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A Cultura do Remix - Hibridismo e Cibercultura

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Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, para obtenção do Bacharelado em Comunicação Social com Habilitação em Publicidade e Propaganda.

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES PÚBLICAS, PROGANDA E TURISMO

A CULTURA DO REMIXHIBRIDISMO E CIBERCULTURA

RAFAEL ARRAIS BIIHRERNº USP 5133112

Curso: Publicidade e Propaganda

Período: Noturno

Turma: 2004

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comunicações e

Artes da Universidade de São Paulo, no Departamento de Relações Públicas,

Propaganda e Turismo, para obtenção do Bacharelado em Comunicação

Social com Habilitação em Publicidade e Propaganda.

Orientador: Prof. Dr. Sérgio Bairon

SÃO PAULO

2010

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os amigos que me ajudaram a desenvolver esse trabalho,enchendo a minha caixa de email de referências ou nas conversas em mesas de café.

Agradeço ao Felipe Pissardo por me fazer pensar o texto com mais racionalidade.Agradeço ao Rodrigo Abou pelas referências e pelo suporte (inclusive, gastronômico).

Agradeço aos meus professores de graduação e ao meu orientador, Sérgio Bairon, que sempre me abriram horizontes.

Agradeço à minha família por toda a paciência e incentivo,meus tios, avós, primos e irmãos, que estiveram sempre ao meu lado.

Mas sobretudo dedico esse trabalho aos meus pais, Carlos e Marli.Os responsáveis por essa monografia estar sendo escrita são vocês.

Obrigado.

“Have you noticed? Everywhere you look, pop culture has been digitized, resequenced, and reassembled. Remixed. It started in music with hip hop samples and extended dance versions. It moved to movies, with director’s cuts and Tarantino-style swipes from other films. Now it’s spread to TV, games, music videos - even cars and fashion. From Kill Bill to Gorillaz, from custom Nikes to Pimp My Ride, this is the age of the remix.“

Revista Wired, Julho de 2005.

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SUMÁRIO

A CULTURA DO REMIXHibridismo e cibercultura

RESUMO pg.08

PREFÁCIO pg.10

INTRODUÇÃO pg.11

Parte I: CONTEXTO pg.16

CONCEPÇÕES DE CULTURA pg.17

FORMAÇÕES CULTURAIS pg.18

COMO TRATAR TRANSIÇÕES CULTURAIS pg.19

CULTURA DE MASSA pg.20

DAS MASSAS PARA O CIBERESPAÇO pg.23

O PÓS-INDUSTRIAL E O PÓS-MODERNO pg.25

A POPULARIZAÇÃO DO COMPUTADOR E DA REDE pg.27

MÍDIAS DIGITAIS pg.29

DEFININDO CIBERCULTURA pg.29

NOVOS INDIVÍDUOS E FORMAS DE SOCIALIZAÇÃO pg.32

O SABER NA CIBERCULTURA pg.34

Parte II: REMIX pg.36

“TUDO É REMIX” pg.37

ARTE E REMIXABILIDADE pg.39

CIBERARTE pg.43

A RAÍZ DO REMIX: A MÚSICA pg.45

REMIX E CIBERCULTURA pg.47

Parte III: O REMIX NA PLATAFORMA DIGITAL pg.49

A CULTURA DO REMIX pg.50

LINGUAGEM DIGITAL, METAMÍDIA E HIBRIDISMO pg.51

MODULARIDADE pg.54

AUTOMAÇÃO, VARIABILIDADE E DECODIFICAÇÃO pg.56

ALEGORIA, RELEVÂNCIA E REPETIÇÃO pg.57

Sumário

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INTERATIVIDADE pg.63

INTELIGÊNCIA COLETIVA pg.64

MONTAGEM E COMPOSIÇÃO DIGITAL pg.65

AMADORISMO E POLISSEMIA pg.66

DEMOCRATIZAÇÃO DAS FERRAMENTAS DE EDIÇÃO

E ACESSO À PRODUÇÃO CULTURAL pg.67

EXEMPLOS DE MASHUPs

A PARTIR DAS MATRIZES DA LINGUAGEM pg.71

PREDOMÍNIO DA MATRIZ VERBAL pg.71

PREDOMÍNIO DA MATRIZ SONORA pg.73

PREDOMÍNIO DA MATRIZ VISUAL pg.75

EQUILÍBRIO DAS MATRIZES pg.76

Parte IV: PROPRIEDADE INTELECTUAL E WEB pg.82

NOÇÕES DE PROPRIEDADE INTELECTUAL pg.83

OBRA E AUTORIA pg.85

LEI VS. REMIX pg.86

PIRATARIA pg.90

PLÁGIO pg.90

A CRISE DO COPYRIGHT pg.92

A LEI DE DIREITO AUTORAL BRASILEIRA pg.95

ALTERNATIVAS: ECONOMIAS HÍBRIDAS pg.96

ALTERNATIVAS: REVENDO A LEI pg.98

ALTERNATIVAS: COPYLEFT E CREATIVE COMMONS pg.99

CONSIDERAÇÕES FINAIS pg.102

ANEXOS pg.108

BIBLIOGRAFIA pg.121

Sumário

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RESUMO

A forma com que o homem lida com a cultura está diretamente relacionada à tecnologia de sua época. Ao disponibilizar uma rede de acesso e compartilhamento de conteúdos e democratizar as técnicas de edição desse material, o computador e a internet revolucionaram a forma com que as pessoas se relacionam com a cultura.

Essa revolução se dá pela inversão da lógica da produção da “indústria cultural de massa”, onde existe um núcleo profissional que emite conteúdo para uma massa de consumidores-receptores. Na cibercultura, todos os indivíduos podem ser tanto emissores quanto receptores de conteúdo, qualquer usuário pode produzir e reeditar material. Essa nova prática pode ser vista como uma “cultura do remix” – um processo que consiste em fracionar e recombinar obras e ícones culturais para expressar-se, gerar novos sentidos reescrevendo, reeditando, recompondo constantemente usando como base o que antes não possibilitava a interferência do receptor.

Porém, essa dinâmica abala os conceitos de obra, autoria e propriedade intelectual que o homem vem estruturando desde a invenção da imprensa e da consolidação da indústria cultural. Hoje a lei tenta regular a internet da mesma forma que regulava os meios de comunicação de massa, e acaba por criminalizar os hábitos de toda uma geração. Cabe às instituições, particulares e públicas, o desafio de fazer a antiga e a nova forma de se relacionar com a cultura conviverem em uma dinâmica econômica e legalmente viável.

PALAVRAS-CHAVE:

Cibercultura, Remix, modularidade, hibridismo, direito autoral.

Resumo

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ABSTRACT

The way that a man comes up against the culture is directly related to the technology of his time. By providing a network to access and share content and democratize the editing techniques of this material, the computer and the Internet revolutionized the way people relate to culture.

This revolution befalls by reversing the logic of production of “mass culture industry,” where there is a professional core that sends contents to a mass of consumers-receptors. In the cyberspace culture, all individuals can be both sender and receiver of contents, any user can produce and re-edit material. This new practice can be seen as a “remix culture” - a process that is to fractionate and recombine works and cultural icons to express themselves, generating new meaning by rewriting, recasting, rebuilding and constantly using it as a foundation - something that could not be interfered by the receptor.

However, this dynamic affects the concepts of work, authorship and intellectual property that men has been building since the invention of the press and the consolidation of cultural industries. Nowadays the law attempts to regulate the Internet the same way it used to regulated the means of mass communication, and ultimately criminalize the habits of an entire generation. It is for institutions, private and public, the challenges of make the former and the new manner of relate to culture cohabit in a practicable economic and legally dynamic.

KEY-WORDS:

Cyberculture, Remix, modulariry, hybridism, authors’ rights.

Abstract

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PREFÁCIO

Cursar Comunicação só fez sentido para mim depois de alguns anos de curso. Percebi que a grande revolução social que a nossa geração está presenciando é baseada, sobretudo, nos novos paradigmas da comunicação. Me sinto privilegiado por ter visto a popularização do computador pessoal nos anos 90, e por acompanhar essa evolução como observador e ator ao mesmo tempo.

A necessidade de escrever sobre remix veio da observação de uma tendência na vivência estética diária como usuário. Veio da experiência, da verdade desvelada, da qual senti a necessidade de conhecer mais para reconhecer melhor.

Por isso escolhi falar dessa revolução da forma que mais gosto: falando de cultura. Agora, me proponho a aproveitar a oportunidade de fazer a monografia como uma tentativa de entender melhor como se dão as práticas culturais e a criatividade na era digital.

A primeira parte do tabalho se preocupa com a contextualização do tema, enquanto as duas partes seguintes vão se aprofundar na questão do remix. A última das partes é um pouco destoante do resto do texto, pois deixa um pouco de lado a teoria para encontrar um ponto tátil onde se possa aplicar a defesa teórica e gerar uma discussão sobre o papel sociocultural da remixagem, levantando a bandeira da concepção de “cultura livre”.

Para reunir as referências que fui colhendo durante a montagem do TCC em um espaço de fácil acesso, criei o tumblr “aculturadoremix.tumblr.com”, até mesmo para conseguir gerar links mais simples para o material sonoro e audiovisual de suporte. E a idéia é que os posts não parem quando a monografia for concluída.

E da mesma forma que a linguagem digital, essa monografia também foi constituída em formato modular, em pequenos capítulos ou temas, que podem inclusive ser acessados individualmente.

Você que está lendo está convidado a copiar, colar e readaptar esse trabalho também.

Fique a vontade para remixar essa monografia.

Prefácio

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INTRODUÇÃO

A TECNOLOGIA COMO CONDICIONADORA DA CULTURA

A tecnologia interfere muito na nossa forma de lidar com a cultura. Dizer que é ela quem define nossa forma de produzir, transmitir e absorver conhecimentos e experiências talvez seja uma afirmação pretensiosa. Mas, com certeza, podemos dizer que a tecnologia é um dos fatores que condiciona a forma com que a sociedade lida com sua produção intelectual, artística, com todo tipo de contextualização e relação social típicas da vivência humana.

De acordo com Pierre Lévy, “uma técnica é produzida dentro de uma cultura, e uma sociedade encontra–se condicionada por suas técnicas”1. É importante ressaltar essa relação de ‘condicionamento’ ao qual a cultura é submetida, e não de ‘determinação’. Uma técnica é capaz de abrir novas possibilidades de mediações para as pessoas, e muitas práticas que conhecemos nem mesmo poderiam ser pensadas sem a existência de algumas tecnologias.

Antes da escrita, por exemplo, as sociedades orais passavam conhecimentos e experiências através da linguagem falada, de modo que a transmissão de uma mensagem se passava sempre em um momento em que o receptor e o emissor partilhassem de um contexto comum. A escrita significou uma mudança brusca na nossa relação com o conhecimento, pois ele poderia ser difundido com mais facilidade e precisão tanto em um âmbito geograficamente maior (para territórios cada vez mais distantes) quanto temporalmente (através das gerações). Era mais fácil entrar em contato com as idéias de pessoas que moravam há milhares de quilômetros de distância, que falavam outros dialetos, e até mesmo com idéias de pessoas que já haviam morrido.

Nesse momento, o enunciador e o receptor deixaram de obrigatoriamente ter um contato direto e dividirem o mesmo contexto para que a mensagem fosse comunicada. E com o surgimento da imprensa de Gutemberg no século XV, as idéias foram cada vez mais se “universalizando”, ou seja, reproduzidas exatamente da mesma forma independente de onde ou para quem são proferidas – o que possibilitou o surgimento de novos estilos de conhecimento (como o “conhecimento teórico”) e até mesmo novos gêneros, como os

Introdução

1 LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999. pg.25

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códigos de leis e o romance. Os sistemas de comunicação e a memória social mudaram. Ou seja, a escrita condicionou a forma com que a sociedade lidava com a cultura. A função da palavra mudou.

Novas tecnologias trazem novas mediações, novos modos de comunicação e de expressão.

A CULTURA COMO INDÚSTRIA

Um impacto também atingiu o mundo musical quando surgiram as tecnologias que impulsionaram a indústria fonográfica no final do século XIX, como o gramofone e o disco de vinil. Antes até mesmo da invenção do piano automático, para se ouvir música era necessário se deslocar até um local específico, presenciar um concerto, ou “fazer” a própria música. A necessidade de “re-criar” constantemente cada canção fazia parte do cotidiano e da relação que as pessoas tinham com a sonoridade – uma relação ligada ao amadorismo e ao improviso.

A partir do momento em que os discos de vinil foram popularizados, tornou-se possível reproduzir uma canção em qualquer lugar, sem a necessidade de um instrumento musical. A música estava pronta pra ser ouvida a qualquer instante, pois estava gravada num disco de plástico com encarte, lado A e lado B. E não importava por quem, onde ou quando a canção seria reproduzida, ela seria sempre a mesma, nota a nota, verso a verso – assim como o discurso que passou a ser escrito e altamente difundido depois de Gutemberg.

Por um lado, nesse momento os indivíduos passaram a ter acesso a uma variedade de canções nunca antes imaginada. Por outro, para ouvir música fora dos concertos não era mais necessário “fazer a música” – bastava “tocar o disco”. As pessoas se reuniam cada vez menos para ouvir e tocar instrumentos nas comunidades locais de forma amadora, e cada vez mais para ouvir o que o gramofone, a vitrola e logo mais o rádio tinham para lhes dizer. Conseqüentemente, a música foi cada vez mais se profissionalizando, deixou de ser uma atividade inerente à forma com que a sociedade entendia a cultura sonora. O amadorismo foi perdendo força, a composição era cada vez mais uma especialidade alheia. Nossa forma de se dedicar à cultura se tornou cada vez mais passiva.

Introdução

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É o que o autor Lawrence Lessig2 chama de uma transição de uma “Read-Writing culture”, ou “cultura do Ler-Escrever”, para uma “Read-Only culture”, ou “cultura do Apenas-Ler”. Nessa transição, o homem deixa aos poucos de enxergar a possibilidade de intervenção na música e passa a consumi-la cada vez mais de forma não-participativa. Um consumo que, impulsionado pela evolução tecnológica, nos conduziu ao auge do “apenas-ler”: a indústria cultural de massa, como teorizou Adorno3.

As novas tecnologias foram os as grandes precursoras do desenvolvimento dessa indústria: a televisão, as fitas cassetes, os vídeocassetes, os CD players e os DVDs democratizaram imagem, som e movimento para o mundo, ao mesmo tempo que verticalizaram a produção cultural e organizaram o seu fluxo numa via de mão única. Para uma obra ser mercantilizada em larga escala e atender às demandas de consumo, ela é padronizada como qualquer outro produto: todo filme e toda música tem uma versão final que é transferida para um suporte físico, e em seguida entra em uma estrutura de distribuição de fluxo único que parte de uma elite produtora profissionalizada e chega às massas, ao consumidor final. Essa estrutura é composta de um emissor isolado de seus receptores: quase não possibilita um feedback, um diálogo entre ambas as partes. E uma vez que o público-espectador não consegue interferir na obra, ele se mantém um consumidor passivo, sentado na frente de um aparelho apenas recebendo informações.

O acesso aos diferentes produtos culturais foi democratizado, mas a forma de produção foi centralizada – ou seja, ela seguiu a lógica do mercado. Aos poucos a cultura deixou de ser uma plataforma plana, baseada na relação de divisão e compartilhamento entre as pessoas, para se tornar cada vez mais hierárquica.

A CULTURA EM REDE

E como dito anteriormente, a nossa relação com a cultura é extremamente dependente das técnicas da nossa época. A tecnologia foi a vedete de diversas transformações estruturais na nossa sociedade e na nossa forma de entender e fazer cultura, de nos comunicarmos e de nos organizarmos.

Introdução

2 LESSIG, Lawrence. Remix: making art and commerce thrive in the hybrid economy. The Penguin Press, New York, 2008.3 ADORNO, Theodor. HORKHEIMER, Max. A Dialética do Esclarecimento Tradução: ALMEIDA, Guido de. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

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Mas hoje, mais uma vez, vivemos mais um momento de mudanças intensas nas estruturas comunicacionais impulsionado pela tecnologia: o computador e a internet vieram redefinir a relação que já estávamos habituados a ter com a cultura e reorganizar muitos dos processos com que estamos acostumados. Eles não são apenas um novo suporte para informações e conhecimento, mas ferramentas que criam novas formas de se conectar e se relacionar com as pessoas e com a produção humana.

Vemos o surgimento de toda uma nova gama de práticas e relações que migrou do suporte analógico para o digital – o que alguns autores nomeiam como cibercultura (sobre o qual falarei mais na Parte I da monografia). Para alguns autores, como Lévy, essa mudança “provavelmente terá –ou já tem – um efeito tão radical sobre a pragmática das comunicações quanto teve, em seu tempo, a invenção da escrita”4.

Se a evolução tecnológica aprisionou as obras em caixas, a evolução tecnológica conseguiu eliminar a necessidade dessas mesmas caixas para se consumir nossa produção: o computador possibilitou a digitalização do material cultural e ligou as pessoas em uma grande rede de conexões por onde esse material pode circular. Mais do que isso, a ferramenta pra produzir e disseminar cultura voltou para as mãos das pessoas comuns. Agora, digitalizar a produção cultural significa poder compartilhá-la, fracioná-la, recombiná-la e retransmití-la inúmeras vezes.

A sociedade em rede não só retoma os valores de uma “cultura do ler-escrever”, como também os potencializa. Esse relacionamento entre o homem e a produção cultural pode ser mais uma vez plano, seguindo sua lógica inerente de adaptação e transformação, de forma fluída, viva. A obra não é mais necessariamente única e imutável, ela pode ser estilhaçada e recriada, refeita continuamente de forma amadora por qualquer um.

Passamos a ter dois sistemas de comunicação midiática convivendo juntos – o massivo e o em redes – que são de extrema importância para entendermos nossa atual configuração social, a opinião e a vida pública contemporânea. Estamos vivendo uma reconfiguração da paisagem midiática, onde a cultura pode ser mais livre e democrática do que nunca. Ela pode unir à lógica do consumo uma nova forma de entender as relações e obras humanas: a lógica da remixabilidade.

4 LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999. pg.114

Introdução

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DIRETRIZES

Esse estudo parte de uma pergunta ampla e extremamente importante para entendermos nosso momento sociocultural: como lidamos com a produção cultural hoje?

Por isso, vou começar analisando nosso contexto midiático na Parte I da monografia e tentar entender o que é a cibercultura, para poder embasar o ponto que, para mim, é a espinha dorsal da nossa forma de lidar com a produção cultural hoje: a possibilidade de intervir na obra.

Minha opção aqui é enxergar as práticas de intervenção cultural digital, tanto profissionais quanto amadoras ou artísticas, com o escopo da “remixabilidade”: a lógica que permite ao usuário comum acessar módulos de uma criação original e reconfigurá-la de acordo com a própria forma de ver o mundo, retomando um hábito de reescrever a sua cultura no dia-a-dia. Esse é o tema da Parte II da monografia, uma tentativa de definir “Remix”.

Na parte III, vou dissertar sobre as características do suporte digital que potencializam a cultura do remix, mostrar o por que a cibercultura é guiada por essa lógica e exemplificar a monografia com alguns mashups sonoros, visuais e verbais.

Na Parte IV, vou tentar trazer a teoria para nossa realidade atual e dissertar sobre alguns dos problemas que essa mudança na forma de consumir cultura está enfrentando em uma sociedade já estratificada nos moldes da indústria de massa e engessada pelas leis de Direito Autoral.

Mais do que tentar entender um pouco mais sobre como se dão as práticas culturais digitais hoje, essa monografia quer mostrar o Remix como uma lógica inerente à sociedade em rede, uma prática possibilitada e potencializada pelo computador e pela internet, que tem que ser entendida e respeitada como uma atual etapa da evolução da nossa cultura.

Introdução

PARTE I:CONTEXTO

PARTE I:CONTEXTO

PARTE I:CONTEXTO

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PARTE I: CONTEXTO

Qual a relação que o indivíduo tem com a informação hoje? O que faz alguns teóricos dizerem que passamos por uma revolução comunicacional tão impactante quanto o surgimento da imprensa de Gutemberg, ou até mesmo à revolução neolítica?

Para esboçarmos essa dinâmica contemporânea, vamos primeiro entender um pouco dos pontos dos quais estamos partindo: nossa concepção de cultura e quais formações culturais podemos distinguir na história da humanidade.

CONCEPÇÕES DE CULTURA

Tentar definir o termo “cultura” me parece “tentar segurar o ar com as mãos”. Mas como essa monografia fala basicamente sobre dinâmicas culturais, vou tentar dar um vislumbre de uma concepção que nos será útil ao desenvolver o raciocínio proposto mais a frente no texto.

Em todos os sentidos, a palavra “cultura” nos remete ao latim, que se refere literalmente ao cultivo do solo. Mas o que compreendemos aqui é seu aspecto humano, a “cultura da alma”, todo o aprendizado e concepções que o homem cultiva. Muitas definições já foram pensadas, umas mais humanistas e outras mais antropológicas, umas mais restritivas e outras mais amplas, umas mais ligadas à concepções morais individuais e outras mais ligadas ao estado intelectual e material de uma civilização ou de uma sociedade. Nós vamos estabelecer uma visão mais abrangedora, assim como define Santaella5: vamos enxergar a cultura como a “parte do ambiente que é feita pelo homem”.

Ela está na nossa percepção do ambiente natural e social, na tradição e legados humanos e nas relações entre os indivíduos; é o conjunto de valores e regras sociais, nossos hábitos individuais e coletivos, a língua e as linguagens, as crenças, as idéias e as estruturas de pensamento, a estética, os objetos ao nosso redor e aqueles que conseguimos imaginar, a tecnologia, os ofícios e as artes. A cultura é tudo aquilo que o ser humano conseguiu

5 SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano. Da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paululs, 2003. pg.31

Parte I

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cultivar dentro de si próprio através do pensamento e da linguagem. Sob um ponto de vista semiótico, cultura é mediação, pois onde há vida, reside inteligência e, portanto, mediação.

Nesse nosso argumento, é importante ressaltar algumas premissas sobre essas dinâmicas, que servirão de base para algumas das “bandeiras” que vamos hastear em defesa de uma “cultura livre” a partir da Parte IV:

“A cultura é viva”. 1. Ela se expande e toma espaço, se desenvolve em níveis cada vez maiores de complexidade, como um organismo que cria novas técnicas e se adapta à condições próprias dos ambientes naturais em que se insere, ou também às condições causadas por si própria sobre um ambiente. Esse conceito é uma premissa para defendermos a inevitabilidade de algumas manifestações e evoluções no fluxo cultural, gerador e proveniente, ao mesmo tempo, de novas práticas, novas técnicas, novas tecnologias e linguagens. Iniciativas que tentam frear a adaptação e desenvolvimento das práticas culturais à novas realidades são como cordas que tentam atar os pés de um gigante.

“Na cultura, tudo é mistura”.2. Tudo na cultura surge de algo, de hibridismos, de correlações. O avanço na cultura é o próprio avanço do homem, pois é ela quem justifica nossas visões, atitudes e ações, nossos fetiches, crenças, ideologias, lutas, etc. A cultura é um processo em constante releitura e readaptação.

FORMAÇÕES CULTURAIS

A autora Lúcia Santaella, em seu livro “Culturas e Artes do pós-humano”6, classifica no total seis eras de “formação cultural” na história da humanidade: a cultura oral, a escrita, a impressa, a de massa, a das mídias e, finalmente, a digital.

Pra a formatação do argumento dessa monografia, nos cabe ressaltar sobretudo as diferenças entre o que classificamos como cultura de massa e como digital (ou cibercultura) e, em um momento mais analítico, relembrar aspectos da cultura oral que foram “desvalorizados” nos momentos seguintes (culturas midáticas) e retomados nos processos comunicacionais de rede.

6 SANTAELLA:2003.

Parte I

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Santaella não trata a transição entre formação de massas para a digital de uma forma direta. Ela nomeia um período entre ambas, chamado de ”cultura das mídias”, caracterizado por uma “cultura disponível e pelo transitório”, pela diversificação, segmentação e hibridização das mídias, sendo um período de escolhas de consumo individualizadas e não massivas. São processos estabelecidos pelas fotocopiadoras, videocassetes e aparelhos de gravação de vídeo, walkmans e walk talks, pela indústria do videoclipe, dos videogames, das videolocadoras e o surgimento da TV a cabo. De acordo com Santaella, foram esses os meios que prepararam o homem e sua sensibilidade para a busca de consumo midiático e cultural individualizado típico da cibercultura.

Tendo em vista que a “cultura de mídias” é caracterizada pela transição da organização em massa para as redes, vamos nos ater às diferenças entre estes dois últimos momentos, para darmos mais destaque às peculiaridades revolucionárias de um contexto digital.

COMO TRATAR TRANSIÇÕES CULTURAIS

Ao denunciar a transição de uma cultura de massa para uma cultura de rede, estou automaticamente nomeando dois momentos de organização sociocultural, baseados não só nas diferentes tecnologias e mídias vigentes em cada período, mas em toda a repercussão no comportamento e funcionalizações das relações interpessoais que geram e são influenciados por essas técnicas. Como dito na introdução, vou seguir essas classificações baseado nas técnicas e mídias em vigor, ressaltando que não são estas quem “ditam” os comportamentos e estruturas socioculturais – como agentes externos desumanos agindo sobre as pessoas – mas sim como frutos de um meio e parte de um processo cultural maior, uma visão das técnicas como extensões da linguagem, percepção e estruturas do pensamento, e as mídias como extensões do corpo. São elementos não só condicionadores da cultura, mas sobretudo parte dela.

Essas tendências não são lineares nem substitutivas, não se excluem nem surgem de forma homogênea em todo o mundo. Falo de transição de um grupo de valores para outro por uma questão classificatória e epistemológica, a fim de ajudar na compreensão do nosso contexto. A cultura não pode ser vista em uma linha temporal linear, e sim como uma mancha complexa, múltipla e inteligente, com capacidade de adaptação surpreendente.

Essas “formações” ou “eras” culturais são reflexos do acesso às novas mídias concebidas, e convivem com dinâmicas típicas das relações comunicacionais anteriores.

Parte I

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A sociedade oral, escrita e impressa não deixaram de existir com a chegada da era da comunicação de massa. Mas as características de cada uma se adaptou à nova formação sociocultural condicionada pelos meios de difusão massivos. Como disse Kerkhove7, quando uma tecnologia de comunicação é introduzida, lança uma guerra não-declarada à outra existente.

Alguns suportes se substituem no processo de evolução tecnológico ao cumprir a função do suporte anterior (como o papel substituiu o papiro, que havia substituído o couro), da mesma forma que alguns meios acabam “evoluindo” para um canal superior funcionalmente correlato (como o telefone substituiu o telégrafo). Mas as mídias no geral não seguem uma linha de uso excludente, e sim adjacente, complementar. Seus usos acabam por adaptar-se ao contexto influenciado pelo novo advento, gerando uma convivência baseada nas sutis diferenças entre os processos comunicacionais específicos de cada meio. Por isso o teatro não deixou de existir depois do advento do cinema, e nem o cinema desapareceu com a chegada da televisão. São práticas diferentes, não excludentes. É evidente que o teatro sofreu mudanças com a difusão do cinema, ou o cinema ganhou novos processos e regras na era televisiva. São convivências baseadas em novos engajamentos e laços intermidiáticos. Mas o importante é que nenhuma dessas práticas morreu com a disseminação da outra.

E da mesma forma, a internet não vai matar a televisão, e a cultura digital não vai substituir a de massas. Essa lógicas estão se sobrepondo e se mesclando, ganhando novas práticas e dinâmicas, se fundindo e revezando momentos de influências diferentes sobre os agentes do processo comunicacional.

Hoje a mídia massiva e a rede convivem no mesmo espaço. Se reinventam, se fundem e divergem constantemente, em um processo comunicacional que se complexifica cada vez mais. Mas ele é muito diferente do que foi antes da digitalização do material cultural, e são as características do mundo midiático pré-computadores interligados que vamos levantar agora.

CULTURA DE MASSA

Se a escrita e a imprensa conseguiram espalhar idéias de uma forma que subvertia a noção de tempo e espaço das sociedades orais, logo a revolução industrial alidada às

7 KERCHOVE, Derrick de. A Pele da Cultura, Lisboa: Relógio D’Água, 2007. pg. 117

Parte I

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evoluções técnicas de impressão e gravação em longa escala mudariam completamente a nossa forma de lidar com a cultura. Se somarmos à isso a invenção e popularização dos aparelhos de rádiodifusão e teledifusão de conteúdo, temos um contexto comunicacional totalmente novo, que ajudou a estruturar toda a dinâmica social do século XX. O capitalismo industrial se traduzia em mídias que seguiam os seus mesmos valores.

Por um lado, a possibilidade de “compactar” a produção cultural em suportes fez a forma com que o homem se relacionava com a cultura ter uma grande mudança. Isso significava poder tocar uma música, ver um filme ou consultar uma imagem diversas vezes e em qualquer lugar. Não era mais necessário ir até concertos ou exibições, nem mesmo “fazer cultura” para poder consumí-la. Por outro, a possibilidade de consumir produção inédita, ao vivo, através de um aparelho eletrônico que captava e reproduzia sons e imagens, também significou mais uma revolução. A informação era transmitida em tempo real e para um público cada vez maior, o que gerava um senso de realidade comum à toda a massa receptora e acelerava algumas indústrias de consumo (como a fonográfica ou a da moda).

A cultura de massa surgiu com o jornal e seus coadjuvantes, o telégrafo e a fotografia, e acentuou-se com o surgimento do cinema. Mas foi o rádio e, principalmente, a televisão, que solidificou a idéia de “mass media”. Os padrões de energia transmitidos são apenas enviados – eles viajam até a casa dos telespectadores mas não retornam. Os únicos feedbacks possíveis são as medições e respostas mercadológicas. A absorção de informação é direta e simples, quase não implica resistência – o que abriu um enorme campo para a publicidade.

