148

A DÉCADA - seade.gov.br

  • Upload
    others

  • View
    6

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

3

ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005

E

Resumo: O artigo argumenta que a combinação de três fatores contribuiu para o fraco desempenho do sistemabrasileiro de inovação nos anos 90, principalmente quando comparado com a de seus principais competidoresno mercado globalizado: no domínio econômico, foram baixos os investimentos em áreas onde a incorporaçãode novos conhecimentos é essencial; no domínio tecnológico, cortes em áreas (educação, P&D, etc.) essenci-ais para inovações em tempos de economia do aprendizado; no domínio institucional, a adoção da não políticaindustrial/tecnológica como política de desenvolvimento.Palavras-chave: Economia do aprendizado. Sistema de inovação. Política tecnológica.

Abstract: The paper argues that the combination of three factors contributed for a poor performance of theBrazilian national system of innovation in the 1990s, specially when compared with it competitors in theglobal economy: in its economic domain there was not enough productive investment in areas where newknowledge is essential; in the technological domain, curb of expenses in areas (education, R&D, etc. ) whichare crucial to innovation at times of the learning economy; and in the institutional domain, the adoption ofindustrial/technological policies as its policy of economic development.Key words: Learning economy. Systems of innovation. Technological policy.

ARLINDO VILLASCHI

ste trabalho trata das mudanças estruturais queocorreram na formação socioeconômica brasi-leira na década de 90 e de seu impacto sobre os

ANOS 90uma década perdida para o sistema

nacional de inovação brasileiro?

elementos mais importantes do sistema nacional de ino-vação brasileiro – SNIB. Seguindo uma tradição que co-meçou com Freeman (1987) e Andersen e Lundvall(1988), destacam-se neste estudo as interações entre osatores econômicos, sociais e políticos que fortalecem ourestringem suas capacidades de aprendizado e pesquisae, como resultado, aumentam ou inibem o desenvolvi-mento, a divulgação e o uso de inovações em uma deter-minada nação.

Apesar da nova estrutura dessas interações em uma erade relações cada vez mais intensas em escala mundial, dá-se ênfase à dimensão nacional a fim de se captar a refe-rência espaço-institucional das trocas focadas nos proces-

sos de aprendizado que levam à inovação e aumentam ouinibem a competitividade das empresas e as capacitaçõessociais. O caso brasileiro é peculiar no sentido de que amaioria das mudanças em sua estrutura institucional eeconômica (privatização, liberalização, mudança na par-ticipação acionária de importantes empresas que altera-ram sua condição de local para estrangeira, etc.) na déca-da de 90 não levou em conta as transformações radicaisque estavam ocorrendo na base tecnológica do desenvol-vimento mundial – ou seja, as mudanças associadas aoparadigma técnico-econômico – PTE das tecnologias dainformação e das comunicações – TICs (FREEMAN;PEREZ, 1988).

Assim, são revistos alguns dos elementos dinâmicos doSNIB identificados nos anos 80 por Villaschi (1992). Naépoca, o papel desempenhado pelas empresas estatais e

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 20054

ARLINDO VILLASCHI

pelos laboratórios de pesquisa públicos em áreas que es-tavam no cerne do PTE da TIC e a maneira como a triplaaliança entre empresas locais, estrangeiras e estatais vi-nha funcionando poderiam ser uma indicação positiva depossibilidades para o SNIB aproveitar algumas ‘janelasde oportunidades’ que estavam sendo abertas pelo emer-gente PTE. Além disso, essas oportunidades pareciam serapoiadas pelas mudanças institucionais promovidas peloincremento da participação social subjacente à Constitui-ção de 1988.

Após aproximadamente uma década, o presentetrabalho mostra que algumas dessas indicações falharame não se cumpriram as expectativas levantadas pelo estudoanterior. Muito embora a economia tenha superado oproblema histórico da instabilidade de preços, o desem-penho do investimento foi fraco na década de 90, e a libe-ralização do comércio e o fluxo de capitais não trouxeraminvestimentos externos produtivos para áreas em que novosconhecimentos são essenciais. No domínio tecnológico,o compromisso político com o déficit público temimplicado corte nos gastos em áreas cruciais para ainovação em tempos de aprendizado econômico –educação, pesquisa e desenvolvimento (P&D), etc.Ademais, no domínio institucional, uma forte crença nasforças do mercado por parte das autoridades governa-mentais levou o país à adoção de “não-políticas” indus-triais e tecnológicas como sua política de desenvolvimentoeconômico.

Este artigo, portanto, reforça o que é ressaltado pelaliteratura neo-schumpeteriana, ou seja, que os rumosemergentes de um PTE são, raramente, dirigidos ‘natu-ralmente’ pelas forças do mercado. Fatores tecnológicos,econômicos e sociopolíticos são muito importantes naformação das trajetórias e na determinação do modocomo a nova base tecnológica para o desenvolvimentomundial evolui nos diferentes países. Essas trajetóriassão formadas por um processo de seleção que ocorre pelainteração de forças econômicas, políticas e sociais e derecursos científicos, tecnológicos, inovadores e indus-triais locais.

Como os atores econômicos, sociais e políticos queconstituem um sistema nacional de inovação – SNI nãorespondem a uma lógica única e as diversas lógicas a queeles respondem não são necessariamente convergentes, oselementos do SNIB destacados serão divididos em trêsdomínios auto-regulados (tecnológico, econômico einstitucional), que operam de acordo com as hipótesesestabelecidas por Dosi (1984) e posteriormente utiliza-

das por Villaschi (1992) para examinar suas principaiscaracterísticas nos anos 80.

Portanto, o SNIB é visto aqui de uma maneira que res-ponde às características básicas identificadas por Edquist(2001). Primeiro, ele consiste de alguns tipos de compo-nentes e das relações existentes entre eles. Segundo, omotivo da escolha de uma série de componentes (tecnoló-gicos, econômicos e institucionais) e relações (em espe-cial as que não são mediadas pelo mercado) são os indí-cios de que eles formam um todo. Terceiro, essescomponentes e suas relações são escolhidos com vistas afacilitar a caracterização do sistema em relação ao restodo mundo – isto é, deve ser possível identificar as fron-teiras do sistema. Ou seja, pelo menos um ator do proces-so de aprendizado, pesquisa, inovação e produção estádentro das fronteiras geopolíticas do país.

A próxima seção apresenta a estrutura analítica utili-zada na avaliação do SNIB, baseada:- nas contribuições de Freeman (1988) e Lundvall (1988)relativas à abordagem do SNI e nas críticas a ela feitaspor Edquist (2001);

- nos trabalhos de Freeman e Perez (1988), Freeman eLouçã (2001), Castells (2000) e Tuomi (2001) sobre oparadigma técnico-econômico corrente;

- nas formulações de Johnson e Lundvall (2001), Nonakae Takeuchi (1995) e Kuusi (1999) relativas a conhecimentoe aprendizado;

- nas análises das instituições e capacidades sociais ela-boradas por Hämäläinen (1999) e Perez (1997).

A seção seguinte trata dos elementos dos campostecnológico, econômico e institucional do SNIB na dé-cada de 90. Dá-se especial atenção: à redução de recur-sos disponíveis para o ensino e a pesquisa em univer-sidades públicas do país; à debilidade da políticaeconômica nos aspectos da estabilidade e flexibilidadenecessárias para que o país desempenhasse um papelrelevante no PTE da TIC e à estratégia defensiva comrelação à inovação usada por empresas, mesmo em setratando daquelas localizadas nas regiões mais desenvol-vidas do país.

Diante das indicações de que os anos 90 foram umadécada em que o SNIB funcionou sob pesadas restrições,a última seção lida com questões prioritárias na agendados países que desejam desempenhar um papel mais ativono fluxo mundial de bens e serviços intensivos em conhe-cimento, e que também devem tornar-se parte do debatepúblico e da elaboração de políticas no Brasil.

5

ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005

ESTRUTURA ANALÍTICA

Abordagem de Sistema de Inovação

A tradição iniciada com Freeman (1987) e Andersen eLundvall (1988) ressalta as diferenças no ritmo em queos países exploram as possibilidades oferecidas pelo hia-to tecnológico que se abre especialmente em tempos demudança do paradigma técnico-econômico ou das traje-tórias tecnológicas (FREEMAN; PEREZ, 1988). Essas di-ferenças são vistas como dependentes da capacidade decada país de mobilizar recursos políticos e financeiros paratransformar as estruturas tecnológicas, institucionais eeconômicas que englobam seu sistema nacional de inova-ção – SNI.1

Como é ressaltado na literatura neo-schumpeteriana,as trajetórias emergentes de um PTE são raramente movi-das ‘naturalmente’ por fatores endógenos científicos etecnológicos. Os fatores econômicos e sociopolíticos sãomuito importantes na formação das trajetórias e na deter-minação da maneira como uma nova base tecnológica parao desenvolvimento mundial se desdobra em diferentespaíses. Um processo de seleção ocorre, então, mediante ainteração de forças econômicas, políticas e sociais e derecursos científicos, tecnológicos, inovadores e industriaislocais.

Para captar as principais características da interaçãoque ocorre em qualquer país, o SNI deve ser visto dedois ângulos interconectados e, ao mesmo tempo, opos-tos. O primeiro é o do conteúdo ‘desequilibrador’ dasforças que interagem dentro dele. Isso acontece porqueas mudanças e transformações são, por natureza, forçasnão-equilibradoras. O segundo ângulo sob o qual o SNIdeve ser visto é o das forças que mantêm relativamenteordenadas as configurações do sistema e permitem umaampla coerência entre suas condições de reproduçãomaterial.

Como os atores econômicos, sociais e políticos quecompreendem um SNI não respondem a uma lógica úni-ca e as diferentes lógicas a que cada um responde nãosão necessariamente convergentes, os elementos do SNIBaqui destacados serão divididos em três domínios auto-regulados (tecnológico, econômico e institucional), queoperam de acordo com as seguintes hipóteses (DOSI,1984):- independentemente das poderosas interações entre eles,cada um dos três domínios tem uma dinâmica e um con-teúdo próprios. As especificidades da dinâmica e do con-

teúdo de cada domínio moldam e restringem seu impactoindividual e as interações entre eles, de maneira que suasretroalimentações funcionais podem tornar possíveis ‘cír-culos virtuosos’ quanto ‘desajustes’;

- os ‘mundos possíveis’ são limitados pelo número deconfigurações em que os três domínios podem operar demaneira relativamente ‘bem regulada’ e harmoniosa;

- os desequilíbrios ou ‘desajustes’ entre os três domíniosnão levam necessariamente a mudanças em outras confi-gurações mais equilibradas ou ‘mais harmoniosas’;

- a adaptabilidade do sistema tecnológico para um dadoambiente econômico e social é confinada e limitada. In-versamente, um conjunto relativamente limitado de con-dições macroeconômicas e relações sociais é ‘dado’ emcada estágio do ‘domínio tecnológico’.

O Paradigma Técnico-Econômico – PTE das TICscomo Base para o Desenvolvimento Mundial

Muito embora se reconheça a importância dos outrostrês ‘níveis’ de inovação propostos por Freeman e Perez(1988) – mudanças incrementais e radicais do sistemade tecnologia –, a principal preocupação aqui será comas mudanças tecnológicas revolucionárias. Dois aspec-tos dessas transformações merecem ser destacados: pri-meiro, a sua difundida aplicação e a drástica redução noscustos de muitos produtos e serviços; e, segundo, a im-portância de se prestar atenção na aceitabilidade sociale política das revoluções tecnológicas. Isso pode levarmais tempo do que aquele necessário para a percepçãodas vantagens técnicas da inovação e da sua eco-nomicidade. Por isso, em muitos casos, essa receptividadedeve ser expressa em mudanças legislativas, educacio-nais e de regulação de processos econômicos, sociais epolíticos.

Assim, o conceito de PTE de Freeman e Perez (1988) éuma boa aproximação da elaboração de Kuhn, porque elesrelacionam o paradigma tecnológico não apenas a um ramosetorial particular, mas às tendências amplas da economia.Além disso, juntam a inadequação das instituições ao ple-no desenvolvimento de uma revolução tecnológica e aoestado de crise que, mais cedo ou mais tarde, emerge dadiminuição de seu caráter revolucionário. Ou seja, eles dãoalgum conteúdo real à noção de ‘sucessivas revoluções in-dustriais’, interpretando as ondas de Kondratiev como grauscrescentes de ajustes entre o sistema técnico-econômico ea estrutura socioinstitucional em expansão, seguidos de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 20056

ARLINDO VILLASCHI

graus crescentes de desajustes entre esses subsistemas à beirado colapso.

Ademais, ao romper com os diferentes graus dedeterminismo econômico monocausal, a abordagem doPTE pode ser vista como um importante movimento emdireção a uma teoria unificada de crescimento, crise emudança. Essa abordagem heterodoxa parece mais ade-quada que o círculo vicioso das atuais ciências sociais,em que, de um lado, os sociólogos e cientistas políticostentam explicar as fracas motivações sociais, a apatia e acrise política em termos de tendências econômicas e, deoutro, os economistas tentam explicar as tendências dacrise econômica como o resultado da politização da eco-nomia em relação a motivações e incentivos.

Esse tratamento heterodoxo torna-se ainda mais impor-tante quando se deseja lidar com a mudança contínua noPTE. Mesmo que seja possível remontar a suas raízes cien-tíficas e tecnológicas no século XVII,2 o PTE das tecno-logias da informação e das comunicações somente se tor-nou parte da agenda econômica depois de 1970. Alémdisso, suas implicações institucionais somente chegaramao debate público na década de 90.

Independentemente de quando cada uma dessas trêsdimensões do PTE das TICs aflorou no debate acadêmi-co ou público,3 o que importa é ter em mente que se deveevitar a armadilha do determinismo do fator único, qual-quer que seja ele – cultural, econômico, político, científi-co ou tecnológico (FREEMAN; LOUÇÃ, 2001).4

QUADRO 1

Mudanças no Paradigma Técnico-Econômico: da Energia Barata ao Chip

Fordista (antigo) TICs (novo)

Características tecnológicas

Funcionalidade e “melhores” produtos Conhecimento e comunicação

vinculados com a mente humana

Conectividade local-a-local Conectividade pessoa-a-pessoa

As pessoas vistas como usuários, consumidores, Sustentabilidade pessoal, física e

trabalhadores psicológica

Características econômicas

Intensivo em energia Intensivo em informações

Projetos e engenharia em escritórios de desenho Projetos auxiliados por computador

Projeto e produção seqüencial Engenharia simultânea

Automação Sistematização

Empresa única Redes

Produto com serviço Serviço com produto

Centralização Informação distribuída

Habilidades especializadas Múltiplas habilidades

Características institucionais

Controle e, às vezes, propriedade do governo Informações, coordenação e

regulamentação do governo

Planejamento Visão

Estado do bem-estar e Estado bélico Regulamentação da infra-estrutura

estratégica das TICs

Pax Americana – predomínio econômico e militar Multipolaridade – blocos

dos EUA regionais

Dominação americana dos regimes financeiro Problemas de desenvolvimento

e comercial internacionais de instituições internacionais

(FMI, Banco Mundial, etc.)

apropriadas capazes de regular as

finanças globais

Fonte: Adaptado de Freeman e Perez (1988); Freeman e Louçã (2001) e Tuomi (2001).

7

ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005

Por esse motivo, aqui se dispensa ênfase especial a duascaracterísticas da era emergente que são reconhecidascomo relevantes por todos os que estão preocupados comsuas oportunidades e limitações: conhecimento e institui-ções. Ressalte-se, portanto, que a grande diferença entreas ondas/revoluções/sociedades/gerações anteriores e aatual reside no fato de que hoje existem formas novas emais rápidas e conteúdos diferentes (sociais, políticos,econômicos, etc.) para a coleta, o tratamento, a transmis-são e o recebimento de todos os tipos de informações dequalquer lugar e para todos os lugares.

Informação, Conhecimento e Aprendizado

A economia moderna está mais do que nunca conscienteda importância do conhecimento e do aprendizado. Nocampo dos estudos da inovação e das mudanças tecno-lógicas, Nelson e Winter (1982), por exemplo, têm feitoamplo uso da distinção entre conhecimento tácito e codi-ficado; Arrow (1962), Rosenberg (1976) e Lundvall (1985)levantam questões específicas relativas ao aprendizado eà inovação. A maior diferença entre essas contribuições éque, enquanto os dois primeiros estão mais interessadosno aprendizado dentro da empresa (por meio do fazer edo usar, respectivamente), o aprendizado por interação deLundvall leva à vanguarda da discussão capacitaçõesinovativas que emergem quando usuários e produtores deinovações buscam juntos novos produtos ou processos.

Todavia, o entendimento acerca de conhecimento eaprendizado permanece ainda estreito, apesar das novaspercepções que surgem de programas de pesquisas históri-cas e empíricas sobre economia institucional, economiaevolucionária, pesquisa socioeconômica e economia da ino-vação.5 Deve-se creditar a esses programas o domínio maiorque hoje temos sobre como a inovação acontece em dife-rentes partes da economia. Mas, quando se vai ao outroaspecto da produção de conhecimento, isto é, ao fortaleci-mento da competência, do aprendizado e da intermediaçãode conhecimento, somente agora a pesquisa está começan-do a levantar questões fundamentais sobre quem aprende oquê e como o aprendizado ocorre no contexto do desenvol-vimento econômico (JOHNSON; LUNDVALL, 2001).

Para facilitar o entendimento dessas questões, Johnsone Lundvall (2001) as dividem em quatro categorias. Oconhecimento individual consiste de know-what (fatos),know-why (princípios), know-how (habilidades) e know-who. Este último refere-se a informações sobre quem sabeo quê e quem sabe o que fazer e à capacidade para coope-

rar e comunicar-se com tipos diferentes de pessoas e es-pecialistas.6

Os estudiosos destacam, adicionalmente, que é míni-mo o conhecimento perfeitamente público. Mesmo infor-mações do tipo know-what podem não estar disponíveispara os que não estão conectados às comunicações ou re-des sociais certas.7 Se os conhecimentos científicos ou deoutros tipos complexos se tornassem perfeitamente aces-síveis, ainda assim, para acessá-los, o usuário precisariainvestir no fortalecimento de capacidades de absorção.Assim:- apesar de a tecnologia da informação ter ampliado enor-memente a disponibilidade de informações para os agen-tes individuais, o know-what cada vez mais depende daescolha do que é relevante. Mesmo com os mais recentesavanços nessa área, o acesso a esse tipo de conhecimentoestá ainda longe de ser perfeito, e o meio mais eficaz deobter os fatos pertinentes pode ser por meio do know-who– isto é, o contato com um excelente especialista na áreapara conseguir orientação sobre onde procurar informa-ções específicas;

- o trabalho científico visa produzir um modelo teóricodo tipo know-why, e parte desse trabalho é tornado dedomínio público. Isso, porém, não significa acesso público,uma vez que, com freqüência, são necessários substanciaisinvestimentos em aprendizado para que as informaçõesdisponíveis na Internet ou em outros meios façam algumsentido. Novamente, o know-who, direcionado para omundo acadêmico, pode ajudar o diletante a obter uma“tradução” para algo de mais fácil compreensão.8 Esta éuma das fortes motivações para a presença de empresasem ambientes acadêmicos e, às vezes, até mesmo de seuengajamento em pesquisa básica. Algumas grandes firmascontribuem para a pesquisa básica e tendem a assumirfunções de universidades técnicas. No entanto, essa estreitaconexão entre a ciência e a exploração de novas idéiaspelas empresas, em campos como a biotecnologia, podecomprometer o intercâmbio aberto que deve caracterizara produção do conhecimento acadêmico;9

- em campos com intensa concorrência tecnológica, assoluções técnicas, com freqüência, passam à frente doknow-why acadêmico. Esse é o caso quando a tecnologiapode resolver problemas de exercício de funções sem umentendimento científico claro do porquê. Aqui, conheci-mento é mais know-how do que know-why.

Depois de tratar essas diferentes formas e conteúdosde conhecimento e suas fronteiras públicas/privadas in-

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 20058

ARLINDO VILLASCHI

definidas, Johnson e Lundvall (2001) abordam outra ques-tão fundamental, especialmente no que tange a produção,circulação e distribuição de conhecimento – isto é, comoseus diferentes aspectos podem ser mediados. A esse res-peito, eles acrescentam:- como o conhecimento tácito na forma de know-how oucompetência não pode ser separado da pessoa ou organi-zação que o contém, a mediação pode tomar a forma decompra dos serviços prestados pela pessoa ou empresa emdetrimento da aquisição da competência. A importânciadesse tipo de mediação (e dos problemas envolvidos) podeser observada na crescente relevância que os serviçosempresariais intensivos em conhecimento (mencionadosna literatura internacional como kibs) vêm adquirindo;

- o conhecimento tácito também pode ser mediado peloaprendizado interativo entre quem dele precisa e seu porta-dor. Essa pode ser uma escolha consciente – por exemplo,quando um aprendiz entra em contato com um mestre – oupode ser um subproduto da cooperação entre pessoas eorganizações para resolver problemas compartilhados.

A mediação do conhecimento não é necessariamentemais fácil quando seu conteúdo pode ser explicitado eseparado de seu portador. De um lado, a determinação dovalor das informações para o usuário antes da transaçãonão é sempre uma tarefa fácil; por motivos óbvios, o usuá-rio deseja saber algo com antecedência sobre o conheci-mento e o vendedor não deseja dar informações gratuita-mente. Por outro lado, é difícil tanto para o vendedorrestringir o uso das informações depois que elas foramvendidas como para o comprador impedir sua posteriordistribuição pelo vendedor.

Em todo caso, a importância dos gastos em P&D temaumentado como um meio de facilitação da mediação doconhecimento. De um lado, isso acontece porque até mes-mo para a engenharia reversa se requer um mínimo decompetência científica, cuja aquisição exige investimen-to em P&D. De outro, como o ritmo da mudança e a com-plexidade do conhecimento têm crescido de maneira muitorápida, nenhuma organização sozinha pode dominar to-dos os elementos da base de conhecimento.

É importante observar que, mesmo quando a cogniçãoé incorporada a produtos, pode ser necessário algum tipode mediação para a transferência de conhecimento tácito,a fim de que ele possa ser pleno ou adequadamente usado.Esse é o motivo pelo qual os fornecedores de equipamentospara processos complexos podem oferecer treinamento aocliente.10

Em todos os casos apresentados por Johnson e Lundvall(2001), fica bastante claro que, em tempos de mudançado PTE, toda tentativa de corte entre conhecimento tácitoe codificado (ou codificável) é infrutífera. Por isso, tor-na-se cada vez mais importante compreender como essasduas formas de conhecimento podem estabelecer círculosvirtuosos de complementaridades.

O modelo SECI (socialização-externalização-com-binação-internalização), proposto por Nonaka e Takeuchi(1995), baseia-se na idéia de que o conhecimento é criadoem um processo contínuo no qual a socialização do sabertácito e não-articulado o transforma em algo que podeser transferido ou codificado. A combinação de diferentescognições externalizadas aumenta o conhecimento tácito,que é internalizado nos indivíduos ou nas organizaçõesparticipantes. Um círculo virtuoso é estabelecido quandoo novo conhecimento tácito é socializado.

Como, em muitos casos, os círculos virtuosos não ocor-rem como resultado de ambientes formais, mas provêmde redes informais, deve-se dar mais atenção às comuni-dades de aprendizado, cujo conceito envolve a maneiracomo atores e instituições básicas interagem na imple-mentação de diferentes tipos de redes. As funções quedefinem uma comunidade de aprendizado são a gestão deseu conhecimento comum ou as atividades de logística doconhecimento que resultam na adoção ou na produção deinovações (KUUSI, 1999).

A análise desse modelo é um forte argumento para oalerta de Johnson e Lundvall (2001) sobre a necessidadede um melhor entendimento das conexões entre as dife-rentes formas de conhecimento, seu conteúdo público/pri-vado e as diferentes formas de sua mediação. Tambémserve para o fortalecimento das possíveis implicações docontexto em que se dá a geração do conhecimento tácito.Em outras palavras, é preciso

pensar mais e com maior cuidado sobre como o conhe-

cimento tácito e o contexto são produzidos para podermos

dizer algo inteligente sobre as condições em que o conheci-

mento tácito possa ser o mais prontamente possível compar-

tilhado – ou seja, quando a ‘proximidade’ é importante: que

tipos e por quê (GERTLER, 2001, p. 17, tradução nossa).

Instituições e Capacidades Sociais

Regidas tanto por restrições informais (tabus, sanções,costumes, tradições e códigos de conduta) quanto por re-

9

ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005

gras formais (constituições, leis, direitos de propriedade),as instituições, de maneira geral, “são restrições criadaspelo homem que estruturam as interações políticas, eco-nômicas e sociais” (NORTH, 1991, p. 97). Elas têm, comocaracterística fundamental, seus dispositivos de informa-ção elaborados para diminuir as incertezas. Ao diminuiro volume das informações necessárias para a ação indivi-dual e coletiva, as instituições tornam a sociedade possí-vel e constituem sua pedra fundamental.

Do ponto de vista econômico, a tradição institucio-nalista tem ressaltado as dimensões de tempo e local quecaracterizam as regularidades do comportamento social.O comportamento econômico foi instituído, então, não porforça de características humanas universais, mas por umprocesso cultural. Em um mundo caracterizado poratividades inovadoras (centradas em diferentes formas econteúdos de conhecimento adquiridos de fontes e pormeios de aprendizado diversos), a incerteza é um aspectoimportante da vida econômica e a existência de ambientesinstitucionais em diferentes níveis (de uma empresaespecífica, de um grupo de empresas ou de um país) torna-se um dos componentes centrais de um sistema deinovação.

Com essas configurações, não surpreende que em todasas abordagens mencionadas anteriormente as instituiçõesapareçam como um elemento-chave a ser considerado.Como Freeman e Perez (1988) ressaltaram, em tempos demudança dos PTEs, a antiga estrutura institucional sempreenfrenta novos desafios. Os recursos, as tecnologias, osarranjos organizacionais e as estruturas de mercadoessenciais do novo paradigma não podem alcançar seupleno desenvolvimento dentro da antiga estrutura ins-titucional.

Não houvesse outra razão, o antigo ambiente institu-cional foi desenhado (formal ou informalmente) para com-binar as necessidades e preferências sociais, econômicase tecnológicas de seu tempo. Da mesma forma, à medidaque surgem novas demandas, um novo ambiente insti-tucional deve se instalar para evitar a perpetuação dodesajuste entre os diferentes domínios descritos acima.

Esse desacordo pode ser visto sob a perspectiva damaneira como os agentes (indivíduos, grupos, organiza-ções) percebem as mudanças que estão ocorrendo. Segun-do Hämäläinen (1999):- alguns desenvolvem uma atitude que reflete melhor asnovas realidades técnico-econômicas do mundo, mas estãoinsatisfeitos com a lentidão do ajuste das normas sociais,das instituições formais e do comportamento coletivo;

- outros estão satisfeitos com seu antigo paradigma men-tal, mas não com a maneira como a economia e astecnologias estão mudando o mundo ao seu redor;

- outros, ainda, sentem as perdas da rápida mudança es-trutural ocasionadas pela mudança de PTE, mas não con-seguem compreender o que aconteceu de errado com asociedade;

- também existem os que percebem que as mudanças sãoinevitáveis, mas, devido a interesses adquiridos no antigoparadigma (normalmente, ligados a capital humano epatrimônio físico), expressam seus protestos contra aspossíveis mudanças.

Devido a tais percepções e comportamentos distintos,Perez (2002) observa que:- a longa fase de transição entre os antigos e novosparadigmas socioinstitucionais tende a ser um períodoturbulento de crescimento das tensões sociais, intensifi-cação do fundamentalismo moral e religioso, proliferaçãode novos clãs e movimentos extremistas, surgimento delideranças fortes com ideologias simples e, até mesmo,de guerras e revoluções;11

- o ajuste da estrutura jurídica e reguladora da socieda-de12 pode ser um processo muito lento devido à resistên-cia de numerosos grupos de interesses especiais e à natu-reza complexa do processo político;

- o processo de ajuste institucional influencia o compor-tamento coletivo. As organizações do setor público e osantigos grupos de interesses especiais tendem a ser os úl-timos redutos do antigo arranjo institucional, pois nãoenfrentam concorrência direta e têm um forte interesse namanutenção do antigo regime.

Por ora, deve ficar claro que um sistema de inovaçãonão pode depender somente das relações econômicas quepodem ser mediadas pelo mercado ou cuja governançapode estar a cargo de hierarquias. No nível das diferentesredes sociais e econômicas, deve-se tentar quantificar es-sas relações por meio da decomposição do capital socialem três fatores: interação social, confiança e qualidadeda informação (ALI-YRKKÖ, 2001).

Segundo Coleman (2000), os atributos/capacidades so-ciais podem ser compreendidos como relações institucionaisentre pessoas. Putman (1993) relaciona-os com as redessociais, as normas da sociedade e a confiança. E, usando-se a contribuição de Fukyama (1995), pode-se argumentarque os atributos/capacidades sociais incluem a capacidadedas pessoas de trabalhar entre si para o bem comum.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 200510

ARLINDO VILLASCHI

Qualquer que seja o nível em que se deseje entender obem comum, essas capacidades sociais são de fundamen-tal importância para que um SNI possa lidar adequada-mente com os desafios científicos, tecnológicos, econô-micos e institucionais e aproveitar plenamente as vantagensdas janelas de oportunidades que emergem em tempos demudança do PTE (PEREZ; SOETE, 1988). Essa posiçãoganha ainda mais força quando se considera que as socie-dades diferem no tocante ao capital social acumulado, eque este tem um impacto sobre sua capacidade de produ-ção de capital intelectual e de engajamento em atividadesde inovação (SCHIENSTOCK; HÄMÄLÄINEN, 2001).

Características do SNIB na Década de 90

Diante das características do paradigma técnico-eco-nômico – PTE corrente indicadas na seção anterior e daformação socioeconômica brasileira, duas dificuldadessurgem com respeito à análise do SNIB. A primeira rela-ciona-se com a imprecisão das fronteiras existentes entreos domínios tecnológico, econômico e institucional emtempos de mudança nos paradigmas.

A importância aqui atribuída às interações inovadorasque ocorrem entre os diferentes agentes dificulta a tarefade encaixar cada uma delas, de forma coerente, em umdesses três domínios. Por esse motivo, é inevitável um certograu de arbitrariedade na decisão sobre o domínio no qualconsiderar os elementos dos processos de pesquisa e apren-dizado que ocorrem no sistema.

A segunda dificuldade de análise do SNIB diz respeitoaos elementos a serem considerados. Como a abordagemdo aprendizado empregada tem estreita relação com umaperspectiva evolucionária sob a qual a mudança tecno-lógica corresponde a uma seqüência de eventos em aber-to, uma característica importante dos elementos é sua con-tribuição à diversidade e complexidade do sistema.

Ademais, o entendimento mais amplo da inovação noâmbito do conceito do PTE e da abordagem do SNI im-plica que se deva dar atenção não só aos fatores orienta-dos para o setor econômico, como para a diversidade deprodutos, os padrões de produção e do comércio, mas tam-bém à diversidade institucional que pode afetar as capa-cidades de pesquisa e aprendizado do SNI.

Dito isso, a escolha dos elementos a serem usados nacaracterização do SNIB na década de 90 recairá sobreaqueles que são vistos como indicadores de uma respostapositiva às características do PTE corrente ou de uma res-trição ao SNIB no desempenho de um papel mais ativo

para a melhor inserção do país nas formas e nos conteú-dos novos da economia mundial.

