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i UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Centro de Excelência em Turismo Pós-graduação Lato Sensu Cur so de Especialização em Tecnologia dos Ali mentos A CULTURA E ASTÉCNICASALIMENTARES PRIMITIVASUTILIZADASPELA ETNIA XAVANTE: Revisão Bibliográfica Marcus Vinícius Vasconcelos Cerqueira Autor Wilma Maria Coelho Araújo (Doutora) Orientadora Br asília, 2007

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIACentro de Excelência em Turismo

Pós-graduação Lato SensuCurso de Especialização em Tecnologia dos Alimentos

A CULTURA E AS TÉCNICASALIMENTARESPRIMITIVASUTILIZADASPELA ETNIA XAVANTE:

Revisão Bibliográfica

MarcusVinícius VasconcelosCerqueiraAutor

Wilma Maria Coelho Araújo (Doutora)Orientadora

Brasília, 2007

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIACentro de Excelência em Turismo

Pós-graduação Lato SensuCurso de Especialização em Tecnologia dosAlimentos

A CULTURA E AS TÉCNICASALIMENTARESPRIMITIVAS UTILIZADASPELA ETNIA XAVANTE:

Revisão Bibliográfica

Marcus Vinícius Vasconcelos Cerqueira

Wilma M aria Coelho Araújo (Doutora)

Monografia apresentada ao Centro deexcelência em Turismo – CET, daUniversidade de Brasília – UnB, comorequisito parcial à obtenção do grau deEspecialista em Tecnologia dos Alimentos

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Cerqueira, MarcusViníciusVasconcelosA cultura eas técnicasalimentaresprimitivasutilizadaspelaetniaxavante: revisão

bibliográfica / MarcusViníciusVasconcelosCerqueira– Brasília, 2007.vii, 44 f.

Monografia (especialização) – Universidade deBrasília, Centro de ExcelênciaemTurismo, 2007.

Orientador: WilmaMariaCoelho Araújo.

1. Tecnologia. 2. Alimentação. 3. Xavante. I. Título. II. Título : revisão bibliográfica.

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIACentro de Excelência em Turismo

Pós-graduação Lato SensuCurso de Especialização em Tecnologia dos Alimentos

Marcus Vinícius Vasconcelos Cerqueira

Aprovado por:

Professor Orientador: Wilma M aria Coelho Araújo

Professora: Dra. Raquel Braz Assunção Botelho

Professora: M sc. LucianeCardoso

Brasília, 19 de março de 2007

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RESUMO

Com a chegada dos Portugueses ao Brasil, inicia-se um processo de retração da cultura

indígena, desencadeada por uma ideologia européia interessada apenas na obtenção de

lucros para a Coroa Portuguesa. A visão que o europeu tinha a respeito dos índios era

eurocêntrica. Os portugueses achavam-se superiores aos indígenas e, portanto, deveriam

dominá-los e colocá-los ao seu serviço. Os Xavantes são índios guerreiros que resistiram

bravamente à ocupação de seu território pelos colonizadores e aventureiros, e para a sua

sobrevivência, utilizavam várias tecnologias alimentares voltadas à obtenção de farinha da

mandioca (processamento da mandioca), cocção do alimento in natura (grelhar, assar e

cozimento), desidratação para fins de armazenamento (secagem natural), a conservação de

alimentos pelo método da defumação (moqueagem). Hoje, devido à diminuição das áreas

indígenas, das mudanças no hábito alimentar Xavante e pela diminuição da oferta de caça,

estas técnicas estão sendo pouco utilizadas, sendo necessário o seu resgate.

Palavras-chave: tecnologia, alimentação, xavante.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 01

2. OBJETIVOS 04

2.1 Objetivo geral 04

2.2. Objetivo específico 04

3. METODOLOGIA 05

4. A ORIGEM DOSPOVOS INDÍGENAS BRASILEIROS 06

5. A SOCIEDADE INDÍGENA DURANTE A COLONIZAÇÃO PORTUGUESA 13

NO BRASIL

5.1 O descobrimento do Brasil 13

5.2 O choquecultural (descoberta da cultura indígena) 15

5.3 As lutas indígenas (retração da cultura indígena) 18

6. A ETNIA XAVANTE 20

6.1 O índio brasileiro 20

6.2 Perfil epidemiológico da população indígena no Brasil 21

6.3 O Índio Xavante 23

6.3.1 A Aldeia 24

6.3.2 Divisão do Trabalho 25

6.3.3 Alimentação 25

6.3.4 AsBebidas 28

6.3.5 OsRituais 29

6.3.6 OsUtensílios 30

7. ASTECNOLOGIAS ALIMENTARES PRI MITIVAS XAVANTINAS 31

7.1 Conservação pelo controle da umidade (secagem natural) 31

7.1.1. Conceito tecnológico 31

7.1.2. Matéria-prima 32

7.1.3.Metodologia 32

7.1.4. Utilização 33

7.2 Defumação (moqueagem) 33

7.2.1.Conceito tecnológico 33

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7.2.2. Matéria-prima 34

7.2.3. Metodologia 34

7.2.4. Utilização 35

7.3 Processamento pr imitivo da mandioca 35

7.3.1. Conceito tecnológico 35

7.3.2. Matéria-prima 36

7.3.3. Metodologia 36

7.3.4. Utilização 36

7.4 Bebidas fermentadas 37

7.4.1. Conceito tecnológico 37

7.4.2. Matéria-prima 37

7.4.3. Metodologia 37

7.4.4. Utilização 38

8. CONCLUSÃO 39

9. REFERÊNCI AS BIBLIOGRÁFICAS 41

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1. INTRODUÇÃO

Com a chegada dos “descobridores” à Terra de Santa Cruz, inicia-se um

processo histórico (contínuo) de retração da cultura indígena, desencadeada por uma

ideologia européia interessada apenas na obtenção de lucros para a Coroa Portuguesa.

No primeiro momento, ocorre um deslumbramento dos aventureiros lusitanos com as

riquezas naturais e com os nativos encontrados neste novo mundo. São identificadas e

descritas várias tecnologias utilizadas pelas populações indígenas na captura e no

preparo dos alimentos, todas baseadas no respeito pela natureza, e voltadas ao conceito

de sustentabilidade.

As tribos primitivas brasileiras possuíam alto grau de diferenciação tecnológicas

e sociais, sendo observado um maior grau de desenvolvimento cultural associado à

disponibilidade de recursos naturais, observado nas populações amazônicas e litorâneas.

As comunidades localizadas no sertão brasileiro apresentavam o menor grau de

desenvolvimento humano, sendo necessária a construção de tecnologias adaptáveis e

eficazes, com o intuito de atender as necessidades específicas da região de cerrado.

Posteriormente, ocorre o processo de colonização do Brasil, onde as técnicas de

processamento dos alimentos indígenas são suplantadas pelas técnicaseuropéias.

As tecnologias alimentares primitivas utilizadas pelas populações indígenas

estavam limitadas ao cultivo, captura e preparo de alimentos, não sendo necessário o

desenvolvimento de técnicas ligadas à conservação de produtos. A coleta de vegetais, a

agricultura itinerante, a caça e a pesca eram limitadas ao consumo instantâneo sem ser

observada à necessidade de práticas ligadas ao estoque ou ao desperdício de matéria-

prima. O respeito pela natureza e a consciência ecológica são características inerentes às

populações indígenas identificadas em todas as sociedades americanas primitivas.

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Porém, com o aumento das populações, com a ocorrência de conflitos étnicos e com a

escassez de recursos naturais em algumas regiões, tornou-se necessário o

desenvolvimento de técnicas rudimentares para a conservação e processamento de

alimentos, atribuindo a estes novos produtos maior tempo útil, maior facilidade para o

seu consumo e aumentando a possibilidades de aproveitamento integral dos recursos

alimentares disponíveis.

A escravização do índio promoveu o desaparecimento de várias nações

indígenas e o isolamento das sobreviventes. O contato com o homem branco europeu e

com o negro africano fez com que muitas tribos perdessem a sua identidade cultural,

promovendo uma descaracterização dos elementos culturais indígenas, pela

incorporação de novas técnicas oriundas destas culturas. Atualmente, ainda existem no

interior do Brasil populações (Xavante, MT) que preservam a sua identidade cultural

através de suas danças, cerimônias e da utilização de tecnologias alimentares,

semelhantes aos dos nativos encontrados por Pedro Álvares Cabral, em 1500.

