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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
LUCIANA MARCHETTI DA SILVA
A CULINRIA CAIARA E A PRTICA DA
HOSPITALIDADE NOS RESTAURANTES ESPECIALIZADOS
EM PEIXES E FRUTOS DO MAR DA BAIXADA SANTISTA
So Paulo
2016
LUCIANA MARCHETTI DA SILVA
A CULINRIA CAIARA E A PRTICA DA
HOSPITALIDADE NOS RESTAURANTES ESPECIALIZADOS
EM PEIXES E FRUTOS DO MAR DA BAIXADA SANTISTA
Dissertao de mestrado apresentada Banca
Examinadora como exigncia parcial para a obteno
do ttulo de Mestre em Hospitalidade, na linha de
pesquisa Hospitalidade: servios e organizaes, da
Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientao do
Prof. Dr. Hamilton Pozo.
So Paulo
2016
LUCIANA MARCHETTI DA SILVA
A CULINRIA CAIARA E A PRTICA DA
HOSPITALIDADE NOS RESTAURANTES ESPECIALIZADOS
EM PEIXES E FRUTOS DO MAR DA BAIXADA SANTISTA
Dissertao de mestrado apresentada Banca
Examinadora como exigncia parcial para a obteno
do ttulo de Mestre em Hospitalidade, na linha de
pesquisa Hospitalidade: servios e organizaes, da
Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientao do
Prof. Dr. Hamilton Pozo.
Aprovado em
________________________________________________________
Prof. Dr. Hamilton Pozo/Universidade Anhembi Morumbi.
________________________________________________________
Prof. Dra. Elizabeth Kyoko Wada /Universidade Anhembi Morumbi
_______________________________________________________
Prof. Dr. Marco Antonio Pinheiro da Silveira/ Universidade Municipal de So Caetano do Sul
s comunidades caiaras,
em especial s do litoral paulista,
ao Prof. Paulo Silas Ozores,
aos meus pais, Maria Ceclia e Luiz Carlos,
s minhas irms Claudia e Renata
e aos meus sobrinhos, Maria Luiza, Sara e Theo.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeo Comisso de Aperfeioamento de Pessoal do Nvel Superior
(CAPES) pela bolsa de estudo que me proporcionou tranquilidade financeira para dedicar-me
a esta pesquisa.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Hamilton Pozo, pela ateno com que recebeu meu projeto
e pelas orientaes tranquilas, ricas em informaes. Agradeo, tambm, pelo respeito, bom
humor, competncia, dedicao e por todas as crticas e sugestes.
Um agradecimento especial aos Professores Elizabeth Kyoko Wada e Sergio Moretti
pelas contribuies significativas durante o exame de qualificao, as quais facilitaram a
finalizao desta pesquisa.
Ao Prof. Airton Cavenaghi, que sempre demonstrou interesse pela cultura caiara e, sem
perceber, encorajou-me num momento em que eu tinha dvidas sobre a relevncia da pesquisa.
A todos os professores do Programa de Mestrado em Hospitalidade da Universidade
Anhembi Morumbi que, atenciosamente, acolheram-me ao longo desses dois anos e
contriburam para minha formao profissional. Sinto-me privilegiada pela oportunidade de
convivncia e aprendizado com todos.
Um agradecimento especial Alessandra, secretria do Mestrado, colaboradora
competente e dedicada, sempre disponvel a nos atender e ajudar os alunos.
minha me, companheira e amiga de todas as horas, que entende meus momentos de
mau humor e impacincia. Tambm pelo seu exemplo de vida, resilincia e otimismo.
Ao meu saudoso e querido pai, meu exemplo de fora e coragem.
Ao Prof. Paulo Ozores, por ter me dado a oportunidade de me tornar professora e
ministrar a disciplina Culinria Caiara no Centro Universitrio Monte Serrat (UNIMONTE).
Aos colegas do mestrado, pelo convvio amigvel e pelas trocas de experincias. Por
todos os momentos de alegrias, ansiedade, risadas, medos, angstias, conversas no Whatsapp,
etc. Desejo muito sucesso a todos!
Aos meus colegas professores, que sempre acreditaram em mim e me incentivaram a
entrar no mestrado, e aos meus alunos, que diariamente me ensinam a ser uma pessoa melhor,
menos preconceituosa e mais generosa.
Aos meus sobrinhos lindos, minhas riquezas, que me abastecem com sorrisos e carinhos.
s minhas irms batalhadoras, que sempre me incentivaram e me animaram.
Agradeo, por fim, a todos aqueles que, de alguma forma, colaboraram para a realizao
deste trabalho: muito obrigada!
De onde vens, patrcio, camarada, amigo?
Salta da canoa, vem pousar em paz [...]
E, no comunismo do meu pobre teto,
A farinha tua, todo peixe teu.
Martins Fontes (1884-1937) Cano Caiara
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo identificar quais fatores interferem na representatividade da
culinria caiara e na prtica da hospitalidade nos restaurantes especializados em peixes e frutos
do mar da Baixada Santista. A culinria regional, por meio da combinao de matrias-primas
e hbitos locais, retrata vivncias histricas e heranas culturais. Nesse sentido, sua oferta
propicia a interao entre pessoas e contribui para o desenvolvimento de vnculos sociais,
concretizando o ato da hospitalidade. Os fenmenos da globalizao e industrializao
modificaram os hbitos alimentares dos brasileiros e as ltimas dcadas do sculo XX foram
marcadas pela padronizao dos alimentos e pelo consumo excessivo de produtos
industrializados em detrimento de alimentos regionais com tradio cultural. Em oposio a
este cenrio, no sculo XXI, temas como sustentabilidade, valorizao das cozinhas e dos
ingredientes regionais e uso de alimentos orgnicos e sazonais ganharam centralidade na
gastronomia brasileira e inspiraram diversos movimentos que visam recuperao das
particularidades regionais. Acompanhando essa tendncia, os restaurantes buscam oferecer
servios de hospitalidade aliados manuteno da cultura regional. Deste contexto, surge a
questo: quais fatores interferem na representatividade da culinria caiara e na prtica da
hospitalidade nos restaurantes especializados em peixes e frutos do mar da Baixada Santista?
A pesquisa caracteriza-se como exploratria e descritiva, de natureza quali-quantitativa. Para a
coleta de dados, alm da pesquisa bibliogrfica, foram realizadas entrevistas semiestruturadas
com os gestores dos restaurantes, aplicado aos mesmos um questionrio fundamentado na
escala Likert e realizado um levantamento dos pratos tradicionais da culinria caiara presentes
nos cardpios. Entre os dias 28 de maro e 4 de maio de 2016, foram entrevistados 44 gestores
de restaurantes especializados em peixes e frutos do mar dos municpios de So Vicente, Santos
e Guaruj. Para a anlise de contedo das entrevistas, foi utilizado o mtodo proposto por
Bardin (2011). Quanto metodologia estatstica, foram utilizados o Teste do sinal para a
mediana, a Correlao de Person e Spearman e a Estatstica Alpha de Cronbach. Nestas anlises
foram utilizados os softwares: SPSS V 17, Minitab 16 e Excel Office 2010. Os resultados
demonstraram que o conceito equivocado sobre culinria caiara e o conhecimento limitado
sobre hospitalidade, por parte dos gestores dos restaurantes, so os principais fatores que
interferem na representatividade da culinria e na prtica da hospitalidade. Sobre a culinria
caiara, a maior parte dos gestores pensa ser a culinria do litoral brasileiro e a relaciona a
qualquer prato preparado com peixes e frutos do mar, citando, inclusive, pratos de outras
nacionalidades, como paella, bacalhau portuguesa, polvo espanhola, etc. Com referncia
aos ingredientes, citaram somente pescados, no fizeram meno a banana, farinha de
mandioca, palmito, taioba, jabuticaba, e tantos outros que caracterizam a culinria caiara.
Verificou-se que os pratos caiaras mais oferecidos so: marisco ao vinagrete, camaro
paulista, fil de pescada grelhado, lula frita, camaro frito, farofa de farinha de mandioca, piro
de peixe, farofa de banana, mandioca frita e tainha assada. Sobre as prticas de hospitalidade
adotadas, constatou-se que os gestores se preocupam com o ritual: receber, acomodar e
alimentar. Entretanto, esquecem-se do entretenimento como um elemento de hospitalidade,
assim como da ambientao, da higiene, da infraestrutura e dos aspectos culturais da regio.
Palavras-chave: Hospitalidade. Culinria Caiara. Restaurantes. Diferencial Competitivo.
Qualidade de servios.
ABSTRACT
The goal of this research is to identify which factors have some influence in the Caiara cuisine
representativeness and in the practice of hospitality in restaurants specialized in fish and
seafood in Baixada Santista, State of So Paulo, Brazil. Using feedstock combination and local
habits, the regional cuisine portrays historical experiences and cultural heritages. In this sense,
its supply provides the interaction among people, contributing to the development of social ties,
thus realizing the act of hospitality. The globalization and industrialization phenomena have
modified the feeding habit of Brazilian population and the last decades of the twentieth century
were marked by the standardization of food and the overconsumption of industrialized products
to the detriment of the regional food with its cultural tradition. In the twenty first century and
in an opposite scenario, subjects such as sustainability, appreciation of the regional cuisine and
its ingredients and the use of organic and seasonal foods gained centrality in Brazilian
gastronomy, inspiring different movements that have as a goal the recovery of the regional
particularities. Following that trend, restaurants seek to offer hospitality services allied to the
maintenance of the regional culture. From that context comes up the issue: which factors
influence the Caiara cuisine representativeness and the practice of hospitality in restaurants
whose expertize are fish and seafood in Baixada Santista? This research is both exploratory and
descriptive, being qualitative and quantitative at the same level. Besides the bibliographical
research, data was collected using semistructured interviews with the restaurants managers;
these managers answered a questionnaire based on Likert scale and a survey was also done
about traditional dishes of Caiara cuisine enclosed in the menus. Between March 28 and May
4, 2016, 44 restaurants managers specialized in fish and seafood answered the mentioned
survey in So Vicente, Santos and Guaruj. It was used the method proposed by Bardin (2011)
for the interview content analysis. Regarding to the statistical methodology, it was used the sign
test for the median, the Spearman and Person correlation and the Cronbachs alpha statistics.