Domínio Econômico

O impacto das mudanças na política econômica,ocorridas no Brasil na década de 90, é ainda uma questãosujeita a longas discussões. As políticas macroeconômicaspara estabilizar os preços e promover reformas estruturais,seguindo as prescrições do Consenso de Washington,supostamente criariam um círculo virtuoso de ganhos emcompetitividade após a fase de reestruturação por meioda liberalização do comércio, desregulamentação e pri-vatização de empresas estatais, porém, isso não pode serdado como certo para todas as atividades econômicas dopaís.

Como Coutinho (2003) mostra:- o Plano Real para a estabilização econômica do Brasiltinha taxas de juros muito altas, o que resultou emsobrevalorização da taxa de câmbio logo em seu início;

- a estabilização baseou-se em uma taxa de câmbio subs-tancialmente sobrevalorizada, com preços altos e não fa-cilmente reversíveis – levando a um aumento estruturalnas importações e uma desaceleração no crescimento dasexportações;

- as indústrias locais aderiram progressivamente às má-quinas e aos equipamentos importados, tornados irresisti-velmente baratos devido à sobrevalorização da taxa decâmbio em relação aos insumos fabricados internamente;

- a parcela de importações na composição do suprimentodo país aumentou e, em muitos casos, aniquilou a produ-ção interna, levando à contração de uma porção significa-tiva da indústria local;

- a persistente vulnerabilidade financeira das empresas decapital brasileiro foi o preço pago por custos de capitalmuito elevados;

- fraco desempenho competitivo, com destacada fra-gilidade do comércio, em todos os setores de alto valoragregado e alto conteúdo tecnológico. Somente os setoresde commodities se mantiveram competitivos no planointernacional, com produção em grande escala e baixovalor agregado, principalmente aqueles que utilizammatéria-prima e insumos agrícolas e/ou são intensivos emenergia;

- freqüentes perdas da propriedade nacional em muitossetores,13 debilidade e tamanho reduzido dos grupos em-

11

ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005

presariais brasileiros restantes, tornando quase impossí-vel sua participação como atores no plano mundial;

- presença crescente de investidores estrangeiros em to-dos os setores dinâmicos com atividades de alto valoragregado.14 É digno de nota que o investimento estran-geiro direto chegou para dominar importantes setores deserviços e infra-estrutura que são não-comercializáveise, portanto, estão indisponíveis para exportação;

- os grupos empresariais de capital brasileiro retiveram ahegemonia nos setores industriais de baixo valor agrega-do (commodities, como minerais não-metálicos, minera-ção, papel e polpa, aços e metalurgia) e não-comerciáveis(construção e moradia, serviços de transporte).

Nessas circunstâncias, não devem surpreender os efei-tos negativos do regime macroeconômico da década de90 sobre o domínio econômico do SNIB. Dois estudosempíricos comprovam isso em conexão com a estrutura,estabelecida na seção anterior, de cooperação, aprendi-zado e capacidades de inovação incorporadas.

O primeiro é o trabalho de Lemos et al. (2003) sobreas capacidades inovadoras da rede de fornecedores da Fiatem Minas Gerais. Ele mostra que:- em contraste com a ‘mineirização’ da indústria de au-topeças, lançada pela Fiat em 1986, ao longo de toda adécada de 90 houve uma crescente ‘italianização’ da in-dústria de autopeças em Minas Gerais. Isso aconteceuporque a Fiat estimulou a entrada de fornecedores com osquais ela se relacionava há muito tempo na Itália. Comoresultado, em uma amostra de 42 fornecedores dessa em-presa entrevistados em 1994, 81% eram nacionais; emoutra amostra, de 20 entrevistados em 2000, 60% eramempresas subsidiárias de fornecedores globais;

- apesar da boa disponibilidade de grupos locais de pes-quisa em engenharia mecânica, a interação entre eles e acadeia de suprimento local da Fiat é muito fraca. Um bommotivo para isso pode estar no fato de que cerca de 60%dos entrevistados na pesquisa supracitada consideramseus laboratórios de P&D in-house fora do país como aprincipal fonte de informações relacionadas com ativi-dades inovadoras;

- as atividades de co-projetos são praticamente ine-xistentes no Brasil, exceto nos casos em que a adaptaçãodo componente às condições locais é necessária. Por isso,é muito baixa a difusão dos efeitos benéficos (spill-over)para o sistema local de inovação, uma vez que não se es-pera que os fornecedores locais tenham capacidade inde-

pendente para desempenhar atividades de projeto nem quesejam, ao mesmo tempo, capazes de resolver problemasem conjunto com a montadora;

- existem indícios de falta de cooperação entre as empre-sas concorrentes, entre os fornecedores de segundo e ter-ceiro escalões e entre eles e os fornecedores de matérias-primas e equipamentos. Somente dois aspectos dacooperação parecem ter aumentado de intensidade: o in-tercâmbio de informações e testes para o desenvolvimen-to e a melhoria de produtos. Essa maior cooperação pare-ce estar relacionada com a busca da qualidade nos insumos,equipamentos e pessoal (por meio de treinamento);

- as atividades de P&D quase desapareceram nesse se-tor na região: somente 18 fornecedores da Fiat têm pa-tentes registradas no Brasil. Em 2000, o total de paten-tes era de 87, em sua maioria de conteúdo simples; antesda liberalização econômica e da emergência do carroglobal, o Departamento de Engenharia da Fiat em MinasGerais empregava quase 400 pessoas. Em 2000, o de-partamento tinha encolhido para menos de 100 funcio-nários;

- o fato de os principais laboratórios de P&D estarem forado país é decisivo para a baixa interação entre os agentescom respeito ao desenvolvimento de capacidades tecno-lógicas. Além disso, a debilidade dos mecanismos de trans-ferência de tecnologia entre setores ou intra-setorialmente,vertical ou horizontalmente, tem comprometido a intensi-dade de efeitos benéficos e a sua difusão.

O segundo estudo que mostra os efeitos negativos doregime macroeconômico da década de 90 (SZAPIRO,2003) traz dados do setor de telecomunicação, o qual estáno cerne do PTE das TICs, e foi muito elogiado como umahistória de sucesso do SNIB nos anos 80 (HOBDAY, 1990;PESSINI, 1986). Ele mostra que

as reformas estruturais da década de 1990 provocaram

grande confusão no arranjo de Campinas, eliminando

empresas e abolindo vínculos cooperativos entre instituições.

Como conseqüência desses problemas, os processos de

aprendizado acumulado no passado foram colocados em

risco. Existem sérias dúvidas quanto à possibilidade de

manutenção do desenvolvimento da tecnologia local. Os

processos de liberalização do comércio e a desregula-

mentação promoveram, assim, desarticulação e destruição

de ativos intangíveis de empresas e instituições, afetando

profundamente suas competências básicas (SZAPIRO, 2003,

p. 496, tradução nossa).

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 200512

ARLINDO VILLASCHI

Quanto à liberalização do comércio, a autora comentaque, embora não tenha provocado mudanças importantesna estrutura da indústria de equipamentos de telecomuni-cações, de um lado afetou significativamente o desenvol-vimento de estratégias e da capacidade das empresas decapital nacional, reduzindo seu desenvolvimento tecno-lógico interno; e, de outro, as subsidiárias de multina-cionais que estavam no Brasil antes do início da décadade 90 ampliaram cada vez mais suas capacidades indus-triais e tecnológicas a partir de suas sedes e de outras sub-sidiárias do mesmo grupo.

No que diz respeito à privatização, Szapiro (2003)ressalta que: ocorreu um aumento considerável da parcelado setor de telecomunicações no déficit comercial docomplexo eletrônico (alcançando mais de 40% em 1999);houve uma mudança nas atividades conduzidas pelo Centrode Pesquisa e Desenvolvimento (CPqD),15 que reduziu onúmero de projetos de pesquisa que costumava empreendere aumentou a parcela de atividades de consultoria eassistência técnica de curto prazo como uma estratégia desobrevivência.

A forte dependência das subsidiárias de empresasmultinacionais de suas matrizes no estrangeiro tornou-seum inibidor para o fluxo de conhecimento e interação comas instituições educacionais locais. De acordo com a pes-quisa de Szapiro (2003, p. 491, tradução nossa):

Os motivos dados pelas subsidiárias multinacionais para

interagir/cooperar com outras instituições são a qualificação

e o treinamento de recursos humanos e a comercialização

dos produtos (o caso de 80% das empresas). Para elas, a

cooperação destina-se a apoiar o treinamento de pessoal e

a facilitar a comercialização dos produtos. Por outro lado,

todas as empresas de capital nacional declararam que o

acesso à tecnologia é o principal motivo para a interação

com outras instituições [...] É interessante observar que o

comportamento das subsidiárias difere daquele que

prevalecia no final dos anos 70 e 80. Nesse período, alguns

projetos foram desenvolvidos entre as subsidiárias multina-

cionais e o CPqD, como resultado das políticas imple-

mentadas no setor.

Szapiro cita ainda Souza e Garcia (1999) para mostraruma mudança no motivo pelo qual as empresas buscavamessa localização específica. Aquelas que tinham se insta-lado em Campinas antes da década de 90 afirmaram quetinham escolhido o local pela facilidade de acesso às ins-tituições de P&D e educação. Já para as que chegaram lána segunda metade daquela década, a escolha foi feita com

base na disponibilidade de recursos de mão-de-obra e deum sistema bem desenvolvido de estradas.16

Saindo de casos como o dos fornecedores da Fiat emMinas Gerais e o das telecomunicações em São Paulo,podem-se encontrar situações em que a estrutura geral dapolítica econômica anteriormente mencionada teve impac-tos contraditórios nas capacidades inovadoras dosmicrofundamentos do SNIB, como é o caso dos arranjosprodutivos locais – APLs.17 De um lado, a sobreva-lorização da moeda local provocou o acirramento da con-corrência de fora do país, que foi alimentada pela redu-ção das tarifas sobre mercadorias importadas, de outro, adesvalorização cambial favoreceu a modernização de suasfábricas por meio da importação de bens de capital a cus-tos relativos mais baixos. No caso da indústria têxtil e deroupas do Vale do Itajaí estudado por Campos, Cário eNicolau (2003), a importação de equipamentos não pro-duziu efeitos internos capazes de incentivar diretamenteas interações para o aprendizado inovador, afora a incor-poração das novas tecnologias compreendida em máqui-nas e equipamentos.

Em outros casos, foram encontrados indícios de melho-ria nas capacidades de inovação de empresas e organiza-ções locais, embora específicas e restritas a alguns ele-mentos do respectivo arranjo. Assim, os APLs de calçadosdo Rio Grande do Sul (VARGAS; ALIEVI, 2003), de têx-teis e roupas do Vale do Itajaí e de metal-mecânica doEspírito Santo (VILLASCHI; LIMA, 2003) foram incen-tivados a melhorar sua capacidade de atendimento às de-mandas dos clientes no curto prazo. Deve-se enfatizar que,na maioria dos casos, essa qualificação ficou restrita à ino-vação do processo.

Outros estudos empíricos podem ser usados para ilus-trar a perversidade das políticas econômicas liberais pra-ticadas no Brasil ao longo de toda a década de 90. DePaula, Porcile e Scatolin (2003), por exemplo, mostraramque, no caso do APL da soja, no Paraná, duas alteraçõestiveram efeito negativo sobre suas capacidades tecno-lógicas: primeiro, a mudança nas estratégias de P&D pelaprincipal fonte de inovação, a Empresa Brasileira de Pes-quisa Agropecuária – Embrapa, que não permite mais aco-propriedade de novas variedades; segundo, as modifi-cações na legislação que regula a produção de novas va-riedades e que assegura a apropriação privada de inova-ções por meio de patentes.

Essas duas mudanças quase liquidaram o sistema decooperação para a proposta de novas variedades, o qualviabilizava as estratégias da Embrapa para o desenvolvi-

13

ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005

mento de sementes por meio de vínculos estreitos compequenos e médios produtores e cooperativas. Igualmen-te se deve observar que essas mudanças ocorreram no mo-mento em que os produtores multinacionais de sementesde soja começaram a entrar maciçamente no Brasil. Comose indicou nos casos dos fornecedores da Fiat e das tele-comunicações, isso também significou uma transferênciadas capacidades de inovação em direção aos laboratóriosdas multinacionais em seus países de origem.

Domínio Institucional

Como se ressaltou na segunda parte deste artigo, em ummundo caracterizado por atividades inovadoras (centradasem diferentes formas e conteúdos de conhecimento adqui-ridos por meio de diversas fontes e meios de aprendizado),a incerteza é um aspecto importante da vida econômica. Poresse motivo, a existência de ambientes institucionais emdiferentes níveis (de uma empresa específica, de um grupode empresas ou de um país) se torna um dos componentescentrais de um sistema de inovação. Nesse mundo, então,as instituições movem-se para além das características derotinas e direcionam a vida diária de modo a funcionar tam-bém como uma estrutura para a mudança.

Mytelka e Smith (2001) enfatizam que o reconhecimen-to da necessidade dessa estrutura para a mudança podeser encontrado de forma cada vez mais intensa, ao longode toda a década de 90, nas políticas delineadas nos paí-ses da Organização para a Cooperação e o Desenvolvi-mento Econômico – OCDE. Nessa mesma direção, Edquist(1997, p. 16) indica que a abordagem do SNI foi usadacomo

um meio para o estudo das inovações, como uma estrutura

conceitual para a elaboração de políticas do governo e como

base para a formulação de estratégias de inovação de

empresas.

Edquist (2001) vai ainda além e destaca que a aborda-gem do sistema nacional de inovação se estabeleceu emum tempo relativamente curto e começou a ser usada am-plamente, não somente no meio acadêmico, mas tambémno estabelecimento de políticas de inovação. De maneirasemelhante, Miettinen (2002) reconhece que esse concei-to contribui para aproximar pesquisadores, burocratas eservidores civis que o fizeram funcionar como uma metá-fora de fronteira da organização.

Uma pergunta que se deve fazer, então, é por que, noBrasil, a abordagem do SNI não foi além dos estudos so-

bre inovação; ou por que, como estrutura conceitual, nãofoi sequer considerada na elaboração de políticas gover-namentais nem como base para a formulação das estraté-gias de inovação das empresas.

O trabalho dos uruguaios Arocena e Sutz (2002) podeajudar a lançar luz sobre essas questões. Os pesquisado-res indicam que a abordagem do SNI não pode ser vistacomo trivial, apesar de ele ser reconhecido como um con-ceito político e apesar de a realidade por ele descrita po-der ser submetida a esforços deliberados no sentido demudança, com a esperança razoável de se alcançar o queé pretendido. Isso porque, mesmo para ser tomado comoum conceito político, ele precisa de atitudes sociais comrespeito a transformações globais.

Segundo eles,

as atitudes sociais com respeito às transformações globais

pertencem às questões que merecem atenção especial na

abordagem de Hirschman: ‘O nosso diagnóstico é que

simplesmente países falham em aproveitar seu desen-

volvimento potencial, porque, por motivos em grande parte

relacionados com a sua imagem de mudança, eles acham

difícil tomar as decisões necessárias para o desen-

volvimento, na quantidade e na velocidade necessárias’

(HIRSCHMAN, 1958; apud AROCENA; SUTZ, 2002, p.

15, tradução nossa).

Poder-se-ia dizer, então, que uma importante restriçãoa um ambiente institucional do SNIB melhor sintonizadona década de 90 foi a falta de visão (Quadro 1). De acor-do com Fransman (2002, p. 8, tradução nossa),

[...] A “visão”, ou estrutura cognitiva, consiste de um

conjunto inter-relacionado de crenças, incorporadas em

suposições e expectativas, que servem para fazer o mundo

parecer inteligível e, portanto, orientar as tomadas de

decisão.

Como, na década de 90, a imagem dominante entre asautoridades econômicas no Brasil estava ligada à compe-titividade com base nas dotações de fatores (sobretudorecursos naturais e mão-de-obra barata), não surpreendeo fato de pouco ter sido feito com relação às oportunida-des e restrições que emergiram com o PTE da TIC. Issonão quer dizer, porém, que o assunto tenha permanecidototalmente ausente da agenda do governo.

Contrariamente ao que aconteceu com a abordagem doSNI (que foi objeto de apenas alguns trabalhos acadêmi-cos e nunca foi além de seminários ou de prateleiras debibliotecas), a necessidade de financiamento apropriado

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 200514

ARLINDO VILLASCHI

da inovação e do desenvolvimento tecnológico e uma certaconscientização dos desafios da ‘sociedade da informa-ção’ podem ser encontradas em diferentes níveis do de-bate público.

Esses são certamente os casos das tentativas de criaçãode fundos com destinação específica para o financiamentode projetos de ciência e tecnologia – C&T. A primeiraocorreu na Constituição de 1988, que permitiu que osgovernos estaduais comprometessem certo porcentual desuas receitas para financiamento de C&T. A segunda foio movimento entre autoridades do governo federal, como compromisso de apoio de membros do parlamento (emnúmero restrito) e da comunidade empresarial, no sentidode garantir financiamento para P&D em 13 áreas eco-nômicas18 e para a infra-estrutura de C&T das uni-versidades.

Apesar de suas vitórias políticas, essas tentativas nãoapresentaram resultados substanciais na década de 90. Porum lado, embora muitos Estados tenham adotado em suasconstituições o princípio do comprometimento de fundospara C&T, a letra da lei não teve uma resposta prática. Namaioria dos casos, os montantes que aparecem nos orça-mentos dos Estados não se transformam em recursos fi-nanceiros para projetos de pesquisas durante o ano. “Quan-do é necessário o controle orçamentário, as primeirasdespesas a serem sacrificadas são as que têm menos ape-lo público” – esse é um dito comum entre os que são res-ponsáveis pela manutenção do equilíbrio das finançaspúblicas.

Por outro lado, o projeto do Ministério da Ciência eTecnologia de garantir financiamento estável para o setorno âmbito federal criou sua primeira conta (a do petró-leo) em 1999. Assim, a eficácia desse projeto, com res-peito a seus principais objetivos (financiamento estável,promoção de laços mais estreitos entre universidade eempresas, promoção de pesquisa em C&T, priorização nouso de recursos, monitoramento de resultados), só poderáser avaliada em um cenário posterior ao da década aquianalisada.

Também foram feitas tentativas para aumentar aconscientização sobre desafios e oportunidades que emer-gem em tempos de mudança do PTE. Uma vez mais, traba-lhou-se no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia:

para reforçar o desenvolvimento da Nova Economia em

nosso país, devemos incentivar a utilização dessas

tecnologias nas empresas brasileiras, o que é a meta do

Programa Sociedade da Informação – um dos mais

ambiciosos programas do plano de desenvolvimento

‘Avança Brasil’ e o resultado de esforços inicialmente

empreendidos em 1996 pelo Conselho Nacional de Ciência

e Tecnologia. Seu principal propósito é estabelecer os

fundamentos de um projeto estratégico em toda a nação

para integrar e coordenar o desenvolvimento e emprego

de tecnologias avançadas de computação, comunicação e

informação e suas aplicações na sociedade. Este esforço

permitirá ao governo promover a pesquisa e a educação,

bem como assegurar que a economia brasileira seja capaz

de competir no mercado mundial (Embaixador Ronaldo

Mota Sardenberg, Ministro de Estado da Ciência e

Tecnologia, em 13 de setembro de 2000, no lançamento de

Sociedade da informação no Brasil: Livro verde).

Apesar das boas intenções do ministro e de alguns deseus colegas em diferentes esferas do governo, do mun-do acadêmico e do empresariado, o lançamento retarda-do de um programa focado na sociedade da informaçãono Brasil teve o mesmo destino dos outros relacionadosao anteriormente elogiado “Avança Brasil”: falta de fi-nanciamento apropriado e de continuidade, devido aobaixo compromisso político nas esferas de governo emque as decisões eram tomadas.

Deve-se ressaltar, porém, que essa lacuna entre opensamento dos que estão comprometidos com a ciênciae a tecnologia no Brasil e o dos que de fato gerem apolítica econômica com uma abordagem pragmática decurto prazo é recorrente na história recente. De um lado,como observa Jaguaribe (1987), ela se fez presente muitasvezes no processo de industrialização do país, quando ogoverno precisou tomar uma posição sobre o modelo aser adotado: aquele baseado na tecnologia incorporadaimportada ou aquele voltado para o fortalecimento dacapacidade tecnológica interna em médio e longo prazos.

Por outro lado, como destacou Piragibe (1988), issotambém está enraizado na história da política da infor-mática no Brasil. Nos anos 80, houve um debate acirradono governo entre os que desejavam proteger o mercadointerno de computadores, como uma maneira de promo-ver as capacidades da indústria e da inovação nesse setor,e os que desejavam evitar a retaliação dos Estados Uni-dos, que ameaçavam fechar seu mercado a commodities –como suco de laranja, sapatos, etc.

Domínio Tecnológico

Dadas as restrições gerais impostas ao SNIB pela libera-lização, privatização e pelas idéias por detrás da políticaeconômica ao longo de toda a década de 90 e levando em

15

ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005

consideração a estrutura institucional geral acima mencio-nada, não surpreende o fraco domínio tecnológico do SNIB.

Mesmo quando não explicitamente mencionado, osdados coletados aqui devem ser vistos de uma perspecti-va que leve em consideração as características tecnológicasdo novo paradigma (conforme indicado no Quadro 1), ouseja, conhecimento e comunicação, vinculados com amente humana; conectividade pessoa-a-pessoa; susten-tabilidade pessoal, física e psicológica.

Além disso, os dados vão além de um discurso que,muitas vezes, é uma resposta consciente de pessoas dossetores acadêmico, governamental e privado. Isso, toda-via, não é suficiente, por si só, para romper elementos rí-gidos como os indicados por Hämäläinen (1999) e Perez(1997), mencionados anteriormente.

Assim, por exemplo, o início da década de 90 foi mar-cado pela introdução de diversas iniciativas nacionais naárea de computação, sob os auspícios do Ministério deCiência e Tecnologia, como:19

- a Rede Nacional de Pesquisa – RNP, destinada àimplementação da Internet para propósitos educacionaise de pesquisa no país inteiro;

- o Programa Temático Multinstitucional em Ciência daComputação – ProTeM-CC, destinado a estruturar e apoiarum modelo de pesquisa por meio de um consórcio entreentidades acadêmicas e o setor privado;

- o Programa Nacional de Software para Exportação –Softex, destinado a estruturar e coordenar um esforço na-cional para fomentar significativamente a exportação desoftwares produzidos no Brasil;

- o Sistema Nacional de Processamento de Alto Desem-penho – Sinapad, destinado a estabelecer centros para aprestação de serviços computacionais superiores no país.

Essas iniciativas, entretanto, não tiveram a flexibilida-de e a estabilidade necessárias para promover a mudança,sobretudo em tempos de troca de PTE. Por isso, não sur-preende que, em meados dessa década, os problemas deinstitucionalização e financiamento tenham sido suficientespara fazer as agências governamentais mudarem seus ob-jetivos com respeito ao novo PTE.

Algumas dessas respostas (como sociedade da informa-ção e os fundos setoriais de C&T) somente se tornaramefetivas na década seguinte. Apesar das tentativas de supe-rar os problemas institucionais e financeiros relativos a ciên-cia, tecnologia e inovação em geral e das iniciativas espe-cificamente enfocadas no PTE corrente, primeiro serápreciso constatar sua eficácia para, depois, avaliá-las.

Por esse motivo, os elementos que devem ser levadosem consideração nas análises de domínio tecnológico doSNIB são aqueles relacionados com a disponibilidade dosserviços de educação, tecnologia e treinamento. Quantoao sistema educacional, apesar do maior número de alu-nos que freqüentam as escolas em todos os níveis (inclu-sive pós-graduação), seu desempenho qualitativo não apre-senta padrões razoáveis.20

O número de alunos universitários aumentou de maisde 1,5 milhão, no começo da década de 90, para pertode 3 milhões em 2000 (Instituto Nacional de Estudos ePesquisas Educacionais – Inep). É importante observarque a maioria desses alunos está matriculada em escolasprivadas. Enquanto o número de instituições públicasnesse nível do sistema educacional se estabilizou em tor-no de 200 desde os anos 80, no setor privado aumenta-ram de cerca de 650, em 1990, para duas vezes esse nú-mero em 2000.

Como resultado, a proporção de alunos matriculadosem escolas privadas está perto de 75% do total na educa-ção superior no Brasil. Um exame mais detido mostra doiscomplementos importantes desses números. Por um lado,há concentração em áreas de conhecimento em que o in-vestimento em laboratórios e equipamentos é mais baixo(sobretudo nas humanidades). Por outro, tomando-se comorepresentativos os números das instituições que oferecemcursos em engenharia mecânica e elétrica, as escolas pú-blicas (em sua maioria, mantidas pelo governo federal)respondem por mais de 60% do total de matrículas nessasáreas no país.

O número de cursos de pós-graduação também aumen-tou nos anos 90. No final dessa década, havia perto de2.700 cursos de mestrado e doutorado no país. Desses,somente cerca de 300 em engenharia. Essa baixa partici-pação de engenheiros com preparação em pesquisa deveser considerada como uma indicação de que não se podeesperar, no SNIB, muita interação do tipo que ajuda acodificar o conhecimento tácito, conforme sugerido porNonaka e Takeuchi (1995).

Além disso, deve-se enfatizar a crítica geral que é feitaà rigidez prevalecente em cursos e disciplinas oferecidosem grande parte das instituições de educação superior noSNIB. Na maioria das entrevistas feitas com agentes dearranjos produtivos locais – APLs, essa rigidez é ressal-tada por acadêmicos, autoridades, gerentes e empresárioscomo um gargalo para o estreitamento dos vínculos entrea educação superior e a sociedade, de maneira geral, e asempresas, mais especificamente.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 200516

ARLINDO VILLASCHI

Ademais, a “necessidade de mudanças na estruturainstitucional para assegurar que, no longo prazo, os as-pectos criativos e críticos da pesquisa acadêmica possamsobreviver” (LUNDVALL, 2002) encontra fundamentosfrágeis no SNIB. Salários congelados, condições insa-tisfatórias de trabalho e financiamento escasso e instávelfizeram do ensino e da pesquisa atividades muito poucoatraentes no Brasil ao longo de toda a década de 90. Nãosurpreende que, em muitas escolas públicas de educaçãosuperior, o número de professores substitutos21 tenha au-mentado durante esse período, alcançando, em muitosdepartamentos de universidades federais, mais de 25%.Isso aumenta o volume do trabalho burocrático a ser rea-lizado pelos demais membros do departamento, o que osmantém cada vez mais distantes das salas de aula e doslaboratórios, da criatividade e da crítica necessárias paramudar a estrutura institucional.

O quadro não se mostra melhor quando se passa daeducação formal e da pesquisa para os serviços decapacitação e inovação. Os levantamentos feitos em cer-ca de 20 APLs22 mostra que, mesmo nos casos em queesses serviços são prestados por organizações especifica-mente concebidas para responder às especificidades daspequenas e médias empresas locais, a lacuna entre o queé oferecido e o que é usado pode permanecer grande.

Isso acontece mesmo em se tratando de serviços não-sofisticados de tecnologia ou inovação. No caso da orga-nização do setor de calçados no Estado da Paraíba, porexemplo, existe uma lacuna entre os serviços que são ofe-recidos pelo departamento local do Senai e o baixo nívelde demanda para esses serviços, sobretudo da parte demicro e pequenas empresas.

COMENTÁRIOS FINAIS

O debate da ‘década perdida’ tem estado presente naagenda brasileira desde os anos 80. Nessa década, o paísperdeu oportunidades de: renegociar sua dívida de umamaneira diferente da abordagem da “dívida não é para serpaga, mas para ser rolada”, usada por autoridades prag-máticas na esteira da crise mexicana de 1982; controlar ahiperinflação em 1986, ocasião em que o Plano Cruzadofoi atingido em seus fundamentos visto que a estabiliza-ção dos preços a baixos custos sociais se tornou uma ques-tão de vida ou morte para os políticos do partido no po-der; ter uma estrutura institucional mais estável e flexívelsob a Constituição de 1988, que acabou se tornando uma

colcha de retalhos de questões sociais, econômicas e po-líticas conflitantes.

Não obstante, muitos estudos sobre a economia da ino-vação no país nos anos 80 (entre outros: EVANS; TIGRE,1989a; 1989b; HOBDAY, 1990; HEWITT, 1988;PESSINI, 1986; SCHMITZ; CASSIOLATO, 1992; TI-GRE; FERRAZ, 1989; VILLASCHI, 1992) mostram que,apesar de todos os problemas em seu cenário macroeco-nômico, o Brasil teve um desempenho razoável em mui-tas áreas básicas do PTE das TICs. Apesar de problemasaqui e ali na política de informática, os resultados em te-lecomunicações e em outras áreas (automação dosbancos, petróleo e aeronáutica, por exemplo) indicavama existência de capacidades internas de inovação que po-deriam ajudar o país a ter uma postura correta em suamarcha para um novo PTE.

Na década de 90, o debate da ‘década perdida’ perdeuforça por haver quase uma aceitação total, entre as autori-dades governamentais, de que, uma vez conquistada aestabilidade de preços e desregulamentados os mercados,o país retornaria ao caminho do crescimento que caracte-rizou sua economia na maior parte do século XX. A esta-bilidade de preços foi alcançada em 1994, mas a um pre-ço muito alto para a estabilidade econômica, conformeenfatizado por Coutinho (2003) e outros.

O presente trabalho buscou apresentar dados que indi-cam que o culto exagerado ao mercado, que esteve no cerneda política econômica do Brasil por toda a década de 90,tem colocado em risco as chances de estabilidade econô-mica do país no médio e longo prazos. Isso porque nãoforam reconhecidas questões consideradas cruciais quan-do um país deseja desempenhar um papel ativo nos flu-xos mundiais de bens, serviços e conhecimento que sãoimportantes no contexto do PTE da TIC.

Características básicas do novo PTE, como conhecimen-to e comunicação vinculados com a mente humana; proces-sos de produção intensivos em informação; redes de produ-ção; serviços empresariais intensivos em conhecimento;informações, coordenação e regulamentação do governo;visão, entre outras, foram deixadas de lado no debate públi-co do país e na agenda do governo.

Nessas circunstâncias, a inserção do país na nova fasede internacionalização das relações econômicas e sociais– a assim chamada globalização – reduziu-se ao aumentode sua parcela no mercado de commodities de baixo valoragregado, como soja, aço, celulose, sapatos, etc. Foi comose os sinais do que está acontecendo em outros países (es-pecialmente naqueles da OCDE) não passassem de uma

17

ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005

abstração a que uma formação socioeconômica com asdotações dos recursos naturais do Brasil continental nãodevesse prestar atenção.

A necessidade de manter-se a par do que estava sendodiscutido sobre aprendizado e conhecimento em uma eraque já não era mais apenas uma perspectiva só foi reco-nhecida por uma comunidade muito restrita de acadêmi-cos, empresários, políticos e autoridades governamentais.Eles certamente não tinham como fazer o país acompa-nhar o que Tuomi (2001) chama de duas ondas, que do-minaram o debate sobre sociedade do conhecimento nadécada de 90.

A primeira onda focava questões já presentes no debatedos anos 80 (competitividade, crescimento econômico,acesso, regulamentação, privacidade, segurança e direitosde propriedade intelectual), com o acréscimo da preocupa-ção emergente dos ricos e dos pobres em informações.

