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    A Cultura Escolarcomo Objeto Histrico*

    Dominique Julia**

    Traduo de Gizele de Souza***

    * Este texto traduo do artigo de Julia: La culture scolaire comme objet historique,Paedagogica Historica. International journal of the history of education (Suppl. Series,vol. I, coord. A. Nvoa, M. Depaepe e E. V. Johanningmeier, 1995, pp. 353-382).

    ** diretor de pesquisas do CNRS, antigo prof. do Instituto Universitrio Europeu(Florena), e especialista em histria religiosa e histria da educao na poca mo-derna. Publicou Les trois couleurs du tableau noir. La rvolution (Paris, Berlim,

    1981) e, em colaborao com Marie-Madeleine Compre,Les collges franais (XVI-XVIII sicles), 2 vols. (Paris Editions du CNRS-INRP, 1984 e 1988). Dirigiu o vol.Enseignement de lAtlas de la Rvolution franaise (Paris, Editions du EHESS, 1988).

    *** Professora do setor de Educao da Universidade Federal do Paran e doutorandano Programa de Ps-Graduao em Educao: Histria, Poltica e Sociedade.O pre-sente texto de traduo contou com a colaborao de Angela Brando e revisotcnica de Sandra Moreira e Marta Maria Chagas de Carvalho.

    O artigo tem como escopo a cultura escolar como objeto histrico. Demonstra que a culturaescolar no pode ser estudada sem o exame preciso das relaes conflituosas ou pacficas queela mantm, a cada perodo de sua histria, com o conjunto das culturas que lhe so contempo-rneas. A cultura escolar descrita como um conjunto de normas que definem conhecimentos a

    ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de prticas que permitem a transmisso dessesconhecimentos e a incorporao desses comportamentos. O trabalho circunscrito ao perodomoderno e contemporneo, perodo compreendido entre os sculos XVI e XIX. O texto desen-volvido segundo trs eixos, perspectivas interessantes para se entender a cultura escolar comoobjeto histrico: interessar-se pelas normas e pelas finalidades que regem a escola; avaliar opapel desempenhado pela profissionalizao do trabalho do educador; interessar-se pela anlisedos contedos ensinados e das prticas escolares.HISTRIA DA ESCOLA; CULTURA ESCOLAR; NORMAS E FINALIDADES DA ESCOLA;PROFISSIONALIZAO DO EDUCADOR; CONTEDOS DO ENSINO; PRTICAS ESCOLARES.

    The aim of the article is to present the school culture as a historical object. It shows that theschool culture cant be studied with the accurate examination of the conflicting or peacefulrelations they keep, each period of its history, with the set of cultures that are contemporary to it.The school culture is described as a set of rules that define knowledge to be taught and conductsto be implanted and a set of practices that permit the knowledge transmission and these behaviorsincorporation. The paper is circumscribed to the modern and contemporaneous period, withinthe 16th and 19th centuries. The text is developed according to three axles, interesting perspectivesto understand the school culture as a historical object: to become interested in the rules and thepurposes that govern the school; evaluate the role performed by the professionalism of the teacherswork; to become interested in the taught contents analysis and the school practices.

    SCHOOL HISTORY; SCHOOL CULTURE; SCHOOL RULES AND PURPOSES; EDUCATORPROFESSIONALISM; TEACHING CONTENTS; SCHOOL PRACTICES.

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    Ao me pedir que proferisse uma conferncia no XV Congresso daAssociao Internacional de Histria da Educao, o professor AntnioNvoa cometeu a imprudncia de dar-me a liberdade de escolher o assun-to que eu proporia para a reflexo de vocs. Com efeito, eu lhe haviaobjetado enfaticamente que, nunca tendo sido, em nenhum momento daminha carreira, um historiador da colonizao, sentia-me totalmente in-capaz de fornecer elementos teis aos debates e pesquisas que vocs rea-lizariam durante esses trs dias. Falar da cultura escolar como objetohistrico repousa, ao mesmo tempo, sobre os limites das minhas prpriascompetncias e sobre a preocupao de abrir esta leitura de encerramen-to direcionando-a para o tema do Congresso que se desenvolver no pr-ximo ano em Amsterd e que se indagar justamente sobre os problemasdas trocas e transferncias culturais que se operam atravs da escola.Minha nica ambio aqui ser a de colocar algumas questes prelimina-res sem pretender, de modo algum, tratar todas as facetas de um assuntoque me parece, ao mesmo tempo, apaixonante, mas infinitamente difcilde tratar. Queiram, portanto, desculpar-me o aspecto exploratrio deminhas asseres1.

    necessrio, justamente, que eu me esforce em definir o que entendoaqui por cultura escolar; tanto isso verdade que esta cultura escolarno pode ser estudada sem a anlise precisa das relaes conflituosas oupacficas que ela mantm, a cada perodo de sua histria, com o conjuntodas culturas que lhe so contemporneas: cultura religiosa, cultura pol-

    tica ou cultura popular. Para ser breve, poder-se-ia descrever a culturaescolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensi-nar e condutas a inculcar, e um conjunto de prticas que permitem atransmisso desses conhecimentos e a incorporao desses comportamen-tos; normas e prticas coordenadas a finalidades que podem variar se-gundo as pocas (finalidades religiosas, sociopolticas ou simplesmentede socializao). Normas e prticas no podem ser analisadas sem se

    1 Deve-se desculpar o intenso carter francfono da bibliografia utilizada: razesde comodidade, de acesso e de tempo nos obrigaram a restringir nosso campo deinvestigao. No h dvida de que avaliamos plenamente os limites desta expo-sio, na qual mantivemos o estilo prprio da expresso oral.

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    levar em conta o corpo profissional dos agentes que so chamados aobedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedaggicosencarregados de facilitar sua aplicao, a saber, os professores primriose os demais professores. Mas, para alm dos limites da escola, pode-sebuscar identificar, em um sentido mais amplo, modos de pensar e de agirlargamente difundidos no interior de nossas sociedades, modos que noconcebem a aquisio de conhecimentos e de habilidades seno por inter-mdio de processos formais de escolarizao: aqui se encontra a escaladados dispositivos propostos pela schooled society que seria preciso anali-sar; nova religio com seus mitos e seus ritos contra a qual Ivan Illich selevantou, com vigor, h mais de vinte anos2. Enfim, por cultura escolar conveniente compreender tambm, quando isso possvel, as culturasinfantis (no sentido antropolgico do termo), que se desenvolvem nosptios de recreio e o afastamento que apresentam em relao s culturasfamiliares.

    Ousaria eu uma questo provocadora? Dispomos, hoje, de instru-mentos prprios para analisar historicamente esta cultura escolar? Fazuns vinte anos, as problemticas da histria da educao refinaram-seconsideravelmente, mas tambm desconheceram em grande parte, pare-ce-me, o estudo das prticas escolares. Na dcada de 1970, o estudosociolgico das populaes escolares, em diferentes nveis de escolarida-de, assim como a anlise do sucesso escolar desigual segundo as catego-rias socioprofissionais, conduziram numerosos historiadores, nas pegadas

    de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron (mas tambm na agitao dosacontecimentos de maio de 1968) a ver na escola apenas o meio inven-tado pela burguesia para adestrar e normalizar o povo, responsvel,portanto, sob o manto de uma igualdade abstrata, que veicula, intactas,as desigualdades herdadas, pela reproduo das heranas culturais e pelareposio do mundo tal qual ele 3. Nos anos 80, que assistiram, em

    2 Cf. Illich (1971); numa viso bastante diferente, fundada na teoria da motivao evisando na verdade o fortalecimento dos dispositivos escolares de um complexoeducativo (cit ducative), cf. T.Husn (1974). A bibliografia sobre este tema precisa e abundante.

    3 Esta interpretao encontra-se tambm na recente obra de M. Crubellier (1993).

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    vrios pases, comemorao das grandes leis que impuseram, no fim dosculo XIX, a obrigatoriedade escolar, essa mesma escola foi, pelo con-trrio, reabilitada como um triunfo ao mesmo tempo tcnico e cvico,fruto da imposio segura de uma pedagogia normativa. Em um e outrocaso, os autores realmente compartilham uma convico idntica: a deuma escola todo-poderosa, onde nada separa intenes de resultados.Trabalhando principalmente sobre textos normativos, os historiadores dapedagogia tenderam sempre a superestimar modelos e projetos e a cons-tituir, no mesmo lance, a cultura escolar como um isolamento, contra oqual as restries e as contradies do mundo exterior viriam se chocar:no colgio jesuta, as hierarquias das antigas ordens seriam substitudas,como por milagre, pela igualdade fundada no mrito individual, e os ru-dos da corte e da cidade no penetrariam nos ptios de recreio ou nassalas de aula; a escola de Jules Ferry teria sido inteiramente reservada formao de perfeitos republicanos. Esta viso um pouco idlica da po-tncia absoluta dos projetos pedaggicos conforma talvez uma utopiacontempornea. Ela tem muito pouco a ver com a histria socioculturalda escola e despreza as resistncias, as tenses e os apoios que os proje-tos tm encontrado no curso de sua execuo.

