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1 MALIRRE ABADI GHADIM A CRISE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO UNIVERSIDADE CATOLICA DOM BOSCO Campo Grande MS 2015

A CRISE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO · 2018. 2. 1. · prisional do Brasil, onde serão estudados separadamente os elementos que constituem a crise do sistema, e o quê transportaa

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1MALIRRE ABADI GHADIM

A CRISE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

UNIVERSIDADE CATOLICA DOM BOSCO

Campo Grande ­ MS2015

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MALIRRE ABADI GHADIM

A CRISE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

Monografia apresentada á UCDB – Universidade Católica Dom Bosco, Curso de Direito, sob a orientação temática do Prof. Renato Ferreira Rocha e orientação metodológica da Prof.ª Arlinda Cantero Dorsa, para efeito de avaliação da disciplina de Monografia Jurídica.

CAMPO GRANDE ­ MS2015

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Este documento corresponde à versão final da monografia intitulada

‘O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO’, defendida por

MALIRRE ABADI GHADIM perante a Banca Examinadora

do curso de Direito da Universidade Católica Dom Bosco, tendo sido

considerado ________________________________________________.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________

Prof. Me. Renato Rocha Ferreira

Orientador

______________________________________________

Profº:

______________________________________________

Profº:

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‘Reprovemos os erros, mas respeitemos as pessoas’’. (Dom Bosco 1815­1888)

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5

À Deus, pela

oportunidade de

evolução através do

estudo, e por me

dar, todos os dias,

forças para

perseguir meu

sonho;

À minha mãe, meu

porto seguro, que

acredita em mim

mais do que eu

mesma, e por todo

o seu amor

incondicional e

eterno;

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AGRADECIMENTOS

Á Deus, pelo dom da vida e pela força concedida para lutar por meu sonho.

Ao meu orientador Prof. Renato Ferreira Rocha, por sua presteza e dedicação na orientação deste trabalho;

À minha família, especialmente minha mãe, minha maior incentivadora, patrocinadora e melhor amiga;

Aos meus colegas de faculdade e de estágio, por dividirem comigo suas brilhantes idéias e por estarem ao meu lado durante a jornada acadêmica.

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GHADIM, Malirre Abadi. A crise do sistema prisional brasileiro.126fl. 2015. Monografia (Curso de Direito ­ Bacharelado) – Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, MS.

RESUMO

Este trabalho se presta ao estudo da crise do sistema prisional, analisando os diversos fatores que contribuem para sua exasperação, com enfoque na análise do aparato prisional brasileiro, promovendo reflexão sobre a crise enfrentada pela sistema carcerário nacional, especialmente no que tange aos fenômenos da superlotação carcerária e à supressão dos direitos fundamentais dos internos do sistema, ambos causados pela deficiência da Justiça Criminal em conciliar a execução de penas com a garantia dos direitos humanos, bem como sua dificuldade para ressocializá­los. A dissertação sobre o tema, partirá da análise histórica de constituição do sistema punitivo e das prisões, passará à análise de dados e dinâmica dos sistemas prisionais ao redor do mundo comparando o direito penitenciário, e chegará a reflexão sobre o sistema prisional do Brasil, onde serão estudados separadamente os elementos que constituem a crise do sistema, e o quê transporta­a para um nível de caos institucionalizado, e em promover­se­ão as considerações sobre o sistema prisional do estado de Mato Grosso do Sul, evidenciando seu funcionamento, os focos de avaria de seu funcionamento, bem como as dificuldades enfrentadas pela Justiça Criminal em promover a manutenção não só de um sistema prisional com condições físicas adequadas, mas em proporcionar e garantir aos sujeitos diretos e indiretos do sistema, os direitos fundamentais constitucionalmente previstos, em especial, os direitos humanos. Em verdade, o presente trabalho tem como foco evidenciar a importância de se construir um sistema penal com base na proteção dos direitos humanos, criando mecanismos alternativos a privação da liberdade, como penas alternativas, ressaltando a importância de mudar a lógica encarceradora e vingativa da sociedade, para um discurso de tolerância e compreensão da condição humana do delinquente, dando­lhe a oportunidade de se defender dignamente, buscando a aproximação com a real justiça e a pacificação social.

Palavras­chave: Dignidade humana; Sistema punitivo (des)humanizado; Sistema prisional; Crise penitenciária; Justiça criminal restaurativa;

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INTRODUÇÃO

A atual crise de segurança e violência que enfrenta a

sociedade faz surgir, cada vez mais, o anseio de ver processados e

punidos aqueles que cometem crimes. Porém, esta punição só gera

contentamento se realizada através de uma pena privativa de liberdade, o

que se acredita, na maioria das vezes, ser capaz de combater o mal

causado com a prática do crime e evitar a reincidência.

Contudo, o que foge do conhecimento da massa, é que o

processo criminal não termina com a condenação do réu, mas se

desdobra em uma nova fase, a execução penal, novo procedimento, que

não acontece ás vistas da sociedade, é discreto e só diz respeito ás

partes interessadas, cujo cumprimento é que realmente concretiza a

justiça buscada na fase investigatória.

Nesta trilha, uma vez iniciada a execução da pena aplicada ao

réu, sendo esta privativa de liberdade, é importante aplicar rigorosamente

os dispositivos legais atinentes á execução penal, fundados em conceitos

e princípios criminológicos, a fim de se garantir a correção do condenado,

objetivando sua regeneração, ou melhor, ressocialização.

Ocorre que este é justamente um dos maiores entraves da

justiça criminal, não só do Brasil, mas de muitos países ao redor do

mundo.

Constata­se uma realidade assustadora, uma face do sistema

criminal até então rejeitada, o fato de o Brasil acomodar a quarta maior

população carcerária do planeta, perdendo somente para países mais

populosos, como a Rússia (3º), os EUA (2º) e China (1º), países estes

que inclusive instituíram a pena de morte, na tentativa, frustrada, de

conter a violência e reduzir o numero de criminosos.

De acordo com pesquisa realizada pela Comissão Permanente

de Direitos Humanos da OAB – Conselho Federal aponta que no Brasil há

mais de 560 mil pessoas atrás das grades. No estado de Mato Grosso do

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9Sul, estima­se uma população carcerária de 12.431 presos, conforme

relatório da Comissão Provisória de Direito Carcerário da OAB/MS.

Igualmente, estudos apontam que quase metade dos detentos

do Brasil ainda aguarda julgamento, sem nenhuma expectativa de ter

acesso ao direito/princípio da presunção da inocência, tendo privada

precocemente sua liberdade, sem nem ter passado pelo devido processo

legal.

Estes dados revelam uma realidade muito mais cruel do que

imaginada pela maioria da sociedade, vivida e enfrentada sem o mínimo

de dignidade pelos apenados, que sofrem um efeito colateral muito mais

nefasto, o processo de bestialização do individuo que cumpre a pena.

Existe um abismo entre o que determina a Lei de Execução

Penal e a realidade, aparentemente impossível de ser ultrapassado, ainda

mais com a atual configuração do sistema carcerário, o que revela a

dificuldade da Justiça criminal em conciliar a execução das penas com a

garantia dos direitos humanos.

Surge então o interesse em buscar o motivo pelo qual o

sistema prisional falhou tanto na busca da ressocialização e combate ao

crime.

O presente trabalho visa expor a crise e as condições

medievais em que se encontra o sistema carcerário brasileiro,

especialmente do estado de Mato Grosso do Sul, em que os abusos na

execução das penas é regra nacional, com base nas suas origens,

história e direito comparado, com foco na integração do binômio direito

penal­direitos humanos.

Para tanto, esta obra conta com três capítulos, que abordam os

aspectos mais relevantes do tema, sendo que o primeiro apresentar a

origem histórica do sistema prisional, demonstrando sua evolução e

refinamento de práticas de acordo com a evolução do conceito de pena e

da justiça criminal.

O segundo capítulo se presta a analisar o sistema prisional

com base no direito comparado, demonstrando as dificuldades

enfrentadas pelos países da América Latina que também estão em

profunda crise, além de apontar soluções encontradas em países mais

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10desenvolvidos, que conseguiram reduzir á zero o número de presos em

prisões, graças á políticas de penas alternativas para crimes não

violentos.

Em seguida, o terceiro capítulo se volta ao estudo do sistema

penitenciário no Brasil, com foco no estado de Mato Grosso do Sul,

buscando identificar suas maiores dificuldades e também apontar os raros

casos de sucesso na execução das penas através de presídios íntegros

que produzem resultados positivos no caminho da ressocialização de

seus detentos.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................................................08

1 ORIGEM HISTÓRICA DOS SISTEMAS PRISIONAIS..............................................12

1.1 O PODER PUNITIVO..............................................................................................12

1.2 MECANISMOS DO PODER PUNITIVO..................................................................13

1.3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA PRISIONAL............................................14

1.3.1. Idade Antiga................................................................................................14

1.3.2. Idade Média.................................................................................................15

1.3.3. Idade Moderna............................................................................................19

1.3.4 Breve histórico das prisões no Brasil.......................................................22

1.4. A REFORMA DO SISTEMA PRISIONAL..............................................................34 1.4.1. A Reforma de Cesare Beccaria.................................................................35 1.4.2 John Howard e o Penitenciarismo............................................................36 1.4.3 Jeremy Bentham e o Desenho do Panótico.............................................382 OS SISTEMAS PRISIONAIS NO DIREITO COMPARADO......................................462.1 SISTEMAS PROSIONAIS AO REDOR DO MUNDO..............................................46

2.1.1 Europa.............................................................................................................502.1.2 América do Norte: EUA e Canadá................................................................592.1.3 A América Latina...........................................................................................652.1.4 Ásia, África e Oceania...................................................................................71

3 A CRISE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO................................................ .753.1 SISTEMA PENITENCIÁRIO EM NÚMEROS.....................................................79

4 O SISTEMA PRISIONAL DE MATO GROSSO DO SUL..........................................944.1 DADOS DO SISTEMA PENITENCIÁRIO DO ESTADO.....................................94

4.2 A CRISE DO SISTEMA PENITENCIÁRIO NOS ESTABELECIMENTOS DE

MATO GROSSO DO SUL.............................................................................................98

4.2.1 Presídios femininos.......................................................................................984.2.2 Presídios masculinos..................................................................................1024.2.3 A penitenciária federal de segurança máxima de MS..............................1054.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A CRISE PENITENCIÁRIA EM MATO GROSSO

DO SUL ......................................................................................................................108

CONCLUSÃO.........................................................................................................114REFERENCIAS......................................................................................................119

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121. ORIGEM HISTÓRICA DOS SISTEMAS PRISIONAIS

Em razão do objeto da presente obra ser o estudo do sistema

prisional, antes aprofundar a discussão sobre sua crise, é imprescindível

analisar seu processo de construção ao longo da história, juntamente com

a própria evolução da sociedade e da Justiça criminal.

1.1 O poder punitivo

Por meio da teoria do Contrato Social1, os cidadãos concedem

ao Estado, o poder de regulamentar a sociedade, protegendo­a contra a

maldade nata do ser humano, que poderia por em risco a segurança e

ordem sociais a tal ponto, que seria capaz de promover a reversão do

processo civilizatório.

O Estado assim, revestido da legitimidade que fora concedida

por seus próprios criadores, desenvolve mecanismos para auxiliá­lo na

árdua tarefa de manter sob rígidas rédeas a organização social e a

civilização, por meio de regramentos, ou melhor, leis, as quais uma vez

violadas desencadeiam um dos principais e mais eficazes dos poderes

deste Estado, o poder punitivo.

É o exercício do poder punitivo que permite ao Estado, por meio

das penas, controlar e retribuir as agressões ao ordenamento jurídico e

claro, ao corpo social. É através dele que se permite a criação das penas,

os castigos institucionalizados, a serem aplicadas aos ‘homens­maus’

que, por motivos vários, desviaram­se da conduta geral definida na lei.

1 ROUSSEAU, J. J. O Contrato Social,. Saraiva. 2011.

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131.2 Mecanismos do poder punitivo

Para que o Estado consiga exercer este poder­dever, são

criados instrumentos capazes de assegurar a aplicação das punições

devidas aos transgressores do sistema social.

Relevante contribuição para o estudo das origens do sistema

punitivo, foi a obra de Michel Foucault, que na década de 1920, escreveu

o livro ‘Vigiar e Punir’2, no qual traz a definição do sistema punitivo como

sendo ‘instrumentos destinados à punição do delinquente através do

castigo corporal, a fim de reprimir os erros e impedir o cometimento de

novos atos que possam oferecer risco á paz social e afrontar a autoridade

estatal’3.

Assim, verifica­se que o sistema punitivo, baseado na teoria

clássica do contrato social, se concretiza quando o Estado cria meios de

garantir a execução da punição imposta ao criminoso, que conjuga a

privação da liberdade com castigos sobre o corpo do apenado.

Porém, o grande passo evolutivo deste poder­dever, reside na

finalidade a que se propunham tais castigos, sendo que o nos primórdios

deste mecanismo punitivo, no período da Idade Média, por exemplo, a

reclusão dos condenados em locais específicos, não consistia na punição

em si, mas no meio que se utilizava para aplica­la.

O entendimento de que a reclusão dos acusados ou

condenados constitui­se por si só, em castigo capaz de retribuir o mal

cometido, surgiu séculos depois, na Idade Moderna, após a evolução do

pensamento político­social, motivado por movimentos como o Iluminismo.

2 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão (Surveiller et punir)– 20ª ed. – Petrópolis: Vozes, 1999.

3 Idem, p.54­5

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141.3. Evolução histórica do sistema prisional

1.3.1. Idade Antiga

O conceito de pena na Idade Antiga guarda relação direta com

o conceito de sistema prisional, já que nesta época, a prisão não era

considerada como sanção penal, servindo apenas para objetivos de

contenção e guarda de réus, para preservá­los fisicamente até o

momento de serem julgados ou executados4.

Neste sentido, verifica­se que até fins do século XVIII, a prisão

era um meio usado para manter o réu sob a custódia da autoridade até

que se lhe aplicasse o castigo, bem definido por Foucault como ‘suplício’,

uma ‘espécie de antessala do suplício’5.

Assim, as antigas civilizações como a Grécia e Roma,

mantinham em seu ordenamento penas corporais e capitais, de modo que

as prisões eram destinadas a impedir que o ‘culpado pudesse subtrair­se

do castigo. ’6

Cumpre ressaltar que, em termos de estruturação do

mecanismo punitivo, em sede de execução penal, na Idade Antiga já era

comum o hábito de as autoridades criminais reservarem os piores

estabelecimentos para acondicionar os condenados que aguardavam a

aplicação de suas penas.

Nesta mesma narrativa, destaca Bittencourt sobre as

condições em que eram postos os condenados, que já naquele tempo,

sofriam duas punições, uma na espera pela execução e outra, com a

própria aplicação do castigo:

4 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 2001, p. 075 Idem,p. 046 Idem, p. 08

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15[...] Os lugares onde se mantinham os acusados até a celebração do julgamento eram bem diversos, já que naquela época não existia uma arquitetura penitenciária própria. Os piores lugares eram empregados como prisões: utilizavam­se horrendos calabouços, aposentos frequentemente em ruínas ou insalubres de castelos, torres, conventos abandonados, palácios e outros edifícios. [...] 7

Ocorre que, mesmo com o fim da Idade Antiga, após invasão

dos bárbaros na Europa, o costume do Estado em manter seus

condenados em locais aviltantes foi importado para a organização do

poder punitivo medieval, que inclusive potencializou tais más condições,

ganhando o posto da Idade das Trevas, também pelos horrores

praticados em nome do exercício do poder de punir.

1.3.2. Idade Média

A temática da aplicação da pena através da criação e

funcionamento do sistema penitenciário na Idade Média reúne todas as

seqüelas ruins do método de prisão­custódia, implementados pelo

sistema de prisão­custódia da Idade Antiga.

Assim, mais uma vez, para compreender a sistemática do

sistema prisional neste período histórico, deve­se recorrer ao significado

da pena, definir o conceito de prisão­custódia, já que as sociedades

medievais não haviam ainda concebido a idéia de pena privativa de

liberdade como sanção penal em si.

Nesta trilha, pode­se afirmar que as penas inseridas no

ordenamento jurídico medieval se constituíam em ‘terríveis tormentos’’8,

os quais serviam de entretenimento à população, que alimentava o

sadismo das sanções, dando papel secundário á medida da segregação

física do condenado através da privação de liberdade, o que originou a

legitimação da pena de suplício.

7 BITTENCOURT, Op. cit, p. 078 Idem, p. 09

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16Corroborando com este entendimento, Foucault explora a

importância que tiveram os suplícios, para o desenvolvimento do sistema

penal e carcerário, conceituando­o em sua obra da seguinte forma:

[...] uma pena, para ser considerada um suplício, deve obedecer a três critérios principais: em primeiro lugar, produzir uma certa quantidade de sofrimento que se possa, se não medir exatamente, ao menos, apreciar, comparar e hierarquizar; [...] o suplício faz parte de um ritual. É um elemento na liturgia punitiva, e que obedece a duas exigências, em relação à vítima, ele deve ser marcante: destina­se a [...] tornar infame aquele que é a vítima. [...] e pelo lado da justiça que o impõe, o suplício deve ser ostentoso, deve ser constatado por todos, um pouco como seu triunfo. [...]9

Desta maneira o filósofo traz o entendimento do que

representava para o próprio Estado, no exercício de seu poder punitivo, a

aplicação das penas de suplício, como se estas servissem de dispositivos

de manutenção do poder oriundo do contrato social.

Para ele, a administração dos suplícios sobre os corpos dos

condenados, servia de amostra da ‘’[...]força soberana que dá origem ao

direito de punir, diante da qual, todas as vozes devem­se calar. ’’10

Portanto, dentro da lógica de um sistema embasado na crença

de que a repressão dos atos delituosos se dá pela opressão física do

condenado, administrando­lhe castigos graduados conforme a gravidade

de suas condutas, os estabelecimentos prisionais eram apenas parte de

todo o espetáculo promovido pela justiça, que comumente estava

‘‘submetida ao arbítrio dos governantes’’11.

Igualmente, pelo fato de a política da Idade Medieval ter sido

fortemente influenciada pela religião, criando um sistema judicial em que

a lei e o místico se fundiam, não raro era possível identificar uma divisão

dentro deste sistema, levando á existência de espécies de prisões.

9 FOUCAULT, idem, p. 3710 Idem, p. 5511 BITTENCOURT, op cit, p. 09

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17Conforme aponta Bittencourt, ‘‘nessa época surgem a prisão

de Estado e a prisão eclesiástica’’12, sendo esta última destinada á

punição de membros da Igreja, que por influencia do direito canônico,

apresentavam estrutura e funcionamento diferente da primeira, sendo

inclusive mais branda.

Foi tão forte o direito canônico para a constituição do sistema

punitivo­prisional deste período, que é possível identificá­lo facilmente na

filosofia de organização do judiciário medieval, como bem demonstra

Bittencourt:

[...] Santo Agostinho, em sua obra mais importante, A Cidade de Deus, afirmava que o castigo não deve orientar­se à destruição do culpado, mas ao seu melhoramento. Essas noções de arrependimento, meditação, aceitação íntima da própria culpa, são idéias que se encontram intimamente vinculadas ao direito canônico ou a conceitos que provieram do Antigo e do Novo Testamento. [...]13

Ocorre que, por força da influência exercida pela Igreja e o

Direito Canônico, muitos dos juízes medievais, passaram a selecionar e

separar os delitos que receberiam a aplicação dos suplícios dos que

poderiam ser cumpridos mediante paga, como ocorria com a venda das

indulgências. 14

Contudo a adoção deste sistema, ainda excluía grande parte

dos condenados, os quais miseráveis e doentes, não reuniam condições

de livrar­se da custódia prisional para poderem cumprir as penas

recebidas.

Desta maneira, o sistema medieval, já nos últimos anos, na

tentativa de conciliar os métodos de punição comuns com o sistema

eclesiástico, somente acelerou a processo de exclusão daqueles que se

viam condenados e não possuíam bens pagar as multas e livrar­se do

encarceramento, que aos poucos se revestiu de caráter seletivo, o que

agrava mais ainda o sofrimento dos condenados.

12 BITTENCOURT, idem.13 Idem p. 1314 Idem, p. 10­11.

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18Os princípios de pena medicinal, nas quais a reclusão tinha

como objetivo induzir ao arrependimento pelas faltas e emendar através

da compreensão da gravidade das culpas15, apesar de ainda restrito ás

condições pré­fixadas pelo Estado, com base em interesses financeiros,

foram timidamente dando espaço á idéia de reforma do sistema punitivo­

prisional.

E ainda, diante da gradativa redução da sensibilidade do

público aos suplícios, causada pelas guerras religiosas, a grande fome e

a peste, o foco do sistema punitivo desviara­se da repressão aos

bárbaros escárnios, para a contenção de delitos mais discretos, em

grande maioria, voltados ao patrimônio, devido ao crescimento da

mendicância e das desigualdades sociais.16

Entretanto, seria ingênuo afirmar que esta mudança no sistema

punitivo e no aparato prisional se deu forma autônoma e desembaraçada

no período de transição entre a Idade Média e Moderna.

De acordo com os arquivos judiciários, ‘[...] o duplo movimento

pelo qual, [...] os crimes parecem perder violência, enquanto as punições,

reciprocamente, reduzem em parte sua intensidade se deu ás custas de

múltiplas intervenções’’, as quais foram enfrentadas somente a partir de

ideais reformadores do próprio sistema punitivo.17

É por causa deste lento processo de transformação, que todo o

sistema era contagiado, do início ao fim, pelo abuso da punição, traço

marcante deste período.

O sistema prisional já nascia fadado á caminhar por rumos

tortuosos, pois as penas a que fora destinado a executar, foram impostas

aos seus sujeitos por um processo confuso e obscuro. A exemplo disto,

assevera Foucault, na seguinte passagem:

15 BITTENCOURT, Cesar Roberto, idem, p. 1316 FOUCAULT, Michel, op cit, p. 9817 Idem, p. 96;

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19Na França, como na maior parte dos países europeus [...] todo o processo criminal, até a sentença, permanecia secreto: ou seja opaco não só para o público mas para o próprio acusado. O processo se desenrolava sem ele, ou pelo menos sem que ele pudesse conhecer a imputação, os depoimentos, as provas.[...] A forma secreta e escrita do processo confere com o princípio de que em matéria criminal o estabelecimento da verdade era para o soberano e seus juízes um direito absoluto e um poder exclusivo.18

Ora, resta evidente a complexidade e profundidade da crise

enfrentada pelo sistema prisional, o qual tinha como tarefa cumprir a

execução de penas desmedidas extraídas de um processo arbitrário,

inquisitivo, o que logicamente não poderia dar certo, não havendo outro

fim senão o colapso enfrentado.

Nessa perspectiva, para adentrarmos no estudo do sistema

prisional na Idade Moderna, devemos nos atentar ao importante serviço

prestado pelos reformadores criminais que deram o pontapé inicial para a

transição da prisão­custódia para prisão­pena.

Esta análise será feita na seção a seguir.

1.3.3. Idade Moderna

O início dos séculos XVI e XVII foi marcado pela pobreza

generalizada, em especial na Europa, o que forçou o Estado a abandonar

certas medidas, e adotar outras, mais eficazes para manter o controle

social.

Deste modo, principalmente por razões de política criminal, os

suplícios, ou melhor, as penas corporais e a de morte perderam eficácia e

se tornaram inviáveis, já que ‘’no ano de 1556 os pobres formavam quase

a quarta parte da população’’19, e a delinqüência crescera

vertiginosamente, a ponto de impedir a aplicação das punições a este

grande número de pessoas.

18 FOUCAULT, Michel, op cit, p.38.19 BITTENCOURT, Cesar Roberto, op cit, p. 15

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20Estabeleceu­se então uma sensação de instabilidade

generalizada, principalmente por parte do Estado, que viu seu poder

ameaçado pela multiplicação da pobreza e delinqüência.

Neste sentido, confirma Bittencourt ao relatar o seguinte:

[...]. Eram muitos para serem todos enforcados, e sua miséria, como todos sabiam, era maior que a sua má vontade. [...] contudo, como em algum lugar tinham de estar, iam de uma cidade a outra. [...] Na Europa, cindida de em numerosos Estados minúsculos e cidades independentes, ameaçavam, só com uma massa crescente, dominar o poder do Estado. [...]20

Foi a partir deste quadro que ‘’iniciou­se um movimento de

grande transcendência do desenvolvimento das penas privativas de

liberdade, na criação e construção de prisões organizadas para a

correção dos apenados. ’’ 21

Frise­se a idéia de correção embutida nesta nova abordagem

da política criminal desenvolvida neste período, que assume caráter

reformador a partir do reconhecimento pelo Estado das causas do crime.

Sob esta ótica, verifica­se o desenvolvimento das primeiras

linhas do estudo da criminologia, quando são considerados, para métodos

de aplicação das penas dentro de um sistema punitivo, os fatores

contributivos da conduta do criminoso.

Segundo Foucault, as condições em que se encontrava a

massa marginalizada e delinqüente, maior parte, foram determinantes

para esta transição do sistema prisional. Assim dispõe:

[...] os criminosos do século XVII são homens prostrados, mal alimentados, levados pelos impulsos e pela cólera, criminosos deVerão; os do XVIII, velhacos, espertos, matreiros que calculam, criminalidade de marginais, modifica­se enfim a organização interna da delinqüência: os grandes bandos de malfeitores (assaltantes formados em

20 BITTENCOURT, Cesar Roberto, op cit, p. 1521 Idem.

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21pequenas unidades armadas, tropas de contrabandistas que faziam fogo contra os agentes do Fisco, soldados licenciados ou desertores que vagabundeiam juntos) tendem a se dissociar; mais bem caçados, sem dúvida, obrigados a se fazer menores para passar despercebidos — não mais que um punhado de homens, muitas vezes — contentam­se com operações mais furtivas, com menor demonstração de forças e menores riscos de massacres [...]22

Fazia­se urgente a criação de um sistema prisional que

comportasse o contingente de criminosos, de modo a buscar outro meio

de sanção que não fossem as penas capitais, caso contrário, o Estado

promoveria um extermínio de sua população sob a justificativa de

exercício do poder punitivo.