Theodor Adorno, membro da escola de Frankfurt, descreve durante o pós-guerra essa nova relação do homem com a mídia como “indústria cultural” – uma crítica à sociedade mercadológica que englobou a produção cultural numa lógica consumista que visa sobretudo o progresso técnico. Ou seja, o termo não se refere às mídias em si, mas à transformação da produção cultural em mercadoria. As críticas à essa lógica reforçam o fato de que uma elite difusora usasse os meios de comunicação para disseminar idéias que alienassem a população, e que as obras culturais fossem diluídas e padronizadas para poderem ser eficientemente comercializadas para um grande número de receptores.

Os responsáveis em produzir a obra que seria consumida pelas massas se profissionalizaram e se centralizaram. O pólo emissor produzia cultura de forma profissional, transformava aquilo em um produto, e o vendia em larga escala para um público consumidor. Veículos como o rádio e a TV possibilitaram o acesso à produção cultural para uma enorme massa de ouvintes e espectadores – mas sempre a partir de um pólo restrito de emissão de conteúdo.

Parte I

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Acho interessante abrir parenteses nesse raciocínio para citar que as concepções de indústria cultural não são tão bem recebidas por alguns autores, como Néstor García Canclini8. Ele critica os estudos marxistas que classificaram a primeira etapa da comunicação de massa superestimando a capacidade de determinação das empresas em relação às audiências, já que no consumo também se manifestaria uma espécie de “racionalidade sociopolítica interativa”. O consumir seria seria uma “continuidade” dos conflitos de classes, já que significa também participar do que a sociedade produz; seria um direito buscado através das exigências sindicais e associações de consumidores pensadas pelos setores populares; um meio de interação na qual produtores tentam justificar-se racionalmente para o público.

De qualquer forma, a comunicação massiva se caracteriza, basicamente, por um sistema onde a mensagem que chega até toda a massa de receptores parte de centros emissores controlados por empresas, mantidos pela publicidade, que competem entre si dentro de uma dinâmica mercadológica. Esse processo moldou toda a dinâmica cultural do século XX. Foi um período de consumo cultural majoritariamente passivo, onde o público não gerava feedback, uma via comunicacional de mão única. A mensagem midiática nesse contexto é recebida em um espaço privado, não explora o contexto do destinatário e ignora suas particularidades temporais, regionais e psicológicas. É uma prática redutora, que massifica e indiferencializa o público; já que para aumentar sua eficiência, a lógica da produção de massa precisa centralizar a emissão e, consequentemente, homogenizar e despersonalizar o homem de massa.

A recepção da informação na televisão, imprensa, rádio ou cinema pode ser caracterizada sobretudo por ser uma absorção isolada de um imaginário social único e diluído, uma “universalidade totalizante”. Por mais que haja uma interpretação individual por parte do receptor, o processo comunicacional não possibilita intervenções transversais da sua realidade e experiências pessoais: o conteúdo é gerado longe das interações das comunidades e acaba se tornando, muitas vezes, um simulacro diluído, negligenciando singularidades. Como é transmitida para uma enorme massa de receptores, esses processos criam sim uma “universalidade”. Porém, por não ser um conteúdo articulável às diferentes traduções, contextos e especificidades locais, esse campo de sentidos é concebido como uma expressão de “denominadores comuns” das mentes dos destinatários, exigindo o mínimo de suas interpretações e aplicando cargas emotivas e cognitivas mais universais.

8 CANCLINI, Néstor Garcia. Consumidores e Cidadãos. Conflitos multiculturais e globalização. Tradução: Marício Santana Dias. 6.ed. Editora UFRJ, Rio de Janeiro, 2006. pg. 61

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Mídias de difusão eletrônica, principalmente a televisão, são capazes de “diluir e até neutralizar distinções geográficas e históricas, adaptando-as a padrões médios de compreensão e absorção”9. Meios de massa como a TV, o rádio, o jornal e as revistas são capazes de se esquivar à divisões socioculturais (como por exemplo, as próprias classes sociais). São independentes de mecenas, doações e outras formas de captação de verba, e por isso são ligados à lógica mercadológica da audiência e do consumo em sua raiz.

Tanto que uma das características da dinâmica comunicacional de massa é a mistura entre os campos da cultura popular e da erudita, antes claramente delimitados. Com o avanço da complexidade midiática ficou difícil distinguir entre o que provinha da “elite culta”, o que provinha das classes mais baixas, o que era difundido exclusivamente em meios de massa e quais eram os hibridismos entre esses campos.

Em decorrência dessa busca, no início do século XX a indústria fonográfica, por exemplo, deixou de lado a música regional e as produções locais para públicos locais. Apenas discos de música erudita tradicional tiveram antes um público internacional. A padronização do produto e do gosto de consumo das massas é uma das características da dinâmica da indústria cultural. De acordo com Lévy, “a difusão das gravações provocou na música popular fenômenos de padronização comparáveis aos que a impressão teve sobre as línguas”10.

Da mesma forma, para atender às características cognitivas das massas, a composição das obras se tornava cada vez mais emotivo e espetaculoso. McLuhan11 já havia descrito o contexto de uma sociedade midiáticas onde, ao contrário dos contextos orais, os telespectadores inserem-se apenas de forma emotiva no espetáculo e não de forma prática. Ou seja, assistem ao que lhes é encenado sem se sentirem possíveis atores dentro da obra.

DAS MASSAS PARA O CIBERESPAÇO

Mas o fim do século XX viu a democratização de uma tecnologia que seguia uma lógica totalmente inversa: a internet chocou a indústria cultural ao mostrar que tinha o

9 SANTAELLA:2003. pg.5610 LÉVY:1999. pg.13811 MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. 3.ed. São Paulo: Cultrix, 1971.

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poder de descentralizar os pólos emissores e possibilitar que qualquer pessoa, além de poder falar o que pensa para muitas outras pessoas, possa também produzir e interferir no conteúdo que antes ela só podia assistir.

Esse ambiente se caracteriza, basicamente, por conter emissores não necessariamente ligados às grandes empresas. A massa que antes apenas recebia uma mensagem unificada agora está cada vez mais fragmentada, buscando informações diferenciadas e, principalmente, passando a intervir no processo comunicacional. O “espectador” virou “usuário”, a “massa” virou “nichos”, e o indivíduo pode não só produzir e difundir seu próprio conteúdo, mas também julgar, opinar, intervir, ajudar a difundir e classificar o conteúdo que está disponível na rede.

A digitalização da produção cultural criou um ambiente novo, um espaço comunicacional criado pela interconexão mundial dos computadores, uma rede que abriga um universo de informações e novas formas de relações entre seres humanos – que vamos chamar de “ciberespaço”, um espaço de fluxos, rizomático e descentralizado11.

A interação nesse novo ambiente é baseada em um dispositivo comunicacional diferente daqueles que outros suportes midiáticos possibilitavam: uma dinâmica de emissão e recepção “de todos para todos”, onde comunidades interagem cooperativamente em um contexto comum. A imprensa, o rádio e a televisão são estruturados em um fluxo de informação “de um para todos”, com o pólo emissor restrito a um pequeno núcleo de pessoas organizadas e um pólo receptor composto de toda uma população com acesso às mídias de massa, uma mancha dispersa e passiva partilhando de contextos não necessariamente comuns. Já o correio e o telefone são estruturados por uma dinâmica “de um para um”, pois unem interlocutores de forma interativa, mas apenas através de um contato ponto a ponto.

É essencial entender a diferença do fluxo que a informação digitalizada pode ter em relação ao de massa. Ele pode acontecer de qualquer ponto a qualquer ponto, de “uma para um”, de “um para todos” e de “todos para todos”, possibilitando a simultaneidade sensorial e o fluxo bidirecional (ou multidirecional) da informação. Se a comunicação de massa vinculava a forma ao conteúdo, o suporte à forma de transmissão, o ciberespaço não formata nem centraliza esse fluxo, deixando a mensagem correr livremente dentre os usuários.

Se antes o centro emissor no processo comunicativo midiático era centralizado, conforme teorizou Adorno ao falar da Indústria Cultural, agora o centro é pulverizado. As

12 LEMOS, André. Cultura das redes – Ciberensaios para o século XXI. EDUFBA, Salvador, 2002. pg. 23

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formigas agora não têm apenas megafones13, mas também sampleadores, câmeras de vídeo e fotografia, estúdios de tratamento, salas de edição...

No ciberespaço ainda existe a tendência de formação de um imaginário e um contexto social compartilhado, porém não mais imposto por um núcleo restrito – ou seja, um “universal não totalizante”. É como retomar alguns aspectos das interações humanas das sociedades que ainda não tinham contato com a escrita: onde o mesmo contexto era sempre partilhado pelos envolvidos no processo comunicacional. Mas agora, a interconexão em larga escala e acesso a uma memória coletiva em tempo real possibilitam a formação dessa universalidade diferente, que abrange e é influenciada pelas mais diversas singularidades de seus componentes, receptores e emissores ao mesmo tempo. Se a mensagem na cultura de massa era recebida de forma descontextualizada, a mensagem na era digital pode novamente entrar no contexto dos agentes comunicacionais, baseando-se nos elementos comuns ao indivíduo usuário. O “universal”, o “aqui e agora” da sociedade em rede, não é mais articulado com base no fechamento semântico que a descontextualização causava, mas se totaliza pelo contato e pela interação dos envolvidos, ganhando um aspecto multifacetado, de compatibilidade e interoperabilidade generalizada.

O PÓS-INDUSTRIAL E O PÓS-MODERNO

Se o autor e a gravação são os responsáveis por manter a unidade da obra e sua estabilidade de sentidos, na sociedade em rede, como veremos mais para frente, esse conceito de autoria única é desconstruído e junto com ele a unidade semântica da obra. Em um meio em que ela pode ser alterada por qualquer usuário, muitos se tornam autores. O sentido e a intenção da produção são consequentemente quebrados, mantendo partes anteriores e combinando novos siginificados, como em um caleidoscópio.

A era digital surge dentro de uma sociedade pós-industrial14: um contexto onde os valores industriais já vão dando lugar a formas diferentes de organização social, baseadas em informação e na prestação de serviços, situadas na terceira fase do capitalismo (uma dinâmica de monopólios e multinacionais, de um mercado financeiro globalizado e na

13 ANDERSON, Chris. A cauda longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.14 BELL, Daniel. The Coming of Post-Industrial Society: A Venture in Social Forecastinl. New York: Basic Books, 1973

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predominância do terceiro setor).

Nesse momento, a tecnologia proporciona passagem de uma cultura analógica para uma cultura digital (ver Parte III: Linguagem Digital e Hibridismo) e transforma a obra em um meio aberto de recursos de mixagem e remixagem, e a rede em um meio de transformação cooperativa contínua, em uma reserva informacional que ao mesmo tempo é o canal de comunicação e a memória comum. Essa forma com que a cultura se estabelece no ciberespaço dá suporte para algumas idéias ligadas à pós-modernidade, desenvolvidas por autores como Jean-François Lyotard15.

Esse período que sucede toda a ruptura de padrões estéticos trazida pela modernidade é caracterizado por ser um momento em que “grandes narrativas e ideologias” deixam de ser máximas vigentes, em que ocorre a multiplicação e fragmentação de centros e um esfacelamento da totalidade, uma multiplicidade e um entrelaçamento radical de épocas, pontos de vista e legitimidades; em que surge um indivíduo globalizado, multicultural e saturado de informação, cujas relações sociais são cada vez mais complexas.

No ciberespaço, a comunicação é universal e mais plural do que nunca. Batchen16 chega a declarar que o ciberespaço representa a possibilidade de um “avanço distintivo e definitivo” para além da era moderna e que, nele, o pós-modernismo encontrou finalmente uma “face que lhe é própria”.

Poster17 diz que a sociedade informacional produz uma reconfiguração da lingugem, gerando sujeitos fora do padrão do indivíduo racional e autônomo que caracterizava a cultura impressa. Na era digital ele é multiplicado, disseminado e descentrado, com identidade instável. E uma vez instável, ele forma a sociedade pós-moderna. Ambos se realizam em uma configuração midiática e uma produção cultural também fragmentadas – a cultura de redes e a remixabilidade, conforme falaremos adiante.

Essa é a realidade da informação quando ela não está mais presa no fluxo unidirecional do processo comunicativo massivo e passa a ser disposta na rede. Cada indivíduo é um nódulo de convergência dentro de uma estrutura rizomática de troca de conteúdo, podendo acessar material disposto em qualquer ponto a partir de qualquer outro ponto. Toda essa mudança traz impactos não só na nossa vivência comunicacional midiática, mas também altera toda nossa visão de mundo e nossa relação com a cultura. Para designar esse novo

15 LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008. 16 BATCHEN, Geoffrey. Spectres of cyberspace In: MIRZOFF, Nicholas (ed). The visual culture reader, London/New York, Routledge, 1998. pg.27417 POSTER, Mark. The second media age. Cambridge, Polity Press, 1995. pg. 57-60

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momento cultural, aquilo que Santaella chama de “cultura digital”, nós adotaremos a concepção de Lévy e Lemos, a de “cibercultura”.

A POPULARIZAÇÃO DO COMPUTADOR E DA REDE

Em 1945 surgiam os primeiros computadores na Inglaterra e nos EUA: grandes máquinas de calcular criadas para fins militares, que ocupavam salas inteiras, utilizados para resolver uma sequência de cálculos científicos. Algumas décadas depois, essas máquinas começaram a ser utilizadas para estabelecer um sistema de comunicação entre unidades militares norte-americanas, sem um centro definido e com múltiplas possibilidades de vias de fluxo, o que o tornaria extremamente seguro. A ARPANet se abriu aos poucos para as universidades, e logo o tamanho dessa rede exigiu a remodulação de seus protocolos de comunicação, dando origem às bases da Internet.

Enquanto isso, o uso civil do computador crescia. O desenvolvimento e a comercialização dos microprocessadores nos anos 70 que começou a levá-lo para as mãos de pessoas físicas sem especialização técnica. Era o início de uma ressignificação social da informática, já que a popularização das novas técnicas foi aliada à onda da “contracultura” da época.

Não foi graças ao uso militar que a difusão do computador foi possível, mas sim seu uso cada vez maior por universidades e idealistas da comunicação digital democrática. A informática pessoal não foi imposta por nenhum governo ou empresa multinacional, e sim por um movimento social composto em sua maioria por amadores anônimos. Percebemos essas idéias, por exemplo, nas iniciativas para reduzir os preços dos computadores, na afirmação das dinâmicas dos softwares livres e no trabalho de geração de interfaces simples para o público leigo.

O computador começou a ser transferido das salas das grandes empresas e das mesas de programadores profissionais para as casas das pessoas comuns, e ganhar um aspecto de instrumento pessoal para criação (de textos, imagens e múscas), organização pessoal, simulação, diversão. No final dos anos 80 e início dos anos 90, essa corrente cultural que defendia a informática e a interconexão entre os computadores como potencial infra-estrutura de novas formas de sociabilidade, de compartilhamento e invenção coletiva começou a ganhar mais força – uma prática que redefiniria o curso

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técnico-econômico do mundo.

Em 1991, pesquisadores do CERN criaram um serviço de internet para atender à comunidade científica mundial conectando diversos computadores entre si, de forma que o usuário teria um endereço próprio dentro da rede e poderia acessar e editar conteúdos interligados. Era o nascimento da World Wide Web, que em 93 foi aberta para o público e daria o grande impulso para o desenvolvimento de uma nova organização comunicacional e, consequentemente, uma sequência de mudanças nas estruturas das relações sociais.

Com o tempo, a complexidade do material e das linguagens utilizadas nas relações dentro da rede foram crescendo, transformando o espaço online não apenas em um meio de fluxos de informação, mas também em uma plataforma em si. A web hoje é base de aplicativos, softwares, simulações e funcionalizações próprias, cada vez mais voltadas para a capacidade do usuário de criar, classificar e interagir de forma mais ativa com o conteúdo disponível.

O indivíduo ganha cada vez mais destaque por usar novos espaços virtuais de geração e compartilhamento de material (que as empresas gostam de classificar como “Consumer-Generated Media”, ou mídia gerada pelo consumidor) além das homepages pessoais, do email, grupos de discussão, fóruns e chats. Passamos cada vez mais por novas formas-espaço de mediação, como blogs, vlogs, flogs, microblogs, redes sociais, etc. Mas sobretudo, esse usuário está se envolvendo no uso de processos baseados na inteligência coletiva (ver Parte III: Inteligência Coletiva), tais como wikis (criação coletiva de documentos) e a “folksonomia” (possibilidade de classificação de conteúdo feita pelos usuários através de tags).

O velocidade de conexão cada vez mais rápida e o desenvolvimento exponencial das capacidades dos processadores trazem aplicativos e recursos midiáticos cada vez mais sofisticados e interativos. Como diz Lunenfeld18, em muito pouco tempo o computador “colonizou a produção cultural”. A máquina que era destinada a lidar com números passou a lidar com tudo: da escrita à música, da fotografia ao cinema, onde “todas as diferentes mídias se dissolvem em fluxo pulsante de bits e bytes”. As mídias digitais conectadas à rede hoje se encontram ao nosso redor, protagonizando uma revolução comunicacional inédita e de dimensões que talvez ainda nem consigamos medir.

18 LUNENFELD, Peter. Unfinished business, in: LUNENFELD, Peter (ed.) The digital dialetic. New essays on new media. Cambridge. Mit Press, 1999. pg. 3,7.

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MÍDIAS DIGITAIS

Ao falar de mídias digitais, vamos adotar a mesma concepção de Manovich19 ao tratar “novas mídias”, ou seja, não só o que o computador usa para distribuição e exibição, como websites e e-books, mas também o que passa em alguns instante pela linguagem digitalizada e, por isso, pode estar disposto para o acesso na rede.

A web alcança além das telas: uma vez digitalizado, e com a rede alcançando cada vez mais lugares e interagindo com mais objetos, o conteúdo pode ser visualizado ou interagir com diversos suportes e interfaces diferentes. Hoje o indivíduo tem contato com um universo material cada vez mais interconectado, já que os microprocessadores vem sendo inseridos nos mais diversoso aparelhos eletrônicos, e que estes tendem a se comunicar através de diversas tecnologias de troca de informação.

Mais objetos vêm “fagocitando” a rede (ou a rede fagocita os objetos?). Já temos diversos portáteis (videogames, MP3s players, celulares, smart phones), automóveis e até eletrodomésticos dos mais diversos tipos lidando com trocas de informações entre si. Muito mais coisas do que esperamos pode acabar se tornando uma mídia digital.

É importante ressaltar que ao falar de internet não estamos falando de uma mídia. A internet é um ambiente mídiático baseado na circulação de informação de forma rizomática, onde diversas interações diferentes ocorrem e são criadas freqüentemente. Até porque a troca de informações digitais não ocorre só na internet, mas também em outras redes complementares, como a transmissão bluetooth a curta distância, redes de satélite e redes de telefonia celular, como a 3G, todas lidando com informações digitalizadas intercambiáveis.

DEFININDO CIBERCULTURA

A sociedade começou a se conectar através de uma complexa rede de ligações, por onde produção cultural é produzida e compartilhada simultaneamente a partir de diversos pontos emissores. Muitos autores se referem à forma com que o homem se relaciona com a cultura a partir desse momento como cibercultura - que Lévy define como “o conjunto de

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19 MANOVICH, Lev. The Language of New Media, Cambridge, The MIT Press, 2001.

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técnicas(materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”20.

O termo é um neologismo da união de “cultura” com o sufixo “ciber”, que remete ao cibernético. A cibernética foi um termo cunhado em 1948 pelo matemático Norbert Wiener21, e se refere basicamente ao estudo de certas funções de controle e processamento de informações semelhantes em máquinas e seres vivos (inclusive grupos sociais) que conseguem se paragonar aos mesmos modelos e leis matemáticas – uma união da “teoria da comunicação e da teoria do controle”. Cibercultura, portanto, seria cultura humana e maquínica simultaneamente. O resultado comum da vivência homem e computador, o campo de práticas possíveis do indivíduo na internet.

Segundo Lévy, são três os princípios que orientaram o crescimento inicial do ciberespaço:

A interconexão (cada máquina ligada à rede deve ter um endereço próprio, •deixando para trás o conceito de canal de informação e adotando uma sensação de “espaço envolvente”).

A formação das comunidades virtuais (um laço social baseado em afinidades •de interesses, conhecimentos, cooperação e troca, quase sempre independentes da proximidade geográfica e filiações institucionais, com uma organização e práticas próprias).

E, finalmente, uma “finalidade última” da cibercultura, a da inteligência coletiva •(uma sinergia dos saberes de indivíduos diferentes, criando uma dinâmica mais imaginativa, complexa, onde as inteligências individuais se complementam, alteram técnicas e trabalham juntas em processos de criação coletivos).

O autor ressalta o caráter “fractal” da cibercultura, pois “cada um de seus subconjuntos deixa aparecer uma fora semelhante à de sua configuração global”. Ela é sobretudo descentralizada, reticulada, “baseada em módulos autônomos” – o reflexo humano do princípio estrutural sobre o qual foi concebida a própria ARPANet em 1969.

O computador não é uma tecnologia de recepção como a TV ou o rádio, mas sim de

20 LÉVY:1999.21 WIENER, NORBERT. Cybernetics: Or control and communication in the animal and the machine. New York, John Wiley, 1948.

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sondagem; onde a mensagem não só “chega”, como também pode ser “buscada”.

Nesse momento é possível não só observar, mas interferir: unir, separar e sobrepôr, para conseguir mudar significados, construir e desconstruir, fazer sátiras, adaptações, críticas e contrastes. Procurar, localizar e reutilizar materiais e obras (seja, elas contemporâneas ou de diferentes períodos) tornou-se regra. A produção cultural pode ser editada e reeditada, deixou de ser única e absoluta. É difícil até mesmo definir o que é a obra original e quais são suas matrizes. A indústria cultural não é mais estratificada num fluxo vertical, ela está no meio de um oceano sem bordas e limites, onde obras são dissolvidas e remontadas num fluxo fluído, caótico, democrático.

Além de criar novos meios, a web também acolhe e gera híbridos com meios anteriores, como os jornais, as rádios, as TVs online – que agora produzem informação já na plataforma digital, sujeitando a produção às possibilidades de reconfiguração próprias da digitalização. Ao mesmo tempo que a internet já virou tanto pauta quanto fonte de informação para os veículos de massa, ela também engloba o conteúdo difundido por estes em seus próprios meios. A lógica digital é está se expandindo para diversos suportes e abraçando todas as outras mídias.

E a dinâmica das redes se assemelha a pelo menos um dos aspectos daquela de massa: a dificuldade de separação entre cultura erudita e popular. Ainda mais evidente do que antes, a hibridização dos elementos provenientes das duas culturas é constante, e é muitas vezes impossível definir as novas obras como pertencentes a um dos dois grupos. Na verdade, grande parte da produção digital já nem pode se encaixar nessa divisão pré-midiática.

Já que são poucas as barreiras econômicas de acesso levantadas aos conteúdos online, ao contrário da “vida real”, a rede permite que qualquer usuário possa navegar por qualquer conteúdo e visitar qualquer espaço, independente das características físicas, classe social, grupo étnico, etc.

Outra característica da cibercultura é ser um momento de “conversão das mídias”, conforme discutiremos melhor na parte III da monografia. O computador é capaz de simular várias linguagens ao mesmo tempo, unindo texto, imagem, vídeos e sons muitas vezes encaixados em uma mesma visualização.

André Lemos também disserta sobre toda a repercussão social que a chegada das novas tecnologias digitais causa, e define o termo cibercultura como uma “socialidade contemporânea” que se apropriou dessas novas técnicas, como “o produto sociocultural da sinergia entre socialidade estética contemporânea (...) e as novas tecnologias

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microeletrônicas”22. As três leis que Lemos defende estar na base desse momento são:

A liberação do pólo de emissão característico das mídias de massa, o que •podemos reparar na forma virótica que a informação é disseminada, ou seja, através de múltiplos pólos emissores, reflexo da emergência de vozes e discursos antes reprimidos na mass media;

A conectividade generalizada (“a rede está em todos os lugares”), pois não •faz sentido produzir informação na rede se ela não estiver conectada a outras informações, em redes sociais, blogs e outras formas de difusão social;

E aquela que nos interessa mais nessa monografia, a • “lei da reconfiguração”: as mídias se reconfiguram entre si, modificam as estruturas sociais, instituições e as práticas comunicacionais, através de uma dinâmica que Lemos chama de “lógica da remixabilidade”. Mas antes de nos focarmos na questão do Remix, vamos falar um pouco mais sobre como é o indivíduo e as formas de socialização na cibercultura, e como funciona contrução do conhecimento em si em uma sociedade que adentra a era digital.

NOVOS INDIVÍDUOS E FORMAS DE SOCIALIZAÇÃO

A autora Lúcia Santaella23 diz que hoje as mídias ganharam um destaque na sociedade que acaba por gerar uma espécia de “fetichismo das mídias”, cujo aspecto fundamental é o fato de que qualquer mídia é inseparável da forma de socialização e cultura capaz de criar, de modo que o advento de cada meio traz consigo um ciclo cultural próprio que acaba por moldar a sociedade daquela época.

Lemos24 afirma que a maioria dos usos do ciberespaço deve-se a atividades socializantes, e que parte importante da interação social de muitos indivíduos se dá pela internet. São novas formas de interação, não necessariamente formas substitutivas às anteriores, mas sobretudo complementares. Como diz Santaella, “a tecnologia computacional está fazendo a mediação das nossas relações sociais, de nossa auto-

22 LEMOS, André. Cibercultura. Tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto alegre, Sulinas, 2002.23 SANTAELLA:2003. pg. 10724 LEMOS:2002. pg. 92,150

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identidade e do nosso sentido mais amplo de vida social”25.

Para usar um exemplo de uma nova forma de interação podemos falar sobre o email, a “correspendência online”. Não só pela rapidez e seus recursos multimidiáticos, mas como diria Santaella, por ser um “gênero epistolar promíscuo, que não guarda nenhum dos resquícios das intimidades e da aura que cercam as correspondências trocadas via correio normal”26. Novos espaços de compartilhamento e formas de sociabilização que usam esses ambientes surgem constantemente, com objetivos e usos diferentes, mas sempre explorando as possiblidades da linguagem digital. Dos grupos de email e notícia às redes sociais especializadas em ativididades de interesse comum; dos jogos online às redes de compartilhamento de opinião e classificação coletivas de diversos materiais.

Junto a essas novas interações, temos novos indivíduos. Tanto Lévy quanto Hayles27 falam da diferença entre o sujeito da oralidade (fluido, mutável, situacional, disperso e conflitante), o sujeito da cultura impressa (fixo, coerente, estável, auto-idêntico, normalizado, descontextualizado) e o sujeito da virtualidade, que se forma na interface dinâmica do computador e se parece mais com àquele da oralidade.

Santaella classifica esse novo sujeito como um novo tipo de leitor, usando por base seu perfil cognitivo28: antes apenas contemplativo (que lê o livro) e movente (um leitor fragmentado, da velocidade dos sinais urbanos, das imagens em movimento, do cinema e da televisão), agora o sujeito é um leitor imersivo, virtual (navegador da rede, das múltiplas possibilidades do ciberespaço, que não só observa mas também interage e ajuda a construir aquilo que lê).

A televisão trouxe um impacto importante para a formação psicossocial do século XX, pois tornou-se um mecanismo de integração social em um contexto de isolamento individual provindo da era industrial. Da mesma forma, as redes de interconexão pessoal hoje se mostram instrumentos que refletem a vontade de integração social e busca de identidade cultural do indivíduo. Mas ao contrário da lógica massiva, a comunicação não é homogênea, e sim baseada em nichos de interesse, ou seja, deixa de estabelecer uma integração baseada na unificação do discurso e passa a ser baseada na sua fragmentação e especificação.

25 SANTAELLA:2003. pg10526 SANTAELLA:2003. pg11827 HAYLES, Catherine. The Condition of Virtuality, in: LUNENFELD, Peter (ed.). The digital dialetic. New essays on new media. Cambridge, Mit Press, 1999b pp. 68-94.28 SANTAELLA, Lucia. Navegar no ciberespaço: o perfil do leitor imersivo. São Paulo: Paullus, 2004.

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O SABER NA CIBERCULTURA

Até mesmo nossa relação com o conhecimento muda em um ambiente de interconexões generalizado. Com o surgimento da escrita, cada vez mais era a figura do intérprete o grande detentor do conhecimento, e o saber foi se transferindo à suportes dogmáticos únicos e transcedentais (é nesse momento, por exemplo, que as religiões deixam de se fundamentar somente em rituais e relações, e passam a adotar os cânones dos textos sagrados, como a bíblia e o corão). A imprensa disseminou esses textos e transferiu a figura do detentor do saber às bibliotecas e aos indivíduos ligados ao estudo especilizado dessas obras, como sábios e cientistas.

Mas atualmente, essas percepções se misturam a uma retomada de uma visão anterior à escrita: nas sociedades orais, o saber era ligado à comunidade viva e às relações cotidianas entre os indivíduos. Se o ciberespaço é uma grande memória coletiva, a “biblioteca das bibliotecas”, e os indivíduos circulam e se misturam à esse ambiente, agora o saber está mais uma vez ligado às interações das comunidades e coletivos inteligentes, onde cada membro é uma fração do saber geral, com sua própria produção e conhecimento compartilhado. É como se cada um de nós, ao entrar em uma rede de ligações coletiva, nos tornássemos um pedaço de uma grande biblioteca de saberes líquidos, em constante evolução.