The following softwares were used: SPSS V 17, Minitab 16 and Excel Office 2010. It was
demonstrated that the mistaken concept about Caiara cuisine and the limited knowledge about
hospitality, on the part of restaurants managers, are the main element that influence in this
cuisine representativeness and in the practice of hospitality. About caiara cuisine, most
managers think is the cooking of the Brazilian coast and relates to any dish prepared with fish
and seafood, citing, including dishes of other nationalities, such as paella, codfish portuguese,
octopus spanish, etc. With reference to the ingredients, only cited fish, did not mention the
banana, cassava flour, palmetto, taioba, jabuticaba, and many others featuring caiara cuisine.
It was veryfied that the following Caiara dishes are the major offer: shellfish to vinaigrette,
Shrimp to Paulista, grilled fish fillet, fried calamari, fried shrimp, toasted manioc flour, fish
mush, banana manioc flour, fried cassava and roasted mullet. Concerning to the hospitality
practices adopted, it was veryfied that the managers was worried about the following ritual:
receive, accommodate and feed the guests. However, they forget the entertainment as part of
the hospitality, as well as the ambiance, hygiene, infrastructure and the cultural aspects of the
region.
Key-words: Hospitality. Caiara Cuisine. Restaurants. Competitive Edge. Quality of Service.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Principais autores consultados para a fundamentao terica do Captulo 1........................... 20
Quadro 2 Os tempos e espaos da hospitalidade humana......................................................................... 25
Quadro 3 Principais autores consultados para a fundamentao terica do Captulo 2........................... 47
Quadro 4 Tipologia dos restaurantes ....................................................................................................... 54
Quadro 5 Principais autores consultados para a fundamentao terica do Captulo 3........................... 59
Quadro 6 Pratos tradicionais da culinria caiara base de pescados....................................................... 73
Quadro 7 Pratos tradicionais de Paraty..................................................................................................... 74
Quadro 8 Pratos da culinria caiara do Litoral Sul do Estado de So Paulo............................................. 75
Quadro 9 Pratos da culinria caiara da Baixada Santista e do Litoral Fluminense................................. 76
Quadro 10 Sntese da caracterizao da pesquisa ...................................................................................... 88
Quadro 11 Perguntas e questes que respondem as hipteses da pesquisa .................................................. 89
Quadro 12 Avaliao dos instrumentos de pesquisa por profissionais das reas de Gastronomia e
Hospitalidade ............................................................................................................................ 90
Quadro 13 Matriz de anlise de contedo pelo mtodo Bardin (2011) ........................................................ 92
Quadro 14 Pratos citados como caiaras pelos gestores e a frequncia que foram mencionados................. 105
Quadro 15 Prticas de hospitalidade adotadas pelos restaurantes, segundo os gestores ............................. 110
Quadro 16 A importncia da hospitalidade para o sucesso dos restaurantes, segundo os gestores ............. 111
Quadro 17 Diferena entre hospitalidade e qualidade segundo os gestores ................................................ 116
Quadro 18 Diferena entre hospitalidade e qualidade segundo os gestores II............................................... 117
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 As dimenses da hospitalidade segundo Brotherton e Wood (2004) 23
Figura 2 Os domnios da hospitalidade 26
Figura 3 Estratgia de aplicao do modelo de relacionamento com o cliente 35
Figura 4 Territrio da populao caiara 61
Figura 5 Limites territoriais da Regio Metropolitana da Baixada Santista 81
Grfico 1 Distribuio dos restaurantes conforme os anos de atividade 98
Grfico 2 Distribuio dos restaurantes conforme o nmero de mesas 98
Grfico 3 Distribuio dos restaurantes conforme o nmero de funcionrios 99
Grfico 4 Distribuio dos restaurantes conforme o servio adotado 99
Grfico 5 Distribuio dos restaurantes conforme o ticket mdio 100
Grfico 6 Distribuio dos restaurantes conforme o nmero de pratos oferecidos
nos cardpios 100
Grfico 7 Distribuio dos entrevistados conforme o sexo 101
Grfico 8 Distribuio dos entrevistados conforme a nacionalidade 101
Grfico 9 Distribuio dos entrevistados conforme o cargo exercido nos
restaurantes 102
Grfico 10 Distribuio dos entrevistados conforme a faixa etria 102
Grfico 11 Distribuio dos entrevistados conforme a escolaridade 103
Grfico 12 Nmero de pratos da culinria caiara citados pelos entrevistados como
vendidos nos restaurantes 105
Grfico 13 Distribuio dos cursos oferecidos pelos restaurantes 115
Foto 1 Cerco para a captura do peixe 59
Foto 2 Peixe Azul Marinho 63
Foto 3 Caiara confeccionando uma canoa artesanalmente 64
Foto 4 Tainha assada na telha na Festa da Tainha de Praia Grande 68
Foto 5 Peixe seco 72
Foto 6 Lambe-Lambe 78
Foto 7 Barreado 78
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Sntese das informaes sobre Santos, So Vicente e Guaruj 84
Tabela 2 Localizao dos restaurantes pesquisados 97
Tabela 3 Frequncia absoluta e relativa das questes sobre o nvel de instruo exigido
aos funcionrios dos restaurantes 103
Tabela 4 Frequncia absoluta e relativa das perguntas sobre o conhecimento, aquisio
de ingredientes e demanda da culinria caiara 109
Tabela 5 Frequncia absoluta e relativa das perguntas sobre os treinamentos e
qualidade versus hospitalidade 114
Tabela 6 Descritiva completa para pratos 118
Tabela 7 Frequncia absoluta e relativa dos pratos tradicionais da culinria caiara
vendidos nos restaurantes 119
Tabela 8 Distribuio dos pratos caiaras por tempo de atividade dos restaurantes 120
Tabela 9 Distribuio dos pratos caiaras de acordo com a localizao dos
restaurantes 120
Tabela 10 Frequncia absoluta e relativa de cada resposta nas questes de escala Likert
seguido da mediana de cada questo 122
Tabela 11 Mdia, mediana e desvio padro das variveis demanda, conhecimento e
hospitalidade e teste para mediana
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABIA Associao Brasileira das Indstrias da Alimentao
ABRASEL Associao Brasileira de Bares e Restaurantes
ANVISA Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria
CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
EMPLASA Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S.A.
FEPASA Ferrovia Paulista S.A.
FERROBAN Ferrovia dos Bandeirantes S.A.
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ONG Organizao No Governamental
PIB Produto Interno Bruto
POF Pesquisa de Oramento Familiar
RMBS Regio Metropolitana da Baixada Santista
SINHORES Sindicato dos Hotis, Restaurantes, Bares e Similares da Baixada Santista
UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura
SUMRIO
INTRODUO......................................................................................................................15
CAPTULO 1 HOSPITALIDADE E DIFERENCIAL COMPETITIVO....................... 20
1.1 Hospitalidade....................................................................................................................20
1.1.1 Comensalidade e Hospitalidade nos Restaurantes..........................................................30
1.2 Qualidade de servios como diferencial competitivo nos restaurantes.......................36
1.3 Tendncias gastronmicas do sculo XXI .....................................................................41
CAPTULO 2 OS RESTAURANTES..................................................................................47
2.1 A evoluo dos restaurantes............................................................................................47
2.1.1 O crescimento do segmento food service no Brasil ........................................................51
2.2 Restaurantes especializados em peixes e frutos do mar................................................53
2.3 A importncia do cardpio para os restaurantes .........................................................55
CAPTULO 3 A CULINRIA CAIARA E A BAIXADA SANTISTA..........................59
3.1 A Culinria Caiara..........................................................................................................59
3.2 Caracterizao da Regio Metropolitana da Baixada Santista (RMBS) ....................79
CAPTULO 4 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ...............................................85
4.1 Caracterizao da pesquisa..............................................................................................85
4.1.1 Universo e amostra da pesquisa.......................................................................................86
4.2 Coleta de dados ................................................................................................................88
4.3 Tratamento e anlise dos dados.......................................................................................91
4.3.1 Teste do sinal para mediana ............................................................................................93
4.3.2 Coeficiente de correlao de Pearson..............................................................................93
4.3.3 Coeficiente de correlao de Spearmam..........................................................................94
4.3.4 Alfa de Cronbach.............................................................................................................95
CAPTULO 5 ANLISE DOS RESULTADOS..................................................................96
5.1 Descrio da amostra.......................................................................................................96
5.2 Resultados Qualitativos..................................................................................................104
5.2.1 Culinria Caiara...........................................................................................................104
5.2.2 Hospitalidade.................................................................................................................109
5.2.3 Qualidade de servios....................................................................................................113
5.3 Resultados Quantitativos...............................................................................................118
5.3.1 Anlise dos cardpios ...................................................................................................118
5.3.2 Anlise das questes da escala Likert............................................................................121
CONSIDERAES FINAIS ..............................................................................................126
REFERNCIAS....................................................................................................................132
APNDICE A: Questionrio para identificao caracterizao dos restaurantes ................151
APNDICE B: Roteiro da entrevista semiestruturada...........................................................153
APNDICE C: Questionrio Likert ......................................................................................154
APNDICE D: Relao de pratos da culinria caiara para anlise dos cardpios.................155
APNDICE E: Termo de consentimento livre e esclarecido................................................158
APNDICE F: Tabulao dos dados no Excel......................................................................159
15
INTRODUO
A alimentao mais do que um fato biolgico, um ato social e cultural. A culinria
de um pas, uma regio ou um grupo tnico determinada pelas circunstncias geogrficas,
climticas, econmicas e sociais (BELLUZO, 2006; LODY, 2008). Desse modo, ao focaliz-
la, deve-se levar em considerao o processo histrico-cultural de sua origem, contextualizando
e particularizando sua existncia (CANESQUI, 2005).
Por meio da culinria, as pessoas expressam suas preferncias e averses e a cozinha
torna-se smbolo de uma identidade pela qual as pessoas podem se orientar e se distinguir
(MACIEL, 2004). Toda receita tem vida e, por trs dela, uma histria que foi alterada e adaptada
conforme as referncias e os costumes de uma poca. Portanto, deve ser guardada como
patrimnio cultural e imaterial, preservada para geraes futuras em respeito da sua
ancestralidade (PEANHA, 2009).