A segunda onda identifica-se com as preocupaçõesexpressas por Ducatel e seus colaboradores:

Reconhece-se agora que a relação entre mudança tecno-

lógica e transformação social é complexa, e agora também

está desnudada a falsidade da noção simplista de que as

mudanças tecnológicas têm efeitos sociais, os quais, por sua

vez, podem ser controlados de maneira simples por meio de

políticas apropriadas […] Isso acarreta uma maior

complexidade para a formulação de políticas: não é

suficiente desenvolver e implementar políticas apropriadas

de tecnologia separadamente. As políticas de tecnologia e

as políticas sociais precisam ser desenvolvidas de maneira

complementar e visar objetivos complementares. É neces-

sário, se desejamos que a ‘sociedade’ de sociedade da

informação seja algo mais que um artifício retórico,

desenvolver uma avaliação mais sofisticada dessas questões

sociais. (DUCATEL et al., 2000 apud TUOMI, 2001, p. 8,

tradução nossa)

Isso, por si só, deveria ser suficiente para justificar asposições assumidas neste artigo. Essas não devem, demaneira alguma, ser consideradas frutos de pensamentosfantasiosos com relação às janelas de oportunidades queestão abertas ao SNIB sob o PTE das TICs.

Na verdade, o que o trabalho tenta enfatizar está emsintonia com a maneira como Arocena e Sutz (2002, p. 6,tradução nossa) vêem a aplicabilidade do conceito do SNIno Sul:

Ao contrário [do que acontece no Norte, onde o conceito se

fundamenta em conclusões empíricas], no Sul ele é mais um

conceito ex-ante, porque o comportamento socioeconômico

relativo à inovação em nível nacional raramente é sistêmico.

Nessa perspectiva, pode-se dizer que este artigo assu-me uma posição semelhante àquela de Freeman e Louçã(2001, tradução nossa). Eles citam Charles Dickens, emUm conto de duas cidades:

Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; foi a idade

da sabedoria, foi a idade da tolice; foi a época da fé, foi a

época da incredulidade; foi a estação da Luz, foi a estação

das Trevas; foi a primavera da esperança, foi o inverno do

desespero; tínhamos tudo diante de nós, não tínhamos nada

diante de nós.

Os pesquisadores concluem seu livro afirmando que ofundamental é escolher. Aqui, a escolha recaiu sobre ques-tões que a formação socioeconômica brasileira deve enfren-tar em três domínios autônomos e interdependentes, quepodem caracterizar um SNI em face dos desafios e das opor-tunidades sob o PTE das TICs:23 o domínio tecnológico(que disponibiliza a tecnologia), o domínio econômico (queassegura a viabilidade e sustentabilidade da inovação) e odomínio institucional (que possibilita a inovação).

NOTAS

Baseado em um estudo apresentado em The First Globelics Conference:Innovation Systems and Development Strategies for the ThirdMillenium, Rio de Janeiro, de 2 a 6 de novembro de 2003. O autoragradece os proveitosos comentários feitos na época, especialmenteos de Martin Fransman, Pekka Ylla-Antilla e Tarmo Lemola. Registratambém seus agradecimentos à equipe de tradutores do BID por cola-boração na tradução do texto originalmente escrito em inglês.

1. Para um exame dos diferentes aspectos da abordagem dos sistemasde inovação, ver Lundvall et al. (2001) e Edquist (1997). Para comen-tários críticos sobre a abordagem, ver Edquist (2001). Miettinen (2002)destaca as críticas ao conceito, sobretudo no tocante às maneiras comoele foi incorporado no discurso europeu de políticas tecnológicas.

2. Ver, por exemplo, Cortada (2000).

3. Freeman e Louçã (2001, p. 301) lembram que até o presidente doBanco Central dos Estados Unidos, Alan Greenspan, “tem falado comfreqüência do ‘novo paradigma’, referindo-se especificamente a com-putadores, telecomunicações e Internet, como uma fonte da notávelexplosão de crescimento na economia dos Estados Unidos na décadade 90”.

4. Em outro estudo (VILLASCHI, 2004), exploro características alter-nativas do paradigma técnico-econômico da TIC indicadas por Castells(2000), Drucker (2001) e Tuomi (2001).

5. É importante, porém, ter em mente que, nas teorias que formam ocerne da economia ortodoxa, presume-se que os agentes racionais fa-çam escolhas com base em um volume dado de informações. O únicotipo de aprendizado permitido é o acesso dos agentes a novas fontesde informação.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 200518

ARLINDO VILLASCHI

6. Os autores observam que esse tipo de conhecimento se tornou cadavez mais importante porque existe uma tendência geral em direção auma base de conhecimento mais complexa, com novos produtos quenormalmente combinam muitas tecnologias, cada uma delas enraizadaem disciplinas científicas diferentes. Isso torna o acesso a fontes di-versas de conhecimento ainda mais essencial.

7. Isso deveria ser objeto de análise mais detalhada para os que estãotrabalhando na perspectiva de uma nova ordem internacional em tem-pos de TICs. Como informação e conhecimento se referem mais doque nunca a relações de poder, os ricos e os pobres, tanto entre paísescomo dentro de cada país, não podem ser considerados um tema mar-ginal para os que estão pesquisando oportunidades e restrições na nova/próxima sociedade/economia/paradigma.

8. Nesse contexto, o Centro do Programa de Especialização finlan-dês pode ser visto como um modelo em matéria de facilitação do aces-so a quem sabe onde encontrar o que é relevante e como traduzir o queé encontrado de maneira participativa para a empresa.

9. Johnson e Lundvall (2001) também ressaltam que, contrariando adifusão dos efeitos benéficos livres que são presumidos na economiaortodoxa, o acesso ao know-why científico, em todas as circunstân-cias, depende do investimento em atividades de P&D e em ciência.

10. No contexto de países em desenvolvimento, isso é essencial mes-mo quando não se está lidando com equipamentos de processo com-plexo. Diante de uma força de trabalho com pouca qualificação, o trei-namento é crucial para que o conhecimento incorporado em máquinase equipamentos tenha algum impacto econômico.

11. Os eventos ocorridos antes de 11 de setembro de 2001 e as reaçõesposteriores ilustram muito bem essa interpretação.

12. Aqui, deve ser entendido em diferentes escalas de espaço (local,regional, nacional, supranacional) e como outras formas de reuniãosocial (étnica, religiosa, profissional, etc.).

13. Essa grave debilitação dos grupos empresariais nacionais transfe-riu o controle de mais de 200 importantes empresas para corporaçõesestrangeiras. Pelo menos 50 delas eram empresas públicas que depoisse tornaram subsidiárias de capital totalmente fechado.

14. De acordo com o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento In-dustrial – IEDI, entre 1994 e 1998 a presença do controle de investi-dores estrangeiros (porcentagem de vendas das 20 maiores empresas)movimentou de 55% a 79% em autopeças; de 34% a 79% em produtoseletrônicos; de 69% a 83% em informática; de zero a 75% em teleco-municações e de 44% a 73% em bens de capital.

15. Um marco importante no esforço para o estabelecimento de ummodelo nacional e independente para o setor de telecomunicação, oCPqD é um o centro de P&D, criado pela estatal Telebrás nos anos 70,com o objetivo de se tornar um referencial no país para os projetos depesquisa e desenvolvimento de equipamentos e serviços nesse setor.

16. Nos termos definidos na segunda parte deste artigo, é como se oSNIB estivesse regredindo do novo para o antigo PTE.

17. Para uma discussão do conceito e da abordagem, ver Villaschi eCampos (2002).

18. Petróleo, infra-estrutura, energia, recursos hídricos, transportes,minerais, espaço, telecomunicações, tecnologia da informação, saúde,aeronáutica, agroindústria e biotecnologia.

19. Para detalhes sobre esses programas e outras iniciativas sobre asociedade da informação no Brasil, ver <http://www.socinfo.org.br/livro_verde/ingles/implem.htm>.

20. É importante ter em mente que mais de 25% dos alunos que fre-qüentam a escola primária no Brasil levam sete anos para concluir osprimeiros cinco anos do sistema educacional. Mais relevante ainda é ofato de que um número substancial dos que concluem a educação pri-mária não exibe a competência apropriada em língua portuguesa ematemática básica.

21. Só podem ser contratados para um período que não exceda doisanos.

22. Ver: <http://www.ie.ufrj.br/redesist>.

23. Como Antilla e Lemola (2003) destacaram, tais desafios e oportu-nidades devem ser enfrentados com um alto grau de destruição criado-ra para o país beneficiar-se das janelas abertas pelo novo paradigma,como fez a Finlândia. Um desafio adicional para o Brasil seria, então,romper com seus últimos 20 anos de destruição não-criadora das ca-pacidades institucionais e inovativas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALI-YRKKÖ, J. Nokia’s network – gaining competitiveness fromco-operation. Helsinque: Taloustieto, 2001.

ANDERSEN, E.; LUNDVALL, B-Å. Small national systems ofinnovation facing technological revolutions an analytical framework.In: FREEMAN, C.; LUNDVALL, B-Å. (Ed.). Small countries facingthe technological revolution. London: Pinter, 1988.

ANTILLA, P.; LEMOLA, T. Transformation of innovation system ina small country – the case of Finland. In: GLOBELICSCONFERENCE, 2-6 nov. 2003, Rio de Janeiro. Anais... Rio deJaneiro, 2003.

AROCENA, R.; SUTZ, J. Innovation systems in developingcountries. In: DRUID Working Paper 2002-5, 2002. Disponível em:<http://www.druid.dk>.

ARROW, K. The economic implications of learning by doing.Review of Economic Studies, v. XXIX, n. 80, p. 155-73, 1962.

CASTELLS, M. The information age economy, society and culture.2. ed. Oxford: Blackwell, 2000.

CAMPOS, R.; CÁRIO, S.; NICOLAU, J. Textile and clothing localproductive system in the Itajai Valley: local capabilities and partialinteractive learning. In: CASSIOLATO, J.; LASTRES, H.; MACIEL,M. (Ed.). Systems of innovation and development – evidence fromBrazil. Cheltenham: Edward Elgar, 2003.

CASSIOLATO, J.; LASTRES, H.; MACIEL, M. (Ed.). Systems ofinnovation and development – evidence from Brazil. Cheltenham:Edward Elgar, 2003.

COLEMAN, J. Social capital in the creation of juman capital. In:LESSER, E. (Ed.). Knowledge and social capital – foundations andapplications. Woburn, MA: Butterworth-Heinemann, 2000.

CORTADA, J. Progenitors of the information age – the developmentof chips and computers. In: CHANDLER JR, A.; CORTADA, J.(Ed.). A nation trasformed by information. New York: OxfordUniversity Press, 2000.

COUTINHO, L. Macroeconomic regimes and business strategies: analternative industrial policy of Brazil in the wake of the 21st century.In: CASSIOLATO, J.; LASTRES, H.; MACIEL, M. (Ed.). Systemsof innovation and development – evidence from Brazil. Cheltenham:Edward Elgar, 2003.

DE PAULA, N.; PORCILE, G.; SCATOLIN, F. Strengthning andweakening local capabilities: the case of the local innovation systemin the Paraná soybean agroindustrial sector. In: CASSIOLATO, J.;LASTRES, H.; MACIEL, M. (Ed.). Systems of innovation anddevelopment – evidence from Brazil. Cheltenham: Edward Elgar,2003.

19

ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005

DOSI, G. Technology and conditions of macroeconomicdevelopment. In: FREEMAN, C. (Ed.). Design, innovation and longcycles in economic development. New York: St. Martin’s Press,1984.

DOSI, G.; FREEMAN, C.; NELSON, R.; SILVERBERG, G.;SOETE, L. (Ed.). Technical change and economic theory. London:Pinter, 1988.

DRUCKER, P. The next society - a survey of the near future.Special Survey, The Economist, 3 nov. 2001.

DUCATEL, K.; WEBSTER, J.; HERRMANN, W. Informationinfrastructure or societies? In: ________. (Ed.). The informationsociety in Europe – work and life in an age of globalisation.Lanham: Rowman & Littlefield, 2000.

EDQUIST, C. The systems of innovation approach and innovationpolicy: An account of the state of the art. In: THE NELSON ANDWINTER DRUID SUMMER CONFERENCE, 12-15 jun. 2001,Aalborg, Dinamarca. Anais... Aalborg, 2001.

________. (Ed.). Systems of Innovation: Technologies, Institutionsand Organizations. London: Pinter Publishers/Cassell Academic,1997.

EVANS, P.; TIGRE, P. Estratégias de desenvolvimento de indústriasde alta tecnologia: análise comparativa da informática no Brasil e naCoréia do Sul. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro,FGV, v. 43, n. 4, p. 549-73, 1989a.

________. Brasil e Coréia: para além dos clones. Novos EstudosCebrap, São Paulo, Cebrap, v. 24, n. 1, p. 110-130, 1989b.

FRANSMAN, M. Telecoms in the Internet Age – from boom to bustto…? Oxford: Oxford University Press, 2002.

FREEMAN, C. Technology policy and economic performance –lesson from Japan. London: Frances Pinter, 1987.

FREEMAN, C.; LOUÇÃ. As time goes by – from the IndustrialRevolutions to the Information Revolution. Oxford: OxfordUniversity Press, 2001.

FREEMAN, C.; PEREZ, C. Structural crises of adjustment businesscycles and investment behaviour. In: DOSI, G. et al. (Ed.).Technical change and economic theory. London: Pinter, 1988.

FUKYAMA, F. Trust: the social virtues and the creation ofprosperity. London: Hamish Hamilton, 1995.

GERTLER, M. Tacit knowledge and the economic geography ofcontext or the undefinable tacitness of being (there). In: THENELSON AND WINTER DRUID SUMMER CONFERENCE, 12-15jun. 2001, Aalbolg, Dinamarca. Anais... Aalborg, 2001.

HÄMÄLÄINEN, T. A techno-economic paradigma shift and theprocess of socio-institutional adjustment. In: SCHIENSTOCK, G.;KUUSI, O. (Ed.). Transformation towards a learning economy.Helsinque: Sitra, 1999.

HEWITT, T. Employment and skills in the electronics industry: thecase of Brazil. Tese (Doutorado em Filosofia) – Universidade deSussex, 1988.

HOBDAY, M. Telecommunications in developing countries – thechallenge from Brazil. London: Routledge, 1990.

JAGUARIBE, A. A política tecnológica e sua articulação com apolítica econômica: elementos para uma análise da ação doEstado. Rio de Janeiro, IEI/UFRJ, 1987. (Texto para discussão,n. 115).

JOHNSON, B.; LUNDVALL, B-Å. Why all this fuss about codifiedand tacit knowledge? In: The DRUID WINTER CONFERENCE, 18-20 jan. 2001, Aalborg, Dinamarca. Anais... Aalborg, 2001.

KUUSI, O. Growing and learning entrepreneurial networks as thefocus of national innovation strategy. In: SCHIENSTOCK, G.;KUUSI, O. (Ed.). Transformation towards a learning economy: Thechallenge for the finnish innovation system. Helsinque: Sitra, 1999.

LEMOS, C.; PALHANO, A. Clustering in a backward region: thefootwear productive system in Campina Grande. In: CASSIOLATO,J.; LASTRES, H.; MACIEL, M. (Ed.). Systems of innovation anddevelopment – evidence from Brazil. Cheltenham: Edward Elgar,2003.

LEMOS, M.; CAMPOLINA, C.; BORGES, F.; CROCCO, M.;CAMARGO, O. Liberalization and local innovative capabilites: theFiat supplier network in Minas Gerais. In: CASSIOLATO, J.;LASTRES, H.; MACIEL, M. (Ed.). Systems of innovation anddevelopment – evidence from Brazil. Cheltenham: Edward Elgar,2003.

LUNDVALL, B. The university in the learning economy. In: DRUIDWorking Paper 2002-6, 2002. Disponível em:<http://www.druid.dk>.

________. Innovation as an interactive process from user-producerinteraction to the national system of innovation. In: DOSI, G. et al.(Ed.). Technical change and economic theory. London: Pinter, 1988.

________. Product innovation and user-producer interaction.Aalborg: Aalborg University Press, 1985.

LUNDVALL, B; JOHNSON, B; ANDERSEN, E.; DALUM, B.National systems of production, innovation and competencebuilding. In: THE NELSON AND WINTER DRUID SUMMERCONFERENCE, 12-15 jun. 2001, Aalborg, Dinamarca. Anais...Aalborg, 2001

MIETTINEN, R. National innovation system – scientific concept ofpolitical rhetoric. Helsinque: Edita, 2002.

MYTELKA, L.; SMITH, K. Innovation theory and innovationpolicy: bridging the gap. In: THE NELSON AND WINTER DRUIDSUMMER CONFERENCE, 12-15 jun. 2001, Aalborg, Dinamarca.Anais... Aalborg, 2001.

NELSON, R.; WINTER, S. An evolutionary theory of economicchange. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1982.

NONAKA, I.; TAKEUCHI, H. The knowledge-creating company.How Japanese companies create the dynamics of innovation.Oxford: Oxford University Press, 1995.

NORTH, D. Institutions. Journal of Economic Perspective, v. 5,n. 1, p. 97-112, 1991.

PEREZ, C. Technological revolutions and financial capital: thedynamics of bubbles and golden ages. Cheltemham: Edward Elgar,2002.

________. The social and political challenge of the presentparadigm shift. In: Norwegian Investorforum, 15-16 May, Oslo,Norway, 1997.

PEREZ, C.; SOETE, L. Catching up in technology. Entry barriersand windows of opportunity. In: DOSI, G. et al., (Ed.). Technicalchange and economic theory. London: Pinter, 1988.

PESSINI, J. A indústria brasileira de telecomunicações: umatentativa de reinterpretação dos mercados recentes. Dissertação(Mestrado) – IE/Unicamp, Campinas, 1986.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 200520

ARLINDO VILLASCHI

PIRAGIBE, C. Electronics industry in Brazil and the role of theState: some aspects. In: ________. (Ed.). Electronics industry inBrazil. Brasília: MCT/CNPq, 1988.

POLANYI, M. Personal knowledge towards a post-criticalphilosophy. London: Routledge, 1958.

PUTMAN, R. Making democracy work – civic traditions in modernItaly. Princenton, NJ: Princeton University Press, 1993.

ROSENBERG, N. Perspectives on technology. Cambridge:Cambridge University Press, 1976.

SCHIENSTOCK, G.; HÄAMÄLÄINEN, T. Transformation of thefinnish innovation system. Helsinque: Sitra, 2001.

SCHMITZ, H.; CASSIOLATO, J. (Ed.). Hi-tech for industrialdevelopment – lessons from the Brazilian experience in electronicsand automation. London: Routledge, 1992.

SZAPIRO, M. Downgrading local capabilities in IT: the telecominnovation system in Campinas. In: CASSIOLATO, J.; LASTRES,H.; MACIEL, M. (Ed.). Systems of innovation and development –evidence from Brazil. Cheltenham: Edward Elgar, 2003.

SOUZA, C.; GARCIA, R. Sistemas locais de inovação no Estado deSão Paulo. In: CASSIOLATO, J.; LASTRES, H. (Ed.). Globalizaçãoe Inovação Localizada – a experiência do Mercosul. Brasília:IBICT/MCT, 1999.

TIGRE, P.; FERRAZ, J. (Coord.). Avaliação e perspectivastecnológicas das empresas estatais. Brasília: CNPq, 1989.Mimeografado.

TUOMI, I. From periphery to center: emerging research topics onknowledge society. Helsinque: Tekes, 2001.

VARGAS, M.; ALIEVI, R. Learning trajectories and upgradingstrategies in the footwear productive system of Sinos Valley. In:CASSIOLATO, J.; LASTRES, H.; MACIEL, M. (Ed.). Systems ofinnovation and development – evidence from Brazil. Cheltenham:Edward Elgar, 2003.

VILLASCHI, A. Paradigmas tecnológicos: uma visão histórica paraa transição presente. Revista de Economia, v. 30, n. 1, p. 65-106,Curitiba: UFPR, 2004.

________. The Brazilian national system of innovationopportunities and constraints for transforming technologicaldependency. Thesis (PhD) – Birkbeck College, University ofLondon, London, 1992.

VILLASCHI, A.; CAMPOS, R. Sistemas/arranjos produtivoslocalizados: conceitos históricos para novas abordagens. In:CASTILHOS, C. (Coord.). Programa de apoio aos sistemas locaisde produção: a construção de uma política pública no RS. PortoAlegre: FEE, 2002.

VILLASCHI, A.; LIMA, E. The metal-mechanic production systemin Espirito Santo: comodity exports and local industrial capabilities.In: CASSIOLATO, J.; LASTRES, H.; MACIEL, M. (Ed.). Systemsof innovation and development – evidence from Brazil. Cheltenham:Edward Elgar, 2003.

ARLINDO VILLASCHI: Diretor Executivo Suplente pelo Brasil e Suriname noBanco Interamericano de Desenvolvimento; Professor Associado de Eco-nomia, Universidade Federal do Espírito Santo; Pesquisador Associadoda Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovadores Locais([email protected]; [email protected]; [email protected])

Artigo recebido em 27 de abril de 2005.Aprovado em 31 de maio de 2005.

21

A NOVA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA E O NOVO EMPRESARIADO: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005

E

Resumo: Este artigo defende a existência de indícios de que a atual competitividade da indústria brasileiraestaria sustentada em uma nova visão empresarial, surgida no país após a abertura da economia. São cinco osindícios: as estratégias das empresas voltadas para inovação e diferenciação de produtos; as mudanças estru-turais e organizacionais; adequação das firmas aos padrões internacionais, via inovação tecnológica; a melhoriaproporcionada pela inovação no desempenho exportador das firmas; e a internacionalização das firmas comfoco na inovação tecnológica.Palavras-chave: Inovação tecnológica. Indústria brasileira.

Abstract: This paper argues that current competitiveness of the Brazilian Industry is supported by a newentrepreneurial view, which emerged after the opening up of the economy. The argument is based on fivefocal points: companies’ strategy based on innovation and product differentiation; organizational restructuring;companies’ efforts to fit international product patterns by technological innovation; innovation is improvingexport performance of the firms; firms that are basing their internationalization process on technologicalinnovation.Key words: Technological innovation. Brazilian industry.

GLAUCO ARBIX

JOÃO ALBERTO DE NEGRI

A NOVA COMPETITIVIDADE DAINDÚSTRIA E O NOVO EMPRESARIADO

uma hipótese de trabalho

ste artigo objetiva construir uma hipótese detrabalho de que a atual competitividade da indústriabrasileira estaria sustentada em uma nova visão

empresarial, que tem surgido no país após a abertura daeconomia. São cinco os indícios verificados nas empresase discutidos neste texto: as estratégias competitivas voltadaspara inovação tecnológica e diferenciação de produtos; asmudanças estruturais e organizacionais; adequação a normase padrões internacionais via inovação tecnológica; inovaçãovista como fundamental para o desempenho exportador; einternacionalização com foco na inovação tecnológica. Apartir dos novos comportamentos competitivos encontradosna indústria brasileira e de características no âmbito da firma,este artigo procura destacar os elementos de uma nova visãoempresarial brasileira, originada a partir do esgotamentodo nacional-desenvolvimentismo.

Não é recente a análise de que o modelo de crescimentoe industrialização do Brasil, via substituição de importação,criou um viés pró-mercado interno, negligenciando odesempenho das empresas brasileiras no mercado interna-cional, por parte tanto do setor privado quanto do público.Se, por um lado, este modelo levado a cabo no pós-guerraconsolidou uma indústria relativamente articulada, densa ecom fornecedores locais, por outro, a proteção à concor-rência internacional e o aparato produtivo estatal teriam sidoresponsáveis também por criar uma visão empresarialrelativamente acomodada e passiva diante das principaistendências internacionais. Esta relativa acomodação teriadistanciado as empresas industriais brasileiras dos padrõesmodernos de competição do mercado internacional,basicamente guiados pela capacidade de realização deinovação tecnológica e diferenciação de produtos.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 200522

GLAUCO ARBIX / JOÃO ALBERTO DE NEGRI

Economias semelhantes à brasileira foram abertas aocomércio internacional e a participação do Estado na eco-nomia foi substancialmente reduzida. No caso brasileiro,a abertura, a eliminação de inúmeros instrumentos de in-centivos à produção doméstica e as privatizações passa-ram a assumir papel central na estratégia de desenvolvi-mento da economia na década de 90. Já em meados dosanos 90, após o processo de abertura da economia e, deforma especialmente relevante partir da estabilizaçãomacroeconômica, o debate sobre a sustentabilidade docrescimento ganhou relevância especial. No centro destedebate está a visão do setor privado quanto à inserçãoexterna da indústria brasileira.

Recentemente, as discussões sobre as políticas deincentivo à inovação tecnológica, em geral, e os estudosrealizados para apoiar a elaboração das Diretrizes daPolítica Industrial Tecnológica e de Comércio Exterior –PITCE têm trazido novas contribuições sobre inserçãoexterna da indústria brasileira. Existem fortes evidênciasde que o caso brasileiro de reestruturação da indústria ésingular, quando comparado com outras economias, poiso novo ambiente econômico, diferente de gerar umaespecialização regressiva, estaria impulsionando uma novavisão empresarial a respeito das potencialidades do Brasilna economia mundial. Distanciando-se da recorrente pas-sividade e tradicional dependência das iniciativas gover-namentais, parte do empresariado de hoje começa a seconformar como um segmento que se dispõe a enfrentar ea se equiparar às melhores práticas da concorrênciainternacional, particularmente aquelas associadas à ino-vação tecnológica, com profundas conseqüências para amodernização de suas empresas.

Nas próximas seções deste artigo estão detalhadas asevidências e sistematizados os indícios desse novo com-portamento e configuração. A se confirmar essa hipótese,estar-se-ia praticamente diante de uma alteração estrutu-ral do sistema socioprodutivo brasileiro.

ESTRATÉGIAS COMPETITIVAS NAINDÚSTRIA BRASILEIRA

Os resultados aqui apresentados fazem parte do Proje-to Inovação e Padrões Tecnológicos na Indústria Brasi-leira (SALERNO; DE NEGRI, 2005) que foi coordenadopelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea paraapoiar a elaboração da PITCE. A originalidade deste pro-jeto é dupla: por um lado, os dados referem-se ao maisamplo conjunto de informações jamais reunido sobre a

indústria brasileira;1 e, por outro, ao categorizar as em-presas por estratégias competitivas, tornou-se possívelmapear e discutir com muito mais acuidade o patamarcompetitivo da indústria, possibilitando diagnóstico pre-ciso para apoio à política industrial.

Para categorização das empresas, tomou-se por base aliteratura econômica que demonstra que a inovação é umaestratégia que possibilita às empresas auferirem maioresganhos, particularmente se ocorrer diferenciação de pro-duto que permita a obtenção de preço-prêmio pela em-presa.2 Do ponto de vista da estratégia de negócios, talvisão foi difundida por Porter (1980), que agrupa as es-tratégias de negócios em três categorias:

- concorrência por diferenciação;

- concorrência por preço, na qual os produtos são padro-nizados e o diferencial de uma empresa se dá pelo seu ní-vel menor de custos;

- concorrência por nichos, que seria um caso particularda estratégia de diferenciação.

De acordo com essas análises, a estratégia de diferen-ciação de produto seria aquela mais promissora para alucratividade da empresa, que estaria menos sujeita à con-corrência via menores salários e jornadas de trabalho maisextensas, ou derivada de recursos naturais (commodities)muito sujeitos a flutuações de preços. Também é conhe-cido o esforço dos países desenvolvidos para elaborarempolíticas de inovação tecnológica e de diferenciação deprodutos, seja através de investimentos e incentivos di-versos, seja por meio de regulamentação, como é o casodo sistema GSM e das denominações de origem.

A tipologia desenvolvida no âmbito do Projeto3 baseia-se na lógica acima e, para a indústria brasileira, asestratégias de competição podem ser traduzidas, do pontode vista empírico, na tipificação das firmas em trêscategorias:- aquelas que inovam e diferenciam produtos, ou seja,empresas de maior conteúdo tecnológico que competempor diferenciação de produto, o que seria a estratégia com-petitiva mais promissora, concentrando a ponta mais di-nâmica da indústria e tendendo a capturar parcela maiorda renda gerada pela indústria;

- firmas especializadas em produtos padronizados, ca-tegoria que reúne empresas razoavelmente atualizadas doponto de vista de certas características operacionais (fa-bricação e logística), mas defasadas no que se refere aoutras armas modernas da competição (pesquisa e desen-volvimento, marketing, gerenciamento de marcas, etc.) eque competem basicamente por custo e preço;

23

A NOVA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA E O NOVO EMPRESARIADO: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005

- aquelas que não diferenciam produto e têm pro-dutividade menor, categoria que engloba empresas queoferecem produtos de qualidade inferior, não exportadoras,porém se mostram capazes de captar espaços no mercado,através de baixos preços e outras possíveis vantagens.4

CARACTERÍSTICAS DAS FIRMAS SEGUNDOESTRATÉGIAS COMPETITIVAS

Segundo os dados do IBGE, existem na indústria bra-sileira aproximadamente 72 mil empresas com mais de dezempregados. De acordo com suas estratégias competiti-vas, na indústria brasileira existem 1.199 firmas que ino-vam e diferenciam produtos, 15.311 especializadas emprodutos padronizados e outras 55.486 que não diferen-ciam e têm produtividade menor (Tabela 1).

É razoável que a maioria das empresas correspondaàquelas que não diferenciam e têm produtividade menor.Nesta categoria, estão incluídas empresas de médio e pe-queno portes que oferecem produtos não diferenciados dequalidade menor e que concorrem via preços. A sua gran-de participação numérica não é refletida, entretanto, coma mesma intensidade quando o indicador é a participaçãono faturamento. Estas empresas respondem por apenas11,5% do faturamento total da indústria brasileira. Já aque-las que inovam e diferenciam produtos, apesar de repre-sentarem numericamente apenas 1,7% da indústria brasi-leira, são responsáveis por 25,9% do faturamentoindustrial, enquanto as empresas especializadas em pro-dutos padronizados detêm 62,6% do faturamento.

A escala de produção das empresas que inovam e dife-renciam produtos é significativamente maior do que nas

demais categorias. O faturamento médio deste grupo é deR$ 135,5 milhões, enquanto nas especializadas em pro-dutos padronizados corresponde a R$ 25,7 milhões e na-quelas que não diferenciam e têm produtividade menor aR$ 1,3 milhão. Apesar de haver um diferencial significa-tivo entre o tamanho médio das empresas nas três catego-rias, as eficiências de escala daquelas que inovam e dife-renciam produtos e das especializadas em produtospadronizados estão muito próximas, mas divergem das quenão diferenciam e têm produtividade menor (DE NEGRIet al., 2005). Isto mostra que os rendimentos de escala dasempresas desta última categoria são inferiores quandocomparadas com as demais empresas e que uma parte dasua ineficiência está associada ao fato delas operarem emescala de produção menor do que as outras.

