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A Dança Dramática Balinesa Barong e a Dança Alagoana Guerreiro:

articulações estéticas para processos criativos

Dramatic Balinese Barong Dance and Alagoas Dance Guerreiro: aesthetic

joints for creative processes

Nara Salles1

Doutora em Artes Cênicas PPGAC/UFBA

Professora do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFRN

Resumo A pesquisa a qual se refere este artigo faz parte da tese de doutoramento desenvolvida no PPGAC/UFBA e aborda, sob o viés da antropologia, aspectos da dança Barong e da dança alagoana “Guerreiro”, compreendendo as relações existentes nestas danças sob aspectos ligados ao sagrado e ao inconsciente com o objetivo de desvendar processos de criação para a montagem do texto “O Jato de Sangue” de Antonin Artaud; para tanto foi efetuado um estudo minucioso sobre as danças em seus contextos considerando a cultura nordestina, contextualizando-a na contemporaneidade cênica mundial, através de uma aproximação intercultural e transdisciplinar, realizando uma articulação entre as danças apontadas como suporte às articulações estéticas que derivaram em um espetáculo de dança contemporânea configurada na montagem do texto “O Jato de Sangue” de Antonin Artaud. Palavras-chaves: Dança, Processos Criativos, Cultura, Tradição.

Abstract The research which this article refers is part of the thesis developed in PPGAC / UFBA and under the bias of anthropology studies , observe aspects of the Barong dance and dance Alagoas Guerreiro, understanding the relationships in these dances under the aspects sacred and the unconscious in order to unravel creation processes for assembling the text The Jet of Blood by Antonin Artaud, for much has been made a detailed study about the dances in their context considering the northeastern culture, contextualizing it in contemporary scenic world through an intercultural and interdisciplinary approach, making a connection between the dances identified as aesthetic support for joints that are derived in a contemporary dance performance assembling in the text The Jet of Blood by Antonin Artaud. Keywords: Dance, Creative Processes, Culture, Tradition.

1 Doutora em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia, Mestre em Antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco, Especialista em Métodos e Técnicas de Pesquisas Antropológicas pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte nos cursos de Dança, Teatro e do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Dançarina colaboradora da Cia Gira Dança de Natal/UFRN.

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Para estudar a dança balinesa Barong é importante compreender sob o enfoque da

antropologia as relações sócio-culturais tanto de cunho subjetivo (interpessoais), quanto

representacionais (interpretativos, explicativos e interacionais) entre os balineses e destes com

o ambiente no qual vivem. Apesar da sutileza destas interações, pode-se demonstrar através

delas, a importância do sagrado, a relação deste com o inconsciente sob o olhar dos balineses.

Este mesmo olhar é aplicado à dança dramática nordestina “Guerreiro” e proporciona uma

melhor compreensão às articulações estéticas oriundas das danças estudadas no processo

criativo da montagem do texto O Jato de Sangue, de Antonin Artaud; como um projeto que

enfoca e enfatiza a dança contemporânea.

Para melhor compreender a importância destas relações que a princípio podem parecer

díspares, recorro aos estudos da ecologia clássica. Segundo Odum (1975), ambiente é o termo

específico para indicar os campos de interesse da biologia e ecologia. Esta palavra é derivada

da raiz grega oikos que, entre outros significados, pode designar a palavra casa. Assim,

ecologia é o estudo das casas e por extensão do habitat, o lugar de vida de um organismo,

considerando que este envolve uma gama de variáveis ambientais (Begossi: 1993). O que

interessa fundamentalmente para esta discussão é a ampliação do conceito formulado pela

Escola de Chicago de Antropologia, inserindo a cultura como ecologia do ambiente humano,

onde o ambiente é o conjunto de interações entre os ecossistemas como entendido pelos

biólogos, mas envolvendo também o sentido de interação com a cultura humana, numa

relação de reciprocidade. Qualquer mudança que ocorre em uma dessas partes afetará a outra.

Novos aspectos proporcionados por processos tecnológicos e rearrumações dos sistemas de

organização social podem acarretar alteração nas relações sócio-culturais, no ambiente

construído. Nessas interações onde as leis da biologia regulam um ser vivo com o seu meio

natural - estrutura e função da natureza - devem fazer parte também as ações da humanidade,

como seres biológicos e produtores de cultura.

Definida a importância das interações entre o mundo sócio-cultural e o ambiente

construído, inicio uma descrição sobre usos e costumes do povo balinês, focalizando e

descrevendo as suas danças traçando conexões entre a dança dramática balinesa Barong e a

dança dramática nordestina Guerreiro. São danças ligadas ao sagrado e trazem a instauração

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da ordem em um caos estabelecido e foram inspiradoras para a composição coreográfica do

texto já apontado.

A ilha de Bali e os balineses

Bali, é uma ilha que está localizada ao sul da Indonésia, Há seiscentos anos

passados, a Indonésia sofreu uma mudança em sua religiosidade. Deixou de ser hinduísta2

para ser muçulmana3. Este fato provocou uma revolta na população e muitos artistas que

moravam na principal ilha do arquipélago, Java, se mudaram para Bali, porque neste local se

mantinha uma crença animista hinduísta e não muçulmana. Surgiu então uma mescla

religiosa, com fundamento hinduísta, com uma infinidade de espíritos, mas sempre com um

sentido de alegria e agradecimento. A vida em Bali é muito festiva e todas as ações são

acompanhadas de cerimônias religiosas. Há a presença em todos os povoados de templos e

santuários. Em Bali, o sagrado rege a vida, toda ação do cotidiano é realizada em função dos

deuses e das danças. Os balineses têm sua subsistência principalmente no campesinato, porém

reservam um tempo para dançar, dedicam anos de suas vidas à aprendizagem das técnicas de

dança. Este fato coloca a dança na vida dos camponeses no mesmo patamar de importância da

alimentação, exatamente como a afirmação da dançarina Sankjuta Panigrahi "dançar

cotidianamente, mesmo para si, é uma necessidade como comer e beber" (PRADIER: 1998).