A interação das populações ameríndias brasileiras com as frentes de expansão

(garimpeiros, militares, médicos, antropólogos e etc), a instalação de novos regimes

econômicos, a diminuição dos limites territoriais, entre outros fatores, levaram a

drásticas alterações na economia de subsistência indígena, ocasionando o

empobrecimento das tribos e aobservação de carências alimentares nas aldeias.

Este trabalho é uma revisão bibliográfica das tecnologias utilizadas pelas

populações indígenas da etnia Xavante, para a conservação e preparo de alimentos e

bebidas. Com o intuito de identificar os princípios químicos e físicos envolvidos nestas

técnicas rudimentares, na tentativa de resgatar as tecnologias alimentares específicas

desenvolvidas pelo povo Xavante.O registro das tecnologias alimentares utilizadas pelas

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populações xavantinas sobreviventes é de suma importância na preservação da

identidade cultural deste povo, pois, a bibliografia existente é escassa e pouco

específica, não identificando e valorizando as peculiaridades desta etnia guerreira.

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2. OBJETIVOS

2.1. Objetivo geral

Resgatar as tecnologias alimentares primitivas utilizadas pela etnia Xavante, no

preparo e na conservação de alimentos ebebidas.

2.2. Objetivosespecíficos

- Caracterizar os hábitos alimentares das populações indígenas brasileiras.

- Identificar através de um levantamento bibliográfico, as principais tecnologias

utilizadas pela população Xavante no preparo e na conservação de alimentos e bebidas.

- Descrever a metodologia utilizada em cada processo tecnológico.

- Explicar os princípios químicos e físicos envolvidos em cada processo descrito.

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3. METODOLOGIA

Para alcançar os objetivos do presente estudo, foi realizada uma pesquisa

exploratória por levantamento bibliográfico na biblioteca da Universidade de Brasília

(UnB), na biblioteca da Universidade Católica de Brasília (UCB) e também por meio de

pesquisas utilizando sites e bancos de dados indexados como: google , google

acadêmico, scielo e OPAS/Bireme, no período de novembro de 2006 a fevereiro de

2007, de artigos em língua portuguesa publicados em revistas científicas e livros

específicos sobre o assunto.

O presente trabalho apresenta a origem dos povos indígenas brasileiros, a

sociedade indígena durante a colonização portuguesa, a etnia xavante e as tecnologias

alimentares primitivas xavantinas. Os unitermos utilizados para a realização da pesquisa

foram: índios, alimentação, xavantes e tecnologias.

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4. A ORIGEM DOSPOVOS INDÍGENAS BRASILEIROS

As regiões de origem e as rotas de penetração dos primeiros povoadores das

Américas são objeto de estudo de inúmeros trabalhos científicos e geram polêmica entre

os seus pesquisadores. As teorias tradicionais afirmam que os índios brasileiros tiveram

sua origem nas populações mongóis. Essa hipótese é baseada em achados arqueológicos

que indicam a presença humana no continente americano por volta de 12000 anos atrás.

Esse grupo era formado por caçadores de grandes animais, que abatiam suas presas com

o auxilio de armamentos de pedra. Esses achados permitiram a construção de um

Modelo Teórico, segundo o qual uma única leva de pessoas adentrou a América,

advinda da Ásia. Esse período correspondia a uma era geológica, o final do período

Pleistoceno, em que, entre o Alasca e o Estreito de Bering, formou-se um corredor

chamado Beríngia, graças ao rebaixamento do nível do mar, numa era glacial em que a

água era retida em grande volume na forma de gelo (AQUINO, 2000).

A tese do Poligenismo e a hipótese do Caminho Marítimo são argumentos que se

contrapõem à teoria clássica, e viram-se reforçadas a partir da descoberta efetuada no

Nordeste brasileiro (Piauí) de parasitas intestinais humanos originários do Velho Mundo

(Ancylostoma duodenalis). Trata-se de larvas que necessitam de temperaturas positivas

para se desenvolver, sendo pouco provável a sua manifestação em populações oriundas

da Ásia Oriental que tivessem atravessado as regiões setentrionais do continente

americano, onde as temperaturas negativas as teriam destruído. Portanto, a recente

descoberta de natureza científica levou à formação da hipótese de que os primitivos

povoadores da América teriam utilizado rotas marítimas e terrestres, no sentido norte-

sul, dando origem a três rotas: a primeira seria paralela à costa do Pacífico; a segunda

acompanharia a orla atlântica e a terceira permitiria o acesso ao Planalto Central

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brasileiro. Os contingentes humanos que alcançaram o Novo Mundo eram constituídos

por um número reduzido de indivíduos, sendo necessário vários milênios para a

conquista total do território. Pensa-se que os americanos primitivos eram caçadores e

coletores e se organizavam em pequenos bandos, e iniciaram a penetração da América

do Sul por volta de 20000 anos atrás (COUTO, 1997).

A ocupação no território sul-americano iniciou-se pelo norte, onde hoje se

localiza a Floresta Amazônica. A partir desse ponto, as populações seguiram caminhos

diferentes em direção ao interior do continente. Esses grupos viviam em grutas,

fabricavam suas ferramentas lascando as pedras e alimentavam-se da caça de animais e

da coleta de frutos nativos. Neste período, ocorre o aumento desta população, sendo

necessário ampliar e diversificar os hábitos alimentares destes indivíduos, começando a

ser observado o consumo de moluscos de água salgada e de caracóis de água doce,

atividade que não demandava grande conhecimento técnico (BARBOSA, 1983).

Os fundamentos geográficos encontrados pelos ameríndios primitivos no

território brasileiro foram extremamente importantes para a construção de uma

identidade sócio-cultural peculiar, caracterizada pela formação de sociedades pouco

estratificadas (tribos) e pela sua variabilidade étnica e cultural. O relevo brasileiro é

composto por estruturas geológicas muito antigas, caracterizadas por uma extensa

cobertura sedimentar, não sujeita a qualquer dobramento moderno. Possui inúmeras

Planícies recortadas por serrasonde nascem vários afluentes de rios e Planaltos extensos

de formação rochosa, vulgarmente chamados de chapadões. O litoral brasileiro possui

dimensões continentais, propiciando condições muito variadas de clima, solo e

vegetação, originando diferenças regionais muito significativas. No território brasílico

situa-se a mais vasta e densa rede hidrográfica do Mundo, rica em peixes de várias

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espécies e tamanhos, sendo uma importante fonte de alimento para o ser humano. Os

solos brasileiros são relativamente pobres, frágeis e ácidos, possuem baixo conteúdo

nutritivo e reduzidos níveis de produtividade. A diversidade das condições geológicas,

climáticas, hidrológicas e biológicas brasileiras gerou barreiras naturais para a

unificação dos povos indígenas primitivos, produzindo uma progressiva diferenciação

lingüística e cultural entre os descendentes dos primitivos ocupantes do Brasil e uma

concentração demográfica nas regiões próximas aos grandes rios (COUTO,1997).

Com o aparecimento de novas tecnologias, a partir de 4000 anos atrás, os

indígenas brasileiros passaram a conhecer e a adotar a prática do cultivo de certos

vegetais, como o milho, o feijão, batata-doce, o algodão, o amendoim, a abóbora e a

mandioca. Esta agricultura era praticada de forma bem rudimentar, pois utilizavam à

técnica da coivara (derrubada de mata e queimada para limpar o solo para o plantio). Os

índios domesticavam animais de pequeno porte como, por exemplo, o porco do mato e a

capivara. Também neste período, começam a construir suas aldeias em áreas abertas,

semelhantes às que hoje são utilizadas pelos índios como habitação. A partir desse

período, as populações passam a utilizar a cerâmica para cozinhar e armazenar os

alimentos colhidos. Tornando-se menos nômades, ou seja, passam a se fixar mais

longamente em determinas regiões (CHASTEEN, 2001).

Calcula-se que antes da chegada dos europeus à América havia

aproximadamente 100 milhões de índios no continente. Só no território brasileiro, esse

número chegava a três milhões de nativos, aproximadamente. Estes índios estavam

divididos em tribos, de acordo com o tronco lingüístico ao qual pertenciam: Tupi-

guaranis (litoral brasileiro), Macro-jê ou Tapuias (região do Planalto Central), Aruaques

(Amazônia) e Caraíbas (Amazônia) (RIBEIRO, 1983).