Uma alternativa encontrada foi a instituição de locais destinados

ao recolhimento e custódia destas pessoas, que serviam inclusive de

abrigo para miseráveis, sem­tetos, os quais, todos, eram submetidos á

métodos disciplinadores pertinentes à realidade enfrentada pela

sociedade da época.

Estes estabelecimentos espalharam­se rapidamente pela

Europa, muitos deles conduzidos com pulso firme pelo clero, que

recebeu a concessão do poder punitivo do Estado, já que este sozinho

não atingia a contenção suficiente da delinqüência capaz de manter a

ordem social.

Em geral, estas ‘novas prisões’, mantinham a ‘’ convicção [...]

de que o trabalho e a férrea disciplina são um meio indiscutível para

reforma do recluso’’, demonstrando a clara disposição de mudança da

lógica punitiva tida até então, que falhara diante das adversidades sociais.

Na Inglaterra, por exemplo, em Londres, surgiram prisões

denominadas workhouses ou houses of correction, que estabeleciam uma

rotina de trabalho disciplinado, voltado para retirada de mendigos e

andarilhos das ruas e emenda de ladrões, através do trabalho e

produção.23

22 FOUCAULT, Michel, op. cit, p. 96

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22

Logo em seguida, em Amsterdã, os países baixos

aperfeiçoaram este sistema de reclusão, dividindo em unidades

masculinas, femininas e posteriormente para jovens, em que se

realizavam atividades compatíveis com as condições dos condenados,

reservando os castigos físicos como punição somente àqueles que

cometiam delitos mais graves.24

Conclui­se, portanto, que este contexto de mudanças na

legislação penal européia desencadeou a inquietação de operadores do

direito, filósofos, pensadores, cujas idéias eram norteadas por um sendo

humanitário e racional exaltados por movimentos sociais como a

Revolução Francesa a o Iluminismo.

1.3.4. Breve histórico das Prisões no Brasil

Os registros históricos sobre a justiça criminal brasileira, em

especial do seu sistema penitenciário são escassos, principalmente em

relação ao período compreendido entre o descobrimento (1500) e

chegada da Família Real (1808). Contudo não é difícil obter um panorama

do ‘que’ se tratava o mecanismo punitivo do Brasil dos séculos XV a XVIII.

Amaral, em seu artigo desenvolvido em parceria com o Grupo

de Estudos Carcerários Aplicados da USP – Universidade de São Paulo,

faz sucinta análise deste período:

[...] No período que vai do descobrimento à chegada da família real ao Brasil (1808), só se pode falar em um sistema penal de organização incipiente, e assim mesmo restrito aos últimos 60 anos desse período. Menos ainda se pode falar em um sistema carcerário. Como em boa parte do Mundo nesse período, aqui a prisão também era usada como um local infecto e lúgubre onde se aguardava pelo julgamento, ou onde os acusados eram esquecidos até que morressem. O aprisionamento não era pena autônoma, mas medida de contenção do imputado até que este recebesse uma pena, que quase sempre era a capital ou infamante. [...]25

23 BITTENCOURT, Cesar Roberto, op cit, p. 17;24 Idem.25 AMARAL, C. A evolução histórica e perspectivas sobre o encarcerado no Brasil como sujeito de direitos.2013, p. 02. http://www.gecap.direitorp.usp.br/index.php/2013­02­04­13­50­03/2013­02­04­13­48­

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23

Como se sabe, durante a época de colonização do Brasil, o

país era regido pelas leis de Portugal, que durante os anos de 1446 e

1603 editou três ‘Ordenações’, sendo a primeira as ‘Ordenações

Afonsinas’, depois as ‘Manoelinas’ e por último as ‘Filipinas’, já que estas

vigeram até 1824, ano em que foi editada a primeira Constituição do

Brasil.

Em que pese a coroa portuguesa ter editado três Ordenações

ao deste período, não houve grande inovação quanto ao seu conteúdo, já

que as penas bem como o sistema processual mantinham­se arraigados

em princípios medievais, sendo que, além disso, deixava­se a encargo

dos Governadores das Capitanias Hereditárias a livre aplicação da lei

penal, o que tornava ainda mais abusivo o sistema no Brasil Colônia.

Neste sentido, é interessante transcrever as palavras de

Amaral, as quais explicam um pouco da lógica da legislação que deu

origem a todo o sistema criminal brasileiro, e que talvez ajude a explicar a

atual crise do sistema penitenciário:[...] O Livro V das Ordenações Filipinas são um modelo do sistema penal daquele período, prevendo e aplicando penas desproporcionais em relação ao delitos, cruéis e injustas, além de continuar fazendo da pena de morte comum para os crimes. Um autêntico balaio de gatos entre moral, religião e direito. Pior, a desigualdade de tratamento penal conforme o sexo e a posição social era uma instituição, como se pode verificar, por exemplo, na previsão de que “achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar, assi a ella, como o adúltero, salvo se o marido for peão e o adultero Fidalgo ou nosso Desembargador, ou pessoa de maior qualidade”.26

Com o advento do iluminismo, ocorreu a mitigação das penas

cruéis, previstas nas Ordenações portuguesas, e ainda, devido aos

acontecimentos sócio­políticos entre o Brasil colônia e a coroa, que

embalaram os anos de 1800 e seguintes, abriu­se caminho para a edição

do marco legislativo em matéria de direito penal: a Constituição de 1824.

55/artigos­publicados/13­artigo­evolucao­historica­e­perspectivas­sobre­o­encarcerado­no­brasil­como­sujeito­de­direitos>26 AMARAL,C., op cit, p. 3

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24Com a edição da Constituição de 1824, ‘criaram­se todas as

condições para [...] uma legislação penal mais humana e gerada no

Brasil’27, e ainda, pode­se afirmar que nela esteve registrada o embrião

do Princípio da Presunção da Inocência dentro do ordenamento jurídico

brasileiro, ao que se constata da análise do art. 79, inciso IX da referida

Carta:

IX. Ainda com culpa formada, ninguem será conduzido á prisão, ou nella conservado estando já preso, se prestar fiança idonea, nos casos, que a Lei a admitte: e em geral nos crimes, que não tiverem maior pena, do que a de seis mezes de prisão, ou desterro para fóra da Comarca, poderá o Réo livrar­se solto.28

Pelo mesmo viés, é importante citar outro dispositivo inserido na

Constituição de 1824, que inaugurou uma legislação voltada para a

melhoria das instalações carcerárias, como meio próprio de se assegurar

a eficácia do cumprimento da pena prisão, qual seja, o art. 179, inciso

XVIII, que em linhas gerais, prescrevia as condições físicas em que

deveriam ser mantidas as penitenciárias, de forma a manter a segurança,

higiene, celas adequadas, além de prever a fiança como meio alternativo

para os crimes de menor ofensividade.29

Apesar de a Carta de 1824 ter inserido timidamente princípios

penais mais brandos, pouca foi a repercussão de seus dispositivos sobre

o mundo prático da execução penal, já que desde aquele tempo

enfrentava­se o problema da administração insuficiente das prisões, no

que muitas das vezes, constatava­se péssimas condições de

habitualidade nas cadeias pelas Comissões Fiscalizadoras envidas pelo

governo para verificar o cumprimento da lei.

Por conseguinte, é relevante esclarecer que, no ano de 1830,

foi editado o primeiro Código Penal do país, dotado de um perfume

humanista típico daquele período, este ainda não trouxe as mudanças

esperadas, já que não abolira a pena de morte, muito menos as cruéis ou

infamantes.

27 AMARAL,C., op cit, p. 03.28 Idem.29 Idem.

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25

Contudo, tal dispositivo, se prestava a condicionar as prisões

brasileiras, em seu aspecto externo, já que, claramente influenciado pelos

ideais de Bentham, tratava da organização arquitetônica das

penitenciárias mais do que da própria política criminal, o que na verdade é

compreensível, já que o pais ainda não dispunha de um aparato prisional

pleno e eficaz.

Se por um lado o Código Penal de 1830 avançou em relação á

infraestrutura prisional, o Código que o sucedeu, no ano de 1890,

confirmou o que há muito já vinha sendo proposto mundo afora, a

condução de um sistema penal mais qualitativo e eficaz, o que se

evidenciou com o afastamento30 da pena de morte como pena usual

dentro do mecanismo punitivo brasileiro.

Igualmente, foi o Código de 1890 que, além de estipular as

espécies de penas­prisão, foi o primeiro a traçar ‘[...] as primeiras linhas

para um sistema progressivo’, na qual se previa a possibilidade evolução

do isolamento total para a autorização de exercício de alguma atividade

laboral, tal como ocorria no sistema auburniano31.

Mais adiante, os reformadores brasileiros adotaram o sistema

penitenciário Progressista Irlandês, que consistia numa espécie de fusão

dos sistemas pensilvânico e auburniano, o que se verifica nitidamente nos

arts. 45 e 50 do referido código, cuja análise faz oportuna:

Art. 45. A pena de prisão cellular será cumprida em estabelecimento especial com isolamento cellular e trabalho obrigatorio, observadas as seguintes regras:a) si não exceder de um anno, com isolamento cellular pela quinta parte de sua duração;b) si exceder desse prazo, por um periodo igual a 4ª parte da duração da pena e que não poderá exceder de dous annos; e nos periodos sucessivos, com trabalho em commum, segregação nocturna e silencio durante o dia.Art. 50. O condemnado a prisão cellular por tempo excedente de seis annos e que houver cumprido metade da pena, mostrando bom comportamento, poderá ser transferido para alguma penitenciaria agricola, afim de ahi cumprir o restante da pena.

30 AMARAL,C., op cit, p. 0331 Idem.

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26§ 1º Si não perseverar no bom comportamento, a concessão será revogada e voltará a cumprir a pena no estabelecimento de onde sahiu.§ 2º Si perseverar no bom comportamento, de modo a fazer presumir emenda, poderá obter livramento condicional, comtanto que o restante da pena a cumprir não exceda de dous anos.32

Além disso, de acordo com Amaral, ‘o código de 1890 também

previa o livramento condicional, deixando clara a ideia de que deve haver

o ganho de uma liberdade vigiada durante o cumprimento da pena, caso o

condenado assim faça por merecer. ’33

Ocorre que os códigos penal e de processo penal da república

já se encontravam distantes da realidade carcerária do Brasil, sendo que

Engbruch e Santis apontam, como tentativa de corrigir eventuais desvios

entre a lei e realidade, o art. 409 do mesmo código que permitia a

execução da pena de prisão em locais diversos das penitenciárias, caso o

magistrado constatasse que estas não cumpriam com os requisitos

mínimos de infraestrutura. 34

Sob esta ótica, os dispositivos supramencionados muito se

assemelham com os dispositivos que regulamentam a progressão de

regimes prisionais do moderno Código de Processo Penal, porém não se

pode dizer que foram suficientes para resolver os entraves da execução

penal da época.

A exemplo, verifica­se que desde antes mesmo da edição do

Código de 1890, já se enfrentava o problema da falta de estabelecimentos

prisionais que comportassem o grande número de detentos, além de que

suas instalações já estavam prejudicadas pela ação do tempo, carecendo,

em sua maioria, de reformas.

32 ENGBRUCH, W.; SANITS, B. M. D, A., A evolução histórica do sistema prisional e a Penitenciária do Estado de São Paulo, Revista Liberdades, IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciencias Criminais, 2012, p.3. Disponível em:< http://www.ibccrim.org.br/revista_liberdades_artigo/145­HISTRIA>33 AMARAL,C., op cit, p. 0334 BRASIL. Código Penal. 1890 ­ Art. 409. Enquanto não entrar em inteira execução o systema penitenciario, a pena de prisão cellular será cumprida como a de prisão com trabalho nos estabelecimentos penitenciarios existentes, segundo o regimen actual; e nos logares em que os não houver, será convertida em prisão simples, com augmento da sexta parte do tempo.

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27Contudo, fora somente no ano de 1905 que surge nova

alternativa para a crise que se instalara no sistema prisional, com a

iniciativa de edição de nova lei (Lei nº. 267­A, de 24/12/1905), no Estado

de São Paulo, a fim de substituir uma da maiores e mais antigas

penitenciárias do Brasil, a do estado de São Paulo, a qual fora finalmente

inaugurada em 1920, tendo como projeto vagas para 1.200 detentos,

celas individuais com espeço adequado, boa ventilação e iluminação.35

É relevante citar a evolução desta penitenciária pelo fato de ter

sido considerada entre as décadas de 20 e 40 uma prisão modelo, em

que ‘’a organização laboral foi um dos carros­chefes para a boa

opinião’’36 do público, fazendo contraponto com a má impressão causada

pelo sistema implantado pelo Código de 1830 que se externava pelas

‘’Casas de Correção’’.

Os pesquisadores apontam como fatores preponderantes para

a mudança de opinião em relação ao estabelecimento prisional do estado

de São Paulo, que à época representava o que havia de mais moderno no

aparato estatal quando se falava em controle social e criminológico, os

fatores a seguir transcritos:

[...]o indivíduo preso teria um pouco mais de dignidade no aspecto da saúde, onde não teriam celas com pessoas amontoadas como se objetos inanimados fossem e onde, precipuamente, regenerar­se­iam seres humanos, de sorte que poderiam recompor o corpo social, cria­se a melhor das expectativas. [...] Nada melhor aos olhos da sociedade (frise­se: a elite paulista, em especial) do que um preso trabalhando, produzindo, estando fora do estado ocioso para pensar no cometimento de novos crimes ou algo do gênero (pensamento ainda constante na sociedade brasileira). [...]Além de auxiliar a economia paulista, tinha­se a ideia de autossustentabilidade econômica (instituições dessa natureza custam muito ao erário público) da Penitenciária e, de forma subsidiária, ao próprio Estado, fornecendo riquezas e produtos aos órgãos públicos. [...] voltando à esfera pedagógica, entendia­se que a disciplina laboral auxiliava a própria disciplina do preso com seus pares e com a própria administração e, em um plano futuro, com a sociedade. Outra característica positiva era, ainda na organização laboral, o cultivo de alimentos naturais via horta cultivada pelos próprios presos e que servia o presídio em quase sua totalidade. [...]37

35 ENGBRUCH, W.; SANTIS, B. M. D, A, op cit, p.436 Idem, p. 537 ENGBRUCH, W.; SANTIS, B. M. D, A, op cit, p.5

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28Essa nova maneira de conduzir uma penitenciária repercutiu

positivamente na sociedade naquele tempo, de forma que a nova prisão

de São Paulo chegou a ser considerada além de modelo, um sistema

‘perfeito’ de prisão, pois além de enclausurar criminosos, traziam­lhe nova

perspectiva ao inserir em seu regime de cumprimento de pena a atividade

laboral, em especial a produção industrial, casando perfeitamente os

interesses socioeconômicos da sociedade em expansão econômica

daquele período.

Contudo, é importante destacar que, em que pese os muitos

elogios tecidos ao sistema de São Paulo, a tese de um sistema

penitenciário perfeito se viu mitigada diante dos entraves práticos

encontrados durante seu funcionamento.

Assim, apesar de implantar o sistema de reclusão aliada ao

trabalho, e de propor uma arquitetura voltada para a melhor acomodação

dos presos, visando a manutenção de sua saúde, evitando mortes e

rebeliões, infelizmente, a própria mentalidade no modo de conduzir o

sistema de execução penal paulista não permitiu que na prática se

atingisse as maravilhas lançadas no projeto daquela penitenciária.

Ilustrativamente, a desconstrução do ‘mito’ de prisão modelo se

deu pela involução da maneira como os indivíduos que estavam inseridos

no sistema eram vistos, e na própria deficiência do Estado em conciliar

seus interesses com os direitos individuais dos detentos. Assim afirmam

Engbruch e Santis:A liberdade de expressão era suprimida na Penitenciária do Estado. Em análise histórico­documental, autores afirmam a existência de movimentos de presos a fim de reivindicar algo (ato de expressão natural, inerente à pessoa humana), mas não de forma violenta, apenas de forma petitória. Tais manifestos eram a “força motriz deflagradora” para a imposição de punições internas (notem: em contraposição à lei penal da época), como privação de alimentos, submissão à degradação da pessoa mediante a enclausuração por tempo indeterminado ou, a mais branda de todas, perda de vantagens regulamentares.38

38 ENGBRUCH, W.; SANTIS, B. M. D, A, op cit, p.6

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29Não obstante, outros problemas de gestão de política

criminal começaram a aparecer no funcionamento da penitenciária, dentre

eles, o mais relevante, foi a dificuldade encontrada pelos detentos em

progredir de regime quando atingiam os requisitos para pleitear este

direito, que no fundo representava a evolução de sua ressocialização e

uma boa alternativa para desafogar as celas, que já estavam com

números maiores de detentos do que o previsto.

Tal entrave se encontra bem descrito em estudo aprofundado

que Engbruch e Santis realizaram sobre o aparato do sistema prisional

paulista, que se segue:

[...] Os estágios do regime progressivo nem sempre eram concedidos de “ofício” pelo juiz. Muitas vezes o preso ou seus representantes legais requeriam ao Magistrado a progressão do regime. Quando deste pedido, é de rotina que se expede um exame criminológico do preso, ora requerente. No caso da Penitenciária do Estado, tais exames eram exarados pelo competente da área médica designado e pela diretoria. Espera­se, do Estado – ora aprisionador ora detentor – que adote, no mínimo, justos critérios ao expedir tal exame, reservadas as ordens técnicas do instituto em comento. A diretoria, durante o período observado, utilizou critérios espúrios, quando não eram apócrifos, nos pareceres tendentes a rejeitar a maioria dos pedidos de progressão de regime, em especial a liberdade condicional. [...]

Cumpre esclarecer que o problema apresentado na

penitenciária de São Paulo não se limita somente a esta instituição, já que

ainda hoje vemos isto acontecer nos estabelecimentos modernos, porém

a diferença provavelmente resida no fato de que ainda não foi encontrada

uma forma de construir um sistema prisional que se adapte às

necessidades da justiça criminal, e nem que se expanda para comportar a

demanda de presos, o que consequentemente incha os presídios e

também o Judiciário, que por isso não consegue julgar em tempo hábil os

processos criminais.

Nesta trilha, retomando a sequência histórica de

desenvolvimento do sistema prisional brasileiro, cumpre mencionar que

posteriormente, no ano de 1937 foi editada nova Constituição, que

segundo historiadores representou um ‘’retrocesso penal e

humanitário’’39 ao restabelecer a pena de morte.

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30

Em seguida no ano de 1940, foi criado o novo Código Penal

brasileiro, o qual vige até hoje, que não manteve a pena de morte,

mantendo sistema progressivo no regime de cumprimento das penas,

contudo ainda não trazia disposições específicas sobre a execução das

penas no Brasil.40

Seguindo uma linha cronológica, o desenvolvimento do sistema

prisional brasileiro temos como um dos períodos mais marcantes, o que

compreende a metade final do século XX, especialmente entre os anos de

1964 a 1985, pois foi este o de instituição da Ditadura Militar no país.

Assim, Mattos, estudioso sobre o tema que desenvolveu

trabalho conjunto com o Conselho de Serviço Social de Minas Gerais,

pondera que a crise do sistema prisional brasileiro, acentuou­se devido ao

regime militar, período da história brasileira que foi muito bem retratada

em suas palavras:

Se a tortura não foi inventada pelos militares, ela foi certamente institucionalizada pela ditadura militar, que a adotou como método de governo, como política de Estado. Vinte e um longos anos de ditadura militar: aumento desenfreado dos meios de violência do Estado, que nunca abre mão de suas conquistas neste terreno. Estão aí como evidencias empíricas o pau­de­arara, os choques elétricos, afogamentos, os desaparecimentos forçados, as execuções ditas extralegais [...] A tortura tornou­se a instituição central da ditadura militar e permanece como uma das instituições mais sólidas e mais longevas do país. [...]41

Com vistas ao que expôs o autor, verifica­se que neste

período, a justiça criminal brasileira, caminhou para um modelo prisional

que muito se assemelhava às práticas punitivas da Idade Média,

transformando o que deveria ser o exercício de um dever­poder legitimo

do Estado, em abuso escancarado dos direitos fundamentais daqueles

que estavam sob sua custódia, em nome de possíveis transgressões

contra o ordenamento jurídico.

39 AMARAL,C., op cit, p. 0340 Idem.41 MATTOS, Virgílio. Desconstrução das Práticas Punitivas. Editora e Gráfica O Lutador, 2010, p.29.

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31Complementarmente, o autor demonstra que o mecanismo

punitivo desenvolvido pelo Estado militar, deixou frutos envenenados que

hoje, repercutem em nosso atual sistema, tais quais ‘ a cultura do terror,

do extermínio, da impunidade, do sigilo’42, e que inclusive correspondem

às mais recorrentes dificuldades enfrentadas por aqueles que desejam

promover uma reforma basilar do sistema prisional moderno no país.

Adiante, no ano de 1984, foi elaborada a Lei de Execução

Penal (Lei nº 7.210/84), que apesar de viger já no final do regime militar

brasileiro, perpetuou a mentalidade encarceradora e castigadora que

movia o sistema criminal do Regime, perceptível ao longo de sua

redação, a começar pela ‘primeira das faltas qualificadas como graves’43,

constante no inciso I do art. 50 da referida lei44.

Neste viés, segundo o autor, os termos inseridos no corpo do

texto da nova lei, representavam na verdade, modalidades de abuso do

poder punitivo em sede de execução das penas, no que as penalidades

impostas àqueles que infringem as regras de conduta dentro da prisão,

como o isolamento na própria cela, p.ex., levam a um mundo paralelo, um

subsistema em que há uma espécie de ‘prisão dentro da prisão’, o que

constitui encarceramento duplo dos apenados. 45

Isso porque, segundo Mattos ‘’ [...] o isolamento na própria cela

[...] vulnera o postulado da proporcionalidade, ao impor, para meras

transgressões disciplinares, condições de privação de liberdade ainda

mais rigorosas do que [...] as impostas diante da prática de crimes. ’’46

De forma semelhante, ainda cita a Lei nº 10.792/2003, que

instituiu o sistema de regime disciplinar diferenciado, cujo problema

apontado também foi a previsão de infração disciplinar, que também

incide no vocábulo ‘subversão da ordem ou disciplina’, só que desta vez,

aplicada à presos provisórios e outros indivíduos considerados nocivos ao

42 MATTOS, Virgílio, 2010, op cit, p. 21;43 Idem.44 BRASIL. Lei 7.210/84 – ‘Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que: I ­ incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina; ’45 MATTOS, Virgílio, 2010, op cit, p. 21;46 Idem.

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32próprio sistema, promovendo o que denomina de ‘alargamento da

prisão dentro da prisão’.47

Cumpre transcrever a justificativa pela qual Mattos defende a

inconstitucionalidade de tais medidas inseridas no sistema de execução

penal, instituídos a partir das referidas leis:

[...] sua aplicação [...] desautorizadamente prevê a imposição de uma pena antecipada seja para quem apenas é atribuída a prática de um crime sem que haja reconhecimento definitivo desta prática em um processo regularmente desenvolvido, seja para quem é vagamente apontado como perigoso.

Por conseguinte, em relação ao breve apanhado histórico que

se pretende fazer nesta seção, não há como falar em história do sistema

prisional no Brasil, sem passar por um dos acontecimentos que mais

marcaram a história das penitenciárias no país, o massacre do Carandiru,

ocorrido em 02 de outubro de 1992.

O evento ocorrido na prisão, que era considerada uma das

maiores da América Latina e contava com mais de 7 mil detentos,

recebeu o nome de massacre, pois segundo o escritor do livro ‘Carandiru’

e médico da Casa de Detenção na época, Dráuzio Varella, ‘’qualquer

massacre, qualquer contenda, que resulte em 111 mortes, sem nenhum

ferido, não recebe outro nome que não seja massacre’’48.

Em verdade o massacre representa o excesso cometido pela

Estado brasileiro no exercício do seu poder punitivo, pois, ao tentar conter

as infrações disciplinares de certos detentos, as medidas adotadas sob

comando do conjunto de profissionais que deveriam bem administrar a

prisão, causaram impacto considerável, já que violaram gravemente

direitos humanos em detrimento do frio cumprimento de regulamentos

administrativos­disciplinares.

47 MATTOS, Virgílio, 2010, op cit, p. 21;48 GARCIA, J; FUJITA, G. Massacre do Carandiru foi um marco, mas cadeias ainda não recuperam presos, diz Drauzio Varella. 2013. Acesso: junho/2015. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas­noticias/2013/04/06/massacre­do­carandiru­foi­um­marco­mas­cadeias­ainda­nao­recuperam­presos­diz­drauzio­varella.htm>

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33Dentre todas as informações divulgadas sobre o evento, o

que mais chama a atenção são as circunstâncias e as condições em que

se encontrava a Casa de Detenção, no estado de São Paulo, ensejadoras

do massacre, as quais revelam as falhas que mais afetam o sistema

prisional transpondo­o a um patamar caótico.

Conforme registros, o local onde se iniciou uma briga entre

detentos, o Pavilhão 09, servia de alojamento de presos primários, os

quais, em maioria, ainda aguardava julgamento, sendo ainda o pavilhão,

assim como todos os outros, mantido em rarefeitas condições de

habitalidade, colocando os internos em completa carência de direitos

básicos, o que no mínimo despertava sua revolta e servia de combustível

para conflitos entre si e, principalmente, com os carcerários e policiais49.

Não obstante, a forma como era conduzida a relação entre

dominador e dominado, ou seja, o tratamento dispensado aos detentos

pelos carcerários e policiais, igualmente contribuiu para o embate,

expondo também outro problema dentro do sistema penitenciário que

ainda persiste, o pensamento maniqueísta construído fora dali, que divide

os sujeitos entre maus (os detentos) e bons (o resto da sociedade) e

incita o ódio, afastando ainda mais da concretude o ideal de

ressocialização do egresso.

É plausível concluir, a exemplo do massacre do Carandiru e de

seu emblemático julgamento, ocorrido em 2013, que os problemas

enfrentados pelo sistema prisional são apenas reflexos de um problema

maior, o colapso da justiça criminal brasileira, que se apega ainda a

princípios punitivos antiquados que pouco servem para afastar a

violência, e dispõe de estruturas pouco desenvolvidas para abrigar a

demanda de presos, estimulada pelo ânimo encarcerador.