A dança dramática balinesa Barong

Descreverei alguns aspectos da dança Barong, para que possamos compreender a

relação entre sagrado e o inconsciente e sua relação com a dança alagoana Guerreiro.

2 O hinduísmo constitui uma ampla manifestação cultural, expressando-se por uma riquíssima literatura de sentido poético-religioso, na qual se cristalizaram numerosos preceitos relativos à vida cotidiana e à organização social, e se desenvolveram, através dos séculos, vários sistemas teológico-filosóficos. O hinduísmo e a religião atual da maioria dos povos indianos, resultante de uma evolução secular do vedismo e do bramanismo, que se transformaram pela especulação filosófica e pela integração de cultos locais. 3 Religião iniciada no século VII (Península Arábica), com o profeta Maomé, derivada do judaísmo e do cristianismo.

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Artaud esteve atento a suntuosidade cênica com que os balineses revestem a luta interior do

herói, sob um caos aparente, frente à certeza de um mundo que será (re)ordenado pelo herói.

Na dança dramática Barong há uma luta entre o mundo espiritual desatrelando as forças do

medo cósmico e do caos, por trás da máscara de ordem que se tenta impor à vida. Porém,

mesmo dentro do caos, existe uma ordem, como veremos mais adiante na Teoria do Caos. No

Barong aqueles que vivem os “guerreiros”, ao final da dança com a bruxa Rangda, tentam,

sob o poder maligno da bruxa, se ferir, empurrando um punhal contra seus próprios corações,

porém não conseguem inserir o punhal em sua pele, porque Barong protege os corpos com

mágica. Os guerreiros, então, ficam dançando em transe, até caírem ao chão e serem

despertados pelo sacerdote com água de flores. Para compreender a luta entre o mundo

espiritual e material, pode-se utilizar a Teoria do Caos, que postula haver uma ordem dentro

de cada desordem estabelecida, ou seja, mesmo a desordem é ordenada de alguma forma por

algo que, muitas vezes, não é compreensível imediatamente. Basicamente esta teoria introduz

um novo modo de entender fenômenos onde, mesmo a partir de uma informação precisa sobre

um sistema, em um determinado instante, é muito difícil fazer previsões exatas sobre seu

desenvolvimento no tempo. O exemplo mais conhecido é a previsão do tempo (Lewenkopf:

2000). Para entender melhor: a palavra caos era usada pelos gregos significando vasto abismo

ou fenda e alude também ao estado de matéria sem forma e espaço infinito existente antes do

universo ordenado, suposto por visões cosmológico-religiosas; e atualmente o sentido mais

usual da palavra caos é desordem, confusão. Porém, a Teoria do Caos não é uma teoria de

desordem, ao contrário, busca no aparente acaso uma ordem intrínseca determinada por leis

precisas. O termo caos é utilizado em geral na descrição do comportamento quase

imprevisível de alguns sistemas dinâmicos. Por exemplo, a partir das teorias de Newton,

acreditava-se ser possível prever o movimento de um sistema físico. Contrariamente a esta

tese, a Teoria do Caos afirma ser impossível aplicar esta teoria a sistemas caóticos. A Teoria

do Caos surgiu por volta de 1962 com o meteorologista Edward Lorenz, e existem várias

versões. Um dos exemplos mais populares da teoria é conhecido como o fenômeno da

borboleta: uma borboleta ao bater suas asas na China pode causar um terremoto em Los

Angeles. Normalmente se utilizam os fractais4 como exemplos de sistemas caóticos. Por

4 Na década de 70, o matemático francês Benoit Mandelbrot inventou um novo ramo da matemática denominado geometria fractal. Criou o termo fractal para sugerir “fraturado” ou “fração”. A geometria fractal tem sido útil na compreensão de vários tipos diferentes de elementos naturais como litorais, montanhas e nuvens. Isto acontece

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fractais entende-se forma geométrica complexa e irregular. Esses padrões irregulares ocorrem

na natureza, como por exemplo, na diversidade de formas que pode assumir um floco de neve.

Assim, uma curva matemática ou forma que procura imitar tais formas recebe o nome de

fractal.

Retomando e conectando o exposto acima à dança dramática balinesa Barong:

podemos apontar que nesta o caos é representado pela bruxa Rangda e o esperado seria a

bruxa, com seus poderes malignos, vencer e matar os “guerreiros”, no entanto, surge Barong,

que representa a ordem, porém não possui forças suficientes para matar Rangda, mas

consegue proteger os “guerreiros”, operando por eficácia mágica, até que chegue o sacerdote

que tem pleno domínio do sagrado e possui poderes suficientes de proteção e pode libertar os

“guerreiros” dançarinos da ira da bruxa. Rangda usa em seu rosto uma grotesca máscara

esbranquiçada, nariz e sobrancelhas douradas, enormes olhos, duas grandes presas brancas,

saindo de uma enorme boca com dentes afiados e brilhantes. Tem uma língua longa, larga e

vermelha com enfeites e espelhos. O cabelo é de pele de cabra branca e desce da cabeça até os

pés. Na mão possui luvas com dedos peludos e unhas compridas. Da frente do corpo, saem

longas tetas, que ficam dependuradas. Neste mesmo local, ficam pendendo pedaços dos

intestinos das crianças mortas que ela devorou.

devido à freqüência dos sistemas naturais demonstrarem formas semelhantes em uma grande variedade de tamanhos. Por exemplo, as montanhas parecem ter a mesma forma acidentada observada a distância ou examinando-se pedaços de granito bem de perto. Fractal, em matemática, é uma figura geométrica com uma estrutura complexa e pormenorizada em qualquer escala. Geralmente, os fractais são autosimilares, isto é, uma pequena seção de um fractal pode ser vista como uma réplica em menor escala de todo o fractal. Um exemplo de fractal é o “copo de neve”, curva que se obtém tomando um triângulo eqüilátero e colocando sucessivos triângulos, cada vez menores, no terço médio dos lados cada vez menores. Em teoria, o resultado é uma figura de superfície finita, mas com um perímetro de comprimento infinito e com um número infinito de vértices. In Enciclopédia Encarta. 2001.