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A paisagem humana na Amazônia em 1500 d.C. era composta por inúmeras

etnias indígenas, organizadas em sociedades pouco estratificadas e relativamente

isoladas, vivendo em aldeias de pequeno porte e praticando uma agricultura itinerante

baseada na mandioca. A baixa fertilidade do solo amazônico e as barreiras naturais

impostas pela floresta tropical teriam impedido tanto o crescimento e o adensamento

populacional quanto a fixação em um mesmo local, resultando daí uma existência

móvel e uma ocupação esparsa dos territórios. Ambas as características teriam

corroborado na estagnação dos povos da floresta no estágio detribo (FAUSTO, 2000).

As tribos indígenas possuíam uma relação baseada em regras sociais, políticas

e religiosas. O contato entre as tribos acontecia em momentos de guerras, casamentos,

cerimônias de enterro e também no momento de estabelecer alianças contra um inimigo

comum. Estas populações faziam objetos utilizando as matérias-primas da natureza, da

madeira, construíam canoas, arcos, flechas, pilões e as suas habitações. A palha era

utilizada para fazer cestos, esteiras, redes e outros objetos. A cerâmica também era

muito utilizada para fazer potes, panelas e utensílios domésticos em geral. Penas e peles

de animais serviam para fazer roupas ou enfeites para as cerimônias das tribos. O

urucum era muito usado para fazer pinturas no corpo (OLIVEIRA, 1990).

As sociedades primitivas brasileiras eram identificadas como sociedades semi-

sedentárias, por apresentarem características muito peculiares como: a obtenção do

alimento pela prática da agricultura itinerante; pela importância vital da caça e da pesca

para a sobrevivência destas populações; pela mudança periódica dos lugares onde se

estabeleciam suas aldeias; pela baixa densidade populacional encontrada nestas

comunidades; pela inexistência de diferenciações sociais significativas; pela falta de

uma organização de poder coercitivo; pela não existência de pagamentos de tributos

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pelos seus membros e pela não institucionalização da religião. Durante décadas, vários

pesquisadores da “Corrente Ambientalista” afirmaram que as grandes inovações

culturais pré-históricas na América do Sul, designadamente a agricultura e as sociedades

complexas surgiram na região andina, sendo posteriormente introduzidas na floresta

tropical, onde teriam regredido devido às condições ecológicas adversas. Porém,

ultimamente vem sendo defendida a tese de que as primeiras manifestações de

horticultura e de organização social ocorreram nas várzeas amazônicas durante o

período Holocênico, sendo posteriormente aprimoradas pelas populações andinas

(COUTO,1997).

As tribos primitivas localizadas na região central do continente americano

encontravam inúmeros obstáculos naturais para o seu desenvolvimento, adensamento e

fixação, apresentando o estágio mais baixo de desenvolvimento das etnias americanas.

A escassez de recursos naturais, aliada a uma tecnologia rudimentar, limitaram o

tamanho e a composição das unidades políticas, bem como o desenvolvimento

institucional destas comunidades. As populações indígenas do litoral chamavam os

povos do sertão de Tapuias (primitivos) e os descreviam como gente bárbara,

desprovida de aldeias, canoas, redes e cerâmica. Paralelamente, os povos amazônicos e

litorâneos possuíam recursos naturais abundantes, grandes populações reunidas em

povoados e estruturas políticas com função político–cerimonial, com capacidade de

mobilização de numerosos guerreiros e existência de articulação social entre diferentes

povoados (FAUSTO, 2000).

Nas sociedades brasileiras pré-coloniais imperava a divisão do trabalho pela

condição sexual. Aos homens eram reservadas as tarefas que necessitavam de esforço

intenso: como a caça; a pesca e os mutirões para o preparo do solo e para a construção

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de habitações coletivas. As mulheres cuidavam da lavoura, da coleta de frutos, da

confecção de artefatos e executavam as tarefas domesticas. A base da estrutura familiar

destas comunidades era constituída por núcleos formados por homem, mulher, dois

filhos no máximo e, eventualmente, cativos ou outros parentes. Os agregados

elementares estavam ligados entre si por laços de parentesco e encontravam-se

subordinados ao patriarca da residência: o morubixaba. As sociedades tupis-guaranis

desenvolveram uma estrutura social pouco especializada em que existia um reduzido

nível de diferenciação, baseadas pelo grau de parentesco e pelas potencialidades físicas

de cada indivíduo. Algumas comunidades utilizavam como organização política o

cacicado, regime aristocrático centralizador dos poderes militares e religiosos, os

caciques eram escolhidos entre os membros do sexo masculino que apresentassem

requisitos como: a valentia, a ponderação, a generosidade, a posse do dom da oratória, o

grau de parentesco e aceitação favorável junto aos guerreiros da aldeia. As decisões e as

deliberações eram repassadas através de um conselho, formado por membros da

aristocracia tribal, aos demais indivíduos da aldeia e acatados por todos os seus

componentes (COUTO, 1997).

A cultura indígena foi uma das bases para a construção da identidade brasileira,

elaborada durante o período colonial, caracterizada pela dependência e pela valorização

dos recursos naturais existentes no território. O respeito pela natureza e a capacidade de

desenvolver um sistema produtivo sustentável, sem a utilização de técnicas de manejo

do solo voltados para a produção em larga escala, não atendiam as necessidades dos

colonizadores lusitanos que pretendia transformar a terra de Vera Cruz em um enorme

celeiro de riquezas minerais e naturais para fortalecer o comércio português em todo o

Mundo. Neste período, foram observados vários conflitos entre estas duas culturas na

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tentativa de transforma a população indígena em mola propulsora desta revolução,

porém, a resistência foi, por vezes, vigorosa, extensa e vencedora (BOMFIM, 1997).

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5. A SOCIEDADE INDÍGENA DURANTE A COLONIZAÇÃO PORTUGUESA

NO BRASIL

5.1. O descobrimento do Brasil

A Terra de Vera Cruz foi descoberta no dia 22 de abril de 1500, pela frota

comandada pelo navegador português Pedro Álvares Cabral. Em uma das naus viajava

Pero Vaz de Caminha, o autor da “Carta de Achamento do Brasil” . Esta singela obra é o

único “documento coetâneo” registrando a chegada dos portugueses no Brasil. Com um

estilo próprio, a carta é uma narrativa de nove dias, que descreve a experiência de ver,

pela primeira vez, uma região estranha, habitada por uma gente tão diferente dos povos

conhecidos europeus (FERREIRA, 2005).

“ Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes

cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com

suas setas. Vinham todos rijamente sobre o batel; e

Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E

elespousaram.”

Pero Vaz de Caminha, 1500

A novidade que os habitantes da terra representaram para os olhos renascentistas

do escrivão foi tanta que ele não se cansava em descrevê-los. O interesse no grupo

humano é tão grande que a terra quase ficou indistinta. A terra aparece sempre descrita

como fértil, formosa, copiosa, de climas brandos e de águas farta (BITTENCOURT,

1998).

O primeiro contato entre os portugueses e os indígenas foi realizados em

pequenas embarcações, que possibilitavam a aproximação da tripulação com as terras

do Novo Mundo. O grupo de ameríndios era formado de 18 a 20 indivíduos e a

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comunicação entre as duas equipes foi dificultado pelo barulho ensurdecedor provocado

pela rebentação, que impediu tentativas mais prolongadas de entendimento (COUTO,

1997).

“ Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz

consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a

terra, como quemdiz que os havia ali. Mostraram-lhes um

carneiro; não fizeram caso. Mostraram-lhes uma galinha;

quase tiveram medo dela: não lhe queriam por a mão; e

depoisa tomaramcomo queespantados.

Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeites,

farteis, mel e figos passados. Não quiseram comer quase

nada daquilo; e,se alguma coisa provaram, logo a

lançavam fora. Trouxeram-lhes vinho numa taça; mal lhe

puseram a boca; não gostaram nada, nem quiseram mais.

Trouxeram-lhes água em unia albarrada. Não beberam.

Mal a tomaram na boca que lavaram, e logo a lançaram

fora.”

Pero Vaz de Caminha, 1500

Os primeiros índios do Brasil viviam em regime de comunidade. Os

ensinamentos, as práticas, as histórias, as técnicas culinárias e as suas tecnologias

voltadas aos alimentos eram transmitidas de geração para geração, por via oral

(OLIVEIRA, 1990).