Em outras palavras, o saber se encontra “destotalizado”, relativizado, flutuante. Estar inserido no ciberespaço é estar navegando em um oceano de conhecimentos – e por isso o navegador, se ainda acostumado a seguir rotas pré-definidas de interpretação do mundo, pode se sentir desorientado em meio a um dilúvio de informações. O saber, na sociedade em rede, está ligado sobretudo ao “saber navegar”. Quem sabe identificar ilhas de conhecimento e pescar novos materiais para a composição de um discurso próprio é quem melhor se guia no ciberespaço, quem melhor se aproveita das vantagens de uma inteligência coletiva.

A própria educação está sofrendo um processo de transição de um esquema totalmente instituicionalizado e vertical (baseado na figura do professor e do aluno, do detentor do saber e do vaso a ser preenchido, do escritor e do leitor) para uma dinâmica de trocas coletivas de saberes, onde cada um pode traçar uma rota diferente dentro das milhares de possibilidades de aprendizado. Alguns exemplos das ferramentas que constroem essas possibilidades são o uso dos fóruns de discussão online; os wikis e as enciclopédias coletivas; os diversos tutoriais (em texto, vídeo, imagem ou som) gerados por usuários; as comunidades dedicadas a resumir, traduzir e discutir produções literárias e acadêmicas; ou mesmo os “blogs, flogs e vlogs” amadores que reúnem visões pessoais sobre os mais diversos assuntos.

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O aprender está preso ao navegar dentro de um fluxo caótico de informações coletivas, onde quem aprende não só observa, mas também participa da geração de conhecimento. E é na possibilidade que o indivíduo tem de intervir na cultura, possiblitada pela plataforma digital, que eu quero focar essa monografia. Vamos nos prender a essa prática de reconfiguração de conhecimentos, uma dinâmica de hibridização de saberes que faz da cibercultura uma revolução na forma com que o homem lida com a cultura.

Em um de seus artigos, Lemos inclusive define esse momento que chamamos de cibercultura como “ciber-cultura-remix”. De acordo com ele, a tônica dessas práticas contemporâneas é a hibridização cultural, onde incluem-se “as possibilidades de apropriação, desvios e criação livre a partir de outros formatos , modalidades ou tecnologias, potencializados pelas características das ferramentas digitais e pela dinâmica da sociedade contemporânea”29.

Mas antes de falarmos o por quê da cibercultura ser também a “era da remixabilidade”, precisamos entender o que é o Remix, de onde vem esse termo, e todo seu valor cultural e sígnico que a história moldou. Esse é o tema da Parte II da nossa monografia.

29 LEMOS, André. Ciber-cultura-remix. Artigo apresentado no seminário Sentidos e Processos, Itaú cultural, São Paulo, 2005.

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PARTE II:REMIX

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PARTE II: REMIX

“TUDO É REMIX”

Ao ouvir uma música, assistir a um filme, observar uma imagem ou ler um livro, existe um momento de interpretação e tradução pessoal que faz com que a percepção do que foi consumido seja diferente para cada pessoa. Essa individualização da mensagem pode ser então compartilhada, discutida, transferida a outros meios. E quando existe a possibilidade de interferir naquela obra ou até mesmo recriá-la, portanto, ela não será mais a mesma. O entendimento de um discurso sempre passa por uma filtragem e uma adaptação por parte do receptor, de acordo com sua realidade, experiências pessoais, sua forma particular de interpretar o mundo.

E é dessa forma que a cultura “evolue”. Cada vez que uma canção ou uma história é passada de uma geração para a outra, no processo de retransmissão da mensagem, ela ganha um “layer de interpretação”, que vai se sobrepondo aos outros layers e modificando a obra anterior.

Uma música, por exemplo, é fruto das influências de toda uma produção sonora que já existiu, ao mesmo tempo que pode influenciar a composição de futuras canções. Ela faz parte de uma espécie de “rede cultural”, onde as composições se influenciam e geram novos gêneros musicais conforme se adaptam à novos contextos, à pessoas com estilos de vida diferentes, que relêem e recriam o que ouvem constantemente.

Por isso dizemos que um artista não consegue “criar a partir do nada” ou “criar no vácuo” – seu trabalho é fruto de referências, absorção e considerações pessoais baseadas em um material que já existia e, por isso, não pode ser analisado fora de seu contexto social, histórico e até mesmo geográfico. Esse processo de adaptação e reinvenção é a forma com que construímos qualquer discurso, a forma com que a cultura se desenvolve: ela é fluída, é viva, funciona através de um processo de adaptação e transformação constante – ela evolui junto ao homem.

Em outras palavras, podemos dizer que toda música, filme, livro ou qualquer outra obra, a própria construção do discurso, a manipulação da linguagem e, portanto, o próprio pensamento linguístico, são concebidos através de um processo de reapropriação,

Parte II

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de influências, de intertextualidade, de recombinação – a dinâmica da remixabilidade. Um “remix” é o produto de uma remixagem. É uma “re-mistura”. “Remixar” é remisturar, recombinar, reeditar, associar novamente módulos de conteúdo, seguir a lógica da colagem em diversos suportes. É usar material já existente pra criar algo novo. Tudo é remix porque nada surge do vácuo, porque a cultura sempre constrói “baseada no passado”30.

No artigo “Remix: the bonds of repetition and representation”, Eduardo Navas31 define “Remix” (com “R” maiúsculo, encarando-o como um epísteme Foucaultiano) como um tipo de discurso típico de nossa época, um termo que descreve diversos elementos culturais, dos mashups (ou mash-ups) de softwares às sobreposições e misturas de referências temporais e geográficas da moda.

Conforme citado na parte II, o Remix não é uma lógica própria da cibercultura, mas uma prática cultural constante, que vem sendo evidenciada no surgimento da cultura massificada, e que é potencializada graças à linguagem digital. A imagem divulgada pela revista Wired na reportagem “Remix Planet” de Julho de 2005 (ver imagem 1) tenta criar uma linha com elementos importantes dessa “história da remixagem”, de Duchamp aos Creative Commons. O mais interessante nessa representação é o gráfico ascendente de exemplos que culmina na era digital, quando vivemos uma dinâmica de remixagem constante e generalizada – uma dinâmica que chamaremos de “cultura do remix”.

Navas inclusive define o Remix como “fundação ideológica” do momento que chamamos “cultura do remix”. Lemos diz que, com o surgimento das mídias digitais, a re-mixagem foi exponencializada ao ponto de se transformar “o princípio que rege a cibercultura”32.

Mas antes de avançarmos na discussão sobre as particularidades do Remix na cibercultura, vamos passear por alguns momentos da história onde ele foi evidenciado como forma de criação – um processo que, ao que ao meu, foi necessário para preparar a percepção artística e criativa humana para que a remixagem fosse considerada uma prática cultural válida e se disseminasse com tanta força na era digital.

30 Referência feita no documentário “RIP: A Remix Manifesto”(Canadá, novembro de 2008), dirigido pelo ciberativista Brett Gaylor. Editado com colaboração da comunidade de edição colaborativa do OpenCinema.org.31 NAVAS, Eduardo. Remix: The Bond of Repetition and Representation. Remix Theory, 2006. Também publicado no catálogo Inter/activos : ambientes, redes, teleactividad: Programa de Arte Interactivo II 2006, Espacio Fundación Telefônica, Buenos Aires, 2006.32 LEMOS:2005.

Parte II

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ARTE E REMIXABILIDADE

Cada período da história da arte foi marcado pelos meios próprios de sua época. A cerâmica e a escultura no mundo grego, a tinta óleo no Renascimento, a fotografia no século XIX. As técnicas se complementam e se adicionam com o surgimento das novas tecnologias, e geram híbridos entre si. Técnica é um “saber-fazer”, uma habilidade humana. A tecnologia encarna fora do corpo humano algum saber técnico para trazer facilidade e mais possibilidades para a execução criativa humana.

Essas técnicas, portanto, acompanham as intenções dos artistas em cada era. Se do século XV ao XIX, pinturas, gravuras e esculturas buscavam a representação do mundo (real ou imaginário) com perfeição (um ideal utópico da arte), no começo do século XX a arte já queria o oposto: desconstruir o passado, a realidade, a própria arte. Novas técnicas eram usadas, tanto de pintura (como o dripping, o action painting ou a arte povera) quanto de figuração (o abstrato, as instalações) e usos de materiais diversos (colagens, ready-mades) expressavam a vontade das vanguardas modernistas. Foi aí que o “criar algo novo a partir

Imagem 1: “Remixing History”Infográfico da história de “grandes momentos da história da evolução do mashup”, publicado na edição de julho de 2005 da revista Wired. Disponível em http://www.wired.com/wired/archive/13.07/history.htmlhttp://aculturadoremix.tumblr.com/post/1449536422

Parte II

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de algo velho” foi evidenciado, legitimando aos poucos a remixabilidade como dinâmica cultural necessária da construção do discurso dentro de uma sociedade midiatizada.

No objetivo de desconstruir os cânones da arte Renascentista e do rompimento da dependência da representação dos objetos do mundo, a arte moderna se estendeu desde Cézanne33, que procurava estruturas espaciais essenciais subjacentes às impressões visuais sempre mutáveis, no final do século XIX, abandonando as estruturas do espaço e do tempo, de movimento e ordem dos modelos visuais tradicionais. Enquanto isso no Brasil, as vanguardas européias inspiraram um movimento que já se assumia como “deglutidora” de outras culturas, reaproveitadora de elementos externos, remixadora por excelência: o Movimento Antropofágico.

Se a fotografia inaugurou a era da reprodução e colocou em crise a representação, tema abordado durante todo o momento da arte moderna, foi Duchamp quem anteviu o “esgotamento do dilema figurativo VS. não-figurativo”. Sua obra representou a passagem entre o questionamento e dissolução do suporte para a criação dentro e fora da arte, servindo como rito de passagem da dinâmica industrial para a eletrônica/pós-industrial. Talvez os maiores ícones da intervenção na obras alheia, no uso de objetos já prontos para compor novas obras e do questionamento à imagem do autor vem do dadaísmo, principalmente da obra de Marcell Duchamp. Dois exemplos iconográficos do seu trabalho são “A Fonte”(ver imagem 2) o maior exemplo de ressignificação do objeto pré-existente na história da arte; e a “Mona Lisa de bigodes”34, um símbolo da descontrução da aura da obra de arte e um prelúdio do caminho que a cultura humana em geral estava prestes a tomar.

Na década de 60, a arte moderna cedia espaço para tipos de criação pós-modernos, ou seja, caracterizado pelas misturas, passagens e hibridizações entre artes e imagens35. Os processos artísticos começam a misturar meios e efeitos, especialmente pictórios e fotográficos, de forma muitas vezes irônica, crítica e inusitada dos ícones massificados36. A Pop Art já trabalhava com colagens, reproduções e interferências em ícones e estéticas da indústria cultural, onde os conceitos de “arte” e “autoria” entram em crise e começam a ser questionados. A arte achou neste momento uma resposta às imposições dos processos de produção padronizados dos costumes da era indústrial, usando elementos da cultura de massa, como os produtos industrializados em si37, figuras midiáticas do cinema e da

33 http://aculturadoremix.tumblr.com/post/144847905734 http://aculturadoremix.tumblr.com/post/144814179235 SANTAELLA:2003. pg.13736 SANTAELLA:2003. pg.17737 http://aculturadoremix.tumblr.com/post/1448350677

Parte II

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Imagem 2: “A Fonte”,de Marcel Duchamp, 1917.http://aculturadoremix.tumblr.com/

post/1448313222

Imagem 3: Prints de Marilyn Monroe feitos por Andy Warhol no iníciodos anos 60.http://aculturadoremix.tumblr.com/

post/1448331438

Imagem 4: “O Beijo”, de Roy Lichtenstein, 1962.http://aculturadoremix.tumblr.com/

post/1448361678

Parte II

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televisão (ver imagem 3), e até técnicas de produção como a impressão de cores uniformes e texturas reticulares dos quadrinhos (ver imagem 4).

Mas enquanto isso na literatura, e também na década de 60, o escritor beat norte-americano William Burroughs, influenciado pelo artista de veias surrealistas Brion Gysin (os Surrealistas usavam várias técnicas de criação que misturavam ícones e referências de forma aleatória tentando explorar o inconsciente e nonsense, como no método de criação conhecido como “cadáver esquisito”38), popularizou a técnica do cut-up em obras como “The Nova Trilogy” (Paris, 1961-64). A técnica consiste em recombinar recortes de diferentes textos para criar sentenças com novos sentidos – uma forma de remix usando a linguagem verbal escrita.

Paralelamente, o rock n’ roll trazia uma nova forma de música massificada que misturava todo o tipo de referência e repertório musical do jazz. O movimento Fluxus misturava música, artes visuais e literatura. A guitarra elétrica era inserida na música e as pessoas reagiam à cultura massificada gerando novas formas de expressão e mobilização, como as primeiras fan fictions (feitas para Star Trek).

Novas formas de expressão artísticas surgiam nos anos 70, como as performances, happenings e a arte ambiental, além da exploração de aparelhos tecnológicos como forma de arte – o que chamamos de “arte tecnológica” ou “arte eletrônica”. A habilidade poderia então ser transportada para a máquina, e o artista vira um “manipulador”. Como por exemplo, a câmera fotográfica que passa a cumprir a função de captação da realidade e é manipulada por alguém que deve entender, sobretudo, como ela funciona.

As novas obras buscavam ser mais abertas, inacabadas, e propunham experiências interativas, participativas, chegando ao ponto de confundir os limites entre o autor e o público. Se a obra de arte clássica exposta no museu mal “não pode ser tocada”, logo o digital possibilitaria um tipo de arte tecnológica onde o “encostar” é fundamental, onde a obra só acontece quando você “toca nela” – a “ciberarte”.

38 http://aculturadoremix.tumblr.com/post/1448393641

Parte II

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CIBERARTE

Quando surge um novo meio de comunicação, ele logo vira objeto de experimentação na mão de artistas que querem, sobretudo, encontrar sua “linguagem essencial”, sua expressão própria, suas diferentes semânticas e possibilidades. Foi o que aos poucos gerou a aceitação da fotografia como arte, do cinema experimental, da exploração da TV como objeto artístico, do videoarte, videoinstalações, videoesculturas, a arte eletrônica, arte cinética, etc.

Uma das tendências surgidas nos anos 70 foi o uso das telecomunicações no meio artístico, que já começavam a experimentar com a mixagem, criação e interatividade à distância. Antes mesmo da explosão da internet, a imagem produzida por computador já era explorada em uma tentativa de “arte computacional” (uso de sintetizadores de imagem, colagens eletrônicas, etc). Curadores se empolgavam com a idéia de uma imagem totalmente maleável a disposição do artista e os possíveis usos dessas técnicas, usando a computação gráfica, lasers, hologramas, animações e esculturas virtuais.

Ao contrário da obra analógica, a ciberarte costuma estar sobre um suporte que não pode ser deteriorado – o digital. Portanto, a obra pode “re-acontecer” a qualquer momento para a audiência, e com a mesma qualidade. E quando uma rede conecta a informação digital a distância, ela pode ser constituída com base em informações atuais e, muitas vezes, apreciada pela própria internet. Muitas delas estão há mais de uma década na rede e ainda podem ser acessadas, como as obras de festivais como o Ars Electronica de Linz39.

A ciberarte costuma usar uma “interatividade estrutural” para deixar de ser apenas virtual e passar a existir como obra – estrutural porque não é apenas uma participação na construção do sentido, mas sim uma co-produção40. De certa forma, toda obra necessita de uma certa intervenção de quem a observa, ouve ou assiste. É o público e a crítica que colocam à manifestação um determinado desígnio estético. Mas na cibercultura, como diz Salmito, a obra não está concluída. Se o quadro no museu já está concluído e não lhe faltam mais pinceladas, nos happenings idealizados por Roy Ascott, por exemplo, o artista ainda não finalizou a obra. Como diz Salmito41, “a criação passa a ter um caráter coletivo, distanciando-se cada vez mais do ideal romântico do artista-gênio, de aspiração absoluta.” A denominação “espectador” e “autor” não é mais suficiente, pois os sujeitos passam a

Parte II

39 Website do Ars Electronica de Linz: http://www.aec.at/40 LÉVY:1999. pg.13641 SALMITO, Ricardo. Obra, aura autor e outras heresias. In: “Janelas do Ciberespaço: Comunicação e Cibercultura”, org. LEMOS, André e PALACIOS, Marcos. Sulina, Porto Alegre, 2001. pg. 227,228.

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se encaixar mais como “iniciantes” e “continuadores” dentro de um processo de criação contínua, atualizada e renovada constantemente.

Esse é o princípio do funcionamento da web-arte, da música eletrônica, da escultura virtual, da realidade virtual, da ciber-dança, etc. Também chamadas de “Artes interativas”, esse nível de interatividade (ver Parte III: Interatividade) é o que rege a produção cultural na cibercultura, as colunas do nosso conceito de Remix. De acordo com Lemos:

“A ciber-arte procura utilizar o potencial da estrutura rizomática e híbrida do ciberespaço,

ampliando as possibilidades de conexão e participação. (...) Na ciberarte, o que está

em jogo é uma edição da realidade a partir de seus múltiplos fragmentos. A estética

recheia-se de citações, referências, colagens, operando através de um zapping de signos,

desestabilizando discursos lineares(...)”42.

Se construímos com o que outros já fizeram, e esse resultado será provavelmente modificado por outra pessoa, a autoria não importa mais na web. É na ciberarte que os limites entre usuário e artista ficam mais tênues do que nunca. De acordo com Salmito, a arte contemporânea e a ciberarte esvaziam os conceitos teóricos de “obra, aura e autor”, que podem ser até entraves para o entendimento de uma proposta.

“O desgaste desses termos se deve à profunda crítica puxada pelas vanguardas e que

contagiou as gerações posteriores. Um exemplo disso é que quase não escutamos mais

falar em obra-prima. Talvez porque todo o século XX foi gasto nos sucessivos ataques à

aura da obra e ao artista enquanto célebre criador. A grande obra do século XX talvez

tenha sido o ataque à obra de arte bela e única”43.

Com uma hibridização midiática cada vez mais evidente, a interatividade estrutural e a ligação da obra com a rede, a arte cibernética é a “arte-remix” por excelência. E com a popularização do computador e da internet, as pessoas comuns cada vez mais seguem essa dinâmica criativa para se expressar.

42 LEMOS:2002. pg.6643 SALMITO:2001. pg. 223

Parte II

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A massificação de diversos ícones culturais, a globalização e as novas tecnologias de edição de material escrito, sonoro ou visual intensificou a criação que se utiliza do que chamamos atualmente de “remix”. Lemos44 também afirma que o processo de “re-mixagem” começa com o pós-modernismo, atinge o mundo todo com a globalização e chega a seu ápice através das novas mídias. Mas o autor ressalta que a popularização do termo, conforme nos referimos a ele hoje, está na música.

A RAÍZ DO REMIX: A MÚSICA

O conceito de remixagem na cultura popular é mais disseminado no contexto musical. Um “remix” é usado para denominar uma versão modificada de uma música que já existia, uma faixa que mescla duas ou mais canções. A linha melódica pode ser quebrada e recombinada com efeitos novos, diferentes batidas e até mesmo trechos prontos de outras produções.

Encontramos os reais precedentes da concepção de remixabilidade popularizada hoje no movimento hip hop e seu modelo de produção musical, disseminado do final dos anos 60 e início dos anos 70 em Nova York, mas com raíz na música jamaicana. Ao falar do início da concepção de Remix, Gibson45 cita King Tubby46 e Lee “Scratch” Perry47 como os “grandes visionários” da música eletrônica, ambos músicos jamaicanos percussores do dub (estilo musical que mistura reggae e eletrônico, que valoriza muito os baixos e a bateria, muitas vezes misturado som efeitos sonoros “reais” como tiros, animais, sirenes, etc) e, muitas vezes, tidos como “os inventores do remix”. Ao criar o que chamavam de “versões”, Gibson diz que esses músicos na verdade estavam iniciando, sobretudo, um movimento de “desconstrução da gravação”.

A linearidade do disco de vinil era desrespeitada pelos DJs, os responsáveis em transformar as turntables em instrumentos musicais e tratar o vinil não como algo só para se ouvir, mas para se manipular através da alternância entre faixas distintas, da repetição de

Parte II

44 LEMOS:2005.45 GIBSON, William. God’s Little Toys. Confessions of a cut and paste artist. In: Wired Magazine, issue 13.07- Julho de 2005.46 http://aculturadoremix.tumblr.com/post/144850184847 http://aculturadoremix.tumblr.com/post/1448559551

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alguns trechos e, principalmente, através do “scratching” (manipular o disco para frente e para trás com as mãos, como se estivesse “arranhando” a música).

Essas prática foram intensificadas com o surgimento dos samplers (ou “sampleadores”) – instrumentos que conseguem tirar a amostra de sons de uma gravação para que eles sejam reutilizados, colados e repetidos infinitamente. Logo, também surgiam os sintetizadores (aparelhos que permitem a criação e manipulação de sons artificialmente) e os sequenciadores (que reproduzem e repetem combinações sonoras), instrumentos que davam poder criativo para pessoas que não precisavam nem mesmo ter uma formação de teoria musical.

A ascensão da cultura hip hop nos anos 80 disseminou a prática do remix musical para o mundo. A captação e recombinação de samples (amostras musicais, frações de uma música contínua, que podem ser sobrepostas e remixadas para gerar novas músicas) passou a ser cada vez mais frequente, e a figura do DJ ganhava cada vez mais destaque dentro do cenário da criação musical, mesmo sem ter a formação de um músico clássico.

A atividade dos DJs evoluiu para a amostragem de partes de músicas, e eles frequentemente deixavam de atuar em performances para se tornar produtores nos estúdios. Baseados nos princípios do sampling, o DJ passava a atuar cortando, copiando e colando material pré-gravado para criar suas próprias composições musicais. A remixagem virava uma prática frequentemente utilizada pelo próprio mercado fonográfico para reler e renovar antigas produções e adaptar algumas canções para diferentes contextos (transformar um hit pop em um hit eletrônico para transportá-lo para as pistas de dança, por exemplo). Hoje, o sampling é quase sempre usado em gravações e composições dos mais diversos gêneros.

No Brasil, por exemplo, a música popular faz muito uso do sampling, da mescla de ritmos internacionais e ritmos locais gerando híbridos como o Tecnobrega do Pará (conforme descrito no livro “Tecnobrega: o Pará reinventando o negócio da música”48, do coordenador do projeto Creative Commons no Brasil Ronaldo Lemos) e o próprio funk carioca.

Toda a cultura da música eletrônica tem o remix como método-chave e é liderada pela figura do DJ, um remixador por excelência. Essas possiblidades de fracionamento e recombinação trouxeram uma grande expansão criativa no cenário da música eletrônica – um ritmo inerente à cultura do remix, que está sempre combinando e recombinando elementos de outras produções em uma rede de colaboração e criação musical. Toda canção eletrônica é, ao mesmo tempo, fruto e matéria-prima para outras canções.

48 OONA, Castro & LEMOS, Ronaldo. Tecnobrega: o Pará reinventando o negócio da música. Rio de Janeiro, Aeroplano:2008.

Parte II

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A diferença entre a intensidade e velocidade das batidas da música eletrônica foi dando origem a cada vez mais estilos diferentes – das pulsadas fortes do “acid” e do “house” aos embalos tribais do “trance”, e do “psy”. A música eletrônica foi se disseminando e surgiram também as vertentes mais dançantes e populares, como a Dance Music.

Mas a técnica de edição das músicas sempre foi restrita a centros mais profissionais, até o advento do computador pessoal e a disseminação das ferramentas de edição de conteúdo digital. De acordo com Santaella, essa revolução na forma de lidar com a cultura “trará consequências antropológicas e socioculturais muito mais profundas do que foram as da revolução industrial e eletrônica, talvez ainda mais profundas do que foram as da revolução neolítica”49. É a partir dos anos 90 que percebemos um grande passo na democratização da remixagem, pois todos que tivessem computador e acesso a internet poderiam entrar em contato com um imenso acervo cultural e fazer o papel que antes era do produtor musical, do escritor, do editor de cinema, do radialista – enfim, do produtor cultural.

REMIX E CIBERCULTURA

A dinâmica de remixagem utilizada pelos DJs, o “cut, copy e paste”, a fragmentação do material, hoje são parte da nossa prática diária no ciberespaço, em casa ou no trabalho, graças ao computador pessoal e o acesso à internet. Pessoas comuns atuam dessa forma todos os dias através de softwares populares de edição como o Microsoft Word ou o Adobe Photoshop.

Com a introdução dos computadores pessoais nos anos 80, o telespectador-receptor passou a ser “usuário”. As pessoas começaram a não apenas observar, mas também interagir com as telas. O consumismo passou a conviver om hábitos de escolha. Nascia uma cultura voltada à velocidade, à humanização das máquinas e à interconexão.

De acordo com Lemos50, “o princípio que rege a cibercultura é a ‘re-mixagem’, conjunto de práticas sociais e comunicacionais de combinações, colagens, cut-up de informação a partir das tecnologias digitais”. As características da plataforma digital possibilitaram uma lógica “composta por vídeos, camadas de imagens bi-dimensionais, animação, imagens abstratas geradas em tempo real” –processo que segue uma “lógica da remixabilidade”, e

49 SANTAELLA:2005.50 LEMOS:2005.

Parte II

48

engloba não apenas o conteúdo de diferentes mídias e suas estéticas, mas também suas técnicas, métodos de trabalho e pressupostos fundamentais.

Isso significa que entramos em um novo paradigma da produção e consumo cultural, assim como atuavam os DJ’s, cuja matéria-prima do trabalho vinha da produção em massa carregada de valores culturais pré-existentes prontos para serem remixados e, portanto, reinterpretados constantemente. Enquanto se remixa, o diálogo e a reinterpretação continuam existindo mesmo depois que a obra é difundida, pois como na ciberarte, “ela nunca está finalizada”.

Um remix é uma colagem. Mas uma colagem multimidiática, com layers sonoros, visuais e verbais. Sua prática está próxima da construção de um texto através da “citação”. E muitas vezes o produto do Remix pode ser uma sátira ou uma paródia, dinâmicas também baseadas na “justaposição inapropriada”, que constroem sobre ícones, situações e obras culturais já estabelecidas. Na videoarte, esse produto também é compreendida como “poética do remake”; no meio digital, como mashup51.

Mas a grande novidade nesse momento não é a prática da recombinação, que já foi levantada por diversas vanguardas artísticas do século XX. Essa cultura se desenvolve, principalmente, graças a seu alcance expandido, à possibilidade de difundir um conteúdo para muitas pessoas ou para nichos específicos, em uma rede em escala planetária (o que era impossível em mídias analógicas).

Junto à convergência midiática possibilitada pelo digital, ao acervo de conteúdo disponível na web e à democratização das formas de edição desse conteúdo, desenvolvemos uma produção cultural cada vez mais livre. Hoje, mais do que nunca, a mensagem pode ser emitida por qualquer um: qualquer usuário pode difundir conteúdo sem ter acesso a recursos profissionais, enfrentando menos barreiras geográficas e socioeconômicas, sem formação específica e sem a necessidade de uma concessão de uso por parte de qualquer instituição, inclusive do Estado. Por isso vamos falar agora sobre como se dá o remix exclusivamente na plataforma digital, sobre essa união sinérgica da linguagem das novas mídas e da lógica da remixabilidade.

51 MERRILL, Duane. Mashups: The new breed of Web app. An introduction to Mashups. 16 Out, 2006

Parte II

PARTE III:O REMIX NA

PLATAFORMADIGITAL

PARTE III:O REMIX NA

PLATAFORMADIGITAL

PARTE III:O REMIX NA

PLATAFORMADIGITAL

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PARTE III: O REMIX NA PLATAFORMA DIGITAL

A CULTURA DO REMIX

A remixagem, a amostragem de materiais pré-existentes e recombinação em formas relacionadas ao gosto pessoal do criador, inicialmente era ligada à música. Mas dentro do contexto digital, podemos entender o Remix como sendo uma prática aplicável a outras matizes lingüísticas, tal como as artes visuais, escritas e sonoras. Vivemos um momento em que toda a produção cultural pode ser digitalizada e usada como base criativa, um momento de expansão e potencialização da lógica do re-uso, um momento de uma “cultura do remix”.

Lemos diz que, por Remix, podemos compreender “as possibilidades de apropriação, desvios e criação livre a partir de outros formatos, modalidades ou tecnologias, potencializados pelas características das ferramentas digitais e pela dinâmica da sociedade contemporânea”52. A remixabilidade direciona os processos culturais dentro da cultura digital redesenhando tudo aquilo que recebemos da cultura de massa. Seguindo a lógica da recombinação, sobreposição e mistura, que tantas vanguardas sustentaram no século XX, chegamos a uma forma de se criar híbridos culturais diariamente. Como diz o advogado Lawrece Lessig, sobre esse estilo de criar: “Were ir music, we’d call it sampling. Were it painting, it would be called collage. Were it digital, we’d call it remix”53.

Na introdução à versão coreana de seu livro “The Language of New Media”54, Manovich afirma que “remix” é a melhor metáfora para se entender como funcionam as mídias digitais, apontando três formas de remix como três processos-chaves para se entender a a cultura contemporânea:

O pós-modernismo, • “remixing of previous cultural contents and forms within a given media or cultural form (most visible today in music, architecture, and fashion)”;

A globalização (mistura de culturas nacionais em escala global); •

Parte III

52 LEMOS:2005.53 LESSIG:2008. pg.5154 disponível em www.manovich.net/DOCS/LNM_Korea_intro.pdf

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E a remixagem nas novas mídias, • “remix between the interfaces of various cultural forms and the new software techniques – in short, the remix between culture and computers”.