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Imagem 01: Rangda

Barong representa a ordem, reordenamento para a vida prosseguir em seu curso. É

uma criatura imensa, como um boneco, manipulado por dois homens em seu interior. Um

forma a parte de trás, outro a da frente, manobrando as mandíbulas da cabeça, vermelha e

pequena, com enfeites de couro dourado, olhos grandes e salientes e barba preta. Tem um

rabo que fica erguido atrás, com uma sineta tilintante na ponta.

Durante a execução da dança existem momentos de comédia e cenas em que a

feiticeira e seus seguidores saqueiam sepulturas e comem crianças mortas. Barong, o monstro

que encarna a ordem, tenta matar Rangda. O Barong tem dificuldades em vencer então, da

platéia, surge um grupo de jovens da aldeia, predispostos ao transe, que entram em cena em

seu socorro, são os guerreiros dançarinos.. Neste estado de alteração da consciência, dançam e

lutam com Rangda, mas não conseguem vencer a bruxa e voltam-se contra si mesmos,

enfiando uma fina faca no peito, mas o poder de Barong o impede que se machuquem. Então,

um sacerdote os tira do transe com água de flores sagrada.

Imagem 02: Dançarinos em transe lutam contra Rangda

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Não existem vencedores nesta luta entre o bem e o mal. O que acontece é um

restabelecimento, um reordenamento no caos estabelecido, instituído por Barong. Neste

desordenamento temporário, provocado pela maldade da bruxa Rangda, a ordem, no entanto,

está sempre subjacente, mas só pode ser restabelecida efetivamente pela interferência do

Sacerdote.

A Dança dramática “Guerreiro” e aproximações Com o Barong

O Auto dos Guerreiros, mais popularmente conhecido como Guerreiro, é uma

dança dramática que surgiu entre 1927 e 1929. O pesquisador Pedro Teixeira de Vasconcelos

(1967), afirma que esta dança dramática surgiu no estado de Alagoas, em Maceió. É o

resultado de uma mistura do Reisado, da Chegança e dos Pastoris com o Auto dos

Caboclinhos (este já não existe mais em Alagoas). De acordo com pesquisador Théo Brandão

(1946), o primeiro mestre do Guerreiro foi um pescador, chamado Petrúcio, que morava em

Fernão Velho, bairro de Maceió. No início o Guerreiro tinha entre cinqüenta (50) e sessenta e

quatro (64) figurantes, atualmente este número varia entre vinte e cinco (25) e trinta e cinco

(35). Embora aconteçam encontros semanais dos praticantes da dança Guerreiro, nos bairros

onde estão sediados e façam também apresentações ao público durante o ano todo, o natal é o

momento no qual é dançado com maior fervor religioso, pois possui um caráter religioso e

sagrado e é celebrado entre o período de 24 de dezembro a 06 de janeiro, dia de Reis. As

personagens, ao mesmo tempo em que guerreiam contra a nação inimiga, exaltam o menino

Deus que nasceu. Cantam e dançam acompanhados pelos instrumentos musicais: sanfona,

zabumba e pandeiros.

Os personagens apresentados são:

1. O Mestre: que precisa saber cantar, pois é quem comanda as canções. O Mestre é

responsável durante a apresentação por todos os componentes do grupo, e todos precisam

obedecê-lo;

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Imagem 03: Mestre de “Guerreiro” Juvenal (ao fundo Mateus)

2. O Contra-Mestre: também precisa saber cantar, pois canta junto com o Mestre e o substitui

quando se faz necessário;

3. O Rei: que simboliza o respeito na dança drama “Guerreiro”;

4. A Rainha: que pode aparecer em três versões: Rainha dos “Guerreiros”, Rainha dos

Caboclos, Rainha da Nação. Elas simbolizam também o respeito e coordenam as demais

personagens;

5. O General: que nas lutas mais calorosas tem a missão de acalmar os guerreiros;

6. Os Embaixadores: são porta-vozes do combate e aparecem em dupla;

7. O Índio Peri e seus Vassalos: representam a Guerra dos Reisados, com a prisão e morte de

um guerreiro inimigo, que faz surgir a guerra. Há uma luta dançada pelo índio Peri e figuras;

Imagem 04: Índio Peri do “Guerreiro” Dona Vitória,

8. A Lira: trazida pelo Rei dos Guerreiros A Rainha sente ciúmes do Rei e manda o

caboclinho matá-la;

9. O Caboclinho: elemento com referência indígena. É o perseguidor da Lira;

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10. A Catirina: aparece como um homem vestido de mulher, com o rosto pintado de preto,

trazendo uma boneca nos braços;

11. O Palhaço: às vezes são duplos. Como todo palhaço, tem o objetivo de fazer a platéia rir.

Utilizam recursos como distorcer a fala dos outros personagens e muitas piadas;

12. O Mateus: Também podem ser dois. Eles dançam e cantam e são os detentores da magia e

do poder de ressuscitar os mortos, como no Boi, de onde parece ter saído;

13. A Estrela de Ouro: Este personagem vem dos Pastoris. Leva na mão, no diadema ou no

chapéu uma estrela dourada;

14. A Estrela Brilhante: Possui no diadema ou no chapéu uma estrela prateada;

15. A Estrela Republicana: Este personagem parece ter saído do Auto dos Caboclinhos e é

uma referência ao sistema político brasileiro;

16. A Borboleta: Personagem que vem dos Pastoris. Traz o desenho de uma borboleta

colorida no diadema ou no chapéu;

17. A Sereia: Personagem que representa a aculturação européia;

18. A Banda da Lua: Traz no chapéu uma meia lua;

19. As Figuras (ou figurantes): Personagens que têm a função de cantar e dançar, em

determinados momentos comandados pelo Mestre.