    De fato, para evitar a iluso de um total poder da escola, convmvoltar ao funcionamento interno dela. Sem querer em nenhum momentonegar as contribuies fornecidas pelas problemticas da histria do en-sino, estas tm-se revelado demasiado externalistas: a histria das idias

    pedaggicas a via mais praticada e a mais conhecida; ela limitou-se,por demasiado tempo, a uma histria das idias, na busca, por definiointerminvel, de origens e influncias; a histria das instituies educati-vas no difere fundamentalmente das outras histrias das instituies (querse trate de instituies militares, judiciais etc.). A histria das populaesescolares, que emprestou mtodos e conceitos da sociologia, interessou-se mais pelos mecanismos de seleo e excluso social praticados na

    escola que pelos trabalhos escolares, a partir dos quais se estabeleceu adiscriminao. de fato a histria das disciplinas escolares, hoje em

    preciso, sobretudo, perguntar-se sobre quais acordos foram estabelecidos entre acultura imposta do alto pelo Estado e a cultura popular.

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    plena expanso, que procura preencher esta lacuna. Ela tenta identificar,tanto atravs das prticas de ensino utilizadas na sala de aula como atra-vs dos grandes objetivos que presidiram a constituio das disciplinas, oncleo duro que pode constituir uma histria renovada da educao4. Elaabre, em todo caso, para retomar uma metfora aeronutica, a caixapreta da escola, ao buscar compreender o que ocorre nesse espao par-ticular.

    Minha proposta se limitar, por vrias razes, ao perodo moderno econtemporneo, isto , o perodo compreendido entre os sculos XVI eXIX: razes de competncia primeiramente, mas tambm por trs razesao menos, melhor fundadas sobre o plano epistemolgico.

    1. O sculo XVI v a realizao de um espao escolar parte, comum edifcio, um mobilirio e um material especficos: o que verda-deiro para as universidades desde o sculo XV prolonga-se nestemomento no colgio, que hoje chamamos secundrio. Basta refletirsobre as exigncias materiais manifestadas pelos jesutas no mo-mento em que eles se vem encarregados, por determinao da ad-ministrao de determinada municipalidade, de um estabelecimentoescolar, e tambm sobre a proximidade das plantas utilizadas, quetorna ainda hoje reconhecvel, no espao urbano contemporneo, oantigo colgio da Companhia (cf. Vallery-Radot, 1960). Quanto escola elementar, tem-se a impresso de que as instituies de cari-

    dade tiveram um papel pioneiro, a partir do sculo XVIII: nos Pa-ses Baixos, as escolas diaconais dos pobres e os orfanatos tiveramassim, relativamente cedo, seu equipamento especfico; na Frana,as escolas urbanas dos Frades das Escolas Crists dispunham deum local e de um mobilirio apropriados ao ensino simultneo eJean-Baptiste de La Salle inspirou-se, em suas diretivas, nas expe-rincias realizadas nas escolas das parquias-piloto da capital, a

    partir do sculo XVII. verdade que as escolas de caridade consti-tuam apenas uma minoria e que a existncia de um espao escolar

    4 Cf. Jean Hbrard (1988),Pour une histoire des disciplines scolaires, Histoirede lducation, n. 38, maio.

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    autnomo s foi obtida, no conjunto das escolas primrias, no de-correr do sculo XIX.

    2. O perodo moderno e contemporneo v instaurar-se a mudanadecisiva dos cursos em classes separadas; cada uma delas marcauma progresso de nvel. De incio, utilizado pelos Frades da ViaComum dos Pases Baixos, o sistema foi retomado pela Universida-de de Paris, de onde seu nome modus parisiensis (cf. Mir, 1968),mais tarde difundido tanto nos ginsios protestantes dos pasesgermnicos (cf. Schindling, 1977, 1984; Maffei & De Ridder-Symoens, 1991) como na Companhia de Jesus, que aderiu a essesistema desde o incio. Na Inglaterra, o ensino humanista se desen-volveu, aps a dissoluo, pela Reforma, dos monastrios e dascapelas (chantries), com a fundao das grammar schools que semodelaram pelas experincias feitas na St. Pauls School por JohnCollet e nos colgios de Oxford e Cambridge, a partir das primeirasdcadas do sculo XVI (cf. Simon, 1966).

    3. a partir do sculo XVI que nascem os corpos profissionais quese especializaram na educao: eles podiam tomar a forma decorporaes ou de congregaes religiosas. A partir do fim do scu-lo XVIII, quando os Estados ilustrados entendem que necessrioretomar da Igreja o controle tanto do ensino das elites como do en-sino do povo, a formao profissional dos educadores torna-se umaprioridade reconhecida como o atesta, segundo cronologias diversi-

    ficadas, o estabelecimento de escolas ditas normais, nascidas,primeiramente, em torno do monastrio dos cnegos agostinhos deSagan, cujo abade era Ignace Felbiger e desenvolvidas, em seguida,no conjunto dos pases da coroa austro-hngara (AllgemeineSchulordnung fr die deutschen Normal-, Haupt-, undTrivialschulen in den smtlichen Kaiserlich-KniglichenErblanden,Vienne, 1774;Ratio Educationis totiusque rei literariae

    per regnum Hungariae et provincias eidem adnexas, Vienne 1777),antes de se estender ao conjunto da Europa.

    Estes trs elementos, espao escolar especfico, cursos graduados emnveis e corpo profissional especfico, so essenciais constituio de

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    uma cultura escolar e justificam, portanto, a restrio cronolgica queme impus.

    Uma Questo Preliminar: Quais Fontes de Arquivos?

    Antes de tocar no ponto central do assunto, convm, entretanto, fazeruma ltima questo. A partir de quais elementos e como podemos exami-nar a cultura escolar de maneira rigorosa? O historiador da educao temfreqentemente oscilado entre duas afirmaes contrrias e igualmentefalsas: ou declara que no h inovao pedaggica, j que sempre podedescobrir os antecedentes de uma nova idia ou de um novo procedimen-to, pois tudo j existia desde o comeo do mundo, sob o mesmo sol; ou,pelo contrrio, ele ressalta a novidade das idias de um determinado pen-sador em relao aos seus predecessores ou a originalidade absoluta quetal iniciativa pedaggica representaria. Por serem simplistas, estas afir-maes no tm propriamente sentido algum. Convm, pelo contrrio, acada vez, recontextualizar as fontes das quais podemos dispor, estar cons-cientes de que a grande inrcia que percebemos em um nvel global podeestar acompanhada de mudanas muito pequenas que insensivelmentetransformam o interior do sistema; convm ainda no nos deixarmos en-ganar inteiramente pelas fontes, mais freqentemente normativas, quelemos. A histria das prticas culturais , com efeito, a mais difcil de se

    reconstruir porque ela no deixa trao: o que evidente em um dadomomento tem necessidade de ser dito ou escrito? Poderamos pensar quetudo acontece de outra forma com a escola, pois estamos habituados aver, nesta, o lugar por excelncia da escrita. Ora, os exerccios escolaresescritos foram pouco conservados: o descrdito que se atribui a este g-nero de produo, assim como a obrigao em que periodicamente seacham os estabelecimentos escolares de ganhar espao, levaram-nos a

    jogar no lixo 99% das produes escolares (cf. Chervel, 1988). Na Fran-a, para a totalidade do Antigo Regime, chegaram-nos s mos somenteseis pacotes de deveres escolares do colgio jesuta de Louis-le-grand, deParis, realizados por volta de 1720, devido a um acaso inteiramente ex-cepcional: o antigo bibliotecrio do colgio, precisando de papel para

