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8/8/2019 A CRISE DA GRCIA: LIBERALISMO X ESTRUTURALISMO
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIA POLTICA
CAMILA TRIBESS
A CRISE DA GRCIA: LIBERALISMO X ESTRUTURALISMO
Trabalho apresentado disciplina deTeoria das Relaes Internacionais,aos Professores Alexsandro Pereira eDanielly Ramos, como trabalho final dadisciplina.
Curitiba, julho/2010
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A CRISE DA GRCIA: LIBERALISMO X ESTRUTURALISMO
Resumo
Abordarei no trabalho final para a disciplina de Teoria das Relaes Internacionais a atual criseeconmica e poltica da Grcia, dentro do contexto das aes impostas pela Unio Europia. Analisarei
essa situao sob dois marcos tericos: o liberalismo clssico e o estruturalismo, especialmente da linhaLeninista da teoria sobre o imperialismo e a linha cepalina do desenvolvimentismo, contrapondo essasduas teorias de forma a melhor entender as crticas que o estruturalismo tece a uma das teorias clssicasde RI, o liberalismo.
Introduo
A partir de abril de 2010 a Grcia entrou em grave crise econmica, que, segundo
analistas da rea de economia, poltica e relaes internacionais, pode afetar
gravemente a Unio Europia (U.E.). Com uma dvida maior do que a permitida pelo
acordo da U.E. e entre os pases que adotam o Euro como moeda, a Grcia est com
dificuldades de pagar suas dvidas, contradas por emprstimos feitos grandes
bancos. Por esta dificuldade, o governo grego pediu ajuda financeira aos pases
membros da U.E. e ao Fundo Monetrio Internacional, no entanto, para receber essa
ajuda, precisou aprovar uma srie de medidas de restrio econmica que causou
grandes protestos e contestaes por parte de seus cidados. Essas medidas
polmicas incluem a elevao da idade para aposentadorias, o congelamento de
salrios, demisses e um pacote de aumento de impostos. No servio pblico, as
medidas incluem tambm o congelamento salarial dos servidores, uma reduo de
10% nas gratificaes e de 30% sobre as horas extras, alm da suspenso de novas
contrataes at o fim do ano.
Nesse sentido, a anlise desse trabalho ser uma comparao do que a teoria
Liberal clssica apresenta como sendo os benefcios do livre mercado, do comrcio
para os pases e a importncia de instituies internacionais para a pacificao do
sistema internacional. Em contraposio, compararemos o que as teorias
estruturalistas, principalmente a do imperialismo e a cepalina, falam sobre estes
mesmos temas. Nosso foco no , portanto, da crise grega em si, mas a utilizamoscomo exemplo atual do embate terico entre liberais e estruturalistas, principalmente
os de vis marxista, quanto aos temas polticos, econmicos e internacionais.
O liberalismo
Teoria clssica das Relaes Internacionais, o liberalismo tem sua inspirao em Kant.
O foco do liberalismo nos interesses dos indivduos, da sociedade e do governo no
plano interno, ou seja, dentro de cada Estado. Os liberais concordam com os realistas
quanto natureza conflituosa da anarquia internacional. Para ambos, uma sociedadesem governo d lugar a discrdias incessantes entre interesses divergentes. Porm,
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os liberais acreditam que a situao de conflito pode ser mudada. A crena no
progresso estende-se s relaes internacionais, afirmando-se a possibilidade de
transformar o sistema de Estados em uma ordem mais cooperativa e harmoniosa, com
as instituies, os regimes e, principalmente, o comrcio, os sistemas podem se
desenvolver e se tornarem menos conflituosos. Para eles as organizaes e redes
internacionais, bem como a mdia, podem favorecer um maior ordenamento interno e
internacional. Assim, o comrcio, no liberalismo, gera dilogo, paz e desenvolvimento.
A explicao para isso seria que a busca do interesse egosta pode ajudar na
conquista dos interesses gerais, pois o liberalismo supe interdependncia, tanto dos
atores quanto dos pases.
O papel civilizador do comrcio internacional se daria pelo fato de que, pelos
pases precisarem de certos produtos de outros lugares, esses pases acabariam se
entendendo de forma comercial e tolerando diferenas culturais. Os regimes
democrticos, na viso liberal, tendem a manter relaes pacficas entre si. As
instituies internacionais, que nascem da necessidade de comrcio, passam a
promover a integrao e o controle dos conflitos.