A dança dramática Guerreiro apresenta uma seqüência de canções dançadas

denominadas peças, intercaladas de marchas, que são danças não cantadas e ainda as

representações que se configuram como os dramas. Os momentos mais importantes são: 1 - O

Índio Peri é cercado pelos inimigos, canta, dança e luta, demonstra virtuosismo com espada,

lutando com os figurantes. É preso pelos inimigos, depois e solto e dança com os ex-

inimigos; 2 - A Lira é trazida pelo Rei dos guerreiros para a sua aldeia. A rainha fica com

ciúmes do Rei e obriga o Caboclinho a matá-la. O caboclinho promete à Lira não fazê-lo se

ela aceitar o seu pedido de casamento. Ela não aceita, o Caboclinho a ameaça e, finalmente,

tira a sua vida em cena. Diálogo entre a Lira e o Caboclinho:

Caboclinho: Não te mato minha Lira, Se vos casares comigo Eu, no meio desta aldeia

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Te livrarei dos perigos Lira: Eu não sou sua “mulé” Nem serás o meu marido, Que no meio desta aldeia Tu serás meu inimigo Caboclinho: Pronto, Dona Lira, Aviso venho lhe dá, Se não casares comigo A vida vou lhe tirar

A Lira ao morrer, fecha os olhos, mas não cai, fica em pé apoiada nas figuras, no

centro do espaço aonde acontece a encenação. Neste momento o coro canta a canção da morte

da Lira. Após a canção, Mateu, como um feiticeiro operando através de magias, faz a Lira

ressuscitar. Ela sai, cantando e dançando entre os guerreiros. Mateu representa a ordem,

exatamente como o Barong, ambos reordenam um fato caótico. Barong protegeu os

dançarinos de Rangda; Mateu retorna Lira à vida.

O Mestre também representa a ordem ao liderar a música. Possui em sua mão uma

espada, tem um chapéu em forma de igreja, muito enfeitado com espelhos e fitas coloridas de

cetim. Determina a entrada de cada figura no desenrolar da cena com um apito.

No Guerreiro o caos é representado pelo ciúme da Rainha com a Lira e o Rei e pelo

Caboclinho encarregado de matá-la. O caos também é representado pela guerra contra o

Caboclinho e seus Vassalos. A ordem é representada pelo ressuscitamento da Lira através da

magia e pelo restabelecimento da paz dos guerreiros com o Caboclinho e seus Vassalos.

Como foi visto no tópico anterior, teatro, dança, música e artes visuais fazem parte da

vida de um balinês desde a infância, com peças do teatro de sombras, danças de transe e

magia, além da aprendizagem das técnicas de dança. Em Alagoas, as danças dramáticas,

também fazem parte ainda, diretamente da vida de uma criança, cuja família dança

“Guerreiro” desde a infância. As famílias que não participam diretamente, compartilham

indiretamente através da observação e da audição da música, pois esta é uma dança muito

comum e bastante apresentada em praças públicas.

As crianças aprendem a considerar a representação simbólica uma realidade em si

própria. O símbolo passa a fazer parte de suas vidas, presente na magia, encanto, ritual.

Assim, possuem o sagrado presente no cotidiano de suas vidas. O “Guerreiro” não é uma

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dança de transe, porém é uma dança permeada pela magia. Dessa forma, símbolo passa a

fazer parte da vida das crianças, presente na magia e no encanto ritual. Segundo Eliade

(1991):

o comportamento mágico religioso da humanidade revela uma tomada de consciência existencial do homem em relação ao Cosmos e a si mesmo. Onde Frazer via apenas uma “superstição” já se encontrava implícita uma metafísica, mesmo que ela se expressasse pela interpretação dos símbolos, mais que por sobreposições de conceitos: uma metafísica, ou seja, uma concepção global e coerente da realidade, e não uma série de gestos instintivos regidos pela mesma e fundamental “reação do animal humano diante da natureza”.

Imagem 05: Criança dançando o “Guerreiro”

A dança dramática Guerreiro está ligada à religião, com danças e cantos permeados

pelo simbólico e com intervenções de magias para o ressuscitamento de personagens mortos.

A definição de dança dramática que estou utilizando é a de Mário de Andrade (1989), que se

refere a uma série de manifestações culturais brasileiras, como o Bumba-meu-boi, o

Maracatu, o Guerreiro e outras. São danças, nas quais junto ao canto se relata uma história em

forma de ação dramática, diferentes do jongo ou do samba, que apresentam apenas uma

coreografia, mesmo sendo acompanhadas por uma letra que é cantada. Além de relatar uma

história a dança dramática Guerreiro possui uma ligação com o religioso/mágico, com o

simbólico, com o sagrado, assim como a dança Barong de Bali.