Por fim, é interessante trazer à baila deste trabalho, no

encerramento desta seção, a opinião de dois grandes pensadores

brasileiros, que expressam com competência, a situação de ‘extermínio

da juventude negra e pobre’50 que representa a mais aguda relação entre

49 GARCIA, J.;FUJITA,G.2013, op cit.

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34as desigualdades sociais e as relações de poder que foi o massacre do

Carandiru, assim descrita:

“E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo diante da chacina111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretosOu quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobresE pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos” (Caetano Veloso e Gilberto Gil)

1.4. A reforma do sistema prisional e as contribuições para a contemporaneidade

Muitos foram os pensadores dispostos á promover a

discussão e desenvolvimento de teses sobre o sistema prisional do século

XVIII, porém destacaram­se os que trouxeram análise mais profunda e

liberta dos conceitos conservadores da época.

Dentre eles, destacam­se Beccaria, Howard e Benthan, que

dedicaram parte de sua vida á compreensão do funcionamento do

sistema criminal e seu aperfeiçoamento.

Dada às relevantes contribuições trazidas por cada um deles,

passa­se a estudar suas teses separadamente:

1.4.1. A Reforma de Cesare Beccaria

Alguns autores definem a tese criminal de Beccaria com uma

junção do contratualismo com o utilitarismo, contudo suas idéias são

inovadores em relação ao estudo penológico que demonstrou em sua

50 Justiça Global. Após 20 anos do Massacre do Carandiru pouca coisa mudou no sistema penitenciário brasileiro e no tratamento de jovens negros e pobres. Rio de Janeiro. 2012. Acesso em: Junho/2015. Disponível em: < http://global.org.br/programas/apos­20­anos­do­massacre­do­carandiru­pouca­coisa­mudou­no­sistema­penitenciario­brasileiro­e­no­tratamento­de­jovens­negros­e­pobres/>

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35célebre obra Dos Delitos e Das Penas, segundo o qual, o sistema

penitenciário deve despir­se do caráter confuso e abusivo para alcançar a

ressocialização de seus internos e prevenir a propagação da violência.51

Nesta seara, aborda a temática da pena com base na

administração de forma proporcional aos atos praticados, recomendando

que sua aplicação estivesse anteriormente prevista, propagando um dos

princípios do processo penal, a anterioridade da lei penal.

Assim explica Beccaria acerca da tendência por ele lançada a

respeito da proporcionalidade das sanções penais:

[...] para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias referidas, proporcionada ao delito e determinada pela lei’’. 52

Ademais, traz a luz da nova mentalidade criminal, a restrição da

pena de morte, não a sua exclusão, mas o seu condicionamento á

circunstâncias cuidadosamente verificadas pelo magistrado ao longo o

processo.

Complementarmente á este pensamento, é oportuno citar a

observação que o autor faz a respeito de um silogismo, de autoria de

Viceno Facchinei de Corfu, do convento de Vallombreuse, citado em sua

obra, que permite compreender claramente do que se trata a reforma por

ele proposta:

Não se deve impor a pena de morte, se esta não é realmente útil e necessária; contudo, apena de morte não é necessária nem realmente útil. Portanto, não se deve inflingir a pena de morte.53

Esta observação trazida por Beccaria é pertinente á reforma do

sistema prisional pelo fato de este silogismo representar a economia do

poder de castigar54, desenvolvido na obra de Foucault, demonstrando a

51 BITTENCOURT, Cesar Roberto, op cit, p. 32­3352 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas, tradução de Torrieri Guimarães, São Paulo, Ed Hemus, 1983, p. 33.53 BECCARIA, C., op cit, p. 37

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36relação de eficácia que a sanção penal guarda com a administração da

pena exercida pelo Estado através da execução da pena.

Embora as idéias de Beccaria tenham se concentrado na

reforma da filosofia do sistema criminal, também trouxe importantes

considerações sobre a estrutura e organização das prisões,

argumentando sempre que nos estabelecimentos prisionais ‘não devem

predominar a sujeira e fome, defendendo uma atividade humanitária e

compassiva na administração da justiça’.55

Cumpre ressaltar que os ideais implantados pela proposta de

reforma de Beccaria são atemporais, tendo inclusive inspirado outros

grandes reformadores, que inspirados em sua teoria, aperfeiçoaram o

sistema prisional.

1. 4. 2 John Howard e o Penitenciarismo

John Howard foi um reformador inglês que desenvolveu seu

trabalho baseado na proposta de humanização das prisões, tendo

inclusive se inspirado nas idéias de Beccaria, citando­o muitas vezes em

suas obras.

Segundo Bittencourt, Howard inspirou a ‘’ corrente

penitenciarista, preocupada em constituir estabelecimentos apropriados

para o cumprimento da pena privativa de liberdade’’56, sendo o pioneiro

no estudo do aparelho prisional, considerando seu melhoramento uma

modalidade de política criminal.

Atribuem­lhe um enorme senso humanitário, pelo fato de nunca

conformar­se com ‘’ as condições deploráveis em que se encontravam as

prisões inglesas’’57, e já naquele tempo, enfrentava o problema da falta

de interesse dos governantes pelo tema.

54 FOUCAULT, Michel. op cit, p. 10155 BITTENCOURT, Cesar Roberto. op cit, p. 3856 Idem, p. 4057 BITTENCOURT, Cesar Roberto. Op. cit, p. 40

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37Apesar de ter se esforçado para reestruturar o sistema

prisional, não obteve êxito pelo fato de faltar estrutura capaz de por em

pratica sua teoria e promover a ressocialização ao invés mero controle e

punição.

Contudo, seu pensamento inovou quando trouxe á discussão

do sistema, uma estrutura de prisões celulares, em que o ponto principal

de sua tese é o ‘’ isolamento noturno, que se mantém em vigor’’58 sendo

inclusive adota pela Convenção de Direitos Humanos de Genebra de

1955.

Demonstrou também a necessidade de recrutar pessoal

específico para vigiar a carceragem dos condenados, explicando que os

carcerários devem ter como principal qualidade a honra e humanidade.

Além disso, evidenciou que convém á organização das prisões,

a sua fiscalização a fim de manter seu funcionamento organizado, que se

faria na pessoa de um juiz criminal especializado na execução das penas.

Este sistema também é adotado atualmente, de forma

aperfeiçoada é claro, sendo defendido por ele nos seguintes termos:

[...] A administração de uma prisão é coisa muito

importante para abandoná­la completamente aos

cuidados de um carcerário. Em cada condado, em cada

cidade, é preciso um inspetor eleito por eles ou nomeado

pelo Parlamento cuide da ordem das prisões.59

Impende destacar que a contribuição de Howard para o atual

sistema penitenciário foi extremamente relevante para o direito penal,

pois, ao subdividir o direito penal, em direito material e direito de

execução penal, facilitou a sistematização do estudo deste sistema.

58 BITTENCOURT, Cesar Roberto. Op. cit, p. 4059 Idem, p. 43

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38Igualmente, ao apresentar a proposta de um sistema

carcerário celular, baseado no isolamento, inclusive noturno, bem como,

ao adotar o fim reformador da prisão, conseguiu definir o marco ‘da luta

interminável para alcançar a humanização das prisões e a reforma do

delinquente’’, dando origem ao que hoje se conhece por penitenciarismo.

1.4.3 Jeremy Bentham e o Desenho do Panótico

Bentham (1748­1832) citado por Bittencourt60, trouxe

profundas modificações para o sistema prisional através de sua obra,

voltada mais para o aparato prisional do que para a mudança de

pensamento e conceituação da penologia.

Entretanto, não se pode negar que também contribuiu para o

assentamento da teoria da finalidade reformadora da pena, já que não

considerava ‘’a crueldade da pena um fim em si mesmo’’ afastando­se da

tese de que a pena deveria causar profunda dor e sofrimento61. Contudo,

sua tese filosófica não abria tanta margem para a investigação quanto

suas considerações sobre o instrumento que compõe o sistema

carcerário.

Desta feita, Bentham foi o pioneiro no desenvolvimento de um

estudo voltado para a estrutura física do sistema prisional, ‘’ já que as

prisões ­ considerava ­ ‘’ com suas condições inadequadas e seu

ambiente de ociosidade, despojavam o réu de sua honra e hábito

laboriosos’’62.

O autor acreditava que a prisão servia como meio para

alcançar a regeneração do recluso, era um mal necessário para evitar

danos maiores á sociedade. Sendo assim, desenvolveu o projeto do

panótico, uma nova modalidade de arquitetura prisional, que influenciou

consideravelmente a construção das prisões ao redor do planeta e

permanece ditando regras para o sistema atual63.

60 BITTENCOURT, Cesar Roberto, op cit, p. 43;61 Idem, p. 49;62 Idem.

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39

Nas palavras de Foucault, ‘’ o efeito mais importante do

Panoptico era induzir no detento um estado consciente e permanente de

visibilidade que assegurava o funcionamento automático do poder [...]’’ e

complementa, explicando que o sistema desenvolvido por Bentham

tornava dispensável que o detento fosse vigiado o tempo todo, já que

causava­lhe a sensação de estar sempre observado devido à arquitetura

da prisão.64

Na verdade, o sistema do panotico desenvolvido por Bentham,

constituía­se em uma construção, de acordo ainda com Foucault, muito

semelhante a um zoológico, em especial o de Le Vaux, pertencente ao

palácio de Versalhes na França, tendo como base para seu desenho ‘’ a

preocupação com a observação individualizadora e com disposição

analítica do espaço.’’ 65

Sob esta análise, o projeto arquitetônico de Bentham permitia

que a autoridade penitenciária vigiasse o maior número de pessoas, de

modo a controlar melhor e garantir a segurança do estabelecimento, além

de conceder aos detentos condições mínimas de humanidade para

suportar a pena de reclusão.

É possível observar com clareza essas características marcantes no sistema arquitetônico desenvolvido pelo cientista criminal, através das figuras inseridas na obra de Foucault, que se seguem:

Figura 1 – ‘Projeto de Penitenciária’66

63 BITTENCOURT, Cesar Roberto. Op cit Idem, p. 46­5064 FOUCAULT, Michel. Op cit, p. 22465BITTENCOURT, Cesar Roberto, op cit, p. 50;66 FOUCAULT apud N. Harou­Romain. Projetos de penitenciárias, idem, p. 47

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40

Fonte: FOUCAUL, 1999, p. 47

Figura 2 – ‘Composição celular de isolamento do Panoptico’67

Fonte: FOUCAUL, 1999, p. 48

É justamente o objetivo principal do projeto arquitetônico que

deu nome á arquitetura por ele desenvolvida, pois de acordo com

Bittencourt: ‘’ [...] o nome ‘panótico’ expresso em uma só palavra sua

utilidade essencial, é a faculdade de ver com um olhar, tudo o que nele se

faz’’68.

Complementarmente à finalidade de onipotência da vigilância,

o projeto também se direcionava á promoção do resgate dos condenados

através de atividades laborais, intelectuais, recreativas e espirituais ao

longo do dia, evitando que os internos ficassem isolados o dia todo nas

células que compunham as galerias da prisão.

67 FOUCAULT apud N. Harou­Romain. Projetos de penitenciárias, idem, p. 4868 BITTENCOURT, Cesar Robert, op cit, p. 51;

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41Pelo mesmo viés, Bentham aliava ao projeto,

recomendações, ainda na esfera prática e funcional, que acreditava

surtirem efeitos relevantes para a reabilitação dos detentos, dentre eles: ‘’

uma disciplina severa, uma vestimenta humilhante e uma alimentação

grosseira’, que considerava ‘castigos moderados’ capazes de gerar bons

resultados tanto do ponto de vista da prevenção geral quanto da

especial’’69.

Com base nos conceitos acima analisados, pode­se concluir

que o panótico de Bentham alterou substancialmente a essência dos

sistemas prisionais, que a partir de então, agilizou a implementação da

prisão­pena, ao passo em que se estabeleceu como ‘’ uma espécie de

laboratório do poder’’70.

Neste sentido, Bittencourt explana que o desenho do panótico

representa algo além de simples arquitetura prisional, ele ‘’ proporciona os

elementos básicos das prisões atuais’’71, o que é bem verdade, posto

que nos estabelecimentos contemporâneos é fácil identificar a presença

de tais elementos, que sofreram alterações tecnológicas apenas.

Foucault evidencia essa característica de múltipla utilidade e

praticidade do panótico, quando diz que ‘’ o desenho de Bentham resolve

os problemas de vigilância, não só das prisões, mas de hospitais,

indústrias, escolas, [...] porque consegue estabelecer uma relação

importante entre arquitetura e poder.’’72

Em que pese Bentham ter dispendido esforços durante grande

parte de sua carreira cientifica, no sentido de buscar soluções para a crise

do sistema prisional, a materialização do panótico restou frustrada, porém

o desenho representa um divisor de águas dentro do sistema prisional.

Sua proposta de reforma abriu precedentes para o aperfeiçoamento de

outros sistemas penitenciários ao redor do mundo.

69 BITTENCOURT, Cesar Robert, op cit, p. 53;70 FOUCAULT, op cit, p. 22871BITTENCOURT, op cit, p. 5472 FOUCAULT, Michel. Op cit, p. 11;

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42Assim, em análise mais atenta às instituições prisionais já na

Idade Contemporânea, tanto na Europa quanto na América, esta,

principalmente nos Estados Unidos, constata­se a indubitável contribuição

dos juristas reformadores para o aperfeiçoamento dos seus mecanismos

de execução das penas.

Neste sentido, verifica­se que nestes sistemas jurídicos a

adoção de princípios penais conjugados com uma política criminal mais

aberta para as condições sociais, tais quais a tentativa de reforma do

delinquente, através da reclusão em si, cominada com a rígida disciplina e

direcionamento para o trabalho e atividades produtivas, começou a

apresentar resultados satisfatórios.

Cumpre destacar dois expoentes do século XIX, ambos

sistemas norte­americanos, que incorporaram ideais progressistas

reformadores, o sistema de ‘congregação’ de Auburn (Nova Iorque) e o

sistema ‘de isolamento’ da Filadélfia (Pensilvânia), os quais serviram de

parâmetro para críticas ao sistema francês.73

Estes dois sistemas penitenciários contemporâneos, foram

estudados em 1838 por Alexis de Tocqueville, historiador francês, que em

viagem para a américa observou as prisões estadunidenses mais

famosas, tendo identificado inclusive certa competição entre os estados

de Nova Iorque e Pensilvânia pelo título de mais eficiente e segura

penitenciária.74

Em seu estudo, Tocqueville descreveu a ‘Auburn State Prision’

como uma instituição em que os detentos ficavam isolados apenas a

noite, sendo que durante o dia, executavam trabalhos coletivos, os quais

geravam lucros para industriários que exploravam sua mão de obra e,

para a própria penitenciária.

73 SANTOS, M. S.A prisão dos ébrios, capoeiras e vagabundos no início da Era Republicana. 2004,p. 141. Disponível: <http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/Topoi08/topoi8a4.pdf>74 Idem.

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43Já o sistema pensilvânico, adotado pela penitenciária da

Filadélfia, assumia a postura de isolamento integral dos internos, sendo

permitido a eles a execução de trabalhos menos lucrativos e individuais,

apresentando inclusive custo mais elevado do que a sistema de Auburn e

maiores índices de mortalidade, contudo segundo Tocqueville, este último

sistema se prestava melhor ao fim de recuperação dos detentos, já que

sua capacidade de intimidação e transformação moral eram maiores. 75

Se faz necessário ressaltar que as conclusões extraídas do

estudo e observação de Tocqueville permitiram implantar dentro do

sistema europeu, inicialmente na França, aperfeiçoamentos que

otimizaram os sistemas prisionais do século XIX.

Complementarmente, é interessante citar o exemplo da prisão

de Norfolk, também localizada no estado da Pensilvânia nos Estados

Unidos, criada ainda no período colonial, que se destacou por conjugar os

dois sistemas penitenciários, o de Auburn e o da Filadélfia, criando um

sistema ‘misto’ baseado na adoção de métodos que levassem à evolução

de estágios da pena prisão dos condenados, criando assim, precedentes

para o que hoje denomina­se ‘progressão de regime’.

Os autores Engbruch e Santis explicam através de publicação

realizada no boletim periódico do IBCCRIM – Instituto Brasileiro de

Ciências Criminais, doravante IBCCRIM, que a prisão de Norfolk conduzia

seu sistema da seguinte maneira:

[...]O regime inicial funcionava como o Sistema da Filadélfia, ou seja, de isolamento total do preso; após esse período inicial o preso então era submetido ao isolamento somente noturno, trabalhando durante os dias sob a regra do silêncio (sistema de Auburn). Nesse estágio, o preso ia adquirindo “vales” e, depois de algum tempo acumulando esses vales, poderia entrar no terceiro estágio, no qual ficaria em um regime semelhante ao da “liberdade condicional” e, depois de cumprir determinado prazo de sua pena, seguindo as regras do regime, obteria a liberdade em definitivo. [...]76

Ainda de acordo com os pesquisadores, este sistema de

Norfolk, obteve tanto êxito, que foi capaz de levar a inovação do sistema

75 SANTOS. M.S., op cit, p. 141­14276 ENGBRUCH, W.; SANITS, B. M. D, A. op cit, p. 02.

Page 44: A CRISE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO · 2018. 2. 1. · prisional do Brasil, onde serão estudados separadamente os elementos que constituem a crise do sistema, e o quê transportaa

44penitenciário nele instituído, da colônia para a metrópole, a Inglaterra, e

posteriormente para a Irlanda, onde foi lapidado, dando origem a um

‘quarto sistema’ o qual também foi adotado pela Suíça, em que os

prisioneiros trabalhavam em locais sem barreiras físicas, ao ar livre, e em

seguida recebia a ‘liberdade condicional’.77

Fotografias históricas retratam o cotidiano vivido nesta

instituição localizada na colônia inglesa da Pensilvânia, traduzindo o

espírito de ressocialização projetado pelos reformadores, como bem se

observa a seguir:

Figura 3 – Jogo de baseball no pátio da prisão de Norfolk78

Fonte: Sweeney, 2013.

Figura 4 – Detentos trabalhando em marcenaria dentro da Norfolk Prison.79

Fonte: Sweeney, 2013.

77 ENGBRUCH, W.; SANITS, B. M. D, A, 2012, op cit.78 SWEENEY, E. Warden’s son recalls life at state prison. 2013. Acesso: Maio/2015. Disponível em: < http://www.bostonglobe.com/metro/regionals/west/2013/01/13/secrets­norfolk­talksecrets­norfolk­secrets­barsnorfolk­prison­warden­recalls­unorthodox­childhood­norfolk­prison­secrets­behind­talksecrets­norfolk­secrets­prison­behind/Th1V3ZsB3LgMrIP2iPlC4H/story.html>

79 SWEENEY, op cit, 2013.

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45Nesta trilha, um caminho de refinamento dos sistemas

prisionais iniciou­se na Europa, dando origem a vários outros sistemas,

tais como o ‘Sistema de Montesinos na Espanha que tinha trabalho

remunerado e previa um caráter ‘regenerador’ da pena’80, que inclusive

pode ser considerado como o embrião das modernas Colônias Penais

Industriais ou Agrícolas.

É possível afirmar que os referidos sistemas trouxeram

importante contribuição para a administração dos recursos humanos

dentro do universo carcerário, já que a possibilidade de execução de

atividades laborais pelos detentos, claro que atualmente não de forma

forçada, permitiu sua integração com o mundo externo, facilitando sua

posterior reintegração, bem como permitiu que alguns setores da

economia pudessem beneficiar­se da renda por eles gerada.

Em vista do estudo realizado neste capítulo sobre o sistema

punitivo­prisional, instituído pelo Estado como meio de exercer o poder

punitivo a ele concedido por meio da teoria contratualista, conclui­se que

o sistema prisional surge e evolui conforme o processo civilizatório da

sociedade, e a sua compreensão do conceito da pena.

Sua evolução e aperfeiçoamento ao longo da história da

humanidade se deram graças aos honoráveis esforços dos pensadores

ora citados, levando à progressiva sofisticação do aparato prisional.

Assim, cabe a este trabalho, no próximo capítulo, prosseguir no

estudo do aparato penitenciário, com base agora, não mais em conceitos

filosófico­jurídicos, mas na análise das diferentes espécies de sistemas

prisionais, já instituídos, com base no direito comparado.

80 ENGBRUCH, W.; SANITS, B. M. D, A, op cit, p.2

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462 . OS SISTEMAS PRISIONAIS NO DIREITO COMPARADO

Este capítulo se presta à análise dos sistemas prisionais ao

redor do mundo, fazendo um comparativo com o sistema brasileiro,

partindo da interpretação de dados obtidos por pesquisas realizadas por

órgãos internacionais que atuam na defesa de direitos humanos, tomando

como exemplo, países em que há maior número de população carcerária,

bem como aqueles apontados como exemplo de sucesso, seja pelo nível

de segurança oferecido pelos seus estabelecimentos, seja pelos

resultados positivos apresentados pela conjugação de seu aparato

prisional com a política criminal que adotam.

2.1 – Sistemas prisionais ao redor do mundo

Primordialmente, antes de analisar o sistema prisional

brasileiro e seus dilemas, se faz necessária a interpretação do fenômeno

mundial em que a crise nacional está inserida, o qual representa uma

tendência social motivada por fatores sociais, políticos e econômicos, que

conjugados, levam ao atual entrave sócio jurídico enfrentado não só por

um grupo, mas verificado na grande maioria dos países ao redor do

mundo, com raras exceções, que igualmente serão estudadas, a fim de

que se identifique, ou ao menos é o que se pretende, a fórmula de seu

sucesso.

Um dos pontos mais relevantes no estudo dos sistemas

prisionais é, certamente, a temática do crescimento das prisões e da

população carcerária, um a realidade que se mostra contraditória aos

objetivos, quase unos, dos Estados, que é a redução da criminalidade e

violência, bem como a ressocialização e a diminuição da reincidência

daqueles que cumpriram a pena privativa de liberdade.

Sob esta perspectiva, pode­se afirmar que a sociedade

moderna, no que tange ao enfrentamento do problema da violência, uma

das raízes do sistema prisional, ainda não encontrou o acerto na medida

do exercício do poder punitivo dentro de um mecanismo desenvolvido

Page 47: A CRISE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO · 2018. 2. 1. · prisional do Brasil, onde serão estudados separadamente os elementos que constituem a crise do sistema, e o quê transportaa

47para a manutenção do que Foucault chama de ‘relações de poder’81,

que é o a justiça criminal e seu instrumento, o aparato prisional.

Neste sentido, Virgílio de Mattos afirma em sua obra que ‘o

agigantamento do poder punitivo, a partir das últimas décadas do século

XX, trouxe consigo o crescimento da prisão’82, apontando assim, uma

das causas políticas do fenômeno da crise penitenciária mundial.

O cientista social Elionaldo Julião, faz acertada síntese da

extensão e do ‘que’ é a atual crise penitenciária no mundo, quando afirma

que:

Seja no Rio de Janeiro, como em Nova York, Paris, Buenos Aires e/ou Cingapura, é fato convir que o interno penitenciário é, em sua grande maioria, o excluído de direitos sociais relevantes. Neste sentido, segunda a teoria fundamentada na ‘’corrente crítica’’[...] parece que o sistema penal foi instituído socialmente com o objetivo de aprisionar as suas mazelas sociais, escamoteando as chagas abertas pela exclusão social e pela ganancia por poder geradas pelas lutas de classes. [...].83

Foucault, expunha a crise do sistema prisional como um aviso

da necessidade de mudanças no setor de organização político­social, a

eminente e inevitável alteração do modo de pensar da sociedade e,

consequentemente, do Estado, no que diz respeito ao conceito de ‘punir’,

das bases do mecanismo punitivo, dos fundamentos da justiça criminal,

em contraponto à aparente evolução do sistema, o qual encontra­se em

situação caótica, mesmo em certos países considerados

desenvolvidos.84

Com esteio nestas ideias, não é surpreendente constatar que

hoje, na grande maioria dos países, enfrenta­se uma realidade complexa

e comum a toda a sociedade: a dificuldade de conjugação de um sistema

criminal eficaz (que aplica suas leis penais) com a garantia dos direitos

individuais dos condenados, situação agravada por um instrumento

81 FOUCAULT, op cit.82 MATTOS, Op cit, p. 16.83 JULIÃO, Elionaldo Fernandes. Sistema Penitenciário Brasileiro: política de execução penal. 1ª ED. – Petrópolis, RJ: De Petrus et Alii; Rio de Janeiro: Faperj, 2012, p. 43.84 FOUCAULT, op cit.

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48prisional com infraestrutura precária e que comporta números elevados

de internos.

Ante tal dilema enfrentado pela justiça criminal, apesar de

todos os meios criados como alternativa para as penas privativas de

liberdade, ainda não foi descoberta opção para aqueles indivíduos que

põem em risco a ordem social e o poder do Estado, e por isso, precisam

ser mantidos presos.

E é por este motivo, a incompleta evolução do mecanismo

punitivo estatal, ‘que a prisão não só subsiste, como maiores se fazem

sua incidência e seu rigor’85.

Este quadro de incontinência dos crimes e do recorrente uso

da pena privativa de liberdade, se traduz em dados, muito bem

observados em relatório expedido em novembro de 2013, pelo

International Centre of Prison Studies, da Universidade de Essex, no

Reino Unido, que aponta uma população carcerária mundial já na marca

de 10.2 milhões de pessoas86.

De acordo com o estudo, o crescimento da população

carcerária mundial é expressivo e supera os índices de crescimento

populacional dos cinco continentes, já que a população carcerária teve

um crescimento estimado entre 25 e 30%, enquanto a população mundial

aumentou 20% nos últimos 15 anos87.

Isso significa, levando em consideração que a população

mundial em 2013 era de 7 bilhões de pessoas (segundo a Organização

das Nações Unidas), que a proporção de pessoas é de 144 detentos para

cada 100 mil habitantes88.

85 MATTOS, op cit, p. 16.86 ICPS­ International Centre of Prison Studies. World Prision Population List – (Lista da População Carcerária Mundial). 10ª Ed. Essex­UK. 2013, p. 01. Acesso em: Junho/2015. Disponível em:< http://www.prisonstudies.org/news/more­102­million­prisoners­world­new­icps­report­shows>87 Idem.88 Idem

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49De forma complementar às informações ora colacionadas, é

interessante reproduzir gráfico elaborado pelo Infopen ­ Sistema Integrado

de Informações Penitenciárias, do Ministério da Justiça, que traz

comparativo entre os dados obtidos dos sistemas prisionais mundiais e o

Brasil, a seguir:

Figura 5 – Dados comparados do sistema carcerário89

Fonte: Infopen, Ministério da Justiça, Brasil, 2014.