O estudo da hospitalidade impreterivelmente passa pela abordagem da alimentao e a
oferta do alimento delimita e concretiza o ato da hospitalidade (LASHEY, 2004; CAMARGO,
2004). Nesse sentido, a comensalidade, entendida como uma forma de hospitalidade, propicia
a interao entre pessoas e contribui para o desenvolvimento de vnculos sociais com uma
dinmica de reciprocidade no mbito da convivialidade e da solidariedade (REJOWSKI;
GIMENEZ; MARANHO, 2014).
A culinria brasileira se formou a partir da miscigenao das culinrias indgena, ibrica
e africana e, com o decorrer do tempo, foi adquirindo caractersticas e peculiaridades prprias.
Devido s grandes dimenses do Brasil e s diversas correntes migratrias, suas regies
possuem diferenas marcantes e pratos tpicos exclusivos, preparados a partir de ingredientes
regionais e adaptados ao clima e sazonalidade dos alimentos. Essa diversidade confere
culinria riqueza cultural, alto valor nutricional e sabores originais.
Em decorrncia da industrializao e da globalizao, ocorreram mudanas nos hbitos
alimentares dos brasileiros, marcadas pelo consumo excessivo de produtos industrializados em
detrimento de produtos regionais com tradio cultural (GARCIA, 2003). Nas ltimas dcadas
do sculo XX, observou-se a preferncia pela quantidade, a padronizao dos alimentos e dos
sabores e a ausncia de tradies regionais ligadas gastronomia brasileira. Essas mudanas
traduziram-se no aumento da demanda por produtos prontos para comer e da frequncia aos
restaurantes.
16
Fortalecendo essas mudanas, o sistema agrrio, para ofertar maior variedade de
alimentos ao longo do ano, recorreu ao uso generalizado e crescente de fertilizantes e
agrotxicos, o que tambm contribuiu para a homogeneizao progressiva dos alimentos
(CONTRERAS, 2011). Como consequncia desse processo, houve o desaparecimento das
produes de carter local e a perda de identidade cultural em diversas regies brasileiras.
Na busca de frear os efeitos nocivos desta realidade, na primeira dcada do sculo XXI,
temas como sustentabilidade, valorizao das cozinhas e dos ingredientes regionais, uso de
alimentos orgnicos e sazonais, comfort food (comida de conforto, comida caseira) e o resgate
das culinrias tpicas, ganharam centralidade na gastronomia brasileira e inspiraram diversos
movimentos organizados, na sua maioria, por chefs de cozinha. Um desses o Brasil Mesa,
liderado pela chef de cozinha Monica Rangel, que defende o consumo de ingredientes regionais
produzidos prximos ao local de consumo.
Como resultado, as manifestaes sociais intangveis vm sendo recuperadas com suas
particularidades regionais e incorporadas ao patrimnio cultural nacional. A ttulo de exemplos,
tem-se os registros do po de queijo e do bolo de rolo como patrimnio cultural e imaterial dos
estados de Minas Gerais e Pernambuco, respectivamente. Tambm vista desses movimentos,
as culinrias regionais vm sendo resgatadas e valorizadas (BELLUZO, 2006).
Paralelamente a isso, o hbito de se alimentar fora do lar intensificou-se entre os
brasileiros e comum nas grandes cidades, onde h uma diversidade de restaurantes que agrada
a todos os tipos de paladares. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
(IBGE, 2004), o brasileiro gasta cerca de 25% de sua renda com alimentao fora do lar. A
Associao de Bares e Restaurantes (ABRASEL, 2015) estima que o setor represente, hoje,
2,7% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. J a Associao Brasileira das Indstrias da
Alimentao (ABIA) destaca que o setor tem crescido a uma mdia anual de 14,2%
(ABRASEL, 2015).
Para se diferenciarem num mercado concorrido, os restaurantes tendem a oferecer
servios de hospitalidade aliados manuteno da cultura regional e preservao dos recursos
naturais, e por consequncia garantir a continuidade local e atrair turistas. Tambm buscam
especializarem-se em determinados produtos, preparao, mtodo de coco, pas e regio,
visando ao aumento da qualidade daquilo que oferecem e diminuio do desperdcio.
Este contexto, somado vivncia acadmica da pesquisadora na ministrao da
disciplina prtica de Culinria Caiara do curso de Gastronomia de um Centro Universitrio da
Regio Metropolitana da Baixada Santista (RMBS), com a constatao de que a maioria de seus
17
alunos, quando ingressam no curso, desconhecem os ingredientes e os pratos regionais e a
percepo de que a oferta dessa culinria e a prtica da hospitalidade so reduzidas nos
restaurantes da regio, despertou o interesse pelo tema deste estudo e instigou o problema da
pesquisa:
Quais fatores interferem na representatividade da culinria caiara e na
prtica da hospitalidade nos restaurantes especializados em peixes e frutos
do mar da Baixada Santista?
Optou-se por estudar os restaurantes especializados em peixes e frutos do mar porque
os pescados so as principais matrias-primas da culinria caiara, portanto, a incluso de pratos
dessa culinria nos cardpios desses restaurantes justifica-se. Quanto escolha da regio, deu-
se porque est localizada num territrio considerado caiara, que abrange cerca de 122 praias
distribudas em 65 km contnuos de extenso litornea no Estado de So Paulo. Alm disso,
destaca-se por sua atividade turstica e apresenta inmeros restaurantes da tipologia escolhida
(JUNQUEIRA; CLARO; GAUDEOSO, 2010).
A partir do problema, foi definido o objetivo geral:
Identificar quais fatores interferem na representatividade da culinria
caiara e na prtica da hospitalidade nos restaurantes especializados em
peixes e frutos do mar da Baixada Santista.
Para tanto, foram traados os seguintes objetivos especficos:
Avaliar o nvel de conhecimento dos gestores dos restaurantes sobre culinria
caiara e hospitalidade;
Analisar os pratos da culinria caiara presentes nos cardpios dos restaurantes;
Analisar a demanda por pratos tpicos da culinria caiara nos restaurantes;
Analisar as dificuldades encontradas na aquisio dos ingredientes tpicos da
culinria caiara.
Analisar as prticas de hospitalidade empregadas nos restaurantes.
As hipteses norteadoras desta pesquisa so:
18
H1. A demanda por pratos tpicos da culinria caiara um fator que interfere na
representatividade dessa culinria nos restaurantes;
H2. O conhecimento dos gestores sobre a culinria caiara um fator que interfere na
representatividade dessa culinria nos restaurantes;
H3. A prtica da hospitalidade nos restaurantes considerada um fator diferencial
competitivo pelos gestores.
Para a academia, a pesquisa relevante porque aborda uma culinria pouco explorada
pela literatura, apresentando um inventrio de seus principais pratos, uma ferramenta que pode
contribuir para futuras pesquisas em diversas reas do conhecimento. Alm disso, o retrato da
viso de gestores de restaurantes sobre hospitalidade e suas prticas pode servir de parmetro
para futuros estudos e abordagens sobre hospitalidade.
No que tange relevncia social, a abordagem da culinria caiara uma maneira de
divulg-la aos gestores dos restaurantes e consequentemente aumentar sua oferta, impactando
na produo de alimentos regionais e na sustentabilidade de pequenos produtores caiaras.
Tambm oferece informaes importantes aos rgos pblicos e Organizaes No
Governamentais (ONGs) que tm como objetivo preservar as comunidades tradicionais.
Para o mercado de alimentos e bebidas, a pesquisa apresenta um diagnstico dos
cardpios e das prticas de hospitalidade adotadas pelos restaurantes especializados em peixes
e frutos do mar, que pode ser til aos estabelecimentos que buscam diferenciarem-se
competitivamente pela qualidade de servios.
Por fim, a pesquisa evidencia o potencial turstico da culinria caiara para a Baixada
Santista, podendo incentivar sua incluso em mais cardpios.
Segundo os objetivos estabelecidos, esta pesquisa caracteriza-se como exploratria e
descritiva. Quanto natureza dos dados, denominada quali-quantitativa. A coleta de dados foi
realizada entre os dias 28 de maro e 4 de maio de 2016 por meio de pesquisa bibliogrfica e
de campo e, para tanto, foram utilizados quatro instrumentos: um questionrio com perguntas
fechadas para caracterizar e identificar os restaurantes e seus gestores; um roteiro com
perguntas semiestruturadas para as entrevistas realizadas pela pesquisadora junto aos gestores
dos restaurantes; um questionrio fundamentado na escala Likert para preenchimento pelos
gestores; e um quadro com pratos caiaras para a pesquisadora assinalar aqueles presentes no
cardpio de cada restaurante.
19
Diante da extenso da Regio Metropolitana da Baixada Santista (RMBS), integrada
por nove municpios (Bertioga, Cubato, Guaruj, Itanham, Mongagu, Perube, Praia Grande,
Santos e So Vicente), por convenincia e disponibilidade de tempo da pesquisadora, optou-se
em estudar os restaurantes especializados em peixes e frutos do mar de So Vicente, Santos e
Guaruj.
Sero apresentados trs captulos conceituais que abordaro as palavras-chave
norteadoras da pesquisa, um captulo com os procedimentos metodolgicos e um com a anlise
dos resultados.
O primeiro captulo, intitulado de Hospitalidade e Diferencial Competitivo, conceitua
a hospitalidade focando-a no domnio comercial; relaciona comensalidade e hospitalidade aos
restaurantes; discorre sobre qualidade de servios como diferencial competitivo nos
restaurantes e contextualiza sobre as tendncias gastronmicas do XXI.
O segundo captulo, intitulado Os Restaurantes, narra a evoluo dos restaurantes
desde o sculo XVII at os dias atuais e apresenta os dados sobre sua posio no setor de Food
Service na ltima dcada; define e descreve os restaurantes especializados em peixes e frutos
do mar; destaca a importncia dos cardpios para a identidade desses estabelecimentos.
O terceiro captulo, intitulado A Culinria Caiara e A Baixada Santista, apresenta a
culinria caiara e caracteriza a Regio Metropolitana da Baixada Santista (RMBS), dando
destaque aos municpios de So Vicente, Santos e Guaruj.
O quarto captulo, intitulado de Procedimentos Metodolgicos, caracteriza a pesquisa
quanto aos mtodos utilizados para a abordagem do problema; natureza dos objetivos; ao
mtodo de investigao e aos procedimentos de coleta de dados. Alm disso, explica os mtodos
utilizados para o tratamento e anlise dos resultados qualitativos e quantitativos.