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    escrever um Comentrio do Cntico dos Cnticos e uma obra consagra-da liturgia, abasteceu-se com provas de traduo e de verso em latim,e de versos latinos, no verso das quais pde escrever (cf. Compre &Pralon-Julia, 1992). Em relao ao sculo XIX, somente atravs das c-pias de exames ou de concursos que podemos esperar reconstituir umahistria das prticas escolares em vigor e da apropriao, feita pelosalunos, dos conhecimentos disciplinares ministrados: cpias do Concur-so Geral, onde se confrontavam os melhores alunos dos colgios reais(transformados em liceus), foram conservadas, assim como as verseslatinas do exame de baccalauratfeitos nas Faculdades de Letras5. Quantoaos ditados da escola primria da Terceira Repblica, deve-se a conser-vao de alguns milhares deles mania de um inspetor que, no decorrerde suas inspees, propunha o mesmo texto aos alunos das classes quevisitava e os reunia aos relatrios que endereava ao ministro (cf. Chervel& Manesse, 1989a, 1989b). Andr Chervel, o autor que encontrou o lotede ditados da Terceira Repblica que dormiam nos Arquivos Nacionaisde Paris, ressaltou de modo pertinente, antes de analisar as faltas cometi-das pelos alunos, todos os vieses que caracterizam a amostra constitudapor esse inspetor que, devido ao estado das comunicaes ferrovirias,s visitava as comunidades menos isoladas do territrio, por definiomais abertas modernidade. No certo, infelizmente, que as cpias dosalunos estejam melhor conservadas no sculo XX, em razo tanto daexpanso da escolarizao para o conjunto da sociedade quanto da exi-

    gidade dos locais escolares, a despeito do interesse que atualmente psi-clogos e socilogos da educao demonstram por este gnero (cf. Lahire,1994; Beaud, 1994): regularmente, como se diz, preciso arranjar es-pao e os documentos no so nem mesmo transferidos para depsitosde arquivos que deveriam legalmente receb-los. Seria conveniente, emcada um dos pases que representamos, fazer uma coleta similar de docu-mentos idnticos, perguntando-nos a cada vez sobre a representatividade

    que lhes podemos atribuir.

    5 Relativo ao Concurso Geral, ver Biblioteca da Universidade de Paris, ms n 1538-1546 (provas premiadas de 1809 a 1821) e Arquivos Nacionais AJ 16630-678 (provasdo perodo 1882-1903); para as verses latinas do vestibular, cf. A. Chervel (1994).

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    Sem dvida, no devemos exagerar o silncio dos arquivos escolares.O historiador sabe fazer flechas com qualquer madeira: quanto ao sculoXIX , por pouco que procure e que se esforce em reuni-los, os cadernosde notas tomadas pelos alunos (mesmo sendo grande o risco de se veremconservados apenas os mais bonitos deles) e os cadernos de preparaesdos educadores, no so escassos6 e, na falta destes, pode-se tentarreconstituir, indiretamente, as prticas escolares a partir das normas di-tadas nos programas oficiais ou nos artigos das revistas pedaggicas.Mas estamos menos equipados para perceber as diferenas diversassegundo as classes sociais de origem que separam as culturas familia-res ou profissionais da cultura escolar. Os estudos quantitativos sobre astaxas de alfabetizao que se multiplicaram no curso dos ltimos anos,seja a partir das assinaturas por ocasio de casamentos, seja a partir dosdados de recenseamentos nacionais so extremamente preciosos, mas nonos fornecem elementos para responder s questes que nos colocamoshoje: a assinatura um teste frgil que no pode nos dar mais do que elatraz. A colocao em srie destas assinaturas segundo a longa duraopermitiu estabelecer uma cronologia dinmica das distribuies geogr-ficas regionais, das reparties entre cidade e campo, entre classes so-ciais, entre profisses, entre sexos; essa colocao em srie fez ao mesmotempo emergir os grandes fatores econmicos que facilitam ou dificultamo acesso escrita. Todas essas aquisies so capitais (cf. Julia, 1993).

    A assinatura, porm, no nos diz nada e no pode nos dizer nada

    sobre o como da apropriao lxica, nem sobre os nveis de leitura atin-gidos por cada um. De fato, para especificar as culturas familiares, con-vm dirigir-se a outras fontes: nas regies onde a alfabetizao progrediusuficientemente, multiplicam-se, no sculo XIX e s vezes bem antes,embora tais textos no tenham sido necessariamente conservados , asautobiografias de camponeses e operrios que, ao se tornarem novosleitores, adquiriram o domnio da escrita para contar seus prprios itine-

    rrios: a organizao de tais documentos em srie permite-nos medir olugar do livro e das prticas de leitura no foro familiar, nos meios onde,

    6 Para uma identificao sumria das riquezas conservadas na Frana cf. A.Sentilhes(1992) e D. Julia (1992).

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    a priori, as taxas de alfabetizao nos teriam impedido de imagin-lo eavaliar tambm o desejo ou a recusa da escola nesses meios (cf. Hbrard,1985, 1991). Na pesquisa que Jacques Ozouf realizou com 4000 milprofessores primrios franceses que ainda estavam vivos na dcada de1960 e que tinham exercido sua profisso antes da Primeira Guerra Mun-dial, o autor pde mostrar que, se os professores primrios da TerceiraRepblica so oriundos de meios modestos (artesos, camponeses, co-merciantes), seus pais (nascidos por volta de 1850) eram em geral muitomais alfabetizados que o conjunto de suas categorias sociais, e que emsuas famlias havia mesmo um desejo de escola, compartilhado por paise filhos, que permitiu a ascenso social em direo profisso, entomuito dignificada, de professor primrio (cf. Ozouf et al.,1992). Seriapreciso, naturalmente, poder dispor de pesquisas similares sobre outrosmeios para esclarecer os respectivos graus de proximidade e dedistanciamento das diferentes famlias com relao instituio escolare, se possvel, de maneira diacrnica.

    verdade que estamos bem menos informados sobre os sculos an-teriores. Se as autobiografias espirituais dos puritanos ingleses, analisa-das em srie, permitem-nos retraar com preciso as etapas da entradade seus autores na escrita, em uma atmosfera familiar onde a leitura daBblia tem uma importncia capital (cf. Spufford, 1979), estamos redu-zidos, em outros lugares e particularmente em pases catlicos aretomar os textos literrios oferecidos pelas descries de aulas (mas

    que tipo de veracidade atribuir transposio literria?)7

    ou as mem-rias de personagens cuja trajetria , sob todos os pontos de vista, excep-cional. Tal como a de Valentim Jamerey-Duval, pequeno campons iletradode Auxerrois, nascido no incio do sculo XVIII que, tendo fugido deuma madastra particularmente severa, terminar sua vida como bibliote-crio do imperador em Viena, depois de uma errncia autodidata, que oconduziu da sua cidade natal s florestas da Lorena, onde ele aprende a

    ler por intermdio de seus companheiros pastores. Tendo chamado a aten-

    7 Cf. a descrio do professor de Nitry, pequena cidade de Auxerrois, feita por Rtifde La Bretonne (1778) e, do mesmo autor (1796), a descrio da aula de leituraem Sacy.

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    o do duque da Lorena durante uma caada, foi enviado Universidadede Pont--Mousson para a fazer seus estudos de lngua e literatura greco-latinas, isto , para terminar sua aculturao no mundo dos letrados (cf.Jamerey-Duval, 1981; Hbrard, 1985). Mas se tal percurso pode serinteressante pela sua prpria estranheza, no podemos evidentementeatribuir-lhe uma representatividade que no possui. Se verdade, noentanto, que os documentos no so abundantes para os perodos anti-gos, certo que os historiadores os procuraram com a tenacidade de-monstrada por Armando Petrucci na Itlia, reconstituindo, a partir daanlise paleogrfica do registro de contas de uma salsicharia do bairrodo Trastevere, em Roma, as prticas de escrita utilizadas nos meios daCidade Eterna no sculo XVI: com efeito, os prprios clientes escreviamo reconhecimento de suas dvidas nesse registro (cf. Petrucci, 1978).Como repetia incansavelmente Armando Momigliano, as fontes podemser encontradas se temos a tenacidade de ir procur-las.

    Aps esta recapitulao sumria das fontes utilizveis pelo historia-dor, que constituem apenas uma fina pelcula em relao a todos os tex-tos que foram realmente produzidos, gostaria de desenvolver minhaexposio segundo trs eixos que parecem vias particularmente interes-santes de serem seguidas para o entendimento do objeto do qual nosocupamos hoje : a primeira via seria interessar-se pelas normas e pelasfinalidades que regem a escola; a segunda, avaliar o papel desempenha-do pela profissionalizao do trabalho de educador; e a terceira, interes-

    sar-se pela anlise dos contedos ensinados e das prticas escolares.