Os chefes das tribos eram os mais velhos e eram eles que resolviam problemas

como doenças, desavenças na família, onde plantar, quando colher e como caçar. Cada

tribo tinha seus próprios costumes seu jeito de viver, de morrer, de construir a aldeia e

de se alimentar. A terra não era de um só e sim de todos que nela viviam, não havia

demarcações nem comércio (BELLUZO, 1998).

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“ Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca,

nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra

alimária, que costumada seja ao viver dos homens. Nem

comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa

semente e frutos, que a terra e as árvores de si lançam. E

com isto andamtais e tão rijose tão nédios que somos nós

tanto, comquanto trigo e legumescomemos.”

Pero Vaz de Caminha, 1500.

5.2. O choque cultural (descoberta da cultura indígena)

Os primeiros portugueses que chegaram ao Brasil, após a descoberta,

mantiveram um contato amistoso com os índios, pois precisavam deles para trabalhar na

extração do pau-brasil e para defender o litoral dos contrabandistas, principalmente

franceses. Mas, com o aumento do número de portugueses, as relações do branco com o

índio foram se tornando críticas, os índios reagiram porque os forasteiros roubavam-

lhes as terras, roubavam-lhes os alimentos, atacavam suas mulheres, tiravam-lhes a

liberdade e transmitiam-lhes doenças, algumas vezes causando a morte de todos os

habitantes de uma aldeia (BOMFIM, 1997).

Segundo Ribeiro (1983), a visão que o europeu tinha a respeito dos índios era

eurocêntrica. Os portugueses achavam-se superiores aos indígenas e, portanto, deveriam

dominá-los e colocá-los ao seu serviço. A cultura indígena era considerada pelo europeu

como sendo inferior e grosseira. Dentro desta visão, foram perdidas várias tecnologias

utilizadas por estas etnias na conservação, preparo e obtenção do alimento, sendo

suplantadas por costumes europeus, que foram adaptados aos alimentos encontrados no

“Novo Mundo” e à realidade vigente.

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Apesar da resistência, milhares de índios foram escravizados no período colonial

pelos portugueses, que usavam armas de fogo para dominar as populações indígenas.

Nessa época, os portugueses escravizaram os índios para forçá-los a trabalhar na

lavoura canavieira e na coleta de cacau nativo, baunilha, guaraná, pimenta, cravo,

castanha-do-pará e entreoutras atividades (RIBEIRO, 1983).

Segundo Jean de Léry, missionário calvinista enviado ao Brasil em 1556, os

guerreiros Tupinambás utilizavam a prática do canibalismo como um instrumento de

defesa contra a escravidão e os maus tratos dispensados pelos estrangeiros. A

antropofagia era praticada, porque acreditavam que ao comerem carne humana do

inimigo estariam incorporando a sabedoria, a valentia, e o conhecimento do opositor. Os

portugueses eram vistos como inimigos e, portanto, quando capturados eram oferecidos

em rituais. O esquartejamento começava com um golpe certeiro na cabeça do

prisioneiro, posteriormente os homens eram responsáveis por cortar as partes do corpo,

fracionando a vítima. As mulheres eram responsáveis por cozinhar ou assar as partes e

distribuí-las. Aos homens cabiam as pernas e os braços, que eram assados, o interior do

corpo se destinava às mulheres e crianças, que se alimentavam de um mingau de tripas

misturado com mandioca.

Levando em consideração que o conceito de tecnologia é um conjunto complexo

de técnicas, artes e ofícios capazes de modificar e ou transformar o ambiente natural,

social e humano, em novas realidades construídas artificialmente, as populações

indígenas brasileiras no período colonial já se utilizavam de várias tecnologias

alimentares voltadas à obtenção de farinha da mandioca (processamento da mandioca),

cocção do alimento in natura (grelhar, assar e cozimento), desidratação para fins de

armazenamento (secagem natural), a conservação de alimentos pelo método da

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defumação (moqueagem) e pela salga de determinados alimentos com o intuito de

transportá-los por longas distâncias (PINTO, 1987).

Durante o processo de colonização, foi observado um grande intercâmbio

cultural entre as várias raças que compunham a população brasileira, com a troca de

várias tecnologias e a incorporação de novas técnicas para o armazenamento,

conservação e elaboração de novos alimentos por parte das etnias indígenas

sobreviventes. Para o Novo Mundo, os portugueses trouxeram novas fontes de proteína

como: a galinha, o carneiro, o gado bovino, o pato, porcos e gansos (MELLO,2002).

Como o trigo europeu não se adaptou as condições climáticas do Brasil, a

utilização da mandioca continuava sendo a principal fonte de nutrientes desta

população, que obtinha a farinha, a tapioca, o beiju e bebidas alcoólicas desta planta

arbustiva, pertencente à família das Euforbiáceas. Comia-se mandioca na forma de

farinha pura, misturada com carne, frutas e vegetais. A raiz também servia de alimento,

assada ou cozida. O plantio e a sofisticada técnica de preparo da mandioca, para que se

elimine o ácido cianídrico, venenoso, teria sido apresentada pelos índios Aruaques aos

Tupis (VAN VALTHEN, 1995).

Antes de Cabral, a carne vinha da caça que era consumida in natura ou assada.

Os relatos dos viajantes do século XIV costumavam descrever o moquém, mecanismo

usado para conservar a carne (RIBEIRO, 1983).

“ Os selvagens a preparam a sua moda, moqueando-a, os

americanos enterram profundamente no chão quatro

forquilhas de pau, enquadradas à distância de três pés e à

altura de dois pés e meio; sobre elas assentam varas com

uma polegada ou dois dedos de distancia uma da outra,

formando uma grelha de madeira”

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Jean de Léry, 1556

5.3. As lutas indígenas (retração da cultura indígena)

As sociedades indígenas não se encontravam em estado de total isolamento. Isso

significa dizer que, antes de manter relações com os europeus, elas sempre mantiveram

relações entre si. Em várias regiões, e de diversas maneiras, povos diferentes se inter-

relacionavam por meio de guerras, da troca de objetos, de casamentos, de convites para

festas e rituais (OLIVEIRA, 1990).

Os Jesuítas chegaram ao Brasil em 1549, na expedição de Tomé de Souza, tendo

como Superior o Pe. Manuel da Nóbrega. Desembarcaram na Bahia, onde ajudaram na

fundação da cidade de Salvador. Em 1553 chegou ao Brasil o Pe. José de Anchieta,

fundador do Colégio Jesuíta na região indígena de Piratininga, posteriormente chamada

de São Paulo. A função da Companhia de Jesus no Brasil era catequizar a população

nativa e instituir o cristianismo nesta colônia. As primeiras visitas jesuítas para

converter os índios foram chamadas de Missões, que promoveram a perda da identidade

cultural de vários indígenas brasileiros, que não se viam mais como índios e, por

conseguinte, não eram europeus (SANADA, 1999).

Em 1567 foram fundados as Reduções, locais construídos pelos padres Jesuítas

com o apoio do governo português com o intuito de controlar, catequizar e proteger os

índios da ação dos “homens brancos”. Os índios das reduções atraíam a cobiça e a

ganância dos que vinham em busca de escravos. Para se proteger os jesuítas e os índios

abandonaram essas regiões e foram em direção ao sul do território brasileiro (FLORES,

1997).

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As Entradas e Bandeiras eram expedições que tinham o objetivo de capturar os

índios, procurar pedras e metais preciosos no interior do Brasil. Estes aventureiros

chamados de Bandeirantes foram responsáveis pela expansão do território brasileiro,

desbravando os sertões além do Tratado de Tordesilhas. Por outro lado, agiram de

forma violenta na caça as nações indígenas promovendo o desaparecimento de várias

etnias, tais como: Tupinambá, Aimoré, Bororó, Caeté, Carijó, Tamoio e Goitacá

(PINTO,1987).

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6. A ETNIA XAVANTE

6.1. O índio brasileiro

Segundo dados da Fundação Nacional do Índio - FUNAI (2006), existem apenas

400 mil índios ocupando o território brasileiro (0,4% da população nacional),

principalmente em reservas indígenas demarcadas e protegidas pelo governo. São cerca

de 200 etnias indígenas e 170 línguas. Porém, muitas delas não vivem mais como antes

da chegada dos portugueses, o contato com o homem branco fez com que muitas tribos

perdessem sua identidade cultural.