O quinto e ltimo captulo, intitulado de Anlise dos Resultados, descreve a amostra e
apresenta os resultados, discutindo-os luz da teoria.
Por fim, so apresentadas as Consideraes Finais da pesquisa, bem como suas
contribuies e sugestes para trabalhos futuros, ressaltando algumas reflexes sobre o tema
estudado.
20
1 HOSPITALIDADE E DIFERENCIAL COMPETITIVO
Este captulo conceitua a hospitalidade focando-a no domnio comercial; relaciona
comensalidade e hospitalidade aos restaurantes; discorre sobre qualidade de servios como
diferencial competitivo nos restaurantes e contextualiza sobre as tendncias gastronmicas do
XXI.
Para o embasamento do referencial terico, foram utilizados os autores relacionados no
Quadro 1, abaixo.
Palavras-chave Autores, Instituies e Associaes
Hospitalidade BATISTA, 2008; BENVENISTE, 1995; BROTHERTON; WOOD, 2004;
CAMARGO, 2004; CAMARGO, 2006; GOTMAN, 2009; GRINOVER, 2002;
GRINOVER, 2006; LASHEY, 2015; LASHLEY, 2004; MONTANDON, 2011;
MORETTI; CARRER; SILVA, 2015; OMAHONY, 2015; QUADROS, 2011;
SELWYN, 2004; SYMONS, 2013; TELFER, 2004.
Qualidade de
Servios
CARPINETTI, 2011; FITZSIMMONS; FITZSIMMONS, 2000; GUMMESSON
1998; KOTLER; ARMSTRONG, 2015; LAS CASAS, 1999; LOVELOCK;
WRIGHT, 2001; PARASURAMA ET AL, 1988; TROSTER,1999; ZEITHAML
E BITNER,2000.
Diferencial
Competitivo
KOTLER; ARMSTRONG, 2015; KOTLER; KELLER, 2012 .
Quadro 1: Principais autores consultados para a fundamentao terica do Captulo 1.
Fonte: Elaborado pela autora.
1.1 Hospitalidade
A hospitalidade vem sendo pesquisada a partir de uma perspectiva ampla. No se
limitando s questes de oferecimento de produtos pelas reas de Hotelaria e Alimentos e
Bebidas (A&B), discutida por inmeros autores sob diferentes recortes das cincias sociais e
das cincias e tecnologias aplicadas administrao, educao, comunicao, arquitetura,
ao urbanismo, ao planejamento ambiental, aos recursos naturais etc. (GRINOVER, 2002).
Devido a esta complexidade, a literatura no apresenta consenso em torno de um nico
conceito.
21
Quando utilizada para identificar os servios de hospedagem e alimentao, a palavra
hospitalidade empregada como sinnimo de hospitality industry (indstria da hospitalidade),
que engloba hospedagem, alimentos e bebidas, eventos, viagens. Legitimando esta associao,
Chon e Sparrowe (2003, p. 3), explicam:
A indstria da hospitalidade compreende uma grande variedade de negcios,
todos dedicados a prestar servios a pessoas que esto longe de suas casas.
Hoje, como no passado, os principais componentes da indstria so aqueles
que satisfazem a necessidade de abrigo e acomodao e aqueles que fornecem
alimentos e bebidas a seus clientes.
A origem etimolgica da palavra hospitalidade oferece indcios sobre o seu
significado e amplia a discusso. De acordo com Benveniste (1995), hospitalidade provm
do latino hospitalitate e designa o ato de hospedar; hospedagem; a qualidade de hospitaleiro;
boa acolhida; recepo. J hospes designa hspede, forasteiro, estrangeiro, aquele que
acolhido provisoriamente em casa alheia. Portanto, a palavra remete a um fato social, ao ato
de acolher, alimentar e hospedar o hspede/visitante (BENVENISTE, 1995).
Telfer (2004, p. 54) define o termo hospitalidade como sendo oferta de alimentos e
bebidas e, ocasionalmente, acomodao para pessoas que no so membros regulares da casa.
A ideia da autora se desdobra em vrios sentidos: Por exemplo, uma empresa proporciona
hospitalidade se fornece alimentos e bebidas aos visitantes. Mas, a ideia central do conceito
envolve a partilha da prpria casa a proviso de terceiros e ressalta:
[...] a hospitalidade pode ser vista como um meio, entre outros, pelo qual
algum pode escolher exercer diversas virtudes mais gerais: benevolncia,
zelo pelo bem-estar pblico, compaixo, afetividade. Pode-se cham-la de
virtude operacional: todos devem ser compassivos, benevolentes e afetuosos,
mas nem todos precisam tentar ser hospitaleiros (TELFER, 2004, p. 54).
Na leitura de Brotherton e Wood (2004, p. 192), h dois enfoques amplos (e no
refinados) para definir hospitalidade: o primeiro semntico; e o segundo, comprobatrio. O
enfoque semntico centra-se nas definies dos termos dicionarizados e tende ao
indeterminado. Muitas dessas definies refletem sobre a perspectiva da hospitalidade privada
e incluem os elementos virtuosos da hospitalidade, valores como generosidade, abertura,
hospitabilidade e reciprocidade esto presentes nesses verbetes dados pelos dicionrios
(OMAHONY, 2015). O enfoque comprobatrio procura localizar e definir a hospitalidade
dentro do mundo real da evidncia (BROTHERTON; WOOD, 2004). Os autores, analisando
esses enfoques, identificaram caractersticas importantes atribudas a esse tema e destacaram:
22
Interessa-se pela produo e pela oferta de determinados produtos materiais, isto , acomodao e/ou alimento e/ou bebida;
Envolve uma relao de troca, que pode ser sobretudo econmica, social ou psicolgica por natureza;
Compe-se de uma combinao de elementos tangveis e intangveis, cuja exata proporo varia conforme as condies especficas das diferentes
situaes de troca de hospitalidade;
Associa-se a formas particulares de comportamento e interao humana;
No inevitavelmente sinnimo de comportamento hospitaleiro, que necessrio, mas no suficiente para a existncia da hospitalidade;
uma atividade assumida voluntariamente pelas partes envolvidas;
Pode ser provida e consumida por uma variedade de motivos diferentes;
Pode variar em sua forma especfica, na funo e na razo motivacional ao longo do tempo e espao, mas, na essncia, permanece qualitativamente a
mesma;
uma atividade idealizada para gerar comensalidade e realce mtuo para as partes envolvidas;
Envolve pessoas no processo de troca de hospitalidade;
uma troca que ocorre dentro de uma extenso de tempo intermediria, e que reflete a ntima conexo temporal entre suas facetas de produo e de consumo
(BROTHERTON; WOOD, 2004, p. 202).
Na busca de sintetizar essas caractersticas numa definio, Brotheron (1999, p. 168
apud BROTHERTON; WOOD, 2004, p. 202) props o seguinte: Uma troca humana
contempornea, assumida voluntariamente e concebida para aumentar o bem-estar mtuo das
partes envolvidas mediante oferta de acomodao e/ou alimento e/ou bebida.
Nesta definio, o termo acomodao usado para se referir a qualquer acomodao,
permanente ou temporria, usada para abrigar a troca da hospitalidade e envolve tanto locais
domsticos quanto comerciais, postulando que a hospitalidade ocorre dentro de um lugar. Neste
sentido, inclui lugares ao ar livre, como churrascos, piqueniques, catering etc.
(BROTHERTON; WOOD, 2004).
A Figura 1, na pgina seguinte, esquematiza as dimenses da hospitalidade sugeridas
por Brotheron (2004, p. 203).
23
Figura 1: As dimenses da hospitalidade segundo Brotherton e Wood (2004).
Fonte: Brotherton e Wood (2004, p. 203).
O que se nota na definio de Brotherton e Wood (2004) que a hospitalidade extrapola
um conjunto de atividades do setor de servios ligadas produo e ao fornecimento de
alimentos, bebidas e acomodaes, envolvendo tambm os valores sociais do consumo de
hospitalidade, atravs da noo de aprimoramento do bem-estar mtuo. Alm disso, percebe-
se a combinao entre aspectos tangveis e intangveis, tambm citada por Lockwood e Jones
(2004), como integradora das partes envolvidas, ou seja, receptor e provedor.
Corroborando com esses autores, Selwyn (2004) diz que a hospitalidade deriva do ato
de dar e receber e tambm destaca a importncia daquilo que trocado e onde ocorrem essas
trocas. O autor completa dizendo que a hospitalidade uma maneira de consolidar
relacionamentos com estranhos, por meio do qual a sociedade muda, cresce, renova-se e se
reproduz.
Associando a hospitalidade ao acolhimento, Grinover (2006, p. 32) diz o seguinte:
A hospitalidade supe a acolhida; uma das leis superiores da humanidade,
uma lei universal. Acolher permitir, sob certas condies, a incluso do outro
no prprio espao. A hospitalidade, como diz Jacques Godbout (1997), um
dom do espao; espao a ser lido, habitado, atravessado ou contemplado.
(GRINOVER, 2006, p. 32)
Moretti, Carrer e Silva (2015, p. 2) tambm entendem a hospitalidade como uma troca,
um modo de viver com os outros.
24
[...] ela um signo de civilizao, um modo de viver com outros, regido por
regras, ritos e leis. A noo de hospitalidade, portanto, empregada em
diferentes contextos: desde a hospitalidade familiar, a esfera do Estado (por
exemplo, a legislao sobre estrangeiros), passando pela hospitalidade
comercial, que foge regra da gratuidade e da reciprocidade, at um novo
modo urbano de Hospitalidade (MORETTI; CARRER; SILVA, 2015, p. 2).
Seguindo estes argumentos, Camargo (2004, p. 52) define a hospitalidade como um ato
humano exercido em contexto domstico, pblico e profissional, de recepcionar, hospedar,
alimentar e entreter pessoas temporariamente deslocadas de seu hbitat natural. Com a
finalidade de responder quais as prticas sociais se inserem dentro do processo de hospitalidade,
o autor estabeleceu dois eixos:
O primeiro referente aos tempos sociais da hospitalidade humana: o
receber/acolher pessoas; hosped-las; aliment-las e entret-las;
O segundo referente aos espaos sociais nos quais o processo se desenrola: o
domstico, o pblico, o comercial e o virtual.