As variáveis relativas ao pessoal ocupado são relevan-tes para análise da estratégia competitiva das empresas.A remuneração média mensal do pessoal ocupado é deR$ 1.254,64 nas empresas que inovam e diferenciam pro-dutos, R$ 749,02 nas especializadas em produtos padro-nizados e R$ 431,15 naquelas que não diferenciam e têmprodutividade menor. A remuneração está associada às ca-racterísticas da mão-de-obra. A escolaridade média dotrabalhador nas firmas que inovam e diferenciam produ-tos é significativamente maior do que nas demais. Emmédia, o empregado destas empresas tem 9,13 anos deestudos, contra 7,64 nas especializadas em produtos pa-dronizados e 6,89 nas que não diferenciam e têm produti-vidade menor. O tempo de permanência médio do traba-lhador também é maior nas empresas que inovam ediferenciam produtos (54,09 meses), quando comparadascom as especializadas em produtos padronizados (43,90

TABELA 1

Empresas Industriais, por Características, segundo Estratégias Competitivas

Brasil – 2000

Estratégias CompetitivasEmpresas Faturamento

Participação Remuneração Prêmio Salarial

Médiono Média do Resultante do Compor-

Nos Abs. % (em milhões de R$)Faturamento Pessoal tamento Competitivo

(%) Ocupado (R$/mês) da Firma (%)

Total 72.005 100,0 100,0

Inovam e

Diferenciam Produtos 1.199 1,7 135,5 25,9 1.254,64 23

Especializadas em

Produtos Padronizados 15.311 21,3 25,7 62,6 749,02 11

Não Diferenciam e

Têm Produtividade Menor 55.495 77,1 1,3 11,5 431,15 0

Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Elaboração: Ipea/Diset a partir da transformação dos dados obtidos na fonte e com a incorporação de dados da PIA/

IBGE, Secex/MDIC, Bacen e Rais/MTE.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 200524

GLAUCO ARBIX / JOÃO ALBERTO DE NEGRI

meses) e com as que não diferenciam e têm produtividademenor (35,41 meses em média).

Bahia e Arbache (2005) mostraram, que também existeum prêmio salarial pago pelas empresas, que se diferenciade acordo com as estratégias competitivas. Segundo estesautores, as empresas que inovam e diferenciam produtosremuneram os empregados 23% a mais do que aquelas quenão diferenciam e têm produtividade menor e as especia-lizadas em produtos padronizados oferecem um prêmiosalarial 11% a mais em comparação a esta última categoria.Estas evidências mostram que empresas que competem porinovação e diferenciação de produto tendem a remunerarmelhor a mão-de-obra ocupada, sugerindo que uma políticade incentivo à inovação e diferenciação de produto podeter efeitos positivos do ponto de vista dos salários.

Inovação Tecnológica – 1998-2000

A taxa de inovação na indústria brasileira é de 31,5%considerando-se as empresas com dez ou mais pessoas ocu-padas. A inovação de produto novo e processo novo parao mercado é, entretanto, muito menos freqüente entre asempresas, chegando a 4,1% e 2,8%, respectivamente. ATabela 2 apresenta o resultado do processo inovativo dasempresas na indústria brasileira por categoria.

Entre as empresas que inovam e diferenciam produtos,70,6% também realizaram inovações de processo, sendoque 35,7% o fizeram para o mercado doméstico. Oporcentual alto de empresas que realizam inovações deproduto e de processo, entre as que inovam e diferenciamprodutos, parece indicar que a inovação de produto novo

para o mercado exige também esforço de inovação em pro-cesso. O padrão de inovação tecnológica das empresasespecializadas em produtos padronizados é diferente:35,6% implementaram inovação de processo e 26,2% ino-varam produtos. Comportamento semelhante, porém demenor intensidade, é encontrado nas empresas que não di-ferenciam e têm produtividade menor: 21,4% realizaraminovação de processo e 13,4% inovaram produtos.

De forma geral, estes dados indicam que há um dife-rencial de padrão de inovação tecnológica das empresasque inovam e diferenciam produto quando comparadascom as demais. Nas especializadas em produtos padro-nizados e naquelas que não diferenciam e têm produti-vidade menor, o comportamento inovador é fortementeassociado à difusão tecnológica, que é realizada de formaespecialmente relevante por meio da inovação de processo.Uma parte significativa das inovações de processo érealizada através da introdução de máquinas e equipa-mentos, freqüentemente importadas. Nas empresas espe-cializadas em produtos padronizados, o porcentual deinovadoras é maior do que nas que não diferenciam e têmprodutividade menor, indicando uma preocupação maiornesta categoria com a eficiência produtiva (técnica e deescala). Neste último grupo, há um grande número deempresas, geralmente pequenas e médias, que não inovame nem participam de processos de difusão tecnológica,compreendendo, via de regra, empresas defasadas tantodo ponto de vista tecnológico como de eficiência produtiva.

Os dados apresentados na Tabela 3 corroboram tambémas evidências de que a difusão de tecnologia domina ocomportamento inovador das empresas especializadas em

TABELA 2

Taxas de Inovação de Produtos e Processo, segundo as Estratégias Competitivas das Empresas

Brasil – 1998/2000

Em porcentagem

Inovadoras de Produto Inovadoras de Processo

Estratégias CompetitivasTotal

Novo para Novo paraTotal

Novo para Novo para

Mercado Empresa Mercado Empresa

Total 17,6 4,1 14,4 25,2 2,8 23,3

Inovam e Diferenciam

Produtos 100,0 100,0 28,4 70,6 35,7 48,5

Especializadas em

Produtos Padronizados 26,2 4,5 23,1 35,6 5,7 31,6

Não Diferenciam e Têm

Produtividade Menor 13,4 1,9 11,7 21,4 1,3 20,4

Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Elaboração: Ipea/Diset a partir da transformação dos dados obtidos na fonte e com a incorporação de dados da PIA/IBGE,

Secex/MDIC, Bacen e Rais/MTE.

Nota: Porcentuais por categoria de estratégia competitiva. Como a empresa pode inovar simultaneamente em produto e processo novos para a empresa ou para o mercado, os valores não

somam 100%.

25

A NOVA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA E O NOVO EMPRESARIADO: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005

produtos padronizados e daquelas que não diferenciam etêm produtividade menor. Quando se observa a informaçãosobre quem é o principal responsável pelas inovações,verifica-se que em 78% das empresas especializadas emprodutos padronizados, o principal responsável pelainovação de processo foi outra empresa. Este valor sobepara 88,3% nas das empresas que não diferenciam e têmprodutividade menor. Menos da metade (47,5%) dasinovações de processo é realizada por outra empresa nocaso daquelas que inovam e diferenciam produtos. Mesmono que se refere às inovações de produto, a difusão detecnologia é maior nas empresas especializadas emprodutos padronizados e nas que não diferenciam e têmprodutividade menor, quando comparadas àquelas queinovam e diferenciam produtos.

A Tabela 3 também mostra que as empresas que ino-vam e diferenciam produtos apresentam, simultaneamen-te, a maior porcentagem de desenvolvimento próprio deprocesso (dentro da própria unidade) e a menor incidên-cia de recurso a outras empresas. Ou seja, parece haveruma associação entre inovação e diferenciação de produ-to e inovação de processo, ainda que essa inovação possaser via mudança de equipamento.

Faz parte também do esforço inovador a capacidadede as empresas estabelecerem alianças cooperativas e par-cerias para a inovação tecnológica. As parcerias se dife-rem de acordo com o padrão de inovação das empresas.A despeito da diferença entre os padrões de inovaçãotecnológica, verifica-se que as empresas especializadas emprodutos padronizados e as que não diferenciam e têm pro-dutividade menor, quando realizam inovação de produto,

o fazem com um esforço individual maior do que aquelasque inovam e diferenciam produtos, das quais 29,3% rea-lizaram inovação de produto em conjunto com outra em-presa do grupo empresarial ao qual pertencem ou entãoem cooperação com outras empresas. Já nas especializadasem produtos padronizados este porcentual é de 15,9% enaquelas que não diferenciam produto e têm produtivida-de menor corresponde a 6,4%.

As empresas que inovam e diferenciam produtos tam-bém realizam gastos na aquisição de P&D externo e deconhecimento, em proporção ao faturamento, maiores doque nas demais categorias, o que corrobora as evidênciasde que estas empresas cooperam ou realizam inovaçõesdentro do seu grupo empresarial. Não é trivial, entretan-to, a relação de causalidade entre desempenho inovativoda empresa e cooperação. As empresas podem inovar ecom isso ampliar o leque de cooperação/parceria e trocade informações com outras empresas que também inovam,ou então podem associar-se para alcançar uma inovaçãotecnológica pretendida.

Um dos indicadores de esforço individual das empre-sas que realizam inovação são os gastos de P&D internocomo proporção do faturamento. Considerando apenas asempresas inovadoras em cada categoria, a média de gas-tos de P&D interno sobre o faturamento para aquelas queinovam e diferenciam produtos é de 3,06%, enquanto paraas especializadas em produtos padronizados este por-centual é de 2,03% e naquelas que não diferenciam e têmprodutividade menor corresponde a 1,36%.

O esforço da empresa para realizar inovação tecnológicatem como objetivo aumentar os recursos e potencialidades

TABELA 3

Empresas, por Principal Responsável pela Inovação, segundo Estratégias Competitivas

Brasil – 1998-2000

Em porcentagem

Empresa Outra Empresa Empresa em OutrasEstratégias Competitivas

do Grupo Cooperação Empresas

Produto 71,4 3,8 7,8 17,0

Inovam e Diferenciam Produtos 65,6 17,0 12,3 5,0

Especializadas em Produtos Padronizados 72,6 6,0 9,9 11,5

Não Diferenciam e têm Produtividade Menor 71,6 0,5 5,9 21,9

Processo 10,6 1,2 4,9 83,3

Inovam e Diferenciam Produtos 30,7 6,6 15,2 47,5

Especializadas em Produtos Padronizados 13,1 2,5 6,3 78,1

Não Diferenciam e têm Produtividade Menor 8,1 0,1 3,5 88,3

Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Elaboração: Ipea/Diset a partir da transformação dos dados obtidos na fonte e com a incorporação de dados da PIA/IBGE,

Secex/MDIC, Bacen e Rais/MTE.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 200526

GLAUCO ARBIX / JOÃO ALBERTO DE NEGRI

disponíveis no seu interior e, com isso, obter vantagenscompetitivas que se traduzem em rentabilidade superior àde seus competidores. O impacto da inovação tecnológicaem termos de recursos e potencialidades pode ser visto naTabela 4, que apresenta a proporção de empresas que atri-buíram alta importância a impactos específicos do pro-cesso de inovação.

Naquelas que inovam e diferenciam produtos, a ino-vação tem um impacto maior na melhoria da qualidade ena ampliação da gama dos produtos ofertados. De fato,um dos ativos importantes desta categoria, em compara-ção às demais, é a sua potencialidade de diferenciar emelhorar a qualidade do seu produto. Das empresas queinovam e diferenciam produtos, 46,8% atribuíram altaimportância da inovação tecnológica para ampliação dagama de produtos ofertados, sendo que, para as demaiscategorias, este valor é significativamente menor. A es-tratégia de direcionar os recursos disponíveis na empre-sa para gerar inovações que aumentem as potencialidadesde diferenciar e melhorar a qualidade do produto ofertadose reflete no seu posicionamento no mercado. O por-

TABELA 4

Proporção de Empresas Inovadoras que Atribuíram Alta Importância da Inovação

sobre Aspectos Específicos, Segundo Estratégias Competitivas

Brasil – 1998/2000

Em porcentagem

Estratégias Competitivas Inovam e Especializadas em Não Diferenciam e

Diferenciam Produtos Produtos Padronizados têm Produtividade Menor

Produto

Melhorou a Qualidade dos Produtos 61,2 57,1 55,6

Ampliou a Gama de Produtos Ofertados 46,8 28,7 24,0

Mercado

Permitiu Manter a Participação no Mercado 55,8 50,6 47,7

Ampliou a Participação no Mercado 47,5 39,9 34,6

Processo

Permitiu Abrir Novos Mercados 34,9 23,7 21,0

Aumentou a Capacidade Produtiva 34,1 42,5 43,6

Aumentou a Flexibilidade da Produção 32,7 36,7 34,6

Reduziu os Custos do Trabalho 23,7 24,2 22,3

Reduziu o Consumo de Matérias-Primas 10,6 9,2 7,2

Reduziu o Consumo de Energia 8,8 9,0 8,3

Outros Impactos

Reduziu Impacto no Meio Ambiente 28,8 27,4 22,2

Enquadramento nas Normas do Mercado Interno 32,9 23,0 15,9

Enquadramento nas Normas do Mercado Externo 23,1 13,2 1,8

Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Elaboração: Ipea/Diset a partir da transformação dos dados obtidos na fonte e com a incorporação de dados da PIA/IBGE,

Secex/MDIC, Bacen e Rais/MTE.

centual de empresas que atribuíram alta importância dainovação tecnológica para manutenção, ampliação e aber-tura de novos mercados é maior naquelas que inovam ediferenciam produtos do que nas outras duas categorias.

Já a proporção de empresas que atribuíram alta impor-tância ao aumento da capacidade produtiva e da flexibili-dade de produção é maior nas especializadas em produ-tos padronizados e nas que não diferenciam e têmprodutividade menor. Estas empresas, produtoras de bensmenos diferenciados, tendem a direcionar seus recursosdisponíveis para ampliar suas potencialidades fabris, pro-curando fazer o mesmo produto da melhor forma. É porisso que grande parte da inovação realizada por estasempresas refere-se a processo. De forma geral, são meno-res os porcentuais de empresas que atribuíram alta impor-tância da inovação tecnológica para a redução de custosdo trabalho, de consumo de matérias-primas e de energiaelétrica e parece não haver grandes diferenças na compa-ração entre as categorias.

Um dado especialmente relevante que deve ser obser-vado na Tabela 4 é que 23,1% das empresas que inovam e

27

A NOVA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA E O NOVO EMPRESARIADO: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005

diferenciam produtos atribuíram alta importância da ino-vação para o enquadramento às normas do mercado ex-terno. Nas especializadas em produtos padronizados esteporcentual é de 13,2%.

Uma das potencialidades importantes para o processode competição das empresas é sua capacidade de promo-ver mudanças microeconômicas relativas a suas estraté-gias de mercado e também organizacionais. Não existe re-lação de causalidade bem definida entre estas mudanças ea inovação tecnológica. Ao mesmo tempo em que impul-siona o processo de mudança, a inovação tecnológica im-pulsionada por ele. A Tabela 5 apresenta os dados refe-rentes às empresas inovadoras que declararam realizarmudanças estratégias e organizacionais.

Naquelas que inovam e diferenciam produtos, 39,1%declararam que realizaram mudanças na estratégia corpo-rativa, que correspondem a alterações de produto e/oumercado de atuação das empresas. As inovadoras de produtonovo para o mercado são de fato empresas mais agressivas,não apenas no lançamento de novos produtos, mas tambémna conquista de novos mercados. Mais de 50% destas firmastambém realizaram mudanças na gestão, estrutura organiza-cional, marketing e gerenciamento. Nas demais categorias,esta proporção é menor. As mudanças na estética, desenho,etc. do produto são mais simples de serem implementadase, por isso, grande parte das empresas, independentementeda categoria, realizou estas alterações.

INSERÇÃO NO COMÉRCIO EXTERIOR

As empresas que inovam e diferenciam produtos ex-portam e importam em média muito mais do que as de-mais empresas exportadoras. A Tabela 6 apresenta indi-

cadores de inserção das empresas industriais brasileirasno comércio internacional. O coeficiente de exportaçãomédio das especializadas em produtos padronizados épraticamente o dobro das demais inseridas no comérciointernacional e o coeficiente de importação médio é 50%maior nestas empresas quando comparado com outras.

A literatura sobre os determinantes do comércio inter-nacional afirma que as exportações podem, por um lado,estar relacionadas às tradicionais vantagens comparativasque são determinadas pela dotação relativa de fatores deprodução, como mão-de-obra e recursos naturais, e sãoassociadas ao comércio interindústria. Por outro lado, asexportações podem estar baseadas em economias de es-cala, inovação tecnológica e diferenciação de produto e,neste caso, estariam essencialmente associadas ao comér-cio intra-indústria. O Brasil é um país em desenvolvimen-to onde a abundância em recursos naturais e mão-de-obrao torna competitivo nas exportações de bens que deman-dam maior dotação relativa destes fatores, mas o tamanhodo mercado doméstico brasileiro e o esforço inovativo dasempresas no Brasil também tornam o país competitivo emdeterminados segmentos em que inovação tecnológica eescala de produção são determinantes da competitividadedas empresas no mercado internacional.

Os indicadores de comércio exterior sinalizam padrãomuito diferente entre as empresas que inovam e diferen-ciam produtos e as especializadas em produtos padroni-zados. As primeiras obtêm melhor preço no mercado in-ternacional quando comparadas às demais exportadorasbrasileiras, demandando mais importações de componen-tes ou produtos complementares às linhas de produçãodoméstica. Isto ocorre porque o Brasil é parcialmente ounão competitivo em segmentos de maior intensidade

TABELA 5

Proporção de Empresas Inovadoras que Implementaram Mudanças Estratégicas e Organizacionais, segundo Estratégias Competitivas

Brasil – 1998/2000

Em porcentagem

Mudanças na Técnicas Mudanças na Mudanças de Mudança na Novos

Estratégias Competitivas Estratégia Avançadas de Estrutura Estratégias de Estética, Métodos de

Corporativa Gestão Organizacional Marketing Desenho, etc. Gerenciamento

Inovam e Diferenciam

Produtos 39,1 56,0 51,8 52,7 72,9 54,3

Especializadas em

Produtos Padronizados 26,8 42,6 44,0 44,5 66,4 35,1

Não Diferenciam e Têm

Produtividade Menor 18,6 28,1 36,0 38,5 68,0 16,6

Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Elaboração: Ipea/Diset a partir da transformação dos dados obtidos na fonte e com a incorporação de dados da PIA/IBGE,

Secex/MDIC, Bacen e Rais/MTE.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 200528

GLAUCO ARBIX / JOÃO ALBERTO DE NEGRI

TABELA 6

Exportações, Importações e Coeficientes, segundo Estratégias Competitivas das Empresas

Brasil – 2000 (1)

Exportações Importações Coeficiente de Coeficiente de

Estratégias Competitivas (US$ milhões) (US$ milhões) Exportação (2) Importação (3)

(%) (%)

Inovam e Diferenciam Produtos 11,4 12,01 0,11 0,15

Especializadas em Produtos Padronizados 2,1 1,8 0,21 0,10

Não Diferenciam e Têm Produtividade Menor 0,0 0,0024 0,00 0,01

Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Elaboração: Ipea/Diset a partir da transformação dos dados obtidos na fonte e com a incorporação de dados da PIA/IBGE,

Secex/MDIC, Bacen e Rais/MTE.

(1) Média no ano.

(2) Valor exportado (R$) sobre faturamento (R$).

(3) Valor importado (R$) sobre faturamento (R$).

tecnológica. Estas empresas, para se manterem competi-tivas no mercado internacional, estariam importando com-ponentes de maior conteúdo tecnológico para sua linhade produção, ao mesmo tempo em que complementam alinha de produtos oferecidos ao mercado doméstico. Des-ta maneira, as empresas que inovam e diferenciam produ-tos possuem um padrão de comércio intra-indústria, parteintra-empresa, caracterizado em grande medida pelacomplementaridade tecnológica com o exterior.

As especializadas em produtos padronizados, por pro-duzirem e exportarem bens menos diferenciados, maishomogêneos e de menor conteúdo tecnológico, aprovei-tam de forma mais intensa a abundância na dotação rela-tiva de fatores de produção, como mão-de-obra barata erecursos naturais disponíveis no mercado brasileiro. Nes-te caso, as empresas são competitivas no comérciointerindustrial com outros países. Este tipo de comérciodepende menos de importações e as exportações realiza-das pela firma acabam por contribuir com uma parcelamaior do faturamento. Nesta categoria, as importações sãorealizadas com o objetivo de aproveitar a complemen-taridade intra-indústria baseada nos potenciais que sãocriados pela escala de produção doméstica.

De Negri e Freitas (2004) mostraram que a inovaçãotecnológica é um dos determinantes das exportações dasempresas brasileiras. Este estudo aponta para duas evi-dências. A primeira é que uma firma que realiza inovaçãotecnológica tem 16% mais chances de ser exportadora doque outra que não faz inovação tecnológica. A segunda éque um aumento na propensão de a empresa realizar ino-vação tecnológica, mensurada através de um aumento emum ano de escolaridade média de seus trabalhadores, as-sociado a uma expansão de 20% na eficiência de escala,possibilitaria que empresas que não realizam exportaçõespassassem a exportar US$ 559 mil por ano. Consideran-

do que existem aproximadamente 18 mil firmas exporta-doras na indústria brasileira, uma ampliação da base ex-portadora em torno de 14% (ou seja, se 2.500 empresaspassassem a exportar como resultado do aumento de es-cala e da sua capacidade de inovar) seria responsável porum adicional de US$ 1,4 bilhão de exportações anuais.Este valor seria equivalente ao impacto resultante da eli-minação completa das barreiras tarifárias para o mercadodos Estados Unidos e Canadá no âmbito da Alca somadoao impacto da eliminação completa das barreiras tarifáriaspara a Europa, o que poderia ser realizado no âmbito dasnegociações Mercosul-Europa.5

Internacionalização com Foco naInovação Tecnológica

Uma boa parte do comércio internacional se dá intra-empresa e, desta forma, o desempenho exportador de umpaís pode ser influenciado positivamente quando suasempresas estabelecem subsidiárias no exterior, que podemcontribuir com o desempenho exportador por exerceremdiversas funções, tais como acessar canais de comercia-lização, adaptar os produtos à demanda de mercados es-pecíficos, criar mercados, acessar recursos financeirosmais baratos, apropriar tecnologias não disponíveis nomercado doméstico, etc.

Arbix, Salerno e De Negri (2004; 2005a) mostraram queos processos de internacionalização com foco na inovaçãotecnológica afetam positivamente o desempenho exportadordas empresas. Verificou-se que as empresas interna-cionalizadas com foco na inovação remuneram melhor amão-de-obra, empregam pessoal com maior escolaridadee, portanto, geram empregos de melhor qualidade. Alémdisso, apresentam maior porcentual de dispêndio emtreinamento de mão-de-obra relativamente ao faturamento,

29

A NOVA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA E O NOVO EMPRESARIADO: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005

o que impulsionaria de alguma forma a qualificação da mão-de-obra doméstica. Com relação às características daempresa, observou-se que aquelas internacionalizadas comfoco na inovação exportam mais do que as que não fazemeste tipo de internacionalização. Portanto, há evidências deque o aumento da competitividade das empresas é influen-ciado positivamente pelas inovações tecnológicas que sãoresultantes do processo de internacionalização. Os autoresrealçaram também o elo de ligação entre a inovaçãotecnológica, a internacionalização das empresas industriaisbrasileiras via investimento direto externo e a obtenção depreço-prêmio nas exportações (ARBIX; SALERNO; DENEGRI, 2005b). Segundo os autores, esse elo de ligaçãoexiste porque a inovação tecnológica produz ativosespecíficos que possibilitam e facilitam a internaciona-lização das empresas, o que, por sua vez, contribuipositivamente para a obtenção de um preço-prêmio nasexportações. Em um mecanismo de retroalimentação, ainternacionalização favorece a inovação e a inovaçãoaumenta a possibilidade de obtenção de preços-prêmio emrelação aos demais exportadores.

CONCLUSÕES

Este artigo procurou destacar e sistematizar alguns si-nais indicadores da nova competitividade da indústriabrasileira, cujo suporte básico seria um novo comporta-mento e visão empresarial.

O primeiro indício relevante é que a inovação tecnológicae a diferenciação de produtos fazem parte das estratégiascompetitivas de um conjunto de empresas que representam25,9% do faturamento da indústria brasileira. Aquelas queinovam e diferenciam produtos pagam prêmio salarial de23%, empregam mão-de-obra mais qualificada e o pessoalocupado permanece mais tempo no emprego. Estes indica-dores mostram que estas empresas valorizam o capital hu-mano e o conteúdo tecnológico obtido através do aprendi-zado em seu interior. Estas empresas realizam inovação deproduto novo para o mercado e 70,6% realizam tambéminovação de processo, o que indica um padrão de inovaçãotecnológica mais sofisticado e que não é guiado apenas peladifusão de tecnologias já existentes. O grande número deparcerias e alianças cooperativas realizadas pelas empre-sas que inovam e diferenciam produtos indica que estas sãocapazes de empreender esforços articulados para alcançara inovação tecnológica.

O segundo indício apontado mostra que, nas empre-sas que inovam e diferenciam produtos, 39,1% declara-

ram que realizaram mudanças na estratégia corporativa,ou seja, àquelas relacionadas com alterações de produtoe/ou mercado de atuação. As empresas inovadoras deproduto novo para o mercado são agressivas não apenasno lançamento de novos produtos, mas também na con-quista de novos mercados. Mais de 50% destas empre-sas também realizaram mudanças na gestão, estruturaorganizacional, marketing e gerenciamento. Esta é umadas características microeconômica marcantes do proces-so pró-ativo de reestruturação das empresas após a aber-tura econômica.

O terceiro indício mostra que 23,1% das empresas queinovam e diferenciam produtos e 13,2% das especializadasem produtos padronizados realizaram inovação para seadequarem às normas e padrões internacionais. Estes nú-meros são importantes porque podem estar demonstran-do que há uma parcela não desprezível de firmas na in-dústria brasileira voltada para atender ao mercado externo,devendo, portanto, considerar o mercado externo dentroda estratégia da empresa. Estes números são especialmenterelevantes no contexto atual, porque no passado cristali-zou-se no Brasil a interpretação de que o processo de de-senvolvimento industrial brasileiro teria sido voltado paradentro e que as empresas enxergariam sua inserção inter-nacional como uma parte residual de sua estratégia de cres-cimento, que ganharia importância somente nos momen-tos de restrições no mercado interno. O porcentual nãodesprezível de empresas que realizaram uma atividadenobre e singular do ponto de vista da competição, a ino-vação tecnológica, para se adequarem ao mercado inter-nacional sugere que algo de novo na visão empresarialbrasileira estaria ocorrendo.

O quarto indício diz respeito à importância da inova-ção tecnológica nas exportações brasileiras. A firma querealiza inovação tecnológica tem 16% mais chances de serexportadora do que outra que não faz inovação tecnológica.Isso indica que o empresariado brasileiro tem identifica-do a inovação tecnológica como um passo importante parasua inserção no comércio internacional. Neste sentido, oBrasil é um país em desenvolvimento onde a abundânciaem recursos naturais e mão-de-obra o torna competitivonas exportações de bens que demandam maior dotaçãorelativa destes fatores, mas o tamanho do mercado domés-tico brasileiro e o esforço inovativo das firmas no Brasiltambém tornam o país competitivo em determinados seg-mentos em que inovação tecnológica e escala de produ-ção são determinantes da competitividade das empresasno mercado internacional.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 200530

GLAUCO ARBIX / JOÃO ALBERTO DE NEGRI

O quinto indício está relacionado à internacionalizaçãodas empresas industriais brasileiras. Aquelas que inovame diferenciam produtos têm buscado no exterior informa-ções para realizar inovação tecnológica. A interna-cionalização com foco na inovação tecnológica produzimpactos positivos sobre o desempenho exportador dasempresas, pois aumenta não apenas o volume exportado,mas também o valor agregado aos bens exportados.

Os sinais reunidos neste trabalho dão consistência à hi-pótese de que a nova competitividade da indústria brasi-leira encontra sustentação em um novo empresariado. Umdas características importantes da reestruturação da indús-tria após a abertura econômica e estabilização é que mui-tas empresas brasileiras estão desenvolvendo um compor-tamento pró-ativo, orientando-se pelas práticas mais nobresda competição: a inovação tecnológica e a diferenciaçãode produto. As informações coletadas e já processadas su-gerem fortemente a necessidade de construção de uma novaagenda de pesquisa sobre os sistemas produtivos, que in-corpore as dimensões regionais, setoriais e locais dos pro-cessos de inovação, assim como para seus desdobramen-tos em outros setores e campos da atividade econômica,para além da indústria em sentido estrito.

NOTAS

1. Foi utilizada base de dados organizada pelo Ipea, que reúne os da-dos da Pesquisa Industrial Anual (PIA) e da Pesquisa Industrial sobreInovação Tecnológica (Pintec), do Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística (IBGE), da Relação Anual de Informações Sociais (Rais)do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), da Secretaria de Co-mércio Exterior (Secex) do Ministério de Desenvolvimento Indústriae Comércio Exterior (MDIC), do Censo do Capital Estrangeiro do BancoCentral (Bacen), do Registro de Capitais Brasileiros no Exterior (Bacen)e da Base de Dados de Compras Governamentais do Ministério do Pla-nejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). O banco de dados é com-posto por uma amostra de aproximadamente 70 mil empresas indus-triais e cinco milhões de pessoas que nelas trabalham. O Ipea não tema posse física das informações utilizadas neste trabalho e, portanto, arealização de estudos como este só é possível devido às parceriasestabelecidas entre o Ipea, IBGE, MTE, Bacen, o MPOG e Secex/MDIC.O acesso às informações necessárias ao trabalho seguiu rigorosamenteos procedimentos que garantem o sigilo de informações restritas.

2. É utilizada também a expressão “lucro de monopólio”, no sentidode que a empresa obtém um ganho extra pelo fato de que, num deter-minado horizonte, seu produto se diferencia dos demais, criando umasituação similar a um monopólio de fato.

3. Com destaque para o professor Antônio Barros de Castro (IE/UFRJ),que teve a idéia inicial de categorizar as empresas por seu desempe-nho competitivo. Tal idéia foi aprofundada com os professores Afon-so Fleury (Politécnica USP) e Adriano Proença (Coppe e EE-UFRJ).

4. Na indústria brasileira poderia, ainda, ser contemplado um quartoagrupamento de empresas, formado por aquelas de base tecnológica eque estão em fase inicial de operação ou em condições de deixar as

incubadoras em que foram gestadas. Esta categoria não foi analisadano Projeto.

5. Ver De Negri, Arbache (2003) e De Negri, Arbache e Falcão Silva(2003).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARBIX, G.; SALERNO, M.S.; DE NEGRI, J.A. Internacionalizaçãocom foco na inovação tecnológica e seu impacto sobre as exporta-ções das firmas brasileiras. Revista DADOS, 2005a. No prelo.

________. Padrões de internacionalização das firmas industriaisbrasileiras. In: SALERNO, M.S.; DE NEGRI, J.A. (Coord.).Inovação, padrões tecnológicos e desempenho das firmas indus-triais brasileiras. Brasília: Ipea, 2005b. No prelo.

______. Inovação, via internacionalização, faz bem para asexportações brasileiras. Economia do conhecimento e inclusãosocial. In: FÓRUM NACIONAL 2004. Rio de Janeiro: JoséOlympio, 2004. p. 185-224.

BAHIA, L.D.; ARBACHE, J. Diferenciação salarial segundocritérios de desempenho das empresas industriais brasileiras. In:SALERNO, M.S.; DE NEGRI, J.A. (Coord.). Inovação, padrõestecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras.Brasília: Ipea, 2005. No prelo.

DE NEGRI, J.A.; ARBACHE J.; FALCÃO SILVA, M.L. A formaçãoda Alca e seu impacto no potencial exportador brasileiro para osmercados dos Estados Unidos e do Canadá. Brasília, Ipea, 2003.(Texto para discussão, n. 991).

DE NEGRI, J.A.; ARBACHE J. O impacto de um acordo entre oMercosul e a União Européia sobre o potencial exportadorbrasileiro para o mercado europeu. Brasília, Ipea, 2003. (Textopara discussão, n. 990).