Atualmente, a população carcerária mundial é composta por

países que, inclusive, adotaram a apena de morte em seu ordenamento

como método de tentar conter a criminalidade, o que evidentemente, não

deu certo.

Assim, quase metade da população carcerária pertence aos

Estados Unidos, com 2.24 milhões de detentos, seguido da China, com

1.64 presos condenados e 650 mil detentos ainda não condenados, a

Rússia, com 680 mil presos, e finalmente, o Brasil, que ocupa a quarta

posição no ranking mundial com cerca de 548 mil pessoas atrás das

grades.90

Os números confirmam uma realidade muito mais preocupante

do que se pode imaginar, já que a violência avança mais rápido do que os

89 Ministério da Justiça, Infopen –Sistema Prisional Estatística. 2014. Acesso em: Julho/2015. Disponível:<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRIE.htm>90 ICPS­ International Centre of Prison Studies. World Prision Population List – (Lista da População Carcerária Mundial). 10ª Ed. Essex­UK. 2013, p. 03. Acesso em: Junho/2015. Disponível em:< http://www.prisonstudies.org/news/more­102­million­prisoners­world­new­icps­report­shows>

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50índices de dominação do crime, levando ao aumento exagerado da

população carcerária mundial.

Desta forma, cada prisão, na situação de inchaço populacional

em que se encontra, se torna uma ‘panela de pressão’ pronta para

explodir e afetar os direitos básicos a que deveria o Estado assegurar, a

segurança pública, é claro, já que o risco de fugas aumenta, a saúde, pois

as doenças se proliferam nestes ambientes precários, a educação, que é

suprimida, já que os detentos que em maioria, já não têm bom nível de

escolaridade, e dificilmente receberão instrução adequada que lhes

garanta competitividade no mercado de trabalho quando egressos, entre

outras consequências reflexas, igualmente nocivas à sociedade.

Nesta trilha, este capítulo, através das seções seguintes, se

presta a analisar o quadro do sistema prisional no mundo, estudando

alguns de seus aspectos mais relevantes, considerando a região

geográfica, o desenvolvimento socioeconômico dos países, e as

modalidades de política criminal por eles adotadas e seus efeitos sobre o

sistema prisional.

2.1.1 – Europa

Segundo o estudo realizado pela universidade inglesa, o

aumento no número de presos na Europa também é significativo, ainda

mais quando a análise parte das regiões Leste e Sul da Europa, as quais

concentram a maior parte da população carcerária deste continente.

Os países com maior população carcerária são a Rússia,

evidentemente, com seus 681,600 presos, depois a Turquia com cerca de

137.133 detentos, e em terceiro lugar a Inglaterra e País de Gales com

aproximadamente 84,430 presos.91

Fenômeno interessante ocorrido com a França, foi a

exasperação do número de presos em um período em que justamente

foram criadas leis para buscar um maior aproveitamento da finalidade das

91 ICPS – International Centre of Prison Studies,Essex, 2014,op cit, p. 05­06.

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51sanções criminais, através da implantação de dispositivos que previam

penas alternativas ao encarceramento.

Mattos, citando dados colhidos em estudo coordenados pelo

CPS – Centre of Prison Studies, aponta que ‘[...] a população carcerária

dobrou entre 1975 e 1995, embora a população francesa tivesse

aumentado em 10% no mesmo período [...]’.92

De acordo com o professor de Direito Penal da UFPA e

estudioso do sistema prisional, Edmundo Oliveira, o período de maior

crescimento da população carcerária francesa, entre a década de 70 e

meados de 90, foi marcada por reformas na legislação penal. Assim

escreveu:

Em 1975, os substitutivos às penas de prisão começam a ser ampliados. A pena de morte foi abolida em 1981, continuando a prisão perpétua, até hoje, como a pena de maior rigor. Em 1983 foi aprovada a lei que criou o ‘trabalho de interesse geral’, alternativa à prisão implantada com a expectativa de que seria o ‘carro­chefe’ entre as medidas substitutivas à disposição do juiz penal. [...]93

Vale notar que o relaxamento no sistema criminal instigado

pela edição de leis reformadoras, não surtiu efeito imediato na França,

muito provavelmente, pelo fato das medidas alternativas apontadas serem

pouco aproveitadas pelo Judiciário, já que ainda havia preferência pelas

penas privativas de liberdade, o que demonstra a dificuldade de um

diploma legal implantar nova cultura em uma sociedade apegada a

princípios conservadores.

Atualmente, a França possui cerca de 98 presos para cada 100

mil habitantes, o que corresponde a aproximadamente 62.443 detentos,

de acordo com o relatório da universidade inglesa94.

92 MATTOS, op cit, p. 17.93 OLIVEIRA, E. Política Criminal e Alternativas à Prisão. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Forense.1997, p. 61.94 ICPS – International Centre of Prison Studies,Essex, 2014,op cit, p. 05;

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52Cumpre ressaltar que parte das prisões francesas segue um

modelo de privatização caracterizado pela ‘dupla responsabilidade’, em

que o Estado divide com a empresa particular a administração da prisão.

Esclarece o autor Assis a respeito do sistema prisional

implantado na França:

[...] Nesse modelo compete ao Estado a indicação do Diretor­Geral do estabelecimento, a quem competia o relacionamento com o juízo da execução penal e a responsabilidade pela segurança interna e externa da prisão. A empresa privada encarrega­se de promover, no estabelecimento prisional, o trabalho, a educação, o transporte, a alimentação, o lazer, bem como a assistência social, jurídica, espiritual e a saúde física e mental do preso, vindo a receber do Estado uma quantia por preso/dia para a execução desses serviços95.

O atual modelo francês, é fruto de uma política neoliberal

implantada na década de 80, que apesar de não reduzir os índices de

superpopulação carcerária como se espera, vem apresentando bons

resultados, especialmente quando se diz do bom funcionamento e

tratamento dos internos, o que por si só já colabora para a não ocorrência

de outros efeitos indesejados da pena privativa de liberdade, a

reincidência.96

Igualmente, a Rússia, país europeu com a maior população

carcerária, com uma média de 475 presos para cada 100 mil habitantes97

, apresenta um dos mais rígidos sistemas prisionais do mundo,

evidenciando a dificuldade que tem o Estado em promover o combate à

criminalidade e à reincidência, talvez, por conta dos fortes traços da

política soviética, muito rígida, que ainda caracteriza o sistema prisional

deste país, apesar do longo processo de humanização pelo qual passou

ao longo dos últimos anos.

Uma das peculiaridades da justiça criminal russa, é que dentro do

sistema prisional, a execução da pena privativa de liberdade se divide em

fases, de modo que os detentos, para cumprirem a integralidade da pena

95 ASSIS, de D. R. Privatização de prisões e adoção de um modelo de gestão privatizada. 2007. Acesso em: Junho/2015. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3483/Privatizacao­de­prisoes­e­adocao­de­um­modelo­de­gestao­privatizada>

96 Idem.97 ICPS – International Centre of Prison Studies,Essex, 2014,op cit, p. 05.

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53recebida, são transferidos constantemente de estabelecimentos

prisionais, não possuindo um local específico e fixo para sua estada, este

sistema de constantes transferência de estabelecimento prisional do

detento recebe o nome de ‘etapirovane’ (mudança por períodos)98.

Deste modo, as pessoas submetidas à custódia do Estado em

função de acusações de infração às mais diversas leis penais, passam

grande parte do tempo em que deveriam cumprir suas penas, ou em que

aguardam um julgamento, viajando em vagões de trem pelo vasto

território russo, enfrentando condições desumanas de tratamento, além

de ter reduzidos seus direitos, já que em muitas das vezes, o Judiciário

não tem a obrigação de comunicar aos familiares e advogados, o

paradeiro dos presos.

Em entrevista realizada pela revista Reuters, o subdiretor do

Centro pela Reforma de Prisões (CRP) da Rússia, Valeri Sergueyev,

declarou que as condições a que são submetidos os presos pela justiça

criminal russa são aviltantes, demonstrando quão obsoleto é o sistema

prisional deste país, especialmente no contexto europeu, em que estão

localizados a maioria dos países ‘mais desenvolvidos’ do planeta99.

A respeito do sistema de remanejamento dos presos, a

‘etapirovane’, e a semelhança dos estabelecimentos prisionais à

‘purgatórios’, Sergueyev declara:

[...] A viagem de transferência pode durar semanas ou até meses, já que as distâncias na Rússia chegam a milhares de quilômetros, motivo pelo qual os presos realizam paradas e pernoites em prisões preventivas especiais espalhadas por toda a "geografia penitenciária nacional. Eles podem permanecer durante semanas em celas de isolamento em prisões de passagem, onde as acomodações são ainda menores que em uma prisão normal, especialmente no que se refere aos cuidados médicos e à alimentação. No entanto, essas prisões parecem hotéis em comparação com os vagões. Quando estão sendo transferidos nessas câmaras, os presos só podem ir duas vezes por dia ao banheiro, recebem água quente para o chá com conta­gotas e a ventilação é quase inexistente. Devido à falta de espaço, já que podem levar até

98 ORTEGA, I apud KHITROV, S. Russian Reuters. Em sistema prisional obsoleto, vagões russos são purgatório. Revista Exame Online. 2013. Acesso em: Junho/2015. Disponível em:<http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/em­sistema­prisional­obsoleto­vagoes­russos­sao­purgatorio>99 Idem.

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5450 quilos de pertences, os presos viajam sentados e precisam se curvar para dormir. É um sistema incivilizado herdado da rede de gulags (campos de trabalho) da União Soviética. A Suprema Corte ordenou limitar de 16 para 12 o número máximo de presos em um vagão, mas continuam sendo muitos. [...]100

Em sua concepção, as condições de tratamento dispensadas

aos detentos, além de permitir que passem muito pais tempo em trânsito

do que cumprindo efetivamente a pena privativa de liberdade, tolhem

seus direitos individuais e afastam a possibilidade de alcance de bons

resultados na seara da pacificação social, de modo que o sistema russo

não conseguiu ainda, com este modelo, otimizar a experiência do cárcere,

um mal necessário à administração da justiça.101

Sob esta ótica, infere­se que na Rússia, bem como na grande

maioria das sociedades modernas, infelizmente, ‘nem o governo nem a

sociedade acreditam na retificação e na reinserção social dos presos’102.

Assim declara o ativista pela reforma prisional da Rússia:

[...] A maioria considera que uma vez preso, acabou. Nas prisões as pessoas não melhoram. O sistema quase militar instaurado nas penitenciárias russas prima pela disciplina e extermina o indivíduo.103

Em vista da situação exposta pela reportagem, é possível

constatar que a crise do sistema prisional, com todas as suas mazelas, a

superpopulação, a restrição aos direitos humanos dos detentos e a

deficiência em sua recuperação social, não são ‘privilégios’ de países

menos desenvolvidos ou menos ricos, como o Brasil, por exemplo.

Enquanto certos países, como a França, mantêm uma política

carcerária que apresenta resultados medianos no que se refere à

contenção da criminalidade, mantendo níveis controlados de crescimento

da população carcerária, outros países europeus como a Rússia, apesar

de todo o avanço econômico e político, ainda enfrentam dificuldades na

administração da execução penal, fazendo surgir a ideia de que muitos

100 ORTEGA, I., 2013, Op cit.101 Idem.102 Idem.103 Idem.

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55problemas verificados neste âmbito, poderiam ser superados se

houvesse iniciativa em promover políticas criminais voltadas a alternativas

para a privação da liberdade.

Contudo, a atual realidade dos sistemas prisionais europeus

não pode ser retratada apenas por Estados com resultados numéricos

medianos ou em processo de desenvolvimento das políticas criminais, já

que existem países que mostram resultados excepcionais quando se fala

em administração da execução penal e condução dos estabelecimentos

prisionais.

Exemplo disto são os países nórdicos, entre os quais verifica­

se como indicadores do bom funcionamento do sistema prisional e das

medidas de combate ao crime, as menores taxas de população carcerária

do mundo.

Em avaliação dos dados divulgados pela lista de população

carcerária no mundo, feita pelo Instituto de Estudos Prisionais da

Universidade de Essex, em contraponto à tendência mundial, os países

com menor número de detentos são justamente aqueles localizados no

Norte da Europa, e que inclusive figuram como os dez maiores Índices de

Desenvolvimento Humano­IDH do mundo104.

Assim, verifica­se que o líder no ranking com menor população

carcerária é a Islândia, que conta com apenas 152 detentos, o que

equivale à uma média de 47 presos para cada 100 mil habitantes, seguida

pela Eslovênia, que possui cerca de 1.357 presos, e depois a Finlândia

que conta com 3.134 presos, e a Estônia com aproximadamente 3.186

detentos, conforme último recenseamento feito no ano de 2013105.

Além destes citados, outro destaque se dá aos sistemas dos

países escandinavos (Noruega, Suécia e Dinamarca), os quais o sistema

104 BORGES, B.; CALGARO, F. Brasil fica em 79º no ranking mundial de IDH; veja resultado de todos os países. 2014. Acesso: Junho /2015. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/infograficos/2014/07/22/brasil­fica­em­79­no­ranking­mundial­de­idh­veja­resultado­de­todos­os­paises.htm>

105 ICPS – International Centre of Prison Studies,Essex, 2014,op cit, p. 05.

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56prisional é considerado referência no mundo, especialmente pelos altos

índices de reabilitação dos egressos e pela qualidade das instituições

prisionais.

Não raro, constantemente são divulgadas na mídia reportagens

que retratam as eficientes políticas criminais, e até mesmo a curiosa

situação, principalmente para países como o nosso, em que presídios são

fechados por simplesmente faltar detentos para ocupá­los, como ocorreu

com a Suécia, que em 2013 fechou 4 estabelecimentos prisionais, de

acordo com o jornal inglês The Guardian.106

No entendimento de especialistas, os países escandinavos

ocupam destaque pelo fato de seus sistemas prisionais serem fundados

em princípios diferentes dos restantes ao redor do mundo, especialmente

no que se refere à função por eles atribuída à pena privativa de liberdade,

sem falar no amplo acesso que sua população tem à direitos básicos, os

quais são fornecidos com serviços públicos de qualidade em sede de

educação, saúde, lazer.

A título de exemplo, cumpre citar a Noruega, que além de

ocupar o primeiro lugar entre os países com IDH muito alto em todo o

mundo, possui as melhores prisões do planeta, chegando a ser

consideradas por tabloides, como ‘spa’s’, devido às condições oferecidas

aos detentos.

Contudo o excelente sistema prisional norueguês vai além da

ótima estrutura física de suas prisões, está arraigado em princípios penais

sólidos, cujo pilar central da execução de penas privativas de liberdade é

a recuperação do delinquente. Neste sentido:

[...] Fundamentalmente, acreditamos que a reabilitação do prisioneiro deve começar no dia em que ele chega à prisão", explicou a ministra júnior da Justiça da Noruega, Kristin Bergersen, à BBC. "A reabilitação do preso é do maior interesse público, em termos de segurança", disse. O sistema de execução penal da Noruega exclui a ideia de vingança, que

106 BOCCHINI, L. Suécia fecha 4 prisões e prova: a questão é social. Carta Capital. 2013. Acesso Em: Junho/2015. Disponível em:< http://www.cartacapital.com.br/sociedade/suecia­fecha­4­prisoes­e­prova­mais­uma­vez­a­questao­e­social­334.html>

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57não funciona, e se foca na reabilitação do criminoso, que é estimulado a fazer sua parte através de um sistema progressivo de benefícios — ou privilégios — dentro das instituições penais. O país tem prisões comuns, sem o mau cheiro das prisões americanas, dizem os jornais, e duas “instituições” que seriam lugares para se passar férias, não fosse pela privação da liberdade: a prisão de Halden e a prisão de Bostoy, em uma ilha.107

O sistema prisional norueguês vem apresentando bons

resultados, que confirmam seus objetivos de recuperação do detento, já

que pesquisas apontam para um índice de 80% de egressos efetivamente

ressocializados, e um nível de reincidência de apenas 16%, sendo os

crimes praticados pelos reincidentes, todos, de menor periculosidade do

que os cometidos pela primeira vez.108

O estudo aponta para a existência de duas prisões­modelo na

Noruega, a de Halden e a prisão da ilha de Batoy, sendo esta última

apelidada de ‘ilha paradisíaca’109 devido à sua organização e às

atividades desenvolvidas com os detentos durante o cumprimento da

pena.

Cumpre destacar que a alta capacidade restaurativa das

prisões norueguesas, se deve, principalmente à sua estrutura física de

primeiro mundo, além dos princípios humanísticos encravados na justiça

criminal do país. Assim afirma Melo em seu artigo científico:

Os detentos dessas prisões estão negociando seu reingresso na sociedade, não o regresso para prisões comuns. [...] os detentos vivem, em pequenos grupos, em espécies de chalés espalhados pela ilha [...]O lugar tem uma grande biblioteca, escola, sala de música, sala de cinema, sala de ginástica, capela, loja, enfermaria, dentista, oficinas para conserto de bicicletas (o meio de transporte dos presos pela ilha) e de outros equipamentos, carpintaria, serviços hidráulicos, estábulo (onde os prisioneiros cuidam dos animais), campo de futebol, quadra de tênis e sauna. Trabalham no estábulo, na oficina, na floresta e nas instalações do prédio principal, praticam esportes, fazem cursos, pescam, nadam na praia exclusiva da "prisão" e tomam banho de sol no verão — para o inverno, há uma máquina de bronzear. [...]A comida é preparada e servida pelos detentos e todos se sentam às mesas em companhia dos guardas, funcionários administrativos e do governador da

107 MELO, J. O. de. Noruega consegue reabilitar 80% de seus criminosos. Revista Consultor Jurídico. 2012. Acesso em: Junho/2015. Disponível em:< http://www.conjur.com.br/2012­jun­27/noruega­reabilitar­80­criminosos­prisoes>108 Idem.109 Idem.

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58prisão. [...] Todas as manhãs, os detentos se levantam, tomam um café da manhã "reforçado", preparam um lanche para levar para o trabalho, que começa pontualmente às 8h30. Trabalham até as 14h30 (por cerca de R$ 21 por dia), almoçam a partir das 14h45 e, depois disso, estão "livres" para praticar outras atividades, até às 23h, quando devem se recolher a seus aposentos. Com o trabalho dos detentos, a prisão é autossustentável e tão ecológica quanto possível, diz o governador da prisão de Bastoy, Arne Kvernvik­Nilsen. Os detentos fazem reciclagem, usam energia solar e, a não ser pelos tratores, seus meios de transporte para trabalho, diversão e tudo mais são apenas cavalos e bicicletas. Bastoy é a prisão mais barata da Noruega. [...]110

É admissível concluir que a rotina estabelecida na prisão/ilha

de Batoy é desenvolvida e criada para reintegrar o detento na rotina e

estilo de vida de um cidadão comum da Noruega, unindo métodos

terapêuticos com os educacionais, todos voltados à emenda do indivíduo.

De modo semelhante, a prisão de Halden, outro modelo de

prisão para o mundo, é considerada pelos próprios noruegueses uma das

‘prisões mais humanas do mundo’, tendo incorporada em sua filosofia o

princípio do respeito para com o detento, de modo que seus

administradores entendem que a reabilitação do detento se faz possível, a

partir do momento que este sente­se respeitado e por conseguinte,

desenvolve a capacidade de respeitar o restante da sociedade e suas

regras de convívio, passando então, a não mais cometer crimes.111

Resta evidente com isso, que um sistema prisional, também é

reflexo da mentalidade de todo um corpo social, de modo que o conceito

de pena contido em determinada organização social e seu ordenamento

jurídico, quanto mais evoluído no sentido de resguardar valores humanos,

contribui diretamente para a evolução e consequente saneamento dos

déficits do sistema prisional.

Por esse prisma, Melo expõe em sua obra, a respeito da

organização jurídica criminal da Noruega e seu sistema prisional:

A prisão de Halden foi projetada para incorporar a ideia que os noruegueses têm de execução penal [...]A pena é a privação da liberdade. Não é o tratamento cruel, que só torna qualquer

110 MELO,J.O., 2012, Op cit.111 Idem.

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59pessoa em criminoso mais endurecido, diz o governador de Halden. O objetivo é a reabilitação, não a vingança. Mas, os esforços de reabilitação não são exclusivos do sistema. Os detentos são obrigados a mostrar progressos nos treinamentos de qualificação profissional e de reabilitação, para ter direito a desfrutar das "prisões mais humanas do mundo". Se, ao contrário, quebrarem as regras ou se recusarem a fazer sua parte nos esforços de reabilitação, podem regredir para prisões tradicionais. [...]112

De maneira complementar às ideias apresentadas por Melo,

em relação ao sistema prisional europeu e a evidente necessidade

constatada pelos Estados em promover alternativas à pena de prisão, e

assim, melhorar o mecanismo punitivo, o jurista Edmundo Oliveira,

esclarece:

A busca de alternativas às penas curtas de privação de liberdade não é preocupação recente. [...] A clássica suspensão de execução da pena sob condição de boa conduta foi aplicada em vários países da Europa a partir do século XV, não obstante o instituto da suspensão condicional da prisão, como sistema de prova, tenha­se projetado a partir dos exemplos da Bélgica em 1888 e da França em 1891. [...]113

Com esteio nestas ideais, percebe­se que provavelmente o

ponto chave para desvendar a fórmula de sucesso dos sistemas

prisionais dos países escandinavos, é a construção de um sistema

criminal com base em princípios que valorizem mais os seres humanos,

os destinatários das leis, ao invés do cego cumprimento dos diplomas

legais para fins de cumprir metas e atingir estatísticas de encarceramento,

já que prisão por si só, já constatou­se não mais ser suficiente para

recuperar aqueles que cometem crimes.

2.1.2 – América do Norte: EUA e Canadá

Depreende­se da análise dos dados apresentados pelo

relatório inglês, que a população carcerária dos Estados Unidos

igualmente ao movimento ocorrido na Europa, cresceu vertiginosamente

nas últimas décadas, fazendo contraponto à visão tida de que seu

sistema prisional é um dos mais seguros e eficazes na tarefa de conter

112 MELO,J.O., 2012, Op cit.113 OLIVEIRA, E. op cit, p. 33.

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60dentro de seus muros os detentos, sendo referência quando se trata de

prisões de segurança máxima.

Em análise promovida pela obra de Mattos, nota­se que o

número de pessoas cumprindo penas privativas de liberdade nos EUA

quadruplicou entre os anos de 1980 e 2007.

Atualmente, o país norte americano conta com uma estimativa

de 2.239.751 presos, levando­o à segunda posição no ranking dos países

com maior população carcerária do planeta, correspondendo à 716

presos para cada 100 mil habitantes. 114

Outra consideração relevante apontada pelo autor é que,

quando os dados são analisados partindo­se da estratificação social e

divisão racial, verifica­se que a proporção se elevava em grupos

compostos por homens afro­americanos, sendo esta de 1 preso para

cada 21 indivíduos, enquanto que para homens brancos, a proporção era

de 1 para 138.115

Nesta vertente, é possível extrair do quadro representado pelas

estatísticas, que o bom funcionamento e a eficácia social de um sistema

prisional não está relacionada à riqueza produzida por um Estado ou

nação, já que os EUA possuem o 5º maior IDH mundial, pelo contrário,

são relevantes para efeitos de redução da violência e reabilitação dos

condenados o sistema desenvolvido pelo Estado para aplacar as

desigualdades sócias e a concentração de recursos em setores seletos

da sociedade.

O autor ainda considera, a respeito das mudanças que

precedem a melhoria da crise do sistema prisional e a redução do número

de detentos, o seguinte:

É preciso encontrar os meios para fazer cessar a desigualdade e a exclusão. Assegurara que todas as pessoas tenham comida, casa, educação, trabalho, cultura, lazer, bem­estar.

114 ICPS – International Centre of Prison Studies,Essex, 2014,op cit, p. 03.115 MATTOS, Virgílio, op cit, p. 17.

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61Assegurara que todas as pessoas tenham a oportunidade de buscar a felicidade. Não porque isso eventualmente possa trazer mais segurança; mas sim porque esses são direitos fundamentais que devem ser garantidos a todos os indivíduos. É preciso [...] compreender que não apenas os bens e as riquezas devem ser compartilhados e divididos de forma mais equitativa. ´e preciso aprender a compartilhar também os desconfortos e desvios gerados no interior da sociedade [...] para tentar [...] superá­los, não com a exclusão, a intolerância ou a marginalização daqueles que se comportam de maneira ofensiva ou desagradável, mas sim com a inclusão, a integração, tolerância, a compaixão e o perdão.116

Nesta vertente, é possível afirmar que a percepção pela

sociedade e consequentemente, pelo Estado, da necessidade de

implantação em seu ordenamento jurídico de tais princípios, faz surtir o

efeito tão buscado por aqueles que acreditam na pena privativa de

liberdade como eixo central do mecanismo punitivo que integra a

organização de seu estado democrático.

Esta conclusão remete ao sucesso apresentado pelo sistema

prisional europeu, especialmente os da Suécia e Noruega, que ao

incorporar politicas criminais mais humanizadas, conjugando o direito

penal com práticas de reabilitação social, conseguiram reduzir

drasticamente o número de internos no sistema, bem como aumentar

consideravelmente os níveis de reabilitação dos egressos, refletindo na

baixa ocorrência de reincidência.

No entanto, percebe­se como característica do sistema prisional

dos Estados Unidos que apesar de todo um aparato altamente

desenvolvido para garantir que o Estado mantenha absoluto controle

sobre aqueles que estão em sua custódia, inclusive sobre sua própria

vida, já que 37 estados adotam a pena de morte117, seus resultados são

pouco satisfatórios, principalmente quando se trata de uma das maiores

potências mundiais.