Quanto aos tempos sociais, o receber a preocupao inicial, o primeiro contato do
anfitrio com o visitante. O hospedar trata da oferta de abrigo ao estranho, ao que vem de fora.
O alimentar est relacionado a esse acolhimento como forma de saciar a fome. Por fim, o
entreter propor um momento agradvel ao visitante. O Quadro 2, na pgina seguinte, explica
os eixos propostos pelo autor.
25
Recepcionar Hospedar Alimentar Entreter
Domstica Receber pessoas
em casa, de
forma intencional
ou casual.
Fornecer pouso e
abrigo em casa
para pessoas.
Receber em casa
para refeies e
banquetes.
Receber para
recepes e
festas.
Pblica A recepo em
espaos e rgos
pblicos de livre
acesso.
A hospedagem
proporcionada
pela cidade e pelo
pas, incluindo
hospitais, casas
de sade,
presdios...
A gastronomia
local.
Espaos pblicos
de lazer e
eventos.
Comercial Os servios
profissionais de
recepo.
Hotis. A restaurao. Eventos e
espetculos.
Espaos privados
de lazer.
Virtual Folhetos,
cartazes, folderes,
internet, telefone,
e-mail.
Sites e
hospedeiros de
sites.
Programas na
mdia e sites de
gastronomia.
Jogos e
entretenimento na
mdia.
Quadro 2: Os tempos e espaos da hospitalidade humana.
Fonte: CAMARGO (2004, p. 84).
Observa-se que a hospitalidade ultrapassa receber, hospedar e entreter, e pode ser
entendida como uma relao social, em que o encontro de pessoas determina o ambiente
hospitaleiro. Tambm pode ser interpretada como um comportamento que propicia a troca de
benefcios mtuos entre o anfitrio e o visitante (ARAJO; GONALVES; MATIAS, 2014).
Nessa direo, Lashley (2004) sugere que a hospitalidade , essencialmente, o
relacionamento estabelecido entre o anfitrio e o hspede e que para ser eficaz necessrio que
o hspede sinta que o anfitrio est sendo hospitaleiro por sentimentos de generosidade, pelo
desejo de agradar e por ver o hspede como indivduo.
O autor, assim como Camargo (2004), ressalta a importncia de um conceito amplo que
permita a anlise das atividades desenvolvidas em espaos sociais, nomeados por ele como
domnios social, privado e comercial.
Colocando de modo simples, cada domnio representa um aspecto da oferta
de hospitalidade, que tanto independente como sobreposto. O domnio social
da hospitalidade considera os cenrios sociais em que a hospitalidade e os atos
ligados condio de hospitalidade ocorrem junto com os impactos de foras
sociais sobre a produo e o consumo de alimentos, bebidas e acomodao. O
domnio privado considera o mbito das questes associadas oferta da
trindade no lar, assim como leva em considerao o impacto do
relacionamento entre anfitrio e hspede. O domnio comercial diz respeito
oferta de hospitalidade enquanto atividade econmica e inclui as atividades
dos setores tanto privado quanto pblico (LASHLEY, 2004, p. 6).
26
A Figura 2, ilustra os trs domnios e a interseco entre eles, destacando onde ocorre a
experincia da hospitalidade.
Figura 2: Os domnios da hospitalidade.
Fonte: LASHEY (2015).
As definies dos autores convergem para a ideia de que a hospitalidade uma
relao humana concebida para promover a troca, o acolhimento e o bem-estar. Brotherton e
Wood (2004, p. 196) acrescentam que, alm da troca, a hospitalidade envolve uma motivao
comportamental. A esta perspectiva, soma-se a viso de Selwyn (2004, p. 26):
A funo bsica da hospitalidade estabelecer um relacionamento ou
promover um relacionamento j estabelecido. Os atos relacionados com a
hospitalidade obtm este processo de produtos e servios, tanto materiais
quanto simblicos, entre aqueles que do hospitalidade (os anfitries) e
aqueles que a recebem (os hspedes). Uma vez que os relacionamentos
necessariamente se desenvolvem dentro de estruturas morais, uma das
principais funes de qualquer ato de hospitalidade (no caso de um
relacionamento j existente) consolidar o reconhecimento de que os anfitries
e os hspedes j partilham do mesmo universo moral ou (no caso de um novo
relacionamento) permitir a construo de um universo moral em que tanto o
anfitrio quanto o hspede concordam em fazer parte.
27
Essa relao humana, entendida como hospitalidade, pode assumir caractersticas
diferentes dependendo de onde se estabelece. No domnio privado ou domstico, a
hospitalidade ocorre em sua acepo mais ancestral, com todas as decorrncias em termos de
dons e contra dons (CAMARGO, 2006). Neste domnio ou espao, pode-se dizer que a
hospitalidade assimtrica, pois regida por regras, ritos e leis iniciadas no instante que o
hspede se aproxima da casa do anfitrio at o momento de sua partida (MONTANDON, 2011).
O hspede deve obedincia s regras e aos limites do anfitrio e este deve ao hspede acolhida
e cortesia. Quando o hspede desobedece s regras do anfitrio ou quando o anfitrio tolhe a
liberdade do hspede, a hospitalidade d espao para a hostilidade (MONTANDON, 2011).
Quadros (2011, p. 50) diz que o domnio social
[...] representa o conjunto de comportamentos da vida privada, exercida dentro
de um limitado crculo de amizade ou relacionamento, ou seja, nasce no
contexto da vida familiar e se expande para as outras esferas das relaes
humanas.
Enquanto a hospitalidade no domnio social prima pela interao fundamentada na
experincia social, com o objetivo de estabelecer e fortalecer os vnculos, o domnio comercial
reflete a busca da lucratividade por meio da satisfao do hspede/cliente e abole o sacrifcio e
a assimetria ao impor um contrato e trocar servios por dinheiro (QUADROS, 2011;
CAMARGO, 2006). Goudbout e Caill (1999, p. 18) dizem que o dinheiro um antdoto da
ddiva: A menos que se sinta, simplesmente, certo prazer em retribuir. Diante dos riscos
inerentes a qualquer ddiva, o dinheiro e o recurso a uma lgica mercantilista so os antdotos
ao mesmo tempo contraddivas e contravenenos por excelncia.
A relao comercial desliga o anfitrio e o hspede da obrigao da ddiva (GOTMAN,
2009). Com base nesta anlise, Gotman (2009, p. 8) reflete:
Da ddiva relao comercial, o devido substitui a ddiva. A ateno e o
servio so contratuais e no objetos de ddiva e o cliente qualificado pelas
exigncias relacionadas regra do preo justo que mediatiza as relaes
sociais. As relaes no so imediatas e os conflitos, mediatizados, no opem
diretamente os protagonistas, fazendo intervir um terceiro abstrato espcie
de contrato que serve ao mesmo tempo como regulador mas tambm
como escapatria.
Portanto, na oferta da hospitalidade na dimenso comercial, tanto o anfitrio quanto o
hspede entram em uma conjuntura de hospitalidade com reduzido senso de reciprocidade e
28
obrigao mtua (LASHLEY, 2004, p. 19). O anfitrio hospitaleiro para assegurar a
satisfao do hspede, limitar o nmero de reclamaes e gerar uma visita de retorno. J o
hspede tem pouco senso de obrigao mtua, e a troca financeira o isenta disto e da lealdade
(LASHLEY, 2004).
Para Symons (2013), a definio de hospitalidade baseia-se na distino entre famlias
e outras organizaes sociais, denominadas de instituies. As famlias buscam a
reciprocidade por meio da ateno s necessidades fsicas, culturais e psicolgicas. As
instituies, por sua vez, caracterizam-se pela falta de reciprocidade e interessam-se pelas
pessoas como clientes provedores de dinheiro.
No obstante, Camargo (2006) pondera dizendo que o dom subsiste no corao do
mercado. Ento, na hospitalidade comercial, a hospitalidade propriamente dita acontece aps o
contrato, para alm do ou tudo que se faz alm do contrato (CAMARGO, 2006). OConnor
(2005) concorda com esta colocao quando afirma que a hospitalidade uma virtude que
pertence natureza humana.
Retomando Telfer (2004), a autora diz que mesmo existindo um interesse final
calculista, a hospitalidade no domnio comercial pode existir. De acordo com ela, quem oferta
hospitalidade deve assumir o bem-estar daquele que est recebendo. Para que a hospitalidade
seja verdadeira, o anfitrio deve se preocupar com as reais necessidades daquele a quem a
hospitalidade ofertada, havendo um esprito de hospitalidade na relao. Nesse sentido, diz:
Se a pessoa acolhe por dever, ser que est sendo hospitaleira ou est
simplesmente fazendo o que deve? Acredito que ela esteja sendo hospitaleira
desde que aquilo que chamei de esprito de hospitalidade seja generoso [...] se
um hospedeiro comercial atende bem aos seus hspedes com um interesse
autntico por sua felicidade, cobrando um preo razovel no extorsivo por
aquilo que oferece, suas atividades podero ser chamadas de hospitaleiras [...]
Esse tipo de hospedeiro presta um servio generoso, no mnimo, porque
deseja agradar os hspedes; os hspedes pagam, no em hospitalidade, mas
atravs de uma soma de dinheiro, considerada equivalente a um bom negcio
e base para relaes amigveis entre o hospedeiro e o hspede. Dizer que no
se pode considerar que um hospedeiro comercial se comporta com
hospitalidade s pelo fato de ele ser pago por seu trabalho o mesmo que dizer
que no se pode considerar que um mdico se comporta com compaixo
porque ele pago pelo servio que presta (TELFER, 2004, p. 59).
A autora tambm destaca a importncia da motivao do colaborador para o contato
com o hspede/cliente, entendida como hospitabilidade. No h uma receita para estimular a
29
hospitabilidade, mas necessrio que o prestador de servios tenha esta caracterstica, assim
como a empresa deve t-lo em relao ao colaborador (TELFER, 2004).
Lashley (2004) acredita que o treinamento de funcionrios e gerentes, baseado nos
valores de hospitalidade, pode minimizar a impresso imposta comercialmente quanto
hospedagem calculista. A identificao, o recrutamento, o treinamento e a capacitao dos
indivduos para serem hospitaleiros ser fundamental no estabelecimento de uma base
consistente de clientes fiis (LASHLEY, 2004, p. 29).