A presença do mágico-religioso, do sagrado e do símbolo, nas manifestações

populares, é uma necessidade antiga na história da humanidade. De acordo com Bosi (1986),

as primeiras formas plásticas na arte extraíam das aparências naturais apenas os seus

elementos constantes. As suas formas constituintes, encontravam-se, assim, nessas estruturas,

obtidas na quietude e com a garantia de uma beleza eterna, que a humanidade aspira. Essa

tendência à abstração é compreendida pela profunda necessidade do sujeito e de sua cultura -

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entendida como maneira de organizar o mundo, ao se postar frente ao caos da existência

aberta a acontecimentos diversos e inesperados e à certeza da morte. O mundo é cruel e

terrível e existe uma violência na relação vida X morte. A arte, sob essa ótica tem a função de

codificar a desordem caótica do mundo. Organizando o caos aparente. Como já vimos, não

existe o caos absoluto e este pode ser restabelecido e reordenado cenicamente, na busca de

uma forma estruturante, uma unidade. Esta forma estruturante está sempre latente e existe

mesmo sem que a percebamos imediatamente. As danças dramáticas estudadas funcionam

como lembretes para nosso inconsciente de que as reordenações são possíveis e devem existir

para que o exercício da vida permaneça. E a partir desta idéia foram criados os exercícios para

o processo criativo da cena.

Tanto o Barong como o Guerreiro são ligadas ao religioso convertidas em festa, um

espetáculo de ambos os olhos: interno e externo. O mundo do sobrenatural é vivenciado pelo

observador e acontece uma encenação que almeja mostrar sonhos, aspirações pessoais,

temores, esperanças evocando heróis e demônios da infância. Para Antonin Artaud, não

existe uma obra separada da vida, assim como nesta dança nordestina e como na dança

dramática balinesa. Elas trazem uma profunda ligação do sagrado com o cotidiano em relação

ao Guerreiro, com a dureza de existir e resistir. Essa dor da existência e também a consciência

do fim, podem traduzir-se em uma constante força motriz e numa forma de organizar a vida

em arte para poder vivê-la. Esse também foi o eixo da vida de Artaud, assim como a

articulação das pessoas em função da execução das danças dramáticas, pode ser considerada

uma maneira de trazer um sentido de resistência para a vida e também para suportar a dor da

existência em uma vida permeada por adversidades. Este pensamento levou a construir um

espaço de risco físico e possibilidade real de morte para acontecer a encenação: andaimes com

oito metros de altura.

A seguir, podemos observar que existem mais similitudes que alteridades entre as

danças dramáticas Barong e Guerreiro. Esta tabela foi importante para o processo criativo,

como geradora de trabalhos para coletar material que foi estruturado para a composição

coreográfica do texto O Jato de Sangue.

Tabela 01: Tabela comparativa entre as danças dramáticas Barong e Guerreiro

BARONG GUERREIRO Personagens em Cena Vivido

re(a)presentado Vivido re(a)presentado

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Feiticeiros Reordenadores da Ordem Barong – Sacerdote Mateu Desestruturadores da Ordem

Estabelecida Rangda Caboclinho – Rainha –

Inimigos do índio Peri Presença de Transe sim não Presente na Infância sim sim

Magia/Simbolismo: Ligado a Religião sim sim Indumentária Extracotidiana sim sim

As danças dramáticas, Barong e Guerreiro desvelam um mundo interior, conflitos

ancestrais de vida e principalmente de morte. Evocam o sagrado, base e condição da vida

humana, que é permeado pelo simbólico, que só existe porque estamos na condição de seres

humanos e somos possuidores de um aparato biológico, um cérebro que tem um sistema

consciente (neocórtex:85%), um sistema pré-consciente (sistema límbico) e um sistema

inconsciente (sistema reptiliano), (SAGAN: 1973).

O processo criativo na montagem do texto “O Jato de Sangue”

No texto O Jato de Sangue não existe controle sobre o desejo dos dois irmãos

envolvidos em um caso de incesto. Acontece no desenrolar das ações propostas pelo texto

uma dubiedade de emoções que foi trabalhada incessantemente com os

bailarinos/atores/músicos durantes os exercícios psicofísicos no processo de criação.

Psicofísico é uma palavra derivada de [psic(o)- + físico], assim, o conceito que estou

utilizando é relativo ao corpo como espírito e matéria, significando o estudo das relações

funcionais mente/fenômenos físicos. Considero que para os bailarinos/bailarinas interessa,

fundamentalmente, as relações e conexões corporais (corpo/voz/psique) como uma unidade

soma/psíquica sem separação.

Objetivei proporcionar, através dos exercícios psicofísicos, a cada

ator/bailarino/músico/artista plástico, o início e desenvolvimento de um processo onde

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acontecesse um mergulho em seus inconscientes e um despojamento do corpo, para que

conseguissem colocar-se em risco em um total envolvimento com a instauração cênica, que

acontecia durante os processos de treinamento e ensaios e teria que estar presente na cena. Ao

viverem a situação de estarem dançando a oito metros de altura em andaimes e sem proteção

alguma, se encontravam em uma situação real de perigo, risco físico iminente provocando

processos mentais que interferem na atuação, proporcionando uma presença física mais

intensa na relação consigo e com o público. As propostas que foram lançadas para cada

pessoa que participou do processo foram: 1- estar muito atento sobre as suas respostas

corporais cinestésicas as situações sugeridas e vivenciadas; 2- se permitirem experimentar

novas sensações que mexessem com o espírito; 3 - sempre se colocarem na cena por inteiro e

verdadeiramente naquilo que estavam sentindo.