A alimentação básica dos índios, de maneira geral, constitui-se de peixes cozidos

ou assados e de beijus feitos de mandioca ou mingau de mandioca. Os peixes são

obtidos através de pescarias individuais ou coletivas. Os índios não têm condições de

conservar grande quantidade de carne por muito tempo, daí as pescarias serem

realizadas quase diariamente (SILVERWOOD-COPE, 1990).

Segundo Van Velthen (1995), as populações indígenas classificam os animais

em predadores e não-predadores. Os predadores são evitados nas caçadas e não servem

como alimento, apenas como matéria-prima, que são usados na confecção de adornos.

Os não-predadores representam os seres do ecossistema da região que não oferecem

perigo e que são fonte de proteína e gordura satura. Os animais comestíveis são

designados em “carne dura” , como a anta, porco silvestre, a paca e a capivara. Os

animais de “carne mole” , como o tucunaré, pacu, as larvas de besouro, as formigas, as

abelhas e demais peixes e insetossão muito apreciados e podem ser ingeridos crus.

Os indígenas brasileiros dominam a técnica da obtenção do sal vegetal,

substância utilizada na culinária de várias tribos. Existem nas florestas alguns aguapés,

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originários de corredeiras e cachoeiras, que possuem alto teor de cloreto de potássio em

suas raízes. Após serem queimadas, as cinzas destas raízes são filtradas em cestos de

palha e retidas em chumaços de algodão, até a obtenção de uma massa escura. Devido

ao alto teor de cloreto de potássio, o sal vegetal provoca um forte ardor na mucosa

labial, motivo da sua baixa utilização pelas populações indígenas (OLIVEIRA, 1990).

A mandioca é o alimento de toda hora, pois os índios não estabelecem horários

fixos para a realização de suas refeições, eles comem quando sentem fome. Pesquisas

realizadas em povos do Xingu mostram que a média de consumo por indivíduo é de 500

a 600 gramas diárias de beiju. Eles o ingerem sozinho ou recheando-o com peixe

cozido. O beiju é utilizado como presente de boas vindas aos visitantes das tribos, como

um instrumento social que representa a cordialidade entre as várias nações. Os beijus

são armazenados em esteiras, acopladas a um jirau e podem ser conservados por até dez

dias nestas condições (VAN VELTHEN, 1995).

6.2. Per fi l epidemiológico da população indígena no Brasil

A anemia é um problema nutricional importante nas populações indígenas

afetando crianças e mulheres em idade reprodutiva. Além da ingestão insuficiente do

nutriente ferro, a ocorrência desta enfermidade nas aldeias também deve estar associada

à presença de parasitoses endêmicas, como a ancilostomose e a malária. Entre as

carências nutricionais mais freqüentes relacionados às tribos ameríndias brasileiras a

ocorrência da desnutrição energético-protéica crônica e seus efeitos sobre o crescimento

físico, tem sido apontado como o principal problema, sendo foco de inúmeros estudos

que objetivam a sua erradicação. Ainda que não sejam disponíveis dados

epidemiológicos minimamente confiáveis para caracterizar a ocorrência e a distribuição

de obesidade nas populações indígenas no Brasil de forma satisfatória, observa-se uma

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rápida emergência da doença em diferentes grupos, como os Xavantes e Boróro em

Mato Grosso, devido ao alto consumo de alimentos ricos em carboidratos complexos

(SANTOS, 2001).

A etnia Xavante durante a década de 70 participou do Projeto Arroz da FUNAI,

que tinha o objetivo de reduzir a fome em populações indígenas no Brasil. Este Projeto

mudou os hábitos alimentares desta população, transformando o arroz no alimento mais

consumido nas aldeias xavantinas (CAMPOS, 2004).

O consumo do amido em excesso, aliado ao uso do açúcar obtido após o contato

com a cultura branca, propicia o aparecimento de casos de índios com doenças crônicas

não transmissíveis como a diabetes mellitus, e queda na resistência imunológica,

causando um aumento nas taxas de mortalidade e morbidade. Casos de diabetes entre

índios é, alias, um dos sinais do impacto da aculturação, pois em comunidades onde os

hábitos alimentares tradicionais são preservados esta enfermidade é rara (FREITAS,

2004).

Segundo Langdon (2006), tem sido observado um alto consumo de bebidas

destiladas nas comunidades indígenas. “Atualmente, a cachaça tem acompanhado quase

todas as atividades ritualísticas, fazendo a celebração parecer uma grande bebedeira” . O

desvirtuamento dos rituais tem sido identificado em todas as sociedades indígenas

brasileiras, com o alto consumo de bebidas destiladas e com o aparecimento de

inúmeros casos de alcoolismo, este fato de deve ao livre acesso das bebidas nas aldeias

e pela não valorização das tradições indígenas pelas parcelas mais jovens das

comunidades indígenas.

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6.3. O Índio Xavante

Os índios Xavantes pertencem ao tronco lingüístico Macro-jê e foram contatados

pela primeira vez em 1940. O nome Xavante foi dado pelos portugueses, mas não se

sabe a origem do mesmo, pois difere em muito do nome que este povo tradicionalmente

se reconhece, se autodenominando AÚWE, cujo significado é: gente de verdade.

Também são conhecidos como Awen, Akwe ou Akwen. São índios guerreiros que

resistiram bravamente à ocupação de seu território pelos colonizadores e aventureiros.

São originários do Planalto Central brasileiro e migraram para o Estado do Mato

Grosso, no século XIX, fugindo dos “aldeamentos de colonização” no interior do

Estado de Goiás. Atualmente, estão distribuídos em sete áreas indígenas, localizadas

entre os rios das Mortes e Batovi, a leste de Mato Grosso, e estima-se uma população de

10000 indivíduos (FUNAI, 2000).

As etnias indígenas localizadas no Centro Oeste brasileiro eram vista como

populações muito primitivas, desprovidas de organização social e política devido às

barreiras naturais existentes na região. Entretanto, os Jê deixaram de ser vistos como

caçadores nômades para serem descritos como praticantes de uma sofisticada economia

bimodal, que combina períodos de dispersão com outros de agregação em grandes

aldeias, estruturadas internamente por um conjunto de eventos cerimoniais, por grupos

etários bem definidos e por edificações especializadas. Essa estrutura não apenas

permite a reunião de uma população numerosa em um mesmo local, como torna viável a

operacionalidade de todos os eventos e encontros planejados por estas etnias (FAUSTO,

2000).

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6.3.1 A Aldeia

A aldeia é o lugar onde os índios moram. Cultivam a roça para obter seu

alimento, celebram festas, e principalmente, praticam a convivência com a família. É

neste ambiente peculiar, onde ocorrem as discussões e as soluções para os problemas

tribais. As residências são modestas e coletivas (duas ou três famílias), edificadas em

forma de círculo, dispostas à volta de uma praça central ou terreiro (COUTO,1997).

Segundo Acary de Passos Oliveira (1990), as habitações representam à maneira

de viver e de pensar dos povos indígenas, ficando claro na forma como suas casas são

dispostas. Os Xavantes fazem suas aldeias em forma de ferradura, aumentando assim, a

sua inter-relação com o ambiente em que vivem. Os índios Xavantes são exímios

caçadores e pescadores, devido à grande biodiversidade encontrada no Pantanal.

Entretanto, nem todas as casas são construídas para a moradia indígena, existem casas

onde são realizadas reuniões durante a noite (chamadas de warã), compostas apenas por

homens, onde são expostos os problemas e tomadas às soluções. Ao chegar à sua

residência, cada participante da reunião conta para sua esposa as decisões tomadas. E

durante o dia, as mulheres da aldeia se reúnem para ratificar ou não às decisões

tomadas. Havendo controvérsias as decisões deverão ser novamente discutidas. A

escolha do local para a construção da aldeia é motivo de grande cuidado para todos, pois

existem algumas condições fundamentais para serem observadas, tais como: que ao

desmatar o local, ocorrao menor impacto ambiental possível (clareiras pré-existentes na

mata); que seja próximo a um curso de rios e/ou riachos e que a localização seja

afastada de ambientes onde existam formigas das espécies Atta e Acromyrmex (saúva),

perigosas para a lavoura e para as crianças.