Com a expresso gente de carne e osso, Batista (2008) permite a reflexo de que
embora o domnio comercial invista em tecnologia e treinamento, a prestao de servios ocorre
entre duas pessoas, gente lidando com gente. Reforando este argumento, Erig e Nascimento
(2015, p. 44) dizem:
A hospitalidade baseada na troca e, independentemente da esfera, seja
domstica, pblica ou comercial, esta troca realizada por pessoas. Assim,
as pessoas passam, nessas trocas, suas tradies, seus costumes e sua cultura.
Sendo assim, deve-se ter o mximo de cuidado quando se refere questo da
mo-de-obra, no sentido de formar bons profissionais que atendam s
expectativas do mercado.
Aps uma pesquisa exploratria, Wada e Moretti (2014), baseados num levantamento
bibliogrfico e anlise de 22 dissertaes do Programa de Ps-Graduao em Hospitalidade,
notaram que
[...] a hospitalidade aplicada em atividades comerciais gradativamente
assumida como genuna, no no sentido de que seja treinada e mesmo
transmitida em manuais de procedimentos, mas como competncia trazida
pelos indivduos que atuam como anfitries, o que pode resultar em
competitividade para a organizao na qual prestem servios (WADA;
MORETTI, 2014, p. 96).
Embora a hospitalidade na dimenso comercial inspire vrias discusses acerca da sua
genuinidade, consenso que o acolhimento, mesmo que ensaiado, constitui-se em troca, em
uma relao de anfitrio e hspede.
Tem-se, ento, que os conceitos de hospitalidade vm sendo discutidos e reformulados
na contemporaneidade, no entanto, a maioria remete ao acolhimento, ao contato humano e
socializao. Objetivamente, relacionam a hospitalidade, a recepo de visitantes ou clientes de
forma agradvel, demonstrando interesse, promovendo conforto e possibilitando o usufruto de
30
servios de qualidade. Neste sentido, a hospitalidade se insere como uma prtica fundamental
nos restaurantes.
1.1.1 Comensalidade e hospitalidade nos restaurantes
A abordagem da temtica da hospitalidade inevitavelmente passa pelo estudo da
alimentao. A oferta do alimento delimita e concretiza o ato da hospitalidade, ainda que este
alimento seja simblico, sob a forma de um copo dgua ou do po que se reparte em algumas
culturas. (CAMARGO, 2004, p. 53). Lashey (2015, p. 81) refora este argumento, dizendo:
O fornecimento de alimentos, bebidas e hospedagem representa um ato de
amizade: cria laos simblicos, conectando pessoas que estabelecem vnculos,
comprometendo os envolvidos com o compartilhamento da hospitalidade (...).
O estudo dos alimentos desempenha um papel importante na definio da identidade de
grupos, comunidades e sociedades, assim como na definio do relacionamento entre pessoas
(LASHEY, 2004).
Sob o mesmo ponto de vista, Selwyn (2004) considera o alimento como principal
ingrediente da hospitalidade. Conforme o autor, preparar, cozinhar e servir o alimento so atos
que transformam culturalmente substncias naturais, desenvolvendo a impresso de que as
estruturas de autoridade cultural so sustentadas no s por Deus, mas tambm pela natureza.
Segundo os relatos bblicos, a comida esteve presente desde os primrdios da
humanidade, inclusive para o estabelecimento de certos limites ou normas. Dois marcos
importantes no processo de socializao humana foram o domnio do fogo e da caa. Ao us-
los, o homem deu um passo significativo para distinguir-se de seus ancestrais homindeos e dos
demais animais.
O domnio do fogo libertou-nos da naturalidade estreita do mundo das coisas
cruas. Nos alimentos modificados pelo fogo como a mandioca crua
transformada em farinha , a natureza transforma-se em cultura. Ao abrir
outro mundo dentro da cozinha, livre das contingncias inflexveis da
natureza (como a toxicidade da mandioca brava), a vida civilizada coloca-
se na dependncia da tcnica, da sensibilidade e da criatividade. A carne,
tornada mais tenra pelo fogo, tem sua digesto facilitada e, por isso, dizem
paleontlogos, a humanidade pde desenvolver sua prpria massa cerebral
como um diferencial notvel em relao s demais espcies animais (ATALA;
DRIA, 2008, p. 52-53)
31
J a predisposio humana de repartir a comida, a bebida e o espao, princpio bsico
da hospitalidade, originou-se quando o homem desenvolveu a capacidade de caar grandes
presas e dividi-las (FRANCO, 2001).
Paula (2002) sugere que a reside a origem da hospitalidade em alimentao e completa:
A ideia de compartilhar o alimento se associa ao princpio bsico da
hospitalidade: o prazer de satisfazer as necessidades dos outros que, explicado
por teorias psicolgicas, gera uma recompensa acima de tudo emocional e que
faz parte da condio humana (PAULA, 2002, p. 72).
A modificao do alimento do cru ao cozido foi interpretada por Lvi-Strauss (2004)
como o processo de passagem do homem da condio biolgica para a social, mas a funo
social das refeies, ou seja, a comensalidade, tambm foi determinante.
A palavra comensalidade deriva do latim mensa, que significa conviver mesa, e isto
abrange o padro alimentar, o que se come e, sobretudo, como se come. Desta forma, no deve
ser considerada apenas como um fenmeno biolgico, mas tambm como um fator estruturante
da organizao social (CARNEIRO, 2003). Por meio da alimentao, possvel entender as
relaes sociais e econmicas mantidas entre os povos de diferentes regies; conhecer a histria
do apetite, dos hbitos e do gosto dos indivduos; preservar a tradio e origem dos
experimentos desenvolvidos na gastronomia, dentre outros (PAULA, 2002, p. 73).
[...] A comensalidade ajuda a organizar as regras da identidade e da hierarquia
social h sociedades, por exemplo, em que as mulheres ou as crianas so
excludas da mesa comum , assim como ela serve para tecer redes de
relaes serve tambm para impor limites e fronteiras, sociais, polticas,
religiosas etc. Ao longo das pocas e regies, as diferentes culturas humanas
sempre encararam a alimentao como um ato revestido de contedos
simblicos, cujo sentido buscamos atualmente identificar e classificar como
polticos ou religiosos. O significado desses contedos no interpretado
pelas culturas que o praticam, mas sim cumprido como um preceito
inquestionvel, para o qual no so necessrias explicaes (CARNEIRO,
2005, p. 72)
De acordo com Boutaud (2011), a comensalidade ou o compartilhar a mesa uma forma
de hospitalidade, uma expresso de civilidade e um dos pilares de sustentao do mundo
contemporneo, compreendida como uma dimenso da hospitalidade. Para o autor, o comer
tem um sentido simblico de partilha, de troca e de reconhecimento que enriquece as relaes
e fortalece os vnculos sociais. Tambm afirma que a ideia de comer e beber junto favorece a
empatia, a compreenso mtua e a comunho dos sentimentos. Em consonncia com esta ideia,
32
Ltoublon (2011) diz que compartilhar a mesa ou a refeio com algum reconhecida como
uma forma de hospitalidade em qualquer tempo e cultura.
Nesta perspectiva, Flandrin e Montanari (1998) destacam o papel social das refeies
como diferenciador entre o ser humano e outros animais e argumentam:
[...] o homem civilizado come no somente (e menos) por fome, para satisfazer
uma necessidade elementar do corpo, mas tambm (e sobretudo) para
transformar essa ocasio em um momento de sociabilidade, em um ato
carregado de forte contedo social e de grande poder de comunicao
(FLANDRIN; MONTANARI, 1998, p. 108).
Corroborando com essa viso, Dias (2002) diz que a mesa um espao de comunicao.
Atualmente, este espao tem se tornado cada vez menor nos domiclios, j que as
mudanas econmicas, sociais e demogrficas geraram demandas que obrigaram o comensal a
reorganizar sua rotina e a alimentao fora do lar tem se tornado uma necessidade. A insero
da mulher no mercado de trabalho, a dificuldade de mobilidade nos centros urbanos e a falta de
tempo para o preparo dos alimentos contriburam para este panorama (RODRIGUES; SABES,
2006).
Na atualidade, a comensalidade caracterizada pela escassez de tempo para o preparo
e consumo de alimentos, pela presena de produtos industrializados e importados, pela
transferncia das refeies dos lares para os restaurantes, pelo uso de marmitas, pela
publicidade associada aos alimentos e pela crescente individualizao dos rituais alimentares
(GARCIA, 2003). Paula (2005, p. XVIII) faz a seguinte interpretao deste momento:
O modus operandi da alimentao sempre esteve relacionado a estilos de vida
e se fssemos analis-lo na contemporaneidade, certamente deveramos
considerar, entre outros fatores, que o tempo para o lazer ainda o tempo que
sobra na rotina: que as mulheres deixaram o tradicional trabalho domstico
pelo trabalho remunerado fora do lar; que a expressiva participao da mdia
na disseminao de um conhecimento anteriormente restrito a determinados
grupos sociais aguou a curiosidade por novas experincias alimentares. Por
estes e outros motivos, cada vez mais as pessoas realizam suas refeies fora
de casa, na busca por prazer, lazer ou por necessidade [...].
Neste cenrio, os restaurantes vm ganhando destaque como espaos de hospitalidade,
pois embora os clientes estejam apressados no dia a dia, no dispensam o ritual do servio em
uma refeio. Alm disso, so uma opo de lazer e entretenimento.
33
De fato, as razes que as levam a se alimentar fora de casa so desde o
suprimento das simples necessidades biolgicas at o atendimento de
complexas variveis sociais, como, por exemplo, comemorar alguma
conquista pessoal ou profissional, comear ou fortalecer um relacionamento,
esclarecer conflitos familiares e de amizade, e inmeros outros motivos. Alm
disso, ainda h outros fatores que podem levar busca desses
estabelecimentos, tais como: ambiente; cardpio; chef; clima; curiosidade;
horrio de funcionamento; indicao; localizao; porte; preo; pblico;
qualidade; sade e servio. (VENTURI, 2010. p. 20).