Em análise convergente, Melo explica que a raiz da crise norte

americana está na forma como foi constituído seu sistema, assim explica:

116 MATTOS,Virgílio, op cit, p. 25.117 OLIVEIRA, E., op cit, p. 141.

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62A diferença entre os países está nas teorias que sustentam seus sistemas de execução penal. Segundo o projeto de reforma do sistema penal e prisional americano, descritos na Wikipédia, eles se baseiam em três teorias: 1) Teoria da "retribuição, vingança e retaliação", baseada na filosofia do "olho por olho, dente por dente"; assim, a justiça para um crime de morte é a pena de morte, em sua expressão mais forte; 2) Teoria da dissuasão (deterrence) que é uma retaliação contra o criminoso e uma ameaça a outros, tentados a cometer o mesmo crime; em outras palavras, é uma punição exemplar; por exemplo, uma pessoa pode ser condenada à prisão perpétua por passar segredos a outros países ou a pagar indenização de US$ 675 mil dólares a indústria fonográfica, como aconteceu com um estudante de Boston, por fazer o download e compartilhar 30 músicas – US$ 22.500 por música; 3) Teoria da reabilitação, reforma e correição, em que a ideia é reformar deficiências do indivíduo (não o sistema) para que ele retorne à sociedade como um membro produtivo. 118

Levando em consideração a fala do autor, percebe­se os

países escandinavos, ao estruturar seu sistema penitenciário moderno,

não adotaram o sistema penitenciário de isolamento celular tal como o da

Pensilvânia ou de Auburn, nos EUA, eles adotaram organização mais

aberta e filiada à terceira teoria, em que a reabilitação não é

consequência acessória da pena privativa de liberdade, mas uma

obrigação recíproca do sistema prisional e do, este não tem opção, ou

reintegra­se à sociedade ou continua cumprindo a pena em

estabelecimentos mais rígidos, é claro.

Já o sistema dos EUA, apega­se mais às duas primeiras

teorias, provavelmente pela própria natureza de ostentação de força e

superioridade que possui seu Estado democrático, as quais, em primeira

instância, até apresentam eficientes efeitos sobre a violência, porém não

servem para acumular conquistas duradouras quando se trata de

resultados sociológicos.

Neste sentido, um estudo feito sobre as prisões dos EUA,

evidencia a diferença de tratamento entre o sistema norte­americano e a

organização das prisões modelo da Europa, sendo a rotina dentro dos

presídios da América, muito mais entediante e menos concessiva,

vejamos:

118 MELO, J.O., op cit.

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63Quando os novos presos chegam à prisão, eles geralmente são despidos, banhados e inspecionados de maneira rigorosa para garantir que não estão contrabandeando nada. Suas posses são catalogadas e colocadas em caixas. Não é permitido que os presos tragam muitas coisas de fora. Normalmente, só são permitidos óculos, alguns livros e documentos. As prisões estaduais podem ser mais tolerantes do que as federais nesse ponto [...] Os presos são mantidos nesse local por pelo menos 30 dias, enquanto os oficiais da prisão preparam suas fichas, encontram lugar no presídio e designam trabalhos para eles. A grande maioria dos trabalhos domésticos na prisão, como lavagem de roupas, manutenção, limpeza, cozinhar e cuidar do jardim, é feita pelos presidiários por apenas 10 centavos a hora. [...]. Uma cela típica tem cerca de 2,5 m por 1,8 m, com uma cama de metal (presa na parede ou com pés de metal), uma pia e um vaso sanitário. Também pode haver uma janela com vista para fora da prisão. A superlotação das prisões faz que muitas delas sejam obrigadas a manter dois presidiários em cada cela. Nesse caso, uma outra cama de metal é colocada. Em casos mais graves, três presos são colocados em uma cela.119

Igualmente, se por um lado cresce o número de detentos,

também é aumentado o número de pessoas que cumprem alguma pena

alternativa, as ‘probations paroles’, ‘’que em 31 de dezembro de 2006,

eram 5.035.225 pessoas, mantendo­se maios ou menos a proporção de

mais de duas pessoas submetidas ao controle extramuros para cada

preso’.120

Conforme dados do Bureau of Justice Statistics, US

Department of Justice dos EUA, ao final do mesmo ano, ‘dezenove

estados e o sistema federal operavam acima de sua capacidade’’, cerca

de 36% a mais.121

Tal realidade, assim como ocorre no Brasil, viola direitos

humanos daqueles que estão presos, ferindo também a Constituição dos

EUA e Tratados Internacionais de Direitos Humanos por ele assinados, de

modo que há precedentes nas Cortes para que o Estado tome medidas e

apresente, em prazo estabelecido pelos magistrados, a redução do

número de detentos nestas regiões.122

119 GRABIANOWSKI, E. Como funcionam os presídios nos Estados Unidos. How Stuff Works Brasil. 2014. Acesso em: Junho/2015. Disponível em:< http://pessoas.hsw.uol.com.br/presidios.htm>120 MATTOS, Virgílio. op cit, p. 18.121 Idem, p. 20.122 MATTOS, Virgílio, op cit, p. 22.

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64Sobre as referidas determinações das Cortes para esvaziar

as penitenciárias superlotadas, Oliveira explica:

Como nos Estados Unidos os Tribunais estão estabelecendo ordens fixando o limite da população carcerária em cada Estado, criam­se problemas para os juízes que, vez por outra, querem mandar alguém para a prisão além de problemas para o Poder Legislativo, que se vê limitado a votar leis envolvendo emprisionamento, sem que o próprio Governo disponha de recursos financeiros específicos para criar novas bases estruturais, com o objetivo de acomodar as estratégias legislativas.123

Além do entrave apontado pelo autor, outra crítica que se faz

ao sistema prisional dos Estados Unidos, além da condição alarmante de

superlotação, são os altos custos de manutenção de uma penitenciária

naquele país, o que levam a sociedade buscar em conjunto com o

governo, alternativas ao encarceramento, solução esta apontada como

tendência em sede de política criminal ao redor do mundo.

Segundo o jurista, ‘ [...] o público quer mais proteção contra o

crime e gastar menos com as prisões, por isso [...] estão buscando [...]

alternativas, que não sejam tão brandas como um presente ao infrator,

nem tão dispendiosas e sem proveito como as prisões. ’’124

Complementarmente, Mattos esclarece sobre a crise do

sistema prisional norte­americano, que diante da dificuldade do Estado

em manter a ordem e segurança sociais, sem abrir mão do cárcere como

sanção, se faz urgente a adoção de alternativas, como a ‘transferência

dos presos excedentes para o regime de prisão domiciliar ou de

livramento condicional, seguindo­se critérios fundados na gravidade do

crime [...] ou no tempo restante da pena.’’125

Ainda sobre os sistemas prisionais da América do Norte,

cumpre tecer algumas considerações sobre o Canadá, país que

apresenta uma média baixa se comparado com seu vizinho do Sul (EUA),

pois conta com uma proporção de 118 presos para cada 100 mil

habitantes, segundo o levantamento do ICPS.126

123 OLIVEIRA,E., op cit, p. 142.124 Idem.125 MATTOS, Virgílio, op cit, p. 22.

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65

A diferença entre os dois países reside também no modelo de

prisão implantado no Canadá, já que o Estado, desde o ano de 1830, já

se preocupava com a adoção de políticas criminais que visassem "uma

disciplina rigorosa, mas humana e da reforma e reabilitação dos presos",

que contribuiu significativamente para a ocorrência dos baixos índices de

pessoas encarceradas.127

2.1.3 – A América Latina

A respeito dos sistemas prisionais da América Latina, cumpre

dizer que sua realidade é bem diferente dos países europeus e norte­

americanos, em que pese a maioria das nações latino­americanas não

ocuparem os primeiros lugares do ranking da superlotação, com exceção

do Brasil, que ocupa a quarta posição entre as maiores populações

carcerárias do mundo.

Na verdade, o ponto de colapso dos sistemas prisionais da

América Latina consiste, além das condições de superlotação, na

deficiência que estes sistemas têm em conservar sua infraestrutura e

garantir que os detentos sejam alojados nas condições previstas em suas

próprias leis de execução penal e conforme os Tratados internacionais de

direitos humanos que assinaram, já que se identifica graves violações aos

direitos e garantias individuais dentro destes sistemas.

A análise dos dados emitidos pelo relatório inglês, permite

comprovar, sem dúvidas, que uma das chagas destes sistemas é a

superlotação das prisões, deste modo, além do Brasil, verifica­se na

América Central, o México, com uma população carcerária de 246.226

detentos, seguido da Colômbia, na América do Sul, com estimativa de

118.201 presos, e em terceiro lugar, Cuba no Caribe, com 57.337

pessoas cumprindo penas privativas de liberdade128.

126 ICPS – International Centre of Prison Studies, Essex, 2014,op cit, p. 03.

127 UBC ­ University of British Columbia. General Information on Canadian Prisons. 2012. Acesso em: Junho/2015. Disponível em: < http://www.csc­scc.gc.ca/text/organi/org05­1­eng.shtml>

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Esta realidade alarmante, é tema de análise não só das

autoridades nacionais, mas de entidades que defendem os direitos

humanos e estudam a direito penal no mundo todo, chamando atenção,

inclusive, da mídia mundial, de modo que, em 2012 a revista inglesa, The

Economist, realizou uma reportagem sobre as condições degradantes das

prisões da América Latina, a qual serve de instrumento de análise, pois

apresenta a opinião de quem está fora do sistema e olha o problema de

forma menos afetada.

De acordo com a matéria, a supressão de direitos e garantias

dos detentos, juntamente com condições desumanas de alojamento e a

superlotação dos presídios, são condições que ‘estão mais perto da regra

do que da exceção nas prisões da América Latina [...] a região mantém

encarcerada uma percentagem maior de sua população, perdendo

apenas para os Estados Unidos’129.

Sobre a situação verificada pela reportagem inglesa, Melo

relata:

Poucas prisões na América Latina cumprem as funções básicas de punir e reabilitar criminosos. Os presos são frequentemente sujeitos a tratamento brutal, em condições de superlotação e sordidez extraordinária. E muitas prisões são controladas por gangues de criminosos [...]130

Em análise convergente, disse o relator especial das Nações

Unidas contra a Tortura, o argentino Juan Ernesto Méndez, ‘que não há

nenhum país da América Latina que tenha um 'sistema carcerário

humano'131.

128 ICPS – International Centre of Prison Studies, Essex, 2014,op cit, p. 02.129 MELO, J.O. op cit, p. 01.130 Idem.131 SIERRA, O. ONU: nenhum sistema carcerário da América Latina é humano. Revista Exame Online. 2012. Acesso em: Junho/2015. Disponível em:< http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/onu­nenhum­sistema­carcerario­da­america­latina­e­humano>

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67Os especialistas apontam como possível causa sócio­política

da degradação dos sistemas prisionais, os sistemas punitivos implantados

pelos governos ditatoriais das décadas de 1960 a 1980.

Nas palavras do representante da ONU­ Organização das

Nações Unidas, além da herança ditatorial, falta interesse político dos

atuais Estados democráticos em resolver a crise:

Em parte, os governos latino­americanos não querem torturar os réus, mas dão muito pouca prioridade às reformas da Justiça Criminal e à reforma carcerária, e a superpopulação é uma mostra da falta de prioridade e investimento [...] nenhum país na América do Sul estabeleceu um Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura132

Complementarmente às ideias apresentadas, constata­se

outros problemas na organização da Justiça Criminal destes países, que

contribuem para o aumento da crise do sistema prisional, como bem

demonstra Edmundo Oliveira, que em sua obra, ao criticar o

procedimento adotado pela Costa Rica:

[...] na Costa Rica, o juiz que fixa a pena não tem controle sobre a condenação, visto que esse controle é realizado pelo Poder Executivo e pelo juiz de execução da pena. Cabe então, ao juiz da causa instruir o processo, julgar e condenar, sem se preocupar com o que vem depois. [...]133

Os casos relatados de violação aos direitos humanos nestes

sistemas são vários, sendo que em maioria, as más condições das

penitenciárias, remontam a era medieval do sistema punitivo, devolvendo

às penas privativas de liberdade a característica dos suplícios, fazendo

com que seu cumprimento se torne uma ‘jornada ao inferno’ 134, como

disse a revista inglesa, The Economist.

Cumpre transcrever as constatações realizadas pelas

Comissões de Fiscalização dos Conselhos de Direitos Humanos

divulgadas pela reportagem, que ilustram a falta de controle estatal sobre

as instituições prisionais, que se alastra pelo continente, assim descritas:

132 Idem.133 OLIVEIRA,E., op cit, p. 121­122134MELO,J.O., op cit, p.01.

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68[...]a reportagem aponta um surto de massacres em prisões e incêndios provocados deliberadamente [...]Em Honduras, um incêndio matou mais de 350 detentos, em uma cadeia no centro de Comayagua, em fevereiro. No mesmo mês, no México, três dúzias de membros da Zetas, uma gangue de traficantes, matou 44 presos em uma cadeia de Apodaca, próxima a Monterrey, antes de escaparem. Em julho, pelo menos 26 prisioneiros morreram em uma guerra de gangues na prisão de Yare, na Venezuela [...]. Um fogo, que começou durante uma briga de prisioneiros na prisão de San Miguel, em Santiago, no Chile, em dezembro de 2010, terminou com 81 prisioneiros mortos e 15 feridos. Todas as vítimas serviam sentenças inferiores a cinco anos, por crimes como pirataria de DVD e roubos. Na Venezuela, 400 presos são mortos por ano, em média. [...] A principal razão de tantas mortes [...]. Muitas mortes resultam de guerras entre gangues rivais, por causa do negócio lucrativo da extorsão de dinheiro de detentos, tráfego de drogas e contrabando de armas para dentro das prisões. [...]135

Sob esta ótica, críticos apresentam como causas para a

situação caótica das prisões latino­americanas, especialmente para

superpopulação, a falta de recursos financeiros destinados pelos Estados

para a manutenção e melhoria do aparato prisional, que carece de

infraestrutura básica para manter as condições humanas determinadas

pelos órgãos de fiscalização internacionais, como a ONU, por

exemplo.136

Além da falta de recursos para aplicação e melhoria dos

sistemas, ainda são apontadas como determinantes para a crise, as

políticas criminais adotadas pelas Justiças da América Latina, em que

muitas das vezes, são aplicadas penas privativas de liberdade a crimes

não violentos, como furtos de itens de baixo valor, tráfico e uso de drogas.

Igualmente, a falta de atuação do Estado nestes países, em

criar políticas e mecanismos que preservem a segurança pública, faz

surgir o sentimento generalizado na população de que o encarceramento

é a solução mais adequada para retirar do convívio aqueles que oferecem

risco à seu patrimônio, ainda mais em países em que a distribuição de

renda é desigual e os bens são adquiridos por pequeno grupo detentor da

renda.

135 MELO, J.O., op cit, p.01.136 Idem, p. 04.

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69Desta forma, o encarceramento como meio de política

criminal, evidentemente falho, se mostra medida rápida e de efeitos

instantâneos, porém pouco duradouros, nestes governos. Mattos

apresenta análise dos efeitos deste imediatismo em sua obra, vejamos:

Penas privativas de liberdade executadas de tal forma revelam um abuso do poder punitivo do Estado [...]. Aplaudindo e sentindo­nos mais seguros, diante dos muros e grades [...] isolando, estigmatizando e ainda submetendo aqueles que seleciona ao inútil e desumano sofrimento da prisão, o sistema penal faz com que esses indivíduos selecionados para cumprir o papel de criminosos’ se tornem mais desadaptados ao convívio social e, consequentemente, mais aptos a praticar agressões e outras condutas socialmente negativas e indesejáveis [...].137

Diante da análise feita pelo autor, é possível concluir que a

baixa capacidade dos sistemas prisionais da América Latina em reabilitar

seus internos e ressocializá­los, como bem observou o representante da

ONU, se deve, de maneira proporcional, à forma como está estruturada

fisicamente e também ideologicamente a prisão nestes países,

evidenciando a necessidade de evolução de seu mecanismo punitivo, de

modo que se busque a aplicação da pena privativa de liberdade como

meio, não de retribuição pura e simples do mal cometido, mas como

forma de emenda da índole do delinquente, resguardando sua identidade

humana, ao garantir­lhe os direitos e garantias fundamentais dentro do

sistema.

Neste diapasão, é consenso entre os estudiosos, que é

necessário ‘buscar novos procedimentos para punir de modo coerente o

infrator’138, procurando evitar o encarceramento massivo e quase que

automático implantado atualmente na política criminal destes países,

assim como na maior parte do mundo.

Contudo, há de se considerar que os sistemas prisionais da

América Latina não são de um todo perdidos, já que há indícios de

mudanças no continente, a exemplo de países como a República

137 MATTOS, Virgílio, op cit, p. 22­23138 OLIVEIRA, E., op cit, p. 122.

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70Dominicana, que no ano de 2003 iniciou sua reforma prisional, a qual

serviu de exemplo para os países vizinhos.139

Melo destaca em sua obra, os principais pontos da reforma

dominicana, assim descritos:

[...]quase a metade de suas 35 cadeias agora são operadas sob novas regras. Uma delas é recrutar pessoal civil, que não tem qualquer ligação com a polícia ou com os militares, para operar as prisões. Os civis recrutados passam por um treinamento de um ano em uma faculdade que funciona em uma vila extravagante, [...] ganham até US$ 1,5 mil por mês e os carcereiros cerca de US$ 400 – três ou quatro vezes os salários anteriores [...]. As prisões devem ser transformadas em escola para proporcionar uma formação educacional aos presos [...]Roberto Santana, ex­reitor de universidade, que era diretor do novo sistema prisional [...] decretou a obrigatoriedade de os prisioneiros aprenderem a ler, sob pena de perder seus privilégios, como visitas conjugais e telefonemas [...], impediu que as prisões ficassem superlotadas ao se recusar, polemicamente, a aceitar novos presos quando não havia espaço para eles [...]isso dissuadiu os juízes e promotores a mandar pessoas para a cadeia, sem uma boa razão. As autoridades prisionais fazem um grande esforço para manter os detentos em contato com suas famílias [...]. O custo de cada prisioneiro, por dia, aumentou para US$ 12, praticamente o dobro do anterior [...]. mas Roberto Santana insiste que é "um investimento que retorna grandes economias para a sociedade". Dentro do novo sistema, a taxa de reincidência, em três anos, caiu para 3%. No sistema anterior, essa taxa era de 50%. A República Dominicana se tornou um modelo para outros países. [...]140

Com esteio nas informações apresentadas no estudo do autor,

a respeito da crise dos sistemas prisionais da América Latina, conclui­se

que a saída para os Estados que se veem em situação caótica é a

construção de nova lógica punitiva, adotando políticas criminais,

principalmente, baseadas em alternativas à prisão, bem como, destinado

parte de sua receita para a melhoria das prisões, pois não há como

garantir o fim humanístico e reformador da pena de prisão dentro de um

sistema degradante e desumano.

139 MELO, op cit, p. 05.140 ICPS­International Centre of Prison Studies, Essex,2014,op cit, p. 05­06.

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2.1.4 – Ásia, África e Oceania

Seguindo na análise dos sistemas prisionais no direito

comparado, é possível constatar que nestes continentes também existe

crise, porém em níveis diferentes.

Assim, na Ásia verificamos que a China detém uma das

maiores populações carcerárias mundiais, com cerca de 1.64 milhões de

detentos141, mesmo com um ordenamento penal em que está implantada

a pena de morte, apesar da pouca disseminação de informações a

respeito da organização de seu sistema prisional, devido ao governo

comunista, que detém o controle da imprensa.

Igualmente, os três países com maior população carcerária do

continente asiático, além da China é claro, são a Índia, naturalmente por

ser um dos países mais populosos do mundo, com cerca de 385.135

detentos, seguida da Tailândia, que conta com 279.854 presos, e em

terceiro lugar o Irã, teocracia islâmica que atingiu o número de 217 mil

presos, de acordo com o levantamento inglês.142

Vale mencionar, país que merece destaque no continente

asiático, é o Japão, que desde o século XIX demonstra preocupação pela

busca de alternativas ao encarceramento.143

Na concepção de Edmundo Oliveira, que direcionou sua

pesquisa acadêmica ao estúdio de medidas alternativas à prisão privativa

de liberdade, o sistema adotado pelo Japão implantou método de

reabilitação dos condenados através do trabalho direcionado à sua

reinserção no mercado, de forma que não cometam mais crimes quando

egressos.

141 Idem, p. 04.142 ICPS­International Centre of Prison Studies, Essex,2014,op cit, p. 04143 OLIVEIRA, op cit, p. 97.

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72O autor esclarece sobre a política criminal reformadora do

Japão que contribuiu para a redução da população das prisões:

[...] vamos dar especial atenção ao emprego da probation [...] vem se constituindo na principal estratégia de alternativa á prisão no Japão, nos últimos 40 anos. A supervisão inclui as funções de controlar a atividade dos condenados, para que não voltem a delinquir, assim, como dar a eles a devida assistência com vista à reintegração social. Muitas pessoas, apoiadas por entidades comunitárias, atuam como oficiais voluntários da probation, enquanto os centros oficiais de reabilitação se ocupam com o comando da supervisão dos infratores submetidos a esse regime. Esse conjunto de atuação é que tem garantido sucesso da probation supervisionada pela própria comunidade.144

Em conclusão comparativa, diante da reforma prisional pela

qual passou o Japão nas últimas décadas conjugada com os dados

levantados pelas entidades internacionais, não é surpreendente constatar,

que em um continente de tamanha abrangência como a Ásia, dotado de

números assustadoramente elevados como os da China, os índices de

população carcerária baixos que apresenta o país, com uma média de 51

presos para cada 100 mil habitantes145, índice que se aproxima dos

padrões de sucesso europeus.

Por conseguinte, a África apresenta dados tão preocupantes

quanto os da América Latina, de modo que a grande população

carcerária, serve como indicador da crise do seu sistema prisional, pois

está atrelada à outras condições de violação aos direitos humanos, e

revela a degradação do sistema criminal de seus países.

Mediante análise, infere­se que os maiores condensadores de

detentos no continente africano são a África do Sul, país dotado de

grandes e históricas desigualdades socioeconômicas, com seus 156.370

presos, seguida da Etiópia, um dos países recordistas nos índices do

mapa da fome no mundo, que conta com 112.361 detentos, e em terceiro

lugar o Marrocos, com 72 mil pessoas cumprindo penas privativas de

liberdade, em maioria, por conta de crimes não violentos, porém

144 ICPS­International Centre of Prison Studies, Essex,2014,op cit, p. 04.145 ICPS­International Centre of Prison Studies, Essex,2014,op cit, p. 04.

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73considerados graves por atentar contra a organização e religião do

Estado146.

Nesta trilha, em relação à Oceania, os país com maior

população carcerária é a Austrália, com quase 30 mil pessoas atrás das

grades, sucedida pela Nova Zelândia, com 8,5 mil detentos, e em terceiro,

a ilha de Nova Guiné, com cerca de 3.467 detentos.147

Em tal contexto, o sistema adotado pelas penitenciárias da

Oceania, principalmente as da Nova Zelândia, muito se assemelham ao

implantado pelos países escandinavos na Europa, sendo a prisão da

cidade de Otago, considerada uma das mais humanizadas e luxuosas do

mundo.148

Já as prisões da Austrália não são tão sofisticadas quanto as

da Nova Zelândia, seguem um modelo mais tradicional, semelhante ao

Inglês, porém o país com o segundo maior IDH do mundo, também

apresenta um sistema prisional eficaz e igualmente reabilitador,

possuindo ainda muitas Prisões de Segurança Máxima, já que foi fundado

com esta finalidade, em que ‘ [...] as instituições penais do século 18 e 19

[...] tinham funções tanto de reabilitação, em alguns casos, como de

campos de trabalho forçado para a construção de colônias [...]’.149

No que tange as ideias e teorias apresentadas neste capítulo,

cumpre observar que a situação dos sistemas prisionais ao redor do

planeta, em especial aqueles que contam com a crise da superlotação e

da ineficácia da prisão para combater a violência, o caminho para

evolução do aparato prisional e aperfeiçoamento da Justiça criminal, está

na busca por medidas que afastem da regra o encarceramento.

146 idem, p. 02.147 Idem, p. 06.148 FREEMAN, A. 10 of the World’s Most Luxurious Prisons, and One Wild Card Thriller. Takepart. 2012. Acesso em: Junho/2015. Disponível em:< http://www.takepart.com/photos/worlds­most­luxurious­prisons/bastoy­prison­norway>149 TERRA, Online apud UNESCO. Lugares para se preservar. Acesso em: Junho/2015. Disponível em:< http://www.terra.com.br/turismo/infograficos/patrimonios­da­humanidade/patrimonios­da­humanidade­21.htm>

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74O jurista Edmundo Oliveira faz acertada análise do problema

exposto, sendo que suas palavras merecem ser reproduzidas para melhor

compreensão:

[...] a solução para os problemas que afetam o sistema penitenciário, em todos os continentes, só será obtida se baseada na convicção de que esta não é uma questão isolada, estanque. Ao contrário, necessita ser entendida como um verdadeiro sistema de vasos comunicantes, fundamentada em quatro pontos: a justiça social; a sistema policial; o sistema judiciário e o sistema penitenciário. Além disso, exige ampla discussão a envolver todos os segmentos sociais, cujos componentes não devem continuar contaminados e imobilizados pelo preconceito e pela indiferença.150

Por derradeiro, após a análise dos sistemas prisionais e seus

maiores desafios ao redor do mundo, fazendo comparativo entre seus

ordenamentos jurídicos, o próximo capítulo, se presta à análise das

prisões brasileiras, de modo que sua exploração em separado se justifica

pelas peculiaridades que possui, as quais merecem estudo

pormenorizado.

150 OLIVEIRA,E., op cit, p. 10.

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3 . A CRISE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

O presente capítulo se volta ao estudo do sistema penitenciário

no Brasil, com enfoque especial para o estado de Mato Grosso do Sul,

buscando identificar suas maiores dificuldades na execução das penas

através de presídios íntegros que produzem resultados positivos no

caminho da ressocialização de seus detentos.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, mais precisamente nos

incisos XLVII, alínea ‘e’, XLVIII, XLIX, e L até LVII, traz os princípios

norteadores do cumprimento das penas151, e as disposições sobre os

estabelecimentos de execução de penas privativas de liberdade, com

base nos direitos humanos e convenções a que se filia, que servem de

norte para a legislação infraconstitucional.

É possível tomar como exemplo do retrato do que é hoje o

sistema penitenciário nacional, o claro desrespeito ao inciso XLVII, alínea

‘e’, da CF/88: ‘’ XLVII­ não haverá penas: [...] e) cruéis. ’’

Ora, por penas cruéis, entende­se não apenas aquelas que

não devem ser cominadas em abstrato no Código Penal, mas aquelas

cujo cumprimento se desvia do fim humanístico a que se propôs: o de

recuperar o delinquente e de reparar a conduta praticada, através da

privação de um dos maiores bens jurídicos, a liberdade.