    Anlise das normas e das finalidadesque regem a escola

    No existe na histria da educao estudo mais tradicional que o dasnormas que regem as escolas ou os colgios, pois ns atingimos mais

    facilmente os textos reguladores e os projetos pedaggicos que as pr-prias realidades. Gostaria de insistir somente sobre dois pontos: os textosnormativos devem sempre nos reenviar s prticas; mais que nos temposde calmaria, nos tempos de crise e de conflitos que podemos captarmelhor o funcionamento real das finalidades atribudas escola.

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    Um exemplo: a elaborao doRatio studiorum jesuta

    Sobre o primeiro ponto, me limitarei a tomar o exemplo de um textoque teve uma difuso europia; trata-se doRatio studiorum jesuta, cujaedio definitiva apareceu em 1599 e serviu de norma aos colgios at asupresso da Companhia em 17738. primeira vista, oRatio apenasmais um dos inumerveis programas de estudos e de lies que foramabundantes no curso do sculo XVI, detalhando para cada classe autoresa serem estudados, partes da gramtica a serem aprendidas, exerccios a

    serem feitos. E, deste ponto de vista, pertence a um gnero bem estabele-cido do qual herdeiro. Mas a originalidade doRatiojesuta deve-se lentido de sua elaborao: alm do fato de que duas verses sucessivas,de 1586 e de 1591, circularam atravs de diversas regies antes da publi-cao do texto definitivo de 1599, cinqenta anos separam as primeirasregras do colgio de Messina, editadas pelo Padre Nadal em 1548, mes-mo que as Constituies da Companhia tivessem expressamente previsto

    a redao de um texto regulamentar destinado a unificar os modus agendidosjesutas9. Ao menos duas razes do conta da lentido do processode redao: a primeira que o objetivo perseguido nunca foi o de imporde cima para baixo uma norma cuja execuo, no mais, teria sido proble-mtica, mas o de elaborar um texto o mais prximo possvel das expe-rincias confrontadas. necessrio lembrar o papel primordial, no interiorda Companhia, da correspondncia, cujas regras foram codificadas mui-

    to cedo e que tende a tomar o lugar ocupado pelo ofcio divino nas anti-gas ordens religiosas10. por esta correspondncia contnua, como pelas

    8 As diferentes verses do Ratio studiorum jesuta foram reeditadas pelo PadreLadislas Lukcs (1986).

    9 O conjunto de textos pedaggicos da Companhia atualmente objeto de uma

    reedio crtica organizada pelo Padre Ladislas Lukcs, da coleo publicadaem RomaMonumenta Paedagogica Societatis Iesu: sete volumes foram publica-dos entre 1965 e 1992.

    10 Cf. as cartas de Igncio de Loyola a Pierre Favre, 10 de dezembro de 1542, aNicolas Bobadilla, 1543, a toda a Companhia de Jesus, 27 de julho de 1547,traduzidas em francs (Giuliani, 1991).

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    inspees regulares dos padres visitadores (e a circulao dos prpriospadres entre as regies, ainda muito forte no sculo XVI), que se pderealizar uma unificao das prticas. A segunda razo da lentido daredao doRatio o extraordinrio crescimento da Companhia no sculoXVI, que passa de um pouco mais de mil membros na ocasio da mortede Incio de Loyola, em 1556, para mais de oito mil em 1600 e tornamais complexa tanto a troca de informaes como a unificao desejada(cf. Lukcs, 1960-1961, 1968). De fato, a redao final ser fruto dareleitura do conjunto dos textos normativos relativos aos estudos produ-zidos, seja em Roma, seja nas provncias da Companhia, por uma comis-so internacional de seis padres jesutas, e o texto definitivo de 1599 serpublicado somente aps a verso de 1591 ser colocada prova (adexperimentum) por trs anos, no conjunto dos colgios, levando-se emconta a recepo e as observaes vindas das provncias.

    Eu no entraria nos detalhes das modificaes que podem ser indicadasentre as diversas verses doRatio, mas vou reter uma nica mudana queme parece particularmente significativa. Entre a verso de 1586 e a de1591, o plano foi completamente alterado. Na primeira, o plano se desen-volve segundo obrigaes a cumprir, isto , segundo o currculo das au-las: trata-se de um programa de lies e de exerccios graduados queparte do curso de teologia para chegar na infima grammatica, isto , amais simples aula de gramtica. Na segunda verso, a de 1591, e tambma de 1599, o plano se desdobra segundo as funes de cada jesuta no

    interior dos dispositivos de estudo, desde o papel do provincial at ohumilde ofcio do porteiro, passando pelo prefeito (diretor) de estudos:aqui estabelecida uma hierarquia de funes e de poderes especializa-dos, que se imbricam uns nos outros segundo uma arquitetura comple-xa, mas extremamente precisa. O que aconteceu entre os dois textos?Pode-se certamente invocar a dupla genealogia dos textos regulamenta-res jesutas; uns, consagrados s lies e aos programas, outros, encar-

    regados de definir as funes atribudas a cada membro da Companhia.Mas necessrio, sobretudo, recorrer a todo o movimento de reflexoque se desenvolveu em seguida crise que se abateu sobre os colgios eas dificuldades experimentadas quando se tentou manter no interior dascomunidades jesutas o entendimento entre os regentes e a disciplina. Pouco

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    a pouco, ao longo das experincias de revolta ou de abandonos, emergiua evidncia de que o colgio no somente um lugar de aprendizagem desaberes, mas , ao mesmo tempo, um lugar de inculcao de comporta-mentos e de habitus que exige uma cincia de governo transcendendo edirigindo, segundo sua prpria finalidade, tanto a formao crist comoas aprendizagens disciplinares11. Donde a figura progressivamente cen-tral do diretor dos estudos que permanece, entretanto, subordinado aosuperior; donde, no interior de cada estabelecimento, esta imbricaohierarquizada de poderes especializados definindo a esfera de interven-o prpria de cada um. Donde, enfim e isto particularmente verda-deiro para os estabelecimentos com pensionistas , a necessidade demunir-se de um conhecimento psicolgico sobre as crianas extrema-mente detalhado para reconhecer no somente o nvel intelectual em quese encontra cada uma delas, mas tambm a sua natureza, a fim de sabercomo agir apropriadamente sobre cada uma12. A cultura escolar desem-boca aqui no remodelamento dos comportamentos, na profunda forma-o do carter e das almas que passa por uma disciplina do corpo e poruma direo das conscincias. A anlise das congregaes marianas fun-dadas pelos jesutas a partir de seus colgios mostrou o papel essencialque estes grupos de piedade organizada desempenharam para umacatolicizao profunda da Europa central (cf. Chtellier, 1987).

    A evoluo mesma doRatio nos remete, portanto, s prticas que aexperincia progressivamente legitimou nos colgios. necessrio, so-

    bretudo, imaginar nesta, um texto normativo que teria sido aplicado demaneira uniforme de Lisboa a Viena ou de Bruxelas a Roma. Se verda-de que a circulao dos textos, como a circulao dos homens, favorece-ram a constituio de um modus agendi comum ao conjunto do corpo daOrdem, a regra de ouro de Incio de Loyola o que alis, faz a fora daCompanhia , foi sempre a lei da adaptao aos lugares e s circunstn-

    11 Cf. particularmente as Constituies do Colgio Germnico de Roma, redigidaspelo padre G. Cortesono (Lukcs, 1974, t.2, pp. 864-934).

    12 Cf. particularmente o tratado do Padre M. Lauretano, diretor de estudos de lnguae literatura greco-latinas no Colgio Germnico de Roma sobre a maneira de go-vernar o dito colgio (Lukcs, 1974, t.2, pp. 934-953).

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    cias: toda uma srie de regras prprias a cada provncia ou Assistncia(Alemanha, Itlia, Espanha), foram, alis, explicitamente mantidas; pro-va de que uma diversidade podia ser tolerada no interior do corpo, contantoque as diretrizes gerais fossem aceitas (cf. Lukcs, 1986).