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6.3.2. Divisão do Trabalho

A caça e a pesca de forma primitiva pertencem ao domínio do homem, e a roça

ao da mulher. Os homens limpam (a capina praticamente não existe) e queimam

(coivara) as roças e podem ajudar na plantação. Se o homem não está caçando ou

pescando, é encontrado quase sempre nas casas de reunião (OLIVEIRA, 1990).

As mulheres diariamente vão à roça para plantar, para colher e para carregar os

produtos para a aldeia e dedicam muito pouco tempo às cerimônias ou as atividades

sociais organizadas. As crianças estão constantemente coletando frutos e caçando

pequenos pássaros e animais, quando já têm idade suficiente acompanham as mães nas

roças, carregando os produtos e lenha em pequenas cestas penduradas nas costas e

presas na cabeça com uma tira. Os adolescentes perambulam livremente, de acordo com

a sua vontade e raramente acompanham seus pais, preferem permanecer perto da aldeia.

Os guerreiros jovens, que não possuem obrigações, nem com a própria família e nem

com as esposas, vagueiam pela aldeia, fazem jogos, ou andam sem rumo pela floresta,

raramente caçam, pescam ou colhem. A função destes indivíduos é participar de danças,

celebrações e rituais característicos de cada etnia (ATUALIDADES INDÍGENAS,

1979).

6.3.3. Alimentação

Os Xavantes são tradicionalmente caçadores/coletores com uma agricultura e

pesca incipiente, apenas de apoio, onde o forte sempre foi à caça, podendo ser coletiva

ou individual, utilizando a técnica conhecida como círculo de fogo, que de modo

simplificado, se faz através da colocação de fogo primeiramente em uma pequena área

no meio da vegetação e posteriormente na vegetação ao redor, fazendo com que os

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animais corram para a região central, já queimada, onde os índios estão esperando para

abater os animais (FREITAS, 2004).

Cada membro do grupo, ao sair em busca do alimento para a sua família, lança

mão de sua canoa, levando consigo os instrumentos básicos para executar sua tarefa: o

arco, a flecha e o arpão. Nesta ocasião, sempre está em sua companhia um de seus

filhos, que deverá ficar atento aos movimentos do pai, pois este é um momento de

aprendizado para a criança xavante. Outra função da criança é a condução da

embarcação, seguindo sempre as indicações do pai, localizado na proa. Toda esta

técnica é feita em um absoluto silêncio, através de mímicas, para não assustar a futura

refeição (OLIVEIRA, 1990).

Envenenar a água para apanhar peixes ainda é comum, mas vem sendo menos

utilizado devido a sua pouca praticidade. O veneno utilizado nas pescarias é retirado de

uma espécie de cipó, chamado de Timbó. Para que o veneno tenha o efeito desejado e

necessário construir uma barragem pequena no curso do rio e introduzir o sumo deste

vegetal. Posteriormente, os peixes começam a boiar na superfície e podem ser

apanhados e acondicionados nas canoas (GREGÓRIO, 1980).

A coleta é extremamente diversificada uma vez que compreende elementos da

fauna e flora regionais: mel, larvas de insetos, frutos, tubérculos, raízes, folhas e ovos de

tracajás. Os Xavantes distinguem através de algumas características físicas algumas

espécies de mandioca: doce (macaxeira) e amarga (brava). A farinha de mandioca

torrada pode ser guardada por muito tempo e é transportada pelos homens em longas

caçadas, e pelas mulheres, quando estas saem para a colheita. A banana que não

necessita de muitos cuidados de cultivo, são geralmente assadas ou comidas cruas

(mesmo quando verdes). O mel é colhido por homens e meninos, nunca pelas mulheres,

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e grande parte dele se consome no próprio local de colheita. Os Xavantes apreciam

tanto esse alimento, que comem as abelhas adultas, larvas, pupas e cera, especialmente

na época de seca. As formigas tanajuras são fritas no próprio suco, e a parte mais

apreciada pelos índios é o abdome deste inseto (ATUALIDADES INDÍGENAS, 1979).

As primeiras colheitas começam em novembro: mandioca, abóbora, milho e

feijão. Mandioca, inhame e batata-doce são colhidos dentro de cinco anos após o plantio

e as bananeiras produzem de oito a dez anos. As roças são abandonadas após três anos,

mas o fato não se deve apenas ao desgaste do solo, como se supunha, torna-se mais fácil

limpar o solo de uma nova roça do que capinar a erva daninha da roça antiga. Além

disso, este processo evita uma série de problemas relacionado com o aparecimento de

pragas e de fungos no solo das áreas de plantio, tornando o ambiente mais saudável e

produtivo. Os Xavantes desenvolveram o plantio do amendoim (mandubim),

leguminosa rica em gorduras mono-insaturadas, tornando-se um alimento muito

energético e rico em proteínas vegetais que ameniza as carências protéicas e equilibra

uma alimentação rica em carboidratos complexos (COUTO, 1997).

Nas tribos xavantinas existem dois tipos de fogo, mas todos são de

responsabilidade da mulher indígena, caracterizados pela sua localização espacial e pela

sua importância na dinâmica social de cada aldeia. O primeiro tipo é denominado de

“fogo da casa” , de uso estritamente doméstico e reservado aos familiares de cada

residência, usado para o preparo e defumação dos alimentos de cada família e para o

aquecimento das “ocas” . O fogo comunitário é usado como um instrumento agregador

dos homens da aldeia, em torno do qual eles se aquecem, discutem e tomam decisões

(VAN VELTHEN, 1995).

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A massa da mandioca permite confeccionar os diferentes tipos de beiju e ainda

presta-se para a produção de farinha que é confeccionada no mesmo torrador e remexida

com a espátula, sendo realizada apenas pelas mulheres da tribo. A farinha de mandioca

torrada tem pequena importância na dieta do índio brasileiro, quando comparado aos

outros subprodutos da mandioca. Com o objetivo de tornar comestível a raiz da

mandioca amarga, rica em amido e sais minerais, os índios Xavantes processam o

tubérculo em um complexo tratamento destinado à eliminação do ácido cianídrico. O

vegetal é submetido a um processo de maceração com água ou descascado, ralado e

lavado até ser reduzido a uma massa úmida. A polpa é seguidamente espremida e

amassada, para depois ser assada em grandes recipientes de barro para a obtenção do

beiju (COUTO, 1997).

6.3.4. AsBebidas

A mandioca brava não produz apenas o beiju e a farinha torrada, mas outros

alimentos e bebidas fermentadas, muito apreciadas pelas populações indígenas. A

principal bebida fermentada advinda da mandioca é a cachiri, confeccionada de espécies

de mandioca com maior teor de água. Os índios não associam a ingestão deste “vinho

da mandioca” com outros alimentos, sendo considerado a cachiri como uma refeição,

normalmente sendo usado em eventos especiais e em rituais (PINTO, 1987).

Vale ressaltar a importância do caju na alimentação indígena, principalmente, na

elaboração de bebidas fermentadas como a cajuína. A cabaça é colhida nas selvas

nativas, com a finalidade de servir como reservatório para a água e para outras bebidas

alcoólicas produzidas pelas tribos, a fabricação da cajuína é função exclusiva das

mulheres indígenas (FERREIRA, 2005).

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As bebidas fermentadas desempenham um importante papel no padrão de vida

indígena, sobretudo como fornecedor de vitaminas, compensando parcialmente as

deficiências da dieta alimentar. Os Xavantes utilizam estas bebidas em rituais sagrados

e em celebrações tribais (COUTO, 1997).

6.3.5. Os Rituais

Dentro da cultura Xavante existem vários rituais de iniciação dos jovens na vida

adulta, dentre eles, o Oió é o primeiro processo de inserção do adolescente na tradição.