Nesse sentido, a pena torna­se cruel quando seu cumprimento

se torna danoso à integridade física, moral e espiritual do apenado, seja

151 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Art.5º [...]: XLVII­ não haverá penas: [...] e) cruéis; XLVIII ­ a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; XLIX ­ é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; L ­ às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação; LIV ­ ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LVII ­ ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

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76através da punição que lhe é imposta, seja pelo local onde é levado a

cumpri­la.

Consequentemente, nos deparamos com mais uma regra do

art. 5º da CF/88 quebrada, a do inciso XLIX, que assegura aos presos o

respeito à integridade física e moral. Regra esta, que não pode ser

mantida com o desinteresse no resguardo das garantias e direitos

fundamentais destes indivíduos, cuja proteção, por si só, já constitui

política criminal de prevenção ao crime.

Igualmente, a LEP ­Lei de Execução Penal, (Lei nº

7.210/1984) traz outras disposições complementares, destinadas a

nortear os sistemas prisionais do país, assegurando, em tese, os direitos

e garantias fundamentais das pessoas que são submetidas à pena de

prisão, seja para cumprir condenação ou ainda que provisória.

No entendimento generalizado do direito penal, ‘[..]

estabelecimentos são todos aqueles utilizados pela justiça, na finalidade

de alojar pessoas presas quer sejam provisórios ou condenados, ou ainda

os submetidos às medidas de segurança [...]. ’152

Assim, a Lei de Execução Penal, especificamente no Título IV

de seu texto, traz as diretrizes que devem ser observadas para a

execução das penas privativas de liberdade, em especial no que tange

aos locais e procedimentos a serem adotados para cada tipo de regime

prisional e também para as peculiaridades dos presos. 153

De acordo com o diploma legal, são os seguintes

estabelecimentos que compõem o sistema prisional no Brasil, e suas

finalidades, respectivamente:

Penitenciárias: estabelecimentos fechados, geralmente para condenados e também de segurança máxima; Colônias agrícolas e industriais: regime semiaberto; Casa

152 CAMARGO, Virginia. Realidade do Sistema Prisional no Brasil. Âmbito Juridico. Acesso

em:Julho/2015. Disponível em: < http://www.ambito­juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1299>153 BRASIL. Lei nº 7.210/1984. Institui a Lei de Execução Penal.

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77do Albergado: regime aberto; Hospital de Custodia e Tratamento Psiquiátrico: destina­se a inimputáveis e semi­imputáveis, que dependem de tratamento de substancias químicas; Cadeia Pública: serve para a custodia do provisório e cumprimento de pena breve.154

Sabe­se que apesar de todas da Lei de Execução Penal, na

prática o sistema prisional não funciona como o previsto, na verdade o

administrador prisional enfrenta grandes dificuldades em garantir a

proteção dos direitos fundamentais dos internos, diante das inúmeras

avarias em termos de estrutura e funcionamento que possuem as prisões

brasileiras.

Nesta vertente, em que pese a CF/88 trazer claramente

vedações e recomendações acerca do funcionamento do sistema punitivo

brasileiro, o que se vê na prática é o afastamento e até o esquecimento

dos direitos e garantias fundamentais destes cidadãos, que estão

inseridos no sistema penitenciário nacional sem boas expectativas em

relação ao seu futuro na sociedade.

Por este prisma, deve­se destacar que a crise do sistema

prisional é problema antigo no sistema jurídico, chegando a ultrapassar as

barreiras do Direito, tornando­se objeto de estudo da filosofia, sociologia,

psicologia e educação, tamanho o impacto causado na sociedade.

Impende rememorar que o sistema penitenciário tem origens

religiosas, eles remetem à ideia de um mecanismo destinado à

purificação através de penitências155, daí o nome ‘penitenciária’, e por

isso, com o desenvolvimento da sociedade e a sua frequente exposição á

violência, passaram a um estágio em que as prisões são encaradas

como locais específicos para a ‘purgação’ dos pecados (crimes), de modo

que é conveniente que se assemelhem a um purgatório, este no sentido

mais próximo da descrição feita pelo poeta italiano Dante Alighieri em sua

obra a Divina Comédia156.

154 CAMARGO, Virginia. Op cit.155 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão (Surveiller et punir) – 20ª ed. – Petrópolis: Vozes, 1999.156 ALIGHIERI, Dante. A divina comédia. Porto Alegre: L&PM, 2004, p.344.

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78Na concepção do jurista brasileiro Aury Lopes Jr., o sistema

carcerário brasileiro encontra­se em condições medievais, segundo ele,

‘[...] a violência ilegítima, os excessos e abusos na execução da pena[...]’

desviaram o foco do instituto da pena privativa de liberdade no Brasil, pois

‘[...] muitos ainda não se deram conta de que punir é um ato legítimo e

civilizatório [...]’.157

Neste contexto, diante do estágio avançado de deterioração do

sistema prisional brasileiro, que ainda está apegado a conceitos

involuídos de sanção penal, cumpre transcrever a fala do professor de

direito da Faculdade de Direito de São Paulo, Me. Alvino Augusto de Sá,

que muito bem descreve a atual crise:

[...] a questão penitenciária hoje, é um câncer na sociedade. Lançar mão indiscriminadamente da pena privativa de liberdade, como se faz hoje, é tratar com irresponsabilidade o próprio poder de punir. [...] é a perpetuação da violência cometida com o crime, que agora se tornou uma forma de purgação da dignidade humana do preso. [...] os presídios são sucursais do inferno. [...]158

A crise do sistema prisional brasileiro possui complexa

dinâmica, envolvendo diversos fatores que contribuem para sua

exasperação, tais quais as bases históricas e sociais, fundadas em uma

política criminal seletiva e excludente, além dos interesses econômicos

em torno da manutenção dos quase 3.000 estabelecimentos prisionais do

país, que agonizam diante dos recursos estatais rarefeitos que lhes são

destinados.

Sendo assim, é possível afirmar que a crise do sistema

prisional brasileiro reside na dificuldade do Judiciário em aplicar os

dispositivos atinentes à execução penal, buscando a ressocialização do

condenado, em um sistema carcerário falido, incapaz de repassar aos

internos as ‘benesses’ da restrição de liberdade, em vistas da carência de

157 LOPES JR, Aury. Caos do sistema carcerário: todo mundo fala, todo mundo sabe, ninguém faz nada. 2013. Acesso em: Julho/2015. Disponível em:< https://www.facebook.com/aurylopesjr/posts/397337003686629?fref=nf>158 PUPPO, Eugênio. Sem Pena. 2014. Documentário, longa­metragem. Heco Produções. Acesso em: Julho/2015. Disponível em:< http://www.sempena.com.br/

Page 79: A CRISE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO · 2018. 2. 1. · prisional do Brasil, onde serão estudados separadamente os elementos que constituem a crise do sistema, e o quê transportaa

79atenção e trabalho conjunto por parte dos Poderes Executivo e

Legislativo no sentido de melhorar o sistema criminal como um todo.

Sob esta ótica, a fim de ter um panorama do complexo

penitenciário nacional, é oportuna a análise de dados, de pareceres

científicos e de notícias veiculadas na imprensa, que se prestam a trazer

às claras a outra face da justiça criminal brasileira, mostrando que o

processo criminal não termina com a condenação do réu, mas abre

espaço para uma nova fase, a de execução da pena privativa de

liberdade.

3.1 – Sistema penitenciário em números

O cuidado do Estado com o sistema penitenciário, incluindo a

forma como lida e o tratamento dispensado às pessoas que estão sob sua

custódia, reflete a capacidade e o grau de evolução do seu próprio poder

de controle social através do mecanismo desenvolvido para auxílio da

Justiça criminal.

Impende destacar os números expressivos apontados em

pesquisas realizadas sobre os estabelecimentos prisionais do Brasil, os

quais representam não só o evidente problema da superpopulação

carcerária, mas a deterioração do sistema penitenciário como um todo e a

deficiência do Estado em gerir o mecanismo punitivo por ele criado.

Nesse sentido, conclui­se que o sistema penitenciário brasileiro

precisa melhorar, e muito, já que os dados levantados por entidades

especializadas demonstram como está desordenada administração dos

estabelecimentos destinados ao cumprimento das penas privativas de

liberdade.

Deste modo, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ (doravante

CNJ), realizou levantamento em todo o país, e com base em dados

colhidos nos 2.775 estabelecimentos prisionais, elaborou um projeto

denominado ‘Geopresídios’, que na verdade consiste em um mapa virtual

que aponta os principais dados sobre os presídios, estaduais e federais,

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80uma verdadeira ‘radiografia do sistema prisional’, levando a

conhecimento público a realidade de uma população esquecida pelo

governo.159

De acordo com o relatório, o Brasil possui um déficit de

229.744 vagas em seus estabelecimentos prisionais, tornando as

condições do cumprimento das penas privativas de liberdade mais

aviltantes ainda, pois a superlotação dos presídios afeta profundamente

as tentativas de reabilitação dos internos, principalmente quando estes

estão inseridos em um sistema carente de infraestrutura, administração

humanizada e de acesso à direitos básicos. 160

O quadro a seguir demonstra o estado alarmante dos presídios

brasileiros, que têm de lidar com a superlotação, resultado da lógica

encarceradora que move a justiça criminal do país, elaborado com base

nos dados fornecidos pelo CNJ­ Conselho Nacional de Justiça:

Quadro NacionalEstabelecimentos Vagas Presos Déficit

2.775 378.675 608.419 229.744

Fonte: Geopresídios/ CNJ, 2014.

Em análise complementar, a opinião comumente propagada

pelas mídias nacionais, fundada em discursos leigos e populistas, de que

no Brasil não há punição para quem comete crimes porque os ‘bandidos’

não são presos, é um conceito obsoleto e equivocado, já que o país é

justamente um dos integrantes das maiores populações carcerárias do

mundo, a qual ‘ [...] cresceu mais de 74% nos últimos sete anos. ‘’161

Igualmente, estudos apontam que dos mais de 600 mil presos,

cerca de 42% ainda estão aguardando julgamento, ou seja, permanecem,

159 Relatório Mensal do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais (CNIEP). Geopresídios. 2014. CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Acesso em: Julho/2015. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php>160 Relatório Mensal do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais (CNIEP). Geopresídios. 2014. CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Acesso em: Julho/2015. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php>161 SEMER, Marcelo. Pesquisas mostram que a polícia prende, e os juízes também. 2015. Acesso em: Julho/2015. Disponível em: <http://justificando.com/2015/06/13/pesquisas­mostram­que­policia­prende­e­os­juizes­tambem/>

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81há mais de ano atrás das grades, sem nenhuma expectativa de ter

acesso ao direito/princípio da presunção da inocência contrariando as

disposições legais sobre a duração da prisão temporária, cabível em

casos de investigação do delito p. ex., que preveem sua extensão máxima

para até 30 dias.162

Além disso, outro fator relevante para a compreensão do tema,

é a distribuição que se faz das penas de prisão para a natureza dos

crimes praticados.

Neste sentido, esclarece a socióloga Jaqueline Sinhoretto,

coordenadora do projeto ‘Mapa do Encarceramento’, em parceria com a

Secretaria Nacional da Juventude, da Presidência da República:

Os crimes contra a vida, [...] são quase irrelevantes no conjunto da população prisional. Mal representam 12% dos presos, enquanto aqueles resultantes da somatória de crimes patrimoniais com os de entorpecentes atingem o patamar de 75%. Nada de espantar, combinando­se o fato de que a propriedade é o alvo preferencial da tutela penal e que a expressiva maioria das denúncias criminais vem baseada em prisões em flagrante da Polícia Militar ­ em proporção muito destacada em relação às investigações da Polícia Civil.163

Corroborando o perfil traçado pela socióloga dos detentos, o

professor Alvino Agusto Sá, declara:

Os nossos cárceres são povoados por assaltantes, por pessoas que praticaram crime de furto, tráfico, estelionato. São pessoas cujos crimes têm relação extrínseca e atual com a sociedade moderna. [...] são homens, jovens, negros, que geralmente são presos em flagrante comercializando drogas não químicas, sem vínculos com quaisquer associações criminosas. Não se tratam todos de agressores sexuais ou seriais killers, não são doentes. [...] 164

Depreende­se, portanto, que a maioria dos crimes investigados

nos últimos anos, os quais levaram à prisão, são de natureza patrimonial,

162 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal, 4ª Ed. São Paulo: RT, 2008.163 SEMER, Marcelo. Pesquisas mostram que a polícia prende, e os juízes também. 2015. Acesso em: Julho/2015. Disponível em: <http://justificando.com/2015/06/13/pesquisas­mostram­que­policia­prende­e­os­juizes­tambem/>164 PUPPO, Eugenio, 2014. Op cit.

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82como o furto geralmente, e não violentos, tais quais o tráfico de drogas,

o que demonstra a radicalização da mentalidade da Justiça criminal

brasileira, que poderia evitar o cárcere e partir para medidas efetivamente

reabilitadores, se aplicasse à casos como estes, penas alternativas.

Por conseguinte, outro problema social constatado através do

fenômeno da superlotação carcerária, é que a maior parte dos detentos é

composta por negros, evidenciando assim, a desigualdade racial ainda

muito forte no país, exacerbada pelas condições de pobreza e

marginalização por que passam estas pessoas.

De acordo com estudo realizado pela Secretaria Nacional da

Juventude, é preocupante o crescimento do número de detentos negros

nos últimos anos, reforçando a exclusão social pelo qual passam há mais

de dois séculos no país165.

Para melhor ilustrar as informações apontadas, segue o gráfico

elaborado com base nos referidos dados:

Figura 6­ Taxa de encarceramento de negros no Brasil

Fonte: Reis, 2015.

Conforme se observa, o estado de São Paulo, detentor do

maior número de presidiários negros, é justamente um dos três estados

com maior déficit de vagas em presídios do país, contando atualmente

165 REIS, Thiago. Estudo revela que SP tem maior taxa de encarceramento de negros do país. G1­Portal de notícias da Globo. 2015. Acesso em: Julho:2015. Disponível em:< http://g1.globo.com/sao­paulo/noticia/2015/06/estudo­revela­que­sp­tem­maior­taxa­de­encarceramento­de­negros­do­pais.html>

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83com 72,74% menos vagas do que o necessário, conforme relatório

elaborado pelo CNJ em 2014.166

Igualmente, o estado de Mato Grosso do Sul, que está na

terceira posição do ranking de presos negros, possui um déficit de

aproximadamente 1467 vagas em seus presídios167, além de contar com

estabelecimentos em condições precárias, fazendo com que sejam

comparados por especialistas á ‘senzalas da era digital’.168

Pondera ainda a socióloga Jaqueline Sinhoretto, ‘’ a vigilância

policial está focada nos jovens negros. Eles são o alvo das prisões e

compõem a maior parte da população carcerária [...]’’169.

Impende destacar, que a prisão de 1,5 vezes mais negros do

que brancos, reforça os estigmas sociais que envolvem a crise do sistema

prisional brasileiro, e ainda, demonstra que o Judiciário enfrenta

dificuldades em conjugar as diferenças sociais com a administração da

justiça criminal.

De modo similar, no que tange à proporção entre o sexo das

pessoas que integram o sistema penitenciário, cumpre esclarecer que

apenas 6,1% da população carcerária nacional é composta por mulheres,

as quais, quase 80% praticaram crime de tráfico de drogas, proporção

elevada, que se justifica pelo endurecimento da Lei Antidrogas nos

últimos anos.170

A respeito do tratamento dispensado às mulheres dentro do

sistema prisional, Andrew Coyle, especialista em estudos prisionais,

afirma:

166 Relatório Mensal do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais (CNIEP). Geopresídios. 2014. CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Acesso em: Julho/2015. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php>167 Idem.168 JUNIOR, Francisco. OAB compara situação dos presídios de MS a ‘’senzalas da era digital’’. Campo Grande News. 2014. Acesso em: Julho/2015. Disponível em:<http://www.campograndenews.com.br/cidades/oab­compara­situacao­de­presidios­de­ms­a­senzalas­na­era­digital>169 REIS, Thiago. Op cit.170 ICPS­ International Centre of Prison Studies. World Prision Brief. 2013. Acesso: Julho/2015. Disponível:< http://www.prisonstudies.org/country/brazil>

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84[...] geralmente [...] são direcionados para atender às necessidades da maioria da população masculina e simplesmente adaptadas (embora nem sempre) às necessidades da mulher. O resultado é a discriminação [...] por vários aspectos. [...]. Seja por ser em menor número ou devido às limitações das instalações prisionais, o acesso das presas a atividades, geralmente, é mais limitado do que ocorre no caso dos homens. As oportunidades educacionais ou de capacitação, por exemplo, podem ser reduzidas. A oportunidade de trabalho, talvez, se limite a ocupações consideradas tipicamente femininas, como costura ou limpeza. [...]. É preciso atenção especial para com as necessidades da mulher, prestes a receber seu alvará de soltura. Talvez seja impossível voltarem ao seio da família, justamente por serem ex­prisioneiras. As autoridades prisionais devem articular­se com entidades comunitárias de apoio e organizações não­governamentais, a fim de ajudar essas mulheres na sua readaptação à comunidade.171

Deste modo, conclui­se que as condições enfrentadas pelas

mulheres internas do sistema prisional, muito se assemelham ás

dificuldades suportadas pela população carcerária masculina,

evidenciando o largo alcance dos maus efeitos produzidos pela atual

degradação do sistema penitenciário do Brasil.

Por conseguinte, vale notar que pelo fato de o Brasil contar

com uma população carcerária de aproximadamente 548 mil pessoas

atrás das grades172, o sistema carcerário é acometido por um grande

déficit de vagas nos presídios para acomodar os condenados a penas

privativas de liberdade, ou até mesmo os presos provisórios.

No que tange ao déficit de vagas em estabelecimentos

prisionais no Brasil, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça –

CNJ173, o quadro abaixo (de elaboração da autora) demonstra os

estados brasileiros com maiores e menores déficits de vagas,

respectivamente, vejamos:

171 COYLE, Andrew. Administração Prisional: uma abordagem em direitos humanos – Manual para servidores prisionais. 2ª Ed. Tradução Odilza Lines de Almeida.– London : International Centre for Prison Studies, 2009. P. 169­173.172 ICPS­ International Centre of Prison Studies. World Prision Population List – (Lista da População Carcerária Mundial). 10ª Ed. Essex­UK. 2013, p. 03. Acesso em: Junho/2015. Disponível:< http://www.prisonstudies.org/news/more­102­million­prisoners­world­new­icps­report­shows>173 Relatório Mensal do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais (CNIEP). Geopresídios. 2014. CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Acesso em: Julho/2015. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php>

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Maiores déficits1º ­ PE 223,85%2º ­ DF 117,03%3º ­ GO 79,84%

Menores déficits1º ­ MA 17,51%2º ­ MS 18,55%3º ­ PR 23,06%

Da mesma forma, o quadro a seguir (de elaboração da autora)

revela quais são os estados com maior número de presos provisórios174,

submetidos a privação da liberdade, em contrariedade ao que dispõe a

Constituição Federal de 1988175 e o Código de Processo Penal.

Vejamos:

Índices de presos provisórios no Brasil

Maior índice nacional1º ­ Sergipe 78,70%2º ­ Amazonas 76,53%3º ­ Bahia 65,93%

Menor índice nacional1º ­ Distrito Federal 25,32%2º ­ Santa Catarina 27,55%3º ­ Amapá 28,78%

Conforme bem observa Eugenio Puppo, ‘’ embora a liberdade seja a regra e prisão cautelar a exceção, a sociedade não só aceita como prefere o encarceramento antes mesmo do julgamento definitivo, em clara afronta ao princípio constitucional da presunção da inocência. ’’176

Ora, este fenômeno de excesso da prisão provisória ou

temporária, aplicada, muitas vezes, de forma desmedida a casos em que

a simples adoção de medidas assecuratórias permitiria a aplicação da lei

penal àqueles que cometeram crimes não violentos ou contra a vida,

culmina no efeito indesejado da superpopulação carcerária, que

assombra o sistema prisional brasileiro.

174CNIEP­Relatório Mensal do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais­ Geopresídios. 2014, op cit.175 BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil. 1988. Art. 5º, incisos LIV, LVII e LXI;176 PUPPO, Eugênio. Sem Pena. 2014. Documentário, longa­metragem. Heco Produções. Acesso em: Julho/2015. Disponível em:< http://www.sempena.com.br/

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86Neste sentido, a ONG Conectas de Direitos Humanos,

representada por sua Diretora Executiva, Lucia Nader, declarou que os

números obtidos pelos levantamentos realizados nos estabelecimentos

prisionais do Brasil, revelam ‘’ [...] um sistema violador de valores [...] um

sistema inaceitável, ilegal e ineficiente [...]. ’’177

Pelo mesmo viés, no que diz respeito à crise do sistema

prisional do Brasil, é inegável que a superlotação carcerária é um dos

pilares de sua degradação, já que o número de presos 90% superior ao

de vagas disponíveis serve como fator relevante para o distanciamento

entre a aplicação da pena privativa de liberdade e a recuperação do

detento, ainda mais quando este é submetido a condições sub­

humanas.178

É interessante reproduzir o gráfico elaborado pela ONG

Conectas de Direitos Humanos179, que expõe algumas das principais

dificuldades enfrentadas pelo sistema de execução penal do Brasil:

Figura 7 – Sistema prisional brasileiro em falência

Fonte: Conectas Direitos Humanos, 2014.

A análise do gráfico permite comprovar, que a crise do

sistema prisional brasileiro é resultado de uma série de outros pequenos

entraves suportados pelo aparato da justiça criminal no país, que por

descaso, ou falta de interesse político, não atendem ás necessidades dos

indivíduos envolvidos no processo criminal.

177 Consultor Jurídico. Problemas nas prisões brasileiras ganham destaque mundial. 2014. Acesso em: Julho/2015. Disponível em:< http://www.conjur.com.br/2014­jan­08/problemas­prisoes­brasileiras­ganham­destaque­imprensa­mundial>178 SEMER, Marcelo. 2015. Op cit.179 Consultor Jurídico. 2014. Op cit.

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87Enquanto a taxa de crescimento da população brasileira foi

de 30% nos últimos 20 anos, a taxa de crescimento de pessoas em

situação de cárcere atingiu proporções estratosféricas, atingindo a marca

de 380% no mesmo período. Não raro, o Brasil é constantemente

elencado em noticiários mundo afora, como o país com maior crescimento

de população carcerária do planeta.180

Ademais, além da inflexibilidade na aplicação das penas, que

quase sempre resulta no encarceramento, outro entrave que agrava a

crise penitenciária, é a falta de acesso ao direito de defesa por parte

daqueles que estão submetidos ao cárcere.

Conforme exposto, somente no município da Barra Funda, no

estado de São Paulo, cada defensor público é responsável por mais de

dois mil processos criminais, situação esta não muito diferente do resto do

país, tornando humanamente impossível e inviável e extremamente

morosa a defesa das pessoas que respondem a processos criminais.

De acordo com a ANADEP – Associação Nacional dos

Defensores Públicos, o Brasil possui um déficit de 10.578 defensores

públicos181, evidenciando a falta de investimento do Estado no

mecanismo de defesa dos direitos e interesses de seus cidadãos, o que

acarreta em sérios problemas sociais, que serão, posteriormente, muito

mais custosos do que a contratação suficiente de profissionais

qualificados para agir na defesa criminal desta parcela da população.

Cumpre reproduzir o Mapa da Defensoria Pública no Brasil182,

a título de ilustração do problema de falta de acesso à defesa técnica

enfrentada pela grande maioria das pessoas em cárcere, que não

possuem condições financeiras de constituir um advogado para agir em

prol de seus interesses durante a execução das penas privativas de

liberdade:

180 PUPPO, Eugênio, 2014, op cit.181 IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Déficit de defensores públicos – Mapa da Defensoria Pública no Brasil. 2013. Acesso em: Julho/2015. Disponível em:< http://www.ipea.gov.br/sites/mapadefensoria/deficitdedefensores>182 Idem.

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Figura 8­ Estimativa de déficit de defensor público no país

Fonte: ANADEP, 2013; IBGE, Censo, 2010.

Desta forma, resta claro que, ante a falta de oportunidade dos

detentos em constituir um advogado, ainda que público, é praticamente

impossível estancar o processo de superlotação dos presídios, pois ficam

inacessíveis os direitos dos detentos de, por exemplo, solicitar aos juízos

de execução penal o relaxamento de prisão provisória, ou a progressão

de regime, restando fadados à permanência, mesmo que indevida e

inconstitucional, nos estabelecimentos prisionais.

As taxas de reincidência dos egressos de presídios no Brasil,

são igualmente alarmantes, reforçando a imagem de fracasso do sistema

na recuperação e reinserção dos detentos na sociedade.

Conforme assinalam as pesquisas, o sistema penitenciário

nacional não consegue evitar a reincidência de cerca de 75% dos

egressos, tornando­se na verdade, nas palavras do antropólogo Luís

Eduardo Soares, uma ‘faculdade do crime’.183

Soares opina que é um mecanismo de transformação do

indivíduo, que o expõe o detento 24 horas por dia a condições

degradantes, em locais de mobilidade extremamente reduzida, sem

atividades direcionadas à profissionalização, tendo como produto um ser

183 PUPPO, Eugenio, 2014, op cit.

Page 89: A CRISE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO · 2018. 2. 1. · prisional do Brasil, onde serão estudados separadamente os elementos que constituem a crise do sistema, e o quê transportaa

89humano completamente desiquilibrado, aleijado física, moral e

mentalmente, imbuído pela revolta contra a organização social.184

Nessa perspectiva, conforme matéria divulgada pela revista

Veja, em abril de 2015, os índices de reincidência dos egressos do

sistema prisional do Brasil, só comprovam que os presídios servem de

‘centros de formação para o crime’, transformando os detentos em

indivíduos ‘mais perigosos, organizados e letais’.185

Segue abaixo gráfico, reproduzido a fim de elucidar a questão

da reincidência alta no Brasil:

Figura 9­ Taxa de reincidência no Brasil

Fonte: Veja, 2015.

