação do trabalho, sem quaisquer

outras mudanças nas estruturas organizacionais. Na maioria dos casos, os

equipamentos mecânicos e elétricos vêm sendo substituídos pelos

automatizados, sem que, entretanto, a natureza desses trabalhos mude.

Oliveira dá o exemplo da adoção de algumas máquinas que não alteram o modo

como se organiza o trabalho nas empresas:

Um torno tradicional é substituído por um robô de múltipla capacidade, que desempenha as mesmas funções, uma máquina eletromecânica é substituída por um equipamento de controle numérico, porém, os procedimentos e as operações permanecem essencialmente os mesmos (1995, p.22).

62

Na MIS, verifica-se que equipamentos mais modernos foram sendo introduzidos

ao longo dos anos, como relatou o Sr. João:

Olha, a linha basicamente era a mesma, só que era mais

artesanal. Era feita a chamada peça diminuída, que se faz

tudo a mão.. .chegamos a fazer na época os próprios

acabamentos de remalhado (junção da gola e dos punhos

com a blusa) à mão... Aí nós fomos eliminando as

máquinas manuais. Mais ou menos em 1982 entrou as

máquinas eletrônicas. Ninguém usava esse tipo de

maquinário, mesmo na Europa. Eu acho que nós fomos um dos pioneiros do mundo a fazer gola personalizada...

O sr. José mencionou que, por volta de 1991, adquiriram equipamentos de

ponta:

aí começou a parte de tecnologia. Partimos das máquinas

de programação manual, que era com cartelas perfuradas

e depois entramos na linha computadorizada. Importamos duas máquinas alemãs, com facilidades do

BNDES, então nós tivemos as primeiras máquinas

eletrônicas.

Apesar da evolução tecnológica dos equipamentos (inovação), a forma de

organização do trabalho na MIS não foi alterada. Na ocasião deste estudo, eram

oito tecelões na empresa, dos quais cinco com mais de dez anos de casa,

divididos em quatro níveis: A, B, C e D, sendo que aqueles enquadrados no

nível A ganhavam mais e os iniciantes entravam no nível D. O critério de

promoção era o da antiguidade. Embora os mais antigos exercessem certa

liderança sobre os demais, não tinham autonomia nem independência. O

63

trabalho de definir modelos e combinar cores, verificar viabilidade de execução,

elaborar detalhes, definir quantidades e, principalmente, programar as máquinas

ficava por conta do Sr. João.

Assim, as decisões continuavam a ser centralizadas nas mãos dos proprietários,

como se pode observar nesta fala do Sr. João:

Os funcionários que a gente tem, eles resolvem coisas

pequenas que já estão introduzidas. Então, as amostras

que vêm para a gente desenvolver praticamente vai tudo na minha mão, eu faço o grosso dos programas, ponho na máquina e eles operam essas máquinas e a

gente faz um trabalho junto com eles lá. Tá bom, não tá

bom... aperta, solta... esse tipo de coisa.

De fato, Oliveira (1995) afirma que as novas tecnologias não tornam o trabalho

mais humano e mais interessante por si mesmo:

Trabalhar com uma máquina de escrever ou com um computador, assim como fresar uma chapa de metal com um torno manual ou com um torno de controle numérico, pode ser igualmente repetitivo, monótono ou criativo, dependendo do contexto e das circunstâncias (p. 25)

O que pode fazer diferença nesse contexto é a organização na qual o trabalho é

desempenhado, com a criação de ambientes qualitativamente distintos.

64

2.3 Empreendedores

A atividade empreendedora e sua importância para a criatividade e inovação

foram analisadas por Schumpeter (1982) na primeira metade do século XX,

quando o autor estudou o desenvolvimento econômico, ressaltando o trabalho

como um dos fatores de produção. O autor observou, então, uma diferença

entre o trabalho dirigente e dirigido, afirmando que o segundo (do executor)

encontra-se no mesmo nível que os usos da terra, enquanto o primeiro

assemelha-se a um terceiro fator produtivo: “tem algo criativo no sentido de que

estabelece seus próprios fins” (p.19). Enfatiza a criatividade, também, quando

assevera que o empresário (entrepreneur) típico “é mais egocêntrico do que os

de outra espécie, porque menos que estes, conta com a tradição e a conexão, e

porque a sua tarefa característica – teórica como historicamente - consiste

precisamente em demolir a velha tradição e criar uma nova” (p.64).

Schumpeter (1982) afirma que a função do empresário (entrepreneur) é especial

e o conceitua como :

é o privilégio de um tipo de pessoa que é muito menos numeroso do que todos os que têm a possibilidade de fazê-lo. Portanto, finalmente, os empresários são um tipo especial, e o seu comportamento um problema especial, a força motriz de um grande número de fenômenos significativos (...) [Trata-se] um tipo de conduta e de uma categoria de pessoa na medida em que essa conduta é acessível em medida muito desigual e para relativamente poucas pessoas, de modo que isso constitui sua característica destacada (p. 58).

65

O termo empreendedor vem do francês (entrepreneur) e significa, numa visão

moderna, aquele que assume riscos e começa algo novo. Como diz

Longenecker (1997, p. 3), “o empreendedor é a pessoa que inicia ou opera um

negócio”.

Chiavenato (2004) complementa esse conceito, acrescentando a idéia que de

que o empreendedor opera um negócio para realizar uma idéia ou projeto

pessoal, assumindo riscos e responsabilidades e inovando continuamente. Por

essa definição, não basta criar um negócio, mas há necessidade de mantê-lo

durante um ciclo de vida prolongado e obtendo retorno financeiro de seus

investimentos. O autor identifica três características básicas nas pessoas que

têm espírito empreendedor: necessidade de realização, disposição para assumir

riscos e autoconfiança.

De fato, foi possível perceber essas características nos proprietários da Malharia

Irmãos Silva, o que talvez explique a longa vida da empresa, com mais de trinta

anos de existência.

A primeira característica diz respeito à grande necessidade de realização que

essas pessoas pareciam apresentar, gostando de assumir responsabilidades e

competindo com certo padrão de excelência. Esse impulso empreendedor, em

muitos casos, manifesta-se até mesmo na infância.

Foi o que ocorreu com o Sr. João. Seu aprendizado profissional começou

quando ele era criança e acompanhava seu pai no trabalho, que lhe ensinava,

66

então, a fazer golas de malha para blusas usando máquina de tecer manual.

Como os tecelões não apreciavam esse trabalho, o menino acabava executando

grande parte dessa tarefa em troca de pequenos prêmios. Essa visão de forma

de vida e aprendizado foi importante para o futuro empreendedor criativo, pois,

como nos ensina Winnicott (1975):

Descobrimos que os indivíduos vivem criativamente e sentem que a vida merece ser vivida ou, então, que não podem viver criativamente e têm dúvidas sobre o valor do viver. Essa variável nos seres humanos está diretamente relacionada à qualidade e à quantidade das provisões ambientais no começo ou nas fases primitivas da experiência de vida de cada bebê (p. 103).

Segundo relato do Sr. João:

...eu tinha 9 ou 10 anos, então eu ficava com meu pai lá e

de repente eu comecei a fazer umas golinhas que ele me

ensinou a fazer; eu fazia gola para ele lá. Então, o que

acontecia? O pessoal falava: “gola é a coisa mais chata de

fazer’, porque eles faziam os panos e depois tinha que

fazer as golas para completar as blusas. Aí eles me

compravam: ‘Olha, você precisa fazer as golinhas para

mim”. Chegava no final da semana, tinha uma salsicharia

lá, ali eu ganhava cachorro quente, guaraná, ganhava

tudo...Então, eu comecei a aprender ali, depois quando

meu pai comprou uma máquina manual eu já sabia tocar

ela. Com uns 13 ou 14 anos eu já era bom de máquina, ...eu já conhecia,... eu sempre fui um autodidata.

Parece que o Sr. João iniciou muito jovem sua carreira empresarial,

demonstrando dinamismo, responsabilidade e muita vontade de aprender. No

seu depoimento a seguir, nota-se implicitamente sua admiração pelo irmão (Sr.

José) e seu esforço para cursar o ensino superior:

67

Tenho outro irmão e o José, que naquela época era o doutor da família. Gravata !.

Esse esforço de aprendizado e a responsabilidade como jovem empresário na

condução do então negócio florescente, permitem perceber o respeito e a

valorização pelas pessoas que cursam ou cursaram ensino superior:

Nessa eu acabei não fazendo a faculdade e o José fez a

faculdade a um custo ...nossa!!!... Às vezes eu ia dormir e

ele punha aquecedor no pé e eu levantava de manhã e ele

estava lá... muito esforçado. Nesse ponto, atravessava

noite estudando...mas entrou no vestibular, sem pagar um

tostão, arrumou bolsa, ele conseguiu porque na época era

difícil né?

O Sr. João foi um autodidata e, embora nunca tenha feito curso superior,

sempre cuidou pessoalmente da operação e manutenção dos equipamentos,

sendo responsável pela sua constante atualização tecnológica::

Então, meus conhecimentos vieram assim, eu sempre

tinha muita facilidade para entender as partes das

máquinas e como eu trabalhei muito em manual, fiz vários

tipos de trabalho quando automatizou, eu sabia as funções

e fui desenvolvendo: tinha gente que trabalhava comigo aí

há 15 anos e não saiu daquilo. O camarada não consegue

desenvolver. Fica naquilo... eu digo: não é possível... não

sei se é vontade ou se é capacidade ou se é...o que é.

Depois, com os computadores ficou mais fácil ainda o

desenvolvimento, o scanner, essas coisas.... graças a

Deus, eu me dei bem nessa parte.

Um outro ponto sobre o qual os dois irmãos se fixaram foi na qualidade dos

produtos oferecidos. Na ocasião deste estudo, a empresa vendia produtos com

68

alta qualidade e possuía um bom nome no mercado. Entre seus clientes já

haviam constado Adidas, Uomo, Andrew, Cata, entre outras marcas. Como

afirmou o Sr João:

Olha, veja bem, como nós temos um conceito muito bom

no mercado, de qualidade, embora nós tínhamos fama de

careiro entre aspas, qualidade é obviamente mais cara,..

A segunda característica do empreendedor, que, segundo Chiavenato (2004), é

a disposição para assumir riscos, refere-se à capacidade que ele tem de, por

exemplo, abandonar um emprego seguro para iniciar um negócio, envolver a

família no empreendimento ou mesmo aplicar a totalidade de seus recursos

financeiros no novo projeto.

Pode-se perceber essa característica no Sr. João, pois, quando a família (pai,

mãe e irmão) decidiu sair da sociedade, ele convenceu seu outro irmão (Sr.

José) a abandonar o emprego e a juntar-se a ele nessa empreitada. Os dois

decidiram modernizar a empresa, adquirindo duas máquinas mecânicas

automáticas. Cabe lembrar que, nessa época, a Malharia Silva mudou de nome,

passando a se chamar Malharia Irmão Silva.

O percurso histórico da MIS oferece várias passagens nas quais os dois sócios

demonstraram sua capacidade de assumir riscos calculados e também

autoconfiança e habilidades pessoais para superar os problemas. O Sr. José

realçou uma mudança significativa na linha de produção ocorrida na década de

80:

69

É mais ou menos já na década de 80, a gente começou a

se estruturar para sair um pouco da malharia e indo para

tecidos planos.