Enquanto isso, Navas55 coloca o Remix como “fundação ideológica” da “cultura do remix”, a atividade global que consiste em criação e troca de informação que se tornaram possíveis com as tecnologias digitais, sustentadas pela prática do “copy/paste”, do copiar/colar. O remix é, como disse Gibson, a própria “natureza do digital”:

“Our culture no longer bothers to use words like appropriation or borrowing to describe

those very activities. Today’s audience isn’t listening at all - it’s participating. Indeed,

audience is as antique a term as record, the one archaically passive, the other archaically

physical. The record, not the remix, is the anomaly today. The remix is the very nature of

the digital”56.

LINGUAGEM DIGITAL, METAMÍDIA E HIBRIDISMO

Quando um conteúdo é digitalizado, ele é necessariamente codificado para uma “linguagem numérica”. “Digitalizar” uma informação significa “traduzí-la em números”. Independente de qual era o suporte analógico do material, ele será codificado e transformado numa linguagem que a máquina seja capaz de entender e transmitir.

A “representação numérica” é um dos princípios da nova mídia levantados por Manovich. 57 Com o objeto dentro da mídia digital sendo descrito matematicamente, ele também é sujeito à manipulação algorítmica – ou seja, o conteúdo digital se torna manipulável. Uma seqüência de equações podem, por exemplo, aumentar o contraste de uma foto, sincronizar legendas em um vídeo, enfim.

A digitalização é um processo que passa por duas fases: amostragem e quantificação.

55 NAVAS:2006.56 GIBSON:2005.57 MANOVICH:2001. pg.49

Parte III

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Primeiro, a amostra de intervalos regulares da informação é retirada, fracionando o objeto que antes era contínuo. A freqüência dessa medida é o que define a resolução, a qualidade do arquivo digitalizado. Depois, um valor baseado em uma escala pré-definida é atribuído à amostragem.

Uma imagem na plataforma digital pode ser fracionada em pixels e em informações sobre cores. O texto é fracionado em caracteres, que são representados por seqüência numéricas. Quando medido em intervalos regulares de dezenas de milhares de vezes por segundo, a amostragem de um som é fracionada em sinais sonoros, que são facilmente convertidos em escalas numéricas. Ou seja, na plataforma digital tudo pode ser fracionado em números e, portanto, expressado em linguagem binária: 0 e 1, o elemento mínimo da linguagem eletrônica, o “bit”.

Muitos sistemas de comunicação, como a linguagem humana, também seguem a lógica dessa descontinuidade. Nós falamos em sentenças, que são compostas por palavras, compostas por sílabas e assim por diante. Isso possibilita a modularidade, recombinação e readaptação do sistema comunicativo para novos fins de expressão, e a linguagem digital alcança esse objetivo através da quantificação, uma metonímia do próprio fracionamento da realidade que caracteriza a pós-modernidade.

A informática foi capaz de englobar a obra intelectual em todo um novo processo de transmissão que impulsionou o desenvolvimento de uma cultura baseada na troca e mistura de conteúdos: é possível digitalizar o material (entrada), armazená-lo em diversos pontos da rede ou em suportes físicos (memória), editá-lo a qualquer instante, transportá-lo e colocá-lo a disposição de outros usuários em diversos aparelhos de leitura (saída). A informação digitalizada pode ser copiada infinitamente e transmitida sem perda de qualidade, além de ser processada automaticamente e em graus de precisão quase absolutos.

Uma informação em sua forma analógica é uma grandeza física difundida através de ondas sonoras, eletromagnéticas ou sinais elétricos. Uma vez digitalizados, esses dados podem ser transmitidos, fracionados e reconstruídos em qualquer lugar e qualquer tempo, gerando o mesmo som e a mesma imagem, sem perda de qualidade. E por possibilitar o acesso à conteúdos de qualidade provenientes de diversas épocas diferentes, o digital nos faz perder muitas das nossas referências temporais e geográficas. Por isso o Remix é uma prática atemporal e deslocável, já que se destaca pela sobreposição de materiais provenientes de tempos e espaços distintos em uma mesma composição.

Mas talvez o grande mérito da digitalização seja a compressão e interconexão de todos os tipos de dados. Antes da digitalização, os suportes eram incompatíveis: papel,

Parte III

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película e fita magnética não se fundiam. Agora a transmissão da informação independe do meio por onde é transportada (fio de telefone, onda de rádio, cabo, fibra ótica, etc) pois ela sempre vai ser reconstituída sem perda de qualidade. A fusão do escrito (imprensa, livro), do audiovisual (TV, vídeo, cinema), das telecomunicações (telefone, satélite, cabo) na informática é referido pela expressão “convergência das mídias”.

Em outras palavras, a plataforma digital decodifica todas as matizes da linguagem (visual estática ou em movimento, textual e sonora) em um único sistema – todas as mídias são convertidas e simuladas pelo computador. Esse momento é definido por alguns autores como “metamídia”, um sistema em que todas as linguagem se transformam uma mesma linguagem.

Uma vez transformados em bits, os arquivos podem ser copiados e transmitidos infinitamente de máquina para máquina, além de serem alterados pelos usuários. Essa possibilidade da reconfiguração entre as mídias levantada também por Lemos é um dos pontos-chave para o desenvolvimento de uma cultura do remix. A compatibilidade entre diferentes documentos gerados por diferentes programas fazem diversas linguagens e mídias conversarem entre si nos programas de edição.

Ao contrário do texto escrito, onde o ato de “citar” costuma ser linear, a multimídia e a hipermídia são capazes de fazer citações sobrepostas: som sobre imagem, texto sobre vídeo, som sobre texto, etc. Convertidas para o mesmo sistema, as obras, por mais que inicialmente concebidas em suportes diferentes, agora são intercambiáveis e intereditáveis. Se as informações são transformadas em números e os computadores são máquinas de calcular, o conteúdo digitalizado se caracteriza pela simplicidade com que pode ser manipulado. Eles podem ser sobrepostos, se complementar, conversar entre si: a compressão e conversão das mídias é a premissa da existência da remixabilidade potencializada na cultura das redes.

E se todas as mídias podem ser tratadas a partir de uma mesma linguagem, então elas são, mais do que nunca, passíveis de serem fundidas e misturadas. A lógica da linguagem digital é a lógica da remixabilidade, pois proporciona, portanto, mais facilidade no fracionamento, na repetição contínua, na modularização do conteúdo e, sobretudo na geração de híbridos. O resultado é uma produção que revisita todo o repertório cultural humano. É uma revisitação do que o homem já produziu, um novo olhar (não tão passivo desta vez) sobre nossa cultura. O remix é atemporal, é uma colagem que reúne o popular, o erudito e o massificado, mistura o que existe hoje com o que já existia.

A prática do Remix hoje é a prática do hibridismo midiático e do hibridismo

Parte III

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cultural, e só é possível em tais proporções sem barreiras temporais e geográficas graças à linguagem digital. De acordo com Santaella58, “As formas de hibridização ainda artesanais, anunciadas nas vanguardas, especialmente no Dada e acentuadas nas instalações e videoinstalações dos anos 70, alcançam agora uma constituição intrínseca. A hibridização já está incorporada na essência da própria linguagem hipermídiatica”. Essa convergência não significa que não existiam hibridismos antes das mídias digitais. Mas a linguagem hipermidiática e digital, híbrida em si, deve ser encarada com uma constituição estética própria, baseada na indissolubilidade da união do imagético , do movimento, do sonoro, do verbal; e da possibilidade da edição simultânea e amadora de todos esses elementos.

Manovich encara esse processo não como uma simples “remediação”, pois o computador simula não apenas uma reprodução superficial de mídias, mas também suas técnicas de produção e interação. O digital é uma linguagem, e não uma simples simulação – é uma forma de se perceber e entender no ciberespeço, e é tão “simulacro” quanto a própria língua.

MODULARIDADE

A prática do Remix tem como regra básica a modularidade, ou seja, um processo de criação que se utiliza de módulos de uma produção já existente. O processo de remixagem usa esses “pedaços” de um material antigo como matéria-prima de sua criação. Eles podem ser samples de uma música, sequências de um filme, vocais, recortes de uma imagens, trechos de um texto, etc. Muitas vezes essa fração é utilizada de uma forma que seja fácil reconhecer seu uso e sua origem, ganhando uma função de ressignificação.

A modularidade é chamada por Manovich59 como “estrutura fractal da nova mídia”, pois no fractal cada uma das partes remete à uma estrutura em comum ao todo. Esses módulos são representações de coleções de amostragens descontínuas (pixels, polígonos, caracteres, scripts, voxels), que mesmo constituindo um objeto maior, ainda mantém uma identidade separada. Por isso, podem ser recortados ou copiados para serem reutilizados na constituição de outros elementos. Um filme, por exemplo, é constituído por uma

58 SANTAELLA:2005. pg. 14759 MANOVICH:2001. pg. 59

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seqüência de imagens congeladas, formadas por pixels, e com som configurado em uma faixa separada das imagens.

Os “objetos” que são inseridos em um documento através de um softwares de edição também representam essa manutenção da independência dos elementos modulares na composição digital. Portanto, ao montar uma nova composição digital, podemos inserir elementos de várias fontes e linguagens diferentes, que ainda poderão ser editados separadamente depois. Um website, por exemplo, pode reunir em um código HTML a exibição de imagens no formato JPG, imagens animadas no formato GIF, clipes de video, elementos de interface feitos em FLASH, etc.

Seguindo a mesma lógica, muitos arquivos editáveis são compostos por camadas independentes, manipuláveis através dos software de edição. Os elementos podem ser abertos, desmembrados e recombinados. O usuário pode interferir em apenas um dos “layers”, adicionar, sobrepor ou remover novas camadas, cada uma com seu nível de transparência.

O objeto cultural antes único e coerente consigo próprio, agora pode se dividir em blocos separados para serem acessados individualmente e remisturados a outros blocos provenientes de outros objetos. A “composição midiática modular” beneficia muito a técnica de criação de um remix. A música por exemplo, quando passou a disponibilizar cada um de seus elementos para manipulação separada através dos mixers multicanais, por exemplo, intensificou a remixagem de tal maneira que revolucionou a forma de se fazer música.

A World Wide Web em si é completamente modular. Ela consiste em diversas páginas, cada uma mesclando elementos mídiáticos específicos. Os elementos podem ser acessados individualmente, conectados em outras páginas, copiados e editados.

Consequentemente, as obras antes isoladas em suportes físicos agora são todas intercambiáveis, passíveis de ser misturadas entre si, por inteiro ou em frações menores. Qualquer conteúdo digitalizado pode ser utilizado na composição de novos conteúdos, como disse Pierre Lévy “Na cibercultura, qualquer imagem é potencialmente matéria prima de uma outra imagem, todo texto pode constituir o fragmento de um texto ainda maior (...), a obra não está mais distante, e sim ao alcance da mão. Participamos dela, a transformamos, somos em parte seus atores”60.

Esse fato associado ao maior acesso às ferramentas de edição de vídeo, imagem e som também proporcionado pela internet, possibilitou o hábito da releitura e reedição de

60 LÉVY:1999. pg.150

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qualquer material audiovisual.

Essa nova forma de moldar o conteúdo midiático não foi acompanhada pela lei. Como afirma Lessig, “o que antes era impossível e ilegal, agora é apenas ilegal”61. Mas discutiremos melhor as questões legais na Parte IV da monografia. Agora vamos terminar de levantar quais são os princípios das novas mídias propostos por Manovich.

AUTOMAÇÃO, VARIABILIDADE E DECODIFICAÇÃO

Além da representação numérica e da modularidade, Manovich também coloca a “automação” como mais um dos princípios das novas mídias. Essa prática consiste na substituição das tarefas humanas pelo computador. De filtros do Photoshop a refinadores de busca, a automação facilita e democratiza a possibilidade de remixar para cada vez mais pessoas.

A “variabilidade”, “mutabilidade” ou “liquidez” também é um desses princípios. Um objeto na mídia digital pode existir em versões “potencilamente infinitas”, já que ele pode ser sempre copiado e alterado. A noção de obra única e padronizada é decorrente da transformação do objeto cultural em produto industrial no século XX. Aos poucos, nos acostumamos com a idéia de obra múltipla, das diversas possibilidades e customizações ao qual o sujeito digital pode se sujeitar. Como diz Manovich, “In a post-industrial society, every citizen can construct her own custom lifestyle and ‘select’ her ideology from a large (but not infinite) number of choices. Rather than pushing the same objects/information to a mass audience, marketing now tries to target each individual separately. The logic of new media technology reflects this new social logic”62.

O último desses princípios levantados pelo autor é a “decodificação”. Uma vez que a computação transformou a mídia em infromação virtual, a mensagem é criada, distribuída, armazenada e arquivada pelos computadores. Por um lado, essa representação está ligada à cultura humana, por outro, à linguagem numérica da computador. Logo, temos uma lógica computacional influenciando nossa cultura, ou seja, gerando novas práticas, organizações, gêneros e conteúdos. Se a cultura vem se tornando cada vez mais modular e variável é porque

61 LESSIG:2008. pg. 3862 MANOVICH:2001. pg. 60

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ela está se tornando cada vez mais digital, uma linguagem modular e variável. Esses dois campos coexistem e se influenciam, enquanto nós codificamos e descodificamos informação do ontológico computacional o tempo todo, fazendo-a transitar do campo humano ao maquinal, e vice-versa. Como diz Manovich, o computador pode atuar perfeitamente no papel de um tecelão preciso que substitue a força humana, mas fundamentalmente ainda é uma máquina analítica criada por Charles Babbage63 – “a nova mídia pode parecer mídia, mas é só uma superfície”.

ALEGORIA, RELEVÂNCIA E REPETIÇÃO

Para Navas64, o Remix sempre é alegórico, uma vez que o objeto contemplado depende do reconhecimento de códigos pré-existentes por parte da audiência para que a obra seja percebida completamente. Por ser um rearranjo de algo que existiu, o Remix tem uma função de percepção metalingüística, de diálogo com a cultura em que está inserido. Muitas vezes, o sentido não está no conteúdo em si, mas na referência que ele faz. Muitos recontextualizam uma imagem de forma que seu novo significado seja tão forte quanto sua base inicial, como os mashups do artista Sonderberg65 sobre Bush e Tony Blair, que usam imagens transmitidas pela FOX Channel66.

Muito do que é remixado não tem a intenção de esconder suas fontes, mas sim de evidenciá-las para que o leitor encontre o nova relação de sentidos proposta. Para Navas, o remix que camufla suas fontes está mais próximo do plágio e não pode ser um “Remix”. Mas na minha opinião, o reconhecimento da fonte é algumas vezes opcional, pois pode ou não colaborar com a percepção planejada da criação. Alguns elementos de uma colagem poder ser genéricos, sem nenhum link forte de valor pré-estabelecido, enquanto outros precisam sim ser reconhecidos pela audiência e, portanto, devem ter origem identificável.

Pereira e Hecksher67 definem o remix como “uma apropriação de ícones e signos da

63 http://aculturadoremix.tumblr.com/post/145665547664 NAVAS:2006.65 www.soderberg,tv66 http://aculturadoremix.tumblr.com/post/149762504267 PEREIRA, Vinícius Andrade; HECKSHER, Andrea. Práticas de comunicação em redes tele-informáticas e a lógica das linguagens digitais: construindo modelos de propaganda e de maketing no ciberespaço. Rio de Janeiro, 2007. pg.9

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cultura massiva, para usos muito específicos e contextualizados, dentro das dinâmicas de comunicação do ciberespaço”. Dizer que o Remix constrói sobre os elementos culturais que já existem, principalmente aqueles gerados pela cultura de massa, é um grande argumento para sustentar a idéia de que a prática em redes não substituirá a massiva. Afinal, ele pode representar tanto uma prática de crítica quanto de sustentação positiva da mídia tradicional. Como diz Navas, as pessoas que agem como remixadoras não necessariamente estão sendo criticas, mas simplesmente consomem através da interatividade.

Uma das maiores críticas feitas ao Remix hoje é exatamente em relação a sua contribuição na tradição do re-uso, tecida culturalmente durante séculos. Como diz o professor Darren Tofts no editorial da edição 15 da revista fibrejournal.org, “Most online remix, however, simply goes through the motion of doing a remix: hence our subtitular qualification of ‘imprecise’ and disagreeable. They fail to memorably stand out from the crowd and thwart the expectation of encountering something out of the ordinary”68.

Nem mesmo Lessig69 reluta em dizer que a maioria do que é produzido pelos usuários na web é “ruim”, mas ele levanta o seguinte ponto: essas produções são amadoras, a cultura do remix é a cultura do amadorismo, e pode parecer estranho entrar em contato com esse tipo de material quando estamos acostumados a consumir produtos de qualidade técnica impecável, produzidos e incentivados por pólos técnicos profissionais. Continuando seu discurso, ele diz que não é porque “o povo escreve mal que temos que parar de ensiná-los a escrever”. O importante é escrever, se expressar e se sentir parte desse complexo mundo de signos. Pessoas comuns, sem conhecimentos específicos, estão produzindo ilustrações, videoclipes e podcasts, estão ganhando voz e fazendo um meio mais democrático e participativo, falando no ethos dos seus receptores. E é aí, na contribuição da participatividade, onde reside a real relevância da cultura do remix.

E com as ferramentas de edição cada dia mais simples e acessíveis, e uma crescente taxa de “alfabetismo digital” da população, produz-se um material com cada vez mais qualidade técnica, engajamento e valor de expressividade.

Ao analisar o que é produzido pelos usuários e disponibilizado na rede, encontramos muitas produções de caráter político, partidário, sustentando bandeiras ideológicas, lutas e críticas à instituições de diversos tipos, muitas vezes discutindo temas que não ganhariam espaço na grande mídia e, outras vezes, ganhando espaço de discussão tão grande na web

Parte III

68 TOFTS, Darren. Editorial. The Fibre Journal Issue 15, (ed.) TOFTS, Darren e McCREA, Christian. 18 de Fevereiro de 2010. 69 LESSIG:2008.

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que acaba por pautar as discussões da grande mídia.

Mas também, muito de humor e entretenimento mantendo ripoffs de ícones culturais massivos também é produzido. A prática da remixagem vem se mostrando, por exemplo, uma grande aliada aos fãs de produções massivas que, como destaca Jenkins70, já transcende a condição de espectador fanático e realiza-se intervindo na obra. Por isso as “versões amadoras” são cada vez mais comuns: histórias paralelas de livros e quadrinhos, vídeos e trailers “fake” em live-action ou animações, ilustrações e fotomontagens, comunidades de cosplayers, gamers, enfim – versões que seguem a mesma linguagem da “obra original” ou adaptações do conteúdo antigo à novos suportes. E por serem um público fiel, os fãs e a extensão da produção em que atuam são um porto seguro e um nicho importante a ser explorado pela indústria do entretenimento.

Pensando em música, Navas divide as versões remixadas em 3 tipos: o remix “estendido” (versões com instrumentais prolongados para se adaptar às pistas de dança e facilitar a interferência do DJ), o “seletivo” (quando material é adicionado ou subtraído da cancão-base, o que dá personalidade para a nova faixa e, portanto, foi a responsável por transformar o DJ em um produtor popular por seu estilo) e o “reflexivo” (que alegoriza e estende o uso dos samples, pois pode mudar completamente, inverter ou desafiar a “aura” da canção-base, firmando-se como uma produção quase autônoma).

Essa classificação foi feita pensando na música, mas podemos fazer paralelos com outras linguagens, principalmente pensando na divisão entre remixagens que mantém ou subvertem a aura do material que lhe serviu de matéria-prima. Uma imagem, por exemplo, pode ser tratada e ter elementos adicionados mantendo a intenção da mensagem original, mas também pode ser utilizada para subverter aquela mensagem.

Uma imagem que foi muito remixada e que exemplifica muito bem essa diferença foi o famoso poster de Barack Obama para a campanha eleitoral para a presidência norte-americana de 2008, feito pelo artista Shepard Fairey (ver imagens 5-13) O rosto do candidato em azul, vermelho e bege, com a palavra “Hope” logo abaixo, se tornou um ícone da campanha e, portanto, um ícone cultural que serviria facilmente de referência para diversas novas versões. Algumas sustentavam a campanha e reafirmavam o apoio ao candidato, substituindo o rosto de Obama pela sua vice Hillary Clinton ou usando o rosto de McCain, adversário de Obama nas urnas, com a palavra “Nope”. Por outro lado, muitas versões críticas foram feitas, como o poster com o texto trocado para “Hopeless”, ou a versão com o dizer “Yes we can”, um dos motes da campanha do futuro presidente, mas com a

70 JENKINS, Henry. A cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008.

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Imagem 5-13: Posters eleitorais de Obamahttp://aculturadoremix.tumblr.com/post/1450278079

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imagem de Adolf Hitler estampada.

E com esse mesmo exemplo, podemos observar que um dos aspectos recorrentes dentre os remixes é a repetição. O ícone cultural é repetido à exaustão, transformado em meme (como explicaremos mais abaixo), replicado e reblogado, exibido em loops constantes dentro das músicas ou nos movimentos de um arquivo gif. O “repetir” é o que constitue a representação na cultura digital71.

Mas o ato de simplesmente copiar, colar e retransmitir um elemento também não deixa de ser uma autoria – uma “autoria por seleção”, como por exemplo nas “mensagem encaminhadas” nas caixas de email, os posts “re-twitados” e “re-bloggados”. O Tumblr, por exemplo, é uma rede social baseada na replicação, com uma dinâmica sucinta, direta, baseada no julgamento e retransmissão de elementos de acordo com gostos pessoais. Além do mais, o repetir pode funcionar também como um “recontextualizador da mensagem”, pois ocorre em diversos espaços virtuais diferentes e, por isso, acaba ressignificando diversas vezes um mesmo elemento. Como disse Tofts, é uma “repetition with a difference (...), the ontology of remix, what free jazz hep cat Ornette Coleman famously called ‘something else”72.

Mas o que é um “meme”? Meme é termo que mescla a idéia de “gene” e “memética”, que representa uma unidade de informação cultural com capacidade de propagar-se. Na cibercultura o termo se refere aos frequentes “fenômenos de internet”, elementos incontavelmente remixados em um determinado período de tempo.

Um dos memes mais famosos da web nos úlitmos tempos foi a cena dos últimos momentos no bunker de Hitler do filme “A Queda”73 (ver imagem 14-16), onde Hitler discute com raiva com seus aliados ao saber que a Guerra estava perdida. As versões aplicavam uma nova legenda para o discurso irritado em alemão do ditador. Logo, era possível ver Hitler irritado porque Cristiano Ronaldo foi vendido para o Real Madrid, porque Hillary Clinton havia perdido a nominação para concorrer a presidência entre os democratas, porque foi banido do Xbox Live ou porque ele não tinha conseguido passar no vestibular para o curso de medicina da USP. O mundo todo começou a adaptar a cena para diversas situações, e até mesmo tutoriais de como aplicar novas legendas surgiam na rede.

A repetição constante e o esvaziamento do sentido de um momento de significado histórico tão importante para o mundo fazem Tofts redigir a seguinte análise:

71 NAVAS:2006.72 TOFTS:2010.73 “Der Untergang”, Alemanha, 2004. Direção de Oliver Hirschbiegel.

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Imagem 14-16: A QuedaNas legendas aplicadas sobre a cena do filme “A Queda”, Hitler se irrita com o lançamento do iPad, com as vuvuzelas da copa de 2010 e porque não passou no vestibular para Medicina da USP. A fama que o filme de Oliver Hirschbiegel ganhou fez dele um dos filmes alemães mais vendidos da história, mas mesmo assim, recentemente, a distribuidora tentou retirar os vídeos do Youtube por infringir a lei de Direitos Autorais (em vão, já que o volume de versões geradas por usuários não para de crescer).http://aculturadoremix.tumblr.com/post/1450662023

http://www.youtube.com/watch?v=his-AgsWzGghttp://www.youtube.com/watch?v=z-Ln_rqPpPkhttp://www.youtube.com/watch?v=kUwvVd02b14

63

“The Downfall meme is a portrait in miniature of the doxa of contemporary remix;

namely, the collaborative, socially-networked taste for creatively manipulating work made

by someone else. These received ideas presume the assurance of an invisible yet simpatico

audience of like-minded, DIY-capable remixers alive to the vertiginous pleasure of knowing

that anything labeled a remix is one file in a conjugate (yours, mine, ours) Shareware .zip

archive of infinite re-use. In other words, an assurance of many happy returns”74.

Recentemente, a Constantin Films começou a tirar as milhares de versões da cena do ar, para garantir seus direitos de cópia e reprodução. Mas falaremos mais a fundo sobre a questão legal que o Remix enfrenta na Parte IV da monografia.

INTERATIVIDADE

É na cibercultura que o conceito de “interatividade” com a produção cultural finalmente ganha um significado consistente. A rede oferece milhares de possíveis caminhos a serem trilhados, de acordo com a vontade do usuário. Mas sobretudo, a capacidade interativa do ciberespaço está ligada ao fato de que o usuário é capaz de moldar um espaço para si e disponibilizar material produzido por si próprio.

É importante ressaltar que a interatividade não surgiu na mídia digital, mas foi potencializada por ela. A arte analógica, e principalmente a Arte Moderna, já podiam ser consideradas interativas de diversas formas. A forma com que a audiência desliza o olhar sobre a obra, as ligações congnitivas que são geradas pela mente ao observar sombras e formas na fotografia, traços e cores na arte abstrata; a linha que o espectador constroe entre cenas diferentes de uma edição; a formulação de hipóteses, de identificação e o entendimento da mensagem são formas de interatividade em si.

Mas foi a partir da década de 60 que a arte passou a permitir um novo nível de participação do público, com uma interação física e estrutural na formação da obra em si. Manovich cita que para muitos, esse momento foi uma preparação do solo para as instalações computacionais interativas dos anos 80.

74 TOFTS:2010.

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Por isso ao falarmos de interatividade e mídia, é necessário nos atentarmos ao nível de interatividade que ela propõe. Qual o grau de influência que a audiência tem sobre o processo comunicativo? Ele pode responder ao emissor sob o mesmo suporte para criar um diálogo ou o fluxo da mensagem é unilateral? A interpretação individual da mensagem transmitida pelo rádio ou pela TV já são formas de interação; assim como a segmentação da programação com base na audiência, por exemplo. Mas essas são formas de interação próximas da “interpelação”, da escolha feita a partir de uma série de opções já programadas por alguém – o que acontece em quase todas as interfaces digitais, seja em games, websites, softwares de edição, etc.

Manovich descreve um desejo moderno de “externalização da mente”. Talvez uma resposta à padronização que a sociedade de massa foi submetida, a vontade de transformar o individual em público – sejam as idéias, os pensamentos, as fotografias, os desenhos, os vídeos pessoais – é uma dinâmica que se encaixa perfeitamente na mídia computacional. A própria navegação por hiperlinks segue uma dinâmica de conexões cerebrais. Navegar na web é como navegar pelas possibilidades de associação de que uma outra mente propõe.

“The cultural technologies of an industrial society -- cinema and fashion -- asked us to

identify with somebody’s bodily image. The interactive media asks us to identify with

somebody’s else mental structure”75.

INTELIGÊNCIA COLETIVA

O ciberespaço serviu de suporte para uma dinâmica que favoreceu seu próprio desenvolvimento: a inteligência coletiva (teorizada tanto por Lévy quanto por Kerkhove, quando fala em “inteligência conectiva”), um processo que se auto-manteve e desenvolveu as possibilidades criativas da plataforma digital, utilizando conhecimentos e experiências de pessoas ao redor do mundo, uma expressão máxima da sinergia que comunidades humanas interconectadas podem ser capaz de gerar.

Os softwares de código aberto são um grande exemplo de desenvolvimento de soluções e sinergia planetárias. Levantando a bandeira do copyleft, os resultados são essenciais para

75 MANOVICH:2001. pg.70,75

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a defesa da cultura do compartilhamento. O que permitiu o surgimento dos softwares livres foi a invenção de uma licença de utilização do código fonte em 1989, quando Richard Stallman criou a GPL (General Public License) e a “Free Software Foundation”, cujo primeiro projeto foi GNU (“GNU is not Unix”, sistema fechado da AT&T) e começou a mobilizar comunidades ao redor do mundo que alteravam e distribuíram modificações. Daí surgiram o Linux, o Debian, e outros softwares livres. Como nos outros exemplos, houve a liberação do pólo produtor, conexão planetária e reconfiguração de elementos, inclusive da indústria do software.

MONTAGEM E COMPOSIÇÃO DIGITAL

De acordo com Manovich, a criação nas novas mídias se dá por um processo de captação de materiais separados para compôr um todo novo: “along with selection, compositing is the key operation of post-modern, or computer-based authorship”76.

Alguns materiais são feitos apenas para o projeto, outros são buscados em arquivos. Não importa quando e por quem foram compostas as fotos, ilustrações, faixas sonoras, planos, texturas, enfim. Em seguida, o processo de assemblage é feito, podendo unir elementos em uma imagem que ressalte as diferenças entre os eles (como as colagens e montagens cinematográficas analógicas dos anos 80) ou que “camufle” o fato de que suas fontes são distintas (típico da composição digital cinematográfica que se desenvolvia a partir dos anos 90, como o desenvolvido no filme Jurassic Park).

Se a montagem visava montar dissonâncias visuais, estilísticas, semânticas e emotivas entre diversos elementos, a composição digital tende a mesclar os elementos em um fluxo integrado, como o DJ que passa de uma música a outra sem saltos, ou a unidade visual que os elementos tem que ter dentro de uma campanha publicitária. Para Manovich, esse tipo de criação não visa contrapor elementos, mas mesclá-los, suavizando seus limites.