    Projetos pedaggicos e realidade histrica

    A abordagem que acabamos de fazer mostra bem o quanto seriafalso imaginar o universo jesuta como um mundo fechado, fechado aosrudos do exterior, e isto me leva a abordar a segunda pista de trabalhoque gostaria de propor para reflexo: temos sempre tendncia, ao ler-mos textos normativos ou projetos pedaggicos, de destacar a tentaototalitria, ou ao menos englobante de todo o ser da criana, que oscaracteriza. Mas os tempos de crise nos revelam tambm o quanto, aomenos at a aurora do sculo XX (fao esta restrio porque, vocscompreenderam bem, sou um historiador de perodos mais antigos), re-sistncias e contradies atravessaram a aplicao dessas ambies. Sejao caso da instaurao da instruo primria obrigatria que foi realiza-da em diferentes pases da Europa , em diferentes momentos do sculoXIX: esta construiu-se mais freqentemente ligada a um projeto polticoque visa a associar cada cidado ao destino da nao qual pertence.No se trata somente de alfabetizar, trata-se de forjar uma nova cons-cincia cvica por meio da cultura nacional e por meio da inculcao de

    saberes associados noo de progresso. Os professores primriostornam-se funcionrios do Estado que se emancipam progressivamenteda tutela dos padres e dos notveis locais, sendo encarregados de difun-dir as luzes trazidas pelo advento das cincias. Como vocs todos sa-bem, o estabelecimento desta nova escola primria no se realizoupacificamente, e eu no preciso detalhar aqui a violncia dos combatesque pontuaram as lutas das Igrejas e dos Estados neste terreno. que,

    no momento em que uma nova diretriz redefine as finalidades atribudasao esforo coletivo, os antigos valores no so, no entanto, eliminadoscomo por milagre, as antigas divises no so apagadas, novas restri-es somam-se simplesmente s antigas. Donde as insolveis contradi-es nas quais se exerceu o trabalho do professor primrio, que constituem

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    seu espao de reflexo e de ao e o preservam dos totalitarismos insti-tucionais construdos sobre a convergncia de todos os meios em dire-o a um fim nico. Os professores primrios republicanos da RevoluoFrancesa ensinavam a ler usando a Declarao dos Direitos do Homem,a Constituio, mas tambm, sob a presso das famlias, as preces cris-ts e o catecismo (cf. Kennedy & Netter, 1981). A pesquisa desenvolvi-da por Jacques Ozouf junto aos professores primrios da TerceiraRepblica mostra a que ponto o testemunho destes desmente os estere-tipos que foram complacentemente difundidos por seus adversrios: elesesto conscientes dos limites do seu saber, longe de ser uma falangearrogante, agressiva e sectria; eles medem prudentemente seus atos emseu campo de atuao, distinguindo muito bem o possvel do desejvel etomando, por vezes, suas liberdades diante das diretrizes oficiais, quan-do elas no lhes parecem aplicveis; eles no foram nem agentes de umgenocdio cultural nem de uma cruzada anti-religiosa, mesmo se suasposies, ao mesmo tempo polticas e sociais, em seus vilarejos fixam-nos em um papel predeterminado frente ao proco. Enfim, a experinciade ensino cotidiano ensinou-lhes que, mesmo no mais intenso de suasesperanas, a escola no pode fazer tudo: a obrigatoriedade escolar co-locou-os em presena do xito, que lhes agrada obviamente evocar; mastambm frente ao fracasso (cf. Ozouf et al., 1992). Poderamos certa-mente mostrar como, atualmente, a redefinio das finalidades da esco-la, que elimina cada vez mais as fronteiras da escola primria e do colgio,

    na maior parte dos pases europeus, prolongando a obrigatoriedade es-colar e desembocando, ao mesmo tempo, em um prolongamento dosestudos gerais e no desenvolvimento das formaes profissionais na ins-tituio escolar, tambm implica conflitos, confrontos e debates relacio-nados manuteno dos valores e das finalidades antecedentes.

    A profissionalizao dos professores

    Na anlise histrica da cultura escolar, parece-me de fato funda-mental estudar como e sobre quais critrios precisos foram recrutadosos professores de cada nvel escolar: quais so os saberes e o habitusrequeridos de um futuro professor? Sobre este ponto, um estudo sobre a

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    longa durao e no apenas sobre a curta durao permitiria, sem dvi-da, medir melhor as heranas e as modificaes que se operam no decor-rer das geraes. Limito-me a destacar duas etapas importantes desteprocesso.

    Uma das primeiras figuras desta profissionalizao ocorre quando aantiga Cristandade se desmembra em confisses plurais e, nos pasescatlicos, na dinmica que segue o Conclio de Trento: ser cristo no mais, como nos sculos passados, somente pertencer a uma comunida-de, manifestando-se como tal, mas ser capaz de proclamar pessoalmenteas verdades da f e ser instrudo sobre as verdades de sua religio. Nstemos, alis, refletido o bastante sobre a mutao fundamental que umatal definio pde representar? Para dar apenas um exemplo, quando,no sculo XVIII, nos vilarejos da bacia parisiense, procos jansenistastotalmente imbudos de cultura urbana requisitaram de suas ovelhasiletradas um enunciado mnimo das verdades teolgicas para poderemter acesso comunho e estabelecer, com a mesma medida, uma espciede exame de passagem, com seu lote de fracassos, eles excluem da so-ciedade dos adultos os jovens que tm entre quinze e dezoito anos. Orecurso contra esta discriminao humilhante foi, por vezes, ocasio deuma misso jesutica, no decorrer da qual os sacramentos eram distri-budos com maior indulgncia; segue-se que, bem antes da obrigatoriedadeescolar do sculo XIX, colocada uma questo que continua extrema-mente atual: se a pertena a uma comunidade passa pelo domnio de um

    saber (aqui, catequtico), que destino se deve reservar queles que nose consegue instruir? E a intransigncia quanto ao nvel de exignciano levar rejeio dos mais desfavorecidos? (cf. Julia, 1988; Boutry,1986). De resto, a rejeio no unilateral, mas recproca, pois aquelesque a religio rejeita estaro entre os primeiros a rejeit-la: as regiesfortemente marcadas pelo jansenismo foram tambm aquelas entre asquais a descristianizao foi mais forte. Seria conveniente analisar,

    sob este mesmo ponto de vista, os efeitos acarretados, do lado luteranoou calvinista, pela prtica, muito precoce e ela atestada desde ossculos XVI e XVII do exame feito na frente do pastor antes da confir-mao; os pastores na verdade se perguntam: todos devem ser admiti-dos? Que cristos sero esses que no sabem ler ou que, sabendo ler,

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    no compreendem o que lem?13. A importncia concedida pela doutrinapietista confirmao, nas igrejas luteranas, como afirmao pblicade uma convico interior diante da comunidade reunida, no s refor-ou a presso em favor da obrigatoriedade escolar, mas tambm de umamaior visibilidade do fracasso (cf. Liedtke, 1991).

    No sculo XVI, na conjuntura da reconquista religiosa que se incen-tiva, seja do hertico, seja do selvagem do Novo Mundo, no pois es-pantoso que, no seio da Igreja catlica, as ordens religiosas missionriastenham-se investido das tarefas de ensino que devem atingir a totalidadedos fiis: as elites e o povo. Mas se notar imediatamente a diviso que seopera desde cedo nos meios moderados, onde j se pode observar umprimeiro corte entre o que um ensino elementar no sentido prprio dotermo (os elementos da f) e o que uma instruo voltada para a forma-o superior: a misso, pregao extraordinria que retorna, no entanto,em intervalos regulares, a modalidade escolhida para atingir o conjuntode uma populao em que todas as idades esto misturadas (cf. Chtellier,1993); o colgio destina-se s futuras elites e os jesutas sempre manifes-taram a maior reticncia em admitir em seus colgios as classes ditas deabecedrios, julgando que tal ensino dos rudimentos no estava previstopor suas funes. No nos esqueamos de que um dos principais objeti-vos de Incio de Loyola a recatolicizao da Alemanha: esta passa poruma reconquista da nobreza alem14 ; donde a preocupao de competi-o intelectual que visa a fazer dos colgios jesutas alemes universida-

    des completas, nas quais a qualidade dos ensinos ministrados deveria ser,ao menos, igual das universidades luteranas. No podemos nos espan-tar com o fato de que, muito cedo, as congregaes que ensinam nos

    13 Cf. a ttulo de exemplificao, o catlogo dos alunos da parquia de Lebus naPrssia, redigido em 1779 pelo pregador Baumann: dentre 34 alunos de 14 a 15anos que se preparavam para a confirmao, 4 no conheciam as letras, 9 sabiamsoletrar com dificuldade, 15 liam gaguejando e de maneira quase sempre incorre-ta; 6 liam com dificuldade e sem compreender (texto publicado por W. Neugebauer,1992).

    14 Cf. A carta de Incio de Loyola aos Companheiros que partem para a Alemanha,24 de setembro de 1549 (Giuliani, 1991, pp.757-762); carta a Claude Jay, 8 deagosto de 1551 (Giuliani, 1991, pp. 793-795); carta a Albert V, duque da Baviera,22 de setembro de 1551, Giuliani, 1991, pp. 798-801).