Para os liberais a paz o efeito natural do comrcio, uma vez que gera uma
relao de mtua dependncia e interesses comuns entre as naes. J para Kant, a
intensificao de trocas entre pases contribua para o desenvolvimento do princpio da
hospitalidade (acolhimento civilizado do estrangeiro) que, por sua vez, era um
elemento fundamental de uma paz cosmopolita. O comrcio, no liberalismo,
necessrio e promove o bem-estar das naes, pois explora as mais diversas
possibilidades de economias e de produo. O comrcio internacional seria, nessa
viso, indispensvel para um desenvolvimento econmico contnuo e, portanto, para o
aumento progressivo da prosperidade das sociedades modernas.
O estruturalismo
Uma das principais correntes do estruturalismo se baseia na obra de Lnin sobre oimperialismo. Este se d na relao entre os pases potenciais capitalistas
dominantes e as colnias. Os Estados esto subordinados aos interesses das
classes dominantes no plano interno. A introduo do conceito de classe nesse tema
uma inovao de Lnin. Para ele, as classes dominadas dos pases imperialistas
tambm so convencidas de que a explorao das colnias importante. O
imperialismo corresponde fase do capitalismo monopolista e as guerras (A I Guerra
Mundial, principalmente) so conflitos de interesses dos pases imperialistas.
Lnin entende a poltica vinculada ao Estado e este como instrumento dasclasses dominantes. No entanto, os Estados-colnias podem assumir uma postura de
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classe, se organizando contra os pases imperialistas, assumindo assim uma
conscincia de classe. Lnin pensa numa Lei de desenvolvimento desigual, onde
argumenta que os Estados no passam pelos mesmos processos e ritmos de
desenvolvimento, o que tambm serve de acirramento de conflitos, podendo at ser
motivo de guerras.
Outra corrente importante do estruturalismo de vis marxista a corrente
oriunda da CEPAL (Comisso Econmica para Amrica Latina e Caribe). Esta
corrente parte da teoria keynesiana e critica a teoria de Ricardo, que diz que nos
pases mais industrializados, com o avano da tecnologia, diminuiria os preos das
mercadorias produzidas nos pases centrais (lei das vantagens comparativas); nessa
teoria os pases perifricos sairiam ganhando ao exportarem produtos primrios,
teoricamente mais valorizados ento.
A teoria da CEPAL contesta a teoria de Ricardo, invertendo o argumento,
mostrando as desigualdades nas relaes entre os pases centrais e perifricos
(trabalhos de Raul Prebistch, principal expoente dessa linha, na dcada de 1950). A
demanda por produtos primrios diminui, por causa da substituio por produtos
sintticos. Alm disso, a demanda por produtos modernos e tecnolgicos feitos nos
pases centrais cresce a cada gerao.
Ral Prebistch tambm aponta para o fato de que, nos pases centrais, as
condies de trabalho, as organizaes dos trabalhadores e os direitos conquistados
so maiores e melhores do que nos pases perifricos. Existe aqui um escoamento de
riquezas dos pases perifricos pros pases centrais, sendo as multinacionais as
principais bombas de suco desse processo. Por esta argumentao, a prpria
estrutura interna dos pases perifricos que consolida a pobreza desses pases. A
CEPAL recomendou a substituio de importaes para resolver deficincias e a
dependncia econmica predominante nos pases perifricos. Alm disso, o Estado
deve contribuir para o processo de desenvolvimento, alm de garantir o valor da mo
de obra e demais direitos trabalhistas. Esse modelo fundado no atendimento dasdemandas do mercado interno (em contraposio ao modelo exportador).
O caso da Grcia
A partir desse breve relato das duas teorias em questo, vejamos o caso da Grcia e
sua crise no incio desse ano. Num vis liberal pode-se imaginar que as medidas
econmicas adotadas favorecem o livre comrcio, alm de garantirem que o Estado
pague suas dvidas e permanea na U.E., que um sistema de cooperao
econmica (no apenas, mas principalmente) e que, portanto, favoreceria odesenvolvimento econmico dos pases membros.
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No entanto, importante lembrar, conforme j o fez Keohayne, que o uso da
fora para resolver questes econmicas, comerciais e polticas, principalmente
depois da dcada de 1960, muito perigoso, pois pode afetar alianas importantes
com outros Estados, ou mesmo com outras reas daquele Estado envolvido no
conflito. Assim, de forma breve, podemos dizer, seguindo a lgica estruturalista aqui
utilizada, que o Imperialismo no se utiliza mais apenas de armas, mas tambm e
principalmente como j havia mencionado Lnin, de dominaes econmicas
severas. Assim, por todo um contexto histrico e econmico que no nos cabe aqui
analisar, podemos colocar a Grcia (junto com Portugal, Espanha e Irlanda) como os
pases colnias dentro da U.E., com baixo desenvolvimento econmico e industrial,
alm de muito dependentes economicamente. Assim, a anlise dos cepalinos quanto
fragilidade dos direitos trabalhistas nos pases perifricos se aplica tambm Grcia,
que com esta crise foi forada, pelos pases mais fortes que compem a U.E. (no
caso, grandes pases imperialistas no capitalismo, como Alemanha e Frana) a
abdicar dos direitos de seus trabalhadores a favor de dvidas com juros altssimos que
foram contradas tambm em momentos de crises econmicas como esta.