“(...) smooth composites, morphing, uninterrupted navigation in games — have one thing

in common: where old media relied on montage, new media substitutes the aesthetics of

continuity. A film cut is replaced by a digital morph or by a digital composite.”77.

76 MANOVICH:2001. pg. 13477 MANOVICH:2001. pg. 135

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Depois da montagem, muitas vezes esses objetos podem ser acessados separadamente para serem alterados, sem ter que comprometer “o todo”, como na programação modular dos softwares, layers de Photoshop, estruturas poligonais de games, etc.

AMADORISMO E POLISSEMIA

Dentro do contexto da cibercultura, a remixagem virou uma prática-chave da produção de conteúdo tanto profissional quanto amador. Na verdade, as linhas de divisão entre o esses dois âmbitos, que eram muito claras antes da internet, agora é esfumaçada. De certa forma, retomamos muitos dos aspectos da apropriação pessoal da cultura que eram próprios da tradição oral. A produção de cultura amadora ganha alcance e visibilidade, e é isso o que incentiva as pessoas a se dedicarem cada vez mais a isso. A rede possibilitou o consumo de materiais focados em nichos, de realidades mais próximas ao espectador do que aquelas que são transmitidas pela mídia de massa.

Muitos músicos, por exemplo, retomaram a autonomia em relação a composição e divulgação de seus materiais, e criam cada vez mais utilizando samplings e amostragens de sons já existentes. Paralelamente, vemos uma enxurrada de versões amadoras de canções disponíveis na web, versões a capella ou com um violão79, regravadas com batidas sintetizadas ou com instrumentos diferentes. As paródias, redublagens e performances em vídeos denotam esse processo de adaptação do produto midiático, antes absoluto, para uma obra maleável, sem fim nem começo, sem versões canônicas, adaptável a diversos estilos e contextos, mutável em formas que assumem diversos sentidos.

Ou seja, a obra na cibercultura não tem limites nítidos, são “obras abertas”78 e não só porque permitem as diferentes interpretações, mas principalmente porque podem ser materialmente imersivas pelo usuário e interpenetráveis por outros conteúdos disponíveis na rede. A obra na web não tem um “fechamento físico” definitivo. Esse “fechamento” ocorre quando a música ou o filme é gravado, quando a obra é transferida para um suporte material e se encontra pronto para ser exibido, arquivado, exposto em um museu. Sem o suporte, a composição está aberta para ser modificada e reutilizada

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78 ECO, Umberto. A obra aberta. Lisboa: Difel:1989.79 http://aculturadoremix.tumblr.com/post/1539587173

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inúmeras vezes e por diversos usuários.

As mídias digitais e sua característica de composição midiática interativa caracterizam-se pela produção cujos sentidos são voláteis e polissêmicos. As duas bases disso, de acordo com Santaella78, são a convergência midiática e a interatividade.

Isso resulta em novas “arquiteturas visuais”, que eu chamo de Remix, e que Lister79

compara com o método tradicional da edição de flimes (que envolve seleção, corte, combinação, justaposição e reorganização narrativa de materiais provenientes de espaço-tempos diferentes). A tecnologia digital faz do usuário o editor, é ele que escolhe o quê e quando ver, além de poder produzir e divulgar mais conteúdo – sem salas de edição e equipamento profissionais, usando softwares cuja interface vem se tornando cada vez mais simples (“user-friendly”), manipulando apenas o mouse, o teclado, o toque na tela.

DEMOCRATIZAÇÃO DAS FERRAMENTAS DE EDIÇÃO E ACESSO À PRODUÇÃO CULTURAL

Antes do computador, tratar uma imagem, editar um filme ou samplear uma música exigia uma série de equipamentos e conhecimentos da técnica de produção, o que deixava essas práticas restritas à profissionais da área. Foram os softwares de design sonoro e visual que facilitaram a remixabilidade, democratizando a técnica de interferir e editar qualquer material. Hoje, aparelhos de sampleamento, balanceamento, equalização, sequenciadores, sintetizadores, groove boxes, estúdios de revelação e manipulação fotográfica e de películas, telecinagem, mesas de montagem e moviolas são simulados por softwares facilmente encontrados na web.

Uma vez tendo acesso ao computador, pode-se ter acesso a esses programas de edição de imagem, som, vídeo e texto, e atuar da mesma forma que os profissionais de edição. Milhões de pessoas comuns estão se tornado escritores, jornalistas, broadcasters e filmmakers graças à crescente popularização desses softwares de interfaces cada vez mais simples.

Embora os softwares não impossibilitem que o usuário crie a partir de um rascunho, eles são projetados para que uma “lógica da seleção” seja empregada80, ou seja, para que se

78 SANTAELLA:2005. pg.14679 LISTER, Martin. The photographic image in digital culture. London/NY, Routledge, 1995. pg.33880 MANOVICH:2001. pg. 120

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construa baseando-se em referência a outras obras já compostas. A seleção, catalogação e intervenção no material alheio foram potencializadas no digital, pois com alguns cliques se pode tirar as amostras de diversas fontes situadas na rede. A internet trouxe o acesso à um acervo de conteúdo jamais possível em qualquer biblioteca. Se o mundo estava se ligando por uma grande rede de relações e compartilhamento, o usuário poderia não apenas acessar qualquer conteúdo anteriormente produzido que já havia sido digitalizado, como também compartilhar o conteúdo que ele mesmo cria.

O ciberespaço nasce na convivência e sobreposição de todo tipo de material que pudemos unir sobre a produção humana. E essa quantia gigantesca de informação armazenada só é possível pela incrível capacidade de compressão de dados da linguagem digital, pois a máquina é capaz de identificar os padrões de informação contidas em codificações de qualquer matriz, seja texto, som ou imagem, e reagrupá-los, comprimí-los e descomprimí-los. Com isso, temos o hoje à nossa disposição todo tipo de material cultural, do mais amplo ao mais específico. Criamos “a biblioteca das bibliotecas”, e localizar e reutilizar materiais contemporâneos ou de outras épocas dentro desse acervo tornou-se uma regra da cibercultura.

A codificação das operações de seleção e recombinação nas interfaces de softwares de edição fez da nova mídia uma legitimadora da prática do “copiar-colar” como lógica de criação. Se Picasso usou tesoura e cola para montar suas colagens (ver imagens 17-19) usando recortes de jornal, o usuário precisa de uma “caixa de instrumentos pós-moderna”81 repleta de ferramentas digitais ao remixar.

Dentre os programas de edição de imagem, muitos softwares simples e rápidos são disponibilizados para o público, do Microsoft Paint até os programas de tratamento rápido de fotografias vendidos em conjunto com câmeras fotográficas digitais. Mas o Adobe Photoshop é uma unanimidade na hora de fundir, misturar, recortar, esfumaçar, entonar, sobrepôr, apagar, ilustrar ou distorcer imagens. Funciona através de equações cromáticas baseadas nos pixels e da sobreposição de layers. O Photoshop se difundiu a partir dos anos 80, ao mesmo tempo em que a cultura se convertia em pós-moderna, liderando a popularização de softwares que privilegiavam a seleção e edição de elementos de mídia já existentes, pois uma vez que a produção é feita, armazenada e distribuída usando apenas uma máquina, é muito mais fácil trabalhar sobre elementos já disponíveis. Com essas práticas, a mídia se fazia cada vez mais mais auto-referencial.

Já para a prática de importar amostras sonoras, tocar instrumentos virtuais, gravar

81 ARCUNI, Peter. Rip, Remix, Burn (Tools of the Cut & Paste Trade). In: Wired Magazine, issue 13.07- Julho de 2005.

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Imagem 17: ‘Garrafa de Vieux Marc’

Colagem feita por Picasso em 1913.http://aculturadoremix.tumblr.com/

post/1462777040

Imagem 18: Composição digital I

Colagem digital que simula a colagem tradicional, uma transição entre a ênfase e a unificação dos materiais-base.http://www.nightdv.deviantart.com/

Imagem 19: Composição digital II

Composição digital que tenta unir e suavizar seus elementos. Por “Manu Pombrol”http://www.flickr.com/photos/

manusanchez/

Parte III

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trechos de composição própria e recombinar todos esses elementos, o Apple Garage Band é uma “porta de entrada” para a edição musical. Hoje em dia existem centenas de softwares do gênero, alguns mais complexos ou com licenças mais caras, tais como Adobe Audition, SoundForge, etc. Muitos apenas simulam instrumentos musicais, outros simulam sampleadores ou groove boxes (equipamentos para a produção de ritmos). Programas como o Technics SL- 1210M5G & SH-EX1200 usam a lógica das turntables para gerar efeitos como o consagrado scratch do hip hop. O uso desses softwares e dos formatos de arquivo de compressão sonora com qualidade próxima aos CDs, como os MP3s, se refletiram em um boom do compartilhamento musical e na disseminação da música eletrônica, da figura do DJ e do produtor musical, possibilitando a hibridização do eletrônico com todos os estilos musicais já existentes e a geração de estilos híbridos. De acordo com Souza:

“A própria indústria do software investe nessa área [surgimento de novos produtores

musicais] e produz programas musicais que não exigem nenhum conhecimento de teoria

musical. Softwares que apelam para a criação musical baseada em recursos visuais a

serem arrumados, ordenados em trilhas (gráficos coloridos, ícones, colocados, arrastados

pelo mouse em diferentes trilhas, faixas de canais), Som produzido através de gráficos,

através de imagens”82.

Já ao trabalhar com edição de vídeos, os usuários podem usar softwares mais simples como o Windows Movie Maker ou o iMovie. Para uma edição mais avançada, o Apple Final Cut Studio ou o Adobe Premiere são editores frequentemente usados. Alguns outros programas vão trazer ainda mais possibilidades de edição e manipulação da imagem em movimento, como é o caso do Adobe After Effects.

Se por um lado a quantia de softwares para funções específicas acessíveis a usuários não-profissionais é cada vez maior, por outro o mercado profissional de edição de materiais digitais também vem crescendo. Outros programas servem de apoio aos profissionais e técnicos que já trabalham com a criação prioritariamente na plataforma digital: não só no webdesign, mas também no design gráfico, publicidade, design de produtos, arquitetura, paisagismo, modelagem e animação 3D, design de games, tratamento de imagem, edição de vídeo, etc. Diariamente cada vez mais pessoas também abastecem bancos virtuais (muitas

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82 SOUZA, Cláudio Manoel Duarte de. Idéias avulsas sobre música eletrônica, djing, tribos e cibercultura. In: “Janelas do Ciberespaço: Comunicação e Cibercultura”, org. LEMOS, André e PALACIOS, Marcos. Sulina, Porto Alegre, 2001. pg. 62,63

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vezes gratuitos) com novos elementos já prontos para serem alterados e recombinados nesses processos de criatividade profissional, tal como tipografias, texturas, modelos tridimensionais, códigos de programação, animações simples, etc.

EXEMPLOS DE MASHUPs A PARTIR DAS MATRIZES DA LINGUAGEM

As obras agora inserem-se em um contexto hiperdocumental, baseado na estrutura complexa e alinear da informação, na recombinação constante, na intervenção de usuários de contextos e objetivos diferentes, e na de criação de uma memória-fluxo de materiais.

Nesse ambiente, o texto se transforma em hipertexto, pois é fluido, reconfigurável e não-linear, fundado em arquiteturas reticulares. A hipermídia é sua extensão, é a inserção dos mais diversos grafismos, elementos audiovisuais e funções em plataformas reconfiguratórias em sua composição.

O ciberespaço permite a mistura simultânea de diversas modalidades das três matrizes da linguagem e pensamento levantadas por Santaella83: a verbal, a visual e a sonora, que organizadas reticularmente no contexto hipertextual, onde a capacidade de armazenamento de informações e a possibilidade de interação do receptor (leitor imersivo) resultam na remixagem constante do conteúdo e, portanto, de uma estrutura cada vez mais multidimensional, não-sequencial de informações.

Para exemplificar uma amostragem dessa produção que viemos descrevendo durante a monografia, vamos partir de uma divisão usada pela própria Santaella ao exemplificar a experiência hipermidiática em “Linguagens do Pensamento”: uma vez que as linguagens encontram-se misturadas em todo momento, vamos dividir os exemplos em obras em que existe a predominância do verbal, do visual, do sonoro e obras em que existe o equilíbrio das linguagens.

PREDOMÍNIO DA MATRIZ VERBAL

O texto, no contexto digital, não é linear nem imutável. Não é linear porque

83 SANTAELLA, Lucia. Matrizes da Linguagem e Pensamento: Sonora Visual Verbal : Aplicações na hipermídia. 3.ed, São Paulo: Iluminuras, FAPESP 2005. pg.25

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desdobra-se e liga-se a diversos outros conteúdos por ser configurado como hipertexto. E não é imutável porque, muitas vezes, está apto à edição coletiva (como na criação de textos coletivos, ou wikis como o WikiTravel.org, o WikiHow.org, o WikiCars.org, o recipes.wikia.com e o starwars.wikia.com) ou porque abre espaço para ser continuado, discutido e reescrito por seus leitores.

A base da navegação na web é verbal e visual, é o uso do hipertexto – um texto fracionado e interligado, modular e facilmente reconfigurável. E por ser interativa, são infinitas suas possibilidades de criação textual. Em uma plataforma potencializadora do copy-paste, então, o texto passa a ser sempre remixado. Do momento em que se cria uma mensagem de e-mail, fazendo citações e colando links de referências externas, até os textos de criação coletiva, os wikis. A Wikipedia.org talvez seja o maior exemplo de criação textual coletiva.

A apropriação da produção textual se reflete na apropriação da obra alheia também no texto. O número de fanfictions84, por exemplo, vem crescendo na rede. Jenkins85 cita as fanfictions de Harry Potter86 em seu livro A Era da Convergência, onde define também os recursos de narrativas paralelas à obra principal como “transmedia storytelling”, uma forma de contar uma história através de diversas mídias, criando uma experiência diferente de imersão no contexto ficcional e abrindo novas possibilidades de mercado, além de descentralizar a produção intelectual do autor.

Inserido nessa lógica está principalmente o blogueiro, um remixador que constantemente busca material para comentar, utilizando a integração de várias linguagens: imagens estáticas ou em movimento, vídeos (vlogs), áudios (flogs), etc. Remixador também ainda é o blogueiro que “bloga de outros blogs”, ou “rebloga”: uma forma de apropriação do que não se escreve, mas de seleção, recontextualização.

De acordo com Lessig87, ao conteúdo dos blogs foram sendo adicionados aos poucos “layers de cultura do Ler-Escrever”, que deixaram o texto cada vez mais participativo. Um desses layers foi adicionado quando a possibilidade de comentar o post foi difundida, possibilitando aos leitores responder no mesmo espaço em que o material havia sido publicado, em um diálogo aberto a todos. A segunda camada foi a classificação por tags, implantandas tanto dentro dos próprios editores de conteúdo quanto em ferramentas de

Parte III

84 Acervo online de fanfictions: http://www.fanfiction.net/85 JENKINS:2006.86 A comunidade de fanfictions de Harry Potter tem, atualmente, mais de 66500 histórias escritas. http://www.harrypotterfanfiction.com/ 87 LESSIG:2008. pg.57

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taxonomia que podem envolver toda a web (Del.icio.us, Reddit e Digg). O terceiro layer é a ferramenta de mensuração de significação e relevância através de contagem de links na web que podem nos levar até aquele post.

São camadas de interação que estão hoje na maioria dos sites de divulgação de conteúdo, seja uma comunidade virtual, um blog, uma rede social, enfim. O conteúdo sempre está acompanhado de ações do gênero “comente” (primeiro layer); “gostou?”, “adicionar aos favoritos” ou “add tag” (segundo layer) e, por fim, “indique” ou “compartilhe” (terceiro layer).

PREDOMÍNIO DA MATRIZ SONORA

O podcast é uma expressão fundamental da remixagem sonora na web. O pólo de emissão agora é o usuário, quem opina, sugere, edita seu próprio material com conteúdo disponível na rede, de músicas, efeitos sonoros, faixa de som de filmes, etc.

Além desse tipo produção sonora, a música na web é um conteúdo que pode ser comentado e replicado constantemente em diversos espaços. O Blip.fm ou o Last.fm, por exemplo, permitem que o usuário crie sua própria playlist ou rádio online, reafirmando a prática da repetição como recontextualização e customização do material cultural. Junto a eles, muitas são os espaços em que a música que está fora da dinâmica do mercado das grandes gravadoras ganha espaço, como no Myspace.com, um dos grandes responsáveis pela onda do “rock indie” (rock independente) e pelo “lançamento” de diversas bandas e cantores para o mercado fonográfico através da seleção e gostos do próprio público.

A repetição de amostras vem se difundindo para diversos suportes. Os arquivos .wav, por exemplo, são arquivos com diversos efeitos sonoros usados para a confecção das mais diversas interfaces. As amostras não saem não só de músicas, mas de vídeos também, e viram memes sonoros88 que transitam em vários meios, chegando a serem usados até como ringtones.

O músico hoje está inserido em outra dinâmica. Muitos são a favor da disseminação do seu material para a divulgação, pois como dizem os integrantes da banda de música eletrônica Killer on the Dance Floor no documentário “Como a web revoluciona a música” do projeto “We Music”89 do Museu da Imagem e Som de São Paulo, “o disco é um material sólido para você ter um portifólio, para ser vendido [o músico]. Mas o pessoal ganha mais dinheiro tocando”. E como complementa o DJ Chernobyl no mesmo documentário,

88 http://aculturadoremix.tumblr.com/post/146776082289 http://www.wemusic.com.br/

Parte III

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“O artista já não ganhava dinheiro vendendo disco”, “você só vai ver artista reclamando disso [da disponibilização do seu trabalho online], quem vendeu mais de um milhão de cópias, que é a minoria”. De acordo com o doutor em Direito e professor da PUC Minas, o advogado Túlio Vianna:

“A livre divulgação da obra em meio digital é extremamente interessante ao autor, pois

lhe permite uma visibilidade muito maior, dando-lhe prestígio e valorizando-o como

profissional no mercado. É este prestígio social que lhe garantirá a oferta de novos

trabalhos na forma de palestras, shows, trabalhos por encomenda e outras atividades que

indiretamente também remunerarão seu trabalho intelectual”90.

O trabalho com a música na rede não precisa ser nem presencial91. O DJ Chernobyl diz ainda no documentário que “a maioria dos artistas com quem eu trabalho eu nunca vi pessoalmente”. Mas sempre na hora de divulgar o material, seria ético da parte do remixador explicitar quais as fontes que foram utilizadas. “As pessoas tem que ter a coerência de creditar os outros”. De acordo com Bandeira:

“Ora, se ao artista é apenas facultada a possibilidade de escoar sua produção musical

através de gravadoras e se estas, ainda que quisessem, não conseguem dar conta do

volume de produtos, novas estratégias de atuação precisam ser adotadas. Eliminando,

portanto, a mediação – muitas vezes traduzida como “interferência” – das gravadoras,

a difusão de músicas através da internet subverte uma relação unilateral mantida pela

indústria fonográfica, relação esta cada vez mais desgastada e questionada, já que os

artistas vinham ocupando uma posição secundária na condução de suas carreiras”92.

90 VIANNA, Túlio. A ideologia da propriedade intelectual: a inconstitucionalidade da tutela penal dos direitos patrimoniais de autor. In: Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano 2006. Montevideo, KONRAD- ADENAUER-STIFTUNG E.V.: 2006.91 Performance ao vivo vencedora do concurso Youtube Play (parceria entre o Youtube e o Museu Guggenheim) misturando música clássica ao vivo e faixas instrumentais de todo o mundo, disponibilizadas na web. http://www.youtube.com/watch?v=81qh-bCKu5o92 BANDEIRA, Messias. Música e Cibercultura: do Fonógrafo ao MP3. Digitalização e difusão de áudio através da internet e a repercussão na indústria fonográfica. In: “Janelas do Ciberespaço: Comunicação e Cibercultura”, org. LEMOS, André e PALACIOS, Marcos. Sulina, Porto Alegre, 2001.

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Mas o caráter mais importante da música da web é o deslocamento da produção dos profissionais para os amadores, para aqueles que não tem uma formação teórica musical. Como diz Souza, na música de vanguarda a produção não é propriedade de ninguém, já que o sampleamento permite a cópia e valoriza o processo de criação em si, e não a obra única, a música final (que vira apenas uma base, um banco de dados a serem remixados numa performance). “A música eletrônica”, completa, “é uma obra inacabada”. Ela foge da estrutura início-refrão-meio-refrão-fim-refrão, não tem começo ou fim, mas continua. Ela dispensa o pop star, sustenta o ideário do punk do “faça você mesmo”.

“De posse de um pequeno aparato tecnológico, o produtor musical cria sua música (techno,

house, jungle, trance, etc.), gera suportes (vinis, MDs, CDs, arquivos temporários em redes

de computadores como mp3, wav, mids, etc.) para a difusão de sua arte, sem a necessidade

de compromissos contratuais e de dependências de estruturas comerciais tradicionais”93.

Outra prática ligada principalmente à sonoridade que ganhou destaque ultimamente foi a confecção dos mashups. O termo surgiu dos produtos de fusões de serviços digitais para se fazerem novos programas ou websites completos. Eles combinam dados fornecidos por um sistema, como um serviço do Google, por exemplo, de forma a gerar uma nova funcionalidade. Mas logo o termo começa a ser usado para fazer referência à remixagens musicais e visuais, onde o autor procura o equilíbrio entre samples de duas ou mais canções diferentes, ou elementos de dois contextos visuais diferentes são sobrepostos, sempre de forma a deixar evidente quais são as fontes. O mashup mais visto e ouvido do Youtube, por exemplo, une as 25 músicas mais ouvidas de 2009 pela Billboard em uma única música: “Blame it on the Pop”94 foi remixado pelo DJ Earworm.

PREDOMÍNIO DA MATRIZ VISUAL

A imagem também perde o caráter de exterioridade e abre-se para a imersão de quem a visualiza, pois tanto o filme quanto a foto e desenho podem ser alterados e sobrepostos como em um processo de colagem e edição dinâmico.

Ao ser digitalizada, uma imagem é dividida em grãos cromáticos, os pixels, que

93 SOUZA:2001. pg.5494 http://www.youtube.com/watch?v=iNzrwh2Z2hQ

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podem ser alterados matematicamente através de softwares que simulam os processos de manipulação de grãos químicos, e portanto transferidas, redimensionadas, enfim. Diversas comunidades virtuais se formaram ao redor do compartilhamento de fotos, como o Flickr, mas talvez o maior responsável pela mudança do relacionamento entre as pessoas e a imagem (e a auto-imagem) foi o surgimento de espaços de sociabilidade que giram em torno da fotografia, como os fotologs e os álbuns pessoais nas redes sociais.

Mas uma lógica que foi facilmente trazida para o digital foi a colagem. A repetição de pode ressignificar ícones culturais históricos, sobrepondo elementos de tempos diferentes em uma única imagem (ver imagens 20-28). Visualmente, o conceito de mashup também pode ser aplicado, através de montagens estáticas ou em gifs95 animados, misturando elementos de imagens diferentes ou simplesmente inserindo legendas verbais.

O número de charges feitas exclusivamente para a visualização online é gigantesco, e as técnicas de confecção são diversas. Elas misturam ilustrações feitas por usuários, memes imagéticos, recortes de fotos reais, legendas, enfim. A lógica sequencial96 em si virou um aliado importante para construir pequenas narrativas visuais na hora de se fazer um remix estático. Além disso, na web os quadrinhos podem ser feitos e divididos entre diversos usuários em um sistema de colaboração e inteligência coletiva, com personagens independentes ou seguindo histórias maiores (web comics97, fan comics98 e sprite comics, feitos com montagens de stills de games ou outro material já existente).

EQUILÍBRIO DAS MATRIZES

A partir da fase que Santaella chama de Cultura das Mídias, a relação do homem com a imagem do mundo e a sua própria imagem mudou significantemente. A tecnologia aos poucos foi aceita como a extensão dos nosso olhar, e não o olhar pela “janela de padrões” da mídia de massa, mas o olhar customizado, pessoal e enquadrado que as filmadoras, máquinas fotográficas populares e gravadores de vídeo construíam. Essa mudança de percepção da imagem foi acelerada exponencialmente na cultura digital. As janelas, agora infinitas, podem mostrar o que não se via frequentemente na televisão ou no cinema: o mundo e eu mesmo no mesmo enquadramento, a narrativa individualizada, o esforço de

95 http://aculturadoremix.tumblr.com/post/147102163096 http://aculturadoremix.tumblr.com/post/153506582497 http://aculturadoremix.tumblr.com/post/147328149098 http://aculturadoremix.tumblr.com/post/1471858745 http://www.theotaku.com/fancomics/ http://www.theforce.net/comics/fancomics/

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Imagens 20-28: Mashups Visuais

A rede é repleta de produções que cruzam as referências culturais de várias épocas, sobrepondo o erudito e o popular, apropriando-se de ícones e explorando-os repetidamente, esvaziando e ressiginificando cada imagem. Os estilos, na maioria dos casos, são unificados para que o mashup tenha uma aprarência de técnica unificada. O cruzamento de referências, base do pensamento criativo, invade o espaço de criação coletiva em todas as matrizes linguísticas.http://aculturadoremix.tumblr.com/post/1470561377

Star Wars vs. Segunda Guerra Mundial http://23.media.tumblr.com/tumblr_kqzsi2eJNg1qz8vl4o1_500.jpgStar Wars vs. Napoleão Bonaparte http://trendland.net/wp-content/uploads/2008/12/starwars-art2.jpgStar Wars vs. Nascido para Matar http://1.bp.blogspot.com/_N5VYaU-tcbw/SoOKzW_--JI/AAAAAAAAE00/EDzcwfKPYIk/s400/darkside-grey2.jpgStar Wars vs. Magritte http://26.media.tumblr.com/QdBY5jzAdopnqz94vHOXEJbUo1_400.png

Parte III

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Star Wars vs. Reservoir Dogs http://16.media.tumblr.com/Z2qIpUQwOojtsvmwfdk8ZD04o1_500.jpgStar Wars vs. Nascimento de Vênus http://blastr.com/assets_c/2009/07/StarWarsClassicArt1-thumb-550x348-20816.jpgStar Wars vs. Mucha http://3.media.tumblr.com/CQrpCj4bOofaj4uqZ1IFdDVTo1_500.jpgStar Wars vs. Beatles http://26.media.tumblr.com/Z2qIpUQwOojtqj5e8UmpTceoo1_400.jpgStar Wars vs. Alice in Wonderland http://craphound.com/images/dathvalice.jpg

Parte III

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participação em um contexto cultural maior99, como produções de fãs100, das redublagens, mashups de trilhas sonoras e animes101, paródias ou reinterpretações.

Embora as produções cinematográficas hoje invistam muito em tecnologia digital, o custo da globalização é a padronização e a estagnação da linguagem. De acordo com Weibel, por outro lado a mídia digital está “providing an appropiate platform for the evolution of independent, experimental and personal cinema in the digital field”102. Novas formas de interação e individualização do filme são caminhos que o novo cinema tende a tomar, como por exemplo, como prenuncia Shaw103, a possibilidade de constituições narrativas modulares, manipuláveis por uma audiência que pode tomar o lugar tanto do cineasta quanto do editor104 ou até mesmo na divergência do formato tradicional de tela, explorando projeções, multi-screens, panorâmicas, configurações online, etc.

Manovich faz um paralelo entre o trabalho do cineasta russo Dziga Vertov105 e a forma de concepção não-linear do filme nas mídias digitais. Em seu projeto “Soft Cinema”106, ele cria uma interface de diversos conteúdos que são editados no momento em que se assiste à obra, gerando edições inéditas a cada visualização – um cinema editado baseado na edição por software em tempo real e no uso de bancos de dados de conteúdo programado para montar histórias quase sempre diferentes. O software divide o layout da tela e seus conteúdos através de algorítmos, com janelas em diferentes tamanhos que podem exibir filmes, animações em 2 dimensões, motion graphics, cenas em 3D, mapas e diagramas.

De certa forma, o cinema tenta se aproximar de uma experiência de imersão que já é mais explorada pelos games – uma indústria que vem crescendo em ritmo acelerado nos últimos anos. Por um lado, existe o mercado tradicional baseado nos consoles, que vem aos poucos abordando experiências online e abrindo portas para jogos que podem ser comprados e baixados diretamente da web, feitos por todo tipo de produtora. Consequentemente, diversas produções amadoras, independentes e crossovers107 não-oficiais entre jogos

99 Como no tributo a Michael Jackson “Eternal Moonwak” (ver imagem 29) http://www.eternalmoonwalk.com/100 Página de trailers de filmes feitos por fãs http://www.trailerspy.com/fan/4101 Comunidade de criadores de clipes de animes reeditados com novas músicas. http://www.animemusicvideos.org/102 SHAW, Jeffrey. WEIBEL, Peter. (eds). Future Cinema. The Cinematic Imaginary after-Film. ZKM Center for Art and Media Karishure: The MIT Press, Cambridge/London, 2003. pg.16103 SHAW:2003. pg.20104 No filme interativo “Sufferosa”, o espectador encarna um detetive e decide os rumos da história. (ver imagem 30) http://sufferrosa.wrocenter.pl/105 Kino-Eye de Vertov está disponível em http://www.ubu.com/film/vertov.html 106 http://www.softcinema.net107 Em Super Mario Crossover, é possível jogar as fases de Mario Bros. com personagens de outros jogos. http://www.newgrounds.com/portal/view/534416

Parte III

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Parte III

Imagens 29: Eternal Moonwalk

Uma sequência de vídeos caseiros simulam o passo de dança eternizado por Michael Jackson ininterruptamente. Um exemplo da revisitação individual dos ícones de massa na cibercultura.http://www.eternalmoonwalk.com/

Imagens 30: Sufferosa

Projeto experimental de filme interativo de Dawid Marcinkowski de 2010, onde o espectador acompanha a tramainteragindo com a história, podendo alcançar diversos finais diferentes para a narrativa.http://sufferrosa.wrocenter.pl/

81

aparecem frequentemente, usando engines, texturas, personagens, ambientes, enredos ou dinâmicas de games anteriores, criando de forma modular e coletiva.