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    colgios tenham estabelecido em seu proveito uma identificao sistem-tica das capacidades suscetveis de oferecer ao corpo da Ordem as com-petncias apropriadas ao ensino: as Constituies da Companhia de Jesusprevem, antes do ingresso, um exame geral que comporta uma anlisedas qualidades intelectuais dos candidatos jesutas, e elas sublinham anecessidade de desencorajar, no decorrer do curso, os que no sejam ca-pazes de segui-lo, estando a Companhia de Jesus sempre livre para recu-sar, at os votos finais, aqueles que ela no considere adequados s tarefasde sua vocao. Os catlogos trienais, compostos em cada provncia eencaminhados a Roma, julgam alis, regularmente, o ingenium (inteli-gncia), a prudentia (perspiccia), a pietas (devoo) e as vires (querdizer, a sade) de cada membro, instituindo assim um controle de cadaum deles, pelas autoridades centrais. Entre os oratorianos franceses, osregistros do noviciado, onde so detalhadas as qualidades dos novios,mantm quatro critrios: alm das qualidades fsicas (um candidato quemanca ou que gagueja ser mais dificilmente aceito), entra em jogo ainclinao para as cincias (os espritos obtusos ou pequenos noso particularmente apreciados, contrariamente aos espritos abertosou geis). Mas tambm entram em jogo a natureza (a um carter som-brio ou melanclico ser prefervel uma natureza doce ou dcil) enaturalmente a piedade, o que parece, depois de tudo, bem normal, emuma congregao cuja finalidade primeiramente religiosa. Quanto aomodo de recrutamento dos professores do colgio na antiga universidade

    de Paris, que no uma congregao religiosa e que antes funciona comouma corporao medieval, ele assemelha-se a uma formao preceptoral:cabe ao principal de cada colgio identificar os melhores elementos, ret-los no colgio e ensinar-lhes o ofcio progressivamente , dando-lhes pro-vas para corrigir, exerccios a fazer ou aulas para substituir, antes deestabelec-los definitivamente em uma ctedra. Aqui tambm entram emjogo, segundo matizes variveis e difceis de documentar, no somente a

    competncia, mas tambm o carter, a piedade e os costumes (cf. Julia,1994).Com relao a essas corporaes que se propem a construir ou a

    manter uma sociedade catlica por meio da educao e enquadramentode suas elites, a figura do mestre de escola elementar e particularmente a

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    do mestre do campo continuaram pouco profissionalizadas por muitotempo. Em pases catlicos, pelo menos, a aprendizagem das verdades dasalvao pde ser feita por via puramente oral, atravs de um catecismoaprendido de cor, freqentemente mesmo em dialeto, posto que a Igreja,diferentemente dos Estados, privilegia a lngua verncula local em detri-mento da lngua imposta pelo poder central: que necessidade ento de umprofessor, se no se faz sentir a necessidade da escrita? A forma propria-mente escolar, com um local separado da igreja e um pessoal apropriado,no , portanto, consubstancial ao ensino da doutrina, que pode servir-sede canais menos formais. Por outro lado, a competncia desses professo-res elementares dependeu largamente no s do nvel de exigncia mani-festada pelas municipalidades, que os remuneravam, como tambm daimportncia dos honorrios que elas podiam pagar. J que nenhuma for-mao inicial comum lhes era dada, certamente preciso admitir umaextrema heterogeneidade desse pessoal, que se dedicava, freqentemente,a outras atividades. A preocupao de pr fim errncia das crianaspobres da cidade e exercer um controle sobre seus comportamentos, quepodiam ser delituosos, desencadeia, no fim do sculo XVII, a criao deuma figura original: o irmo-professor. Jean Baptiste de La Salle podebem ser considerado um inovador incmodo, que rompe com a tradiodas congregaes religiosas quando decide fundar um instituto de lei-gos os Irmos das Escolas Crists no so padres que se excluem,por vocao, da cultura das elites para se consagrarem s escolas de

    caridade destinadas aos mais pobres: eles no ensinaro o latim, massomente os rudimentos do ler, do escrever e do contar e eles o faro emfrancs. Para essas categorias urbanas desfavorecidas, entre as quais aescrita no tinha penetrado ou tinha pouca penetrao a formao deum habitus cristo ser baseada em uma pedagogia escolarizada nosmnimos detalhes: emprego do tempo, curso gradual de aprendizagem daleitura e da escrita, tecnologias de transmisso e de disciplina, centros de

    formao para os mestres. Mas sabe-se bem, ao mesmo tempo, o quantoesta nova figura do mestre de escola continuou minoritria no AntigoRegime. Um contra-exemplo disso fornecido pela congregao das Es-colas Pias estabelecida por Joseph Calasanz para o mesmo objetivo doInstituto dos Irmos das Escolas Crists. Posto que seu fundador no

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    havia expressamente proibido que seus membros fossem padres, no es-capou deriva que a levou a responsabilizar-se por colgios e pensionatospara a elite, notadamente na Europa Central.

    Nos pases protestantes, a situao pde variar consideravelmente,segundo os Estados. A Reforma luterana funda-se, no entanto, na idiade que os Estados devem criar e manter as escolas: com efeito necess-rio, como lembra Melanchthon, ensinar s crianas os princpios de umavida crist e piedosa. Sabe-se o papel decisivo desempenhado peloPraeceptor Germaniae na inspirao das Schulordnungen, nos diferen-tes Estados alemes no sculo XVI; a Schulordnung editada para Saxe(1528) serviu de modelo para a maioria das demais15. Sem dvida, ainfluncia dos reformados foi mais sensvel na instalao das escolaslatinas que no estabelecimento de um ensino elementar; isto no impediuque a Reforma favorecesse largamente o desenvolvimento de um controleregular das escolas e dos mestres pelas autoridades laicas, o que pde,por sua vez, favorecer a emergncia de um perfil profissional. Aqui, preciso permanecer extremamente prudente, distinguir entre mestres dacidade e mestres do campo, entre grandes e pequenos Estados. SegundoW. Neugebauer, que estudou a Prssia entre os sculos XVI e XVII, oEstado Moderno no tinha os meios para impor uma poltica escolar: adespeito da legislao, as escolas permaneceram sob o controle das auto-ridades locais e em grande parte nas mos do clero at o fim do sculoXVIII; devido mediocridade de seu salrio, o professor primrio rural

    era condenado a exercer uma atividade paralela, sendo ela, na maioriados casos, a de alfaiate (Neugebauer, 1985). No certo, entretanto, queos resultados obtidos para a Prssia possam ser generalizados para oconjunto da Alemanha: a fragmentao territorial em mltiplos principa-dos, freqentemente minsculos, que muitas vezes foi considerada peloshistoriadores como uma fraqueza no plano do poder poltico, revela-se,aqui, como um trunfo, na medida em que a poltica dos prncipes, sendo

    exercida sobre um espao mais reduzido, pde assegurar o controle daaplicao de suas decises e um enquadramento mais eficaz da socieda-

    15 Cf. Paulsen (1919), G. Mertz (1902), R. Vormbaum (1860); para uma anliserecente dos mtodos e dos contedos, cf. Strauss (1978).

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    de. A Kleinstaaterei serviu, na verdade, aos propsitos do absolutismo e,sem dvida, contribuiu para melhorar a competncia dos professores (cf.Vogler, 1975; Le Cam, 1992). Seria preciso, aqui, ainda estabelecer ascronologias exatas e se perguntar como o impulso vindo do alto pdeencontrar-se com as aspiraes culturais oriundas das populaes: emque momento e em quais meios atestada a leitura intensiva da Bblia noforo familiar? certo que no interior do espao luterano e calvinista doNorte da Europa defasagens importantes podem ser identificadas. Emtodo caso, no se pode faz-lo na Sucia, onde o aprendizado da leitura edo catecismo ocorreu sem a presena das escolas e por intermdio apenasdo pastor que anotava os resultados de seus jovens discpulos tanto noque diz respeito capacidade de leitura quanto compreenso dos con-tedos; uma espcie de modelo: esta alfabetizao que no conhece aforma escolar parece ser um caso inteiramente particular (cf. Johansson,1981).