A técnica de dança mais utilizada no processo criativo foi a contact-

improvisation5. Na primeira aula prática, após um aquecimento corpóreo/vocal, sempre

exigido na primeira hora dos encontros posteriores, pedi que explorassem objetos musicais

construídos com os mais variados e inusitados materiais, com o objetivo de exploração das

possibilidades corpóreo/vocais em relação aos instrumentos musicais. Depois houve audição

de músicas do Barong. Todos os encontros foram realizados com participação dos músicos e

com artistas visuais que preparavam as pinturas corporais e projetavam imagens na parede

branca e em panos brancos, instaurando uma atmosfera mágico-ritualística a partir das danças

estudadas. Durante os trabalhos de voz onde procurávamos maneiras extra-cotidianas para a

fala, de sons guturais, como propõe Artaud, a sons muito agudos, eu sempre pedia que

observassem que tipo de emoção que isto suscitava e que imagens vinham à mente, lembrado

sempre das conexões com as danças estudadas. A maioria dos participantes relatava que as

imagens estavam relacionadas com infância, campo, liberdade e cores quentes. Essas imagens

feitas por todos os participantes do processo foram transpostas para os slides que foram

projetados durante a apresentação da encenação.

5 A técnica para dança contemporânea chamada contact-improvisation foi desenvolvida a partir de Steve Paxton e tem toda a movimentação fundamentada nas Leis da Física, (Leis de Newton, peso, força, equilíbrio, empuxo, alavancas, etc.). É uma dança a dois, baseada na prática da improvisação e na linguagem sensorial do toque, peso e pressão. Buscando o alinhamento e o suporte do esqueleto com o centro da terra. Tem na integração da energia (KI) a essência do seu trabalho. Oferece um método para aguçar a mente perceptiva e o prazer do contato físico. É uma dança que pode ir da quietude a um alto nível de atletismo e vice-versa.

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Aconteceram encontros, além do trabalho de laboratório, com pesquisa de campo

ao local onde grupos de Guerreiro ensaiavam ou se apresentavam, pois para os

bailarinos/atores/músicos era importante ver in loco a dança, música e a atitude ritualística

dos dançarinos, para comporem suas partituras corporais. Cada indivíduo foi orientado a

buscar a sua própria expressão a partir do que sentiam em relação ao que observavam. Eu

nunca, por exemplo, coreografei uma cena, os movimentos sempre foram criados pelos

atores/bailarinos/músicos e organizados e dançados em função do que eles criavam para as

cenas propostas pelo texto.

O Mocinho e a Mocinha, os irmãos incestuosos. realizavam uma dança, utilizado-

se do espaço em linhas sinuosas e diagonais, com movimentos lentos e fragmentados de

deslocamentos para frente, para trás, giros e saltos. A dança simbolizava para eles as questões

amorosas de dúvidas, avançar e retroceder. Os atores/bailarinos criaram esta dança a partir de

uma investigação de improvisação de contato, estabelecendo um contato inicial com o olhar,

buscando uma relação de perto/longe, imaginando que havia um elo unindo-os através do

olhar, como um fio invisível que os ligava e traduzindo para o corpo em movimento aquilo

que foi visto, estudado e sentido sobre o Barong e o Guerreiro: caos, ordem restabelecida,

sagrado, magia, interferência.

Toda a encenação é permeada por cenas simultâneas. Desde o momento em que o

espectador entra no espaço é provocado a escolher para onde irá dirigir o seu olhar. Várias

ações são apresentadas no início: os músicos, os cantores, a dança do Mocinho e da Mocinha,

e os corpos pendurados nos andaimes, os dois corpos dos duplos, que dançam ao redor de um

lago. Ao mesmo tempo são projetadas imagens nas paredes e nos corpos dos bailarinos que

estão nos andaimes e no Mocinho e Mocinha que estão executando uma dança realizada ao

redor dos andaimes, no chão,

Uma imagem, que norteou o treinamento dos atores/bailarinos/músicos e a criação

das partituras corporais para a instauração cênica, foi o círculo, imagem presente nas danças

estudadas. Assim, perseguimos, durante toda a encenação, a circularidade, a mandala, no

sentido de uma imagem circular como uma espiral. Conceituada como qualquer curva plana

gerada por um ponto móvel, que gira em torno de um ponto fixo, ao mesmo tempo em que

dele se afasta ou se aproxima segundo uma lei determinada. Considero que a espiral pode ser

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um desdobramento e sobreposição de mandalas não fechadas, nas quais diferentes elementos

podem agrupar-se em função do centro. Segundo Bachelard (1993),

Parece que a espiral nos colhe com suas mãos unidas. O desenho é mais ativo com relação ao que ele encerra do que a respeito do que ele desprende. O poeta sente isso quando vai habitar a alça de uma voluta, reencontrar o calor e a vida tranqüila no regaço de uma curva.

A relação para ser experimentada era o corpo girando em relação aos andaimes e as

sonoridades provocadas pelos registros internos. Aconteceu também uma criação de

movimentos a partir da dança “Guerreiro”, onde os dançarinos se utilizam amplamente de

movimentos circulares e semicirculares, conduzidos a partir da bacia.

Partindo desses experimentos foi explorada minha idéia de matriz identitária corporal

energética subjacente. Aflorar e cultivar esse aspecto são atos relevantes para o

bailarino/ator/músico, no seu ofício diário de treinamento físico e energético, pois é a partir

do conhecimento minucioso de sua matriz identitária corpóreo/vocal que poderá mais

facilmente incorporar e manipular sua energia, assim como a sua forma de percebê-la e

transportá-la para a cena. Desta maneira trabalhamos, com a perspectiva de uma matriz

identitária corporal construída na infância e da qual cada pessoa jamais se desvinculará no

exercício da vida. Provocar isso foi relevante para os participantes, na construção de sua

movimentação, pois, a partir do conhecimento minucioso da matriz identitária, pôde conceber

sua dança. Para tanto, criei a partir da pesquisa teórico-prática exercícios psicofísicos, pautada

na idéia de circularidade e movimentos “espiralados”, que podem proporcionar as pessoas

voltarem-se sobre si mesmas, auscultando-se minuciosamente. As imagens surgidas relatadas

no decorrer dos trabalhos estavam ligadas a infância, e de acordo com Bachelard (1993)

Tudo o que posso dizer da casa da minha infância é justamente o que preciso para me colocar em situação de onirismo, para me situar no limiar de um devaneio em que vou repousar no meu passado. Posso então esperar que minha página contenha algumas sonoridades verdadeiras, ou seja, uma voz longínqua em mim mesmo que será a voz que todos ouvem quando escutam o fundo da memória, o limite da memória, além talvez da memória, no campo do imemorial.