Muitas dessas criações usam elementos com copyrights assegurados por grandes corporações, e por isso são ilegais. Vamos então entrar agora na discussão sobre os empasses que a lógica de produção cultural da remixagem enfrenta dentro da web.

Parte III

PARTE IV:A CRISE DA

PROPRIEDADEINTELECTUAL

PARTE IV:A CRISE DA

PROPRIEDADEINTELECTUAL

PARTE IV:A CRISE DA

PROPRIEDADEINTELECTUAL

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Parte IV: A CRISE DA PROPRIEDADE INTELECTUAL

NOÇÕES DE PROPRIEDADE INTELECTUAL

“If nature has made any one thing less susceptible than all others of exclusive property, it

is the action of the thinking power called an idea, which an individual may exclusively

possess as long as he keeps it to himself ; but the moment it is divulged, it forces itself into

the possession of every one, and the receiver cannot dispossess himself of it. Its peculiar

character, too, is that no one possesses the less, because every other possesses the whole of

it. He who receives an idea from me, receives instruction himself without lessening mine ;

as he who lights his taper at mine, receives light without darkening me.”

Thomas Jefferson108

Antes da invenção da imprensa no século XVIII, culturas primitivas e orais não possuíam a idéia de autoria e propriedade sobre bens simbólicos como temos hoje. Quando tratamos de um bem incorpóreo, é difícil aplicar as mesmas regras de uso de um bem corpóreo já que, juridicamente falando, a noção de propriedade é caracterizada pelo direito de usar, fruir e dispor com exclusividade de uma coisa, podendo o detentor do poder sobre o objeto explorá-la e transformá-la como bem entender.

Foi o desenvolvimento dos processos de impressão que tornou necessário o controle sobre a “ideia”. A partir desse momento, o alcance e a disseminação do trabalho intelectual atingiu amplitudes inéditas que, sem controle, virava um produto lucrativo para muitos editores sem contemplar o autor original da obra. Surgiu a necessidade do Estado regulamentar o processo de cópia, ou seja, criar os primeiros copyrights e garantir por lei o direito de reprodução de trabalho nas mãos do autor – que por sua vez cederia esses direitos aos editores em troca de pagamentos de royalties. Protegendo o autor e garantindo seu reconhecimento e ganhos, essa regulamentação tinha também a intenção de incentivar a criatividade e fomentar a produção intelectual.

Se antes as dificuldades no processo de fazer essa reprodução já funcionavam como

Parte IV

108 JEFFERSON, Thomas. Thomas Jefferson: Writings. Library of America, Washington:1903.

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uma forma de restringir o alcance da obra, logo o direito de cópia era uma nova forma do Estado estabelecer um controle sobre o que seria distribuído, em qual quantidade e onde. Se a imprensa poderia significar uma democratização da informação que ameaçasse os Estados soberanos, os copyrights inicialmente funcionaram como uma forma de se censurar materiais que fossem contra a ordem vigente.

Logo essa noção se mostrou uma grande aliada do capitalismo. A obra intelectual, como seu próprio nome diz (do latim opèra, -ae, ou ´´trabalho manual´´) tomou o caráter de “trabalho intelectual”, cujo “valor de troca” se vinculou à venda de um determinado suporte (o papel, o livro e, mais tarde, o vinil, o cassete, o CD, o DVD, etc).

Essa regulamentação seguiu o desenvolvimento da criação fonográfica e audiovisual e foi adaptada à realidade da indústria cultural. E nesse novo cenário, a legislação é a maior aliada das empresas para qual o autor cede os direitos sobre sua obra: as grandes emissoras de TV e rádio, gravadoras, produtoras e associações cinematográficas e grandes editoras – um pequena elite emissora que detém todos os direitos de transmitir a obra para a massa de consumidores. O poder de seleção do material a ser reproduzido deixou de pertencer ao Estado, e passou para as mãos de grandes empresas do entretenimento.

Por isso o autor, quando não trabalha de forma independente, fica à mercê das orientações e restrições mercadológicas desses grupos. O resultado dessas exigências na era da indústria de massa é uma produção cultural padronizada e diluída.

Enquanto isso, o consumidor, que não possue nenhum direito sobre a obra, não tem a permissão de copiá-la ou retransmití-la. Executar publicamente uma obra cujos direitos não lhe pertencem é crime; reescrever e publicar uma história que não é originalmente de sua autoria é crime; regravar ou reeditar um filme que você não dirigiu é crime. A proteção que deveria ser um incentivo para que mais autores produzissem e disseminassem mais conteúdo virou uma algema para a produção amadora: no século XX, a lei garante que nosso único direito é o de consumir a produção cultural.

Parte IV

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OBRA E AUTORIA

Se Walter Benjamim109 já falava da perda da aura das obras de arte com a reprodutibilidade técnica pela qual elas passavam na primeira metade do século XX, hoje estamos assistindo a uma etapa nova etapa na “diluição da aura” das obras e da autoria110. A concepção romântica do “autor iluminado” com que estamos acostumados hoje na verdade é fruto do surgimento das primeiras regras de controle de propriedade intelectual e, principalmente, da modernidade industrial, que transformou a autoria em uma “etiqueta”, uma “assinatura” do produto.

Essa idéia do direito autoral e da propriedade intelectual esteve mais ou menos estável até o período que alguns autores chamam de “pós-modernismo” (meados do século XX), quando o artista passa a buscar a quebra de fronteiras e usar trabalhos de outros artistas em processos de recombinação. A arte entra em crise e junto com ela a noção de obra, autor, autoria e propriedade.

“O desgaste desses termos [obra, aura e autor] se deve à profunda crítica puxada pelas

vanguardas e que contagiou as gerações posteriores. Um exemplo disso é que quase não

escutamos mais falar em obra-prima. Talvez porque todo o século XX foi gasto nos

sucessivos ataques à aura da obra e ao artista enquanto célebre criador. A grande obra

do século XX talvez tenha sido o ataque à obra de arte bela e única”110.

A figura do autor como a encaramos hoje foi construída a partir de uma ecologia das mídias e de uma dinâmica econômica que favoreciam essa percepção. Quando novas relações sociais e sistemas comunicacionais são instaurados com a a disseminação da cibercultura, não é de se estranhar que essa figura seja desestabilizada. É como se houvesse um terremoto no terreno cultural onde a concepção de autor cresceu. Vivemos uma quebra da percepção de como se concebe uma criação, como surge a obra e quem é responsável por ela. O criador individual se mistura com a criação coletiva. No universo cultural da cibercultura, o centro está em todas as partes.

109 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reproductibilidade técnica, 1978. 110 NOBRE, Cândida e NICOLAU, Marcos. Remix no Ciberespaço: da perda da aura à diluição da autoria. In: Revistas Culturas Midiáticas - Revista do Programa de pós-graduação da Universidade da Paraíba, Volume III n.1 – jan/jun 2010.110 SALMITO:2001.

Parte IV

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Quando a internet leva essa lógica da recombinação para as massas, a indústria cultural, da forma que estava estruturada, se vê no meio de uma crise de valores e de uma inversão de papéis. Em compensação, para garantir sua integridade, ela ainda tem a lei de proteção autoral ao seu lado. “Digital technology has made copyright – and the conventional notion of authorship – obsolete”110.

No século XVIII, a imprensa foi um salto tecnológico no processo comunicativo que mudou a forma com que o homem disseminava suas idéias, e a lei foi requisitada para acompanhar essa evolução. Hoje, mais uma vez, a internet dá um salto tecnológico no processo comunicativo, mas a lei ainda não entendeu como se adaptar à essa realidade. Quando a imprensa e os meios de comunicação em massa multiplicaram a capacidade de transmitir uma idéia, multiplicando os pólos receptores, a lei precisou proteger o pólo emissor e garantir seu direito autoral sobre a idéia largamente disseminada. Já a internet segue uma lógica inversa: ela faz com que os pólos receptores sejam também emissores, o fluxo da informação se torna multilateral e apaga a linha que os separavam, estipulada anteriormente por uma organização social moldada pela indústria cultural de massa. E se a dinâmica sociocultural mudou, as mesmas regras não podem ser aplicadas. Se hoje em dia a prática cultural é baseada na adaptação, reedição e retransmissão de conteúdo, a lei atual está tentando impedir um passo do desenvolvimento natural da cultura.

LEI vs. CRIAÇÃO DIGITAL

O copyright passou a ser necessário com a invenção da imprensa, pois a cópia antes era muito fácil de ser controlada por ser feita através de manuscritos. A proteção jurídica de uma ideia e sua condenação ao plágio acontecem quando “as obras intelectuais se tornam objeto de lucro, participando do mercado como qualquer outro bem industrial de valor econômico”111.

Mas a tecnologia digital abalou todos os padrões legislativos, criando um meio de difusão de conteúdo totalmente diferente do que tudo que havia existido. Se tradicionalmente a obra sai do âmbito do autor (privado), passa pelo mercado e alcança o usuário, na tecnologia

110 MURPHY, A., POTTS, J., Culture and Technology., NY, Palgrave Macmillan, 2003. pg.71111 GANDELMAN, Henrique. De Gutemberg à Internet: Direitos Autorais na era digital. 4ªed. ampliada e atualizada, Recordo, Rio de Janeiro: 2001.

Parte IV

87

digital, a mediação do mercado não necessariamente existe mais e, portanto, as leis que se aplicam nesse esquema anterior acabam se perdendo. De acordo com o advogado Henrique Gandelman, os elementos do ciberespaço que podem agredir à LDA são112:

a facilidade de se produzir e distribuir cópias não-autorizadas de textos, músicas, •imagens;

a execução pública de obras musicais ou audiovisuais protegidas, sem prévia •autorização dos titulares:

a manipulação não autorizada de obras originais digitalizadas, “criando-•se”verdadeiras obras derivadas;

apropriação indevida de textos e imagens oferecidos por serviços online para •distribuição de material informativo para clientes.

E os direitos acabam se aplicando à criação digital da mesma forma que era aplicada aos outros meios:

“A transformação das obras intelectuais para bits em nada altera os direitos das obras

originalmente fixadas em suportes físicos (...) O direito de reproduzir uma obra é exclusivo

de seu titular, inclusive o direito de reproduzí-la eletronicamente em uns e zeros (para

serem lidos por computadores). E se alguém armazena de forma permanente no seu

computador material protegido pelo direito autoral, uma nova cópia é feita, necessitando,

portanto, de uma autorização expressa do respectivo titular”113.

Todas essas práticas se tornam legais quando são requeridas as devidas licenças para os detentores do direito. Mas essas licenças podem ser pagas (o que quebra o caráter amador da criação), além de envolverem um processo muito trabalhoso que envolve gastos com o serviço de profissionais especializados. Se toda criação digital fosse “limpa” (todos os royalties e licenças fossem acertados), o sistema de cessão de direitos ia ser extremamente complexo e o dinheiro envolvido nessas transações seria incalculável. Em outras palavras, é impossível continuar o fluxo de criação digital que existe hoje encaixando-o dentro da lei. A

112 GANDELMAN:2001. pg.102 113 GANDELMAN:2001. pg.180

Parte IV

88

consequência, de acordo com Gandelman, é o enorme número de violações que “começam então a germinar violentamente, ocasionando assim um pessimismo generalizado sobre o desafio da interenet”114.

“O fato é que o ciberespaço modifica cetos conceitos de propriedade, principalmente a da

intelectual – atingindo também princípios éticos e morais tradicionais, o que vem dando

origem a uma nova cultura baseada na ‘liberdade de informação”.

Se a tecnologia digital possibilita a criação coletiva, quem é o autor que detém os direitos nesse contexto complexo de criação? Quem a lei deve proteger? Ou a lei não precisa proteger, sobretudo, o direito à criação e a liberdade de lidar com a informação? E se muitas das obras exclusivas do meio online, como os websites, podem também ser protegidos pela lei de direitos autorais, como legislar sobre a sua forma de criação modular e as diversas cópias e adaptações de códigos-fonte que ocorrem frequentemente na dinâmica de construção do ciberespaço? Até que ponto e até que partícula a lei consegue proteger a autoria?

A lei antes era voltada para profissionais, sobretudo. Agora as mesmas leis tentam se aplicar aos amadores, ao usuário comum. Na verdade, de acordo com Lessig115, é a primeira vez que a lei tenta regular um tipo de cultura que sempre existiu, a cultura do “re-uso”.

O fato é que essa legislação funciona, sobretudo, como uma reguladora de discursos. Um discurso que não será freado, uma vez que é uma base da linguagem digital. A lei está sustentando a lógica de massas, que tem uma lógica comunicacional oposta à digital. O controle sobre o material produzido é o que está em questão, e os autores dessa briga costumam não ser os autores reais das obras, mas as empresas de entretenimento que detém esse direito e que ainda não encontraram uma forma eficiente de garantir seus serviços sem a comercialização de um suporte físico.

E esses grande grupos mediadores da nossa atual dinâmica cultural tentaram frequentemente aumentar esse controle, frear as tecnologias que ameaçam a regulamentação do discurso cultural. Em 1976, por exemplo, a Disney e a Universal moveram um processo legal contra a Sony contra um dos primeiros aparelhos eletrônicos que possibilitavam a cópia de conteúdo não-autorizado pelo usuário – o videocassete. 8 anos mais tarde, a Suprema

114 GANDELMAN:2001. pg.185 115 LESSIG:2008.

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89

Corte Americana “perdoou”esse tipo de cópia, alegando que estaria sobre a jurisdição do fair use, ou “uso justificado”. A atual discussão sobre a lei também quer definir se as cópias digitais de conteúdo protegido pode ser consideradas um uso justificado.

Ou a remixagem digital deve deixar de existir, ou a lei deve mudar. E como já dissemos aqui, a prática da criação modular é própria da cibercultura e não será reprimida facilmente, pois é parte de um processo de adaptação da cultura às novas tecnologias – ou seja, é inevitável, é natural. A lei precisa encontrar um equilíbrio. Por um lado, a proteção criativa ao autor precisa ser respeitada. Como defendem alguns autores, “se o titulares de direitos autorais não forem integralmente respeitados, corremos o risco eminente de que não se criem e produzam novas obras num futuro próximo. Isso significa um empobrecimento cultural de toda a humanidade”116.

Mas a restrição da criatividade digital também não siginifica um empobrecimento cultural? Os críticos do copyright vêem no digital uma saída democrática para a distribuição de obras culturais, uma vez que sustentam a idéia de que a penalização atualmente vigente para contraventores do sistema de propriedade intelectual é na verdade uma forma de sustentar um monopólio das grandes mediadoras do mercado cultural. O advogado brasileiro Túlio Vianna usa o termo “censura econômica” para se referir ao impacto que a lei causa no consumo de obras:

“O alto valor de livros, CDs, DVDs e de programas de computador é sustentado por uma

escassez de obras intelectuais criada artificialmente por um monopólio do direito de cópia

concedido pelo Estado aos detentores dos meios de produção. Esta escassez artificial, longe

de tutelar os direitos do autor da obra intelectual, beneficia principalmente a “indústria

cultural”, em detrimento da classe hipossuficiente da população”117.

Mas por outro lado, “as sanções civis e criminais previstas para as violações de direitos autorais da era em que as obras intelectuais somente tinham o formato analógico continuam a ter sua aplicação válida também para o novo mundo digital”118. A lei pode punir qualquer uso indevido, alguns deles conhecidos popularmente, como por exemplo a pirataria e plágio.

116 GANDELMAN:2001. pg.185117 VIANNA:2006.118 GANDELMAN:2001. pg.186

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90

PIRATARIA

A pirataria pode ser vista como qualquer uso indevido de conteúdo não-autorizado. A cópia para uso pessoal de uma obra que já se possui, que se comprou, por exemplo, não é considerada pirataria. Mas a cópia de uma obra pela qual não se pagou, a comercialização da cópia da obra e a exibição pública sem autorização sim, são puníveis pela lei. A remixagem então é um tipo de pirataria? Na verdade, essa classificação depende da interpretação que se faz, mas ciberativistas preferem dizer que desde que não haja envolvimento com o comércio do conteúdo, a resposta é não.

Gandelman diz que a pirataria lesa diversos setores da sociedade: a União e a comunidade, por não arrecadar impostos; o público que consome cópias de “péssima qualidade técnica” e sofre, portanto, uma “mutilação cultural”; e os produtores e distribuidores, que geram empregos e incentivam a produção criativa119. Já Viana defende o fato de que a pirataria digital lesa, principalmente, a “indústria cultural” e seu monopólio econômico do direito de reprodução da obra, mesmo contrariando algumas vezes o interesse do próprio autor.120 Ele também diz que os críticos que culpam a pirataria pela perda de bilhões de dólares anualmente baseiam-se no sofisma de que aqueles que sustentam a pirataria comprariam a obra original caso ela não fosse pirateada. Ou seja, a pirataria é hoje, apesar de tudo, uma forma de democratização do acesso à produção cultural.

PLÁGIO

O que pode ser considerado plágio? O termo tem uma conotação negativa, que remete a uma agressão à obra original. Por se tratar também de elementos incorpóreos, é difícil até pra um jurista delimitar o que pode ou não ser plágio. Mas no geral, o direito autoral protege as “formas e não ideias” gerais da obra121. Reaproveitar uma ideia não é infringir a propriedade intelectual, mas seria se copiasse a forma com que essa ideia foi expressada (o mesmo texto, as mesmas imagens, etc). Já a “obra derivada” (Anexo I, Art. 5º, VIII, g) é uma adaptação da criação original prevista por lei desde com o consentimento do autor. O mesmo princípio vigora para qualquer manipulação (ou adaptação) digital de imagens, músicas, fonogramas, textos, etc

Duas outras formas de remix que são legalmente garantidas pela indústria

119 GANDELMAN:2001. pg.67 120 VIANNA:2006.121 GANDELMAN:2001. pg.94

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91

fonográfica, por exemplo, são os covers, as performances de material alheio (que devem ser também autorizadas pelo detentor do direito autoral para que possa ser gravado ou exibido publicamente) e os knock-offs, cópias alteradas o suficiente para não caírem nos entraves da lei.

De acordo com Gandelman, na Poética de Aristóteles já surgiam preocupações com os problemas de imitação das obras de arte, considerando a epopeia, a tragédia e demais formas de expressão artísticas como “mimeses”, ou artes de imitação. Ele cita Argan, que comenta em eu livro:

“Imitar é um instinto comum a todos os homens desde a infância, sendo um dos

caracteres pelo qual o homem se diferencia dos outros seres vivos por ser o mais inclinado

à imitação”122.

Mas o re-uso do material alheio é uma prática histórica. Vários estudiosos de literatura afirmam, por exemplo, que as obras de Shakespeare utilizavam temas, personagens, e até mesmo a linguagem dos diálogos de outros autores123, com pequenas alterações de textos, desenvolvolvimento de trama, adição de personagens menores e mudança de alguns diálogos. A cópia de textos por alunos de um determinado autor também era comum antes da era industrial, como indicam algumas pesquisas sobre Galileu e os textos de seus professores do Colégio Romano que frequentou. Como diz Posner:

“Havia uma noção de plágio na Renascença, que era mais limitada do que a noção

moderna. A teoria dominante de criatividade literária, nos tempos clássicos e medievais,

era a da imitação criativa: o imitador tinha liberdade de usar textos de outros, desde que

ele adicionasse algo aos mesmos. A equação moderna de criatividade e originalidade é

um legado da Era Romântica, com o seu culto da expressão individualista”.124

Parte IV

122 ARGAN, Giulio Carlo. Historia da Arte Italiana: de Giotto a Leonardo. V. 02, São Paulo, Cosac & Naify: 2003. pg. 148,160123 GANDELMAN:2001. pg.91124 POSNER, Richard Allen. Law and Literature: A Misunderstood Relation, 1988. pg.346

92

Mas não é preciso ir muito longe no tempo para perceber essa prática. No mundo da música, o uso de linhas melódicas de outros artistas sempre foi frequente antes mesmo do uso de samples, principalmente com o Rock n’Roll, que rapidamente virou um produto-chave para o desenvolvimento da indústria fonográfica. Por exemplo, dois documentários que tratam do Remix, “RIP: a Remix manifesto”125 e “Everything is a Remix”126 (ainda em execução) citam a banda Led Zeppelin como uma das bandas com o maior número de cópias camufladas (ou “ripoffs”) adaptadas da história do Rock127.

E se essas práticas são consentidas legalmente, por que com o Remix existe o embate jurídico? Ora, porque como dissemos na parte III, a criação da era digital funciona através de um processo de modularidade. A base da criação é um trecho imutável, idêntico, de uma obra que já existia e, portanto, facilmente identificável como ilegal. Um Remix não é um plágio pois ressignifica os elementos-base e cria outro discurso a partir de um material. Mas é punível desde que os trechos da matéria-prima não tenham sido liberados pelo detentor dos direitos autorais (que hoje quase nunca estão na mão do autor, mas de uma mediadora no mercado).

A CRISE DO COPYRIGHT

Antes da internet, as leis de autoria conseguiam fazer-se valer com a comercialização dos suportes que continham as obras, e assim garantir lucros e estruturar uma indústria. Mas no século XX, a tecnologia possibilitou que qualquer usuário acesse, copie e interfira na obra cultural, e que os autores disponibilizem seu material diretamente para o público receptor – e a verdade veio à tona: a caracterização do trabalho intelectual como uma “propriedade” só foi aplicável quando ele dependia das detentoras dos meios de fabricação de suportes para ser disseminado (gravadoras, editoras e produtoras).

De acordo com o Professor Doutor e advogado Túlio Lima Vianna, a cultura digital nos fez constatar que, no capitalismo, é imprescindível a “consubstanciação da

125 “RIP: A Remix Manifesto”(Canadá, 2008), dir.: Brett Gaylor. OpenCinema.org.126 “Everything is a Remix”, documentário ainda em produção de Kirby Ferguson. http://www.everythingisaremix.info/127 Comparação entre “Stairway to Heaven” do Led Zepellin, de Novembro de 1971, e a canção instrumental “Taurus”, de uma banda chamada “Spirit”, de 1968. http://aculturadoremix.tumblr.com/post/1499013318

Parte IV

93

obra intelectual em meio físico”, para que ela possa ser comercializada como um outro produto qualquer.

“Este novo sistema de distribuição do trabalho intelectual reduziu o custo dos bens e

serviços necessários à aquisição de uma obra a praticamente zero e suprimiu o problema

da escassez. Como conseqüência direta disso, o “valor de troca” do trabalho intelectual,

que sempre esteve vinculado à escassez inerente à venda conjunta de bens e serviços,

não pôde mais ser mantido. O sistema capitalista se deparou com uma realidade que a

ideologia da “propriedade intelectual” até então muito bem ocultara: no “livre mercado”

o “valor de troca” do trabalho intelectual é zero, pois pode ser reproduzido ad infinitum e

não está limitado pela escassez”128.

E é por isso que, na cibercultura, o próprio termo “copyright” deixa de fazer sentido. A informação não está mais sobre um suporte físico – portanto não pode mais ser supervisionada através do controle das cópias. De acordo com a lei norte-americana, o direito deve ser pago ao autor toda vez que uma cópia é feita (quando o livro é impresso, ou quando o CD e o DVD são gravados pela empresa que detém o direito). Eu pago por esses direitos quando compro esse produto e não posso fazer uma cópia dele. Posso, por exemplo, vender o livro que já li ou emprestar o CD para um amigo escutar, mas não posso fazer cópias deles – não sou eu quem detém esse direito. Mas na plataforma digital, cada leitura, cada transmissão de dados consiste em uma cópia: ao baixar o arquivo, ao transferí-lo para meu I-pod, ao envià-lo para um amigo num email, ao abri-lo com um programa de edição, ao compartilhá-lo com mais pessoas em rede. A dinâmica na plataforma virtual é ilegal em si.

A obra no meio digital muitas vezes perde seus contornos. Em alguns casos, é impossível identificar qual a “versão original” do material que vem sendo modificado. Em outros, essa identificação até perde o sentido. Após as vanguardas do século XX, as próprias obras de arte começaram a perder a necessidade de ter um um início e um fim, um limite ou um suporte definitivo. Como afirma Lévy:

“(...) participação ativa dos intérpretes, criação coletiva, obra-acontecimento, obra-processo,

Parte IV

128 VIANNA:2006.

94

interconexão e mistura de limites, obra emergente (...) de um oceano de signos digitais, todas

essas características convergem em direção ao declínio (mas não desaparecimento puro e

simples) das duas figuras que garantiam, até o momento, a integridade, a substancialidade

e a totalização possível das obras: o autor e a gravação”129.

E a resposta da indústria cultural de massa e das grandes empresas que detém os direitos de cópia sobre os produtos culturais vem sendo o uso da lei a seu favor para tentar frear o avanço dessa “apropriação anárquica” que a internet possibilitou. Conteúdo considerado ilegal por infringir direitos autorais é tirado do ar todos os dias na internet. As grandes empresas de entretenimento começaram a lançar seus advogados inicialmente sobre entidades que facilitavam a troca de arquivos, como o MP3.com e o Napster. Depois, tentaram até mesmo processar cidadãos comuns pelo uso das redes P2P. Nos Estados Unidos, a indústria fonográfica lidera a intitulada “Guerra à Pirataria”.

Com a possibilidade de trocas de arquivos entre usuários de forma descentralizada, o pânico da indústria detentora de direitos autorais exponencializou-se. O caso de 2000 da briga judicial entre grandes gravadoras e o Napster, um programa de compartilhamento P2P (peer-to-peer, de usuário para usuário) de músicas do formato de arquivo MP3, talvez tenha sido o acontecimento mais iconográfico dessa guerra, junto à onda de processos à pessoas físicas que fizeram “downloads ilegais” em todo os Estados Unidos por volta do ano de 2009 (as redes P2P são a expressão plena da troca de conteúdo em uma rede descentralizada e cada vez mais capilar, e embora tenha sofrido uma série de processos em um lobby de organizações da RIAA, ela não para de crescer); e a ação contra o indexador de torrents Pirate Bay (ainda em curso). Obviamente, nenhuma das ações gerou resultados eficientes na tentativa de contenção de troca de material que infringe as leis de copyright entre usuários. Como já disse Lemos:

“É bom lembrar que a internet foi criada nesse espírito, com a gratuidade do protocolo

TCP-IP. (...) A napsterização da rede revela a essncia do ciberespaço: computadores

abertos compartilhando informação entre eles. (...) O ciberespaço transforma-se em

um grande computador coletivo. Saímos definitivamente do modelo centralizado da era

industrial para o modelo rizomático da cibercultura. E o Napster é apenas a ponta do

iceberg.” Lemos, 2002, pg 29

129 LÉVY:1999. pg.136130 LEMOS:2002. pg.29

Parte IV

95

A LEI DO DIREITO AUTORAL BRASILEIRA

(Lei Nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, ou LDA/98, completa no Anexo I)

O diploma oficial que regula a lei de direitos do autor e direitos conexos (de concessão e usufruto dos direitos do autor para terceiros) no Brasil é a LDA/98, Lei de Direitos Autorais de 1998. Ela está de acordo com vários tratados internacionais, como a Convenção de Berna (1986), a Convenção de Roma (1961) , a Convenção Universal e a Convenção de Genebra (1971); o que torna válido os copyrights internacionais aqui também no Brasil.

A diferença principal entre a lei brasileira e a americana está no próprio foco da proteção legislativa. A lei brasileira tem claramente a intenção de proteger o autor e seus direitos sobre sua obra, enquanto a americana, como o próprio nome diz (copyright), está focada no direito à reprodução da obra original. Em outras palavras, a lei do Direito Autoral, de raíz romano-germânica, visa proteger o criador; enquanto a lei de copyright, cuja origem baseia-se na Common Law (direito criado e constantemente aperfeiçoado pelos próprios juízes), visa proteger a obra em si, como um produto, e foca sua exploração econômica através de sua reprodução. Teoricamente, portanto, é como se nossa lei estivesse um passo a frente da lei de direito de cópia (ressaltando: teoricamente), pois conforme foi dito na parte III, na internet a cópia é constante e regular esse processo pela quantificação é, de certa forma, impossível.

Qualquer “obra intelectual”, seja ela “científica, literária ou artística”, é protegida pela lei independentemente de ser colocada sobre suporte tangível ou intangível (Anexo I, Art. 7º). A regulamentação é automática. Não é necessário registrar a obra (Anexo I, Art. 18º), a não ser em casos de registro de marca ou retirada de patente. Ao ser produzida uma primeira publicação, ela deve conter o nome do titular, o ano da produção da obra e o símbolo “©”.

O texto da Lei garante direitos “morais” (de natureza pessoal) e “patrimoniais” (ligado ao poder que o autor tem em autorizar a utilização e reprodução) sobre a obra. Depende de autorização prévia expressa do autor: a reprodução ou recitação parcial ou integral da obra; a edição, adaptação e qualquer outra transformação; a distribuição, difusão e exibição pública; a “inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero”; e “quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventados” (Anexo I, Art.29).

O remix conforme apresentado na Parte II e III da monografia é totalmente ilegal se considerarmos o Artigo 33: “Ninguém pode reproduzir a obra (...) a pretexto de anotá-la,

Parte IV

96

comentá-a ou melhorá-la, sem permissão do autor”. Uma fotografia, por exemplo, não pode ser alterada e divulgada – ou seja, qualquer montagem em Photoshop com uma imagem que não esteja em domínio público não pode ser colocada em circulação na rede.