    A segunda etapa da profissionalizao poderia ser situada no mo-mento em que os Estados substituem as Igrejas e as corporaes munici-pais no controle do ensino: esta etapa situa-se no fim do sculo XVIII ecoincide com a supresso da Companhia de Jesus, que obrigou, duranteum perodo muito breve 15 anos, de 1759 a 1773 os Estados catlicosa considerar substitutos para os professores de mais ou menos 600 col-gios, distribudos por toda a Europa catlica. Estudando de maneira com-parativa os grandes Ratio studiorum editados pelos diferentes prncipes

    ilustrados, seria necessrio examinar com ateno o leque das condiesdisponveis para o professorado do ensino secundrio: a virada maior meparece ser, aqui, a passagem de uma seleo discricionria que se opera-va no interior do corpo religioso pela nica autoridade das congregaesou dos principais, para a do exame ou do concurso, que introduz umavisibilidade que repousa sobre provas escritas e orais codificadas; o exa-me ou o concurso definem, tanto na forma das provas como nos conte-

    dos dos saberes propostos aos candidatos, a base mnima de uma culturaprofissional a se possuir. No ser mais possvel, daqui por diante, elimi-nar um candidato, seno com provas ostensivas de incompetncia relati-vas s prprias provas e no mais simples suspeitas. Seria precioso poderbeneficiar-se de estudos transversais e diacrnicos de vrios pases que

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    analisassem de maneira aprofundada este momento especfico do recru-tamento dos professores, levando em conta simultaneamente trs termos,a fim de esboar o que a cultura do professor ideal no sculo XIX: aevoluo dos autores no que se refere ao programa dos exames e dosconcursos e dos assuntos das provas efetivamente aplicadas, asperformances efetivamente realizadas pelos candidatos (que podem sercontroladas quando so conservadas cpias das mesmas), os relatriosdas bancas, que prestam conta das expectativas e dos desejos satisfei-tos ou no dos examinadores.

    Para tomar o nico exemplo do concurso de magistrio francs parao ensino secundrio no sculo XIX, recentemente estudado por AndrChervel (1993), percebe-se que, desde ento, a piedade ou o carter nomais so objeto de prova (como no interior das antigas congregaeseducadoras); durante o perodo da Restaurao (1815-1830) os candida-tos ainda devem fornecer certificados sobre a ortodoxia de sua condutareligiosa e a conformidade de seu comportamento poltico aos princpiosmonrquicos. Sobretudo, um julgamento sobre os habitus dos candida-tos imperceptivelmente reintroduzido nas provas: o candidato dito bri-lhante se distingue do bom aluno, mais lento, por um domnio daargumentao oral ou da explicao, uma facilidade, um gosto, em resu-mo, uma gama de qualidades que remetem no tanto ao exerccio pro-priamente dito, mas natureza do candidato, ela mesma socialmenteconotada. Ao mesmo tempo, os candidatos ao concurso magistrio de-

    vem curvar-se a uma regra absoluta, a de se restringir aos limites dopensvel autorizado no concurso. por ter transgredido esta regra que ofuturo historiador Hyppolite Taine, aluno da Escola Normal, que tinhatodos os habitus requeridos para ser aceito em primeiro lugar no concur-so de magistrio de filosofia, em 1851, foi finalmente recusado: no tinhaele pretendido tratar das divises da moral separando-a da existnciadivina? Nos tempos de ordem moral consecutivos Revoluo de 1848,

    uma tal audcia no era de modo algum admissvel e o presidente dabanca sublinhou as razes que levaram os examinadores a rejeitar umjovem vido de renome e pleno de confiana em si mesmo, que buscadistinguir-se, desviando-se dos caminhos traados. O dever prescrevia banca desencorajar tentativas semelhantes [...] til advertir aqueles

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    que se destinam ao ensino da moral que no se poder ter toda a liberdadede inovar em semelhante matria. Para bom entendedor, meia palavrabasta! A cultura escolar efetivamente uma cultura conforme, e serianecessrio definir, a cada perodo, os limites que traam a fronteira dopossvel e do impossvel.

    Seria conveniente desenvolver uma anlise similar a propsito da fi-gura do professor primrio. Desde os primeiros seminrios de professo-res primrios e das primeiras escolas normais nascidas no domniogermnico no final do sculo XVIII, foi necessrio um sculo para queemergisse, atravs de toda a Europa, seu novo perfil profissional. Serianecessrio aqui avaliar as heranas do passado, que se desfazem muitolentamente a profisso de professor primrio no tinha sido pensada,at muito recentemente, como uma vocao, leiga certamente, e nosdois sentidos do termo; mas esta denominao religiosa no sem signi-ficado. Seria necessrio tambm entender como esta figura subalternaprogressivamente tornou-se autnoma e definida nas competncias deuma profisso muito diferente daquela do professor secundrio. O pro-fessor primrio no ministra um curso magistral, mas seu papel fazeras crianas trabalhar, circular entre as carteiras para verificar como sedesenvolvem as atividades de cada grupo (quando deve, por exemplo, daraula em uma classe multiseriada), mandar um aluno para a lousa para acorreo, constantemente dar conselhos ou ordens a fim de melhor admi-nistrar a sucesso dos exerccios que cada aluno no chega a realizar

    necessariamente no mesmo ritmo. Na memria dos professores prim-rios, as lies da escola normal no os preparava, de modo algum, paraesta gesto cotidiana das prticas da sala de aula; donde sua bulimia pelaleitura de revistas pedaggicas, onde eles esperavam encontrar suportespara a sua inexperincia (cf. Ozoufet al., 1992). Contrariamente ao tra-balho do professor do ensino secundrio, no do professor primrio existeuma espcie de corpo a corpo fsico com a aula do qual seria preciso

    reconstituir as modalidades histricas (cf. Chartier, 1992). A separaoinstitucional das duas ordens de ensino, as finalidades completamentedistintas que elas perseguiam (a instruo obrigatria de todo um povo,de um lado, o ensino de uma parte das elites, do outro) no puderamseno acentuar a oposio de duas culturas, primria e secundria.

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    Contedos ensinados e prticas escolares

    A anlise precedente remete-nos a um estudo daquilo que hoje se

    chama disciplinas escolares: estas no so nem uma vulgarizao nemuma adaptao das cincias de referncia, mas um produto especfico daescola, que pe em evidncia o carter eminentemente criativo do sistemaescolar. Como notou muito bem Andr Chervel, as disciplinas escolaresso inseparveis das finalidades educativas, no sentido amplo do termoescola, e constituem um conjunto complexo que no se reduz aos en-sinos explcitos e programados16. O ensino clssico, tanto no Antigo

    Regime quanto no sculo XIX, comportava tambm toda uma educaomoral contnua, atravs dos modelos propostos s crianas como exem-plo na escolha das verses, dos temas ou dos assuntos a serem desenvol-vidos. E no se pode esquecer que a inrcia do sistema pode efetivamentemascarar, para os prprios agentes, as finalidades reais das disciplinasque ensinam: um exemplo manifesto disso o desenvolvimento e o uso dagramtica escolar do francs, concebida de incio como um simples auxi-

    liar da aprendizagem da ortografia e transformada pouco a pouco emfinalidade em si mesma da escola primria. Contrariamente s idias re-cebidas, o estudo histrico das disciplinas escolares mostra que, diantedas disposies gerais atribudas pela sociedade escola, os professoresdispem de uma ampla liberdade de manobra: a escola no o lugar darotina e da coao e o professor no o agente de uma didtica que lheseria imposta de fora. Mesmo se a corporao qual pertence exerce

    uma presso quer se trate de visitantes de uma congregao, ou deinspetores de diversas ordens de ensino , ele sempre tem a possibilidadede questionar a natureza de seu ensino; sendo a liberdade evidentementemuito maior nas margens do sistema (nos internatos ou junto aopreceptorado que pode ser exercido depois da aula). De fato, a nicarestrio exercida sobre o professor o grupo de alunos que tem diantede si, isto , os saberes que funcionam e os que no funcionam diante

    deste pblico. Os professores primrios interrogados por Jacques Ozouf

    16 Ns nos inspiramos aqui nas reflexes pertinentes propostas por A. Chervel emartigo publicado em 1988.

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    sublinham com encantamento o sentimento de ser rei no seu reino queexperimentavam quando entravam na sua sala de aula, orgulhando-se desua destreza e dos procedimentos que inventaram, procurando submetera renovao da pedagogia s restries de uma instruo coletiva (Ozoufet al.,1992). Fazer um inventrio sistemtico destas prticas, perodopor perodo, constituiria, a meu ver, um campo de trabalho efetivamenteinteressante: ele permitiria compreender as modificaes, freqentemen-te insensveis, que surgem de gerao em gerao. Alis, a mudana depblico que impe freqentemente a mudana dos contedos ensinados.Uma das primeiras gramticas escolares do francs (a de Nol e Chapsal)foi abandonada a partir do momento em que o ensino primrio tornou-seum ensino de massa. Seu contedo era julgado demasiado complicado, eera necessrio chegar rapidamente a uma simplificao dos mtodos edos exerccios (cf. Chervel, 1977). Convm examinar atentamente a evo-luo das disciplinares escolares, levando em conta diversos elementosque, em ordem de importncia variada, compem esta estranha alquimia:os contedos ensinados, os exerccios, as prticas de motivao e de esti-mulao dos alunos, que fazem parte destas inovaes que no sovistas, as provas de natureza quantitativa que asseguram o controle dasaquisies.