O texto a ser dançado toca o tempo todo na questão da casa, casa/natal, casa

interior, como espaço onde o pensamento pode fluir e Bachelard foi um autor, no qual

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fundamentei o processo de criação, na pesquisa e prática cênica, para a criação das danças

articuladas com a estética presente nas danças estudadas. Além disto foi utilizada a

exploração desse sentido do passado, sensório perceptivo, da casa como sendo o primeiro

abrigo da humanidade, depois do útero materno e onde são criadas e enraizadas, o que

denomino matriz identitária corpóreo/vocal. Durante o processo de criação da montagem

aconteceu uma exploração extenuante da percepção corpóreo/vocal: 1- dos processos

proprioceptivos -informações sobre o interior do corpo: sensações de movimento, peso e

localização corporal e cinestésicos; percepção dos movimentos; 2 – dos processos

exteroceptivos -informações sobre o mundo exterior e sobre a parte externa do corpo.

Para tanto foram vivenciados os já citados inúmeros exercícios psicofísicos

corpóreo/vocais, pois, para uma investigação fundamentada em Artaud, é imprescindível

trabalhar, em cada bailarino/a a introspecção: um mergulho em si, no seu mundo, no seu

sonho, no seu imaginário, proporcionando a experimentação de novas sensações. Assim,

criamos um treinamento corpóreo/vocal que estou denominando de sentidos, propus trabalhar

com o corpo em movimentos funcionais e extra-cotidianos estimulados pela música, dança,

teatro e artes visuais, proporcionando aos bailarinos/ atores/músicos, a exploração plena de

seus registros internos a partir de um tripé formado por sensação, sentimento e movimento,

para que, através de imagens e paisagens internas, aflorassem pensamentos e idéias criando

partituras corpóreo/vocais, utilizadas na composição das cenas. Para tanto é importante a

exploração de possibilidades diferentes, outras formas de fazer, agir e sentir. Assim, cada

bailarino/ator/músico foi estimulado a observar passagens da vida presente e passada e como

se sentia perante as imagens, tendo a predisposição para imaginar imagens novas, pois é

importante aprender a diferenciar uma imagem evocada, reprodução de algo que vivenciou e

reproduz de uma imagem produtiva, que é uma imagem nova, criada a partir do que

vivenciou.

Trabalhou-se a afetividade corpóreo/vocal até a exaustão em cada encontro. Todos

os exercícios de exaustão física têm fundamento nos rituais religiosos que a utilizam para

purificação espiritual. Para Jim Oblaen (apud LINS: 1999); o corpo precisa sofrer, passar por

crueldades para chegar ao corpo sadio, curado do medo de se transformar. Viver para se

contemplar após uma iniciação é dominar a própria vida e ficar para sempre livre de limites

do corpo. A coragem do iniciado ao submeter-se a rituais que são uma verdadeira tortura, a

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dor mata a dependência da esperança, mata a morte. Ao retornar do sacrifício a pessoa está

renovada, trazendo um novo olhar sob o mundo. Exercitamos a relação olhar X espaço X

outro X emoção, no processo de descoberta de uma figura presente no texto dentro de uma

partitura vocal previamente dada criando a movimentação cênica Outro exercício trabalhado,

inspirado em Baiocchi6, consiste basicamente em explorar a dubiedade das emoções a partir

das frases: Eu te amo – Eu não te amo, onde eu acrescentei a frase: Eu te odeio. Um

ator/bailarino fica face a face com outro e com os olhos fixos um no outro, vai repetindo as

frases conforme a emoção suscitada no momento pelo olhar e a presença do corpo físico até a

completa exaustão, experimentando, dessa forma, variados níveis de emoção que ficam

registrados em sua memória corpóreo/vocal. No exercício o corpo deveria sempre reagir à

emoção desencadeando uma fisicalização do sentido ao ouvir o pronunciamento da frase do

outro. A partir desse exercício foram fixados os pares e as partituras corpóreo/vocais para a

repetição do texto do Mocinho e da Mocinha, por cada casal formado. O texto só foi

apresentado aos bailarinos/ atores depois da coreografia pronta e foi nela encaixado, como se

fosse um eco:

O Mocinho: - Eu te amo e tudo é belo.

A Mocinha: - Tu me amas e tudo é belo.

O Mocinho: - Eu te amo e tudo é belo.

- Eu te amo. Fica na minha frente.

A Mocinha: - Está bem.