Na década de 90, os sócios alteraram novamente a linha de produção:

Começou a linha esportiva no começo dos anos 90; nós

nos especializamos mesmo em golas, galões para

uniformes esportivos....partimos das máquinas de

programação manual, que era com cartelas perfuradas, e

depois entramos na linha computadorizada.

Essas três características retratadas mesclam-se com uma das características

do processo de empreender, entendido como sendo mais do que a simples

resolução de um problema administrativo. Trata-se, segundo Hisrich e Peters

(2004, p.54), da identificação e avaliação da oportunidade. Para os referidos

autores:

É importante que o empreendedor entenda o porquê da oportunidade. A oportunidade se deve a uma mudança tecnológica, a uma modificação do mercado, a uma regulamentação do governo ou à concorrência?

Os empreendedores da MIS pareciam apresentar esse senso de oportunidade

imbricado com a criatividade, principalmente quando as mudanças se tornaram

necessárias, conforme se constata no depoimento do Sr. José:

Em 1998 começou a globalização, pelo menos o

margeamento da globalização. Quanto à gente, foi

invadido de forma muito abrupta, acho que foi o Itamar que

abriu geral, não só para equipamentos, mas para produtos

também. Só que aí houve uma invasão violenta, e até hoje

a gente sofre esse tipo de violência... Chegamos a

conclusão que precisava mudar o tipo de mercado. A linha

70

esportiva estava saturada, e então ficaram os

importadores e os piratas...A gente partiu para voltar à

confecção. Só que nós pegamos um mercado muito

recessivo. Um mercado quase todo assediado pelos

importados. Nós partimos para elitizar um pouco a

produção. Então nós fizemos visitas a quem é de ponta,

do designer e começamos a nos oferecer como parceiros.

Se venderem a gente faz, senão não faz. Alguns

arriscaram e gostaram.

2.4 Criatividade e organização

Manzini-Covre (2003) nos fala que toda organização, por estar inserida e

dependente de um contexto globalizado e ao mesmo tempo num ambiente

limitador, vive um conflito básico: ela tem impulso para manter o que já existe e

impulso para a mudança:

Vale perceber que cada organização tem que lidar com a realidade social, com o que o ambiente lhe permite e limita, e é na dependência disso que ela desenvolve um impulso para a manutenção do que já existe ou/e um impulso para mudanças ( p.3).

Citando Enríquez, a autora afirma que a organização procura incentivar nos

indivíduos um “imaginário enganador”, na medida em que estimula que eles

sigam os desejos e identidade da organização. Entretanto, afirma que existem

algumas pessoas que não se deixam reprimir pelas regras da empresa e dão

mais vazão à criatividade: é o ”imaginário motor”; para a organização, isso é

71

quase insuportável, porque ela não pode bloquear totalmente esse imaginário

motor, uma vez que ele implica em transgressão e desafio ao instituído.

Referindo-se aos tipos de organização, Manzini-Covre (2003) considera que

existem três tipos ideais: “organizações cuidadoras”, que são a família, escola,

hospital, abrigos, mídia, igrejas etc. e caracterizam-se por desenvolverem algum

tipo de proteção ou formação; “organizações repressivas”, que são aquelas em

que a repressão domina, as regras são mais rígidas e a violência e a punição

estão mais presentes; como exemplos, cita as prisões, os conventos, as

organizações militares, as organizações religiosas mais rígidas, etc.; e, por fim,

“organizações produtivas”, que se referem basicamente às empresas, cujo

objetivo é ter lucro.

Detendo-se nesse terceiro tipo, as “organizações produtivas”, observa-se que,

nelas, os indivíduos são controlados “persuasivamente” pelas regras contidas na

cultura organizacional. E, embora vivam em um grande espaço repressivo, têm,

ao mesmo tempo, um bom espaço para a existência do novo. Segundo a

autora: ”a própria empresa, para dar conta do processo do sobreviver na

globalização, têm que abrir espaços para a criatividade, e, de certo modo, para

as transgressões” (Manzini-Covre, 2003, p. 82).

Citando Freud, a autora (idem) assevera:

Todo indivíduo tem uma parcela de originalidade e autonomia ... a organização não consegue controlar completamente o corpo de seus componentes, pois em sua dinâmica há diferença entre o corpo social e o corpo

72

pulsional dos mesmos. E mais, a própria empresa, para dar conta do processo de sobreviver na globalização, tem de abrir espaços para criatividade, e, de certo modo, para as transgressões (p. 83).

Assim, tanto o ambiente interno quanto o ambiente externo podem impulsionar

mais ou menos o desenvolvimento da criatividade.

Nessa mesma linha, Alencar (1996, p.221) afirma que algumas barreiras que

bloqueiam a criatividade são ligadas à cultura organizacional e ao clima

psicológico: “rigidez da organização, atitude excessivamente autoritária aliadas

a uma série de práticas organizacionais, que tendem a inibir a maior parte das

expressões de novas idéias” .

Com relação ao ambiente externo para o vicejar da criatividade, a autora nomeia

ainda os seguintes fatores de natureza extra-organizacional que também atuam,

afetando tanto o indivíduo como a organização: existência de outras empresas

no mesmo setor, gerando competição entre as mesmas; o “zeitgeist”, ou seja, o

espírito da época; as oportunidades oferecidas pela sociedade para o

aprimoramento profissional de seus cidadãos; o grau de reconhecimento social

daquelas pessoas que se destacam por sua produção criativa e os valores

comuns compartilhados pelos indivíduos de uma dada sociedade.

Por fim, Alencar (1996) ainda coloca a importância da interação entre as

características de cada indivíduo e a organização. Devido a esse fato, a mesma

pode utilizar o potencial de criação dos elementos humanos ou até impedir sua

expressão. Sobre isso, afirma:

73

Sabe-se que não basta que os recursos humanos da organização sejam criativos. Não basta que esses apresentem uma atitude criativa... É necessário também que a organização esteja consciente do potencial criativo de seus recursos humanos e que este esteja devidamente reconhecido e aproveitado no ambiente de trabalho (p.23).

De modo geral, verifica-se que a organização deve criar um ambiente propício

ao desenvolvimento da criatividade, tanto no âmbito gerencial quanto funcional.

2.5 Poder, liderança e criatividade na pequena empresa

Organização e poder estão indissoluvelmente ligados. O poder implica em

autoridade. Um levantamento bibliográfico sobre o poder apresenta um grande

número de obras, autores e abordagens diferentes. Talvez isso ocorra pelo fato

de que ele está presente em todas as relações humanas.

Macedo (1991) afirma que, guardadas as devidas diferenciações decorrentes

dos pressupostos teóricos, o que todas as definições têm em comum,

é o fato de se referirem ao poder como uma relação em que há um desequilíbrio de forças entre duas partes com interesses divergentes, onde uma impõe sua vontade sobre a outra e faz com que esta faça coisas que, de outra forma, não faria (p.54).

Ansoff (1983) reconhece três tipos de poder: autocrático, descentralizado e

distribuído. Em uma estrutura autocrática o poder é exercido pela direção geral;

em uma estrutura descentralizada parte do poder é adquirida pelos funcionários

74

qualificados como administração média e inferior. Na estrutura de poder

distribuído o pessoal técnico tem um poder decisório sobre o trabalho

organizacional.

O tipo de poder autocrático é o que parecia mais caracterizar a área produtiva

da MIS, como se pode observar nesta fala do Sr. João:

Os funcionários que a gente tem, eles resolvem coisas

pequenas, que já estão introduzidas. Então, as amostras

que vêm para a gente desenvolver praticamente vão todas na minha mão, faço o grosso dos programas, ponho nas máquinas e eles operam.

Na linha de pensamento de Bertero (1989), nas pequenas empresas o poder

encontra-se, num primeiro momento, centralizado na figura do proprietário; as

decisões são dele, bem como os eventuais benefícios, na medida em que ele é

o único responsável pelo empreendimento. O poder do proprietário está

lastreado na propriedade e na tradição, que lhe conferem legitimidade, já que a

sociedade como um todo, e especificamente os outros membros da

organização, aceitam o exercício do seu poder, acatando e executando suas

decisões.

Num segundo momento, o poder organizacional pode difundir-se, com o

crescimento da empresa e a necessidade de contratação de especialistas que

dominem habilidades administrativas ou que possuam conhecimentos

tecnológicos, ou mesmo com a abertura do capital e surgimento de acionistas.

75

Pode-se perceber que, embora a Malharia Irmãos Silva tivesse mais de trinta

anos de existência, continuava sendo uma empresa de pequeno porte, sendo

que as funções gerenciais continuavam unicamente nas mãos dos dois

proprietários, o que lhes conferia autoridade e poder.

A liderança liga-se intimamente com o poder e com a autoridade. Milioni (1990)

reconhece que a capacidade de “dominar e influenciar outras pessoas

proporciona a base para a direção da organização e para a consecução de

objetivos sociais. A liderança é o exercício do poder” (p. 33).

A capacidade de liderança do Sr. João já era percebida logo após a saída de

seu pai da sociedade, ocasião em que lá ainda ficaram, por uns tempos, a mãe,

o irmão menor e o próprio Sr. João:

Ele (José) já devia estar fazendo estágio. Acho que na

Paramount ou Lansul. Trabalhou um bom tempo lá, depois

ele foi para a Scania. Pegou um ramo diferente. Ele foi

trabalhar conosco por volta de 69, 70, quando eu propus: “olha, vamos comprar uma máquina automática?”. Aí foi a primeira fase da mudança. A compra de uma máquina automática.

Segundo Alencar (1996), cabe à liderança propiciar um ambiente que

potencialize a criatividade pelo apoio e pela valorização das novas idéias.

Porém, existem “chefes” que, apesar de terem certa liderança, não têm

autonomia para valorizar novas idéias, contratar, avaliar, demitir, nem tomar

decisões.

76

No caso da MIS, a liderança efetiva estava centrada nos proprietários. Assim,

eles é que deveriam criar um clima favorável ao desenvolvimento da

criatividade.

2.5.1 O poder e o mito da grande família

O poder em uma empresa pode ser percebido através das relações de trabalho

existentes. Sendo assim, analisar e interpretar os elementos simbólicos

presentes na vida organizacional pode ajudar a entender como essas relações

se desenvolvem.

No caso aqui em pauta, desvendar o mito da grande família foi um passo

importante para compreender esse universo simbólico.

“Aqui é como uma família”, foi como se expressou Roberto, na ocasião

encarregado da expedição, e Ivani, que trabalhava com recursos humanos, e

assim completou:

Aqui é muito bom. Quando você sai, você sente até falta

das pessoas... se você faz aniversário, comemora tudo

junto. Junta todo mundo num cantinho, na hora do café e

comemora, é legal!

Segundo Fleury (1989), a imagem da grande família é freqüentemente utilizada

pelas empresas para reforçar o clima de camaradagem e confiança existente e o

77

comprometimento das pessoas com os objetivos da organização. Pode-se dizer

que a empresa mascara o conflito entre capital e trabalho, substituindo-o pela

cooperação.

Entretanto, o mito da grande família pode ser analisado sob duas faces,

presentes na relação de trabalho: uma delas é a face visível, de solidariedade,

de cooperação, e a outra, oculta, é a da dominação e submissão.