    Aqui, vou-me deter sobre apenas duas delas. Sobre os contedos en-sinados, muito trabalho j foi feito e bem feito. Em particular sobre osmanuais escolares (cf. Choppin, 1993). Mas eu gostaria de fazer uma

    dupla advertncia: o manual escolar no nada sem o uso que dele forrealmente feito, tanto pelo aluno como pelo professor. Por outro lado,no temos tido muito freqentemente a tendncia de fazer uma anlisepuramente ideolgica desses manuais, que frisa o anacronismo? claroque uma das razes maiores da crise da escola contempornea e douniversalismo laico que a fundamenta foi a descolonizao: havia paraos republicanos continuidade da emancipao pela escola na emancipa-

    o pela colonizao. E os professores primrios da Terceira Repblica,interrogados em plena guerra da Arglia na dcada de 1960, reconheciamfacilmente, acerca disso, que seus olhos se abriram muito tardiamente:sim, vibraram em unssono com as conquistas que separavam os nativosdos feiticeiros e potentados locais e transformavam os pequenos selva-

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    gens em civilizados; sim, a poltica colonial parecia-lhes uma necessida-de, pois se tratava de acelerar o acesso de todos os povos razo. conveniente, portanto, recontextualizar muito precisamente os manuaisem sua circunstncia histrica (cf. Ozouf et al., 1992). Aqui, dois tiposde pesquisas poderiam trazer resultados convincentes: a primeira seriaanalisar sistematicamente o gesto que consistiu em expurgar os autoresclssicos antigos e reescrev-los sem cerimnia, como o fizeram os jesu-tas, preocupados em no permitir que seus alunos conhecessem as inde-cncias de um Terncio ou de um Marcial17; a outra seria fazer, a longoprazo, uma comparao internacional do cnone dos autores ensinadostanto no nvel primrio como no secundrio, e que so promovidos dignidade de autores cujos textos so propostos para a meditao doscandidatos dos exames e concursos. Na Frana, em um sculo XIX quevai at 1880, o cnone dos autores clssicos tende a se organizar, noensino secundrio, em torno de alguns autores maiores do sculo de LuisXIV, enquanto que quatro autores sobre cinco citados nos manuais deensino primrio pertencem ao sculo XIX. O cnone, no ensino secund-rio, alarga-se em seguida ao sculo XVI e ao sculo XIX, segundo umanomenclatura que praticamente no mudada at os anos de 1960. sintomtico constatar que a exploso deste cnone coincide com a explo-so escolar que caracterizou o decnio de 1960 (cf. Milo, 1986; Chervel,1986).

    Tratando-se dos exerccios escolares, parece-me que o terreno acaba

    de se abrir e que ns estamos no corao mesmo da caixa preta da qual eufalava na introduo. Os primeiros resultados adquiridos so suficiente-mente promissores para que possamos esperar muito ainda desse lado: avariao das performances escolares identificadas nos mesmos ditados,com um sculo de intervalo, permitiu medir como mudou a relao dosfranceses com a sua prpria lngua. O exerccio de verso latina no scu-lo XVIII no percebido pelos alunos nem corrigido do mesmo modo

    pelos professores no sculo XVIII e no sculo XX. O estudo diacrnicodos exerccios nos introduz, portanto, em uma historicizao das modali-

    17 Cf. sobre este ponto, algumas indicaes rpidas em F. de Dainville (1940); cf.tambm P.-A. Fabre (a ser publicado).

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    dades de relacionamento com a escrita escolar: neste campo ainda novoonde podemos enfim perceber concretamente a distncia entre a realidadee a ambio inicial e a norma prescrita, tudo, ou quase tudo est por serfeito.

    Concluso

    Tenho plena conscincia de aqui ter tratado apenas de uma nfimaparte do assunto que escolhi para falar. Gostaria, ao menos, de assinalartrs lacunas de minha exposio que me parecem importantes:

    1) No falei sobre a inculcao dos habitus tal como ela foi operadano espao escolar: habitus cristos, habitus cvicos, ou simples-mente civilidade pueril e discreta. Seria preciso, aqui, poder acom-panhar, a longo prazo, os manuais de piedade e de civilidade,identificar a evoluo dos mesmos, mensurando a ateno que con-ferem s hierarquias sociais, mas tambm distinguindo o que pro-vm do fundo muito antigo dos Padres da Igreja, o que vem dacivilidade de Erasmo ou de seus contemporneos, e o que acres-centado pelos manuais escolares ao longo das geraes (cf. Elias,1939; Chartier, 1986; Revel, 1986). Mas em retrospectiva e nomesmo movimento, seria preciso recolher, atravs das autobiografi-

    as, como atravs de uma histria oral, questionando as antigas ge-raes, tudo o que de uma cultura tradicional, ou de uma culturaespecfica de determinado grupo social, pde resistir tentativa deaculturao da escola, tudo que tambm pde acolh-la e sustent-la. Todos sabem que os professores no conhecem tudo que se passanos ptios de recreio, que existe, h sculos, um folclore obscenodas crianas (cf. Gaignebet, 1974) e hoje, como ontem (pensemos

    nas antigas abadias da juventude)18

    , existe uma cultura dos jovensque resiste ao que se pretende inculcar: espaos de jogos e de ast-

    18 Cf. por exemplo, N. Zemon Davis (1971); para um exemplo regional, cf. N.Pellegrin (1982).

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    cias infantis desafiam o esforo de disciplinamento. Essa culturainfantil, no sentido antropolgico do termo, to importante de serestudada como o trabalho de inculcao.

    2) Seria conveniente analisar atentamente as transferncias culturaisque foram operadas da escola em direo a outros setores da socie-dade em termos de formas e de contedos e, inversamente, as trans-ferncias culturais operadas a partir de outros setores em direo escola. A quais retradues especficas procede a escola quando eladeixa passar no seu prprio dispositivo aprendizagens que no erampropriamente escolares e dependiam de culturas profissionais?Como, por exemplo, as aprendizagens da cultura comercial trans-mitidas nas lojas dos grandes negociantes foram escolarizadas? (cf.Hbrard, 1988). Segundo quais modalidades e quais inflexes apedagogia da histria que era reservada educao do prncipe trans-formou-se, no sculo XIX, em uma disciplina prpria dos colgiossecundrios? Como so reintroduzidos na escola, hoje, certos pro-cedimentos que j tiveram sucesso na formao dos adultos?

    3) ltima pergunta, mas no a menos desprovida de sentido: o quesobra da escola aps a escola? Quais marcas ela realmente impri-miu nos indivduos de uma sociedade onde h efetivamente sempremais escola, j que a formao no pra de se prolongar (e os ora-mentos nacionais para a educao vem suas despesas aumentaremde maneira exponencial), mas onde a escola sofre a concorrncia

    dos media infinitamente mais fortes, como a televiso? Quais sohoje os poderes reais da escola nas sociedades onde no s no exis-te uma religio majoritria, mas onde desmoronaram tambm asesperanas de uma regulao comum dos costumes por uma crenacomum, uma religio civil, quer se trate da f na nao, no pro-gresso ou no triunfo do proletariado? Ns vivemos um momentoindito da histria, o da individualizao das crenas, em que a es-

    cola deve repensar sua articulao entre a sua visada universalista eo pluralismo do pblico que ela recebe, entre a esfera pblica e avida privada, protegendo a infncia das agresses do mundo adulto,sem, contudo, deix-la ignorar os conflitos que o atravessam. Otema da cultura escolar nos remete, assim, ao problema central da

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    transmisso: as rupturas culturais vividas no curso dos ltimos trintaanos no questionaram, primeiramente, toda idia de tradio (nosentido etimolgico do termo) e no estamos mais distanciados dagerao dos homens que tinham vinte anos em 1945 que eles mes-mos o estavam dos homens do sculo XVIII?

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