DE NEGRI, J.A.; FREITAS, F. Inovação tecnológica, eficiência deescala e exportações brasileiras. Brasília, Ipea, 2004. (Texto paradiscussão, n. 1044).

DE NEGRI, J.A.; SALERNO, M.S.; CASTRO, A.B. Inovação,padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasilei-ras. In: SALERNO, M.S.; DE NEGRI, J.A. (Coord.). Inovação,padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasilei-ras. Brasília: Ipea, 2005. No prelo.

PORTER, M. Competitive strategy: techniques for analyzingindustries and competitors. New York, The Free Press, 1980.

SALERNO, M.S.; DE NEGRI, J.A. (Coord.). Inovação, padrõestecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras.Brasília: Ipea, 2005. No prelo.

GLAUCO ARBIX: Professor do Departamento de Sociologia da USP ePresidente do Ipea.

JOÃO ALBERTO DE NEGRI: Pesquisador e Diretor Adjunto de EstudosSetoriais do Ipea.

Artigo recebido em 5 de abril de 2005.Aprovado em 6 de maio de 2005.

31

INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE P&D: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005

V

Resumo: Este artigo analisa a participação de subsidiárias de empresas transnacionais no processo de Pesqui-sa & Desenvolvimento (P&D) global. Para tanto, serão avaliados indicadores de Ciência e Tecnologia (C&T)de empresas pertencentes aos setores mais inovadores no Brasil, a fim de comparar os dados com as subsi-diárias das mesmas empresas localizadas em países que competem diretamente com o Brasil.Palavras-chave: Patentes. Dados bibliométricos. Tecnologia. Telecomunicação.

Abstract: This paper aims to analyse the participation of Brazilian subsidiaries of foreign transnational companiesin their global R&D processes. For this, we analysed some Science and Technology (S&T) indicators from thewidest companies of the most innovative industries in Brazil in order to compare data from their subsidiarieslocated in countries that directly compete to the Brazilian units.Key words: Internationalization of R&D. Patents. Bibliometric data. Technology.

SIMONE VASCONCELOS RIBEIRO GALINA

INTERNACIONALIZAÇÃO DEATIVIDADES DE P&D

participação de afiliadas brasileirasmensuradas por indicadores de C&T

ivencia-se uma época de acirrada competitividade,impulsionada pela globalização, na qual o desen-volvimento tecnológico constitui-se num dos prin-

cipais impulsionadores da competição industrial. A pro-dutividade, a competitividade e o crescimento – tanto deempresas como até mesmo de países – estão intrinseca-mente ligados à inovação. Desse modo, a participação dassubsidiárias brasileiras nesse processo torna-se um impor-tante medidor da capacidade de geração de valorestecnológicos do Brasil, uma vez que a presença de com-panhias transnacionais (TNCs) estrangeiras no país estácada vez mais acentuada.

Dessa forma, é importante avaliar quantitativamente ograu de envolvimento das unidades subsidiárias nodesenvolvimento de tecnologia das empresas estrangeirasque atuam localmente, uma vez que, para setores dominadospor essas companhias, o compartilhamento de conhecimentoe a replicação desse para o sistema nacional de inovaçãoapresentam uma forte dependência dessas companhias.

As atividades de P&D das TNCs têm seguido umatendência de descentralização (CANTWELL, 1989,GHOSHAL; BARTLETT, 1988; REDDY, 1997; SU-BRAMANIAM et al., 1998; DUNNING, 1999). Existempesquisas que afirmam que subsidiárias brasileiras dealgumas empresas TNCs estrangeiras estão envolvidas nodesenvolvimento de alguns nichos de produtos globais(DIAS; GALINA, 2004; GALINA; PLONSKI, 2002;CONSONI; QUADROS, 2002). No entanto, não é comumencontrar na literatura estudos que mostrem quantita-tivamente o resultado dessa participação.

Para tanto, existem indicadores de ciência e tecnologia(C&T) que podem ser utilizados (OECD, 1994). Deve-sesalientar que a medição de inovação torna-se necessária,ainda que incompleta e imperfeita, devido à sua impor-tância para o desenvolvimento nacional (DOGSON;SYBILLE, 2000), pois, dessa maneira, o tema dos indica-dores será inserido, definitivamente, nas agendas dos es-tudos e das políticas de inovação.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 200532

SIMONE VASCONCELOS RIBEIRO GALINA

No entanto, é necessário destacar que nenhum indica-dor tem a capacidade de, sozinho, analisar a complexida-de e abrangência da atuação de uma organização – e mui-to menos de um sistema de inovação. Os indicadores devemrefletir características específicas e devidamente contex-tualizadas, para que possam ser alcançados os objetivospara os quais foram designados.

A partir dessas considerações, o objetivo deste artigoé avaliar a relevância da participação das subsidiárias bra-sileiras no processo de desenvolvimento tecnológico, pormeio dos resultados das atividades realizadas localmen-te. Tais resultados serão analisados por meio de dadosquantitativos (especificamente a partir de dois dos maisimportantes indicadores de C&T: estudos sobre patentese estudos bibliométricos), considerando-se alguns dossetores mais inovadores (IBGE, 2002) que sejam domi-nados por TNCs. Estes dados serão comparados ainda comos provenientes de subsidiárias das mesmas transnacionaisconsideradas, localizadas em outros países que competemdiretamente com o Brasil em cada um dos setores analisa-dos. Dessa forma, aborda-se um tema de significativaimportância para a avaliação de C&T no país – e que ain-da foi pouco explorado.

Vale considerar que um importante indicador fazreferência a solicitações de patentes, que podem serefetuadas em âmbito nacional ou internacional dependendode onde as empresas pretendem fabricar e comercializarseus produtos. Entretanto, deve-se destacar que osresultados estabelecidos apenas a partir de análisesestatísticas com patentes são frágeis, visto que tais estudospodem ser indicadores imperfeitos se utilizados isola-damente (PAVITT, 1988). Portanto, torna-se necessárioe prudente combiná-los com outros indicadores de C&T,como informações bibliométricas.

Assim, este artigo combina os dois indicadores men-cionados, com o intuito de explorar a representatividadeda participação de subsidiárias brasileiras no desenvolvi-mento tecnológico de algumas indústrias – majoritariamen-te companhias estrangeiras. A seguir, é apresentada ametodologia utilizada para o desenvolvimento do traba-lho, os dados obtidos e algumas considerações finais, comlevantamento de questões importantes a serem aindainvestigadas.

METODOLOGIA

Os estudos foram realizados com empresas trans-nacionais dos setores de telecomunicação, informática e

eletrônico que possuem subsidiárias instaladas no Brasil.Trata-se de indústrias dominadas por empresas transna-cionais estrangeiras. Participaram do estudo as norte-ame-ricanas Lucent e Motorola, a japonesa NEC, a suecaEricsson, a francesa Alcatel, a alemã Siemens, a finlande-sa Nokia e a canadense Nortel, classificadas no setor detelecomunicações. Para o setor de informática, foramselecionadas as norte-americanas Cisco, Compaq, Dell,HP, IBM, Unisys e Xerox, e a sul coreana Samsung. Noque diz respeito ao setor eletrônico, selecionamos a suecaElectrolux, as japonesas Furukawa e Toshiba, as norte-americanas GE, Intel e Tyco, a sul-coreana LG e a holan-desa Philips. Essas empresas são as maiores em cada in-dústria considerada (VALOR ECONÔMICO, 2004).Portanto, foram selecionados os setores mais inovadorese, dentro deles, as empresas que podem realizar mais ino-vações, já que, quanto maiores, mais inovadoras elas são(IBGE, 2002).

O levantamento de patentes foi feito nacional e inter-nacionalmente. Para tanto, as consultas foram realizadasnas bases de dados disponibilizadas pelo Instituto Nacio-nal de Propriedade Intelectual – INPI; e, para analisar aparticipação brasileira nas patentes requeridas interna-cionalmente, foi utilizada a base do United States Patentand Trademark Office – USPTO. Ambas as organizaçõesdisponibilizam informações pela Internet. É importanteressaltar que foram contemplados dados dos últimos dezanos.

A base do USPTO foi escolhida porque o sistema nor-te-americano é o que realiza o maior número de registrosde patentes de empresas estrangeiras do mundo – daí suarelevância. Os dados sobre patentes disponíveis para con-sulta na base do USPTO são bem mais detalhados do queos provenientes da base disponibilizada pelo INPI. Issorepresenta uma flexibilidade muito maior da base norte-americana se comparada à brasileira – o que significa queno USPTO é possível fazer diferentes tipos de consultase receber um conjunto de dados mais específico do quepelo INPI.

Por outro lado, a consulta à base de dados de patentesdomésticas foi fundamental para os resultados destapesquisa. Isso porque ela possui uma quantidade muitomaior de dados relevantes a serem tratados aqui e, por isso,possibilita uma análise mais fundamentada e, conseqüen-temente, conclusões mais aprofundadas.

Geralmente, quando uma empresa transnacional soli-cita patentes internacionais, isso significa que o produtopatenteado é inovador e relevante para a companhia as-

33

INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE P&D: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005

sim como a equipe envolvida no processo de inovação.Quando a equipe conta com a participação de funcioná-rios ligados a alguma subsidiária, esse pode ser um indí-cio de que há envolvimento entre tal subsidiária e a redeglobal de desenvolvimento tecnológico da TNC, mesmoque a patente não tenha sido solicitada em nome da subsi-diária. Dessa forma, a análise cobrirá a solicitação de pa-tente em nome da subsidiária e também a existência depelo menos um inventor oriundo da subsidiária.

Um outro indicador escolhido para medir o envol-vimento entre matrizes e subsidiárias brasileiras refere-sea dados bibliométricos, ou seja, a quantidade de artigoscientíficos publicados em periódicos de destaque. Valecitar que, enquanto as patentes estão ligadas à pesquisaaplicada e ao desenvolvimento experimental (para poste-rior produção e comercialização do produto), as publica-ções científicas geralmente se referem à pesquisa básica eaplicada. Dessa forma, com esses dois indicadores de re-sultados de C&T, cobrem-se todos os tipos de atividadesrealizadas em P&D (OECD, 1994).

Os dados bibliométricos são provenientes do ScienceCitation Index – SCI, editado pelo instituto norte-ameri-cano Institute for Scientific Information – ISI, também porintermédio da base disponível na internet. O SCI émultidisciplinar e compreende cerca de 5.300 periódicosrelacionados a ciências humanas, meio ambiente, tecno-logia e medicina. Além disso, ele é a base multidisciplinarque compreende o número mais significativo de publica-ções da América Latina. Em 1997, as publicações da re-gião representaram 2,3% do total das publicaçõesregistradas no SCI (RICYT; CYTED; OEA, 1999).

Para qualquer um dos indicadores selecionados, osdados encontrados para a participação do Brasil foramconfrontados com os dados de outros países, tanto os emdesenvolvimento quanto os desenvolvidos. Na escolhadesses países, foi considerada a relevância das subsidiá-rias como prováveis participantes do desenvolvimento deprodutos das TNCs – o que as torna importantes concor-rentes das subsidiárias brasileiras.

RESULTADOS OBTIDOS

Patentes Internacionais

A busca de dados na base do USPTO foi feita em doisperíodos de cinco anos distintos: de 1994 a 1998 e de 1999a 2003. A flexibilidade para a combinação de diferentesbuscas nessa base nos levou a informações diversificadas

e a análises importantes. Em uma dessas análises, o núme-ro de patentes foi obtido considerando o Brasil como o paísde origem das patentes (inventores ou empresas), com oobjetivo de mostrar a situação geral do país em termos depatentes recebidas, sem considerar cada companhia espe-cificamente. Os resultados, mostrados na Tabela 1, não sãomuito animadores. Eles indicam que, mesmo com um au-mento de 80% de um período para outro, a participação dopaís é baixa. E isso, não somente se o considerado como“país de origem do inventor”, mas também como “país ondeestá localizada a empresa que fez a requisição da patente”.

TABELA 1

Patentes Solicitadas a Companhias e Inventores

Países em Desenvolvimento – 1994-2003

Países em Desenvolvimento 1994-1998 1999-2003

Brasil Empresa 202 365

Inventor 426 793

Chile Empresa 17 29

Inventor 57 87

México Empresa 128 197

Inventor 372 660

Cingapura Empresa 241 1.084

Inventor 597 1.991

Taiwan Empresa 5.081 18.571

Inventor 13.057 31.056

Tailândia Empresa 39 59

Inventor 85 298

Índia Empresa 131 717

Inventor 370 1.360

Malásia Empresa 17 71

Inventor 149 404

Coréia do Sul Empresa 8.700 18.001

Inventor 9.359 19.500

China Empresa 170 907

Inventor 476 2.269

Hong Kong Empresa 1.048 1.938

Inventor 1.490 2.793

Israel Empresa 1.624 3.163

Inventor 3.093 5.666

Hungria Empresa 138 128

Inventor 265 321

Irlanda Empresa 239 477

Inventor 468 961

Rússia Empresa 32 1

Inventor 130 13

Fonte: USPTO.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 200534

SIMONE VASCONCELOS RIBEIRO GALINA

Os números absolutos provenientes da Rússia, Hungria,Chile, México, Tailândia e Malásia são ainda piores.

No entanto, nas comparações com Índia, Israel, China,Irlanda, Cingapura, Coréia do Sul e Taiwan, o Brasil estánuma posição absolutamente inferior. Entre os países ana-lisados, as melhores posições são as de Taiwan e da Coréiado Sul, que têm números muito mais impressivos de pa-tentes obtidas. Entretanto, com exceção desses dois, osnúmeros que representam países inteiros em geral sãobaixos, uma vez que várias das companhias estudadas ossuperam – especialmente no segundo período, conformevisto na Tabela 2.

É importante diferenciar a participação de inventorese subsidiárias no processo de desenvolvimento queacabou por gerar o produto patenteado. Quando existeparticipação de um inventor local mas a unidade dele nãoé a solicitante da patente, esse fato pode indicar que a

equipe local de desenvolvimento não está envolvida napesquisa e que provavelmente, esta é realizada fora daunidade. Uma outra possível razão para isso é que asubsidiária pode não ter autonomia ou poder para competircom a matriz na solicitação da patente. Assim, quanto abuscas realizadas nas bases de dados, sempre quepossível foram separadas as informações relacionadas asubsidiárias ou a inventores.

A partir dos nomes de cada companhia estudada e deseus respectivos países, foi feito um levantamento maisespecífico na base da USPTO. Assim, foram identificadasas patentes solicitadas por várias subsidiárias. O resulta-do é apresentado na Tabela 2 e mostra claramente que assubsidiárias de países em desenvolvimento têm poucaspatentes em seus nomes. No caso do Brasil, identificamosEricsson, Lucent, GE, Philips, Tyco e Xerox, com pouquís-simas patentes cada uma.

TABELA 2

Patentes Solicitados pelas Companhias Estudadas e Participação de Países Selecionados

Medida pelo Número de Patentes em Nome da Subsidiária e por Inventores

Países Selecionados – 1994-2003

(continua)

Telecomunicações

Alcatel 1994-1998 1.020 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

1999-2003 1.817 0 0 0 1 (0,06%) 0 0 0 0 0 0 0 0

Ericsson 1994-1998 1.067 0 1 (0,09%) 0 0 0 0 0 0 0 2 (0,19%) 0 0

1999-2003 3.733 1 (0,03%) 1 (0,03%) 0 1 (0,03%) 0 0 0 1 (0,03%) 0 15 (0,4%) 1 (0,03%) 21 (0,56%)

Lucent (1) 1994-1998 3.455 0 1 (0,03%) 0 1 (0,03%) 0 12 (0,35%) 0 0 0 0 0 0

1999-2003 5.043 0 0 0 13 (0,26%) 0 15 (0,3%) 0 3 0 0 0 3 (0,06%)

Motorola 1994-1998 5.999 0 0 0 2 (0,03%) 0 105 (1,75%) 0 4 (0,07%) 0 0 0 2 (0,03%)

1999-2003 4.795 0 0 0 4 (0,08%) 0 110 (2,29%) 0 7 (0,15%) 0 0 0 7 (0,15%)

NEC 1994-1998 5.939 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

1999-2003 9.654 0 0 1 (0,01%) 2 (0,02%) 0 0 0 0 0 0 0 0

Nokia 1994-1998 658 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

1999-2003 2.224 0 0 0 0 0 1 (0,04%) 0 3 (0,13%) 0 2 (0,09%) 0 0

Nortel 1994-1998 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

1999-2003 1.834 0 0 0 2 (0,11%) 0 2 (0,11%) 0 0 0 0 0 7 (0,38%)

Siemens 1994-1998 3.345 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 (0,03%)

1999-2003 6.062 0 0 0 2 (0,03%) 0 3 (0,05%) 0 4 (0,07%) 0 0 0 1 (0,02%)

Empresas Estudadas Anos TotalBrasil Índia Israel China Hungria Irlanda

Unidade Inventor Unidade Inventor Unidade Inventor Unidade Inventor Unidade Inventor Unidade Inventor

35

INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE P&D: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005

TABELA 2

Patentes Solicitados pelas Companhias Estudadas e Participação de Países Selecionados

Medida pelo Número de Patentes em Nome da Subsidiária e por Inventores

Países Selecionados – 1994-2003

Empresas Estudadas Anos Total

Brasil México Cingapura Taiwan Índia Coréia do Sul China

Unidade Inventor Unidade Inventor Unidade Inventor Unidade Inventor Unidade Inventor Unidade Inventor Unidade Inventor

Cisco 1994-1998 42 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

1999-2003 966 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0 0 0

Compaq 1994-1998 697 0 0 0 1 0 0 0 4 0 1 0 0 0 0

1999-2003 1.347 0 0 0 1 0 9 0 8 0 1 0 0 0 0

Dell 1994-1998 412 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0

1999-2003 561 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0

HP 1994-1998 2.741 0 0 0 7 0 42 0 1 0 1 0 0 0 0

1999-2003 5.533 0 0 0 53 0 107 2 11 0 11 0 1 0 0

IBM 1994-1998 102 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

1999-2003 61 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0

Samsung 1994-1998 3.833 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 3.766 3.628 0 0

1999-2003 8.080 0 0 0 0 0 0 3 1 0 0 7.964 7.717 1 0

Unisys 1994-1998 556 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

1999-2003 521 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

Xerox 1994-1998 4.263 0 0 0 1 0 0 0 1 0 5 0 0 0 2

1999-2003 4.332 0 3 0 1 0 0 0 3 0 0 0 2 0 0

Fonte: USPTO.

(1) AT&T no período de 1994 a 1998.

Informática

(conclusão)

Electrolux 1994-1998 170 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

1999-2003 158 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

Furukawa 1994-1998 271 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

1999-2003 391 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

GE 1994-1998 3.795 0 2 0 0 0 2 0 4 0 0 0 3 0 0

1999-2003 4.905 0 0 0 4 0 2 0 54 0 0 0 2 0 0

Intel 1994-1998 2.024 0 0 0 1 0 0 0 0 0 5 0 0 0 0

1999-2003 5.066 0 0 0 4 0 1 0 10 0 17 0 0 0 0

LG 1994-1998 806 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 798 799 0 0

1999-2003 2.862 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2.845 2.795 0 0

Philips 1994-1998 3.135 0 2 0 10 0 5 0 0 0 0 0 10 4

1999-2003 5.698 0 2 0 29 0 13 0 0 0 0 326 295 1 13

Semp Toshiba 1994-1998 5.433 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 3 0 0

1999-2003 7.031 0 0 0 1 0 1 0 0 0 1 3 2 0 0

Tyco 1994-1998 17 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

1999-2003 537 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1

Empresas Estudadas Anos Total

Brasil Cingapura Taiwan Índia Malásia Coréia do Sul Hong Kong

Unidade Inventor Unidade Inventor Unidade Inventor Unidade Inventor Unidade Inventor Unidade Inventor Unidade Inventor

Eletrônico

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 200536

SIMONE VASCONCELOS RIBEIRO GALINA

Quanto ao setor de telecomunicações, o Brasil apresentao pior desempenho quando comparado aos demais paísesem desenvolvimento considerados. Quando analisa-se ototal de patentes por país, Israel se destaca – especialmenteno segundo período e para as norte-americanas Motorolae Lucent. No entanto, esse país não tem patente solicitadaem seu nome. Na Tabela 2, destacam-se os dados da Coréiado Sul, principalmente em função das sul-coreanas LG eSamsung. Como a Philips também apresentava númerossignificativos para o país, especialmente no segundoperíodo,verificou-se que o resultado extremamente positi-vo foi influenciado por uma joint venture com a Samsung.

É necessário mencionar que realizou-se a busca dedados para todos os países citados na Tabela 1. No entanto,alguns países mostraram dar pouca importância a certossetores. Por isso, considerou-se apenas as informações dosque apresentavam maior participação. É o caso da Rússia,por exemplo.

É possível confirmar que os resultados encontrados paracada país e apresentados na Tabela 2 são realmente baixos(exceto pela Coréia do Sul, por razões já mencionadas), seconsiderados com uma outra análise feita com dados desubsidiárias localizadas em países desenvolvidos.

Uma das limitações para essa análise é a impossibilidadede obter dados dos Estados Unidos como inventor ou paíssolicitante da patente na base do USPTO. Assim, nenhumdado foi encontrado nem para as companhias norte-americanas nem para as subsidiárias de outras empresasque sejam localizadas nos EUA. Essas seriam informaçõesmuito úteis, uma vez que as subsidiárias norte-americanasgeralmente estão muito envolvidas no desenvolvimento deprodutos em todas as companhias estudadas.

As Tabelas 3 e 4 mostram os dados obtidos para algu-mas subsidiárias de países desenvolvidos, tanto para pa-tentes solicitadas quanto para inventores residentes emoutros países que não os de sede das companhias. Pelaverificação dos dados, especialmente na coluna HQ(Headquarters – matrizes), as empresas têm, sim, a práticade solicitar patentes em nome de subsidiárias e de ter in-ventores residentes em outros países, mas, conforme dis-cutido anteriormente, o Brasil não é um deles.

Patentes Domésticas

Buscas na base de dados do INPI foram também feitasem dois períodos (1994-1998 e 1999-2003). Em ambos, onúmero de patentes solicitadas/obtidas pelas companhi-as estudadas variou amplamente (Tabela 5). Algumas de-

las aumentaram suas solicitações de patentes locais, en-quanto outras as diminuíram. Nortel e Lucent, por exem-plo, aumentaram respectivamente 269% e 190% suas par-ticipações de um período a outro. Essas companhiasintensificaram seus negócios no Brasil após a privatizaçãodo sistema Telebrás; a Nortel, em telefonia móvel; e aLucent, em fixa (com aquisição de duas empresas brasilei-ras – Batik e Zetax). É notável o crescimento da GE e daXerox, – sendo que esta última apresenta números bastantesignificativos. É preciso também observar que são neces-

TABELA 3

Participação de Patentes Solicitadas pela Matriz e

por Algumas Subsidiárias

Países Selecionados – 1999/2003

Em porcentagem

EmpresasTelecomunicações

HQ (1) Alemanha Suíça Outras

Alcatel 74 0,3 0,1 Holanda: 3,0

Ericsson 63 0,2 0,2 Japão: 0,06

NEC 98 0 0,01 França: 0,0

Nokia 97 1 0 Japão: 0,04

Nortel 97 0,2 0 França: 1,0

Siemens 69 - 0,9 Suécia: 1,7

EmpresasEletrônico

HQ (1) Alemanha Japão Reino Unido

Electrolux 70 6 0 1

Furukawa 100 0 0 0

GE - 0,02 0,04 0,02

Intel - 0 0,02 0

LG - 99,4 0 0,4

Philips 38,7 0,1 0,2 0

Semp Toshiba 98,9 0,2 0 0

Tyco - 2,4 6 1,1

EmpresasInformática

HQ (1) Alemanha Japão Reino Unido

Cisco - 0 0 0

Compaq - 0 0 0

Dell - 0 0 0

HP - 0 0,07 2

IBM - 0 11 0

Samsung 99 0,01 0,8 0

Unisys - 0 1 0

Fonte: USPTO.

(1) HQ: Percentual solicitado em nome da Headquarters/Matriz.

37

INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE P&D: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005

res de cada produto em determinada companhia e seusrespectivos países, não foi possível obter o número depatentes registradas no instituto por nacionalidade dosinventores.

No entanto, apesar da impossibilidade em obter dadospor meio de consulta pelo campo “país”, foi mais fácil en-contrar a localização das companhias (ou de suas unidades)porque é possível conhecer os nomes de suas subsidiárias.Assim, a participação de unidades locais foi identificadapelos nomes das unidades brasileiras de cada companhia.

TABELA 5

Solicitações de Patentes Regionais pelas Companhias Estudadas

Países Selecionados – 1994-2003

Empresas 1994-1998 1999-2003

Telecomunicações

Alcatel 79 29

Ericsson 1.049 465

Lucent (1) 147 426

Motorola 485 227

NEC 61 160

Nokia 157 318

Nortel 13 48

Siemens 407 460

Eletrônico

Electrolux 39 52

Furukawa 23 25

GE 61 322

Intel 58 46

LG 136 227

Philips 165 290

Samsung 190 338

Semp Toshiba 31 17

Tyco 17 86

Informática

Cisco 0 0

Compaq 9 0

Dell 18 44

HP 5 68

IBM 1 0

Samsung 190 334

Semp Toshiba 31 15

Unisys 7 6

Xerox 460 485

Fonte: INPI.

(1) AT&T do período de 1994 a 1995.

sários mais estudos para identificar a ausência de solicita-ções pela Cisco e a existência de apenas uma pela IBM.

As pesquisas na base do INPI são menos flexíveis quena do USPTO, mas isso não é relevante para o propósi-to deste trabalho e para a análise dos resultados. Quan-do se usa a base do INPI, uma das principais dificulda-des é descobrir o endereço do inventor ou da companhia– ou seja, seu país específico. Não é possível fazer bus-cas por esse campo na base on-line. Assim, já que é pra-ticamente impossível relacionar os nomes dos invento-

TABELA 4

Participação de Inventores de Patentes Requeridas para a Matriz

e para Algumas Subsidiárias

Países Selecionados – 1999/2003

Em porcentagem

EmpresasTelecomunicações

HQ (1) Alemanha Suíça Outras

Alcatel 41 17 0,4 Holanda: 0,7

Bélgica: 6,0

Ericsson 52 3,2 0,1 Japão: 0,7

NEC 97 0,01 0,02 França: 0,04

Nokia 69 3,9 0,2 Japão: 1,1

Nortel 51 0,4 0 França: 1,9

Siemens 66 - 1,2 Suécia: 1,8

EmpresasEletrônico

HQ (1) Alemanha Japão Reino Unido

Electrolux 65 9 0 3

Furukawa 99,5 0 0 0,3

GE - 0,7 1,2 0,4

Intel - 0,1 0,8 0,1

LG 97,7 0 1,3 0,1

Philips 41 12 1 6

Semp Toshiba 98,2 0,2 0 0,2

Tyco - 8,2 7,3 1,7

EmpresasInformática

HQ (1) Alemanha Japão Reino Unido

Cisco - 0,2 0 0,5

Compaq - 0,3 0,1 0,4

Dell - 0 0 0,2

HP - 1,3 0,8 2,3

IBM - 1,6 14,8 1,6

Samsung 96 0,1 0,8 0

Unisys - 0 1 0,2

Fonte: USPTO.

(1) HQ: Percentual solicitado em nome da Headquarters/Matriz.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 200538

SIMONE VASCONCELOS RIBEIRO GALINA

Bibliométricos

Dados bibliométricos são geralmente usados como in-dicadores da posição de um país em termos de publicaçõescientíficas relevantes. Quando se faz a comparação entrediferentes regiões, usualmente a busca de dados é feita apartir de diversas bases. Assim, os pesquisadores podemtratar com um número significativo de periódicos e anali-sar diferentes campos da ciência. O Brasil e cada um dosoutros países citados também foram analisados quanto àcooperação entre companhias e países com vistas à pro-dução científica.

Os dados bibliométricos aqui utilizados têm como fon-te artigos científicos e técnicos listados pela base ISI/SCI.Tal base foi escolhida por ser multidisciplinar e porque éa mais importante fonte de publicações científicas noscampos de engenharia e tecnologia, principais segmentospara geração de inovação tecnológica dos setores estuda-dos. Foram considerados os dados de dois períodos: o de1994 a 1998 (período A) e o de 1999 a 2003 (período B),apresentados na Tabela 6.

Esses dados mostram as publicações de pelo menos umdos autores provenientes das companhias estudadas e umde uma instituição ou de uma companhia localizada nospaíses selecionados. Dessa forma, foi possível encontrarcooperação em pesquisas científicas realizadas pelas com-panhias estudadas e instituições ou companhias de outrospaíses.

A partir das buscas realizadas nessa base de dados, foipossível encontrar várias “falsas” referências relacionadasa GE, LG e Dell, ou seja, papers publicados que não sãoescritos pelas empresas citadas, mas por outras homôni-mas. Assim, optou-se por excluí-las das tabelas relaciona-das neste artigo.

Observamos que Lucent, NEC, Siemens, Toshiba, Philipse IBM apresentam um total significativo de publicações,apesar de diminuírem suas porcentagens de um períodopara outro. Também é importante notar que a Intel teve omaior crescimento entre as empresas estudadas, apesar dosvalores serem menos representativos.

Alguns números chamam a atenção mais uma vez. É ocaso da Coréia do Sul, que se destaca entre os países –mas os números são extremamente dependentes da sul-coreana Samsung. Israel também apresenta números repre-sentativos quando comparados com os demais países, emais uma vez por influência da norte-americana Lucent (valedestacar que, neste caso, Motorola tem menor participa-ção), mas também com significativa participação da NEC.

Ainda observando comparativamente os países daamostra, vale destacar os crescimentos dos percentuais deHungria, China, Índia, Taiwan (apesar de pequena diminui-ção no setor de informática) e Cingapura. O Brasil, maisuma vez, tem uma representatividade ínfima (a não serquando comparado a países sul-americanos), sendo queno setor de eletrônicos ela é praticamente nula.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com os indicadores quantitativos obtidos, épossível concluir que as subsidiárias brasileiras não estãomuito envolvidas no desenvolvimento tecnológico de pro-dutos globais. Os dados bibliométricos e de patentes –nacionais ou internacionais – mostram um panorama des-favorável para as unidades locais quando comparados aosde subsidiárias localizadas em outros países em desenvol-vimento que competem diretamente com o Brasil.

O pior resultado foi encontrado na base USPTO, quemostra que a participação das unidades brasileiras é real-mente pequena. A partir da base do INPI, observou-se quea participação das subsidiárias brasileiras na solicitaçãode patentes locais é melhor, mas que em geral tem caídonos últimos anos – fato que não foi anteriormente apre-sentado nesse artigo.

Vale ressaltar que as matrizes das companhias têm des-centralizado as tarefas de desenvolvimento de produtos eenvolvido suas subsidiárias: os dados de patentes aquiapresentados mostram timidamente esse fato. No entanto,outros estudos indicam claramente que o envolvimento depaíses desenvolvidos é significativo e tem aumentado(GALINA; BORTOLOTI, 2004). Por outro lado, os da-dos de patentes nacionais e internacionais mostram que aparticipação das unidades brasileiras é insignificante.