Na primeira face, em uma concepção mais clássica, a família é considerada

fundamental para a reprodução e sobrevivência da espécie humana. Célula

elementar da sociedade, tem como suas principais características a ajuda

mútua, a cooperação, a solidariedade, a afetividade. Transportando essa

imagem para a empresa, observa-se que a cooperação, a solidariedade para

vencer condições adversas, para crescer e prosperar são consideradas

importantes não só para os proprietários como para os empregados, e é essa a

imagem evocada, quando se coloca que a empresa é uma grande família.

Na outra face, pode-se analisar a idéia de família com respeito às relações de

dominação/submissão nela existentes. Nessa abordagem, assim como a família

desenvolve em seu interior relações autoritárias, que têm a função de fixar,

desde a infância, o domínio do homem sobre o homem, a empresa desenvolve

relações de dominação cotidianas que permeiam suas relações e as interações

entre empregados e patrões.

78

Na Malharia Irmãos Silva foi possível perceber que os empregados se

identificavam muito mais com a primeira abordagem de empresa familiar; ou

seja, viviam um clima de camaradagem e confiança, tendo como característica a

ajuda mútua. Os funcionários se sentiam solidários com os proprietários, e até

em momentos difíceis, como os que estavam passando então, procuravam

justificar os cortes de funcionários, de horas extras e de benefícios, como uma

etapa necessária para vencer as condições adversas e, assim, conseguir

sobreviver.

Por sua vez, os proprietários cultivavam um clima de camaradagem com os

funcionários, tendo contatos constantes com todos e parecendo estar muito

próximos deles. O fato de ser uma empresa pequena, com poucos empregados,

certamente, ajudava a promover essa aproximação entre patrões e

empregados.

79

CAPÍTULO 3 - OS FUNCIONÁRIOS E A QUESTÃO DA CRIATIVIDADE

No presente capítulo é abordada a criatividade do ponto de vista dos

funcionários da empresa em foco, procurando-se verificar a importância do clima

organizacional para o desenvolvimento da criatividade, além da

identidade/identificação deles com a empresa. Analisou-se também a

necessidade do domínio de conhecimentos técnicos, da existência de benefícios

que estimulem o desenvolvimento da criatividade e da liberdade para tal.

3.1 O clima organizacional na Malharia Irmãos SIlva

São vários os autores que enfatizam a importância do clima organizacional para

o desenvolvimento da criatividade. Bosticco (1975) afirma que é importante criar

uma atmosfera favorável que contribua para a geração de idéias.

Alencar (1996) também atribui grande importância ao ambiente interno das

organizações para a expressão da criatividade e coloca:

práticas interpessoais, sistemas de normas e valores, presença de incentivos e desafios, que podem estimular ou obstruir a criatividade dos funcionários...esses fatores vão também afetar o espaço permitido para que as idéias

80

criativas possam ser implementadas e transformadas em produtos, serviços ou práticas inovadoras (p.14).

Pelos depoimentos colhidos, pode-se dizer que, de forma geral, os agentes

sociais da MIS sentiam um clima de cordialidade, espírito de equipe e

cooperação. Assim se expressou a estilista Luciana a esse respeito:

Eu trabalho com todo mundo. Como eu acompanho todo o

processo, então eu trabalho tanto com as meninas aqui

em cima até com os tecelões lá embaixo... eu gosto de todos e acredito que eles também gostam de mim. Pelo

menos não houve nunca nenhum atrito, nenhuma briga...

Quando questionada sobre o relacionamento que mantinha com os dois

proprietários, especificamente sobre a relação de subordinação, Luciana

declarou:

[a subordinação] é com os dois. O Sr. João sim, porque

ele fica mais na parte de produção. Na parte de tecer, se

eu tenho alguma dúvida sobre tamanho, medida é com

ele. E a parte mais financeira, da peça pronta mesmo, aí já

é com o Sr. José... o relacionamento com os dois é 100%. Está ótimo... o ambiente é muito gostoso desde o começo.

Laura, que trabalhava no Planejamento e Controle da Produção e estudava

Administração de Empresas, embora fosse muito nova na empresa (dois

meses), também se referiu ao clima agradável vigente na MIS:

...quando eu entrei, a Thais estava junto, depois eu fiquei

no lugar dela. A Thais é a filha do Sr. José; ela foi me

passando... o relacionamento é muito bom. Eles

[patrões] são pacientes. A Thais me explicou tudo. A

81

Flávia [filha do outro sócio] também, e se eu tiver alguma

dúvida eu pergunto para ela.

Nesse depoimento também fica evidenciado o espírito de equipe e de diálogo

reinante na empresa. Laura assim se expressou sobre o ambiente de trabalho:

O ambiente é uma coisa que contribui muito, porque um

ambiente de pressão ou atrito e você não consegue

desempenhar bem. Então eu considero que o ambiente é muito bom na empresa. Tem uma coisa que eu acho

legal que é o trabalho dinâmico, porque não é uma coisa

que a gente fica só naquilo... o trabalho é bem dinâmico,

embora a gente às vezes fique correndo o dia inteiro, o dia

passa rápido... e também porque eu estou aprendendo

muito aqui... a gente aprende coisas todo dia.

Esses depoimentos vão ao encontro do conceito de clima organizacional

expresso por Dias (2003, p. 76):

expressão pessoal da visão que os trabalhadores e dirigentes adquirem da organização a qual pertencem... é formado por uma percepção do coletivo (ambiente ou atmosfera organizacional) que se constitui a partir do momento em que se defrontam as idéias pré-concebidas das pessoas sobre seu local de trabalho e o dia-a-dia da organização.

Nessa mesma linha, Litwin (apud Luz, 2003) define o clima organizacional como

a qualidade ou propriedade do ambiente organizacional que é percebida ou

experimentada pelos membros da organização e influencia o comportamento

deles.

Chanlat (1996) também aponta diversas variáveis que dão à organização uma

configuração diferenciada e acabam por influenciar os comportamentos

82

individuais e coletivos. Essas variáveis são: “As exigências econômicas do

ambiente, os modos de dominação utilizados, a história da organização, os

universos culturais que se cruzam e as características sociodemográficas do

pessoal” (p. 40).

Ivone, funcionária ligada à administração, corroborou esse pensamento

salientando e valorizando o clima de amizade que reinava na empresa, pelo fato

de a maioria dos funcionários ser antiga na firma e ter bom relacionamento com

os sócios proprietários:

Aqui é uma empresa boa, tanto na questão de trabalho,

amizade... Não é questão assim de comportamento,

porque tem um lugar que você vai trabalhar, o pessoal é

meio agitado... tem um que bebe, sempre tem um

probleminha, aqui não tem não. O pessoal é bem tranqüilo. É amigo mesmo. Você pode observar na hora

do almoço; todo mundo se conversa. O pessoal é bem unido.

Outro depoimento revelador do clima organizacional reinante foi o do funcionário

responsável pela expedição, Roberto, que estava na empresa havia quatro anos

e meio e fez a seguinte comparação com o seu trabalho anterior, em um banco:

Eu me dou bem com todos eles. Eu acho que até demais.

A gente tendo que revelar muita coisa... aqui é mais

família.

Com essa observação de que a MIS era “mais família”, Roberto revelou afeição

pela empresa. Como bem caracteriza Pereira (1997, apud Macedo, 2001, p.22)

em seu conceito de família:

83

A família é um sistema sócio-afetivo-estruturado, ou seja, é um conjunto de pessoas estruturadas em papéis diferenciados, interligados por laços afetivos. É causa e conseqüência de amor, de afeto, de desejo de viver juntos, compartilhar a vida, procriar e proteger-se no mundo. A partir da vida em comum, seus membros têm uma história e constroem uma identidade.

Souza (apud Luz, 2003) considera o clima organizacional como algo resultante

do agir mútuo dos componentes da cultura e propõe uma metáfora interessante

para analisar o clima na organização:

o clima é mais perceptível do que suas fontes causais, comparando-se a um perfume, pois percebe-se o seu efeito sem conhecer os ingredientes, embora às vezes seja possível identificar alguns deles (p.11).

Esse aspecto pode ser identificado nas falas a seguir, do pessoal mais

diretamente ligado à área de produção.

Pedro exercia a função de estoquista e seu depoimento sobre sua função

mostrou a existência do clima de cooperação e bom relacionamento.

Primeiro foi difícil porque eu não tinha noção alguma, não

sabia nem o que era partida. Eles falavam em partida e eu

pensava:” o que é isso, meu Deus do céu?”. Eu

perguntava. Perguntava para um cara que é o Paulão, que

é um senhor que tem mais prática aqui e ele me ajudou. Se não fosse ele, eu estava perdido...

Sobre o clima e o ambiente, assim se expressou Pedro:

Tem que se dar bem, todo mundo. Ficar com a cara

fechada por causa do pagamento atrasado... isso aí

acontece. Fora isso aí, há brincadeira, ninguém fica com

raiva do outro, ninguém fecha a cara, ninguém é cara

fechada um para o outro, sempre a gente está brincando.

84

Segundo Friedmann (1972), o sentimento de solidariedade operária exprime

pontos de semelhança nas relações de produção, nas condições de trabalho e

de existência. Esse sentimento e também a rede de vínculos duradouros

ocorrem devido, principalmente, à condição social do grupo e à consciência

quotidiana de sua condição comum diante do empregador.

É oportuno lembrar que, atualmente, a situação das malharias brasileiras não é

das mais promissoras, conforme descrito no capítulo 1. Muitas estão fechando e

outras reduzindo os salários. O mercado de trabalho está difícil para os tecelões

dessa área.

Severino sentiu essa dificuldade e assim se pronunciou a respeito:

...porque isso a gente já sabe: quando começa os “negos”

de gravata a entrar... .isso aí...minha orelha já fica em pé,

porque isso é a crise num país. A crise num país, que

está demais. Jesus baixa aqui dentro e... estamos

perdidos.....

Alberto havia sido funcionário de muitas empresas. Durante dez anos, trabalhou

em várias malharias em Campos de Jordão e estava em São Paulo havia dois

anos. Aqui também já havia passado por várias empresas e estava na MIS havia

quatro meses. Assim relatou a mudança de trabalho em São Paulo:

Foi um colega que também trabalhou no mesmo lugar, lá

na Alfavima em São Paulo. Saí e fui para a Modéstia

[empresa de tecelagem]. Estava muito puxado o serviço lá.

Ele ficou no meu lugar. Aí a Modéstia foi fracassando,

começou a atrasar o meu salário, aí eu saí e fui nessa

Fashion [empresa de tecelagem]. O rapaz começou a

85

querer abaixar o salário também e eu sai de lá. Eles

estavam precisando de gente aqui... O serviço está

parando em tudo, né? As malharias estão em extinção.

Talvez o fato de essas pessoas encontrarem um mercado de trabalho bastante

recessivo, já terem passado por muitos empregos, terem vivenciado ou

conhecerem pessoas que vivenciaram experiências de redução de salários leve-

as a serem menos críticas com relação ao clima organizacional existente na MIS

e, principalmente, com relação aos patrões, uma vez que, segundo informações

dos funcionários e dos proprietários, os salários eram pagos em dia.