Este ritual é caracterizado por uma luta entre os meninos da tribo, que objetiva avaliar a

sua resistência à dor. Neste embate é utilizada uma planta do brejo chamada de Oi, que

possui fibras resistentes e é amarrada em uma borduna para servir de instrumento de

luta, os golpes deferidos neste combate são analisados pelos adultos e o desempenho de

cada adolescente indicará se este membro será um bom caçador (SANADA, 1999)

A caça é muito importante para o povo Xavante porque a sobrevivência e os

rituais de casamento dependem desta atividade. Os futuros genros xavantinos caçam a

anta, o veado, o caitetu e outros animais, usando armadilhas, arco, flecha e borduna. O

resultado desta jornada é oferecido ao futuro sogro, quando aceito, as carnes são

distribuídas pelos membros da família da noiva. O produto da caça e a coragem do

caçador são considerados como um dote, sendo um símbolo de aproximação entre as

duas famílias. Após o ritual de casamento o esposo vai se mudando aos poucos para a

casa dos pais da esposa, ficando responsável por suprir as necessidades desta nova

família (AQUINO, 2000)

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6.3.6. Os Utensílios

Aproveitando os recursos vegetais disponíveis no Pantanal os Xavantes

produzem uma significativa gama de utensílios utilizados nas técnicas de preparo e

conservação de alimentos e bebidas. A mata tropical fornece folhas, frutos, fibras e

entrecascas de diversas árvores, sobretudo de palmeiras, como a piaçaba (Attalea

funifera), o Jupati (Raphia vinifera), o Miriti (Mauritia setigera), a Arumã

(Ischnosiphon ovatus), a Inajá (Maximiliana regia), a Jacitara (Desmoncus), que são

utilizadas como matéria-prima na confecção de cordas, fios, peneiras, abanos de fogo,

esteiras, cestos, gaiolas e armadilhas de pesca (OLIVEIRA, 1990).

Os frutos da Purunga são colhidos nas matas e depois de secos são processados é

chamados de cabaças, utensílio utilizado como reservatório para água e para as bebidas

indígenas. A cuia é feita do mesmo material e é utilizado como utensílio para

acondicionar alimentos ebebidas (COUTO, 1997).

O barro é cozido em altas temperaturas para a fabricação de utensílios

específicos para a cocção e torragem da massa da mandioca. Estes utensílios possuem

uma forma circular e são estruturas grandes, necessárias para a fabricação da farinha de

mandioca e do beiju (VAN VELTHEN, 1995).

As árvores frondosas são utilizadas na confecção do pilão, equipamento

utilizado na maceração da mandioca ou de carnes desidratadas. Utensílio muito

utilizado no processo de moqueamento de carnes e no processo de obtenção da paçoca

(OLIVEIRA, 1990)

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7. ASTECNOLOGIAS ALIMENTARES PRIMITIVAS XAVANTINAS.

7.1. Conservação pelo controle da umidade (secagem natural)

7.1.1. Conceito tecnológico

A preservação de alimentos por secagem é uma prática muito utilizada pelas

populações indígenas brasileiras, pois a maioria dos alimentos contém suficiente

umidade para permitir a ação de suas próprias enzimas e de microrganismos, sendo

necessário à remoção de água para a preservação do alimento. A secagem natural por

exposição do alimento à luz solar produz um material bastante concentrado e de boa

qualidade, porém, para grandes quantidades de alimentos, tal tratamento é pouco eficaz,

pois depende de fatores que são incontroláveis e imprevisíveis, tais como clima, insetos

e roedores (CAMARGO, 1989).

Nas populações xavantinas o processo de secagem natural é utilizado para a

conservação de frutas nativas do cerrado, conferindo ao produto uma melhor coloração,

uma vez que permite a continuidade do processo de maturação por algum tempo. O

objetivo principal da secagem é prolongar a vida útil dos alimentos, o que é explicado

pela redução da Atividade de água (Aa), que impede o crescimento microbiano e detém

a maioria das reações químicas e enzimáticas deteriorantes. A formação de uma camada

dura poderá acontecer quando a temperatura do ar é alta e sua umidade relativa baixa.

Com isso, a velocidade de evaporação da umidade que está na superfície da fruta é

maior do que a difusão do líquido no interior do alimento, formando uma camada

endurecida que não é desejável. Neste processo tecnológico, a umidade da fruta fresca

baixará de 90% para 20 a 25% na fruta seca (GAVA, 1984).

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7.1.2. Matéria-prima

As frutas nativas ocupam lugar de destaque no ecossistema do cerrado, pois

possuem sabores distintos e elevados teores de açúcares, proteínas, vitaminas e sais

minerais. A Mangaba (hancornia speciosa) só deve ser consumida quando madura,

antes disso, pode até mesmo causar problemas de saúde para quem consumir. Os frutos

da mangabeira apresentam alto teor de ácido ascórbico e de compostos fenólicos, sendo

aconselhável o consumo da fruta desidratada. A amêndoa do Baru (dypterix alata vog)

pode ser consumida crua, seca ou torrada, sua polpa possui alto teor de carboidratos e é

rica em potássio, cobre e ferro. O Araticum (annona crassiflora mart) possui aroma

forte e alto teor de carboidratos, na medicina indígena as suas folhas secas servem como

remédio anti-diarréico. O Buriti (mauritia vinifera mart) é uma palmeira hermafrodita

que produz frutos oleaginosos, que podem ser consumidos quando desidratados

(MELO, 2007)

7.1.3. Metodologia

As esteiras confeccionadas pelas índias xavantinas são os principais utensílios

utilizados no processo de secagem, as frutas são espalhadas nestes objetos e ficam

expostas ao sol no centro da aldeia. As mulheres são responsáveis pelo controle desta

técnica e pela colheita das frutas, este processo pode durar de 2 a 12 dias dependendo

dos fatores climáticos e da espécie de fruto (OLIVEIRA, 1990).

O alimento seco perde um certo conteúdo de umidade e por isso haverá um

aumento na concentração dos nutrientes por unidade de peso, comparado com o produto

fresco. O escurecimento éum problema comum e poderá ser ocasionado por enzimas ou

ser um efeito químico, desencadeando a formação de pigmentosescuros (GAVA, 1984).

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7.1.4. Utilização

A secagem natural é um processo tecnológico muito difundido entre os Xavantes

na elaboração de substâncias medicinais e para a conservação de frutas utilizadas como

alimento nas caçadas. Com a incorporação da cultura do arroz nas tribos xavantes, na

década de 70 pela FUNAI, este processo de conservação tem sido cada vez menos

usado, devido à baixa ingestão de frutas nativas apresentada por esta etnia atualmente

(COUTO,1997).

7.2. Defumação (moqueagem)

7.2.1. Conceito tecnológico

A defumação é utilizada nas aldeias xavantes apenas como um processo de

conservação do alimento, as contribuições desta técnica na melhoria do sabor e do

aroma não são exploradas por esta etnia. A fumaça inibe o crescimento microbiano e

retarda a oxidação das gorduras presentes nas carnes, a sua ação bactericida deve-se aos

aldeídos fórmicos presentes nas madeiras utilizadas nesta técnica rudimentar. A

defumação e o aquecimento, os quais geralmente ocorrem juntos, estão envolvidos no

processo de cor do alimento, resultado direto da decomposição do alcatrão sobre a

superfície da carne. A remoção de umidade da superfície do produto durante o processo

de defumação, também retarda e reduz o crescimento microbiano (GAVA, 1984).

Os componentes carboxílicos são os principais compostos da fumaça e são

responsáveis pelo escurecimento dos produtos que sofrem o processo de defumação. A

composição da fumaça é dependente do tipo de madeira, da temperatura desenvolvida e

da circulação de ar. A fumaça no ponto de geração existe no estado gasoso e

rapidamente, é separada em fase de vapor e fase sólida. A fase de vapor contém

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componentes voláteis e é largamente responsável pela característica de flavor e aroma

da defumação. Na fase sólida ocorre a maior incidência de substâncias indesejáveis,

como o alcatrão e hidrocarbonetos policíclicos, substâncias com alto poder

carcinogênico (LOPES, 2006).

7.2.2. Matéria-prima

O cerrado é uma região característica da parte central do Brasil, ocupa cerca de

20% do território nacional, um total de 2.000.000 de Km². A vegetação de cerrado,

como o nome indica, exibe árvores de médio porte, retorcidas, de folhas ásperas e casca

grossa e rugosa. Normalmente não formam grupos compactos, e sim entremeados de

vegetação baixa como grama e arbustos. A causa do surgimento deste tipo de vegetação

é explicada por vários motivos, que vão desde a pobreza do solo, normalmente muito

ácidos, passando pela irregularidade das chuvas, com longos períodos de seca, até a

freqüência de queimadas. A matéria-prima para a formação da fumaça no processo de

defumação xavantino são as árvores nativas da região, tais como: a Lixeira (curatella

americana), Tapiriri (tapirira guianensis), Mutamba (guazuna ulmifolia) e etc...

(MELO, 2007).