O problema que a lei enfrenta é sobretudo esse: não considera as particularidades da internet, mas regula da mesma forma a internet e os meios de comunicação de massa. Hoje, a lei se estende a tudo e a todos. Não ficamos uma hora em contato com a cultura sem tropeçar na lei. É ela quem prende a cultura ao capitalismo, que regula seu consumo. E o que deveria incentivar a criatividade, hoje é uma corrente que nos ata a um sistema restrito de entendimento da própria natureza do conhecimento humano.

A lei determina, no entanto, algumas limitações – artigo 49 – chamadas de fair use ou “uso justificado”. De acordo com Gandelman131, elas devem ser entendidas como “a intenção dos legisladores de não permitir a interrupção do fluxo de informações e ideias tão necessárias ao mundo contemporâneo”.

Vamos começar a traçar agora alguns caminhos para essa mudança, iniciado na mudança de concepção de economia comercial como única forma de troca de valores dentro das corporações, o que pode possibilitar um apoio coletivo à nova compreensão da lei. Depois, vamos falar nas mudanças que a lei precisa sofrer e no movimento chamado copyleft.

ALTERNATIVAS: ECONOMIAS HÍBRIDAS

O desafio de alcançar um modelo legal de criação livre passa pelos interesses econômicos das grandes mediadoras culturais que herdamos da cultura de massa. Portanto, para alcançarmos um modelo onde a cópia e produção amadora seja livre, é necessário mostrar que a convivência entre a lógica do mercado de massa e a lógica do compartilhamento na plataforma digital são compatíveis e enriquecedoras para ambas as partes.

Para desenvolver esse pensamento, vamos definir dois tipos de economias, dois sistemas de troca auto-suficientes. De um lado temos uma economia comercial (onde há quantificação monetária dos objetos e atos) e do outro as economias de compartilhamento (onde não há trocas financeiras, mas de valores, como informação, ajuda ou reconhecimento,

131 GANDELMAN:2001. pg.77

Parte IV

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ou seja, onde as trocas são movidas por motivação não-monetária e, portanto, o dinheiro é visto como inapropriado”).

A internet está repleta de exemplos de economias de compartilhamento, até porque a base de sua criação são as comunidades, os softwares de criação coletiva, os fóruns de discussão e ajuda. A troca feita pelo empenho individual nesses sistemas não é baseada em valores financeiros, mas em outros tipos de valores. Alguns usuários colaboram para desafiar suas habilidades, outros por reconhecimento da comunidade ou para ganhar alguma visibilidade profissional pela sua atuação, outros por ideologia, por ajudar a criar algo coletivamente. O importante é que esse tipo de troca virtual de ações e criatividade não faz o usuário se sentir lesado, mesmo não envolvendo trocas monetárias.

Para que haja uma conscientização da necessidade da liberação legal da criatividade sobre material protegido na rede, é necessário entender que trabalhos licenciados na economia comercial podem também estar disponíves em uma economia de compartilhamento. Uma lógica não exclui a outra. As redes p2p, por exemplo, continuam a crescer, mas nem por isso o mercado fonográfico deixou de existir. Ou seja, economias paralelas são possíveis, em uma união que podemos chamar de economia híbrida.

Uma obra quando dispobilizada na economia de compartilhamento alavanca seu valor comercial. Inicialmente porque pode gerar inovação sem necessidade de investimento, mas também porque permitir a criação coletiva valoriza o “material-base”, e não necessariamente gera conteúdo que vai competir com o consumo da obra original. Os chamados “free-revealings”, ou “transbordamentos propositais de conteúdo”132 permitem que outras pessoas aprimorem a ideia inicial. É como gerar um espaço de inovação fora da empresa. E convidar os usuários a remixar seu conteúdo é tornar sua franquia mais valiosa, como a Warner aprendeu ao lidar com os escritores de fanfictions de Harry Potter133.

A criação de híbridos é um processo natural da entrada das instituições na rede digital, e deve ser entendida para ser bem aproveitada pelas empresas. O comércio na web já se mostrou um braço extremamente potente para grandes corporações. Parte desse sucesso podemos justificar por características de dinâmicas só possíveis no meio digital, como a possibilidade de exploração dos mercados de nichos (lógica do longtail aplicado na web), o uso da tecnologia de personalização de ofertas, o aprendizado de comportamento e gostos do consumidor online e a abertura que os sistemas de venda tem para a inovação e encorporamento de funcionalidades externas ao seu serviço (a criação de funcionalidades-

132 LESSIG:2008. pg.230133 LESSIG:2008. pg.246 e JENKINS:2006.

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98

mashup cruzando informações de módulos de diferentes serviços digitais).

Os híbridos de maior sucesso na rede aprenderam que encorajar a criatividade legal é a chave para criar mais valor, mais laços com a obra e desenvolver negócios de sucesso. E conforme eles se tornam mais frequentes, a criminalização do Remix não vai parecer mais interessante, e um caminho para um novo modelo de lei estará traçado.

ALTERNATIVAS: REVENDO A LEI

De acordo com Lessig134, a lei do copyright é o que regula a cultura nos EUA, e o que está em questão com a discussão da lei hoje é como trazer essa regulamentação ao século XXI. O advogado desenha então cinco mudanças que a lei tem que passar para se adaptar à cibercultura:

Deixar a criação amadora, ou seja, aquela que não explora o uso comercial, livre 1. das implicações jurídicas. As cópias amadoras podem depender da escolha do autor, mas as cópias profissionais (empresas mediadoras) devem continuar a ser regulamentadas da forma tradicional. Mas e se o meio em que as criações amadoras lucrarem com propaganda, por exemplo? Então esses meios também devem pagar um fee autoral para os detentores do direito.

Limpar os títulos de obras regulamentadas. Toda obra, quando criada, é 2. automaticamente legislada. Se o autor informasse o interesse em assegurar esse direito e um cadastro de obras protegidas fosse criado, seria mais fácil identificar quais títulos podem ser usados e quais dependem de autorização. A internet facilita a criação desse cadastro, além de facilitar o controle de quais materiais caem no domínio público depois de um período curto de tempo e quais são renovados de acordo com o interesse do autor.

Especificar quais são os usos que são passíveis ou não de regulamentação, para 3. simplificar as aplicações da lei e reduzir os custos do processo legal na hora de contratar uma licença.

Descriminalizar a cópia digital, já que cada uso da cultura no meio digital 4.

134 LESSIG:2008. pg.253

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implica em uma cópia do arquivo. Performances públicas, distribuição pública ou comercial devem continuar legisladas da forma tradicional.

Descriminalizar o compartilhamento de arquivos, autorizando ao menos o 5. compartilhamento não-comercial através de impostos que cubram os royalties ou adesões com taxas baixas para que os usuários possam usar livremente os serviços por um período de tempo.

ALTERNATIVAS: COPYLEFT E CREATIVE COMMONS

O surgimento do software livre sustentava liberdades de execução, cópia, distribuição, estudo, modificação e aperfeiçoamento de uma obra intelectual. A estas licenças que garantiam esses direitos convencionou-se chamar copyleft, uma oposição clara à ideologia de proteção intelectual dos copyrights. Não tardou para que esse conceito de livre distribuição e alteração passasse a ser aplicado a outras formas de criação.

É interessante notar que a ideologia do copyleft não veda necessariamente a comercialização dessa obra. Qualquer um pode explorá-la comercialmente, mas não pode impedir que cópias sejam feitas do seu produto, e nem que ele seja alterado.

Mais tarde algumas licenças opcionais com diferentes tratamentos do direito moral de autor foram criadas, como a atribuição obrigatória do nome do autor, vedação da alteração da obra ou da distribuição comercial, permitindo apenas a livre cópia digital. Enfim, criar um novo paradigma não agrada à indústria tradicional, já que a escassez da obra em meio analógico adicionava um “valor de troca” ao trabalho copiado. Viana cita Rover para falar sobre esse embate:

“Dessa forma, um dos elementos definidores dessa nova Era será a luta entre a esfera

cultural e a esfera comercial; a cultural primando pela liberdade de acesso, e a comercial

buscando o controle sobre o acesso e o conteúdo dessa produção cultural, com intuito

comercial. Evidentemente, estamos passando por um período de transição, de longo

prazo, de um sistema baseado na produção industrial para uma produção cultural, em

que o importante não é a propriedade do bem, mas o acesso a ele. A realização da utopia

marxiana”135.

Parte IV

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A lei de Direitos Autorais faz sentido dentro do contexto da indústria cultural de massa, mas não consegue regular as relações dentro da cibercultura. Guiada por essa ideologia, foi criada uma ONG em São Francisco – Califórnia, com o objetivo de criar modelos dessas licenças “menos restritivas” para que o autor possa abdicar parcial ou quase totalmente de seus direitos patrimoniais sobre sua obra, dependendo do módulo escolhido. Essa ONG é a Creative Commons, e já tem sedes em diversos países do mundo.

Inicialmente os módulos eram redigidos com base na lei de Copyrights americana, mas o “Creative Commons 3.0”136 (lançado a pouco tempo na Campus Party Brasil 2010) é pensado a partir de acordos internacionais de Direito Autoral, e por isso torna-se melhor aplicável em países como o Brasil. Tanto que hoje as licensas Creative Commons já foram adaptadas à legislação de mais de 30 países, incluindo o Brasil. Aqui, essas licenças já estão traduzidas e adaptadas às legislação, sendo representada pelo Centro de tecnologia e Sociedade da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro.

Os CCs dão aos autores ferramentas legais e técnicas para que ele marque sua obra com a liberdade que ele deseje que carregue. A sigla “CC” não significa “todos os direitos reservados”, mas “alguns direitos reservados”. Cada licença varia suas permissões de acordo com a intenção do autor.

Todas as licenças CCs autorizam o compartilhamento da obra, ou seja, a cópia, distribuição e transmissão do seu conteúdo (o que, portanto, descriminaliza as cópias digitais). Porém, algumas das liberdades são opcionais na hora de escolher qual das licenças se quer:

Liberdade para remixar: permissão para criar obras derivadas. Caso contrário, as •pessoas só podem copiar, distribuir e executar a obra em sua cópia original.

Caso a remixagem seja permitida, é possível exigir o compartilhamento pela •mesma licença, ou seja, caso a obra seja alterada, o resultado só poderá ser distribuído sobre a mesma licença.

A condição de atribuição é a exigência de que as cópias, adaptações e usos sempre •façam referencia ao autor ou licenciante como criadores originais.

A condição de uso não-comercial é a exigência de que as cópias, adaptações e •usos da obra não possam ser usadas para fins comerciais.

135 ROVER, Aires José. Os paradoxos da proteção à propriedade intelectual. In: KAMINSKI, Omar (Org.). Internet Legal : o Direito na Tecnologia da Informação. Curitiba: Juruá, 2003. pg.177137 http://creativecommons.org.br/

Parte IV

101

Elas fazem parte de um cadastro que deixa simples identificar quais são as obras e quais são os autores a se consultar na hora de se pedir uma licença. Mas Lessig, um dos fundadores dos Creative Commons, diz ser o primeiro a dizer que “CC is just a step to rational copyright reform, not itself an ultimate solution”138. A lei em si precisa rever seus limites de regulamentação. A briga que está sendo travada hoje só gera mais custos para as instituições privadas e para o Estado, e cada vez mais crianças crescem procurando formas “burlar” ou “escapar” da lei.

138 LESSIG:2008. pg.279

Parte IV

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Antes de tudo, devemos ressaltar que a cultura das redes não vai extinguir a produção da cultura para massas. Se a indústria cultural é responsável por mover bilhões de dólares no mundo todo e, embora esteja passando por transformações para se adaptar a um novo contexto cultural, ela não vai deixar de capitalizar obras culturais para massas. Se o primeiro passo do aprendizado é a leitura, então o remix também depende da leitura de uma cultura massificada para poder construir.

Meu ponto aqui não é extinguir a prática trazida pela cultura de massa. Mas me preocupo com quem tenta preservar uma “Read-Only culture” matando o potencial que uma “Read-Write culture” pode trazer. E me preocupo com um departamento de advogados dentro de uma gigante do entretenimento tentando criminalizar a forma com que as novas gerações cada vez mais desenvolvem de lidar com o mundo.

A lógica de produção em rede e a lógica para as massas podem conviver e tirar proveito uma da outra. As pessoas agora opinam, criticam, divulgam, customizam o conteúdo massivo. É possível medir repercussão, analisar gostos, melhorar e direcionar um produto com as informações que a rede pode disponibilizar, pois a indústria pode entender a internet como um enorme banco de dados para fazer suas pesquisas e uma aliada na divulgação do seu produto. Além do mais, a obra pode ter braços que alcançam várias mídias e interajam com o público de formas diferentes, estendendo a experiência de consumo. O desafio das empresas é redirecionar uma parte cada vez maior de sua produção para a web e aprender a aproveitar todas as vantagens comerciais e relacionais desse novo meio de interações. Precisamos caminhar para um futuro híbrido entre ambas as lógicas, econômica e midiaticamente falando. Lessig argumenta que a cultura do “Read-Only” e a do “Read-Write” não são opostas, mas se complementam.

“This future need to be either less RO or more RW: it could be both. And much more

interesting (…), this future could see the emergence of a form of economic enterprise

that has been relatively rare in our past, but that promises extraordinary economic

opportunity: what I call the ‘hybrid”139. (LESSIG 34)

ConsideraçõesFinais

139 LESSIG:2008. pg.34

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Tentar estabelecer o controle absoluto sobre a obra intelectual e impedir que esse conteúdo seja remixado pelos usuários é ir contra o fluxo de uma etapa de desenvolvimento cultural: o Remix é uma lógica de produção cultural inerente às novas mídias, que não pode ser reprimida. Se a plataforma digital possibilita que seus usuários interfiram no que consomem, eles não vão deixar de fazer isso mesmo que a lei os criminalize. Quando se sente parte de uma cultura, reescrevê-la é um processo natural. Da mesma forma que nós aprendemos a escrever através da citação, as novas gerações já aprendem a escrever através da hipermídia e da remixabilidade. Atacar essa prática é criminalizar toda uma geração.

“Nothing is sacred...Everything is ‘public domain’. Download, remix, edit, sequence, splice

this into your memory bank...information moves through us with the speed of thought, and

basically any attempt to control it always backfire” DJ Spook, para Murphie e Potts140

A lei não consegue frear o desenvolvimento de uma tecnologia. É da natureza humana e da nossa natureza cultural compartilhar, interferir, recriar, dialogar. A lei deve se adaptar a essa realidade e encontrar o equilíbrio entre proteção do autor e a liberdade de acesso à cultura, assim como os negócios aos poucos estão se transformando em híbridos econômicos de comércio e compartilhamento na internet.

Ao falar da conectividade coletiva, Kerkhove diz que “a internet é, na realidade, um cérebro, um cérebro coletivo, vivo, que dá estalidos quando o estamos a utilizar. É um cérebro que nunca pára de trabalhar, de pensar, de produzir informação, de analisar e de combinar”141. Partindo dessa concepção, imagino que podemos entender a ascensão da cultura da remixabilidade como sinapses cerebrais que começam a fazer associações entre as coisas que já sabe e que está absorvendo. Como já dito na parte II, se a própria formação do discurso, a linguagem e, portanto, o pensamento, funcionam através dessa multi-associação e readaptação de discursos, é como se a sociedade, que já aprendeu tanto em sua história, finalmente criasse hiperligações, uma grande rede entre seus núcleos (com a extensão e velocidade similares ao cérebro) e começasse a pensar, como um sistema nervoso associando e remixando produção e conteúdo para “digerir” a informação que absorve e produz.

O potencial criativo da web ainda pode ser mais incentivado. Ainda podemos liberar uma onda de criatividade coletiva maior, caso as leis de propriedade intelectual não sejam

140 MURPHIE e POTTS:2003, pg.70141 KERKHOV:2007.

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barreiras, e caso a “alfabetização digital” alcance mais pesssoas. Na minha opinião, a capacidade de ler, interpretar e interferir no conteúdo midiático (digital ou não) deveria ser exercitado na formação escolar. As novas gerações aprendem a escrever visualmente tanto quanto verbalmente.

O Remix é uma prática cultural natural e necessária de construção de discursos em uma sociedade midiatizada e onde a mensagem não é só falada, mas escrita, imagética, sonora, multimidiática. Mark Hosler, do grupo de colagem sonora e musical Negativland142, diz em uma entrevista transcrita no livro “Remix” de Lessig:

“Every high school in América needs to have a course in media literacy. We’d buried in

this stuff. We’re buried in this stuff. We’re breathing it. We’re drinking it constantly. It’s

24/7 news and information and pop culture... If you’re trying to educate kids to think

critically about history and society and culture, you’ve got to be encouraging them to be

thougtfull and critical about media information and advertising”143.

A discussão sobre o futuro do direito autoral já começou. A lei e as instituições sabem que algo deve mudar. Cabe aos defensores de uma cultura livre se manifestarem com ideias, se posicionarem dentro dessa discussão. Faço as mesmas perguntas levantadas por Lessig em todos os seus discursos sobre Cultura Livre: o que significa para uma sociedade quando toda uma geração cresce como criminosos? Se a “guerra contra a pirataria” não pode ser vencida, vale a pena lutar? E se já soubermos que o futuro será aquele em que nossos filhos usarão redes digitais pra acessar qualquer conteúdo em qualquer momento? Então algo precisa mudar.

O “lema da cibercultura”, como diz Lemos144, é “a informação quer ser livre”. Com esse espírito a web foi popularizada e é aí onde reside nossa esperança de que, conforme as gerações vão passando, nós nos desprendamos cada vez mais da dinâmica midiática estratificada do século XX. A cibercultura livre é uma bandeira a ser levantada por acadêmicos do meio da comunicação, pelos legisladores de bom senso, pelos “arquitetos da informação”, enfim, por todo usuário que acredita que a informação não pode ser tratada como commodite.

142 Grupo de colagem sonora e musical. http://www.negativland.com/ 143 LESSIG:2008. pg.81144 LEMOS:2005.

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No momento, os Creative Commons vem se destacam como pioneiros dessa nova visão sobre a propriedade intelectual, mas uma reforma profunda na Lei de Direitos Autorais, focada na internet e levando em conta todas as suas especificidades, precisa ser feita.

É uma disputa que pode parecer afrontar idealistas da cultura livre e grandes empresas que ainda lucram muito com a posse dos direitos autorais. Muitos criticam o fato de que a função da lei é cada vez menos apoiar a criatividade em si e cada vez mais proteger certas indústrias da competição, que incentivam um tipo de criatividade específico: profissional e centralizada. Mas essa visão dualista precisa ser mudada, buscando um equilíbrio onde as práticas digitais consigam sua liberdade e as empresas de entretenimento garantam seus lucros através de lógicas econômicas híbridas.

Essa discussão não é tão nova quanto parece. Se já estamos entrando na segunda década do século XXI, se já temos o conhecimento necessário para entender a dinâmica digital, por que essas mudanças legislativas ainda não foram feitas? Por falta de engajamento social, demora no processo legislativo ou por ignorância das instituições? Como diz Lessig,145 “the simple reason we wage a hopeless war against our kids is that they have less money o give to political campaigns than Hollywood does”.

Mas por que estou defendendo tão veementemente o Remix? Que vantagens um mundo onde a remixagem seja permitida tem em relação ao nosso? Acima de tudo, porque o indivíduo que aprende a perceber o mundo com a possibilidade de remixá-lo livremente é mais participativo, consciente do alcance da sua voz, das suas possibilidades de influenciar as idéias do seu meio. Ele estabelece um diálogo com a cultura, não a vê como algo alheio a si próprio.

Lessig aponta dois pontos que valem como benefícios trazidos por uma cultura mais remixadora, principalmente pensando nas novas gerações. A primeira, as a possibilidades que a socialização que ocorre dentro das comunidades virtuais formadas ao redor do processo de remix pode trazer. Já o segundo benefício está ligado ao aprendizado, à noção de educação com participação e geração de interesse que um processo participativo pode trazer. Como diz Jenkins em Converge Culture, “More and more literacy experts are recognizing that enacting, reciting, and appropriating elements from preexisting stories is a valuable and organic parto f the process by which children develop natural literacy”. Os pais deveriam inclusive “think about their [kids’] appropriations as a kind of apprenticeship”146 Como completa Lessig, “they learn by remixing”147.

145 LESSIG:2008. pg.19146 JENKINS:2006. pg.117,182147 LESSIG:2008. pg.81

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Como bem usou o termo, Lemos148 diz que a tecnologia usada pela rede é “retribalizante”, que a homogeneidade e o individualismo da cultura do impresso vão dar lugar à conectividade e retribalização da cultura. No ciberespaço, estamos nos posicionados no mesmo patamar que os outros usuários. A estrutura é rizomática, horizontal. Muitos indivíduos podem descobrir ter uma voz que nunca imaginaram poder ter. É uma oportunidade de retomar muitos dos valores humanos de compartilhamento e contato que a cultura de mídias, por partes, reprimiu. Paradoxalmente, o Remix é nossa oportunidade de usar a máquina para deixar a cultura mais humana.

Um mundo onde as novas mídias estão ao alcance de todos é um mundo mais democrático. Nas palavras de Enzensberger, “em sua estrutura, as novas mídias são igualitárias. Por meio de um simples processo de conexão, todos podem participar dela (...) As novas mídias têm a tendência a eliminar todos os privilégios de formação, e com isso também o monopólio cultural da inteligência burguesa”149.

148 LEMOS:2002. pg.55 149 ENZENSBERGER, Hans M., Elementos para uma teoria dos meios de comunicação. São Paulo, Ed. Conrad, 2003. ESSIG:2008. pg.81

ConsideraçõesFinais

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“Who owns the words?” asked a disembodied but very persistent voice throughout much

of Burroughs’ work. Who does own them now? Who owns the music and the rest of our

culture? We do. All of us. Though not all of us know it - yet”.

GIBSON:2005

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ANEXOS

ANEXO I: LEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Título IDisposições Preliminares Art. 1º Esta Lei regula os direitos autorais, entendendo-se sob esta denominação os direitos de autor e os que lhes são conexos. Art. 2º Os estrangeiros domiciliados no exterior gozarão da proteção assegurada nos acordos, convenções e tratados em vigor no Brasil. Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei aos nacionais ou pessoas domiciliadas em país que assegure aos brasileiros ou pessoas domiciliadas no Brasil a reciprocidade na proteção aos direitos autorais ou equivalentes. Art. 3º Os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis. Art. 4º Interpretam-se restritivamente os negócios jurídicos sobre os direitos autorais. Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se: I - publicação - o oferecimento de obra literária, artística ou científica ao conhecimento do público, com o consentimento do autor, ou de qualquer outro titular de direito de autor, por qualquer forma ou processo; II - transmissão ou emissão - a difusão de sons ou de sons e imagens, por meio de ondas radioelétricas; sinais de satélite; fio, cabo ou outro condutor; meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético; III - retransmissão - a emissão simultânea da transmissão de uma empresa por outra; IV - distribuição - a colocação à disposição do público do original ou cópia de obras literárias, artísticas ou científicas, interpretações ou execuções fixadas e fonogramas, mediante a venda, locação ou qualquer outra forma de transferência de propriedade ou posse; V - comunicação ao público - ato mediante o qual a obra é colocada ao alcance do público, por qualquer meio ou procedimento e que não consista na distribuição de exemplares; VI - reprodução - a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido; VII - contrafação - a reprodução não autorizada; VIII - obra: a) em co-autoria - quando é criada em comum, por dois ou mais autores; b) anônima - quando não se indica o nome do autor, por sua vontade ou por ser desconhecido; c) pseudônima - quando o autor se oculta sob nome suposto; d) inédita - a que não haja sido objeto de publicação; e) póstuma - a que se publique após a morte do autor; f) originária - a criação primígena; g) derivada - a que, constituindo criação intelectual nova, resulta da transformação de obra originária; h) coletiva - a criada por iniciativa, organização e responsabilidade de uma pessoa física ou jurídica, que a publica sob seu nome ou marca e que é constituída pela participação de diferentes autores, cujas contribuições se fundem numa criação autônoma; i) audiovisual - a que resulta da fixação de imagens com ou sem som, que tenha a finalidade de criar, por meio de sua reprodução, a impressão de movimento, independentemente dos processos de sua captação, do suporte usado inicial ou posteriormente para fixá-lo, bem como dos meios utilizados para sua veiculação; IX - fonograma - toda fixação de sons de uma execução ou interpretação ou de outros sons, ou de uma representação de sons que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual; X - editor - a pessoa física ou jurídica à qual se atribui o direito exclusivo de reprodução da obra e o dever de divulgá-la, nos limites previstos no contrato de edição; XI - produtor - a pessoa física ou jurídica que toma a iniciativa e tem a responsabilidade econômica da primeira fixação do fonograma ou da obra audiovisual, qualquer que seja a natureza do suporte utilizado;

Anexos

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XII - radiodifusão - a transmissão sem fio, inclusive por satélites, de sons ou imagens e sons ou das representações desses, para recepção ao público e a transmissão de sinais codificados, quando os meios de decodificação sejam oferecidos ao público pelo organismo de radiodifusão ou com seu consentimento; XIII - artistas intérpretes ou executantes - todos os atores, cantores, músicos, bailarinos ou outras pessoas que representem um papel, cantem, recitem, declamem, interpretem ou executem em qualquer forma obras literárias ou artísticas ou expressões do folclore. Art. 6º Não serão de domínio da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios as obras por eles simplesmente subvencionadas.Título IIDas Obras IntelectuaisCapítulo IDas Obras Protegidas Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas; II - as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza; III - as obras dramáticas e dramático-musicais; IV - as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma; V - as composições musicais, tenham ou não letra; VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas; VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia; VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética; IX - as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza; X - os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência; XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova; XII - os programas de computador; XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual. § 1º Os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis. § 2º A proteção concedida no inciso XIII não abarca os dados ou materiais em si mesmos e se entende sem prejuízo de quaisquer direitos autorais que subsistam a respeito dos dados ou materiais contidos nas obras. § 3º No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial. Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei: I - as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais; II - os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios; III - os formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções; IV - os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais; V - as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas; VI - os nomes e títulos isolados; VII - o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas obras. Art. 9º À cópia de obra de arte plástica feita pelo próprio autor é assegurada a mesma proteção de que goza o original. Art. 10. A proteção à obra intelectual abrange o seu título, se original e inconfundível com o de obra do mesmo gênero, divulgada anteriormente por outro autor.