Outro ponto que merece ser destacado é o desejo de melhora manifestado por

alguns funcionários. Cabe aqui citar Manzini-Covre (1996) que afirma que o

sujeito só existe a partir do desejo, que “é o elã que nos leva para frente na vida”

(p.100) ou “a nostalgia do objeto perdido”, conforme Garcia-Rosa (1988, apud

Manzini-Covre, 1996, p.100).

O tecelão Severino assim exprime o seu desejo de melhora:

... a gente pretende conversar e melhorar. Isso passa na

minha cabeça, só que por enquanto eu não posso dar

essa volta porque parou.

O tecelão Severino revela um desejo por movimento, um ser desejante. Quando

abordou seu trabalho em outras empresas e na atual, ele fez notar o seu desejo

de desenvolvimento:

Já caí, levantei, entendeu? E foi assim. Então tem muita coisa que eu espero que mude, porque senão, já

pensou? A gente tem quatro filhos para criar; já pensou?

86

Se eu não pensar na empresa? Estou perdido. Tenho que pensar na empresa e depois pensar em mim, entendeu? Então tem alguma coisa aí...

O depoimento de Maria (passadeira) também revelou a necessidade e o desejo

de melhora:

Onde estamos errando, não é verdade? Porque em algum

lugar estamos errando. Porque na verdade o país está

mal, mas não é porque o país está mal que eu tenho que

aceitar esse tipo de situação, não é verdade? Nós temos que correr atrás, descobrir onde estamos errando, e bola pra dentro, como se fala... Porque a coisa não vem de mão beijada pra ninguém...

Embora tenha sido possível captar certo clima de cordialidade na MIS, além de

espírito de equipe e cooperação, não foram percebidos outros fatores

característicos de um clima favorável à criatividade nas organizações, conforme

apresentados por Van Gundy (1987, apud Alencar, 1993), dentre os quais

destacam-se: 1) autonomia: entendida como liberdade concedida aos

funcionários para inovar; 2) sistema de premiação dependente do desempenho:

entendido como um sistema de premiação justo e apropriado, baseado na

competência e no desempenho; 3) apoio à criatividade: entendido como a

percepção por parte do corpo funcional da empresa de que a mesma apóia

novas idéias e mudanças; 4) aceitação das diferenças e interesse em ter

diversidade entre os membros por parte da direção; 5) envolvimento pessoal:

entendido como motivação intrínseca, isto é, satisfação e envolvimento que o

87

indivíduo tem pelo seu trabalho, abrangendo interesse, competência e

autodeterminação e 6) apoio da direção.

Outros fatores explicitados por Alencar (1993, p.101) que corroboram a

existência de um clima favorável à criatividade são:

Motivar a produção de idéias; tolerar o fracasso e encorajar a experimentação e o correr riscos; não impedir e até facilitar a realização de um segundo trabalho; criar espaço para que os subordinados expressem suas opiniões; fazer com que a pessoa sinta que se confia nela.

Amabile (1996, apud Alencar e Fleith, 2003, p. 5) também sugere alternativas de

estimulação da criatividade no ambiente de trabalho:

encorajar a autonomia do indivíduo evitando controle excessivo e respeitando a individualidade de cada um; cultivar a autonomia e independência enfatizando valores ao invés de regras; ressaltar as realizações ao invés de notas ou prêmios; enfatizar o prazer no ato de aprender; evitar situações de competição; expor os indivíduos a experiências que possam estimular sua criatividade; encorajar comportamentos de questionamento e curiosidade; usar feed back informativo; dar aos indivíduos opções de escolha; apresentar pessoas criativas como modelo.

3.2 Identidade/ identificação

Ao estudar o sistema de metabolismo social do capital e seu sistema de

mediações, e baseando-se em Meszáros (1995), Antunes (2001) afirma: “os

seres sociais tornaram-se mediados entre si e combinados dentro de uma

88

totalidade social estruturada, mediante um sistema de produção e intercâmbio

estabelecido” (p.19). O autor descreve o sistema de mediação de primeira

ordem e enfatiza que os seres humanos são parte da natureza e devem

satisfazer suas necessidades mediante trocas com a mesma, além de não

poderem viver sem esse intercâmbio. Salienta, então, na descrição do sistema

de mediação de segunda ordem, que as funções reprodutivas sociais

subordinam-se ao imperativo da expansão do capital. Uma das condições para

a vigência dessa mediação é

a equivalente personificação do trabalho, isto é, a personificação dos operários como trabalho, destinado a estabelecer uma relação de dependência com o capital historicamente dominante; essa personificação reduz a identidade do sujeito desse trabalho a suas funções produtivas fragmentárias (p.22).

Essa redução da identidade pode também ser percebida em Sennett (2001),

que realizou um estudo no qual comparava os empregados de uma grande

padaria em Boston com seus antecessores de 25 anos atrás.

Na primeira etapa da pesquisa (25 anos antes), a maioria dos padeiros era de

origem grega e composta por filhos dos antigos empregados da mesma

empresa; a profissão era passada de pai para filho pelo sindicato, que também

estruturava rigidamente os salários, benefícios e pensões. Eles se orgulhavam

da profissão. Devido ao trabalho noturno, pois o pão precisava estar pronto pela

manhã, a padaria os mantinha unidos como uma família, o que aumentava o

distanciamento da real família, que raramente era vista durante a semana. O

trabalho dependia da união de todos: eles precisavam cooperar intimamente

89

para coordenar as várias tarefas e todos trabalhavam juntos, até o final da

produção. A profissão exigia anos de treinamento para aprenderem a usar

”tanto o nariz quanto os olhos para julgar quando o pão estava pronto“ (p.77).

Nas palavras de Sennet :

O caráter dos trabalhadores expressava-se no trabalho no agir com honra, trabalhando cooperativa e honestamente com outros padeiros, porque pertenciam à mesma comunidade (p.78).

Numa segunda etapa da pesquisa, o autor voltou à mesma padaria, que havia

se transformado em um complexo da área de alimentos. Ela agora utilizava

máquinas sofisticadas computadorizadas, e a atividade dos padeiros era de

monitorar todo o processo pelas telas do computador. Eles não tinham mais

contato físico com os materiais, nem com os pães. As imagens da cor do pão

eram extraídas de dados sobre a temperatura e o tempo de cozimento dos

fornos; eles não viam mais os pães que estavam fazendo, só viam ícones do

Windows na tela do computador.

Também não tinham mais necessidade de permanecer juntos, pois se

dedicavam a partes isoladas do trabalho e, por isso, os horários se tornaram

mais flexíveis. Sennett (2001, p.80) assim avaliou essa experiência: “...

trabalhadores dependentes de programas, eles também não podem ter

conhecimento prático... o trabalho não é mais legível para eles, no sentido de

entender o que estão fazendo”.

90

Como conseqüência de trabalhar dessa forma, os padeiros não mais sabiam, de

fato, como fazer pão e tinham consciência de que executavam tarefas simples.

Um deles deu o seguinte depoimento: “eu vou para casa, faço pão mesmo, sou

um padeiro. Aqui, aperto botões” (p.83).

A tecnologia possibilitou à padaria contratar trabalhadores com salários mais

baixos, pois não eram eles e sim as máquinas que possuíam as qualificações

necessárias para a produção de pães. Assim, esses empregados passaram a

ter uma fraca identidade com o trabalho. Como disse Sennett (2001, p. 88)

sobre esse novo modelo: “quando tudo nos é facilitado (...) tornamo-nos fracos,

nosso comprometimento com o trabalho se torna superficial, uma vez que não

entendemos o que fazemos”.

De certo modo, pode-se observar situação semelhante na Malharia Irmãos Silva.

No começo, as máquinas eram manuais, o que exigia trabalho de muitos

funcionários. Segundo o Sr. João (sócio proprietário):

Lá no começo mesmo, nós tínhamos perto de 20

funcionários de dia e uns 15 à noite, mas era tudo

máquinas manuais e a gente ficava preso...,chegava

segunda feira e faltava metade dos funcionários... de

repente eles chegavam e diziam: “nós queremos

Cr$100,00 (cem cruzeiros) a mais por peça”... Então

parava todo mundo... tivemos muitos problemas com

funcionários. A linha era basicamente a mesma, só que era mais artesanal.

91

Na ocasião deste estudo, não existiam mais máquinas manuais nessa empresa;

elas eram modernas e computadorizadas. Entretanto, o comando desses

computadores estava basicamente nas mãos de um dos proprietários, o Sr.

João, que cuidava da parte operacional.

Os funcionários, principalmente os tecelões, pareciam ter noção da sua

pequena participação na confecção dos produtos, o que pode ser verificado na

fala do tecelão Eduardo, que estava na empresa havia 12 anos:

Quem comanda aqui é o Sr João. Os computadores, o

desenho, fica tudo na mão dele. Você fica lá naquele canto fechado. Não tem área de desenvolvimento.

Você não tem acesso a computador mais sofisticado.

Tocqueville (apud De Masi, 2003) também trata da questão do trabalho

especializado dos operários:

Quando um operário se dedica continua e unicamente à fabricação de um só objeto, acaba por realizar este trabalho com uma singular habilidade; mas ao mesmo tempo perde a faculdade geral de aplicar o seu espírito na direção do trabalho. Ele torna-se cada dia mais hábil e menos industrioso e pode-se dizer que nele o homem se degrada à medida que o operário se aperfeiçoa (p. 153).

Outro funcionário que se sentia distante do produto final era o tecelão Severino.

Questionado sobre qual a função do tecelão na empresa, respondeu:

Verificar o funcionamento delas [das máquinas] ...não deixar o fio acabar, eu acho que o maior problema na

empresa é deixar o fio acabar...deixar o fio acabar é

retalho na certa... e o tecelão tem que ficar em cima.

92

Como no caso da padaria de Boston, descrito por Sennett, na empresa aqui em

foco os funcionários também não pareciam se sentir identificados com o

trabalho; eles, apenas, cumpriam tarefas.

Manzini-Covre (2001) discorre sobre a função social da empresa ao procurar

compreender a organização, e baseia-se nos conceitos de identidade e

identificação para efetuar uma abordagem interna que extrapole o nível cultural

organizacional.

A autora defende a abordagem por identificações, no sentido de que esta

permite “mudanças progressivas para a organização e para seus sujeitos” (p.46)

e também pressupõe um processo, e assim pode “diminuir o âmbito ilusório e

aumentar o âmbito relativo à realidade” (p. 49). Cita a análise feita por Pagés na

grande empresa e coloca: “não dá para apreender uma imagem por

identificações da empresa, mas sim uma imagem já identificada, e, como a

empresa é” (p. 49). Manzini-Covre (idem) ainda destaca que o entendimento de

uma organização “nunca é uma compreensão identificativa (como supomos à

apreensão de Pagés), mas uma compreensão identificatória ou um rumo

identificatório, nunca terminado” (p. 63).

A abordagem por identificação pressupõe uma análise mais aprofundada da

organização representada pelos seus indivíduos e grupos, procurando desvelar

a face oculta da mesma. A autora coloca que as pequenas empresas

(geralmente familiares) encontram mais dificuldade de lidar com o sentido

progressivo “porque estão mais arraigadas em seus componentes de

93

comportamentos e imagens estáveis. Ou seja, para haver mudanças há mais

dificuldades de as pessoas se desapegarem de seus mecanismos defensivos

arcaicos“ (p. 76).