Os restaurantes comerciais atendem ao pblico em geral, so dispostos a prepararem e
servirem alimentos e bebidas dentro do conceito que se propem a executar do mais simples
ao mais sofisticado (NOVAES et al., 2013). O servio desses restaurantes segue um protocolo
de etiqueta padronizado por: cumprimentar o cliente; acomod-lo numa mesa; anotar o pedido;
servir a comida; entret-lo, remover pratos e talheres usados; receber o pagamento; agradec-
lo, solicitar comentrios e convid-lo para retornar (GIMENEZ, 2014; POWERS; BARROWS,
2004). Percebe-se que este ritual se assemelha aos tempos sociais da hospitalidade humana,
propostos por Camargo (2004): o receber/acolher pessoas; hosped-las; aliment-las e entret-
las.
Observando o processo de recebimento e tratamento em restaurantes, Abreu (2003, p.
45) afirma que percebe-se que na misso empresarial se vai buscar mimetizar a antiga misso
social da hospitalidade, regulamentando e normatizando a hospitalidade comercial da
organizao.
Portanto, os restaurantes no podem ser vistos unicamente como espaos de
alimentao, mas tambm como espaos de sociabilidade e convivialidade (CASTELLI, 2005).
Neles so representados os estilos de vida contemporneo, acompanhados de inmeros
significados sociais, culturais e simblicos (FINKELSTEIN, 2005). Do ponto de vista
antropolgico, reforam a ligao positiva do indivduo a um lugar, provido de identidade e
memria (BAPTISTA, 2005). Podem ser considerados como espaos de lazer urbano e locais
propcios para relacionamentos interpessoais, favorveis vivncia da sociabilidade nas mais
diversas formas (GIMENES, 2004, p. 73).
Nos restaurantes, a hospitalidade ento se origina das relaes e vnculos sociais que
se estabelecem entre os que prestam os servios (anfitries) e os que consomem (clientes)
(GIMENEZ, 2014, p, 4). Para Finkelstein (2005, p. 86), neles ocorrem diversas trocas humanas:
[...] o restaurante um percursor do atual setor de entretenimento, que
comercializa desejos e constri apetites. Durante sua histria, ele estimulou as
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classes sociais a imitarem umas s outras e tem sido a arena onde se rompem
com segurana as divises de classe e onde ocorrem as diversas trocas
humanas, como negcios, sedues, disputas familiares etc. [...]
Embora favorea a troca humana, comer em um restaurante, muitas vezes, pressupe
uma atividade solitria. A hospitalidade pode preencher esse vazio, oferecendo proteo ao
cliente. Meyer (2007), empresrio americano do ramo gastronmico, distingue servio e
hospitalidade como a chave do sucesso comercial, pois servio entrega tcnica e
hospitalidade como a entrega do produto faz seu receptor sentir-se. [...] hospitalidade exige
estar do lado do cliente e ouvir a pessoa em todos os sentidos, dando em retorno uma resposta
atenciosa, corts e apropriada (MEYER, 2007, p. 32).
Tem-se aqui a necessidade de relembrar que a hospitalidade no domnio comercial
diferente da hospitalidade social ou domstica, mas nem por isso ela deixa de existir (LEITE;
REGO, 2007). Quadros (2011, p. 1) prope a integrao entre as caractersticas basais da
hospitalidade e atividade comercial como premissa para o estabelecimento das relaes
sociais, acima de qualquer interesse monetrio. Um restaurante, mesmo que se baseie em uma
atividade comercial deve, primeiramente, se preocupar com a relao humana resultante da
relao comercial.
Utilizando a hotelaria como exemplo, Junqueira e Wada (2010) explicam que o cliente
deve ser bem recebido a ponto de sentir-se em casa. As autoras sugerem uma estratgia de
personalizao da prestao de servio que pode ser aplicada aos restaurantes, conforme a
Figura 3, na pgina seguinte.
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Figura 3: Estratgia de aplicao do modelo de relacionamento com o cliente.
Fonte: Junqueira e Wada (2010).
Observa-se que h quatro pontos-chave interligados: identificar, diferenciar, interagir e
personalizar; e para que esta estratgia se consolide, a troca humana fundamental, pois sem
ela o processo no se inicia, ou seja, impossvel identificar ou descobrir as expectativas do
cliente sem que haja interao do anfitrio (funcionrios) com ele, sem que haja
hospitalidade.
Na concepo de Leite e Rego (2007), conhecer a concorrncia outra maneira de
fortalecer a hospitalidade, pois permite que se oferea um diferencial.
Para Chon e Sparrowe (2003), a interao com os funcionrios o principal fator que
influencia a percepo de hospitalidade, que ocorre no momento do servio, quando o cliente
interage tanto com o espao fsico do restaurante como com os funcionrios. nesse momento
que os clientes comparam o que foi oferecido com o que foi prometido.
Sob o mesmo ponto de vista, Paula (2002) acredita que a relao de hospitalidade em
um restaurante deve ir alm de saciar a fome, deve propiciar uma experincia prazerosa a fim
de conquistar o cliente. Recomenda-se que os restaurantes ajam como anfitries em ambientes
privados e surpreendam seus clientes como se fossem convidados. Para isso, fundamental que
saibam o que eles buscam e quais so suas necessidades reais.
Maricato (2005) salienta a importncia de conhecer o cliente para que ocorra a
excelncia no atendimento e explica:
36
Historicamente, os restaurantes se desenvolveram com o proprietrio sempre
presente, recepcionando, anotando sugestes, ouvindo crticas. Essa ateno
personalizada importantssima nos estabelecimentos de pequeno e mdio
porte. O proprietrio transmite status, carinho, segurana, personalidade
(MARICATO, 2005, p. 151).
O poder da hospitalidade para o sucesso dos restaurantes tambm destacado no
depoimento de Meyer (2007, p. 10), um bem-sucedido restaurateur americano j citado
anteriormente:
Valorizar o poder da hospitalidade e desejar utiliz-lo tm sido as minhas
grandes contribuies a qualquer sucesso obtido por meus restaurantes.
Aprendi como crucialmente importante colocar hospitalidade para funcionar
primeiro para o pessoal que trabalha comigo, e depois para todas as outras
pessoas que tm interesses ou de alguma forma so afetadas pelos meus
negcios em ordem decrescente, os clientes, a comunidade, os
fornecedores e os investidores. Chamo a esta forma de estabelecer prioridades
de hospitalidade consciente. Ela inclui abordagens de negcios mais
tradicionais, mas a base de toda deciso empresarial e de todo o sucesso que
tivemos (MEYER, 2007, p. 10).
Diante desta argumentao, percebe-se que o esprito da hospitalidade e a prtica da boa
hospedagem podem ser diferenciais importantes nos restaurantes, alm de fundamentais na
capacitao dos profissionais e no processo de satisfao das necessidades e desejos dos
clientes. Quando compreendem as relaes do domnio social e privado da hospitalidade,
estabelecendo, com isso, uma relao de reciprocidade com os clientes, os restaurantes
adquirem um diferencial competitivo. O resgate da troca mtua e a consequente identificao
emptica favorece um forte vnculo emocional e cultural entre o prestador de servios e
hspede/cliente. (QUADROS, 2011, p. 55).
1.2 Qualidade de servios como diferencial competitivo nos restaurantes
Atualmente, as bases tradicionais da vantagem competitiva j no existem. Empresas de
vrios setores oferecem produtos compatveis e utilizam tecnologia similar. Estratgias
anteriores para vencer a concorrncia como vantagens geogrficas ou regulamentaes
protecionistas foram desgastadas pela globalizao. Tecnologias so rapidamente copiadas
e inovaes em produtos ou servios parecem cada vez mais difceis de se concretizarem
(DAVENPORT; HARRIS, 2007). Por esta razo, a maioria das empresas vm apostando em
37
pontos de diferenciao centrados na experincia dos clientes com os servios oferecidos
(KOTLER; ARMSTRONG, 2015).
No setor de alimentos e bebidas, este cenrio no diferente. Hoje em dia, um tero dos
brasileiros faz refeies fora de casa. Em uma dcada, esse percentual passou de 25% para 33%
(MACIEL, 2015). Este crescimento tornou o consumidor mais consciente quanto aos seus
desejos e necessidades, fazendo com que os restaurantes repensem seus diferenciais.
A qualidade dos servios passou, ento, a caracterizar-se como um fator de
diferenciao, uma forma de oferecer uma experincia memorvel ao consumidor e a melhor
maneira de atingir um diferencial competitivo (KOTLER; KELLER, 2012).
Genericamente, o conceito de qualidade subjetivo e pode ser aplicado tanto a servios
como tambm a objetos, indivduos, etc. Envolve fatores como necessidade, expectativa e
percepo, que vo atuar diretamente na sua definio.
No incio dos anos 1950, a qualidade era considerada sinnimo de perfeio tcnica,
resultado de um projeto e fabricao responsveis por conferir essa propriedade. Doravante,
percebeu-se que tambm estava associada ao grau de adequao aos requisitos do cliente, e a
qualidade ento passou a ser conceituada como satisfao do cliente quanto adequao do
produto ao uso (CARPINETTI, 2011, p. 6). Este entendimento, que contempla adequao ao
uso e conformidade com as especificaes do produto, tem sido predominante nas ltimas
dcadas.
Compartilhando da mesma viso, Meredith e Shafer (2002) enxergam a qualidade como
um modo eficaz de produzir a custos e preos baixos, atendendo e satisfazendo as necessidades
dos clientes, tornando a empresa competitiva no mercado. J Kotler e Keller (2006) so mais
objetivos e definem qualidade como adequado para o uso, conforme as exigncias,
uniforme, e assim por diante.
Garvin (1992) identificou cinco formas de definir qualidade: transcendental (sensao
de qualidade ao experimentar um produto); centrada no produto (atributos que diferenciam um
determinado produto de outros produtos semelhantes); com base no valor (produto com alto
desempenho a um preo aceitvel pelo mercado); considerada pela produo (atender
otimamente as especificaes do projeto na fabricao de um produto), e do ponto de vista do
consumidor (preferncia do consumidor por um determinado produto que satisfaa suas
necessidades, dada a combinao precisa de seus atributos). Soltani et al (2008) sustentam a
anlise de Garvin (1992) e concluem que qualidade um processo contnuo de melhorias.