A ilustração acima, demonstra que a alta taxa de reincidência

criminal no Brasil, é efeito corolário das más condições do sistema

prisional, tendo em vista que o Estado não concede às administrações

dos estabelecimentos prisionais, condições de oferecer aos condenados a

chance de cumprirem com dignidade suas penas, e de reintegrar­se à

sociedade, sem ter que recorrer a pratica delitiva novamente.

Nesta trilha, em relação a fala do antropólogo, a expressão

‘faculdade do crime’, faz emergir a análise de outro problema que permeia

a crise do sistema prisional brasileiro: os grandes custos na manutenção

dos presídios em detrimento de outras instituições igualmente importantes

184 Idem.185 MOREIRA, Kérisso. Pesquisa da Veja comprova que redução da maioridade penal é prejudicial para o país. 2015. Acesso em: Julho/2015. Disponível em:< http://www.opinandopolitica.com.br/2015/05/pesquisa­de­veja­comprova­que­reducao.html>

Page 90: A CRISE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO · 2018. 2. 1. · prisional do Brasil, onde serão estudados separadamente os elementos que constituem a crise do sistema, e o quê transportaa

90para a sociedade, tais quais as escolas e universidades. Custos estes

que estão cada vez mais pesados e geram pouco ou quase nenhum

retorno para o governo.

Assim, de acordo com o DEPEN ­ Departamento Penitenciário

Nacional, a média nacional de custos com um preso é de

aproximadamente R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) por mês,

quantia que atinge quase três vezes o salário mínimo vigente no país.186

Nas palavras do Secretário de administração penitenciária do

estado de São Paulo, Lourival Gomes:

O estado de São Paulo gasta, entre compra de roupas, materiais de higiene, alimentação, escolta e pagamento de advogados públicos, cerca de R$ 1.350,00 por mês com cada preso [...] é mais caro do que a mensalidade de uma faculdade por exemplo [...] é logico que quanto menor o número de presos, maiores os custos, quanto mais lotada estiver a prisão, o custo cai. [...], mas tudo isso, para torna­los piores. [...]187

Os altos gastos com a manutenção dos presos variam

conforme cada estado, porém não deixam de ser prejudiciais aos cofres

públicos.

O governo então, passa a dotar uma lógica financeira que

produz resultados imediatos, a contenção de despesas com o sistema

prisional, mas que prejudica profundamente a sociedade, já que interfere

na qualidade do sistema que se presta à regeneração do delinquente.

Em que pese os altos gastos do Estado com a manutenção do

sistema prisional, estes ainda não são suficientes para atender à todas as

suas carências.

Vale ressaltar que a adoção de políticas públicas secundárias à

repressão do crime, como o desenvolvimento e incentivo à educação,

186 PETROF, Daiana. O custo dos presos. Diário da Manhã. 2015. Acesso em:Julho/2015. Disponível em:< http://www.dm.com.br/cidades/centro­oeste/2015/02/o­custo­dos­presos.html>187 PUPPO, Eugenio, 2014. Op cit.

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91seria alternativa viável, capaz de causar grandes melhorias em relação

à crise do sistema penitenciário.

Com esteio nesta ideia, o governo do Ceará, através das

Secretarias de Educação e de Segurança Pública, elaborou pesquisa que

comprova que os gastos com presos naquele estado são cinco vezes

maiores do que as despesas com estudantes do Ensino Médio por

exemplo.

A pesquisa informa que o estado possui pouco mais de 500 mil

estudantes, e que gasta com eles cerca de R$ 210,00 reais por mês,

sendo que em relação aos detentos, estes são cerca de 18 mil, os quais

dispendem até R$ 1.500,00 reais por mês188, dentro de um sistema

penitenciário que possui um dos dez maiores déficits de vagas, entre os

Tribunais de médio porte, conforme o projeto Geopresídios do CNJ.189

O sociólogo Joannes Fortes, evidencia que a disparidade entre

os gastos, demonstra que a educação básica, que poderia impedir que as

pessoas caiam no crime, não é priorizada no Brasil, mesmo sendo uma

clara alternativa para política de repressão ao crime.190

Igualmente pontua, que apesar dos altos custos, os presos

continuam submetidos a condições degradantes, sem perspectiva de

melhorias dentro do sistema, em suas palavras:

[...] A Lei de Execução Penal não vem sendo cumprida. Esses detentos são tratados como bichos. Eles vivem em péssimas condições de higiene. Não se respeita o limite de presos [...] Hoje, se gasta muito com o que não se faz’’.

188 TREIGHER, Tamiris. Gasto com preso é cinco vezes maior que com aluno no Ceará. 2012. Acesso em: Julho/2015. Disponível em:< http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/ceara/gastos­com­presos­sao­cinco­vezes­maior­do­que­com­estudantes­no­ceara/>189 Relatório Mensal do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais (CNIEP). Geopresídios. 2014. CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Acesso em: Julho/2015. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php>190TREIGHER, Tamiris.2012, op cit.

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92De forma convergente, cumpre transcrever o parecer de Aury

Lopes Jr. sobre a maneira como é conduzida a administração do sistema

carcerário nacional: [...] você pode impor uma pena privativa de liberdade, mas não está autorizado a humilhar, enxovalhar, bestializar o preso. O senso comum de quanto pior, melhor’, é de uma imbecilidade imensa. Se não compreendem pelo discurso do respeito à dignidade, que pelo menos se deem conta de que vamos pagar essa (altíssima) fatura de outra forma. Estamos tratando­os como bicho e eles vão sair (nos) mordendo [...].191

Ainda é possível verificar o perfume dos suplícios dentro dos

sistemas prisionais, em especial no Brasil, que sofre com o inchaço nos

índices da população carcerária e já não cumpre, há longa data, o

objetivo de ressocialização dos egressos deste sistema, que hoje é

chamado de ‘escola do crime’.

Estudos realizados por entidades internacionais, com base em

dados colhidos por Conselhos de Direitos Humanos do Brasil, por

exemplo, atestam o caos por que passa o sistema prisional:

[...] as prisões da América Latina estão longe de ser um lugar seguro para reabilitação. A contrário, são incubadoras violentas do crime. [...] os presos são frequentemente sujeitos a tratamento brutal, em condições de superlotação e sordidez extraordinária. E muitas prisões são controladas por gangues de criminosos. [...] uma peculiaridade do Brasil, é que uma das mais poderosas gangues do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC), nasceu dentro do sistema prisional, em Taubaté, no ano de 1993. O objetivo inicial da organização era lutar pelos direitos dos prisioneiros e vingar o massacre, no ano anterior, de presos do Carandiru, em São Paulo. Mas a organização se transformou em uma gangue que opera extorsões, tráfico de drogas, prostituição e assassinatos. [...]. Outra falha sistêmica das cadeias e presídios da América Latina é a superpopulação, que resulta em péssimas condições humanas. [...]192

191 LOPES JR, Aury. 2013. Op cit.

192 MELO, J.O. The Economist critica prisões da América Latina. Consultor Jurídico, 2012, p. 01. Acesso em: Junho/2015. Disponível em:< http://www.conjur.com.br/2012­set­23/the­economist­faz­duras­criticas­sistema­prisional­america­latina>

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93As penitenciárias superlotadas, nas quais, nem metade dos

detentos passou pelo julgamento ou recebeu uma pena condenatória á

reclusão, onde não há condições mínimas de alojamento de pessoas,

tornam o cumprimento das penas sem dúvida alguma, verdadeiro suplício

aos apenados, tirando­lhes o último direito que lhes resta, a dignidade

humana, levando­os ao patamar de feras, entes despersonalizados,

destituídos de direitos, cujo único dever é o de resistirem ao

amontoamento de pessoas.

Resta evidente que não há como fugir do problema enfrentado

na execução das penas. A crise de superlotação e carência de

infraestrutura do sistema prisional brasileiro, especialmente, em estados

fronteiriços como o de Mato Grosso do Sul, faz com que os índices do

crime se potencializem, em função da proximidade com as divisas

internacionais.

É neste diapasão que se pretende analisar a crise do sistema

carcerário, especificamente no estado de Mato Grosso do Sul, no capítulo

a seguir.

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94

4 ­ O SISTEMA PRISIONAL DE MATO GROSSO DO SUL

No presente capítulo passa­se ao estudo da dinâmica de

funcionamento do aparato prisional do estado ante o fenômeno da crise

penitenciária nacional, levando em consideração sua constituição e

sintomas, observando como é conduzida a administração penitenciária

local, dentro de um universo dotado de peculiaridades que o levam à

destaque nacional.

Desta forma, incumbe a análise do sistema carcerário do

estado de Mato Grosso do Sul a partir de suas estatísticas, levantadas

com base em dados colhidos por todo o território estadual, pelas

entidades governamentais e não governamentais que trabalham em prol

da evolução e aperfeiçoamento do sistema criminal do estado, ainda

porque os índices de pesquisa são o espelho do quadro da crise aqui

enfrentada.

4.1 – Dados do sistema penitenciário do estado

Sob esta ótica, cumpre mencionar que sistema prisional do

estado de Mato Grosso do Sul é composto por 106 estabelecimentos,

adaptados para o cumprimento de penas privativas de liberdade, partindo

do regime fechado até locais específicos para cumprimento de medidas

de segurança, os quais estão distribuídos entre 52 cidades.193

De acordo com dados colhidos pelo Departamento de

Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça, o estado de Mato

Grosso do Sul, em meados do ano de 2013 já contava com população

carcerária próxima do número de 12.716 pessoas.194

193 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA DO BRASIL. DEPEN –Sistema Integrado de Informações Penitenciárias. Formulário Mato Grosso do Sul. 2013. Acesso em: Julho/2015. Disponível em:<http://www.justica.gov.br/seus­direitos/politica­penal/transparencia­institucional/estatisticas­prisional/anexos­sistema­prisional/ms_201306.pdf>194 Idem.

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95Em relatório elaborado pela Comissão Provisória do Sistema

Carcerário da OAB/MS, verifica­se que a média nacional é de 250

detentos para cada 100 mil habitantes, porém em Mato Grosso do Sul, a

proporção é maior do que o dobro, e corresponde à média 600 presos

para cada 100 mil habitantes195.

Além disso, dos quase 13 mil presos no estado, cerca de

90,61% são homens, sendo que apenas 9,39% da população carcerária é

formada por mulheres, dentre as quais a maioria foi presa pela prática de

tráfico de drogas196.

O gráfico abaixo (de elaboração da autora), com dados

fornecidos pelo relatório penitenciário divulgado pela OAB/MS, demonstra

a proporção de presos provisórios e definitivos no sistema penitenciário

de Mato Grosso do Sul:

Conforme se observa da ilustração acima, o número de presos

com sentenças condenatórias definitivas no estado corresponde a

aproximadamente 9.065 pessoas, entre homens e mulheres, sendo que

os provisórios atingem a marca de 3.366 pessoas, conforme os dados

divulgados pela OAB, seccional de Mato Grosso do Sul.197

Igualmente, é importante mencionar que as penitenciárias do

estado não estão lotadas de delinquentes natos ou maníacos sexuais,

como acredita o senso comum, pelo contrário, seguem a tendência

195 JUNIOR, Francisco. OAB compara situação de presídios de MS a ‘senzalas da era digital’. Campo Grande News. 2014. Acesso em: Julho/2015. Disponível: http://www.campograndenews.com.br/cidades/oab­compara­situacao­de­presidios­de­ms­a­senzalas­na­era­digital>196 JUNIOR, Francisco. Campo Grande News. 2014, op cit.197 Idem.

27%

73%

Prisão Provisória

Prisão Definitiva

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96nacional, sendo que a maioria dos internos, tanto homens quanto

mulheres, foram privados da liberdade pela prática de crimes não

violentos.

Assim, de acordo ainda com o relatório da comissão da

OAB/MS, entre os homens presos, 42% praticaram crimes previstos na

Lei de Drogas, 25% cometeram crimes contra o patrimônio, seguidos de

15% que praticaram efetivamente crimes contra a pessoa, depois, 8%

estão presos por cometer crimes contra a dignidade sexual, e os outros

10% não foram especificados pela pesquisa198.

Com relação à população carcerária feminina, a maioria está

presa por prática de crimes previstos na Lei de Drogas, que corresponde

a 79,45%, sendo que 11,24% cometeu crimes contra o patrimônio, 4%

praticaram crimes contra a pessoa, sendo outros crimes na proporção de

3,52% e ainda, somente 1,955 cometeu crimes sexuais199.

Igualmente, a AGEPEN/MS ­ Agencia Estadual de

Administração do Sistema Penitenciário, divulgou que o estado sofre com

déficit de aproximadamente 6.531 vagas, sendo que somente em Campo

Grande faltam 2.760 vagas no regime fechado e 280 no semiaberto, e no

interior o déficit é maior ainda, faltam 2.935 vagas no fechado e 235

vagas no semiaberto e aberto juntos.200

E ainda, além dos déficits em vagas e de contratação de

agentes penitenciários, o estado ainda enfrenta dificuldades

orçamentárias para a mantença dos mais de 12 mil presos, sendo que

gasta mensalmente com cada um cerca de R$1.400,00 por mês, sem,

contudo, proporcionar­lhes condições razoáveis de vivencia dentro dos

presídios.201

198 JUNIOR, Francisco. Campo Grande News. 2014, op cit..199 Idem.200 Idem.201 Idem.

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97De modo complementar, segundo o presidente da seccional

de Mato Grosso do Sul da OAB, Júlio Cezar Souza Rodrigues, as

condições de superlotação carcerária são preocupantes. Em suas

palavras:

[...]. Evidenciamos, mais uma vez, que a situação é alarmante. Já imaginávamos a gravidade, pois os dados nos revelavam a superlotação. [...] No Presídio de Trânsito as 49 celas que deveriam abrigar até 188 presos, acomodam 499 apenados. No Estabelecimento Penal Feminino, onde convivem 386 presas, são apenas 13 celas, com capacidade máxima para atender 231 mulheres.202

Resta claro, que as prisões do estado de Mato Grosso do Sul

sofrem, assim como o restante do país, com a superlotação, pois diante

da ausência de vagas, as administrações, para cumprir as ordens de

execução das penas privativas de liberdade, obrigam­se a acomodar

muito mais pessoas dentro de uma cela do que o recomendado pela

legislação tratados de direitos humanos, e não sofrem fiscalizações

efetivas ou punições para que se adequem.

Tal contexto leva os detentos a condições ínfimas de dignidade

durante o cumprimento de suas penas, o que não é admissível em um

Estado democrático de direito evoluído, e que tem por bases a proteção

integral aos direitos humanos.

A superlotação dos estabelecimentos prisionais gera outros

inconvenientes, que somados, exasperam as más condições do sistema

prisional do estado, como p. ex., a falta de salubridade das celas e

pavilhões, seja pela falta de manutenção predial ou pela ausência de

limpeza, que põe em risco a saúde dos detentos e dos próprios

funcionários, a baixa frequência de assistência médica, o rarefeito acesso

a atividades laborais ou educacionais e profissionalizantes, além de

outros direitos básicos, que infelizmente são suprimidos.

202 OAB/MS. Comissão da OAB/MS visita mais duas unidades prisionais da Capital. 2014. Acesso: Julho/2015. Disponível:< http://www.oabms.org.br/Noticia/13534/Comissao­da­OABMS­visita­mais­duas­unidades­prisionais­da­Capital>

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98

Cumpre citar relatório emitido pela Comissão Provisória do

Sistema Carcerário da OAB/MS, após fiscalização de 12 presídios de

Mato Grosso do Sul, o qual constatou realidade preocupante em sede de

direitos humanos e reabilitação criminal dentro do sistema penitenciário

do estado.

Nas palavras do presidente da Comissão, o advogado Carlos

Magno Couto, as atuais prisões do estado, na forma como são mantidas,

assemelham­se a ‘ [...] senzalas da era digital’’, já que foram constatadas

situações de abuso aos direitos humanos dos detentos, em claro

desrespeito à Lei de Execução Penal (lei nº 7.210/84) e ‘ [...] às normas

da ONU – Organização das Nações Unidas, estabelecidas em 1955’’. 203

Pois bem, de modo a facilitar a compreensão da crise do

sistema penitenciário do estado, passa­se a dividir o estudo do tema em

tópicos, os quais analisarão as prisões femininas, masculinas, as

penitenciárias de segurança máxima dentre outros aspectos do sistema

estadual.

4.2– A crise penitenciária nos estabelecimentos de Mato Grosso do Sul

4.2.1 – Presídios femininos

Sobre as condições carcerárias dos estabelecimentos

femininos do estado, a comissão fiscalizadora da OAB/MS, tomou como

exemplo em seu relatório o Estabelecimento Prisional Irma Zorzi,

localizado em Campo Grande, para relatar a crise do sistema estadual.

O presidente da comissão, Carlos Magno Couto, opinou sobre

as condições verificadas neste local:

[...] nos pareceu um regresso à idade média. A cobertura dos alojamentos é de telha de amianto,

203 JUNIOR, Francisco. Campo Grande News. 2014, op cit.

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99gerando um calor excessivo, com total insalubridade e falta de ventilação. Algumas presidiárias cumprem pena em lugares inadequados, como por exemplo, em ‘cela forte’, em razão de serem rejeitadas por outras detentas pelos crimes que praticaram [...].204

O vice­presidente, Luiz Carlos Saldanha Junior, complementa:

É um depósito humano com uma condição degradante. No feminino a situação é mais grave com internas grávidas dormindo no chão, com os filhos e filhas das detentas sem um espaço pedagógico e lúdico. Uma verdadeira desolação. As crianças sobrevivem por doações.205

De modo ilustrativo, reproduz­se a seguinte fotografia

produzida pela comissão investigativa da OAB/MS, a qual serve de

quadro das más condições suportadas pelos presídios femininos do

estado.

Figura 10 – Cela do presidio Irma Zorzi

Fonte: OAB/MS, 2014.

Observe­se que a cela comum, com roupas infantis

penduradas em varal improvisado, além de estar com as estruturas físicas

deterioradas, abriga não só as detentas, mas seus filhos, que são

obrigados a compartilhar do cárcere com as mães, por falta de creche

dentro da penitenciária feminina, e convivem com adultos, em local

insalubre, mal ventilado, de pouca iluminação, sem higiene adequada

para uma criança.

204 OAB/MS. Comissão da OAB/MS visita mais duas unidades prisionais da Capital. 2014. Acesso: Julho /2015. Disponível:< http://www.oabms.org.br/Noticia/13534/Comissao­da­OABMS­visita­mais­duas­unidades­prisionais­da­Capital>

205 OAB/MS, 2015, op cit.

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100Existem denúncias por parte da Pastoral Carcerária de Mato

Grosso do Sul, que muitas vezes, as detentas não tem acesso a água

potável. A coordenadora da pastoral, Heidi Cerneka, assim relata:

Chegou­se ao absurdo de que uma unidade feminina que não tem freezers para disponibilizar água gelada à população permite que a cantina encha garrafas pet com água da torneira, congele e venda às presas por 50 centavos ou um real.206

Esta constatação feita pela comissão fiscalizadora da OAB/MS

e a denúncia da Pastoral Carcerária, permitem concluir que existe

violação de direitos humanos fundamentais dentro sistema penitenciário

estadual, não só em relação aos internos, mas também em relação aos

seus familiares, especialmente ás crianças, filhos das presidiárias, o que

torna o estado da crise prisional mais grave ainda.

Ora é cediço que o Estado tem o dever de assegurar à criança,

com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à

educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de

colocá­los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,

exploração, violência, crueldade e opressão, nos termos do art. 227 da

Constituição Federal de 1988.

Além das disposições constitucionais, as quais deveriam ser

suficientes para obrigar o governo a dispensar tratamento adequado à

todos os personagens, principais e secundários do sistema prisional,

existem outras diretrizes que são inobservadas na condução dos

estabelecimentos prisionais femininos do estado.

A exemplo, Andrew Coyle, estudioso do sistema penitenciário

com foco em direitos humanos, afirma:

É particularmente importante que as presas, que são mães, tenham a oportunidade de manter contato com os filhos dos quais estão separadas. [...] elas devem ter

206 PASTORAL CARCERÁRIA. Sistema Prisional de MS precisa de melhorias. Acesso em: Julho/2015. Disponível:< http://carceraria.org.br/sistema­prisional­do­ms­precisa­de­melhorias­alerta­pastoral­carceraria.html#sthash.7CRMRFCC.dpuf>

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101autorização para deixar a unidade prisional por curtos períodos de tempo para estarem com suas famílias. Quando os filhos as visitam na prisão, deve­se permitir o máximo de contato e privacidade possível. As visitas entre mães e filhos devem sempre incluir a aproximação física, nunca ser restritas ou sem contato físico – através de uma tela ou outras barreiras físicas entre eles, por exemplo. [...] Visitas familiares mais prolongadas [...] são de especial importância para as presas. Todo e qualquer esquema de revista de visitantes deve ser conduzido sempre tendo em conta os interesses das crianças.207

Porém, em análise crítica, parece que os filhos das

presidiárias, não têm acesso aos direitos constitucionalmente previstos ás

demais crianças, já que expostos a um sistema de abusos, em que o

Estado os trata como objetos indesejados do corpo social, negando­lhes a

dignidade humana quando os mantém de forma inadequada e cruel ao

lado das mães em estabelecimentos ultrajantes como o acima

mencionado.

Deste modo, resta evidente a necessidade de o Estado investir

na melhoria e aprimoramento dos estabelecimentos prisionais de MS,

especialmente os femininos, ante as múltiplas necessidades das presas

durante a pena privativa de liberdade, principalmente em relação ás

estruturas físicas, criando e ampliando espaços destinados à

acomodação das internas que são mães, e para seus filhos, buscando

minimizar os impactos da prisão na vida dessas pessoas, que vivem em

situação de vulnerabilidade.

Ademais, em relação ás politicas criminais implantadas no

sistema carcerário estadual, em relação ás mulheres presas, identifica­se

uma carência de programas de ressocialização ligadas à educação e ao

trabalho, que objetivem a formação profissionalizante das presas, para

que saiam do ciclo do tráfico e violência, principalmente porque muitas

mulheres são mães e chefes de família, as quais acabam, por falta de

oportunidades quando egressas, em grande maioria, sendo aliciadas

novamente para o tráfico em troca de sustento para si e sua família.

207 COYLE, Andrew. Administração Prisional: uma abordagem em direitos humanos – Manual para servidores prisionais. 2ª Ed. Tradução Odilza Lines de Almeida.– London : International Centre for Prison Studies, 2009. P. 171.

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102

4.2.2 – Presídios masculinos

Sobre a condição do sistema penitenciário estadual, sob a ótica

da crise nos presídios masculinos, incumbe a análise de fato que chamou

a atenção da mídia nacional com relação à superlotação dos presídios e

suas péssimas condições, e que acendeu a discussão sobre a

responsabilidade que o Estado tem em reparar os danos causados aos

detentos, pela exposição às precariedades do sistema.

Na opinião do presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius

Furtado Coêlho, ‘’ esse é um caso que podemos considerar raro. E,

portanto, a decisão do Supremo deverá ser observada como referência para

todos os juízes do Brasil, analisando o caso concreto’’208, o que torna

interessante sua análise no estudo do presente tema.

Trata­se de processo movido por ex­presidiario contra o estado

de MS, o qual alegou que durante os sete anos em que ficou preso no

presidio masculino da cidade de Corumbá, enfrentou superlotação, falta

de condições mínimas de higiene, exposição a doenças entre outras

precariedades, sendo privado de seus direitos humanos básicos durante

este período.209

Foi então, que em liberdade condicional, resolveu buscar a

tutela judicial para pleitear indenização por ter sofrido com o abandono

estatal e a omissão quanto aos seus direitos fundamentais,

constitucionalmente garantidos, que deveriam ter sido protegidos no

cárcere.

Em entrevista ao jornal Fantástico, o ex­detento, Anderson

Nunes da Silva, relatou as condições do presídio de Corumbá:

208 GLOBO, Fantástico. Detento pede indenização do Estado por condições precárias de presídio. 2014. Acesso: Julho/2015. Disponível:< http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/12/detento­pede­indenizacao­do­estado­por­condicoes­precarias­de­presidio.html>209 Idem.

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103Uma cela que era para oito pessoas tinha 11, 12. Tinha pessoa que dormia até perto do banheiro, que trazia alergia, coceira. Muita nojeira, ninguém aguentava de barata. Acho que o ser humano não merece passar o que nem animal passa.210

Segue abaixo, foto do presidio de Corumbá em Mato Grosso

do Sul, a qual mostra o quanto está deteriorado o estabelecimento:Figura 11 – Presídio de Corumbá/MS211

Fonte: Globo, 2014.

De acordo com a Defensoria Pública, não se pretende com o

referido pleito desabonar a medida de cárcere adotada pelo Estado para

punir o crime cometido por Anderson, mas tão somente, trata­se um meio

utilizado para cobrar do Estado a reparação por submeter o indivíduo a

tratamento sub­humano e inadequado, quando na verdade este deveria

ter sido recolhido em estabelecimento que lhe oferecesse condições

dignas e plenas de reabilitação, para reintegrá­lo na sociedade.

Esclarece o Defensor Público a respeito dos direitos violados

dentro do sistema penitenciário estadual:

[...] na verdade o reconhecimento de um direito humano, um direito fundamental de todo brasileiro, que é ser tratado com um mínimo de dignidade. O fato dele ser o ofensor, o agressor, não desobriga o Estado de observar esses direitos. Caso contrário, a sociedade estaria praticando atos ainda piores do que aqueles que o sujeito que foi dito criminoso praticou.212

O processo de Anderson, chegou, em grau de recurso, ao

STF ­ Supremo Tribunal Federal, por tratar­se de caso raro e de relevante

210 GLOBO, Fantástico, 2014, op cit.Idem.211 Idem.212GLOBO, Fantástico, 2014, op cit.

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104repercussão, e foi a discutido em plenário, em que os ministros ‘ Teori

Zavascki e Gilmar Mendes votaram a favor da indenização ao preso[...], ’

porém ‘[...] a decisão foi adiada depois que o ministro Luís Roberto Barroso

pediu novo prazo para avaliar a questão’.213

No entendimento de especialistas, a ação movida por

Anderson contra o Estado, é complexa por envolver a discussão de

direitos constitucionais, e exige a valoração entre princípios como as

integridades física e moral do preso e o dever estatal de garantir a

segurança pública, os quais são iguais perante a Constituição Federal.