3.3 Treinamento

A importância do treinamento para o desenvolvimento da criatividade já é

reconhecida desde a época do Renascimento. De Masi (2003) mostra o quanto

as oficinas eram então células do sistema criativo descrevendo o início do

treinamento e aprendizagem de um pintor - aos 13 anos, este entrava para a

oficina e nela permanecia em regime de tempo integral até dominar muito bem o

seu ofício. Nos primeiros seis anos, aprendia os rudimentos do desenho, para

depois colorir, fazer drapeados, treinar pinturas de parede, o que durava outros

seis anos (Cenini, apud De Masi, 2003). Sobre a oficina, De Masi descreve:

O seu ambiente é particularmente adequado para fecundar a criatividade, não só porque reúne a teoria e a prática, mas também porque constitui um tipo de clã ao qual confluem amigos fiéis, patrocinadores e financiadores ...completamente voltada à criatividade e à originalidade, a oficina era o reino do imprevisto, da inovação, da flexibilidade e da aversão à banalidade (p.223).

Amabile (1996, apud Alencar e Fleith, 2003) considera que, para se desenvolver

um trabalho criativo, a educação e experiência são fundamentais. Afirma a

94

autora: “as contribuições criativas não ocorrem no vácuo, mas estão alicerçadas

em um amplo conhecimento da área em que se está atuando”.

Na atualidade, Kruglianskas (1996) assevera que, para manterem-se

competitivas, as empresas têm de investir na busca de novos conhecimentos.

Nas empresas de grande porte essa busca se dá, principalmente, mas não

exclusivamente, por meio de pesquisa e desenvolvimento (P&D). Porém, o custo

de manter-se pessoal exclusivamente ou prioritariamente dedicado às atividades

de P&D é proibitivo para a maior parte das pequenas e médias empresas de

setores tradicionais. Nessas condições, nessas empresas de menor porte, a

inovação tecnológica é buscada através de atividades realizadas pelas mesmas

pessoas que são responsáveis pelas atividades rotineiras. Essas pessoas

executam concomitantemente ambos os tipos de atividades, de tal forma que

não existe um grupo formal de P&D.

Ainda segundo esse autor, tanto na situação em que ocorre a troca de um

número significativo de equipamentos, quanto em mudanças em processos, o

que se tem constatado é que as empresas precisam estar continuamente

adquirindo novos conhecimentos e habilidades para se manterem competitivas.

Isso leva à necessidade de treinamentos constantes e interação intensa entre as

pessoas da empresa, para que o conhecimento possa ser compartilhado.

Na Malharia Irmãos Silva foi possível perceber que isso não ocorria com

freqüência. Costumeiramente, não eram oferecidos treinamentos aos

95

funcionários, ficando os conhecimentos mais centralizados nas mãos dos

proprietários.

A grande maioria dos funcionários pesquisados relatou não ter participado de

nenhum treinamento externo, apenas de alguns que ocorreram internamente,

por ocasião da compra de novas máquinas, e foram oferecidos pelos

representantes de vendas dos respectivos produtos.

Ivone relatou ter feito um único treinamento patrocinado pela empresa em 1998:

Logo no início, ele [um dos patrões] me patrocinou um curso para mim na Prodesp, relacionado a recursos

humanos. Foi logo no comecinho, em 1998, para eu me

aperfeiçoar na parte de legislação. Quando eu estava em

outra empresa, eu fiz Data Byte e outros cursos

lá...informática, internet.

Entretanto, ambos os proprietários relataram ter feito vários cursos, participado

de seminários, eventos, feiras, cada um em sua área, como afirmou o sr. José:

Meu irmão fez alguns cursos lá no sul. Ele entende muito

dos mecanismos dos equipamentos. Ele se especializou

na parte técnica e eu na gerencial e administrativa-

financeira.

Na ocasião deste estudo, o Sr. José trabalhava como professor universitário na

área administrativo-financeira.

Contudo, verifica-se que, embora a empresa pareça pouco investir até o

momento na qualificação de seus funcionários, Pedro (estoquista) relatou

aprender em serviço, com os colegas de trabalho:

96

Eu estou lá [na tecelagem], os caras estão me ensinando, eu estou aprendendo devagarzinho. Eles me

ensina né?. Eu quero ser tecelão ...é, ganha um

pouquinho mais...

Outra fala que corroborou com o interesse do funcionário em aprender foi a de

Luciana (estilista):

Treinamento externo não. Na faculdade aprendi o básico.

Eles me ensinam a reta e..., mas a prática foi aqui. Quem

me ajudou bastante assim que eu entrei foi a Marlene, que

é a cortadeira. Lá embaixo fiquei junto, porque eu comecei a pegar as coisas de baixo para cima.

Pelos depoimentos acima pode-se perceber que a preocupação em aprender se

dava, em grande parte, por iniciativa dos funcionários, e não por interesse direto

da empresa.

Oliveira (1995) atribui aos empresários a lenta mudança nas organizações, por

conta de que a maioria deles não está preparada ou não deseja correr o risco de

mudança do trabalho físico para o trabalho mental. No dizer do autor:

Na realidade, muitos empresários podem preferir ser menos produtivos a ter que abandonar seus tradicionais métodos organizacionais. Há sempre riscos na introdução de mudanças gerenciais radicais, especialmente aquelas que levam a mudanças fundamentais nos valores coorporativos, nas atitudes e nas estratégias que já foram testadas (p.120).

Assim, ter trabalhadores mais treinados e mais preparados pode submeter a

autoridade ao conhecimento, à hierarquia e à competência. Neste estudo não

foi possível confirmar as observações de Oliveira, mas é uma hipótese que

merece ser verificada em pesquisas futuras.

97

D’Ângelo (1998) mostra a importância das empresas se adequarem e se

adaptarem às novas realidades decorrentes da globalização, dando ênfase à

requalificação dos trabalhadores:

a flexibilização da produção, a intensificação dos processos de trabalho e a velocidade das mudanças, levam à aceleração da desqualificação e esta, por seu turno, à requalificação. Assim, a requalificação torna-se fundamental ao desempenho de novas exigências do trabalho. Isso implica mudanças organizacionais, maiores investimentos, intensificação de pesquisas, além de provocar alterações em sistemas educacionais, impondo a reestruturação das instituições encarregadas do seu planejamento, desenvolvimento e avaliação (p.108).

A MIS parecia não estar atenta ao preconizado por D’Ângelo, pois não existia na

empresa uma política de aperfeiçoamento de seus recursos humanos, o que

certamente ocorria não pelo fato de ela estar passando por dificuldades

financeiras, mas porque talvez pouco valorizasse essas atividades.

3.4 Benefícios

Para Alencar (1996, p.23), não basta somente o indivíduo ser criativo, ‘‘é

necessário também que a organização esteja consciente do potencial criativo de

seus recursos humanos e que este esteja devidamente reconhecido e

aproveitado no ambiente de trabalho’’.

98

Os benefícios e as recompensas podem funcionar, então, como estimuladores

da criatividade nos indivíduos.

Segundo Milkovich e Boudreau (2000), benefícios são os aspectos indiretos da

remuneração total dos empregados; incluem pagamento de seguro e assistência

médica, remuneração fora do trabalho, serviços aos empregados e renda de

aposentadoria.

Na MIS, os empregados recebiam somente os benefícios básicos previstos em

lei. Houve tempo (dois anos antes da realização da pesquisa) em que possuíam

plano de assistência médica (Amil), mas devido à crise financeira atravessada

pela empresa, o mesmo foi excluído. Entretanto, apesar disso, os funcionários

expressaram solidariedade com os patrões.

Ivone (secretária) esperava que o plano médico fosse retomado:

Eles (proprietários) estão precisando também. A idéia é

essa: tudo o que eles fazem para o pessoal, eles fazem para eles também, para a família. Inclui tudo junto, num

plano só. Então, quando cancela um, cancela todos. E

agora... tá para ver como vai ficar. Talvez para o ano que vem... .já estaremos com o prédio novo, pode ser que...

Pode-se observar que ela procurou justificar a não concessão do benefício por

problemas financeiros pelos quais a empresa vinha passando, expressando

também o pensamento de outros funcionários:

... inclusive teve uns anos que teve cesta de natal. Isso até

entusiasma o pessoal. O pessoal fica bem contente.

Mas realmente não dá agora. Eles estão de reforma do

99

prédio lá. O aluguel ficou difícil também. O pessoal entende isso.

Roberto, que trabalhava na expedição, também disse entender a posição dos

patrões, colocando como causa da exclusão do benefício a globalização e a

situação econômica do país:

Nós tínhamos convênio médico, mas em função da situação do país, pra gente não sair, teve que cortar.

Severino, um tecelão que estava na empresa havia quatro meses e que,

portanto, não presenciou o período em que existia plano médico, esperava que

esse benefício voltasse a ser implantado em breve:

Eles [proprietários] estão sem força para dar o benefício, mas eles têm força de vontade. Eles têm,

mas por enquanto... o Sr. João até me deu um toque que

talvez volte o convênio médico. Pra gente é bom, né?

E também demonstrou uma atitude positiva com relação aos patrões:

Se ele [patrão] está com isso na cabeça, é sinal que está com boa fé. Então, coordenar isso... no fundo

porque, coitado, “Isso eu não vou poder dar”, porque eu já

passei por muitos aí, então a gente entende.. .como é que

vão coordenar. Tem que tentar... e levantar e não ficar

como está.

100

3.4.1 Sistema de Recompensa

Uma outra forma de incentivar a criatividade nas empresas é através do

chamado sistema de recompensa.

De acordo com Imai (1986, apud Kruglianskas, 1996), um dos aspectos chaves

para o sucesso das inovações é reconhecer esforços voltados para a busca de

aprimoramentos, ou seja, valorizar o processo de procura de melhorias.

Assim, Kruglianskas (1996) adverte que não devem ser recompensados

somente aqueles funcionários ou grupos que proporcionem resultados

concretos, mas também os que despendem esforços em busca do

aprimoramento.

Os esforços por aprimoramento devem ser entendidos como aqueles relacionados com o interesse e as iniciativas em busca de mudanças que visem a melhoria, como a participação voluntária em círculos de qualidade, o engajamento em esforços cooperativos de aperfeiçoamento, a busca de capacitação como o objetivo de melhorar a contribuição individual e coletiva da empresa, etc., mesmo que nem sempre se consubstanciem em resultados concretos ( p. 37).

Segundo o autor, as recompensas de natureza financeira geralmente são dadas

aos funcionários pelo alto desempenho em termos de resultados com aumento

de lucratividade, sendo que as de natureza “honorífica” são por bons

desempenhos em termos de esforços visando aprimoramento.

101

Nos Estados Unidos, as empresas enfatizam excessivamente o atingir

resultados, premiando regiamente os esforços para tanto; já no Japão,

consistentemente com a filosofia da “qualidade total”, as empresas tendem a

reconhecer e premiar, muito mais que os americanos, o interesse e o esforço do

funcionário em “procurar contribuir”.

A Tabela IV permite uma comparação do sistema de sugestões no Japão e nos

EUA.