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Juran (1992) entende que um cliente fica satisfeito com um produto (bens e servios)
quando este compatvel com suas caractersticas. Em contrapartida, a insatisfao advm das
no conformidades percebidas aps sua experimentao. por essa razo que os clientes
reclamam ou no do continuidade utilizao do produto (JURAN, 1992). Concordando com
este autor, Carpinetti (2012) define qualidade percebida como a relao entre a expectativa e a
percepo por parte do cliente, podendo dizer que a satisfao existe quando a percepo supera
a expectativa e a insatisfao, quando ocorre o inverso. Gianesi e Correa (1994) sustentam esta
definio, dizendo que a qualidade percebida a avaliao que o cliente faz do servio, durante
ou aps o trmino do processo, baseada na comparao entre o que ele esperava e o que ele
percebeu do servio prestado (GIANESI; CORRA, 1994).
Aqui, v-se a importncia de conceituar qualidade de servios mas, para tal, necessrio
definir servios. De acordo com Troster (1999), os servios so atividades que no criam
materiais, mas destinam-se direta ou indiretamente a satisfazer necessidades humanas. Zeithaml
e Bitner (2000) completam esta definio dizendo que o servio consumido na hora em que
produzido e oferece valor agregado intangvel e dedicado a quem compra. Seguindo o mesmo
raciocnio, Kotler e Armstrong (1998) definem servios como um ato ou desempenho
essencialmente intangvel, que uma parte pode oferecer a outra e que no resulta na posse de
nenhum bem, podendo sua execuo estar (ou no) ligada a um produto fsico.
Las Casas (1999) afirma que a prestao de um servio pode gerar satisfao ou
insatisfao nos clientes, arriscando dizer que o produto final de um servio um sentimento,
que varia conforme as expectativas dos clientes e, portanto, o servio pode ser entendido como
um ato ou desempenho intangvel, e embora possa acompanhar (ou no) um bem, o objeto de
transao sempre uma ao, um processo.
Ao se referir qualidade de servios, Parasurama et al (1988) tratam-na como um
conceito altamente relativo, como um julgamento pessoal, formado por cada cliente e, portanto,
difcil de ser mensurado. Conforme Gummesson (1998), uma resposta subjetiva do
consumidor sobre o desempenho do prestador de servios.
Antes de comprarem um servio, os clientes tm uma expectativa, baseada nas suas
necessidades individuais, experincias passadas, recomendaes de terceiros e propaganda de
um fornecedor de servios. Aps comprarem e consumirem o servio, os clientes comparam a
qualidade esperada com aquilo que realmente receberam (LOVELOCK; WRIGHT, 2001).
Na busca de um conceito objetivo, Parasuraman et al. (1988) definiram qualidade de
servio em cinco dimenses: confiabilidade, presteza, cortesia, empatia e tangibilidade.
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Presteza refere-se vontade de ajudar o consumidor e prover pronto-servio. Cortesia envolve
o conhecimento, a maneira e a habilidade dos funcionrios para comunicar confiana e
segurana aos clientes. Empatia definida como a proviso de cuidados e ateno individual
aos consumidores. A ltima dimenso, tangibilidade, representa a aparncia das instalaes
fsicas, equipamentos, funcionrios e materiais de comunicao (FITZSIMMONS;
FITZSIMMONS, 2000).
Nos restaurantes, o produto final, representado pela refeio, depende de uma srie de
servios intangveis que vo desde o atendimento prestado pelo garom at a entrega da conta.
Portanto, prevalecem as qualidades experimentveis, aquelas percebidas pelo cliente no
momento da experincia do servio, diferentes das qualidades pesquisveis, que so objetivas
e no dependem do julgamento pessoal, como peso, cor, tamanho etc. (KOTLER; KELLER,
2012; ZEITHAML; BITNER; GREMLER, 2014).
Na viso de Fonseca (2006, p. 14), so infindveis os motivos que levam as pessoas
aos restaurantes e engana-se quem acha que s pela alimentao ou pelo servio. De acordo
com o autor (2006, p. 14-15), as pessoas podem buscar um restaurante pelos seguintes motivos:
Status - Ver e ser visto, restaurante que pessoas importantes ou famosas ou
pblicas costumam frequentar.
Ambiente - Apresenta alguma peculiaridade, um estilo de decorao, uma
obra interessante, um estilo inovador, entre outros elementos.
Clima - Pode ser dado por diversos aspectos, como estilo dos funcionrios,
a composio entre ambiente e msica, os frequentadores.
Cardpio - Apresenta preparaes interessantes, tradicionais de uma
cultura, inovador em algum aspecto, ou at mesmo um cardpio clssico.
O que importa que os produtos oferecidos atendem aos anseios daquele que
procurou o restaurante.
Curiosidade - Despertada atravs de alguma inovao, por matrias em
jornais, revistas ou pela opinio de amigos, parentes ou conhecidos.
Preo - A relao preo versus qualidade do restaurante; ou dentro de sua
proposta, ou em comparao a outros concorrentes, o restaurante apresenta
uma vantagem competitiva, oferecendo um melhor produto e/ou servio.
Chefe de cozinha - Um nome famoso ou um chefe que esteja apresentando
um bom trabalho.
Estilo de servio - Alguns restaurantes se destacam pelo servio
diferenciado, com jovens atendendo de maneira inusitada ou barmen
executando flair (malabarismos com garrafas). O tipo de servio pode variar
ainda em funo do tempo disponvel e at mesmo da formalidade exigida
ou esperada para a ocasio.
Explicando esses aspectos, Fonseca (2006) diz que todos so expectativas que o cliente
pretende suprir, alguns so geridos pela equipe do restaurante, mas outros so incontrolveis,
compreendem variveis diversas, subjetivas, difceis de serem gerenciadas. Segundo o autor,
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h um comportamento de compra comum a qualquer consumidor que envolve etapas
sequenciais sucedidas por expectativas: identificao da compra, busca de informaes,
avaliao das expectativas, compra e avaliao da compra. A influncia direta do restaurante
neste processo relativa, pois no h como controlar todos os meios de informao procurados
pelo consumidor, mas a partir do momento em que o cliente decide por um restaurante, os
aspectos controlveis devem ser planejados da melhor maneira possvel a fim de que a
expectativa se torne uma experincia positiva (FONSECA, 2006).
Os clientes utilizam trs tipos de caractersticas de qualidade para julgar a experincia
do servio em restaurantes: funcional, relacionada qualidade da comida, variedade do
cardpio, bebida, ingredientes, entre outros; mecnica, associada ao ambiente, layout,
iluminao, decorao e instalaes fsicas; e humana, determinada pelo desempenho,
comportamento e aparncia dos funcionrios (WALL; BERRY, 2007). Sob o mesmo ponto de
vista, Akutsu (2015) acredita que a qualidade est associada aos aspectos intrnsecos do
alimento (qualidade nutricional e sensorial), segurana (qualidades higinico-sanitrias), ao
atendimento (relao cliente/fornecedor) e ao preo.
Com o objetivo de apresentar os principais determinantes da qualidade e do preo
percebidos por clientes de restaurantes la carte, Tino e Ribeiro (2008) identificaram os
seguintes determinantes da qualidade: atributos da comida, atendimento, ambiente, tempo de
espera, limpeza, segurana, instalaes de apoio, cardpio, atributos da bebida, privacidade,
exatido, decorao e confirmao de expectativas.
Hanefors e Mossberg (2003) pesquisaram os fatores que determinam uma experincia
extraordinria em um restaurante e chegaram concluso que a atipicidade da experincia, no
sentido de ser nova ou rara no dia a dia, decisiva. Os resultados da pesquisa tambm sugeriram
cinco dimenses inter-relacionadas: motivao e expectativa, que ocorrem antes da experincia;
interao e envolvimento, que acontecem durante a experincia; e a satisfao, que uma
dimenso ps-experincia.
V-se que clientes contemporneos no buscam somente produtos ou servios, mas
sim experincias que proporcionem vivenciar emoes e experimentar sensaes e situaes
que complementem sua vida cotidiana, conforme apontam Pine II e Gilmore (1998, p. 2). Para
esses autores, a capacidade de criao e de oferta de experincias faz parte do novo diferencial
econmico; portanto, deve ser considerada em qualquer atividade.
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Em sntese, um restaurante, para obter sucesso e diferenciar-se no mercado, deve:
atender bem e surpreender o cliente; ter uma cozinha eficiente; montar um cardpio atrativo;
formar e conservar uma equipe; manter o negcio no caminho certo (SEBRAE, 2015).
Observa-se que um diferencial competitivo deve ter qualidade e ser percebido pelo
cliente. Mais vale um diferencial que conquiste a fidelidade do que diversos que no mudam a
percepo do cliente. Deste modo, o restaurante precisa se preocupar em atender s expectativas
do cliente e buscar na hospitalidade, no treinamento dos seus funcionrios e na ambientao,
seu principal diferencial no mercado (ARAJO, 2012).
1.3 Tendncias gastronmicas do sculo XXI
O crescimento do mercado de alimentao fora do lar impactou nos clientes, tornando-
os mais exigentes e seletivos. A globalizao foi outro fator que contribuiu para este cenrio. A
fim de atender populao local e aos turistas, os proprietrios dos restaurantes esto mais
atentos s tendncias gastronmicas e variedade e qualidade dos servios e dos produtos
oferecidos.
Em contrapartida, este fenmeno atuou como fator determinante na modificao dos
hbitos alimentares, transformando o estilo de vida de, praticamente, toda a populao mundial.
Produtos industrializados conquistaram um grande pblico, principalmente nos centros urbanos
onde o fast food faz parte do cotidiano de milhes de pessoas (PINHEIRO, 2005). No Brasil, o
crescimento de lanchonetes reflete a adeso do modelo norte-americano como referncia de
modernidade e smbolo do primeiro mundo (GARCIA, 2003).
Em decorrncia disso, a sade do meio ambiente foi afetada. Um estudo acadmico
feito nos Estados Unidos (EUA) mostrou que a produo, a estocagem e a conservao de
alimentos enlatados, embutidos e fast food todos com processamento industrial so
responsveis por cerca de 20% da queima de combustveis fsseis (derivados do petrleo) nos
EUA (INSTITUTO AKATU, 2006).
Sobre os problemas ambientais que o sistema alimentar americano trouxe ao meio
ambiente, Barber (2015, p. 18) diz o segu