Anexos

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Parágrafo único. O título de publicações periódicas, inclusive jornais, é protegido até um ano após a saída do seu último número, salvo se forem anuais, caso em que esse prazo se elevará a dois anos.Capítulo IIDa Autoria das Obras Intelectuais Art. 11. Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica. Parágrafo único. A proteção concedida ao autor poderá aplicar-se às pessoas jurídicas nos casos previstos nesta Lei. Art. 12. Para se identificar como autor, poderá o criador da obra literária, artística ou científica usar de seu nome civil, completo ou abreviado até por suas iniciais, de pseudônimo ou qualquer outro sinal convencional. Art. 13. Considera-se autor da obra intelectual, não havendo prova em contrário, aquele que, por uma das modalidades de identificação referidas no artigo anterior, tiver, em conformidade com o uso, indicada ou anunciada essa qualidade na sua utilização. Art. 14. É titular de direitos de autor quem adapta, traduz, arranja ou orquestra obra caída no domínio público, não podendo opor-se a outra adaptação, arranjo, orquestração ou tradução, salvo se for cópia da sua. Art. 15. A co-autoria da obra é atribuída àqueles em cujo nome, pseudônimo ou sinal convencional for utilizada. § 1º Não se considera co-autor quem simplesmente auxiliou o autor na produção da obra literária, artística ou científica, revendo-a, atualizando-a, bem como fiscalizando ou dirigindo sua edição ou apresentação por qualquer meio. § 2º Ao co-autor, cuja contribuição possa ser utilizada separadamente, são asseguradas todas as faculdades inerentes à sua criação como obra individual, vedada, porém, a utilização que possa acarretar prejuízo à exploração da obra comum. Art. 16. São co-autores da obra audiovisual o autor do assunto ou argumento literário, musical ou lítero-musical e o diretor. Parágrafo único. Consideram-se co-autores de desenhos animados os que criam os desenhos utilizados na obra audiovisual. Art. 17. É assegurada a proteção às participações individuais em obras coletivas. § 1º Qualquer dos participantes, no exercício de seus direitos morais, poderá proibir que se indique ou anuncie seu nome na obra coletiva, sem prejuízo do direito de haver a remuneração contratada. § 2º Cabe ao organizador a titularidade dos direitos patrimoniais sobre o conjunto da obra coletiva. § 3º O contrato com o organizador especificará a contribuição do participante, o prazo para entrega ou realização, a remuneração e demais condições para sua execução.Capítulo IIIDo Registro das Obras Intelectuais Art. 18. A proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro. Art. 19. É facultado ao autor registrar a sua obra no órgão público definido no caput e no § 1º do art. 17 da Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973. Art. 20. Para os serviços de registro previstos nesta Lei será cobrada retribuição, cujo valor e processo de recolhimento serão estabelecidos por ato do titular do órgão da administração pública federal a que estiver vinculado o registro das obras intelectuais. Art. 21. Os serviços de registro de que trata esta Lei serão organizados conforme preceitua o § 2º do art. 17 da Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973.Título IIIDos Direitos do AutorCapítulo IDisposições Preliminares Art. 22. Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou. Art. 23. Os co-autores da obra intelectual exercerão, de comum acordo, os seus direitos, salvo convenção em contrário.Capítulo IIDos Direitos Morais do Autor Art. 24. São direitos morais do autor:

Anexos

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I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra; III - o de conservar a obra inédita; IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra; V - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada; VI - o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem; VII - o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado. § 1º Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que se referem os incisos I a IV. § 2º Compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio público. § 3º Nos casos dos incisos V e VI, ressalvam-se as prévias indenizações a terceiros, quando couberem. Art. 25. Cabe exclusivamente ao diretor o exercício dos direitos morais sobre a obra audiovisual. Art. 26. O autor poderá repudiar a autoria de projeto arquitetônico alterado sem o seu consentimento durante a execução ou após a conclusão da construção. Parágrafo único. O proprietário da construção responde pelos danos que causar ao autor sempre que, após o repúdio, der como sendo daquele a autoria do projeto repudiado. Art. 27. Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis.Capítulo IIIDos Direitos Patrimoniais do Autor e de sua Duração Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica. Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: I - a reprodução parcial ou integral; II - a edição; III - a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações; IV - a tradução para qualquer idioma; V - a inclusão em fonograma ou produção audiovisual; VI - a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra; VII - a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário; VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante: a) representação, recitação ou declamação; b) execução musical; c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos; d) radiodifusão sonora ou televisiva; e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência coletiva; f) sonorização ambiental; g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado; h) emprego de satélites artificiais; i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados; j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas; IX - a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero;

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X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas. Art. 30. No exercício do direito de reprodução, o titular dos direitos autorais poderá colocar à disposição do público a obra, na forma, local e pelo tempo que desejar, a título oneroso ou gratuito. § 1º O direito de exclusividade de reprodução não será aplicável quando ela for temporária e apenas tiver o propósito de tornar a obra, fonograma ou interpretação perceptível em meio eletrônico ou quando for de natureza transitória e incidental, desde que ocorra no curso do uso devidamente autorizado da obra, pelo titular. § 2º Em qualquer modalidade de reprodução, a quantidade de exemplares será informada e controlada, cabendo a quem reproduzir a obra a responsabilidade de manter os registros que permitam, ao autor, a fiscalização do aproveitamento econômico da exploração. Art. 31. As diversas modalidades de utilização de obras literárias, artísticas ou científicas ou de fonogramas são independentes entre si, e a autorização concedida pelo autor, ou pelo produtor, respectivamente, não se estende a quaisquer das demais. Art. 32. Quando uma obra feita em regime de co-autoria não for divisível, nenhum dos co-autores, sob pena de responder por perdas e danos, poderá, sem consentimento dos demais, publicá-la ou autorizar-lhe a publicação, salvo na coleção de suas obras completas. § 1º Havendo divergência, os co-autores decidirão por maioria. § 2º Ao co-autor dissidente é assegurado o direito de não contribuir para as despesas de publicação, renunciando a sua parte nos lucros, e o de vedar que se inscreva seu nome na obra. § 3º Cada co-autor pode, individualmente, sem aquiescência dos outros, registrar a obra e defender os próprios direitos contra terceiros. Art. 33. Ninguém pode reproduzir obra que não pertença ao domínio público, a pretexto de anotá-la, comentá-la ou melhorá-la, sem permissão do autor. Parágrafo único. Os comentários ou anotações poderão ser publicados separadamente. Art. 34. As cartas missivas, cuja publicação está condicionada à permissão do autor, poderão ser juntadas como documento de prova em processos administrativos e judiciais. Art. 35. Quando o autor, em virtude de revisão, tiver dado à obra versão definitiva, não poderão seus sucessores reproduzir versões anteriores. Art. 36. O direito de utilização econômica dos escritos publicados pela imprensa, diária ou periódica, com exceção dos assinados ou que apresentem sinal de reserva, pertence ao editor, salvo convenção em contrário. Parágrafo único. A autorização para utilização econômica de artigos assinados, para publicação em diários e periódicos, não produz efeito além do prazo da periodicidade acrescido de vinte dias, a contar de sua publicação, findo o qual recobra o autor o seu direito. Art. 37. A aquisição do original de uma obra, ou de exemplar, não confere ao adquirente qualquer dos direitos patrimoniais do autor, salvo convenção em contrário entre as partes e os casos previstos nesta Lei. Art. 38. O autor tem o direito, irrenunciável e inalienável, de perceber, no mínimo, cinco por cento sobre o aumento do preço eventualmente verificável em cada revenda de obra de arte ou manuscrito, sendo originais, que houver alienado. Parágrafo único. Caso o autor não perceba o seu direito de seqüência no ato da revenda, o vendedor é considerado depositário da quantia a ele devida, salvo se a operação for realizada por leiloeiro, quando será este o depositário. Art. 39. Os direitos patrimoniais do autor, excetuados os rendimentos resultantes de sua exploração, não se comunicam, salvo pacto antenupcial em contrário. Art. 40. Tratando-se de obra anônima ou pseudônima, caberá a quem publicá-la o exercício dos direitos patrimoniais do autor. Parágrafo único. O autor que se der a conhecer assumirá o exercício dos direitos patrimoniais, ressalvados os direitos adquiridos por terceiros. Art. 41. Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil. Parágrafo único. Aplica-se às obras póstumas o prazo de proteção a que alude o caput deste artigo. Art. 42. Quando a obra literária, artística ou científica realizada em co-autoria for indivisível, o prazo previsto no artigo anterior será contado da morte do último dos co-autores sobreviventes.

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Parágrafo único. Acrescer-se-ão aos dos sobreviventes os direitos do co-autor que falecer sem sucessores. Art. 43. Será de setenta anos o prazo de proteção aos direitos patrimoniais sobre as obras anônimas ou pseudônimas, contado de 1° de janeiro do ano imediatamente posterior ao da primeira publicação. Parágrafo único. Aplicar-se-á o disposto no art. 41 e seu parágrafo único, sempre que o autor se der a conhecer antes do termo do prazo previsto no caput deste artigo. Art. 44. O prazo de proteção aos direitos patrimoniais sobre obras audiovisuais e fotográficas será de setenta anos, a contar de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de sua divulgação. Art. 45. Além das obras em relação às quais decorreu o prazo de proteção aos direitos patrimoniais, pertencem ao domínio público: I - as de autores falecidos que não tenham deixado sucessores; II - as de autor desconhecido, ressalvada a proteção legal aos conhecimentos étnicos e tradicionais.Capítulo IVDas Limitações aos Direitos Autorais Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: I - a reprodução: a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos; b) em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza; c) de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros; d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários; II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro; III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra; IV - o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou; V - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização; VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro; VII - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir prova judiciária ou administrativa; VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores. Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito. Art. 48. As obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais.Capítulo VDa Transferência dos Direitos de Autor Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes limitações:

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I - a transmissão total compreende todos os direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei; II - somente se admitirá transmissão total e definitiva dos direitos mediante estipulação contratual escrita; III - na hipótese de não haver estipulação contratual escrita, o prazo máximo será de cinco anos; IV - a cessão será válida unicamente para o país em que se firmou o contrato, salvo estipulação em contrário; V - a cessão só se operará para modalidades de utilização já existentes à data do contrato; VI - não havendo especificações quanto à modalidade de utilização, o contrato será interpretado restritivamente, entendendo-se como limitada apenas a uma que seja aquela indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato. Art. 50. A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que se fará sempre por escrito, presume-se onerosa. § 1º Poderá a cessão ser averbada à margem do registro a que se refere o art. 19 desta Lei, ou, não estando a obra registrada, poderá o instrumento ser registrado em Cartório de Títulos e Documentos. § 2º Constarão do instrumento de cessão como elementos essenciais seu objeto e as condições de exercício do direito quanto a tempo, lugar e preço. Art. 51. A cessão dos direitos de autor sobre obras futuras abrangerá, no máximo, o período de cinco anos. Parágrafo único. O prazo será reduzido a cinco anos sempre que indeterminado ou superior, diminuindo-se, na devida proporção, o preço estipulado. Art. 52. A omissão do nome do autor, ou de co-autor, na divulgação da obra não presume o anonimato ou a cessão de seus direitos.Título IVDa Utilização de Obras Intelectuais e dos FonogramasCapítulo IDa Edição Art. 53. Mediante contrato de edição, o editor, obrigando-se a reproduzir e a divulgar a obra literária, artística ou científica, fica autorizado, em caráter de exclusividade, a publicá-la e a explorá-la pelo prazo e nas condições pactuadas com o autor. Parágrafo único. Em cada exemplar da obra o editor mencionará: I - o título da obra e seu autor; II - no caso de tradução, o título original e o nome do tradutor; III - o ano de publicação; IV - o seu nome ou marca que o identifique. Art. 54. Pelo mesmo contrato pode o autor obrigar-se à feitura de obra literária, artística ou científica em cuja publicação e divulgação se empenha o editor. Art. 55. Em caso de falecimento ou de impedimento do autor para concluir a obra, o editor poderá: I - considerar resolvido o contrato, mesmo que tenha sido entregue parte considerável da obra; II - editar a obra, sendo autônoma, mediante pagamento proporcional do preço; III - mandar que outro a termine, desde que consintam os sucessores e seja o fato indicado na edição. Parágrafo único. É vedada a publicação parcial, se o autor manifestou a vontade de só publicá-la por inteiro ou se assim o decidirem seus sucessores. Art. 56. Entende-se que o contrato versa apenas sobre uma edição, se não houver cláusula expressa em contrário. Parágrafo único. No silêncio do contrato, considera-se que cada edição se constitui de três mil exemplares. Art. 57. O preço da retribuição será arbitrado, com base nos usos e costumes, sempre que no contrato não a tiver estipulado expressamente o autor. Art. 58. Se os originais forem entregues em desacordo com o ajustado e o editor não os recusar nos trinta dias seguintes ao do recebimento, ter-se-ão por aceitas as alterações introduzidas pelo autor. Art. 59. Quaisquer que sejam as condições do contrato, o editor é obrigado a facultar ao autor o exame da escrituração na parte que lhe corresponde, bem como a informá-lo sobre o estado da edição. Art. 60. Ao editor compete fixar o preço da venda, sem, todavia, poder elevá-lo a ponto de embaraçar a circulação da obra.

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Art. 61. O editor será obrigado a prestar contas mensais ao autor sempre que a retribuição deste estiver condicionada à venda da obra, salvo se prazo diferente houver sido convencionado. Art. 62. A obra deverá ser editada em dois anos da celebração do contrato, salvo prazo diverso estipulado em convenção. Parágrafo único. Não havendo edição da obra no prazo legal ou contratual, poderá ser rescindido o contrato, respondendo o editor por danos causados. Art. 63. Enquanto não se esgotarem as edições a que tiver direito o editor, não poderá o autor dispor de sua obra, cabendo ao editor o ônus da prova. § 1º Na vigência do contrato de edição, assiste ao editor o direito de exigir que se retire de circulação edição da mesma obra feita por outrem. § 2º Considera-se esgotada a edição quando restarem em estoque, em poder do editor, exemplares em número inferior a dez por cento do total da edição. Art. 64. Somente decorrido um ano de lançamento da edição, o editor poderá vender, como saldo, os exemplares restantes, desde que o autor seja notificado de que, no prazo de trinta dias, terá prioridade na aquisição dos referidos exemplares pelo preço de saldo. Art. 65. Esgotada a edição, e o editor, com direito a outra, não a publicar, poderá o autor notificá-lo a que o faça em certo prazo, sob pena de perder aquele direito, além de responder por danos. Art. 66. O autor tem o direito de fazer, nas edições sucessivas de suas obras, as emendas e alterações que bem lhe aprouver. Parágrafo único. O editor poderá opor-se às alterações que lhe prejudiquem os interesses, ofendam sua reputação ou aumentem sua responsabilidade. Art. 67. Se, em virtude de sua natureza, for imprescindível a atualização da obra em novas edições, o editor, negando-se o autor a fazê-la, dela poderá encarregar outrem, mencionando o fato na edição.Capítulo IIDa Comunicação ao Público Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas. § 1º Considera-se representação pública a utilização de obras teatrais no gênero drama, tragédia, comédia, ópera, opereta, balé, pantomimas e assemelhadas, musicadas ou não, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, em locais de freqüência coletiva ou pela radiodifusão, transmissão e exibição cinematográfica. § 2º Considera-se execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de freqüência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica. § 3º Consideram-se locais de freqüência coletiva os teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos públicos da administração direta ou indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros terrestre, marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas. § 4º Previamente à realização da execução pública, o empresário deverá apresentar ao escritório central, previsto no art. 99, a comprovação dos recolhimentos relativos aos direitos autorais. § 5º Quando a remuneração depender da freqüência do público, poderá o empresário, por convênio com o escritório central, pagar o preço após a realização da execução pública. § 6º O empresário entregará ao escritório central, imediatamente após a execução pública ou transmissão, relação completa das obras e fonogramas utilizados, indicando os nomes dos respectivos autores, artistas e produtores. § 7º As empresas cinematográficas e de radiodifusão manterão à imediata disposição dos interessados, cópia autêntica dos contratos, ajustes ou acordos, individuais ou coletivos, autorizando e disciplinando a remuneração por execução pública das obras musicais e fonogramas contidas em seus programas ou obras audiovisuais. Art. 69. O autor, observados os usos locais, notificará o empresário do prazo para a representação ou execução, salvo prévia estipulação convencional.

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Art. 70. Ao autor assiste o direito de opor-se à representação ou execução que não seja suficientemente ensaiada, bem como fiscalizá-la, tendo, para isso, livre acesso durante as representações ou execuções, no local onde se realizam. Art. 71. O autor da obra não pode alterar-lhe a substância, sem acordo com o empresário que a faz representar. Art. 72. O empresário, sem licença do autor, não pode entregar a obra a pessoa estranha à representação ou à execução. Art. 73. Os principais intérpretes e os diretores de orquestras ou coro, escolhidos de comum acordo pelo autor e pelo produtor, não podem ser substituídos por ordem deste, sem que aquele consinta. Art. 74. O autor de obra teatral, ao autorizar a sua tradução ou adaptação, poderá fixar prazo para utilização dela em representações públicas. Parágrafo único. Após o decurso do prazo a que se refere este artigo, não poderá opor-se o tradutor ou adaptador à utilização de outra tradução ou adaptação autorizada, salvo se for cópia da sua. Art. 75. Autorizada a representação de obra teatral feita em co-autoria, não poderá qualquer dos co-autores revogar a autorização dada, provocando a suspensão da temporada contratualmente ajustada. Art. 76. É impenhorável a parte do produto dos espetáculos reservada ao autor e aos artistas.Capítulo IIIDa Utilização da Obra de Arte Plástica Art. 77. Salvo convenção em contrário, o autor de obra de arte plástica, ao alienar o objeto em que ela se materializa, transmite o direito de expô-la, mas não transmite ao adquirente o direito de reproduzi-la. Art. 78. A autorização para reproduzir obra de arte plástica, por qualquer processo, deve se fazer por escrito e se presume onerosa.Capítulo IVDa Utilização da Obra Fotográfica Art. 79. O autor de obra fotográfica tem direito a reproduzi-la e colocá-la à venda, observadas as restrições à exposição, reprodução e venda de retratos, e sem prejuízo dos direitos de autor sobre a obra fotografada, se de artes plásticas protegidas. § 1º A fotografia, quando utilizada por terceiros, indicará de forma legível o nome do seu autor. § 2º É vedada a reprodução de obra fotográfica que não esteja em absoluta consonância com o original, salvo prévia autorização do autor.Capítulo VDa Utilização de Fonograma Art. 80. Ao publicar o fonograma, o produtor mencionará em cada exemplar: I - o título da obra incluída e seu autor; II - o nome ou pseudônimo do intérprete; III - o ano de publicação; IV - o seu nome ou marca que o identifique.Capítulo VIDa Utilização da Obra Audiovisual Art. 81. A autorização do autor e do intérprete de obra literária, artística ou científica para produção audiovisual implica, salvo disposição em contrário, consentimento para sua utilização econômica. § 1º A exclusividade da autorização depende de cláusula expressa e cessa dez anos após a celebração do contrato. § 2º Em cada cópia da obra audiovisual, mencionará o produtor: I - o título da obra audiovisual; II - os nomes ou pseudônimos do diretor e dos demais co-autores; III - o título da obra adaptada e seu autor, se for o caso; IV - os artistas intérpretes; V - o ano de publicação; VI - o seu nome ou marca que o identifique. VII - o nome dos dubladores. (Incluído pela Lei nº 12.091, de 2009) Art. 82. O contrato de produção audiovisual deve estabelecer:

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I - a remuneração devida pelo produtor aos co-autores da obra e aos artistas intérpretes e executantes, bem como o tempo, lugar e forma de pagamento; II - o prazo de conclusão da obra; III - a responsabilidade do produtor para com os co-autores, artistas intérpretes ou executantes, no caso de co-produção. Art. 83. O participante da produção da obra audiovisual que interromper, temporária ou definitivamente, sua atuação, não poderá opor-se a que esta seja utilizada na obra nem a que terceiro o substitua, resguardados os direitos que adquiriu quanto à parte já executada. Art. 84. Caso a remuneração dos co-autores da obra audiovisual dependa dos rendimentos de sua utilização econômica, o produtor lhes prestará contas semestralmente, se outro prazo não houver sido pactuado. Art. 85. Não havendo disposição em contrário, poderão os co-autores da obra audiovisual utilizar-se, em gênero diverso, da parte que constitua sua contribuição pessoal. Parágrafo único. Se o produtor não concluir a obra audiovisual no prazo ajustado ou não iniciar sua exploração dentro de dois anos, a contar de sua conclusão, a utilização a que se refere este artigo será livre. Art. 86. Os direitos autorais de execução musical relativos a obras musicais, lítero-musicais e fonogramas incluídos em obras audiovisuais serão devidos aos seus titulares pelos responsáveis dos locais ou estabelecimentos a que alude o § 3o do art. 68 desta Lei, que as exibirem, ou pelas emissoras de televisão que as transmitirem.Capítulo VIIDa Utilização de Bases de Dados Art. 87. O titular do direito patrimonial sobre uma base de dados terá o direito exclusivo, a respeito da forma de expressão da estrutura da referida base, de autorizar ou proibir: I - sua reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo; II - sua tradução, adaptação, reordenação ou qualquer outra modificação; III - a distribuição do original ou cópias da base de dados ou a sua comunicação ao público; IV - a reprodução, distribuição ou comunicação ao público dos resultados das operações mencionadas no inciso II deste artigo.Capítulo VIIIDa Utilização da Obra Coletiva Art. 88. Ao publicar a obra coletiva, o organizador mencionará em cada exemplar: I - o título da obra; II - a relação de todos os participantes, em ordem alfabética, se outra não houver sido convencionada; III - o ano de publicação; IV - o seu nome ou marca que o identifique. Parágrafo único. Para valer-se do disposto no § 1º do art. 17, deverá o participante notificar o organizador, por escrito, até a entrega de sua participação.Título VDos Direitos ConexosCapítulo IDisposições Preliminares Art. 89. As normas relativas aos direitos de autor aplicam-se, no que couber, aos direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores fonográficos e das empresas de radiodifusão.Parágrafo único. A proteção desta Lei aos direitos previstos neste artigo deixa intactas e não afeta as garantias asseguradas aos autores das obras literárias, artísticas ou científicas.Capítulo IIDos Direitos dos Artistas Intérpretes ou Executantes Art. 90. Tem o artista intérprete ou executante o direito exclusivo de, a título oneroso ou gratuito, autorizar ou proibir: I - a fixação de suas interpretações ou execuções; II - a reprodução, a execução pública e a locação das suas interpretações ou execuções fixadas; III - a radiodifusão das suas interpretações ou execuções, fixadas ou não; IV - a colocação à disposição do público de suas interpretações ou execuções, de maneira que qualquer pessoa a elas possa ter acesso, no tempo e no lugar que individualmente escolherem;

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V - qualquer outra modalidade de utilização de suas interpretações ou execuções. § 1º Quando na interpretação ou na execução participarem vários artistas, seus direitos serão exercidos pelo diretor do conjunto. § 2º A proteção aos artistas intérpretes ou executantes estende-se à reprodução da voz e imagem, quando associadas às suas atuações. Art. 91. As empresas de radiodifusão poderão realizar fixações de interpretação ou execução de artistas que as tenham permitido para utilização em determinado número de emissões, facultada sua conservação em arquivo público. Parágrafo único. A reutilização subseqüente da fixação, no País ou no exterior, somente será lícita mediante autorização escrita dos titulares de bens intelectuais incluídos no programa, devida uma remuneração adicional aos titulares para cada nova utilização. Art. 92. Aos intérpretes cabem os direitos morais de integridade e paternidade de suas interpretações, inclusive depois da cessão dos direitos patrimoniais, sem prejuízo da redução, compactação, edição ou dublagem da obra de que tenham participado, sob a responsabilidade do produtor, que não poderá desfigurar a interpretação do artista. Parágrafo único. O falecimento de qualquer participante de obra audiovisual, concluída ou não, não obsta sua exibição e aproveitamento econômico, nem exige autorização adicional, sendo a remuneração prevista para o falecido, nos termos do contrato e da lei, efetuada a favor do espólio ou dos sucessores.Capítulo IIIDos Direitos dos Produtores Fonográficos Art. 93. O produtor de fonogramas tem o direito exclusivo de, a título oneroso ou gratuito, autorizar-lhes ou proibir-lhes: I - a reprodução direta ou indireta, total ou parcial; II - a distribuição por meio da venda ou locação de exemplares da reprodução; III - a comunicação ao público por meio da execução pública, inclusive pela radiodifusão; IV - (VETADO) V - quaisquer outras modalidades de utilização, existentes ou que venham a ser inventadas. Art. 94. Cabe ao produtor fonográfico perceber dos usuários a que se refere o art. 68, e parágrafos, desta Lei os proventos pecuniários resultantes da execução pública dos fonogramas e reparti-los com os artistas, na forma convencionada entre eles ou suas associações.Capítulo IVDos Direitos das Empresas de Radiodifusão Art. 95. Cabe às empresas de radiodifusão o direito exclusivo de autorizar ou proibir a retransmissão, fixação e reprodução de suas emissões, bem como a comunicação ao público, pela televisão, em locais de freqüência coletiva, sem prejuízo dos direitos dos titulares de bens intelectuais incluídos na programação.Capítulo VDa Duração dos Direitos Conexos Art. 96. É de setenta anos o prazo de proteção aos direitos conexos, contados a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente à fixação, para os fonogramas; à transmissão, para as emissões das empresas de radiodifusão; e à execução e representação pública, para os demais casos.Título VIDas Associações de Titulares de Direitos de Autor e dos que lhes são Conexos Art. 97. Para o exercício e defesa de seus direitos, podem os autores e os titulares de direitos conexos associar-se sem intuito de lucro. § 1º É vedado pertencer a mais de uma associação para a gestão coletiva de direitos da mesma natureza. § 2º Pode o titular transferir-se, a qualquer momento, para outra associação, devendo comunicar o fato, por escrito, à associação de origem. § 3º As associações com sede no exterior far-se-ão representar, no País, por associações nacionais constituídas na forma prevista nesta Lei. Art. 98. Com o ato de filiação, as associações tornam-se mandatárias de seus associados para a prática de todos os atos necessários à defesa judicial ou extrajudicial de seus direitos autorais, bem como para sua cobrança.

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Parágrafo único. Os titulares de direitos autorais poderão praticar, pessoalmente, os atos referidos neste artigo, mediante comunicação prévia à associação a que estiverem filiados. Art. 99. As associações manterão um único escritório central para a arrecadação e distribuição, em comum, dos direitos relativos à execução pública das obras musicais e lítero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão e transmissão por qualquer modalidade, e da exibição de obras audiovisuais. § 1º O escritório central organizado na forma prevista neste artigo não terá finalidade de lucro e será dirigido e administrado pelas associações que o integrem. § 2º O escritório central e as associações a que se refere este Título atuarão em juízo e fora dele em seus próprios nomes como substitutos processuais dos titulares a eles vinculados. § 3º O recolhimento de quaisquer valores pelo escritório central somente se fará por depósito bancário. § 4º O escritório central poderá manter fiscais, aos quais é vedado receber do empresário numerário a qualquer título. § 5º A inobservância da norma do parágrafo anterior tornará o faltoso inabilitado à função de fiscal, sem prejuízo das sanções civis e penais cabíveis. Art. 100. O sindicato ou associação profissional que congregue não menos de um terço dos filiados de uma associação autoral poderá, uma vez por ano, após notificação, com oito dias de antecedência, fiscalizar, por intermédio de auditor, a exatidão das contas prestadas a seus representados.Título VIIDas Sanções às Violações dos Direitos AutoraisCapítulo IDisposição Preliminar Art. 101. As sanções civis de que trata este Capítulo aplicam-se sem prejuízo das penas cabíveis.Capítulo IIDas Sanções Civis Art. 102. O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada, poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível. Art. 103. Quem editar obra literária, artística ou científica, sem autorização do titular, perderá para este os exemplares que se apreenderem e pagar-lhe-á o preço dos que tiver vendido. Parágrafo único. Não se conhecendo o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta, pagará o transgressor o valor de três mil exemplares, além dos apreendidos. Art. 104. Quem vender, expuser a venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior. Art. 105. A transmissão e a retransmissão, por qualquer meio ou processo, e a comunicação ao público de obras artísticas, literárias e científicas, de interpretações e de fonogramas, realizadas mediante violação aos direitos de seus titulares, deverão ser imediatamente suspensas ou interrompidas pela autoridade judicial competente, sem prejuízo da multa diária pelo descumprimento e das demais indenizações cabíveis, independentemente das sanções penais aplicáveis; caso se comprove que o infrator é reincidente na violação aos direitos dos titulares de direitos de autor e conexos, o valor da multa poderá ser aumentado até o dobro. Art. 106. A sentença condenatória poderá determinar a destruição de todos os exemplares ilícitos, bem como as matrizes, moldes, negativos e demais elementos utilizados para praticar o ilícito civil, assim como a perda de máquinas, equipamentos e insumos destinados a tal fim ou, servindo eles unicamente para o fim ilícito, sua destruição. Art. 107. Independentemente da perda dos equipamentos utilizados, responderá por perdas e danos, nunca inferiores ao valor que resultaria da aplicação do disposto no art. 103 e seu parágrafo único, quem: I - alterar, suprimir, modificar ou inutilizar, de qualquer maneira, dispositivos técnicos introduzidos nos exemplares das obras e produções protegidas para evitar ou restringir sua cópia; II - alterar, suprimir ou inutilizar, de qualquer maneira, os sinais codificados destinados a restringir a comunicação ao público de obras, produções ou emissões protegidas ou a evitar a sua cópia;

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III - suprimir ou alterar, sem autorização, qualquer informação sobre a gestão de direitos; IV - distribuir, importar para distribuição, emitir, comunicar ou puser à disposição do público, sem autorização, obras, interpretações ou execuções, exemplares de interpretações fixadas em fonogramas e emissões, sabendo que a informação sobre a gestão de direitos, sinais codificados e dispositivos técnicos foram suprimidos ou alterados sem autorização. Art. 108. Quem, na utilização, por qualquer modalidade, de obra intelectual, deixar de indicar ou de anunciar, como tal, o nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor e do intérprete, além de responder por danos morais, está obrigado a divulgar-lhes a identidade da seguinte forma: I - tratando-se de empresa de radiodifusão, no mesmo horário em que tiver ocorrido a infração, por três dias consecutivos; II - tratando-se de publicação gráfica ou fonográfica, mediante inclusão de errata nos exemplares ainda não distribuídos, sem prejuízo de comunicação, com destaque, por três vezes consecutivas em jornal de grande circulação, dos domicílios do autor, do intérprete e do editor ou produtor; III - tratando-se de outra forma de utilização, por intermédio da imprensa, na forma a que se refere o inciso anterior. Art. 109. A execução pública feita em desacordo com os arts. 68, 97, 98 e 99 desta Lei sujeitará os responsáveis a multa de vinte vezes o valor que deveria ser originariamente pago. Art. 110. Pela violação de direitos autorais nos espetáculos e audições públicas, realizados nos locais ou estabelecimentos a que alude o art. 68, seus proprietários, diretores, gerentes, empresários e arrendatários respondem solidariamente com os organizadores dos espetáculos.Capítulo IIIDa Prescrição da Ação Art. 111. (VETADO)Título VIIIDisposições Finais e Transitórias Art. 112. Se uma obra, em conseqüência de ter expirado o prazo de proteção que lhe era anteriormente reconhecido pelo § 2º do art. 42 da Lei nº. 5.988, de 14 de dezembro de 1973, caiu no domínio público, não terá o prazo de proteção dos direitos patrimoniais ampliado por força do art. 41 desta Lei. Art. 113. Os fonogramas, os livros e as obras audiovisuais sujeitar-se-ão a selos ou sinais de identificação sob a responsabilidade do produtor, distribuidor ou importador, sem ônus para o consumidor, com o fim de atestar o cumprimento das normas legais vigentes, conforme dispuser o regulamento. (Regulamento) (Regulamento) Art. 114. Esta Lei entra em vigor cento e vinte dias após sua publicação. Art. 115. Ficam revogados os arts. 649 a 673 e 1.346 a 1.362 do Código Civil e as Leis nºs 4.944, de 6 de abril de 1966; 5.988, de 14 de dezembro de 1973, excetuando-se o art. 17 e seus §§ 1º e 2º; 6.800, de 25 de junho de 1980; 7.123, de 12 de setembro de 1983; 9.045, de 18 de maio de 1995, e demais disposições em contrário, mantidos em vigor as Leis nºs 6.533, de 24 de maio de 1978 e 6.615, de 16 de dezembro de 1978.

Brasília, 19 de fevereiro de 1998; 177º da Independência e 110º da República.

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Bibliografia

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