Um resultado melhor é o referente aos indicadoresbibliométricos, mas, mesmo assim, é pior que os dadosde outros países em desenvolvimento estudados, comocitado na seção anterior. A lei de informática,1 da qual amaioria das companhias estudadas se beneficiam, deve terinfluenciado este resultado. Essa lei exige que as empre-sas beneficiadas tenham parcerias com universidades oucentros de pesquisa no Brasil – o que acaba gerando pu-blicações científicas.

Por essa razão, os indicadores de C&T analisados eapresentados aqui não mostram evidências significativasda participação do Brasil no desenvolvimento tecnológicodos fornecedores mundiais de equipamentos e serviçosde telecomunicações, informática e eletrônicos. Essa é

39

INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE P&D: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005

TABELA 6

Papers Publicados pelos Países e Companhias

Países Selecionados – 1994-2003

Fonte: SCI.

(1) AT&T do período de 1994 a 1995.

Informática

Empresas AnosTotal Brasil Chile Cingapura Taiwan Índia Coréia do Sul China Hong Kong

Total 1994-1998 11.413 33 5 28 50 33 1.332 18 31

1999-2003 11.652 42 13 54 46 113 3.426 79 33

Cisco 1994-1998 23 0 0 0 0 0 0 1 0

1999-2003 158 0 1 2 0 5 0 1 0

Compaq 1994-1998 21 0 0 0 1 0 0 0 0

1999-2003 221 0 0 1 2 0 0 1 0

HP 1994-1998 1.861 4 0 15 2 2 2 6 8

1999-2003 1.176 12 0 16 4 11 4 6 3

IBM 1994-1998 6.869 24 4 13 38 28 41 8 22

1999-2003 5.811 24 11 24 27 90 49 42 20

Samsung 1994-1998 1.313 0 1 0 2 2 1.278 0 0

1999-2003 3.415 4 1 5 12 7 3.371 28 9

Unisys 1994-1998 68 0 0 0 0 0 0 0 1

1999-2003 31 0 0 0 0 0 0 0 0

Xerox 1994-1998 1.258 5 0 0 7 1 11 3 0

1999-2003 840 2 0 6 1 0 2 1 1

Eletrônico

Empresas AnosTotal Brasil Cingapura Taiwan Índia Malásia Coréia do Sul China Hong Kong

Total 1994-1998 5.212 1 9 14 4 4 8 16 12

1999-2003 5.786 2 18 45 28 6 61 40 11

Electrolux 1994-1998 5 0 1 0 0 0 0 0 0

1999-2003 10 0 0 0 0 0 0 0 0

Furukawa 1994-1998 227 0 0 0 0 0 0 0 0

1999-2003 266 0 2 0 0 0 0 7 2

Intel 1994-1998 562 0 1 3 3 4 0 0 7

1999-2003 992 0 3 14 15 6 19 12 4

Philips 1994-1998 2.337 0 7 11 1 0 3 9 3

1999-2003 2.518 2 13 28 12 0 38 11 3

Toshiba 1994-1998 2.069 1 0 0 0 0 5 5 1

1999-2003 1.907 0 0 2 1 0 4 9 0

Tyco 1994-1998 12 0 0 0 0 0 0 2 1

1999-2003 93 0 0 1 0 0 0 1 2

Telecomunicações

Empresas AnosTotal Brasil Argentina Índia Israel China Hungria Irlanda

Total 1994-1998 12.668 30 18 68 154 22 29 20

1999-2003 12.647 35 7 105 171 129 86 27

Alcatel 1994-1998 789 1 2 0 0 1 0 2

1999-2003 805 3 0 2 0 1 0 4

Ericsson 1994-1998 298 1 0 0 0 1 4 0

1999-2003 607 3 0 2 1 9 51 5

Lucent (1) 1994-1998 5.133 17 16 14 113 7 10 9

1999-2003 4.101 17 3 50 106 36 14 5

Motorola 1994-1998 1.208 2 0 18 3 3 0 3

1999-2003 1.564 5 0 10 8 32 1 4

NEC 1994-1998 2.698 5 0 22 27 6 0 0

1999-2003 2.563 3 2 31 50 19 0 3

Nokia 1994-1998 178 - 0 0 0 0 0 0

1999-2003 486 - 0 2 0 6 6 3

Nortel 1994-1998 223 - 0 0 1 1 0 0

1999-2003 472 - 0 2 2 8 0 2

Siemens 1994-1998 2.141 4 0 14 10 3 15 6

1999-2003 2.049 4 2 6 4 18 14 1

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 200540

SIMONE VASCONCELOS RIBEIRO GALINA

uma conclusão relevante, uma vez que tais indicadoressão amplamente utilizados para medir resultados de C&T,para comparar desenvolvimento tecnológico de países epara estimar resultados de formulação de políticaspúblicas.

Os dados quantitativos aqui apresentados possibilitamo desenho de um panorama da participação brasileira nossetores analisados, uma vez que afinal, foram estudadasas maiores empresas presentes no Brasil em cada um dossegmentos. No entanto, eles devem ser combinados comoutras informações a respeito dessas indústrias por meiode outras pesquisas. O intuito é que os dados quantitati-vos possam ser utilizados para fortalecer estudos qualita-tivos, numa tentativa de melhor caracterizar os setores maisinovadores da indústria brasileira.

Um desses estudos visa ao setor de telecomunicações(GALINA; PLONSKI, 2005; GALINA; BORTOLOTI,2004) e indica que há desenvolvimento local de produtos,mas que a inovação está mais voltada para a adaptação aomercado local. Também mostra que há participação desubsidiárias locais no desenvolvimento global, porém astarefas que cabem às unidades brasileiras são pouco ino-vadoras e não chegam a gerar patentes. Também estãosendo realizadas outras investigações dessa natureza, queserão divulgadas em futuro próximo.

NOTA

1. Antiga Lei no 8.248/1991, que deu origem à Lei no 10.176/2001,alterada pela Lei no 10.664/2003.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CANTWELL, J. Technological Innovation and MultinationalCorporations. New York: Brasil Blackwell Publishers, 1989.

CLARK, K.B.; FUJIMOTO, T. Product Development Performance:Strategy, Organization, and Management in the Auto Industry.Boston: HBS Press, 1991.

CONSONI, F.L.; QUADROS, R. Desenvolvimento de Produtos naIndústria Automobilística Brasileira: Perspectivas e Obstáculos paraa Capacitação Local. Revista de Administração Contemporânea,v. 6, n. 1, p. 39-61, jan./abr. 2002.

DIAS, A.; GALINA, S.V.R. Profit strategies, productive models andthe global organization of innovation activities: a comparisonbetween the automotive and the telecommunication industries inBrazil. Actes du 12th GERPISA International Colloquim. Paris:2004.

DOGSON, M.; SYBILLE, H. Indicators used to measure theinnovation process: defects and possible remedies. ResearchEvaluation, n. 9, p. 101-106, 2000.

DUNNING, J.H. Multinational Enterprises and the GlobalEconomy. England: Addison-Wesley, 1999.

GALINA, S.V.R.; PLONSKI, G.A. Inovação no setor de telecomuni-cações no Brasil. Revista Brasileira de Inovação, Finep(Forthcoming), 2005.

________. Global Product Development in the TelecommunicationIndustry: an Analysis of the Brazilian Subsidiaries Involvement. In:PROCEEDINGS OF THE 9TH INTERNATIONAL PRODUCTDEVELOPMENT MANAGEMENT CONFERENCE, EuropeanInstitute for Advanced Studies in Management – EIASM; SophiaAntipolis, France: May 2002.

GALINA, S.V.R.; BORTOLOTI, L. Subsidiaries involvement intechnological development of telecommunication industry: resultsfrom S&T indicators. REAd – Revista Eletrônica de Administração,ed. 42, v. 10, n. 6, Nov./Dec. 2004.

GHOSHAL, S.; BARTLETT, C. Innovation Processes inMultinational Corporations. In: TUSHMAN, M.L.; MOORE, W.L.Readings in the Management of Innovation. Cambridge, Ma:Ballinger Publishing Company, 1988.

IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec2000. Rio de Janeiro: 2002.

OECD. The measure of scientific and technological activitiesusing patent data as S&T indicators. Paris: 1994. 108p.

PAVITT, K. Uses and abuses of patent statistics. In: VANRAAN, A.F.J. Handbook of quantitative studies of Science andTechnology. Holanda: [s.n.], 1988.

REDDY, P. New Trends in Globalization of Corporate R&D andImplications for Innovation Capability in Host Countries: A Surveyfrom India. World Development, v. 25, n. 11, p. 1821-1837, 1997.

RICYT; CYTED; OEA. Indicadores de C&T Iberoamericanos/Interamericanos. Argentina: 1999.

SUBRAMANIAM, M.; ROSENTHAL, S.; HATTEN, K. Global NewProduct Development Processes: Preliminary Findingds andResearch Proprositions. Journal of Management Studies, v. 35, n. 6,p. 773-796, Nov. 1998.

VALOR ECONÔMICO. Anuário Maiores e Melhores 2004, SãoPaulo, 2004.

SIMONE VASCONCELOS RIBEIRO GALINA: Professora da Faculdade deEconomia e Administração da Universidade de São Paulo – FEA-RP/USP(Ribeirão Preto – SP) ([email protected]).

Artigo recebido em 14 de junho de 2005.Aprovado em 30 de junho de 2005.

41

O PAPEL DAS MULTINACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005

A

Resumo: O artigo enfatiza a necessidade de políticas públicas para atrair investimentos estrangeiros de boaqualidade. Esses são considerados importantes condutores do processo dinâmico de atividades inovativas,geradoras de capacitação tecnológica e de novo conhecimento. Esses resultados são alcançados por meio daanálise das atuais estratégias bastante paradoxais, de dispersão e ao mesmo tempo integração de suas ativida-des corporativas.Palavras-chave: Estratégias globais das empresas multinacionais. Incentivo às atividades tecnológicas. Polí-ticas públicas.

Abstract: The paper emphasizes the need of public policies to atract good quality foreign investments. Theseare considered as important conductors of dynamic processes of inovative activities, which generate technologicalcapabilities as well as new knowledge. These results are achieved through the analysis of the current ratherparadoxical TNCs strategies, of dispersion and at the same time integration of their corporate activities.Key words: Global strategies of multinational firms. Incentives to technological activities. Government poli-cies.

ROGÉRIO GOMES

EDUARDO STRACHMAN

O PAPEL DAS MULTINACIONAIS NODESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO DO BRASIL

políticas industriais como indutorasde catch up tecnológico

o longo dos anos 90 a economia do Brasil passoupor um denso processo de internacionalização,com conseqüente desnacionalização de diversos

segmentos industriais. Na época, os especialistas brasilei-ros dividiram-se entre os pró (especialmente MOREIRA;CORREA, 1997; BARROS; GOLDENSTEIN, 1997) e oscontra o processo de abertura comercial e financeira(LAPLANE; SARTI, 1997). Estes últimos entendiam queas políticas monetária e cambial, por estarem desampara-das de qualquer política industrial compensatória e seleti-va, levariam a indústria nacional a se direcionar cada vezmais para setores produtores de commodities – em um sen-tido amplo, ou seja, incluindo produtos industriais poucodiferenciados e de baixo valor agregado – em uma “espe-cialização regressiva” (COUTINHO, 1997), na direção deuma “reprimarização” (GONÇALVES, 2001). Em contra-posição, os responsáveis pelo processo de abertura econô-

mica e/ou pelo Plano Real, adeptos das políticas adotadaspelos governos, acreditavam que elas seriam “a única ma-neira de dar um choque de competitividade na antes fecha-da economia brasileira” (segundo eles, resultado de anosde políticas equivocadas de substituição de importação) –pois assim “selecionariam naturalmente os segmentos comvantagens comparativas reais”.Independentemente dos acertos (ou erros) de cada uma dasposições presentes no debate,1 indubitavelmente os anos90 foram uma época de forte reestruturação industrial noBrasil, promotora de transformações na sua forma deintegração com o exterior, com profundas repercussões nosfluxos de comércio e no papel que o país cumpre nas dife-rentes cadeias globais de produção e valor. Ademais, emgrande medida, as mudanças no caráter da inserção brasi-leira decorrem do significativo aumento do papel das em-presas multinacionais (EMNs) na economia brasileira.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 200542

ROGÉRIO GOMES / EDUARDO STRACHMAN

É preciso observar que as políticas adotadas pelo paísforam compatíveis com as estratégias que as empresasoligopolistas mundiais vinham adotando desde os anos 80e também com o que era prescrito pelos países desen-volvidos, sobretudo pelos EUA, no chamado “Consenso deWashington” (WILLIAMSON, 1990; 2000; OCAMPO,2003; CENTER FOR INTERNATIONAL DEVE-LOPMENT AT HARVARD UNIVERSITY, 2003). Assim,ainda que boa parte dessas estratégias já estivesse definidaantes do processo de abertura comercial e financeiraimplementado no Brasil, a década de 90 caracterizou-se,também, pela ausência de políticas industriais mais positivas– isto é, intervencionistas – aí também incluídas as políticasverticais (vale dizer, setoriais ou mesmo direcionadas aempresas – STRACHMAN, 2000). De acordo com Centerfor International Development at Harvard University (2003),as políticas prescreviam, essencialmente:- quanto ao fisco: bom desempenho das contas públicas,incluindo reformas para diminuir a taxação e ampliar abase de contribuição; e redirecionamento dos gastos pú-blicos para campos onde fosse possível alcançar, conjun-tamente, elevados retornos econômicos e um amplo espa-ço para a melhoria da distribuição de renda, como gastosem saúde, educação e infra-estrutura (nas chamadas “po-líticas horizontais”, mas não em políticas industriaissetoriais, ou verticais);

- quanto à presença do Estado: privatização – o que tevetambém um componente fiscal, dadas as receitas que oEstado pôde obter com este processo;

- quanto ao sistema financeiro e aos capitais: liberalizaçãodas taxas de juros e dos fluxos de capitais – fossem elesprodutivos, como investimento direto estrangeiro (IDE), ouimprodutivos, como aplicações em títulos públicos e outros.Vale ressaltar a ampla desregulação do IDE, com aboliçãode barreiras à entrada e à saída, nos vários setores eincrementação dos direitos de propriedade; e

- quanto ao comércio: a liberalização do comércio de bense serviços e a adoção de uma taxa de câmbio mais compe-titiva.

Este artigo apresenta algumas das mudanças ocorridasnas estratégias das empresas multinacionais (EMNs) noque tange à dispersão mundial de suas atividades corpo-rativas. Se por um lado elas auxiliam na compreensão dosfenômenos vivenciados pela economia brasileira nos últi-mos anos, por outro ressaltam importantes aspectos a se-rem considerados quando se pretende alcançar o desen-volvimento econômico de longo prazo a partir: a) das atuais

condições de inserção internacional do Brasil; e b) daimportância relativa das EMNs para o país, especialmen-te em termos tecnológicos.

É com esse intuito que o segundo item, a seguir, des-creve a internacionalização e a desnacionalização da eco-nomia brasileira nos anos 90, com especial atenção para aimportância das EMNs para o país. O terceiro, apresentaos principais elementos relativos à descentralização e, aomesmo tempo, à integração das atividades corporativas,com ênfase naquelas com conteúdo tecnológico, que de-senham o novo ambiente comercial. O quarto, mostra comoas políticas públicas podem incitar um processo dinâmi-co de atividades inovativas geradoras de capacitaçãotecnológica e conhecimento novo e, o item cinco traz aconclusão, com algumas ilustrações e sugestões para o casobrasileiro.

INTERNACIONALIZAÇÃO EDESNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIABRASILEIRA NOS ANOS 90

É indiscutível que algumas das soluções para os pro-blemas enfrentados pelo Brasil podem ser obtidas por meiodo aumento persistente das exportações, capaz de mantersuperávits na balança de transações correntes e até mes-mo no balanço de pagamentos, enquanto o país desenvol-ve esforços na conquista de capacitação tecnológica. Ade-mais, o esforço exportador brasileiro, assim como no casode outros países, garante atualização tecnológica ecapacitação em nível internacional, sobretudo se as ex-portações são dirigidas para mercados de países mais de-senvolvidos.

Nesse sentido, as EMNs podem ter um papel de desta-que, pois, ao menos para alguns autores, existem razõesestruturais (internas à firma e à organização dos merca-dos) que explicam porque essas empresas podem ser agen-tes privilegiados da expansão das exportações dos paísesem desenvolvimento. Assim, para Lall e Mohammad(1993), além dos recursos financeiros necessários para darsuporte às suas operações e estratégias, o fato de tais em-presas serem líderes mundiais em inovação e diferencia-ção de produtos lhes garante acesso privilegiado à maio-ria dos principais mercados mundiais, nos quais, em geral,mantêm presença relevante.

No Brasil, a participação do IDE em relação ao produ-to interno bruto – PIB cresceu de 0,21%, em 1990, para5,6%, em 2000. Se até 1996 essa modalidade de inversãoesteve voltada prioritariamente para aplicações em car-

43

O PAPEL DAS MULTINACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005

teira, em 1997 o perfil foi alterado para investimentos emsegmentos orientados da indústria (DE NEGRI, 2003). Noentanto, como essas inversões se concentraram em algunssegmentos intermediários e de bens de consumo voltadospara o mercado local e regional (LAPLANE; SARTI,1997), além de serviços não transacionáveis (nontradables), conseqüentemente o país tornou-se mais de-pendente da importação de alguns insumos intermediáriose de bens de capital.

Em outras palavras, segundo alguns autores, essas in-versões poderiam não reverter a dependência brasileiradas fontes externas de tecnologia e até mesmo acentuá-la – com a desnacionalização de algumas das principaisempresas do país, estatais ou privadas –, influenciandoos saldos comerciais, especialmente nos momentos decrises agudas em mercados emergentes como o dos par-ceiros regionais brasileiros.2 Ao mesmo tempo, as pers-pectivas da desnacionalização dos setores de serviços efinanceiro eram ainda mais pessimistas, pois implicavamo crescimento de déficits nas balanças de serviços (ju-ros, royalties, etc.) e de capitais (amortizações, saída decapitais, etc.).

No que se refere a esse aumento de participação dasEMNs na economia brasileira é preciso considerar, toda-via, a incidência de um efeito duplo e contrário sobre adependência brasileira das fontes externas de tecnologia:a) a possibilidade de descontinuação de atividadestecnológicas que antes eram empreendidas por empresasnacionais; ou b) a possibilidade de subsidiárias locaisganharem espaço em atividades de maior conteúdotecnológico – até mesmo com o auxílio do Estado, pormeio de políticas públicas de curto e longo prazos.3

A participação das EMNs nas exportações brasileirasde produtos manufaturados passou de 44%, em 1990, para52%, em 1995 (BAUMANN, 1993, MOREIRA 1999b),o que, em parte, reflete a desnacionalização da economia,mas também a fragilização das firmas de origem nacionale o aumento da competitividade das filiais brasileiras devárias EMNs.4 Nos cálculos realizados por De Negri(2005), para o acumulado do período entre 2000 e 2004,as vendas externas das EMNs significaram 37% das ex-portações brasileiras e 46% das importações.5 Ainda quehaja diferenças quanto a metodologias e resultados, asestatísticas dos diferentes estudos comprovam a elevadadependência das empresas estrangeiras no comércio ex-terior brasileiro.

Segundo os dados apresentados pela autora, as empre-sas nacionais ainda concentram mais da metade do comér-

cio externo brasileiro (63% das exportações e 54% dasimportações), mas seus fluxos estão centrados em produ-tos de baixa intensidade tecnológica (mais de 70% destesitens), que são a fonte de boa parte da recente expansãodas exportações. Por outro lado, ainda que também sejamfortes demandantes de produtos importados de média ealta tecnologia (pouco menos de 60% do total desses itens),as empresas estrangeiras têm boa presença nas vendas deprodutos de alta tecnologia para o exterior (44% do total)e um domínio considerável nos de média tecnologia (78%do total).

Gomes, Rodrigues e Carvalho (2005)6 examinaram osefeitos da depreciação do Real no comércio internacional(período entre 1998 e 2003), segundo o conteúdotecnológico dos produtos transacionados. A comparaçãodos resultados desse período com os de 1989 (no iníciodas medidas liberalizantes, de desregulamentação comer-cial) e de 1994 (no Plano Real) revela que o superávit docomércio exterior brasileiro é dependente do saldo posi-tivo das transações de bens de médio conteúdo tecnológico– uma vez que os de alta tecnologia são, historicamente,deficitários. Considerando-se a forte presença das EMNsnesse segmento de média tecnologia e o superávit recen-te, pode-se afirmar que a depreciação cambial alterou asestratégias dessas empresas quando internalizou etapasprodutivas em razão de uma condição cambial favorável.

A DESCENTRALIZAÇÃO DAS ATIVIDADESCORPORATIVAS E O PAPEL DAS FILIAISDAS EMNs

O Papel das Subsidiárias das EMNs

As vantagens competitivas de uma empresa derivam doacesso diferenciado ou vantajoso a ativos, sobretudo de suapropriedade, que permitem que algumas delas se organi-zem mais eficientemente do que outras e/ou tenham bens eserviços mais atraentes para seus demandantes. Entenden-do por ativos quaisquer recursos ou capacidades que po-dem gerar um fluxo de renda futuro (ou contribuir para tal),é possível diferenciar os ativos em termos da sua apropria-bilidade e mobilidade. Nesse sentido, os ativos que estãodisponíveis sem restrições apenas em alguma região (oupaís) podem ser interpretados como uma vantagem específi-ca ao local. E, alternativamente, quando o ativo é exclusi-vo de uma firma particular, passível ou não de transferên-cia entre fronteiras, pode ser entendido como uma vantagemespecífica à propriedade (DUNNING; NARULA, 1995).

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 200544

ROGÉRIO GOMES / EDUARDO STRACHMAN

Durante longo tempo, grande parte da literatura sobreo processo de internacionalização das EMNs (e daglobalização) pressupôs que as vantagens específicas àpropriedade eram desenvolvidas unicamente dentro damatriz corporativa, a qual, através da transferência detecnologia, garantia o desenvolvimento das subsidiáriasno estrangeiro (VERNON, 1966). Mais recentemente,como resultado de uma longa evolução, percebeu-se queo crescimento mediante recursos internos da empresa, atémesmo com colaboração de agentes de fora dos limitesda firma, é um processo que igualmente se efetiva no in-terior das filiais no exterior, as quais contribuem cada vezmais para a criação de vantagens competitivas das EMNs(PEARCE, 1989; CANTWELL, 1995). As diversas pers-pectivas da dinâmica desse processo conduziram à cons-trução de modelos que procuraram refletir os novos pa-péis das subsidiárias.7

O conceito de evolução das subsidiárias origina-se deum processo temporal de acumulação (ou redução) de re-cursos e capacitações (ou mesmo de ativos, em geral)8

que, por essência, não é único. Uma subsidiária9 pode setornar maior e mais especializada (ou ter seu tamanho re-duzido) em razão de diferentes motivações da corporação10

ou dos modos de entrada no mercado local – por investi-mento, aquisição ou joint venture.

Assim, a EMN pode ser interpretada como umainstituição estruturada em rede mundial em que cada subsi-diária é entendida como uma unidade semi-autônoma capazde tomar suas próprias decisões, ainda que condicionadaspelas ações do comando corporativo e pelas oportunidadese restrições percebidas no ambiente local. Cada unidadecumpre (e estabelece) determinadas funções dentro da redemultinacional, as quais se expressam nas áreas de negóciosde que ela participa.

Por outro lado, as atividades de uma unidade corpo-rativa espelham seu nível de especialização. Dessa for-ma, uma subsidiária só é capaz de realizar as atividadescomerciais que estão sob sua responsabilidade porque elapossui (pois já desenvolveu) os recursos e as capacidadesmínimas requeridas para tais funções. O papel atribuídopelo comando corporativo relaciona-se com o mandato queuma subsidiária adquiriu para executar as atuais funções,que são bastante específicas dentre aquelas existentes nacomplexa teia de relações e atividades da EMN. Contu-do, os mandatos e as capacidades de uma filial tambémnão precisam, necessariamente, mover-se juntos. Na rea-lidade, freqüentemente há certa desfasagem entre eles. Porfim, cabe ressaltar que o aumento (ou atrofia) de capaci-

dades e o estabelecimento (ou perda) de mandatos podemser utilizados para a construção de uma tipologia do pro-cesso evolutivo das subsidiárias, a qual é sinteticamenteapresentada a seguir.

As Subsidiárias das EMNs na Dinâmica de“Captura” de Ativos

A maioria das interpretações sobre a internacio-nalização da tecnologia tem origem no modelo de ciclode vida do produto que foi extensamente utilizado comoexemplar na descrição da gênese, do desenvolvimento edos determinantes deste processo. No arcabouço tradi-cional, a globalização tecnológica tem duas hipóteses: ade que a inovação está quase sempre localizada no paísde origem da corporação; e a de que o investimento inter-nacional é conduzido pela empresa-líder na tecnologia,como forma de aumentar sua participação na produção enos mercados internacionais. Assim, nesse modelo, a trans-ferência de tecnologia é interpretada como um fluxounidirecional que vai do centro para as subsidiárias.

No entanto, na perspectiva de rede corporativa, a dis-persão da atividade tecnológica, além de ser uma buscapor mercados locais e custos mais baixos, é também, umaestratégia da EMN para adquirir e acumular vantagens pormeio de um “esquadrinhamento” global por novos recur-sos para a inovação – quer essas filiais estejam formal-mente voltadas para o mercado local ou não. Conseqüen-temente, as capacidades específicas das subsidiárias estãomais estreitamente integradas do que no passado. Nessesentido, a dicotomia “nacional versus global” quanto àglobalização da tecnologia pelas firmas parece ser umaquestão mal conduzida. No máximo pode haver uma ques-tão de grau entre estes dois extremos.

A globalização é, também, sinônimo de integração daatividade de P&D internacional no interior das EMNs. Elaocorre a partir do crescente fenômeno de divisão de tra-balho entre matriz e subsidiárias, que traz como conse-qüência a interação entre as locações das várias unidades.Isto não impede que estas, quando no estrangeiro, pos-sam ocupar importante papel dentro da rede global, de-pendendo da singularidade e da inserção de suas ativida-des na estratégia corporativa.

Com a construção das redes corporativas que atuam emâmbito mundial, o centro de gravidade moveu-se para forada economia nacional a partir da proliferação dos víncu-los além-fronteiras. Por isso, o privilégio dos vínculosnacionais sobre os internacionais na análise dos sistemas

45

O PAPEL DAS MULTINACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005

de inovações pressupõe hipóteses que não são totalmentecompatíveis com o mundo globalizado. De fato, a reaçãoorganizacional à globalização vem transformando aalocação espacial das atividades econômicas e, em espe-cial, do aprendizado e da criação de conhecimento, aomesmo tempo que vem adaptando as organizações àglobalização e reforçando esta última.

A globalização tem duas implicações essenciais que,em conjunto, moldam a locação espacial das funções eco-nômicas. A primeira é a dispersão, que determina a ex-tensão das transações econômicas e amplia a porosidadeentre as fronteiras nacionais. A segunda é a integraçãonecessária dos ativos distribuídos mundialmente. O fan-tástico aumento da mobilidade internacional de ativoscomo finanças, tecnologia, habilidades empresariais eorganizacionais é a força que conduz à crescente interpe-netração das economias nacionais. Porém, concomi-tantemente, a difusão da revolução ocorrida nas tecnologiasde comunicação e informação em âmbito global, foi o ele-mento fundamental de integração dinâmica das capacida-des dispersas.

Dispersão com Integração

Apesar de relativamente recente, a literatura que tra-ta da descentralização da atividade tecnológica vem ga-nhando dimensão e variedade. Entretanto, poucos estu-dos analisam a crescente descentralização dessa atividadefora das grandes economias. Isto se deve à idéia, bemrazoável, de que os países emergentes ainda apresentamuma participação muito limitada na globalização da P&Ddas EMNs. Em outras palavras, a dispersão (que é umadas características da globalização citadas anteriormen-te) ainda está mais concentrada nos países da chamadaTríade (América do Norte, Europa e Japão) e apresenta,sobretudo, uma certa desconcentração mais acelerada emdireção aos países mais desenvolvidos do leste asiático(Coréia do Sul e Taiwan, principalmente, mas tambémCingapura, Tailândia, China, Malásia, etc.). Mas note-se que esse processo – ainda que muito restrito à Tríadee a países ou regiões próximas a ela (como México e Lesteeuropeu) – está se intensificando cada vez mais nos últi-mos tempos, até mesmo para os mais importantes “paí-ses em desenvolvimento”, como Índia, Rússia e Brasil.Segundo o US Bureau of Economic Analysis, os gastosdas filiais de EMNs americanas em P&D, excluindo asinstaladas no Canadá, na Europa e no Japão passaramde 10,7% do total de gastos, em 1998, para 17,8% em

2000. Portanto, pode-se dizer que os países em desen-volvimento, respondem por uma parcela pequena, mascrescente, dos gastos em P&D feitos por EMNs. Osmaiores receptores da Ásia e Oceania (com exceção doJapão), em 2002, foram: a China, que recebeu 3% dosinvestimentos em P&D de filiais americanas; Cingapura,com 2,7%; a Austrália, com 1,6%; e a Malásia, com 1,1%(dado de 2000), enquanto que o Brasil foi destino de 1,5%desses investimentos.

Em termos de IDE em geral, a China também se desta-ca, tendo recebido no período 1990-2002 um acumuladode US$ 415 bilhões em investimentos diretos externos,que passa para US$ 550 bilhões, se somarmos os investi-mentos direcionados a Hong Kong (que são contabilizadosseparadamente) após 1998. Depois da China, o segundopólo de atração foi o Brasil, com US$ 177 bilhões, segui-do pelo México, com US$ 142 bilhões, e Cingapura comUS$ 111 bilhões (IMF, 2004).

Tradicionalmente, a literatura sobre a internacio-nalização destaca o aumento gradual do envolvimento dasEMNs com os mercados estrangeiros a partir da forma-ção de um complexo fluxo material de produtos e detecnologia dentro das redes corporativas. Até há pouco,as capacidades tecnológicas das subsidiárias no estrangeiroeram vistas como um apêndice das capacidades residen-tes no país de origem. Essa visão evoluiu em razão docrescimento do comprometimento das subsidiárias estran-geiras que adquiriram as suas próprias capacidadestecnológicas e passaram a participar das iniciativas e es-tratégias tecnológicas da matriz, em alguns casos prece-dendo-as ou até mesmo invertendo o sentido do aprendi-zado – seja de produto ou de processo (ARIFFIN; BELL,1999; REDDY, 1997). Na perspectiva atual, essas capa-cidades são interpretadas como efetivos participantes doconjunto de ativos que integra as EMNs.

Apesar disto, ainda hoje, uma parcela expressiva daliteratura interpreta a descentralização tecnológica comose fosse geograficamente limitada às nações industriali-zadas. Além disso, quando comparada com a da produ-ção, a internacionalização da P&D é vista como se fossecircunscrita a poucos países e indústrias, geralmente nossetores intensivos em P&D.