Tabela IV - Sistema de Sugestões nos EUA e Japão

Itens

Firmas Japonesas

Firmas Americanas

Sugestões por funcionários

24

0,16

Nível de participação 60% 13%

Taxa de implantação 82% 22%

Ganho por sugestão implantada US$100,00 US$5.500,00

Prêmio por sugestão implantada

US$4,40 US$550,00

Fonte: Bomerwald, 1996. citado por Kruglianskas (1996, p.89)

O sistema de sugestões começou nos EUA por volta de 1920, e no Japão

passou a ser utilizado somente após a Segunda Guerra Mundial. Sua alta

disseminação neste país está associada aos sucessos obtidos com seu uso

pela empresa Toyota. Nessa empresa, o número de sugestões aumentou de

forma impressionante num período de vinte anos, conforme pode ser visto na

tabela V :

102

Tabela V - Sistema de Sugestões na Toyota (Japão)

Ano Nº de sugestões Percentagem de implantação

Sugestões por funcionários

1960 9.000 39 1,0

1970 40.000 70 2,5

1973 247.000 76 12,5

1976 380.000 83 15,3

1979 575.861 91 13,3

1980 858.039 94 19,2

1981 1.412.565 95 38,8

1983 1.655.858 96 31,8

Fonte : Oliveira, 1995 p.112

Segundo Oliveira (1995), para os japoneses, as sugestões podem ser simples,

como colocar uma tira de borracha para que uma roda se ajuste melhor, mudar

a qualidade da informação transmitida a um fornecedor, mudar o “lay-out” da

fábrica; ou mais complexas, de maneira que levem à criação de um produto ou

processo de produção novo. No caso da Toyota, o que impressiona é sua

capacidade para receber, organizar e ativar mecanismos, a fim de implantar tais

sugestões de forma eficaz.

Kaplinsky (1988, apud Oliveira, 1995) relaciona o sistema de recompensa com a

cultura da empresa, afirmando:

Por trás deste sistema existe uma cultura corporativa que reforça a aprendizagem grupal e a adesão aos valores da companhia, mas existe, também, um generoso sistema de recompensas (p.112).

103

Ainda segundo Kruglianskas (1996), a evolução do sistema de sugestões na

Toyota sugere:

que houve um maior investimento em capacitação de recursos humanos, nos reconhecimentos dos esforços destes em contribuir para a melhoria da empresa, no uso de ferramentas para a criatividade e solução de problemas e numa sinalização mais explícita aos funcionários sobre quais as prioridades estratégicas da organização (p. 89).

Kassoy (2004) defende a posição de que a forma mais adequada de

recompensar as melhores idéias não é através de prêmios em dinheiro. Cita,

então, um estudo realizado pela Maritz, dos EUA, em que uma especialista em

programas de sugestões no mundo não defende prêmios em dinheiro e afirma

que um presente estimula mais, pois, geralmente, o dinheiro ganho vai para o

pagamento de uma dívida ou para necessidades diárias. Ressalta, dessa forma,

que “o mais importante é o reconhecimento”.

Silva (2004) relata que fábricas de automóveis do Brasil, como a GM, só no ano

de 2003 receberam 46.000 sugestões, das quais 15.000 foram aprovadas e

resultaram numa economia de R$ 6,8 milhões. Como contrapartida, os

funcionários que tiveram suas propostas selecionadas receberam R$1,6 milhão

em prêmios. Já na Volkswagen, em 1993, seus funcionários embolsaram R$

633 mil por idéias que renderam à empresa redução de R$10,3 milhões em

custos. Na Ford o brinde é simbólico, como camisetas, bonés, certificados de

reconhecimento e fotos no jornal interno. “Recentemente, os grupos pediram

cestas básicas como premiação e os vencedores escolhem instituições sociais

para a doação” (p.B 7).

104

Amábile (1983, 1996, apud Alencar e Fleith, 2003) também considera que a

motivação extrínseca pode minar, em parte, o processo criativo. A autora afirma

que essa motivação é marcada pela recompensa e pelo reconhecimento externo

e refere-se ao envolvimento do indivíduo em uma tarefa com o objetivo de

alcançar alguma meta, sendo que há dois tipos: um que pode levar o indivíduo a

se sentir controlado, que é o seu lado negativo, e outro que provê informações e

contribui para que o indivíduo complete a tarefa com sucesso.

Na MIS não foi observado nenhum sistema de recompensa, nem mesmo de

maneira informal. A esse respeito, foram feitas as seguintes questões aos

funcionários entrevistados: A empresa recompensa o funcionário que apresenta

e/ou implanta uma idéia criativa? De que forma? Algum companheiro de

trabalho já recebeu alguma recompensa por apresentar alguma idéia criativa

nesta empresa?

Luciana ( estilista) assim se pronunciou :

Até hoje... .uma sugestão que faça mudança... não.

Maria (passadeira), ao ser perguntada se tinha presenciado alguém na empresa

receber recompensa por ter dado alguma idéia criativa, falou:

Não , não presenciei não.

Os outros funcionários também responderam negativamente às questões.

Dessa forma, pode-se inferir que os dirigentes da MIS não valorizavam esse tipo

de estratégia, que pode incentivar a criatividade e, ao mesmo tempo, valorizar a

105

auto-estima, o reconhecimento e a identificação dos empregados com a

empresa.

3.5 A divisão do trabalho e a liberdade para criar

Baseando-se em Locke, Arendt (2005) aborda a distinção entre mãos que

trabalham e o corpo que labora, ou entre o artífice e aqueles que, como

escravos, atendem com o corpo (trabalham com o corpo) às necessidades da

vida.

Nos tempos antigos, antes do pleno desenvolvimento da cidade-estado,

distinguia-se entre escravos (inimigos vencidos), que trabalhavam para prover o

próprio sustento e o dos seus senhores, e os operários do povo em geral, que

se movimentavam fora da esfera privada e dentro da esfera pública.

Posteriormente, mais uma categoria foi incluída, a dos artesãos - aqueles que

centravam suas atividades em seu ofício e não na esfera pública. Somente a

partir de fins do século V é que as ocupações passaram a ser classificadas pelo

esforço que exigiam.

Ainda Arendt (2005) nos indica que os antigos consideravam imprescindível ter

escravos devido à natureza servil das ocupações que davam conta das

necessidades de manutenção da vida. Dessa forma, laborar significava “ser

106

escravizado pela necessidade, escravidão essa inerente às condições da vida

humana“ (p. 94). Assim, a escravidão não foi na Antiguidade uma forma de

conseguir mão de obra barata, mas uma forma de excluir o labor das condições

da vida humana.

A autora considera o trabalho como artificialismo humano e inerente à condição

humana. Brown (1976) também observa a necessidade do trabalho na vida do

homem e assim se manifesta: “o trabalho é parte essencial da vida do homem,

uma vez que constitui aquele aspecto de sua vida que lhe dá status e o liga à

sociedade” (p. 170).

E ainda Friedmann (1972, p. 192), com base em Freud, ressalta sua

importância:

Freud transpõe para o interior de seu sistema, reduzindo-o ao quadro do indivíduo, o papel fundamental do trabalho para a espécie humana. Se o trabalho é capaz de desempenhar na vida de muitos homens, o papel capital que lhe atribui com razão, Freud, é porque constitui uma atividade essencialmente humana, criadora, aquela mesma que distingue o homem, homo faber, no conjunto das espécies animais e o elevam acima delas.

O tecelão Severino enfatizou implicitamente a importância que dá ao trabalho e

à qualidade do mesmo:

... eu acho que, para melhorar essas coisas, que a gente

já deu um toque para ele [Sr. José] tem que melhorar

bastante coisas, porque a gente já tem experiência de

outras malharias, então a gente tem ambientes que a

gente pega pessoas boas, tem outro que não pega, então

muitas coisas a gente aprende na vida.

107

Pedro (estoquista) fez sobressair o trabalho e a forma de com ele lidar:

A gente se diverte. A gente se dá bem. A gente trabalha

sabendo que tem que trabalhar, mas dá uma risadinha de

um lado e de outro; é assim, senão não vai.

Maria (passadeira) salientou mais explicitamente o mérito e interesse no

trabalho:

Se houver alguma coisa errada, eu já aviso. Se der para

mim consertar, eu procuro corrigir aquele erro e consertar,

sem precisar amolar o tecelão, levar o problema para o

patrão, entendeu? Eu acho assim, que o bom profissional

não é aquele que qualquer coisa que acontecer vai e fala:

“ isso está errado”. Não, eu acho que é aquele que procura

corrigir... se você pode fazer, porque só vai apontar os

defeitos da pessoa? As falhas... .se eu posso consertar,

entendeu? O trabalho é tudo.

No que se refere à divisão do trabalho, Arendt (2005) salienta que,

historicamente, primeiro fez-se distinção entre trabalho produtivo e improdutivo;

mais tarde, entre trabalho qualificado e não qualificado e, finalmente, todas as

atividades foram divididas entre trabalho manual e intelectual. Do ponto de vista

social, a autora afirma que todo trabalho é produtivo e “perde sua validade a

distinção entre a realização de tarefas servis, que não deixam vestígios e a

produção de coisas suficientemente duráveis para que sejam acumuladas“

(p.100). Enfatiza, ainda, que toda atividade requer certo grau de qualificação e

que a diferenciação entre, por exemplo, limpar e escrever um livro mostra certos

estágios e qualidades de cada um deles.

108

Na atualidade, o pensamento de Arendt é corroborado por Simões (2005),

quando enfatiza que a globalização da economia e o acelerado desenvolvimento

tecnológico incitam a competitividade, fazendo com que a capacidade de inovar

seja importantíssima para as empresas, tendo como conseqüência a diminuição

da divisão entre trabalho intelectual e trabalho braçal; com isso, os empregos de

baixa qualificação perdem mercado.

Nesse sentido, o pronunciamento de Maria (passadeira) pareceu diferenciado

de outros integrantes da MIS, e trilha a linha de colocação de Simões:

De tudo eu faço um pouquinho. Eu procuro saber de tudo

um pouquinho. Eu posso, se precisar arrematar, eu

arremato; se precisar costurar, eu costuro; ponho etiqueta,

entendeu? Eu procuro fazer o melhor.

Retornando à divisão do trabalho baseada em Arendt, e procurando fazer um

paralelismo com Durkheim, Abranches (2004) nos coloca que, no século XIX,

Durkheim analisou os diversos problemas da sociedade e os considerou como

patologia social, cunhando o termo anomia para designar essa sociedade

doente. Na tentativa de curá-la, o autor escreveu uma de suas famosas obras,

denominada “A divisão do trabalho social”, em que enfatiza a necessidade de se

estabelecer uma solidariedade orgânica entre os membros da sociedade.

Seguindo o esquema biológico, em que cada órgão tem sua função e depende

do outro para sobreviver, Durkheim concluiu que cada pessoa deve exercer uma

função na divisão do trabalho e sentir a necessidade de se manter coeso e

109

solidário com os outros. É importante, pois, que o indivíduo se sinta parte de um

todo, que realmente precise da sociedade de forma orgânica.

Essa linha de pensamento de Durkheim tem analogia com estudos de

Friedmann (1972), que constata que o sentimento de solidariedade moral e uma

rede de vínculos duradouros observados em certo grupo humano, objeto de um

de seus estudos, não são devidos à interdependência das operações impostas

pela divisão do trabalho, mas sim a sua condição social, à consciência comum

diante do empregador (patrão ou seus representantes) e, em geral, da

sociedade a qual esse grupo pertence.