Sob esta ótica, afirma o professor de direito do Rio de Janeiro,

Paulo Freitas:

[...] o que está em questão é o direito dos presidiários. “A Constituição Federal, por exemplo, assegura o direito do preso, a garantia à sua integridade física e moral. A decisão judicial, sobretudo da mais alta Corte, que venha reconhecer esse direito, terá um efeito pedagógico.214

De modo complementar o professor de direito da Fundação

Getúlio Vargas, Daniel Vargas, afirma:

O que é decisivo ao meu ver não é apenas discutir qual é o custo econômico que isso vai ter para o Estado brasileiro. O que é decisivo discutir, [...] é se nós vamos submeter ao debate público e efetivo como o Brasil vai tratar uma parte da sua população, em geral composta por negros, pobres e analfabetos, que são completamente ignorados dentro do sistema prisional brasileiro.215

A fala dos professores evidencia justamente aquilo que se

pretende mostrar com a exposição do caso de Anderson neste trabalho, a

necessidade de reconhecer que o sistema prisional, não só do estado,

mas do Brasil, enfrenta uma epidemia de supressão dos direitos humanos

de seus internos, causada pela superlotação e condições degradantes, o

que revela a falta de interesse do Estado em melhorar o sistema

carcerário, que é um setor vital para a administração da Justiça no país.

213. GLOBO, Fantástico, 2014, op cit.214 Idem215 Idem.

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105

Por outro lado, o caso relatado, evidencia também, outra causa

da superlotação dos presídios do estado, que é o encarceramento de

presos sob custódia da Justiça Federal em presídios estaduais, que hoje,

são cerca de 5 mil detentos216 no estado, como bem aponta o diretor da

AGEPEN de MS, Deusdete Oliveira.217

Por conseguinte, como os estabelecimentos prisionais de MS

abrigam mais presos federais do que os submetidos à custódia da Justiça

Estadual, passemos a análise dos estabelecimentos prisionais federais

dentro do estado, na seção a seguir.

4.2.3 – A penitenciária federal de segurança máxima de Mato

Grosso do Sul

O estado de Mato Grosso do Sul abriga uma das cinco

penitenciárias de segurança máxima do Brasil, construída após a edição

da nova Lei de Execução Penal, e inaugurada em dezembro de 2006,

sendo uma das primeiras do país a iniciar suas atividades218.

A penitenciária de segurança do estado de MS, está localizada

na zona rural da cidade de Campo Grande, capital do estado, e segue

padrões de funcionamento muito semelhantes aos norte­americanos.

Com raízes no modelo prisional da Filadélfia, as penitenciárias

de segurança máxima do Brasil, dentre elas a sul­mato­grossense, são

verdadeiros ‘Big Brothers’, e submetem os internos a isolamento celular,

mantendo­os em celas isoladas e individuais de 7m² durante 22 horas por

dia, com paredes que suportam impactos de até 300 kg, vigiados por mais

de 200 câmeras estrategicamente posicionadas, por 24 horas219.

216 JUNIOR, Francisco. Campo Grande News. 2014, op cit.217 Idem.218 WIKIPEDIA. Penitenciária Federal de Campo Grande. 2015. Acesso em: Julho/2015. Disponível:< https://pt.wikipedia.org/wiki/Penitenci%C3%A1ria_Federal_de_Campo_Grande>219 SOBRINHO, Wanderley Preite. Saiba por que ninguém foge dos presídios de segurança máxima no Brasil. R7 de Notícias. 2011. Acesso em:Julho/2015. Disponivel: <http://noticias.r7.com/brasil/noticias/saiba­por­que­ninguem­foge­dos­presidios­de­seguranca­maxima­no­brasil­20111002.html>

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106De acordo com o DEPEN ­ Departamento Penitenciário

Nacional (doravante DEPEN), a vigilância é um dos diferenciais desta

prisão em relação aos demais estabelecimentos do país, sendo a

característica que praticamente reduz à zero as possibilidades de fuga.

O governo federal diz que uma penitenciária de segurança

máxima como a do estado de MS, que abriga cerca de 112 internos,220

gera um gasto de R$ 6 (seis) milhões de reais por ano221.

Segue abaixo fotografia de uma das cinco penitenciárias

federais de segurança máxima, que seguem o mesmo padrão nacional:

Figura 12 – Penitenciária Federal de Segurança Máxima222

Fonte: Globo, 2012.

Sobre o funcionamento da penitenciária de segurança máxima

de MS, o DEPEN explica:Nos presídios federais, os agentes das torres de vigilância ficam armados com coletes e capacetes a prova de balas, fuzis de alto calibre, pistolas e granadas de diversos tipos, além de munição reserva para todos os armamentos. Há mais de 200 câmeras de vigilância, espalhadas por todo o presídio, exceto interior das celas. As celas, de 7,14m², têm chuveiro, uma cama, um vaso sanitário, uma pia e uma mesa. Os presos ficam em suas celas por 22 horas. As outras duas servem para banho de sol [...] ocorre em um espaço de 500m² cercado por muros de 7,10² e fechado por cima com telas de grades. Saem no máximo 13 presos por vez, que é o número máximo de presos de cada ala [...] para evitar fugas, as paredes e pisos foram feitos para suportar impactos de

220 LAURIANO, Carolina. Cerca de 25% dos presos mais perigosos do país são do RJ. Globo. 2012. Acesso: Julho/2015. Disponível:< http://g1.globo.com/rio­de­janeiro/noticia/2012/03/cerca­de­25­dos­presos­mais­perigosos­do­pais­sao­do­rj.html>221 SOBRINHO, W.P. 2011, op cit.222 LAURIANO, C. 2012, op cit.

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107até 300 kg. Para evitar resgates por helicóptero, cabos de aço cruzam todo o pátio. Uma vez por semana, eles têm três horas para receber visita e podem assistir a um filme na cinemateca. O encontro é quinzenal, com a duração de uma hora [...]. É no parlatório que o preso tem contato com seus advogados e, às vezes, com visitantes [...] separados por um vidro blindado, eles conversam por interfone, como nos filmes. [...]. Somente parentes e amigos podem visita­los, desde que eles sejam cadastrados e tenham a vida investigada. Visita íntima, só para a companheira devidamente cadastrada.223

A penitenciária federal é considerada uma das mais seguras da

américa latina, e já abrigou vários detentos de notoriedade pública devido

à gravidade dos crimes cometidos e a alta periculosidade e risco

oferecidos a sociedade, como o traficante internacional Juan Carlos

Abadia224 e o traficante carioca Fernandinho Beira­Mar225.

Cumpre mencionar que a referida penitenciária está localizada

a cerca de 500 metros do aterro sanitário da cidade de Campo Grande, e

por conta disto, o Ministério Público Federal, na véspera de inauguração,

alegou que o funcionamento do prédio ofereceria riscos às condições de

salubridade do prédio e imediações, já que a localização favoreceria ao

surgimento de doenças e demais incômodos à saúde dos internos e

funcionários.226

Tal situação, ainda que o Ministério Público Federal não tenha

conseguido barrar o funcionamento do presidio pelos motivos alegados,

evidencia que mesmo o Estado brasileiro, arcando com altos gastos e

suportando grandes riscos, ainda não se viu livre de um dos problemas

mais recorrentes no sistema prisional, que é a carência de estrutura para

sua manutenção, denotando que, apesar de ser um grande passo, ainda

parece distante a solução para a crise carcerária nacional.

223 R7, Portal de Notícias. Infográfico ­ Saiba como funciona um presídio de segurança máxima. Acesso: Julho/2015. Disponível:< http://noticias.r7.com/brasil/infograficos/saiba­como­vive­um­detento­em­um­presidio­de­seguranca­maxima.html>224 GLOBO, G1 Portal de Notícias. Três torres de segurança de presidio federal são alvo de tiros. 2008. Acesso em: Julho/2015. Disponível: http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL400332­5598,00­tres+torres+de+seguranca+de+presidio+federal+sao+alvos+de+tiros.html>225 GLOBO, G1 Portal de Notícias. Governo Inaugura Presídio de Segurança Máxima no MS. 2006. Acesso em: Julho/2015. Disponível:< http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,AA1396217­5598,00­GOVERNO+INAUGURA+PRESIDIO+DE+SEGURANCA+MAXIMA+NO+MS.html>226 Idem.

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108Segundo críticos do sistema, ainda é um modelo carcerário

falho, pois apesar de retirar de circulação das prisões comuns, detentos

nocivos à ordem social, evidentemente gera altíssimos gastos, além de

submeter os internos a isolamento total, levando­os a ‘[...] alienação

mental, loucura ou extrema agressividade’, restando ao fracasso na

ressocialização através da pena de reclusão227.

4.3 – Considerações sobre a crise penitenciária de Mato Grosso do Sul

No que concerne à situação do sistema carcerário do estado

de Mato Grosso do Sul, um panorama da crise pode ser extraído da

interpretação conjunta dos diversos documentos e relatórios emitidos

pelas entidades engajadas em fiscalizar e denunciar os abusos e

depredação que os envolvem.

Desta forma, a organização não governamental Pastoral

Carcerária, emitiu parecer, com base em dados e constatações obtidas

após visitas a cerca de 25 estabelecimentos para cumprimento de penas

privativas, aduzindo que, de forma geral, a condição dos

estabelecimentos prisionais do estado exige melhoras inadiáveis.

A respeito das condições físicas precárias e de superlotação

dos alojamentos e celas, a coordenadora da pastoral, responsável pelo

relatório das cidades do interior do estado, Heidi Cerneka, declara:

[...] a superlotação em algumas unidades é 300% maior que a capacidade. O resultado é o calor insuportável nas celas e o descumprimento recorrente dos períodos de banho de sol. Há celas de castigo insalubres em algumas unidades. [...] Nas delegacias também há denuncias de tortura, com o agravante de que nesses locais não há controle social sobre as ações realizadas.228

227 GLOBO, G1 Portal de Notícias. Governo Inaugura Presídio de Segurança Máxima no MS. 2006. Acesso em: Julho/2015. Disponível:< http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,AA1396217­5598,00­GOVERNO+INAUGURA+PRESIDIO+DE+SEGURANCA+MAXIMA+NO+MS.html>228 PASTORAL CARCERÁRIA. Sistema Prisional de MS precisa de melhorias. Acesso em: Julho/2015. Disponível:< http://carceraria.org.br/sistema­prisional­do­ms­precisa­de­melhorias­alerta­pastoral­carceraria.html#sthash.7CRMRFCC.dpuf>

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109Outro ponto relevante que foi abordado na fala da

coordenadora da Pastoral carcerária no interior do MS, foi a denúncia a

ocorrência de punições disciplinares exageradas, as quais submetem a

tratamento animalesco os detentos que já estão extenuados pelas

condições enfrentadas dentro das celas.

Este problema também pode ser identificado pela Comissão

organizada pela OAB/ MS para fiscalizar e denunciar as irregularidades

dos presídios do estado. De modo similar, declarou Carlos Magno Couto:

[...] no Estabelecimento Penal de Corumbá [...] Passamos em frente de uma cela de isolamento e pedimos para que ela fosse aberta. O preso que lá estava ao sair para fora não conseguia abrir os olhos por conta da claridade. Ele estava lá porque foi pego com um celular [...]229

Com base nisto, conclui­se que a crise do sistema penitenciário

do estado não se limita às condições de superlotação, mas também

envolve problemas de má administração dos recursos humanos do

sistema prisional.

Sobre a administração de recursos humanos no sistema

penitenciário do estado, o relatório da Pastoral carcerária, aduz que há

déficit, além do de vagas, de funcionários para auxiliar na vigilância e

funcionamento dos presídios, vejamos:

A falta de agentes penitenciários prejudica os presos no acesso à educação, à justiça e ao trabalho. Aliás, em muitas unidades, os detentos não podem trabalhar devido à falta de funcionários que os vigiem. “Existe a necessidade não somente de promover um concurso, mas de garantir a criação de mais cargos por lei”. Os que trabalham nos presídios têm o benefício da remição de pena, mas a PCr entende que “é importante remunerar quem trabalha com serviços internos na unidade.230

Sabe­se que atualmente o estado de Mato Grosso do Sul

possui cerca de 1.200 agentes penitenciários trabalhando em todo o

estado, número este que é insuficiente para atender ás necessidades de

uma quantia dez vezes maior de detentos.231

229 JUNIOR, Francisco. Campo Grande News. 2014, op cit..230 CARCERÁRIA, Pastoral, op cit.

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110

Diante disto, resta um déficit de aproximadamente 1.450

agentes técnicos penitenciários apara atender às recomendações da Lei

de Execução Penal e demais Convenções de direitos humanos

penitenciários.232

De modo complementar à necessidade de pessoal apontada

pelo relatório, é necessário que os agentes penitenciários recebam

qualificação técnica para lidar com a pratica penitenciária, a fim de que

saibam bem conduzir a atividade carcerária, sem nunca se esquecer dos

princípios humanísticos da prisão e da proporcionalidade das penas, de

modo que não cometam abusos, seja por omissão em relação aos

supervisionados (detentos) ou por exagero no exercício de suas funções.

Assim explica Andrew Coyle, em capítulo destinado a

compreensão dos procedimentos adotados para aplicação de sanções

disciplinares em penitenciárias, em respeito aos direitos humanos:

A lista de violações disciplinares, claramente definidas e divulgadas na prisão, deve ser acompanhada por uma lista completa das possíveis punições aplicáveis a qualquer pessoa presa que cometer uma das violações. Da mesma forma que na lista de violações, a lista de punições deve ser estipulada em um documento legal, aprovado pela autoridade competente. As punições sempre devem ser justas e proporcionais à violação em questão.233

A análise do autor permite afirmar que mesmo em situação de

cárcere, os presos continuam assegurados dos princípios informadores

do processo legal, sendo que nem mesmo em relação ás sanções

disciplinares, podem ser impedidos de defender­se amplamente ou de ter

acesso ao processamento das disciplinas que lhes são impostas.

Sendo assim, eventual situação de uso forçado destas

medidas, aplicadas ao suposto indisciplinado, por si só já denota

desrespeito aos seus direitos, tronando­se grave a ocorrência de práticas

231 JUNIOR, Francisco, Campo Grande News, 2014, op cit.232 Idem.233 COYLE, Andrew, 2009, op cit, p 101.

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111como a relatada pelo presidente da comissão fiscalizadora da

OAB/MS, Carlos Magno Couto, em visita ao presidio de Corumbá.

Por conseguinte, voltando à análise de outros aspectos da

crise penitenciária estadual, o relatório da Pastoral Carcerária aponta

ainda outros aspectos de tratamento dispensado aos internos, que

também constituem redução de direitos fundamentais em sede de

execução penal.

Dentre eles, cita a falta de fornecimento aos internos de

materiais de higiene pessoal, a prática de comercialização de alimentos

dentro dos presídios, enquanto o Estado deveria fornecer alimentação

adequada aos internos, entre outras práticas234.

A Pastoral ainda relata que as práticas de administração com

que são conduzidos os presídios no estado, também afetam diretamente

a vida dos familiares dos detentos, já que são estes quem custeiam a

alimentação, vestimenta, medicação dos familiares internos, além de

serem submetidas à tratamento vexatório durante as visitas, citando as

revistas intimas abusivas praticadas pelos agentes penitenciários235.

Nas palavras da representante da pastoral, Heidi Cerneka:[...] em todos os presídios no estado há cantinas que vendem produtos de higiene, limpeza e comida, a preços elevados. Segundo denúncias de detentos, as famílias são impedidas de levar produtos que estão à venda nas cantinas. Segundo os diretores todo lucro é revertido para as necessidades das unidades. Porém, se o dinheiro gasto na cantina é do próprio preso ou da família, então os presos estão financiando os próprios remédios e projetos de melhorias nas penitenciárias, quando esta função é do Estado, problematiza Heidi, fazendo outra denúncia.236

Estas situações, relatadas por entidades das mais diversas

naturezas, mas com o objetivo de defender o Direito de Defesa e a

dignidade de quem cumpre penas privativas de liberdade, são indicadores

234 PASTORAL CARCERÁRIA. Sistema Prisional de MS precisa de melhorias. Acesso em: Julho/2015. Disponível:< http://carceraria.org.br/sistema­prisional­do­ms­precisa­de­melhorias­alerta­pastoral­carceraria.html#sthash.7CRMRFCC.dpuf>235 Idem.236 CARCERÁRIA, Pastoral, op cit.

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112da situação de vulnerabilidade do sistema carcerário atual, que já não

consegue mais sequer oferecer segurança para os próprios detentos, e

muito menos assegurar a pacificação social através da ressocialização

destes.

Pode­se inferir, que provavelmente a justificativa de

superlotação dos presídios do estado de Mato Grosso do Sul se dá pela

localização estratégica do estado na rota do tráfico internacional de

drogas, já que faz fronteira com o Paraguai e a Bolívia, dois grandes

exportadores de entorpecentes da América Latina.

Por este motivo, não é surpreendente constatar os elevados

índices de presos pela prática de crimes previstos na Lei de Drogas,

especificamente o tráfico, ainda mais quando se analise a população

feminina, já que as mulheres são frequentemente utilizadas pelos chefes

do tráfico para a comercialização e até mesmo transporte de drogas.

Por conseguinte, cumpre mencionar que o governo do estado

de Mato Grosso do Sul precisa construir no mínimo, três presídios para

comportar o número atual de presos, e ainda, estabelecer convênios com

o governo Federal, para suportar as despesas envolvidas na construção

destes estabelecimentos, a fim de que os projetos sejam executados

conforme as diretrizes estabelecidas pelo Departamento Penitenciário

Nacional.237

No que tange à necessidade de investimentos do poder público

para melhorar o aparato prisional do estado, de modo a oferecer

condições mais humanas para aqueles que cumprem uma pena restritiva

de liberdade, impende destacar que deve haver trabalho conjunto entre as

esferas administrativas, de modo que não fique apenas a encargo

somente do governo federal ou estadual os custos com o sistema.

Essa perspectiva dos sistemas prisionais do estado de MS,

demonstra o quão carentes de investimentos governamentais estão as

penitenciárias, pois é dever do Estado prestar assistência e garantir toda

237 JUNIOR, Francisco. Campo Grande News. 2014, op cit.

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113a infraestrutura necessária ao cumprimento das penas, não só para

fins imediatos, mas para garantir que a experiência de reclusão seja

otimizada e seja possível atingir sua finalidade, que é a emenda de

conduta e regeneração do indivíduo, o que é quase impossível diante da

presente crise, não só estadual, mas nacional.

Por derradeiro, após breve análise da crise do sistema

penitenciário do estado de Mato Grosso do Sul, feita neste capítulo,

transcrevem­se a seguir as impressões extraídas do estudo deste

fenômeno presente no aparato prisional, o qual afeta a dinâmica da

justiça criminal brasileira.

CONCLUSÃO

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114O arremate do estudo da crise do sistema prisional

brasileiro deve observar a importância de conjugar o binômio do direito

penal – direitos humanos, para construir um sistema que possua

mecanismos alternativos a privação da liberdade, como penas

alternativas para crimes não violentos, a fim de reduzir o número de

detentos nos presídios.

A forma como uma sociedade, isso inclui o Judiciário, a

administração pública, o Legislativo, e as próprias pessoas ‘comuns’,

tratam os indivíduos culpados ou acusados de crimes, expõe o grau de

humanidade que têm.

Em verdade, é possível afirmar que se mede o grau de

evolução de uma sociedade não pela riqueza que esta acumula, mas pela

forma como lida, trata e cuida das relações humanas que envolvem o

funcionamento desse grupo.

Os seres humanos são o ‘bem’ mais precioso de uma

sociedade, são sua essência, e, portanto, destituir­lhe desta condição,

retirando suas prerrogativas diante do grupo, os seus direitos, é um

atentado contra a própria organização social.

O presidente da África do Sul Nelson Mandela, em 1998 fez um

discurso para servidores prisionais, cuja reprodução se faz oportuna para

a compreensão do presente tema, ainda mais quando analisado sob o

aspecto humano, vejamos:

Diz­se que ninguém conhece, de fato, um país até estar dentro de suas prisões. Uma nação não pode ser julgada pela forma como ela trata seus cidadãos mais elevados, mas sim como trata os mais simples.238

O Estado deve garantir a segurança a todos os cidadãos,

inclusive os que estão submetidos ao cárcere em função do cumprimento

238 COYLE, Andrew. Administração Prisional: uma abordagem em direitos humanos – Manual para servidores prisionais. 2ª Ed. Tradução Odilza Lines de Almeida.– London : International Centre for Prison Studies, 2009, pg. 17.

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115de penas privativas de liberdade ou sendo investigados, de modo que

o acesso aos seus direitos fundamentais não seja restrito a qualidade do

crime que praticaram, ou ao orçamento financeiro da administração do

estabelecimento em que estão recolhidos.

Contudo, o sistema atual é, infelizmente, contaminado pela má

vontade de governos cujas práticas são ineficazes para atender aos

interesses da coletividade e, muito menos, para recuperar e reabilitar os

indivíduos inseridos no sistema penitenciário.

Na verdade, o que se percebe é que a forma como é conduzido

o atual mecanismo punitivo do país, através de seu aparto prisional, avilta

a dignidade destes indivíduos, a tal ponto, que os bestializa, fazendo com

que, ao fim de sua pena, saiam mais nocivos para a sociedade e a si

mesmos do que quando entraram, de modo que é inevitável a

retroalimentação da violência.

Assim, o sistema prisional somente sofrerá mudanças

substanciais quando a atual lógica encarceradora e vingativa não só da

sociedade, mas dos próprios operadores do direito, for substituída por um

discurso tolerante e compreensivo quanto á condição humana do detento,

dando­lhe a oportunidade de cumprir sua pena dignamente, buscando a

sempre a plena pacificação social e justiça.

Sobre as mudanças no funcionamento das prisões, para que

estas se tornem uma extensão benéfica da justiça, Mandela disse:

Prisões seguras são essenciais para fazer do nosso sistema judiciário uma arma efetiva contra o crime […]. A contribuição plena que nossas prisões podem proporcionar para uma redução permanente nos índices de criminalidade do país também reside na forma em que se tratam os prisioneiros. Não podemos enfatizar com suficiência a importância tanto do profissionalismo quanto do respeito aos direitos humanos.239

239 COYLE, Andrew, 2009, op cit.

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116A respeito disso, com relação à garantia do acesso aos

direitos fundamentais dos detentos, pode­se afirmar que há a

necessidade de promover o resgate da importância destes direitos

humanos para todos os indivíduos, e que é papel do Estado promove­los

e resguardá­los, e quando respeitados, aliados a outras práticas de

promoção e resgate da dignidade destes indivíduos presos, por si só, já

se constitui em política criminal, ainda mais quando tratamos de um país

dotado de desigualdades sociais de proporção continental.

Os dilemas enfrentados pela Justiça Criminal, especialmente, a

morosidade, os entraves na execução das penas privativas de liberdade,

a urgência de aplicação de penas alternativas a crimes não violentos, a

falta de infraestrutura na prisão, de valorização da polícia, a falta do

próprio acesso à justiça e de estrutura das Defensorias Públicas, e

também, o descaso de diversos operadores do sistema de justiça

criminal, além da falta de espaço na mídia para a discussão ampla deste

tema com a sociedade, são os principais causadores da crise do sistema

penitenciário.

É possível apontar duas grandes necessidades hoje, do

sistema prisional brasileiro, a deficiência de infraestrutura dos

estabelecimentos penitenciários, os quais, muitos estão deteriorados, e a

preterição dos direitos e garantias fundamentais constitucionalmente

garantidos, aos indivíduos que estão presos, em detrimento da tentativa

de manutenção de ordem nestes estabelecimentos.

Complementarmente, o governo precisa investir em recursos

humanos para melhoria do sistema prisional, de forma a inserir em seu

funcionamento mais profissionais qualificados para promover o aumento

de sua qualidade do sistema, e desenvolver programas educacionais,

profissionalizantes dentro dos presídios, além de, evidentemente, colocar

mais servidores prisionais a fim de que a vigilância seja realizada nestes

ambientes com mais eficiência e de modo seguro aos carcerários.

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117Deve haver cooperação entre as entidades governamentais

para promover melhorias e investir no sistema penitenciário do Brasil,

evitando­se deixar a encargo somente da União ou dos Estados a

administração e manutenção destes estabelecimentos, pois a existência

de um aparato prisional sadio e seguro a todos interessa quando se trata

de administração da justiça.

Além disso, a adoção de políticas públicas secundárias à

repressão do crime, como o desenvolvimento e incentivo à educação e ao

trabalho, seriam alternativas viáveis, capazes de causar grandes

melhorias em relação aos índices de reincidência, amenizando os efeitos

da crise do sistema penitenciário nacional.

Ainda fazendo uso das ideias contidas no discurso do líder sul­

africano, o caminho para a solução da crise do sistema penitenciário

nacional, muito provavelmente reside na convicção que o próprio

mecanismo punitivo deve ter de que a pena privativa de liberdade, não

deve ser um castigo, mas uma forma de emendar o indivíduo, e isto não é

possível com a violação de seus direitos.

Os pré­conceitos no Brasil, de que ‘a polícia prende e o juiz

solta’, ou que ‘bandido bom é bandido morto’, são o tipo de mentalidade

involuida e leiga que levam a exasperação dos abusos dentro de um

sistema que deveria servir como unidade intensiva social, capaz de

promover mudanças profundas e duradouras nos indivíduos que praticam

crimes.

É preciso evoluir os conceitos de pena, para uma concepção

mais humana, já que as sanções penais e os presídios foram feitos por

pessoas, e para as pessoas.

Deve­se abandonar os ideais pré­medievais de justiça vingativa

e caminhar rumo à uma justiça restaurativa.

A chave para a solução da crise do sistema prisional, é a

compreensão de que os direitos humanos são tão essenciais para a

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118manutenção da ordem e segurança sociais quanto os demais direitos

tutelados pelo Estado.

É preciso desenvolver um mecanismo punitivo fundado no

princípio da punição da conduta reprovável, ou seja, do erro, e não do

castigo à pessoa humana.

REFERÊNCIAS

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119ALBERGARA, Jason. Manual de Direito Penitenciário. 1ª ed.– Rio de Janeiro: Aide, 1993.

ALIGHIERI, Dante. A divina comédia. Porto Alegre: L&PM, 2004.

AMARAL, C. A evolução histórica e perspectivas sobre o encarcerado no Brasil como sujeito de direitos.2013. Disponível em:<

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