No entanto, a diversificação tecnológica passou a seruma importante característica das EMNs à medida queas subsidiárias passaram a assumir papéis específicos nasfunções de P&D, seja na continuada ênfase ao processolocal de inovação, seja na contribuição ao desenvolvi-mento de um capital organizacional que permite que suas

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 200546

ROGÉRIO GOMES / EDUARDO STRACHMAN

corporações integrem as atividades tecnológicas de di-ferentes unidades. A crescente dispersão geográfica dosativos estratégicos impulsiona as capacitações das filiaisno estrangeiro, tanto em relação ao crescimento horizon-tal, de comunicação entre fronteiras nacionais, quantono sentido vertical, de utilização sistemática do conhe-cimento tecnológico das diversas bases da organizaçãoem inúmeros níveis hierárquicos e/ou das cadeias pro-dutivas. Assim, a dispersão das capacidades tecnológicastornou-se um importante aspecto para a completaglobalização das corporações multinacionais. As vanta-gens da multinacionalidade são intensivamente explora-das pelas EMNs, que tanto podem adquirir e transferirinovação pela rede geograficamente distribuída quantoapropriar-se dos efeitos benéficos da emulação e da di-versificação de tecnologias em diferentes locais. O re-sultado esperado da integração e do compartilhamentodo conhecimento no interior da rede corporativa é o sig-nificativo crescimento da oferta de produtos em nívelinternacional – seja através de tecnologias radicalmentenovas ou de combinações das já existentes – a partir dosdesenvolvimentos da matriz ou de qualquer uma de suassubsidiárias, especialmente daquelas localizadas em pa-íses mais avançados.

Porém, ressalte-se que o processo de descentralizaçãodas atividades tecnológicas tem sido marcado não tantopelo desejo das EMNs de explorar suas atuais vantagenstecnológicas quanto pela percepção da necessidade deprotegê-las, complementá-las e de adquirir outras, maisnovas. O fato de as atividades de P&D serem realizadasem centros múltiplos e interdependentes configura-secomo a característica fundamental desse processo, nosanos recentes. A formação de Sistemas Nacionais deInovação (SNIs) cada vez mais avançados e a sofisticaçãodos mercados regionais resultou em ambientes deaprendizado em vários centros dispersos, alguns nãotradicionais, que estão sendo progressivamente explo-rados pelas EMNs como forma de expandir seu leque decompetências. Como resultado, um maior número depaíses foi envolvido na ampliação, exploração e adap-tação das tecnologias desenvolvidas. Neste sentido, adescentralização dos laboratórios de P&D deve serentendida a partir de uma forte mudança nas funçõescorporativas das EMNs, agora empenhadas em ressaltare muitas vezes ampliar o escopo de produtos, sustentar avitalidade e originalidade do núcleo básico de pesquisa,e aproveitar ao máximo as oportunidades de cada localem que se encontram.

COMO INCITAR ATIVIDADES INOVATIVASGERADORAS DE CAPACITAÇÃO TECNOLÓGICA

É certo que as políticas públicas podem influenciar –dentro de limites – a localização de atividades inovativasdas EMNs, ajudando a direcioná-las, caso sejam efi-cientes, para um processo dinâmico de crescimento dacapacitação tecnológica e de novos conhecimentos. A re-visão da literatura especializada e alguns resultados pre-liminares de pesquisa em andamento11 têm mostrado, aomesmo tempo, muitas das possibilidades e restrições aestas políticas. Esses estudos apontam que, mesmo sen-do bastante autônomas para decidir sobre os investimen-tos e sua respectiva localização, as estratégias das EMNspodem ser influenciadas por políticas públicas, uma vezque estas possuem uma boa margem de manobra paratanto.

Indubitavelmente, tais influências dependem de fato-res como o setor de atuação das EMNs, suas menciona-das estratégias de investimento e de globalização; de fa-tores locais como o tamanho e dinamismo do mercado;da infra-estrutura material e social (sistemas de educação,de ciência & tecnologia, de saúde, etc.); da oferta de mão-de-obra qualificada e, secundariamente, do custo destamão-de-obra; de incentivos (fiscais, financeiros, etc.); deinstituições (direitos de propriedade, inclusive intelectual;segurança jurídica; governança de empresas; regulamen-tações várias, como a inexistência de barreiras significa-tivas para atuação em mercados específicos, facilidadesde entrada de funcionários especializados e insumos pro-venientes do exterior, etc.); do empenho/iniciativa dasmatrizes e/ou de uma subsidiária específica, para ampliaros investimentos para a mesma subsidiária e no conteúdotecnológico e de valor agregado de suas atividades; dalocalização geográfica; do empenho político do governo;e da estabilidade política e econômica, entre outros.

Também é fundamental considerar as diferentes razõesque podem fazer com que as EMNs invistam em P&D emum país. Entre muitos autores, Dunning (1993) apresentaum quadro acurado sobre o assunto.

Um governo eficiente deve conhecer as razões do IDEde qualidade de uma EMN específica, a fim de oferecer-lhe os atrativos corretos, não perdendo investimentos im-portantes para um país, mas ao mesmo tempo não des-perdiçando recursos com chamarizes além do necessáriopara que este IDE suceda.

Também é importante ressaltar as diferentes políticas eo respectivo prazo para que propiciem resultados, a partir

47

O PAPEL DAS MULTINACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005

da análise dos fatores de atração mais pertinentes. Se elesforem estruturais, isto é, inerentes às estruturas dos países,serão passíveis de alteração apenas em prazo mais longo(como as infra-estruturas física, educacional, de C&T, desaúde, as instituições de pesquisa, etc.). Se conjunturais,temporários ou “de curto prazo”, poderão ser modificadosmuito mais rapidamente, como no caso dos incentivos fis-cais e creditícios, facilidades aduaneiras, etc. Todas essaspolíticas têm repercussões positivas sobre a atração de IDE,em geral, e, em particular, para aqueles de qualidade. Mascabe comparar o timing de suas repercussões sobre um país– o que é de suma relevância – e a capacidade de atrairinvestimentos apresentada por ele.

Exemplos mais específicos de políticas muito impor-tantes para setores específicos seriam:- para setores de alta tecnologia – infra-estrutura de C&Tdinâmica e eficiente, com políticas que reforcem estas

qualidades; oferta de mão-de-obra qualificada; empenhopolítico dos governos;

- para o setor farmacêutico – todos os fatores menciona-dos acima para os setores de alta tecnologia, adicionadosà extrema relevância de uma estrutura de direitos de pro-priedade consolidada, tão cara a este setor;

- para o setor automobilístico – tamanho e dinamismodo mercado; oferta de mão-de-obra qualificada e, de for-ma mais periférica, custo desta mão-de-obra; incentivos(fiscais, financeiros, etc.); segurança institucional (direi-tos de propriedade, governança de empresas, regulamen-tações várias, facilidades de entrada de funcionáriosespecializados e de insumos importados, etc.); empenhode uma subsidiária específica (muitas vezes estimuladopor governos) para ampliar os investimentos nesta mes-ma subsidiária e no conteúdo tecnológico e de valor agre-gado de suas atividades, etc.

QUADRO 1

Forças Atuando sobre a Centralização ou Descentralização da P&D pelas EMNs

Forças Centralizadoras

- Necessidade de massa crítica para ganhar economias de escala

- Presença de indústrias de suporte e economias de aglomeração

- Necessidade de estar adjacente a operações a jusante

- Disponibilidade de recursos e capacitações (instalações de P&D, pessoal qualificado)

- Experiência acumulada de know-how em P&D e em organização de atividades inovativas

- Contorno de problemas de comunicação e coordenação transfronteiras

Forças Descentralizadoras

- Necessidade de atender necessidades do mercado local (veículos, tratores, produtos alimentares, de higiene e limpeza, etc.)

- P&D “on the spot” desejável (doenças tropicais, pesticidas e novas variedades de sementes, etc.)

- Diferenças nos materiais locais e necessidade de testar produtos localmente

- Necessidade de estar onde existem clusters de atividade tecnológica de fronteira

- Necessidade de adquirir novos ativos tecnológicos ou qualificações e talentos especializados

- Necessidade de rastrear e monitorar atividades de P&D de firmas estrangeiras

- Necessidade de ganhar vantagens ou diferenças em recursos e capacitações transfronteiras associados a localização e mercados

- Necessidade de satisfazer pressões governamentais ou instrumentos regulatórios; ou como parte de uma estratégia regional ou

global de ampliar a qualidade da produção de pelo menos algumas subsidiárias

- Necessidade de defender uma posição competitiva em setores intensivos em P&D

Fonte: Dunning (1993).

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 200548

ROGÉRIO GOMES / EDUARDO STRACHMAN

CONCLUSÕES

As mudanças ocorridas no cenário internacional e aspolíticas econômicas adotadas pelos sucessivos governosforam determinantes na reestruturação industrial viven-ciada pela economia brasileira nos últimos quinze anos.Sendo o resultado de fatores que se reforçaram mutuamen-te, essa reestruturação alterou os vínculos do Brasil como exterior, em boa medida devido ao crescimento da im-portância do capital estrangeiro na economia nacional.

Utilizando-se da estratégia de reposicionamento glo-bal das funções corporativas, as grandes EMNs vêm pro-movendo investimentos, descentralizando atividades emdiferentes regiões, procurando capturar ativos capazes deampliar seus escopos e portfolios comerciais e tecno-lógicos. Vários estudos recentes comprovam o aumento,também no Brasil, das funções de cunho tecnológico rea-lizadas por EMNs em diferentes segmentos econômicos,inclusive – em um aparente paradoxo – em alguns setoresem que a capacitação (ou competitividade) da indústrianacional é amplamente reconhecida como baixa. Algunsautores podem divergir sobre a “qualidade” (conteúdo) dastecnologias envolvidas, mas não discordam quanto aoaumento da intensidade dessas atividades. É o caso, porexemplo, dos setores de equipamentos de telecomunica-ções, bens eletrônicos de consumo (linha marrom), auto-móveis, autopeças, bens de capital sob encomenda para osetor elétrico e bens de capital mecânicos, entre outros.12

Até mesmo a mídia especializada tem relatado um nú-mero crescente de casos de empresas estrangeiras quepromovem ou planejam investimentos em projetos quereforçam esse conteúdo tecnológico da indústria nacio-nal. Além de investimentos que procuram apropriar-se dasvantagens locais, como em biotecnologia (por exemplo,os casos da Monsanto, Valor Econômico, 27/04/05, eSyngenta, Valor Econômico, 19/02/04), existem anúnciosa respeito de desenvolvimento de produtos com pouca ounenhuma tradição de pesquisa no país, como nos casos depneus (PIRELLI, Valor Econômico, 03/09/2004), semi-condutores (ST Microletronics, O Estado de S.Paulo, 14/04/200; e Intel, Valor Econômico, 16/09/04) e informática(DELL, Valor Econômico, 20/08/2004).

Hoje, o planejamento de longo prazo do Brasil passanecessariamente pela consideração do patamar de interna-cionalização da economia brasileira e das estratégias glo-bais das empresas estrangeiras. Por isso, dentre os meca-nismos de promoção do desenvolvimento, é preciso definirpolíticas públicas específicas para as EMNs. E entre es-

tas políticas, as de atração de investimento de qualidadesão aquelas que poderão, no futuro, resultar em umadensamento tecnológico consistente e duradouro da in-dústria brasileira, com repercussões favoráveis – assim seespera – sobre seus tecidos econômico e social.

NOTAS

1. Vários estudos realizados por pesquisadores do Geein verificaramque a correção de uma ou de outra posição depende não apenas dosetor da economia, mas, também, da hipótese específica considerada.Ver por exemplo, Furtado (2004), Pereira (2003) e Domingues (1999).

2. Por exemplo, entre janeiro e abril de 2005, a América Latina foidestino de cerca de 25,1% das exportações do país. Os demais merca-dos de destino dos produtos nacionais foram: 28,4% para a Europa,com 24,2% de participação da União Européia; 22,7% para os EUA eCanadá, com 21,5% para o primeiro; 14,8% para a Ásia, sendo 10,7%somente para China, Japão, Coréia do Sul e Índia; 5% para a África;3,6% para o Oriente Médio e 0,5% para a Oceania (MDIC, 2005).

3. O setor público – seja ele federal ou, em alguns casos, estadual –tem condições até mesmo de atrair investimentos externos de qualida-de a partir de empresas com nenhuma ou reduzida presença no país. Éo que se tem tentado, por vezes, no Brasil, e o que a literatura especia-lizada aponta como possível, dadas algumas condições necessáriasprévias. Ademais, não se deve esquecer da participação altamente sig-nificativa do país no IDE total mundial, nos últimos anos.

4. As empresas brasileiras, em geral, são pouco internacionalizadas.Este fato é, em si, determinante de forte desvantagem dessas firmasem relação às suas concorrentes estrangeiras. Por exemplo, a moedaque se seguiu ao Plano Real foi mais facilmente assimilada pelas fi-liais de empresas multinacionais do que pelas nacionais, não apenaspela maior solidez financeira dessas instituições, mas, principalmen-te, pela capacidade de compensar perdas locais com ganhos em outrospaíses, por meio do comércio intrafirma.

5. As participações relativas foram calculadas a partir das informa-ções apresentadas na Tabela 3 de De Negri (2005, p. 20). As estatísti-cas doravante apresentadas neste item e não referenciadas, resultamda manipulação desses resultados.

6. Ressalte-se que existem diferenças na classificação de conteúdotecnológico dos bens entre este estudo e o realizado por De Negri (2005).

7. Sobre os diferentes papéis das filiais na literatura, ver Gomes, 2003.

8. Os recursos podem ser interpretados como o estoque de fatores dis-poníveis, possuídos ou controlados por uma subsidiária. As capacitaçõesestão relacionadas às habilidades da subsidiária gerir os recursos exis-tentes e desenvolver novos, por meio de seu processo organizacional.Mas observe-se que, enquanto os recursos são tangíveis e intangíveis,as capacitações dizem respeito apenas aos ativos intangíveis.

9. A subsidiária é entendida como uma empresa que adiciona valorno estrangeiro e que pode executar desde uma única atividade (namanufatura ou fornecimento de serviços) até uma série delas em umaou mais cadeias de valor. Pode-se dizer que o “peso” de uma subsi-diária dentro de uma corporação está estritamente ligado à sua capaci-dade de agregar valor. Este suposto permite, assim, distintas trajetó-rias evolutivas entre as unidades de uma mesma corporação, e até mes-mo na mesma região.

10. Por exemplo, aproveitamento de oportunidades locais – como mão-de-obra qualificada e/ou barata, recursos tecnológicos locais (univer-sidades, centros de pesquisa, etc.), externalidades locais (fornecedo-res, conhecimentos existentes em uma região especializada em deter-minada produção/setor), incentivos fiscais, etc.

49

O PAPEL DAS MULTINACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005

11. Trata-se do Projeto de Políticas Públicas para a Fapesp (Processono 03/06388-9) Políticas de desenvolvimento de atividadestecnológicas em filiais brasileiras de multinacionais, liderado peloGempi/DPCT/IG/Unicamp e com a participação de pesquisadores doGEEIN/FCLAR/Unesp, FEA-USP-RP, Poli-USP, IE-Unicamp e SPRU-University of Sussex.

12. Estes e outros segmentos foram estudados no âmbito da pesquisaintitulada Diretório da Pesquisa Privada (DPP), financiada pela Finepe nucleada no Geein. Consulte <http://www.finep.gov.br/portaldpp>para maiores informações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARIFFIN, N.; BELL, M. Firms, politics and political economy:patterns of subsidiary-parent linkages and technological capability-building in electronics TNCs subsidiaries in Malaysia. In: JOMO,K.S.; FELKER, G.; RASIAH, R. (Ed.) Industrial TechnologyDevelopment in Malaysia: Industry and Firm Studies. London:Routledge, 1999. p. 150-190.

BARROS, J.R.M.; GOLDENSTEIN, L. Reestruturação industrial:três anos de debate. In: VELLOSO, J.P.R. (Org.). Brasil: Desafiosde um país em transformação. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997.

BAUMANN, R. Uma avaliação das exportações intrafirma doBrasil: 1980 e 1990. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 23,n. 3, dez. 1993.

CANTWELL, J. The globalization of technology: what remains ofthe cycle model? Cambridge Journal of Economics, v. 19, p. 155-174, 1995.

CENTER FOR INTERNATIONAL DEVELOPMENT ATHARVARD UNIVERSITY. Washington Consensus. Global TradeNegotiations Home Page. 2003. Disponível em: <http://www.cid.harvard.edu/cidtrade/issues/washington.html>. Acesso em:1 jun. 2005.

COUTINHO, L. A especialização regressiva: um balanço dodesempenho industrial pós-estabilização. In: VELLOSO, J.P.R.(Org.). Brasil: desafios de um país em transformação. Rio deJaneiro: José Olympio, 1997.

DE NEGRI, F. Conteúdo tecnológico do comércio exteriorbrasileiro: O papel das empresas estrangeiras. Brasília: Ipea, 2005.(Texto para discussão, n. 1074).

________. Desempenho comercial das empresas estrangeiras noBrasil na década de 90. Dissertação (Mestrado) – Instituto deEconomia da Unicamp, Campinas, 2003.

DOMINGUES, S.A. O comércio intrafirma de produtos primáriosna balança comercial brasileira: Uma análise centrada na exporta-ção de produtos agroindustriais nos anos de 1989 e 1997.Mimeografado. II Relatório à Fapesp. Araraquara, 1999.

DUNNING, J.H. Multinational Enterprises and the GlobalEconomy. Wokingham: Addison-Wesley, 1993.

DUNNING, J.H.; NARULA, R. The R&D activities of foreign firmsin the United States. International Studies of Management;Organization; White Plains; Spring/Summer 1995.

FURTADO, J. O comportamento inovador das empresas industriaisno Brasil. 2004. Mimeografado.

GOMES, R. Internacionalização das atividades tecnológicas pelasempresas transnacionais – elementos de organização industrial da

economia da inovação. Tese (Doutorado) – Instituto de Economia daUnicamp, Campinas, 2003.

GOMES, R.; RODRIGUES, H.; CARVALHO, E.G. Balanço depagamentos tecnológicos: o perfil do comércio externo de produtos eserviços com conteúdo tecnológico. In: FAPESP. Indicadores deCiência e Tecnologia e Inovação – 2004. São Paulo: Fapesp, 2005.cap. 7.

GONÇALVES, R. Competitividade internacional e integraçãoregional: a hipótese da inserção regressiva. Revista de EconomiaContemporânea, n. 5, 2001. (Ed. Especial).

INTERNATIONAL MONETARY FUND (IMF). InternationalFinancial Statistics, 2004.

LALL, S.; MOHAMMAD, S. Foreign ownership and exportperformance in the large corporate sector of India. In: GRAY, H.P.(Ed.). Transnational Corporations and International Trade andPayments. London: United Nations, United Nations Library onTransnational Corporations. 1993.

LAPLANE, M.; SARTI, F. Investimento direto estrangeiro e oimpacto na balança comercial nos anos 90. Brasília: Ipea, 1999.(Texto para discussão, n. 629).

________. O investimento direto estrangeiro e a retomada dodesenvolvimento sustentado nos anos 90. Economia e Sociedade,n. 8, p. 143-81, jun. 1997.

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E CO-MÉRCIO EXTERIOR (MDIC). Balança Comercial – Países porBlocos Econômicos – US$ F.O.B. Brasília, DF: 2005. Disponívelem: <http://www.desenvolvimento.gov.br/arquivo/secex/balanca/balcombrasileira/mensal/brasileiro/2005/abril/bcb056.doc>. Acessoem: 8 jun. 2005.

MOREIRA, M.M. A indústria brasileira nos anos 90: o que já sepode dizer?. In: GIAMBIAGI, F.; MOREIRA, M.M. (Org.). Aeconomia brasileira nos anos 90. Rio de Janeiro: BNDES, 1999a.

________. Estrangeiros em uma economia aberta: Impactosrecentes sobre produtividade, concentração e comércio exterior.Rio de Janeiro: BNDES/Depec, mar. 1999b. (Texto para discussão,n. 67).

MOREIRA, M.M.; CORREA, P.G. Abertura Comercial e Indústria:O Que se Pode Esperar e o Que se Vem Obtendo. Rio de Janeiro:BNDES, out. 1996. (Texto para discussão, n. 49).

OCAMPO, J.A. Development and the global order. In: CHANG, H.J.(Ed.). Rethinking Development Economics. London: Anthem, 2003.p. 83-104.

PEARCE, R.D. The Internationalization of Research andDevelopment by Enterprise. London: Macmillan, 1989.

PEREIRA, W. Fragilidades e eficiências setoriais: O desempenhodo comércio exterior brasileiro e suas relações com a estruturaprodutiva nos anos 90. 84p. Monografia (Bacharelado) – Faculdadede Ciências e Letras da Universidade Estadual de São Paulo, Unesp,Araraquara, 2003. Disponível em <http://geein.fclar.unesp.br>.

REDDY, P. New trends in globalization of corporate R&D andimplications for innovation capability in host countries: a surveyfrom India. World Development, v. 25, n. 11, p. 1821-1837, 1997.

STRACHMAN, E. Política industrial e instituições. Tese (Doutora-do) – Instituto de Economia da Unicamp, Campinas, 2000.

UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE ANDDEVELOPMENT (UNCTAD). World Investment Report 2003: FDI

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 200550

ROGÉRIO GOMES / EDUARDO STRACHMAN

Policies for Development: National and International Perspectives.Geneva: United Nations, Unctad (Internet edition). 2003. Disponívelem: <http://www.unctad.org/wir>.

U.S. DEPARTMENT OF COMMERCE. U.S. MultinationalCompanies. Survey of Current Business, Bureau of EconomicAnalysis (BEA), vários números.

VERNON, R. Investimento externo e comércio internacional nociclo do produto. In: SAVASINI, A.A. et al. (Org.). EconomiaInternacional. São Paulo: Saraiva, 1979 [1966]. (Série Anpec deLeituras de Economia).

WILLIAMSON, J. What Washington means by policy reform. In:________ (Ed.). Latin American Adjustment: How Much HasHappened? Washington, D.C.: Institute for International Economics.1990.

________. What should the World Bank think about the WashingtonConsensus? World Bank Research Observer. Washington, D.C: TheInternational Bank for Reconstruction and Development, v. 15, n. 2,p. 251-264, Aug. 2000. Disponível em: <http://www.worldbank.org/

research/journals/wbro/obsaug00/pdf/(6)Williamson.pdf>. Acessoem: 1 jun. 2005.

ROGÉRIO GOMES: Doutor em Economia pelo Instituto de Economia daUnicamp, Professor do Departamento de Economia da Faculdade deCiências e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp - Araraquara)e Coordenador do Grupo de Estudos em Economia Industrial (Geein/Unesp) ([email protected]).

EDUARDO STRACHMAN: Doutor em Economia pelo Instituto de Economiada Unicamp, Professor do Departamento de Economia da Faculdade deCiências e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp - Araraquara)e Pesquisador do Grupo de Estudos em Economia Industrial (Geein/Unesp) ([email protected]).

Artigo recebido em 1 de junho de 2005.Aprovado em 30 de junho de 2005.

51

EMPRESAS MULTINACIONAIS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005

N

Resumo: O artigo discute o engajamento atual e potencial das empresas multinacionais em atividadestecnológicas no Brasil. Argumenta que a maior propensão dessas empresas em realizar atividades de pesquisae desenvolvimento (P&D) fora de seus países de origem pode representar uma oportunidade para reforçar osistema nacional de inovação. A implementação de políticas públicas pertinentes é uma condição importantepara o sucesso dessa empreitada.Palavras-chave: Empresas multinacionais. Globalização da tecnologia. Políticas de promoção e atração deP&D.

Abstract: The article examines the technological efforts carried out – presently and prospectively – bymultinational enterprises in Brazil. It argues that these enterprises are willing to increase their R&D activitiesabroad which may represent an opportunity to Brazil to develop its national system of innovation. However,the adoption of appropriate policies is an important condition to succeed in this endeavour.Key words: Multinational enterprises. Globalization of technology. Foreign Direct Investment related policies.

SÉRGIO QUEIROZ

RUY DE QUADROS CARVALHO

EMPRESAS MULTINACIONAIS EINOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL

os anos recentes, vem-se consolidando no Brasila percepção de que é preciso corrigir um dese-quilíbrio existente em nosso sistema nacional de

inovação: sua excessiva dependência do setor público edos gastos governamentais. O fraco engajamento das em-presas em atividades tecnológicas, particularmente empesquisa e desenvolvimento (P&D), é hoje visto como umproblema que a política de ciência, tecnologia e inovação(C,T&I) precisa resolver. Dados de pesquisas realizadasrecentemente, como a Pesquisa Industrial da InovaçãoTecnológica – Pintec (do Instituto Brasileiro de Geogra-fia e Estatística – IBGE) e a Pesquisa de Atividade Eco-nômica Paulista – Paep (da Fundação Sistema Estadualde Análise de Dados – Seade), revelam que apenas 14%das empresas inovadoras realizaram P&D contínuo em2000 (4,4% do total de empresas industriais da Pintec).Ou que apenas 180 empresas industriais empregavam maisde 10 empregados de nível superior em atividades perma-nentes de P&D, em 1996 (QUADROS et al., 2003).

O elevado grau de internacionalização da economiabrasileira é tradicionalmente invocado como uma dasexplicações para o baixo envolvimento das empresas comP&D. O argumento é que as empresas multinacionais(EMNs) estrangeiras seriam essencialmente importadorasde tecnologia desenvolvida em seus países de origem, eassim não teriam por que realizar esforços de P&D local.Nesse caso, as firmas nacionais arcariam com a maior parteda responsabilidade pela promoção do desenvolvimentotecnológico.

Entretanto, como será mostrado adiante, o conjunto dassubsidiárias de EMNs responde por parcela significativado esforço em P&D das empresas instaladas no país. Emalguns setores, essas subsidiárias têm hoje um papel mui-to destacado. Mais ainda, o que esse artigo pretende mos-trar é que elas podem ser induzidas a desempenhar umpapel ainda mais relevante no sistema nacional de inova-ção. Considerando as possibilidades de atrair para o Bra-sil mais investimento em tecnologia da parte dessas em-

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 200552

SÉRGIO QUEIROZ / RUY DE QUADROS CARVALHO

presas, presume-se que elas poderão contribuir para acorreção do desequilíbrio acima apontado.

O texto está estruturado em cinco intens, além destaintrodução. O primeiro mostra que há forte penetração dasEMNs na economia brasileira, especialmente em algunssetores. O seguinte trata dos esforços tecnológicos dessasempresas. O terceiro discute o fenômeno da globalizaçãoda tecnologia: como esta pode criar oportunidades de in-vestimento em P&D no Brasil e a importância das políti-cas públicas para o aproveitamento dessas oportunidades.O último item traz as considerações finais.

A PRESENÇA DAS MULTINACIONAISNO BRASIL

O fechamento ao comércio e a abertura ao capital sãocaracterísticas marcantes da industrialização brasileira. Asempresas estrangeiras assumiram um papel importante aolongo de nossa história, especialmente a partir da segun-da metade dos anos 50, quando o Plano de Metas do go-verno Kubitschek configurou o tripé em que se apoiaria opretendido “salto de cinqüenta anos em cinco”: governo,capital privado nacional e capital privado internacional.Naquele momento, o investimento das empresas multina-cionais impulsionou decisivamente certos segmentos daindústria – o setor automobilístico é o grande exemplo.Assim, em um padrão bastante típico da América Latina,e em contraste com o que se observou em certos países dosudeste asiático, como a Coréia do Sul, as empresas decapital estrangeiro instalaram-se solidamente no Brasil.

Na segunda metade dos anos 90, ocorreu um cresci-mento expressivo do investimento direto estrangeiro (IDE).Como se vê na Tabela 1, o país recebeu US$ 28,9 bilhõesde IDE em 1998, versus uma média anual de US$ 6,6 bi-lhões no período entre 1992-1997. Esses investimentoscontinuaram crescendo até 2000 e começaram a cair apartir daí, quando a economia brasileira estagnou: em2001, em função da crise energética; em 2002, pelo cená-rio político; e em 2003, um ano de recessão. Os dadospreliminares de 2004 indicam uma recuperação que devecontinuar em 2005. Acrescente-se ainda que a excepcio-nal expansão do IDE, entre 1998 e 2000, esteve, em gran-de medida, relacionada com dois movimentos complemen-tares de desnacionalização patrimonial. De um lado, asoportunidades criadas pelos programas de privatizaçãofederal e estaduais, em especial nos setores de telecomu-nicações e energia elétrica. De outro, a atração à aquisi-ção de ativos privados, decorrrente da súbita e intensa

desvalorização cambial do final de 1998, que resultou numsalto no movimento de aquisição de empresas brasileiraspor suas concorrentes multinacionais.

TABELA 1

Fluxos de Investimento Direto Estrangeiro (IDE)

para o Brasil

Brasil – 1992-2003

Ano Em Milhões de Dólares

1992-1997 (Média Anual) 6.615

1998 28.865

1999 28.578

2000 32.779

2001 22.457

2002 16.590

2003 10.144

Fonte: Unctad (2004a).

Como resultado, o estoque de IDE no Brasil cresceusignificativamente e representa hoje cerca de um quartodo PIB (Tabela 2). Esse valor, embora abaixo da médiados países em desenvolvimento (31,4% do PIB em 2003),é elevado quando se compara com países recentementeindustrializados da Ásia como Coréia do Sul e Taiwan(7,8% e 11,9% do PIB, respectivamente). Em suma, o pesodas subsidiárias de empresas multinacionais na economiabrasileira cresceu bastante nos últimos anos e atingiu umvalor expressivo.

TABELA 2

Estoque de Investimento Direto Estrangeiro (IDE)

Brasil – 1980-2003

Ano Em Milhões de Dólares % do PIB

1980 17.480 7,4

1985 25.664 11,5

1990 37.143 8,0

1995 41.696 5,9

2000 103.015 17,2

2002 100.847 22,3

2003 128.458 25,8

Fonte: Unctad (2004a).