Para Friedmann (1972), a divisão do trabalho ocorrida a partir do século XIX,

baseada na crença em sua racionalização científica, aumentou o rendimento

dos trabalhadores especializados e baixou os preços de custo de objetos

fabricados em escala bastante grande. E, especificamente, o ramo de

confecções foi aquele em que a fragmentação das tarefas foi mais desenvolvida:

A divisão das operações em todas as empresas de confecção de certa importância adquiriu, o que é normal, a forma de trabalho em cadeia e acarretou um planejamento rigoroso. Todo o pensamento do trabalho se acha absorvido em sua preparação, que alcança até o menor detalhe (p. 32).

Segundo o autor, na pesquisa efetuada junto às indústrias, os engenheiros

observaram que, em casos de grande divisão das operações e de extrema

especialização, há a tendência a rendimentos decrescentes, aliada ao fato de

que a qualidade da obra é diminuída em virtude do aborrecimento dos operários.

110

Antunes (2001, p.37) também se pronuncia sobre a divisão do trabalho,

caracterizando o processo de linha de montagem como “mescla da produção em

série fordista com o cronômetro taylorista, além da vigência de uma separação

nítida entre elaboração e execução”, concluindo que o capital, dessa forma,

acaba suprimindo a dimensão intelectual do operário “que era transferida para

as esferas da gerência científica. A atividade de trabalho reduzia-se a uma ação

mecânica e repetitiva” (p.37).

Muitas vezes essa separação do trabalho do operário e o seu planejamento

pode gerar apatia e alienação, conforme nos alerta Dejours (1992, p.19): “ao

separar, radicalmente, o trabalho intelectual do trabalho manual o sistema Taylor

neutraliza a atividade mental dos operários” .

Essa visão dos autores pode ser observada na fala angustiada do tecelão

Severino:

Então eu pretendo... porque é bom a gente conversar com

a pessoa e a pessoa dar atenção, porque isso é

importante, a gente conversar e a pessoa ir buscar o

princípio: “vou ver, vou ver se corto”, entendeu? Então, a gente pretende falar e a pessoa escutar, porque se não escutar, não vale a pena. A gente está com um plano na cabeça, então a gente fala para o senhor e o senhor pô ! Dá atenção na hora e depois esquece então de dizer....”

O tecelão Alberto assim se pronunciou quanto a oferecer alguma sugestão para

os dirigentes:

111

Não sei se vai adiantar dar a minha opinião, de qualquer

forma o patrão fica um pouco mais esperto. Quando a gente sugere a coisa para ele, ele num...” .

De uma forma explícita ou implícita, observa-se na MIS que a organização do

trabalho baseada na divisão das tarefas contribui para certa acomodação dos

trabalhadores mais ligados diretamente à produção. Esse fato certamente deixa

adormecidas condições subjetivas que poderiam contribuir para o prosperar da

criatividade.

Oliveira (1995) aponta para o fato de que não são as novas tecnologias em si

que tornam o trabalho mais humano e interessante. Ele pode ser igualmente

repetitivo, monótono ou criativo, dependendo do contexto e das circunstâncias.

É através do envolvimento dos trabalhadores para identificar, analisar e resolver

problemas que o trabalho tende a se tornar mais desafiante e mais interessante.

A fala isolada da passadeira Mara, explicitada linhas atrás, corrobora firmemente

essa análise do autor.

Há ainda que se considerar que as empresas não reagem da mesma maneira

para resolver seus problemas. Enquanto umas encorajam os técnicos a

resolverem problemas, outras mantêm uma equipe especializada para lidar com

essas situações.

Afirma Oliveira (1995, p.26):

A organização, normas e rotinas do trabalho definem quem deve pensar e quem deve apenas executar as tarefas. É isso que pode tornar um trabalho mais ou

112

menos interessante e um grupo de trabalho mais ou menos criativo.

Pelos depoimentos colhidos, foi possível observar que os funcionários da MIS,

principalmente os tecelões, referiam-se às suas funções como repetitivas,

rotineiras e fragmentadas, em oposição a um tipo de trabalho que poderia ser

mais criativo. Assim, eles tinham de alimentar a máquina (repor o fio) e observar

o que estava sendo produzido. Segundo Severino a função do tecelão é:

verificar o funcionamento delas [das máquinas]. Não deixar o fio acabar...

Alberto, outro tecelão que trabalhava havia quatro meses na empresa e há doze

anos na área de tecelagem, assim descreveu o seu trabalho :

A gente chama de alimentar a máquina... repor a matéria

prima... .controlar o que está sendo produzido, pois elas

[máquinas] falham muito.

Alencar (1993) analisa as influências para a existência da criatividade e cita

Moustakar:

A educação e a socialização devem não apenas ajudar o indivíduo a se tornar mais informado, mais seguro, mais efetivo socialmente, mas devem também habilitá-lo a desenvolver o seu self individual, atualizar os seus talentos particulares e a viver de uma forma autentica e criativa (p.57).

Para Csikszentmihalyi (1988, apud Alencar, 1993), a criatividade não é um

atributo do indivíduo:

mas antes de sistemas sociais que fazem julgamentos sobre indivíduos, destacando de forma enfática que as condições sociais e culturais em interação com as

113

potencialidades do indivíduo, que fazem emergir objetos e comportamentos a que denominamos criativos (p. 59).

Stein (1974, apud Alencar, 1993) enfatiza o ambiente social e as pessoas que

nele vivem como estimuladores da criatividade, além do estímulo ao indivíduo:

Se aqueles que circundam o indivíduo não valorizam a criatividade, não oferecem o ambiente de apoio necessário, não aceitam o trabalho criativo quando este é apresentado, então é possível que os esforços criativos do indivíduo encontrem obstáculos sérios senão intransponíveis (p.59).

São, portanto, autores que reforçam e salientam as idéias colocadas

anteriormente, sobre a relevância do ambiente e da socialização para o estímulo

à criatividade.

A fala do tecelão Alberto também foi enfática no que se refere à existência, na

MIS, de um ambiente não apropriado para o fomento da criatividade. Quando

questionado sobre melhoramentos de trabalho, sugestões, criatividade, assim

se pronunciou:

Sugestão pode ser a gente tentou mudar alguma coisa no

ponto da máquina, corretamente então... como sou antigo,

tem sempre algo novo. Mas os outros não querem nem saber...

O tecelão Eduardo, com doze anos de casa, falou sobre as dificuldades

ambientais para o desenvolvimento da criatividade no seu trabalho:

Não tem área de desenvolvimento. Você não tem acesso a

computador mais sofisticado. ... [a criatividade] é limitada. Você precisa se desenvolver; se você não

desenvolve, você não cresce. Você chega naquele

114

patamar e estaciona. Nesse ramo nosso, você sempre

está aprendendo. Você nunca fala: “sou um tecelão

profissional...eu sei tudo”.

E Severino, que exercia a função de tecelão, afirmou:

Eu me acho [uma pessoa criativa]. Só que aí é que está o

problema: ter alguém para apoiar. Porque não adiante eu ser criativo, querer e não convencer a pessoa que está do lado. A pessoa tem que ter a mesma cabeça pra dizer:

“puxa, vamos ver se vai dar certo”. Até agora não deu. A

gente só fala, a gente já vem com experiência de fora. Foi

o que eu falei: as pessoas que estão aqui dentro, estão

acostumadas com esse hábito. Não abriu a cabeça, estão

só aqui; a gente já vem com uma experiência de fora, a

gente passou em muitas empresas.

Severino comentou que, ao entrar na malharia, encontrou alguns colegas com

os quais já havia trabalhado anteriormente:

Quando eu entrei aqui, a primeira coisa que eu vi foram os

cabecinhas... Já conhecia... a gente já trabalhou junto.

Então, eu espero que, pra sair dessa... a gente, um escuta o outro, porque precisa. Se ficar numa cabeça

só pra dizer....é assim , dessa forma eu não quero.

De fato, esses depoimentos confirmam a existência de um ambiente interno não

enfático para o vicejar da criatividade.

Ao analisar a criatividade nas empresas, Kassoy (2005 a) alerta para o seu lado

ameaçador:

Queremos pessoas empreendedoras, participativas e líderes. Mas será que as empresas conseguem realmente

115

estimular os donos deste perfil? .....a criatividade pode ser incômoda pois quebra e linearidade do pensamento (p.1).

Para essa autora, tudo que é novo envolve riscos. Além disso, mudanças nos

procedimentos geram irritação e resistência e por isso são evitadas. A empresa,

porém, não deve poupar esforços para minimizar esses riscos, seja através de

projetos pilotos, seja através da avaliação das idéias novas.

Sob esse ponto de vista, o Sr. João às vezes pronunciava-se com um discurso

democrático e participativo, de descentralização das decisões, mas como ele

mesmo afirmou, no final, ele próprio decidia. Pode-se verificar isso quando

relatou o trabalho junto com a estilista Luciana:

...quando complica um pouco, então eu vou lá, quando o

molde é complicado, as medidas têm algum detalhe...

então a gente tem que corrigir, conversar e tal. Ela está

aprendendo. Está aprendendo bastante. É uma moça

esforçada.

Em outro momento, relatou acerca da própria Luciana:

Mas a gente tem experiência e as pessoas, vamos dizer,

as estilistas dificilmente entendem de malhas tricot, então,

quando vem o pedido, eu vou dando continuidade ao

pensamento delas, eu vou emendando o que estão

pensando lá na cabeça delas, então eles ficam satisfeitos.

Porque ela [Luciana] já percebeu que vai dar certo.

Essa postura centralizadora do Sr. João direciona-se na contramão do que

Alencar (1996, p. 27) considera, em seu método de análise, as condições

necessárias para expressão do potencial criador nos indivíduos: “habilidade de

pensamento, motivação, redução de bloqueios, domínio de técnicas, bagagem

116

de conhecimento e o clima psicológico percebido pelo individuo no seu ambiente

de trabalho”.

Embora o tecelão Eduardo se considerasse uma pessoa criativa, ele não

parecia se sentir estimulado a propor idéias novas, e isso pode sugerir um

reflexo da falta de autonomia e falta de conhecimentos mais aprofundados.

Schleder (1999) destaca algumas características dos indivíduos criativos, dentre

as quais podemos citar: fluência, flexibilidade; busca do novo, autonomia,

independência, busca de aperfeiçoamento, realização de idéias etc.

Algumas dessas características pareciam estar presentes nos funcionários da

área administrativa da MIS – eles tinham maior escolaridade do que os da área

operacional e a maioria cursava faculdade. Eles falaram em termos de trabalho

dinâmico, cooperação e trabalho criativo. Entretanto, também vincularam esse

“trabalho criativo” à figura do Sr. João.

Laura, que trabalhava no PCP (Planejamento e Controle da Produção), disse:

Eu acho que o trabalho é bem dinâmico... a gente

aprende coisas todo dia.

Sobre se considerava-se ou não uma pessoa criativa, respondeu:

...fico um pouco sem tomar decisão, posso ter idéias criativas, mas não colaboro na prática, fico assim,

acanhada....