De maneira resumida, alegar, como fazem os liberais, que o comrcio promove
integrao pode ser visto como uma face muito ambgua das situaes comerciais, j
que no leva em considerao que os pases no esto em condies de igualdade
nas negociaes comerciais, sendo que alguns podem impor medidas a outros,
enquanto que os pases perifricos dependem sobremaneira de emprstimos,
produtos e importaes dos pases imperialistas.
Ao analisarmos essa situao-exemplo da crise grega pelo foco liberal, que se
preocupa principalmente com os interesses internos do pas, certamente existem duas
possibilidades contraditrias para a Grcia. Permanecer na U.E. e efetuar o
pagamento de suas dvidas implica, necessariamente, em retirar direitos de seus
trabalhadores, barateando a mo de obra no pas e, certamente, atraindo
investimentos das bombas de suco das empresas multinacionais, favorecendoainda mais a fuga de capital para os pases imperialistas que tambm compem a
U.E.
Assim, os conflitos em questo hoje, no so mais os de guerra (ao menos no
nesse contexto), mas sim os conflitos de interesses econmicos, em que os pases
perifricos so mantidos nessa posio pela presso que fazem os pases
imperialistas. Dessa forma, o pensamento do liberalismo clssico, de que o comrcio e
a busca de interesses egostas favoreceria para que os pases se desenvolvessem e
alcanassem interesses gerais no se evidencia dentro da organizao internacionalmais slida que existe hoje sobre o globo, a Unio Europia.
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Ento, as crticas estruturalistas idia de que os pases passariam pelas
mesmas etapas de desenvolvimento bem como a negao, pelos estruturalistas, de
que possa existir negociaes igualitrias entre pases em diferentes posies
econmicas tornam-se muito vlidas. Dessa forma, fica a questo da utilidade de
sistemas desse tipo (U.E.), que englobam pases to diversos. Na viso estruturalista,
principalmente leninista, apenas a organizao dos pases perifricos, como forma de
tomada de conscincia de classe por parte dos Estados e das populaes poderia
contrabalancear as negociaes comerciais entre pases perifricos e imperialistas. Da
mesma maneira, a indicao de que o Estado deve garantir os direitos trabalhistas,
investir na modernizao do pas e garantir o valor da mo de obra. Tudo o que o
governo grego deixou de fazer frente a esta crise, entrando assim, mais uma vez, no
ciclo de explorao e especulao imposto pelos pases imperialistas.
Referncias Bibliogrficas
BULL, Hedley. A Sociedade Anrquica. Braslia: UNB, 2002.CASTRO, Marcus Faro de. Poltica e Relaes Internacionais. Braslia: Ed. UnB, 2005.CERVO, Amado. Poltica Exterior e Relaes Internacionais do Brasil: enfoque paradigmtico.RBPI, 46(2), 2003.COX, Robert W. Gramsci, Hegemony, and International Relations: An Essay in Method. In: Approachesto World Order. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.JACKSON, R.; SORENSEN, Georg. Introduo s Relaes Internacionais. Rio de Janeiro: Zahar,2007.LENIN, Vladimir. O imperialismo fase superior do Capitalismo. So Paulo: Centauro, 2003.NOGUEIRA, Joo Pontes; Messari, Nizar. Teoria das Relaes Internacionais: correntes e debates.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.WALLERSTEIN, Immanuel. Capitalismo histrico e civilizao capitalista. Rio de Janeiro:Contraponto, 2001.
Fontes sobre a crise na Grcia
BBC Brasil, disponvel em:http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/04/100428_greciaquarta_ba.shtml
CNN World, disponvel em: http://www.cnn.com/2010/BUSINESS/02/10/greek.debt.qanda/index.html
Folha de So Paulo, disponvel em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u731283.shtml
G1 Globo, disponvel em: http://g1.globo.com/economia-e-negocios/noticia/2010/05/crise-da-grecia-e-teste-para-zona-do-euro-dizem-especialistas.html
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http://diplomatique.uol.com.br/artigo.php?id=706&PHPSESSID=7344ed5e82e51d5534f731688bd39468
O Estado de So Paulo, disponvel em: http://economia.estadao.com.br/noticias/not_18477.htm
O Globo, disponvel em: http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2010/05/06/entenda-crise-na-grecia-916519092.asp
The Washington Post, disponvel em: http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2010/05/07/AR2010050700642.html