7.2.3. Metodologia

O processo de defumação xavantino inicia-se com o preparo da matéria-prima,

as carnes são fracionadas em grandes postas sendo agrupadas em uma espécie de grelha,

o corte da carne aumenta a superfície de contato do produto com a fumaça. Esta

estrutura é armada sobre 04 madeiras enterradas no solo, formando uma forquilha, com

aproximadamente 1 metro de altura. São dispostos vários feixes de madeira na parte

inferior desta estrutura onde será gerada a fumaça de defumação. O tempo de duração

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deste processo depende das condições climáticas, do tipo de madeira utilizada na

produção dafumaça e das espécies de carnes a serem processadas (FUNAI, 1975).

7.2.4 Utilização

Os Xavantes são naturalmente caçadores, com uma agricultura e com a pesca

pouco desenvolvidas, o produto da caça representa grande parte do suprimento

necessário para atender as necessidades da tribo. Porém, com a diminuição das terras,

com a incorporação de novos hábitos alimentares, com a aquisição de eletrodomésticos

pelas tribos (geladeira e freezers) e com a baixa oferta de animais nas regiões indígenas,

fruto do desmatamentos e das queimadas constantes, o índio Xavante tem utilizado cada

vez menos o moqueamento, sendo mais prático a utilização do processo de

resfriamento e de outros processos de conservação mais elaborados como o

congelamento, para armazenar os produtos protéicos ingeridos pela etnia (FREITAS,

2004).

7.3. Processamento primitivo da mandioca

7.3.1. Conceito tecnológico

A Mandioca (manihot esculenta) é uma raiz da família das Euphorbiaceae

originária dos Andes Peruano. Existem diversas espécies da planta, que se dividem em

mandioca doce (macaxeira) e mandioca brava. A mandioca brava possui alto teor de

ácido cianídrico, substância tóxica, que pode provocar náuseas, vômitos, sonolência e

levar ao óbito. A macaxeira possui um menor teor de glicosídios cianogênicos que a

mandioca brava, podendo ser eliminada do alimento quando submetido ao sol ou a altas

temperaturas. Do processamento da mandioca são obtidos a farinha, a goma e o

polvilho, produtos muito utilizados na alimentação indígena (CAMARGO, 1989).

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7.3.2. Matéria-prima

Segundo a cultura xavantina, a mandioca surgiu do desejo de um casal de ter

uma filha. Quando a menina nasceu, deram-lhe o nome de Mandi, que significa

“branca”. Um dia, ela ficou muito doente e morreu, apesar de tentarem tudo para salvá-

la. Seus pais resolveram enterrá-la no centro de uma oca para que pudessem estar

sempre perto de seu corpo. Choraram tanto sobre o túmulo da menina que nasceu ali

uma planta. Sua raiz era clara como a pele da Mandi, então eles batizaram a planta de

mandioca (OLIVEIRA, 1990)

7.3.3. Metodologia

Os Xavantes desenterram as raízes de mandioca brava, em seguida descascam,

deixando de molho por 1 ou 2 horas em seus tachos de cerâmica. Ralam o produto para

fazer a massa no interior de suas casas, torcem a massa em panos grossos durante 1 ou 2

dias em local aberto (goma). Deixam a massa resultante durante 1 hora no sol e levam-

na para o aquecimento em tachos no fogo para a obtenção farinha. O polvilho é obtido

do líquido que sai pelo pano grosso quando espremem a massa ralada, sendo

posteriormente submetido à decantação e evaporação. O beiju xavantino é feito da

massa da mandioca ralada e do polvilho (CAMPOS, 2004).

7.3.4 Utilização

Segundo Campos (2004), o processamento da mandioca é pouco realizado nas

comunidades xavantinas, devido ao consumo excessivo de carboidratos complexos

provenientes de outras fontes (arroz e abóbora), hábito largamente observado após a

introdução do cultivo do arroz nas aldeias xavantes na década de 70.

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7.4. Bebidas fermentadas

7.4.1. Conceito tecnológico

No processo de fermentação alcoólica de açúcares, os principais produtos

resultantes deste processo são o álcool etílico e o gás carbônico. Entretanto a molécula

da glicose passa em processo anaeróbico por várias etapas intermediárias até ser

transformada em etanol e gás carbônico, nestas etapas são formados o aroma e o sabor

das bebidas fermentadas. Portanto, a quantidade de etanol vai variar conforme a

quantidade de açúcares presentes no mosto da bebida, pela temperatura do processo,

pela aeração disponível e pelo valor nutritivo da matéria-prima (AQUARONE, 1983).

7.4.2. Matéria-prima

As frutas nativas do cerrado são a principal matéria-prima para a elaboração das

bebidas fermentadas xavantinas, estes produtos possuem alto teor de açúcares e são

facilmente encontrados na região. A Cagaita (eugenia dysenterica) apesar de seu sabor

agradável e de sua natureza refrescante, os povos indígenas sabem que a fruta deve ser

consumida com moderação, devido ao seu efeito laxativo. O Pequi (caryocar

brasiliense camb) é uma fruta muito encontrada nos arredores das aldeias xavantinas, é

considerada uma excelente fonte de vitaminas (vitamina A, vitamina C, tiamina,

riboflavina e niacina) e possuí alto valor calórico (MELO, 2007).

7.4.3. Metodologia

As frutas são maceradas em um pilão ou são mascadas por índias, o resultado

deste processo será depositado em uma cabaça. O processo fermentativo dura vários

dias, gerando uma bebida ácida, nutritiva e de baixo poder inebriante (FUNAI,1979).

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7.4.4 Utilização

O processo de fermentação xavantino para elaboração de bebidas tem sido pouco

utilizado, devido ao alto consumo de bebidas destiladas observado nas aldeias xavantes

e pela sua pouca praticidade. A cachaça possui alto teor alcoólico quando comparado às

bebidas fermentadas indígenas e a sua obtenção é de baixo custo e muito prática

(LANGDON, 2006).

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8. CONCLUSÃO

Os índios da etnia Xavante entendem o alimento como uma fonte de energia

corporal e espiritual, portanto, durante o seu processo evolutivo não desenvolveram

técnicas que aprimorassem o sabor e aromas de suas refeições, concentrando sua

criatividade em processos tecnológicos que fossem voltados apenas à conservação

(secagem natural e moqueamento), ao aumento da disponibilidade de nutrientes

(processamento da mandioca) e na elaboração de veículos que permitissem o contato

desta etnia com suas entidades espirituais (bebidas fermentadas).

Dentro desta perspectiva, as mudanças de hábito alimentar financiadas por

Instituições Públicas Brasileiras, o contato com a “Cultura Branca” , má utilização do

território xavante, a escassez de fauna e flora nativas do cerrado e o aumento do

consumo de bebidas destiladas, tem sido determinante na retração da cultura xavantina e

na alteração dos hábitos saudáveis construídos por esta comunidade guerreira. Observa-

se o aumento na incidência de doenças crônicas não transmissíveis nas aldeias e a baixa

utilização de técnicas alimentares mais saudáveis e naturais para a obtenção do seu

alimento.

Técnicas como a secagem natural e o processamento primitivo da mandioca tem

sido cada vez menos utilizados nas aldeias xavantinas, pelo alto consumo e pela

produção equivocada de arroz, estimulado pela FUNAI durante a década de 70 como

uma alternativa econômica viável para esta população. Esta política alterou

profundamente o hábito alimentar xavante e promoveu a diminuição dos recursos

naturais existentes na região.

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Paralelamente, observa-se o aumento no consumo de bebidas destiladas nas

tribos indígenas e a troca das bebidas tradicionais pela cachaça, alterando a dinâmica

dos rituais indígenas e agravando os problemas de saúde encontrados nestas populações.

O contato com a “Cultura Branca” tem desvirtuado os rituais religiosos e promovido à

desvalorização das práticas e dos valores indígenas.

Portanto, faz-se necessário o resgate desta rica cultura indígena, alicerçada no

respeito à natureza e na prática de técnicas alimentares saudáveis que promovem maior

qualidade de vida aos seus membros e possibilitam a sobrevivência da cultura

xavantina. A identificação e descrição dos princípios utilizados nas técnicas primitivas

de conservação e elaboração de alimentos desenvolvidos pela etnia Xavante servirá para

alertar aos leitores deste singelo trabalho, sobre importância da conservação e

valorização destas técnicas para a perpetuação do Patrimônio Cultural desta etnia

criativa e guerreira.

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