Exemplificou sobre um projeto novo que está sendo desenvolvido por ela e pela

estilista Luciana, que é aproveitar os fios que estão sobrando (ponta de estoque)

117

e desenvolver produtos novos. E quando questionada sobre quem teve essa

idéia, respondeu que havia sido o Sr. João. E acrescentou:

Eles [patrões] incentivam bastante; eles sempre falam: “se

tiver alguma coisa que a gente não esteja vendo ou idéias

que vocês querem falar, a gente está aberto”...eles sentem

que a gente está cooperando também.

Já Luciana (estilista) respondeu sobre ser ou não uma pessoa criativa:

Eu me considero. Tem que ter criatividade, porque na

faculdade a gente trabalha muito com criatividade, bolar

muitas coisas “piradas”,...então aqui no trabalho a gente tem que ter um pouco o pé no chão.

Quando perguntada se era estimulada a dar idéias criativas na empresa, falou:

Sim. Tudo tem um limite, porque o Sr. João é um pouco de segurar; ele fala: não é bem assim...eu acho que tem de ser assim.... Então pelo menos as peças que eu

fiz até agora ele foi a favor.

Percebeu-se, implicitamente, nas falas do pessoal administrativo, certa abertura

por parte do Sr. João, para expressão de opiniões. Entendeu-se que essa

diferença de postura pode ser devida a certa aura de admiração e respeito para

com os funcionários que cursaram ou cursam o ensino superior.

Em síntese, embora se perceba existir na Malharia Irmãos Silva um clima

harmonioso e cordial, não foram identificadas outras características de empresa

criativa, tais como: ambiente propicio à criação de novas idéias, requalificação

profissional, liderança, autonomia, valorização da criatividade e sistema de

recompensa. Essa percepção vai ao encontro da hipótese inicial deste estudo,

118

de que, nas pequenas empresas familiares do setor tradicional da economia

brasileira, os proprietários pouco estimulam a criatividade nos funcionários.

119

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criatividade é uma característica própria do ser humano e hoje, mais do que

nunca, é de relevância no ambiente de trabalho em todas as organizações, quer

o ator seja empresário/empreendedor, quer seja funcionário administrativo ou

empregado nas mais diversas funções. Isso porque vivemos uma época de

globalização dos negócios, e a competitividade faz com que as relações nas

organizações, tanto internas como externas, necessitem de constantes

adaptações e mudanças. Dessa forma, ressalta-se a necessidade de os seres

humanos expressarem sua criatividade para, principalmente, gerarem inovações

de todos os tipos e que, em última análise, vão permitir a sobrevivência das

instituições (grandes empresas, pequenas empresas, instituições de ensino,

organizações não governamentais etc).

Este estudo teve como objeto a criatividade na pequena empresa,

especificamente uma pequena empresa familiar de um setor tradicional da

economia - Malharia Irmãos Silva – MIS. Procurou-se avaliar como a criatividade

era percebida pelos empregados e dirigentes e se o ambiente (clima

organizacional) estimulava o seu vicejar.

Foi possível verificar que a MIS é uma empresa com tradição no mercado,

sendo que o sub-setor no qual está inserida vem atravessando dificuldades,

principalmente em função da concorrência de produtos similares, de origem

120

asiática, como os da Coréia. Os sócios pareciam possuir espírito empreendedor,

apresentando várias de suas características, tais como: senso de oportunidade,

disposição para aprender, disposição para assumir riscos calculados e

autoconfiança. Com isso, vinham proporcionando o pleno funcionamento da

empresa nas diversas fases, desde a fundação, e contribuindo fortemente na

busca de soluções que permitissem a sobrevivência e o desenvolvimento da

firma no ambiente turbulento pelo qual vem passando os atores da economia

nacional.

Também foi possível observar que a malharia objeto do estudo apresentava

várias características das empresas familiares, tais como laços afetivos fortes

influenciando relacionamentos internos, dificuldades em separa aspectos

racionais e emocionais, valorização da antiguidade etc. Além disso, os

empregados pareciam se identificar, na relação de trabalho, com o mito da

família, sendo evidenciadas a cooperação e a solidariedade para vencer

condições adversas.

O poder na MIS concentrava-se, realmente, nas mãos dos dois sócios gerentes.

O tipo de poder mais evidentemente observado foi o autocrático, ou seja,

exercido pelos sócios. As decisões sobre a programação das máquinas eram

centralizadas em um dos sócios gerentes, e a operação, de responsabilidade

dos tecelões. A liderança do sócio responsável pela área operacional pôde ser

percebida em vários de seus depoimentos. Esse poder autocrático

diagnosticado poderia se tornar mais diluído, com os demais atores tendo

121

maiores oportunidades de expressar suas opiniões e vê-las sendo levadas mais

em conta.

O clima organizacional é, reconhecidamente, importante para o

desenvolvimento da criatividade. Embora o clima percebido na MIS fosse de

cordialidade, espírito de equipe e cooperação, não se pode deixar de levar em

conta alguns depoimentos que revelaram ressentimentos mal resolvidos entre

os colegas e em relação à alta administração.

Conclui-se, então, que a busca efetiva e sistemática por um clima psicológico

que propicie uma verdadeira percepção de bem estar pelos funcionários poderia

trazer efeitos positivos de toda ordem para a firma, principalmente para o vicejar

da criatividade nos espíritos dos atores em todos os cargos.

O trabalho é reconhecidamente importante para o ser humano e considerado

por Arendt (2005) uma das três atividades da vida ativa. De fato, nos

depoimentos analisados, verificou-se que os funcionários da malharia valorizam

seus trabalhos, o que vai ao encontro das idéias dos autores aqui mencionados.

Há que se considerar, ainda, que o trabalho dos tecelões era bastante repetitivo,

pouco exigindo em termos intelectuais, principalmente se se levar em conta que

as atividades de programação, no caso aqui analisado, estavam centralizadas

nas mãos do sócio gerente operacional, como mencionado. Assim, as tarefas

operacionais, pelas próprias características da organização do trabalho e de

cada tarefa de per si, podem conduzir para um estado de apatia e alienação que

122

não favorecem o espírito criativo e inovador. Esse diagnóstico dá subsídios para

que a alta gerência pense em estratégias diferenciadas e mais motivadoras em

relação à organização do trabalho no sentido de permitir que o pessoal

operacional sinta-se mais sujeito partícipe e com melhor auto-estima, o qual

repercutirá, segura e positivamente, para um clima organizacional extremamente

colaborativo e responsável.

Outro aspecto a ser ressaltado é que a atividade de treinamento pareceu ser

pouco valorizada na MIS. Os empregados basicamente aprendiam e se

desenvolviam com a ajuda e troca de experiências com os colegas de cada área

interna. Não havia uma política de aperfeiçoamento de seus recursos humanos.

Quanto ao aspecto de maquinários, embora contasse com equipamentos

computadorizados na linha de produção, estes datavam do início da década de

noventa; ou seja, a MIS também não vinha investindo nesse tipo de renovação.

Reconhece-se na literatura e na prática que os benefícios e as recompensas

podem estimular a criatividade. Contudo, a malharia em questão oferecia

somente os benefícios básicos previstos em lei, talvez em função dos problemas

financeiros que vinha atravessando. Com isso, por exemplo, não pôde investir

na manutenção do plano de assistência médica aos empregados, que

manifestaram claramente em suas falas a esperança e o desejo de retorno de

tal benefício.

123

No que se refere ao sistema de recompensa, pela pesquisa efetuada, não foi

constatado nenhum mecanismo para efetivá-lo, formal ou mesmo

informalmente.

Os depoimentos dos funcionários acerca do “sentir” sobre a criatividade

mostraram que o ambiente interno (apesar do clima cordial percebido), originário

principalmente nas características gerenciais verificadas, pouco enfatizava a

criatividade, principalmente na área operacional. Com isso e pela análise

efetuada no decorrer deste estudo, foi possível confirmar alguns pressupostos

iniciais, que trouxeram subsídios importantes para o tema da criatividade,

reforçando sua importância, principalmente na pequena empresa familiar. Como

é ainda um tema pouco abordado na literatura pesquisada, ressalta-se que

novos estudos devem ser realizados em empresas de porte similar,

pertencentes ou não a outros setores da economia.

124

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132

Anexo 1 - Questões gerais feitas a todos os entrevistados

Nome

Cargo ou função

Nome do superior

Idade

Formação escolar

Tempo de empresa

Empregos anteriores (duração)

Sua história na empresa (como entrou, cargos ocupados, duração)

Descrição do seu trabalho

Horário de trabalho

Realização de hora extra

Relacionamento com o grupo de trabalho

Relacionamento com os superiores

Treinamentos realizados/duração/local

Benefícios que a empresa oferece

Valores presentes na organização

133

Anexo 2 - Questões suplementares feitas aos proprietários

Forma jurídica da organização

Ramo industrial

Atividade industrial principal

Produtos que fabrica

Número total de empregados

Número de empregados na produção

Número de empregados no escritório

Número de sócios

Data da fundação

Fases principais do seu desenvolvimento

Organização funcional (organograma)

Horário de trabalho

Descrição das máquinas e equipamentos

Há algum novo projeto em andamento?

134

Anexo 3 - Roteiro de entrevista com os Dirigentes

1. Conceito de criatividade

1.1 O que é criatividade 1.2 Você considera a sua empresa criativa? Por que? 1.3 Você se considera um sujeito criativo? Por que? 1.4 Algum funcionário da empresa se destaca por ser

criativo? Qual e por que ?

2. A criatividade na empresa

2.1 Algum funcionário da empresa já apresentou idéia criativa? foi implantada? Quando e qual. 2.2 A empresa ao selecionar seus funcionários valoriza a criatividade? De que forma ? 2.3 A empresa incentiva a criatividade nos seus funcionários? de que forma? 2.4 Existe algum programa de desenvolvimento da capacidade criativa na sua empresa?

3. Formas de recompensa aos funcionários criativos

3.1 A empresa recompensa o funcionário que apresenta e/ou implanta uma idéia criativa? De que forma? 3.2 A empresa possui Plano de Cargos e Salários ? este contempla a criatividade

135

Anexo 4 - Roteiro de entrevista com os funcionários

1. Conceito de criatividade

1.1 O que é criatividade 1.2 Você considera a sua empresa criativa? Por que? 1.3 Você se considera um sujeito criativo? Por que? 1.5 Algum funcionário da empresa se destaca por ser

criativo? Por que ?

2. A criatividade na empresa

2.1 Algum funcionário da empresa já apresentou idéia criativa? foi implantada? Quando e qual. 2.2 A empresa ao selecionar seus funcionários valoriza a criatividade? De que forma ? 2.3 A empresa incentiva a criatividade nos seus funcionários? De que forma? 2.4 Existe algum programa de desenvolvimento da capacidade criativa na sua empresa? 2.5 Você já fez algum curso de criatividade? 2.6 Relacione os treinamentos que você realizou nos últimos 3 anos, destacando : Nome , Duração ( Período e carga horária) , Entidade executora ( se treinamento interno ou empresa externa) 2.7 Os funcionários tem liberdade de exercer suas funções ?

3. Formas de recompensa aos funcionários criativos

3.1 A empresa recompensa o funcionário que apresenta e/ou implanta uma idéia criativa? De que forma? 3.2 Algum companheiro seu de trabalho já recebeu alguma recompensa por apresentar alguma idéia criativa nesta empresa? 3.3 A empresa possui Plano de Cargos e Salários? este contempla a criatividade ?