A movimentação corporal do Mocinho e da Mocinha trabalha com a lentidão de

movimentos de ir e vir, andar e retroceder porque chegaram a conclusão de que deveria ser

posta na cena, a imagem de que a vida é transpassada, especialmente nas paixões proibidas

pelo ir e vir, retrocesso, avanço e recuo, medo, presentes nas danças estudadas. Ao mesmo

tempo em que se quer avançar em uma paixão, mergulhar no sentir e viver, fatos de nossa

vida sentida e memórias nos fazem fugir. É um sentimento contraditório, um fluxo, um

movimento alternado que vai e volta, que escorre, vaza, foge e não se pode conter. O

Mocinho, ao mesmo tempo em que foge da Mocinha, “escorre” para a puta. Quebra uma

estrutura convencional e estabelecida como modelo social. Segundo essa lógica, ele deveria

6 IN Oficina de Teatro de Energias, Solar de Olinda. 1999.

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procurar outra moça, que não fosse sua irmã, para constituir uma família, no entanto ele

prefere ir atrás do profano. Assim, desorganiza as aparências, amplia as fronteiras da

realidade previamente estabelecidas e impostas, derruba preconceitos, dá vazão ao desejo e

foge com a puta. A Mocinha, por sua vez, enlouquece e acaba por confundir a puta com uma

virgem e, na sua dor da perda, quer, deseja ser ela, não a virgem que é, mas a puta, numa

inversão de papéis.

Para Artaud, as forças energéticas podem ser captadas e irradiadas pelo

bailarino/ator no trajeto material dos órgãos. O ser humano deve ser visto com um duplo

dessas forças, como o Kha7 dos egípcios, um espectro eterno onde se irradiam forças da

afetividade. É preciso conhecer o segredo do tempo das paixões. Esse tempo pode ser

encontrado por analogia nas seis maneiras de combinação da respiração. Artaud inspira-se na

divisão da respiração proposta pela Cabala8. A respiração pode ser de três formas: masculina,

feminina ou andrógina; então pode-se realizar seis combinações principais de respiração. O

corpo deve ser usado em estado de contração e descontração e deve-se reconhecer os pontos,

no corpo, de esforço físico, pois sobre eles incide a manifestação do pensamento afetivo, que

levam a um sentimento. E aqui encontro conexões com as técnicas de dança propostas por

Marta Graham. Para Artaud, toda emoção tem base orgânica. É cultivando seu pathos, no

corpo que o ator recarrega sua densidade energética. Artaud propõe o bailarino/ator como um

7 O corpo humano é formado de um envoltório físico material, o corpo. Este envoltório material era chamado pelos Egípcios de KHAT. Cobrindo este envoltório material há um princípio que recebe a forma do corpo, que é seu duplo. Este princípio ligado ao plano astral, que nele respira secretamente e sofre a influencia dos astros, é nomeado pelos Egípcios de KHA. Os sábios orientalistas contemporâneos traduziram como Maspero, a palavra significa duplo. O físico Paracelso o denominou corpo astral. O princípio espiritual que utiliza como meio de ação sobre a matéria o duplo astral, era chamado pelos Egípcios de KHU. O ente humano encarnado era composto de um corpo Khat, dum duplo astral Kha, e de um espírito khu. Este espírito agia geralmente de longe, por meio de clichês enviados à nuca do seu corpo físico. Os egípcios almejavam que, desde o nascimento, o espírito se refugiasse nas regiões astrais, na estrela polar, e daí é que incitava os elementos materiais. 8 Tratado filosófico-religioso hebraico, que pretende resumir uma religião secreta que se supõe haver coexistido com a religião popular dos hebreus. O conteúdo desse tratado é uma teoria e um simbolismo dos números e das letras, onde gestos rítmicos e respiração levam a uma “iluminação”. Cabala deriva de Kibbel, raiz fundamental de K B L na sua forma denominada Piel, significando receber por transmissão ensinamentos esotéricos transferidos por entes mitológicos ou por gerações anteriores. Assim também é traduzida por tradição.

A palavra ruach- significa vento ou respiração. Tradicionalmente os cabalistas observaram a respiração como sendo o meio de entrada para estados de consciência mais elevados. O Rabino Abraão Abulafia ensinou técnicas de padrões de respiração alterada combinadas com a ioga, tais como combinar posturas da ioga com meditações guiadas com as letras hebraicas. Seus seguidores, através dos séculos, têm recomendado que devemos reservar um tempo, todos os dias, para alcançar a calma interior, o que nos levará diretamente a um estado de consciência mais arrebatado e sublime.

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atleta da afetividade, da paixão, que pode servir-se de sua emoção da maneira como os atletas

e lutadores servem-se de sua musculatura. Artaud emprega o conceito utilizado na medicina

chinesa denominado, Yin/Yang, cuja noção de complementaridade entre os opostos pode ser

usada para reforçar a importância e a conexão entre corpo e espírito. A idéia de circularidade

já mencionada que utilizamos é compreendida no sentido da imagem circular em um modelo

de espiral. A imagem que se pode ter é a do corpo como centro de uma mandala, na qual se

concentra energia em um movimento centrípeto para ser, posteriormente, irradiada.

No desenrolar do processo criativo, depois de identificado o estado de ânimo

inicial em cada bailarino/a, provocado pela respiração, acontecia um desdobramento do

trabalho, utilizando-se amplamente do aparelho sensório-perceptivo (visão, audição, paladar,

olfato, tato), a partir de objetos, imagens, odores, texturas, música e dramaturgia interna com

a idéia de interseção. Termo derivado do latim intersectione, utilizado não com o significado

ato de cortar, mas com a idéia de cruzamento, que vem da matemática e quer dizer:

“operação por meio da qual se forma o conjunto de todos os elementos que pertencem

simultaneamente a dois ou mais conjuntos”. O conjunto neste caso é o processo criativo do

movimento corpóreo/vocal permeado e mesclado por teatro, dança, artes visuais e música,

criando, desta maneira, uma descompartimentalização entre estas linguagens e tendo como

força motriz do trabalho os exercícios psicofísicos. Em um aprofundamento do trabalho, os

atores/bailarinos/músicos se exercitaram em um processo de criação individual, tendo em

vista as cenas que foram esboçadas e definidas sempre a partir da estética das duas danças

estudadas.

Imagem 06: O Mocinho e a Mocinha em cena

Bibliografia

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