Observando a presença das empresas de capital estran-geiro por setores de atividade, constata-se uma variaçãomuito grande. Somadas, elas representam 35% do VTI eapenas 3% do número total – o que indica um tamanho

53

EMPRESAS MULTINACIONAIS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005

TABELA 3

Participação das Empresas de Capital Estrangeiro na Base da Pintec, por Número e VTI, segundo Setores da CNAE

Brasil – 2000

Setores da CNAEEmpresas Estrangeiras VTI

Nos Absolutos % do Total Em R$ 1.000 % do Total

Total 2.218 3,1 87.429.896 35,0

Indústrias Extrativas 42 2,4 1.860.218 26,8

Indústrias de Transformação 2.176 3,1 85.569.677 35,3

Fabricação de Produtos Alimentícios e Bebidas 225 2,2 11.046.507 30,8

Fabricação de Produtos do Fumo 17 32,3 1.941.530 97,3

Fabricação de Produtos Têxteis 75 2,6 995.540 14,4

Confecção de Artigos do Vestuário e Acessórios 11 0,1 272.895 5,9

Preparação de Couros e Fabricação de Artefatos de Couro,

Artigos de Viagem e Calçados 30 0,9 203.266 4,4

Fabricação de Produtos de Madeira 20 0,4 314.410 10,1

Fabricação de Celulose, Papel e Produtos de Papel 46 3,4 3.650.515 35,1

Edição, Impressão e Reprodução de Gravações 74 2,2 743.790 7,8

Fabricação de Coque, Refino de Petróleo, Elaboração de

Combustíveis Nucleares e Produção de Álcool 19 10,0 286.353 0,8

Fabricação de Produtos Químicos 372 12,3 16.244.219 52,1

Fabricação de Artigos de Borracha e Plástico 166 3,9 2.454.312 30,0

Fabricação de Produtos de Minerais Não-Metálicos 64 1,1 3.141.277 34,7

Metalurgia Básica 37 3,0 6.638.497 43,3

Fabricação de Produtos de Metal 88 1,5 1.924.330 26,2

Fabricação de Máquinas e Equipamentos 347 8,9 7.398.514 57,0

Fabricação de Máquinas para Escritório e Equipamentos de Informática 20 12,9 2.186.754 68,7

Fabricação de Máquinas, Aparelhos e Materiais Elétricos 166 11,4 4.230.771 73,0

Fabricação de Material Eletrônico e de Aparelhos e

Equipamentos de Comunicações 64 11,9 6.051.749 72,0

Fabricação de Equipamentos de Instrumentação Médico-Hospitalares,

Instrumentos de Precisão e Ópticos, Equipamentos para Automação

Industrial, Cronômetros e Relógios 92 13,1 810.873 41,1

Fabricação e Montagem de Veículos Automotores, Reboques e Carrocerias 150 8,6 12.802.864 74,8

Fabricação de Outros Equipamentos de Transporte 23 5,7 1.189.122 30,3

Fabricação de Móveis e Indústrias Diversas 63 1,0 1.005.384 18,8

Reciclagem 5 4,1 36.208 58,1

Fonte: IBGE (2002) Pintec 2000.

médio muito superior ao das nacionais (IBGE, 2002). En-tretanto, em setores como fabricação de produtos do fumo;de máquinas para escritório e equipamentos de informática;de máquinas, aparelhos e materiais elétricos; de materialeletrônico e de aparelhos e equipamentos de comunica-ções; e fabricação e montagem de veículos automotores,reboques e carrocerias mais de dois terços do VTI são de

responsabilidade das multinacionais (Tabela 3). Os seto-res em que a participação dessas empresas é baixa (infe-rior a 20%) são poucos e de limitada importância: fabri-cação de produtos têxteis; confecção de artigos dovestuário e acessórios; preparação de couros e fabricaçãode artefatos de couro, artigos de viagem e calçados; fa-bricação de produtos de madeira; edição, impressão e re-

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 200554

SÉRGIO QUEIROZ / RUY DE QUADROS CARVALHO

produção de gravações; fabricação de móveis e indústri-as diversas. A única e óbvia exceção é o setor de fabrica-ção de coque, refino de petróleo, elaboração de combus-tíveis nucleares e produção de álcool – que é de grandeimportância e tem baixa presença de multinacionais devi-do à Petrobras.

A ATUAÇÃO TECNOLÓGICA DAS EMNs

As recentes pesquisas de inovação realizadas no Bra-sil – Pintec (IBGE) e Paep (Seade) – mostraram que asfiliais de EMNs, tomadas em conjunto, são bastante ati-vas em P&D. Alguns estudos baseados nessas pesquisassugerem inclusive um esforço tecnológico dessas empre-sas, em média, mais intenso do que o das empresas decapital nacional (COSTA; QUEIROZ, 2002).

Observando-se o gasto médio em atividades internas deP&D por classe de tamanho, constata-se que as companhiasestrangeiras estão sempre à frente das nacionais (Tabela 4).No caso das grandes empresas (500 e mais empregados),essa diferença é a menor de todas, mas ainda assim o gastodas estrangeiras é, em média, o dobro do das nacionais. Esseargumento precisa ser qualificado pelo fato de que o VTImédio das empresas estrangeiras é sistematicamente ummúltiplo do VTI das nacionais do grupo equivalente: de 8vezes no grupo das menores a 1,8, no das maiores. Assim,mesmo não se podendo afirmar categoricamente que asempresas estrangeiras, descontado seu tamanho, despendamem média mais em P&D do que as nacionais, pode-se pelomenos questionar o argumento convencional de que asempresas multinacionais realizem esforço tecnológico in-ferior ao das empresas nacionais.

Saindo do panorama geral oferecido pelas pesquisasde inovação para entrar em uma análise mais detalhada, é

possível identificar uma série de casos de filiais demultinacionais engajadas em atividades tecnológicas. Osetor automotivo ilustra bastante bem esse processo deacumulação gradativa de capacidades tecnológicas porparte de subsidiárias de empresas estrangeiras.

Pode-se tomar como exemplo a General Motors do Bra-sil – GMB, que começou nos anos 70 adquirindo a compe-tência de adaptar seus modelos às condições locais – osautomóveis lançados pela GMB eram projetados pela Opel,subsidiária alemã da corporação. No início dos anos 90, afilial brasileira já tinha avançado um pouco além desse pro-cesso de adaptação, conhecido como “tropicalização” doveículo, e adquirido capacidades técnicas suficientes paraa concepção local de derivativos baseados nos modelos Opel– como no caso do Corsa Sedan, do Corsa Picape e do AstraSedan. Em meados da década, a GMB iniciou o projeto“Arara Azul”, que resultou no modelo Celta, em que a equipede desenvolvimento de produto foi envolvida em todas assuas fases. Por fim, no projeto da minivan compacta Merivao papel da GMB foi ainda mais proeminente. O conceitofoi proposto pela subsidiária brasileira e aceito pelacorporação como um derivativo global do novo Corsa. Pelaprimeira vez, o Brasil foi a base do desenvolvimento de umprojeto, de forma que a GMB assumiu a responsabilidadepela coordenação de todos os seus estágios. Como resulta-do, o carro foi lançado primeiramente no Brasil e só depoisna Europa, invertendo (também pela primeira vez) a seqüên-cia tradicional. Mesmo a Meriva não sendo uma nova pla-taforma, seu desenvolvimento implicou uma reengenhariasignificativa da plataforma do Corsa (CONSONI, 2004;CONSONI ; QUADROS, 2005).

Com ritmos e inflexões distintos, trajetórias semelhan-tes podem ser observadas em outras montadoras estabe-lecidas há mais tempo no país, como no caso da Volks-

TABELA 4

Atividades Internas de Pesquisa e Desenvolvimento, segundo Classes de Tamanho das Empresas

Brasil – 2000

Classes de Tamanho

Nacional Estrangeira

B/ANúmero de Valor Gasto Médio Número de Valor Gasto Médio

Empresas (R$ 1.000) (A) Empresas (R$ 1.000) (B)

Total 6.655 2.019.779 303 757 1.721.793 2.274 7,5

De 10 a 99 4.904 288.990 59 213 34.506 162 2,8

De 100 a 249 832 169.241 203 182 111.908 615 3,0

De 250 a 499 412 170.261 413 109 151.057 1.387 3,4

Com 500 e Mais 507 1.391.287 2.745 254 1.424.322 5.618 2,0

Fonte: IBGE (2002) Pintec 2000.

55

EMPRESAS MULTINACIONAIS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005

wagen, Fiat e Ford. Todas elas estão percorrendo essecaminho, esquematizado na Figura 1, que vai dos esfor-ços de tropicalização (limitada e avançada) à construçãode derivativos locais e por fim, de derivativos globais –nos quais o país assume a condição de sede de projetodentro da corporação.

Em setores como o de telecomunicações e em certossegmentos da indústria de bens de capital, também exis-tem empresas estrangeiras que acumulam capacidadestecnológicas relevantes. Por outro lado, em certos setoresamplamente dominados pelo capital estrangeiro, os esfor-ços de P&D são muito limitados. O exemplo notório é osetor farmacêutico, em que pesem os recentes investimen-tos em pesquisa clínica realizados no país por diversasmultinacionais, esses esforços estão muito aquém do quecaracterizaria um engajamento mais substantivo em ativi-dades tecnológicas.

Pelo lado dos limites, considere-se ainda que, nos ca-sos de maior engajamento, como o do setor automotivoanteriormente comentado, as atividades tecnológicas são

primordialmente relacionadas com desenvolvimento ex-perimental (de produtos e processos) – em outros ter-mos, o D da P&D. Raramente as funções de P&D de umasubsidiária de empresa estrangeira no Brasil são diver-sificadas o bastante para comportar atividade de pesqui-sa tecnológica interna à empresa. Acrescente-se que asituação não é nada diferente na grande empresa indus-trial nacional que realiza P&D. E que essa situação é,em grande medida, responsável pela sempre sublinhadafragilidade de relacionamento das empresas industriaisbrasileiras com universidades e outras instituições depesquisa. Quem não faz pesquisa não a demanda siste-maticamente.

De qualquer maneira, a partir dos casos comentados, oargumento é que, quando a intenção é estimular o enga-jamento das empresas estrangeiras em atividades de P&Dno país não se está partindo do zero. Oportunidades geradasa partir do cenário internacional podem reforçar ainda maisesse engajamento – mas também é preciso criar as condiçõesadequadas para aproveitar essas oportunidades.

Capacidade de Sediar Projeto

Capacidade de Design de Derivativos

Capacidade de Tropicalização Avançada

Capacidade de Tropicalização Limitada

FIGURA 1

Evolução das Capacidades das Subsidiárias Brasileiras de Montadoras de Automóveis

Fonte: Adaptado de Consoni e Quadros (2003).

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 200556

SÉRGIO QUEIROZ / RUY DE QUADROS CARVALHO

A GLOBALIZAÇÃO DA TECNOLOGIA:OPORTUNIDADES PARA AMPLIAR ASATIVIDADES DE P&D DAS EMNS

O Fenômeno da Globalização da Tecnologia

A partir da década de 80, a expressão “globalização”difundiu-se amplamente, designando um conjunto de fe-nômenos nem sempre claramente interpretados. No âm-bito das empresas, é possível observar um certo movimentode integração mundial das funções corporativas. Partindoda distinção entre indústrias multidomésticas e indústriasglobais popularizada por Porter (1986), pode-se dizer quea competição país a país, característica das indústriasmultidomésticas, passou a dar lugar à competição em es-cala global, em que, para manter sua capacidade competi-tiva, as firmas são obrigadas a gerenciar suas atividadesinternacionais de modo cada vez mais integrado. ParaSachwald (1994), globalização é mais do que um aprofun-damento do processo de internacionalização das empre-sas. Significa “a integração funcional de atividades geo-graficamente dispersas das empresas multinacionais”. Oresultado é que o todo é maior do que a soma das partes,isto é, as empresas globalmente integradas obtêm vanta-gens competitivas frente àquelas que operam com filiaisrelativamente independentes e autônomas.

Esse processo de integração abarca também as ativi-dades tecnológicas – e, em particular, as de P&D, o quetem implicado tanto a maior articulação dessas atividadesque estão dispersas por vários países, como também oaumento da participação das filiais das EMNs no esforçotecnológico global nos últimos anos, como apontam di-versos trabalhos (OECD, 1998; DALTON; SERAPIO,1999; KUEMMERLE, 1999; GRANSTRAND, 1999).

Dados do Bureau of Economic Analysis – BEA, doDepartamento de Comércio dos EUA, registram que osgastos de P&D de filiais de empresas americanas no ex-terior passaram de US$ 14,6 bilhões em 1998, paraUS$ 21,1 bilhões em 2002, portanto, houve um cresci-mento de 44%. Esses gastos também aumentaram comopercentagem sobre as vendas das filiais, passando de0,74%, em 1998, para 0,83%, em 2002.

O Gráfico 1 revela, para 15 países da Organisation forEconomic Co-operation and Development (OECD), umatendência quase generalizada de aumento da participaçãoda P&D das empresas estrangeiras no gasto total da P&Dempresarial. Esse fato significa que, nesses países, a ati-vidade de P&D das empresas estrangeiras cresce maisrapidamente do que a das empresas domésticas.

GRÁFICO 1

Gasto em P&D de Filiais Estrangeiras

Países Selecionados – 1995-2001 (1)

Fonte: OECD (2004). Base de dados AFA, maio 2004.

(1) Ou ano mais próximo disponível.

Esses indicadores também revelam que, em alguns paí-ses industrializados europeus que não exercem liderançatecnológica, como a Hungria, Irlanda e a República Tche-ca, os dispêndios em P&D das empresas estrangeiras éresponsável pela maior parte do dispêndio total em P&Dno setor industrial.

Alguns trabalhos tratam da globalização da tecnologiacom mais ceticismo. Primeiro, destacam o fato de que afunção tecnológica é muito menos internacionalizada do queoutras corporativas, como produção ou vendas. Depois,sublinham a concentração do fenômeno nos países desenvol-vidos, particularmente, na chamada “Tríade” – EUA, Japãoe Europa (PATEL; PAVITT, 1998; KUEMMERLE, 1999).De fato, dados de patentes de 359 das maiores empresasmundiais no período de 1990-1994 mostram que as patentesregistradas nos Estados Unidos, originárias das subsidiáriasfora da “Tríade”, contabilizaram menos de 1% do total, ou7% da participação das filiais (MEYER-KRAHMER et al.,1998). Sendo assim, seria mais apropriado falar em“triadização”, e não em “globalização” da tecnologia.

No entanto, cabe observar a grande velocidade com queas mudanças têm ocorrido nos anos recentes. Os paísesem desenvolvimento (PEDs), com destaque para China eÍndia, estão se tornando um destino privilegiado do in-vestimento direto estrangeiro (IDE) em tecnologia(KUMAR, 2001; WALSH, 2003). De acordo com os da-dos do BEA, os gastos em P&D das filiais americanas deEMNs fora do Canadá, Europa e Japão passaram de 10,7%do total em 1998, para 15,0% em 1999, 17,8% no ano 2000e 20,3% em 2001. Assim, embora a parcela da P&D rea-lizada pelas EMNs fora da Tríade seja ainda relativamen-

Hungria

Irla

nda

República

Tcheca

Espanha

Austr

ália

Suécia

Rein

o U

nid

o

Canadá

Ale

manha

Fra

nça

Hola

nda

Esta

dos U

nid

os

Fin

lândia

Gré

cia

Japão

57

EMPRESAS MULTINACIONAIS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005

te pequena, ela é crescente, tendo praticamente dobradono curto período 1998-2001.

A intensidade da migração de atividades tecnológicaspara China e Índia nos últimos anos, originárias princi-palmente dos EUA, tem chamado a atenção para o fenô-meno correlato da crescente subcontratação da P&D(BUSINESS WEEK, 2003; 2005). Os dois fenômenos –o da realização de P&D no exterior (offshoring) e o dasubcontratação da P&D (outsourcing) – muitas vezes apa-recem combinados.

O Quadro 1 diferencia as questões de localizaçãogeográfica e de externalização da P&D. Embora adiscussão sobre globalização da tecnologia esteja teorica-mente adstrita à situação do quarto quadrante (inferior àesquerda), em que responsabilidades tecnológicas sãotransferidas para filiais da própria empresa no exterior(captive offshoring), a situação mostrada no terceiroquadrante (inferior à direita), que combina offshoring comoutsourcing, também deve ser incluída na agenda, umavez que, em termos dos efeitos sobre as economiashospedeiras (e sobre as economias de origem dos investi-mentos), ambas são muito similares. Para um país inte-ressado em atrair investimentos tecnológicos de EMNs,eles podem materializar-se tanto na forma de um centrode P&D da filial como na subcontratação de outrasempresas já estabelecidas localmente.

Em suma, os fenômenos offshoring e outsourcing, com-binados ou separadamente, criam oportunidades de inves-timento em atividades tecnológicas também nos países emdesenvolvimento (PEDs). O Brasil tem boas condiçõespara disputar esses investimentos. No entanto, é precisopromover permanentemente essas condições, tanto no sen-tido de melhorá-las cada vez mais como no de torná-lasconhecidas entre os potenciais investidores.

Políticas Públicas para Atração deAtividades de P&D

Análises sobre os determinantes da globalização daP&D apontam as políticas como fatores relevantes.Hakanson e Nobel (1993) destacam o papel dos incenti-vos políticos para atrair determinados tipos de P&D, prin-cipalmente aqueles relacionados a indústrias controladaspelo governo, como telecomunicações ou equipamentomilitar. O próprio caso do Brasil sugere que os incentivosda Política de Informática foram fundamentais na atraçãode investimentos em P&D de diversas EMNs nos setoresde telecomunicações e informática.

Entretanto, é preciso evitar o equívoco de reduzir aspolíticas de atração de atividades tecnológicas a incenti-vos. Em certos casos, os incentivos são o fator decisivo,no sentido de promover o desempate na decisão de deter-minado investimento entre este ou aquele país. Mas, iso-ladamente, os incentivos não decidem a disputa – até por-que são vistos como pouco estáveis, quando não sãoexplicitamente transitórios.

Portanto, as políticas de atração devem ser abordadasa partir de uma perspectiva ampla que vai da formação derecursos humanos de alto nível a incentivos eventuais,passando por investimentos em infra-estrutura, pela polí-tica de compras do Estado, pela divulgação e marketingdo país, entre outros.

Países como China, Índia, Taiwan, Irlanda, Israel,Cingapura, entre outros, têm sido bem-sucedidos nessaempreitada de atrair investimentos em P&D de EMNs emboa medida por terem políticas nacionais focadas nesteobjetivo. O caso da China é exemplar de um país forte-mente empenhado em atrair atividades corporativas maisavançadas para seu território. Venkitaramanan (2000)

QUADRO 1

P&D Estabelecida em Outros Países e Subcontratada

Localização da P&D Internalizada Externalizada (Subcontratada)

País de Origem P&D realizada dentro da empresa, P&D subcontratada de uma outra

no país de origem empresa no país de origem

País Hospedeiro P&D realizada pela filial de uma mesma P&D subcontratada de uma terceira

EMN, em outro país (chamado captive offshoring) empresa no exterior:

- para uma empresa local

- para uma filial de outra EMN

Fonte: UNCTAD (2004b), adaptado de WIR (2004).

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 200558

SÉRGIO QUEIROZ / RUY DE QUADROS CARVALHO

mostra que os chineses vêm usando habilmente sua enor-me capacidade de atrair IDE produtivo para ampliar aapropriação de tecnologias, negociando investimentos emP&D como contrapartida do acesso a seu mercado. Polí-ticas de comércio, de compras governamentais e detecnologia são coordenadas com o sistema de aprovaçãode investimento externo, de modo a desenvolver as capa-cidades locais. Ao mesmo tempo, o país investe pesa-damente na formação de recursos humanos qualificados,tanto internamente como no exterior.

Então, pergunta-se: no caso do Brasil, que pontos fun-damentais devem ser considerados por uma política quebusque criar um ambiente favorável para que as EMNspossam investir em tecnologia?

Faltam estudos e conhecimento para responder ade-quadamente a essa questão. É preciso aprofundar oentendimento, por exemplo, da relação entre o compor-tamento das firmas e os fatores de atração de atividadestecnológicas para determinado país. O comportamento dasfirmas, por sua vez, está condicionado por característicassetoriais, associadas ao ambiente competitivo em queatuam, e pelas estratégias globais de P&D, de caráterindividual. Esse conhecimento é essencial para orientarcorretamente sua política de atuação.

A despeito dessas dificuldades, é possível sugerir al-guns elementos que, à primeira vista, são importantes parauma política eficaz de atração de IDE em P&D.

Primeiro, a política deve atuar no nível da empresa –não no do setor e menos ainda em níveis mais agrega-dos. É certo que algumas medidas de caráter amplo irãofavorecer genericamente os investimentos externos ematividades tecnológicas. Por exemplo, a formação de re-cursos humanos de alto nível ou os investimentos eminfra-estrutura. Mas esse tipo de medida, embora neces-sário, é insuficiente. Situar a política no nível da empre-sa significa identificar os alvos e definir ações sob me-dida, estabelecendo, por exemplo, as áreas e subáreasem que é preciso investir na formação de doutores emestres, ou as estratégias de divulgação e marketing dopaís que sejam apropriadas para os alvos escolhidos.Afinal, cada empresa irá avaliar diferentemente a impor-tância dos distintos fatores de atração, conforme as ne-cessidades ditadas pela concorrência que enfrenta e pe-las estratégias que adota.

Segundo, devem ser desenvolvidos indicadores apro-priados para cada fator relevante de atração – seja paraavaliar seu estado atual, seja para estabelecer e acompa-nhar metas de progresso. Por exemplo, quando se exami-

na o regime de propriedade intelectual – um fator certa-mente prioritário para empresas do setor farmacêutico –,qual o melhor indicador para avaliar o grau de proteçãooferecido pela legislação? Como avaliar a capacidade defazer cumprir a lei, o chamado enforcement? E assim pordiante.

Terceiro, deve-se acompanhar de perto o trabalho dos“concorrentes”. Quais as políticas de promoção de ativi-dades tecnológicas ou de atração de IDE que os países –particularmente aqueles mais parecidos com o Brasil –estão adotando?

Quarto, a exemplo do que ocorre em relação à políticade informática, as demais políticas vigentes no país re-querem avaliações periódicas e conclusivas sobre sua efi-cácia na atração de IDE em P&D, bem como de todos osseus custos.

Enfim, esses pontos servem basicamente para iniciaruma agenda de discussão sobre políticas de atração de IDEem P&D que precisa, antes de tudo, ser encampada pelopoder público.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De modo geral, as políticas de promoção de atividadestecnológicas nas empresas não tomam em consideração avariável “origem do capital”. Esse artigo procura mostrarque os diversos fenômenos condicionantes do investimentoem P&D das EMNs justificam um foco específico da po-lítica de ação nessas empresas.

Evidentemente, não se trata de atribuir às empresasmultinacionais a responsabilidade principal sobre o de-senvolvimento tecnológico do país. Não lhes competesubstituir as empresas de capital nacional no que diz res-peito ao esforço tecnológico. Estas, por sua vez, preci-sam assumir firmemente o objetivo de expandir suas ati-vidades de P&D – e isto, de certo modo, já está sendofeito. A Embraer e a Petrobras talvez sejam os exemplosmais visíveis de sucesso ancorado em grande medida natecnologia desenvolvida internamente, mas existem mui-tos outros casos de grandes empresas brasileiras engajadasem crescentes esforços tecnológicos.

Mas a questão aqui é outra. Independentemente de qual-quer comparação entre a atividade tecnológica de empre-sas nacionais e multinacionais, o que se argumenta é queas EMNs podem fazer mais do que já fazem. Políticasadequadas permitiriam que o país aproveitasse melhor umasérie de oportunidades surgidas em função do contextointernacional. Por outro lado, as empresas estrangeiras

59

EMPRESAS MULTINACIONAIS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005

poderiam contribuir mais significativamente para refor-çar o sistema nacional de inovação, especialmente emdeterminados setores nos quais já são um agente relevan-te. Por exemplo, poderiam diversificar suas funções deP&D de maneira a internalizar no Brasil uma parcela desua demanda por conhecimento tecnológico novo.

Para isso, é necessário que o governo se engaje nadisputa global pelo IDE em P&D atualmente em curso.As políticas nacionais têm um peso importante na definiçãodos resultados dessa disputa, especialmente em umaperspectiva de longo prazo em que haja empenho paratransformar estruturalmente o ambiente favorável aoinvestimento em tecnologia. Ademais, as políticas nãopodem ser reduzidas a incentivos. Se, em determinadoscasos, os incentivos podem fazer a diferença frente aconcorrentes diretos, em outros, em que o país possuicapacidades e vantagens para atrair investimentos emtecnologia, uma política bem elaborada deverá conter aoferta dos incentivos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BUSINESS WEEK. Outsourcing innovation, 21 mar. 2005.

________. The rise of India, 8 dez. 2003.

CONSONI, F. Da tropicalização ao projeto de veículos: um estudodas competências em desenvolvimento de produtos nas montadorasde automóveis no Brasil. Tese (Doutorado) – IG/Unicamp,Campinas, 2004.

CONSONI, F.; QUADROS, R. From adaptation to complete vehicledesign: a case study on product development capabilities ofmultinational assemblers. In: International Journal of TechnologyManagement, special issue on learning and technologicalcapabilities in developing countries, Brazil, 2005. No prelo.

________. Between centralisation and decentralisation of productdevelopment competencies: recent trajectory changes in Braziliansubsidiaries of car assemblers. In: INTERNATIONAL COLLO-QUIUM OF GERPISA – COMPANY ACTORS ON THE LOOKOUT FOR NEW COMPROMISES: Developing GERPISA’s NewAnalytical Schema, 11., Paper… Paris, 11-13 June, 2003.

COSTA, I.; QUEIROZ, S. Foreign direct investment and technologi-cal capabilities in brazilian industry. Research Policy, v. 31,p. 1.431-1.443, 2002.

DALTON, D.; SERAPIO, M. Globalizing Industrial Research andDevelopment. Office of Technology Policy, US Department of Com-merce, September 1999.

GRANSTRAND, O. Internationalization of corporate R&D: a studyof Japanese and Swedish corporations. Research Policy, v. 28,p. 275-302, 1999.

HAKANSON, L.; NOBEL, R. Determinants of foreign R&D inSwedish multinationals. Research Policy, v. 22, p. 397-411, 1993.

IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000.Rio de Janeiro: 2002.

KUEMMERLE, W. Foreign direct investment in industrial researchin the pharmaceutical and electronics industries – results from asurvey of multinational firms. Research Policy, v. 28, p. 179-193,1999.

KUMAR, N. Developing country prospects for globalization ofR&D. Science, Technology and Innovation. Viewpoint, 20 jun.2001. Disponível em:<http://www.cid.harvard.edu/cidbiotech/comments/>.

MEYER-KRAHMER, F. et al. Internationalisation of research andtechnology: Trends, issues and implications for science andtechnology policies in Europe. Brussels/ Luxembourg: OOPEC, July1998. 75p. (ETAN Working Paper, prepared for the EuropeanCommission).

OCDE. Science, Technology and Industry Outlook. Paris: OECD,2004.

________. Internationalisation of industrial R&D. Patterns andtrends. Paris: OECD, 1998.

PATEL, P.; PAVITT, K. National systems of innovation understrain: the internationalisation of corporate R&D. Science PolicyResearch Unit, Brighton, University of Sussex, 1998 (draft).

PORTER, M.E. Competition in Global Industries: A ConceptualFramework. In: ________. Competition in global industries. Bos-ton: Harvard Business School Press, 1986.

QUADROS, R.; FRANCO, E.; BERNARDES, R. Inovaçãotecnológica na indústria – Resultados da Paep e da Paer. In:VIOTTI, E.B.; MACEDO, M. (Org.). Indicadores de Ciência,Tecnologia e Inovação no Brasil. Campinas: Ed. da Unicamp, 2003.

SACHWALD, F. Mondialisation et systèmes nationaux. In:SACHWAL, F. Les défis de la mondialisation – Innovation et con-currence. Paris: Masson. 1994.

UNCTAD. World Investment Report 2004: The shift towardsservices. Geneva: United Nations, UNCTAD (Internet edition).2004a. Disponível em: <http://www.unctad.org/wir>.

________. The impact of FDI on development: globalization ofR&D by transnational corporations and implications for developingcountries. TD/B/COM.2/EM.16/2, Out. 2004b.

VENKITARAMANAN, S. India: FDI and technology: Learning fromthe Chinese example. Business Line, 2000. Disponível em:<http://www.blonnet.com/businessline/2000/08/28/stories/042820ju.htm>.

WALSH, K. Foreign High-Tech R&D in China: risks, rewards, andimplications for U.S.-China relations. The Henry L. Stimson Center,2003. Disponível em:<http://www.stimson.org/techtransfer/pdf2Globalization.pdf>.

SÉRGIO QUEIROZ: Professor do Departamento de Política Científica eTecnológica do IG-Unicamp.

RUY DE QUADROs CARVALHO: Professor do Departamento de PolíticaCientífica e Tecnológica do IG-Unicamp.

Artigo recebido em 16 de maio de 2005.Aprovado em 6 de junho de 2005.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 200560

RENATO GARCIA / FLÁVIA MOTTA / GABRIELA SCUR / MÁRCIO LUPATINI / JUAN RICARDO CRUZ-MOREIRA

E

Resumo: Este trabalho analisa os esforços inovativos de empresas das indústrias têxtil-vestuário, de calçados,de móveis e de cerâmica que – mesmo tendo como principal fonte de tecnologia as indústrias fornecedoras,como a química e os bens de capital – são responsáveis pelo desenvolvimento de aplicações em produtos eprocessos capazes de proporcionar importantes vantagens diferenciais aos produtores.Palavras-chave: Padrões de inovação. Indústrias tradicionais. Indústria brasileira.

Abstract: This paper analyses the main innovative efforts of firms in the textile, clothing, footwear, furnitureand ceramic tiles industries, even though the main source of technological development is provide from thesupplier industries, such as chemical and machinery, they develop applications in product and process thatcan bring some important benefits for the firms.Key words: Innovation patterns. Traditional industries. Brazilian industry.

RENATO GARCIA

FLÁVIA MOTTA

GABRIELA SCUR

MÁRCIO LUPATINI

JUAN RICARDO CRUZ-MOREIRA

ESFORÇOS INOVATIVOS DEEMPRESAS NO BRASILuma análise das indústrias

têxtil-vestuário, calçados, móveis e cerâmica

ste trabalho discute a inovação em um conjuntode indústrias produtoras de bens de consumo nãoduráveis – têxtil-vestuário, de calçados e de mó-

veis residenciais de madeira – aos quais foi agregada umaindústria produtora de insumos para a construção civil: ade cerâmica para revestimento.

O agrupamento desses setores visando a uma discus-são conjunta justifica-se pelas similaridades que podemser verificadas no seu padrão de inovação – isto por-que em todas as indústrias os setores fornecedores deinsumos (especialmente os da indústria química e debens de capital) têm papel fundamental na difusão dasinovações. Porém, isso não significa que as empresasassumam uma posição passiva nos processos de gera-ção de inovações. Embora a trajetória tecnológica sejadefinida de forma exógena a esse conjunto de setores,as empresas procuram gerar assimetrias concorrenciaisdentro dessa trajetória, por meio do desenvolvimentode aplicações mais adequadas em produtos e também

em termos das técnicas de produção. Assim, as empre-sas procuram aproveitar-se de oportunidades que sãogeradas dentro da trajetória tecnológica, a qual lhes pro-porciona vantagens competitivas, mesmo que de cará-ter temporário.

Nesse sentido, deve ser destacada a importância dosativos comerciais e o seu caráter intangível como formaprincipal de garantir a apropriabilidade privada dos be-nefícios da inovação. Os desenvolvimentos tecnológicosdos setores, mesmo que não tenham um caráter disruptivo,estão normalmente calcados em estratégias expressivasde gestão dos ativos comerciais.

O desenvolvimento dessa argumentação, apresentadaao longo de todo o trabalho, sustenta-se nos resultados,de cinco estudos desenvolvidos no âmbito do projetoDiretório da Pesquisa Privada/Observatório de Estraté-gias para Inovação (DPP/OEI), que teve o apoio daFinanciadora de Estudos e Projetos (Finep), e que anali-sou essas indústrias1 .

61

ESFORÇOS INOVATIVOS DE EMPRESAS NO BRASIL: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005

ESTRUTURA INDUSTRIAL E PADRÃOCOMPETITIVO NAS INDÚSTRIASTRADICIONAIS

Uma característica comum aos setores em investigaçãodiz respeito às amplas possibilidades de segmentação deproduto e de mercado as quais, muitas vezes, sobrepõem-se umas às outras. Nas indústrias têxtil-vestuário e de cal-çados, por exemplo, é possível a segmentação por sexo(masculino e feminino), por tamanho (bebê, infantil, infanto-juvenil, adulto), por renda, por material utilizado (naturais,artificiais e sintéticos), por tipo de uso (social, casual, es-portivo). Da mesma forma, na indústria de móveis, perce-be-se a segmentação por material utilizado (madeira, aglo-merados, MDF – Medium Density Fibre, metal, plástico),por tipo de uso (residenciais, profissionais, comerciais) epor faixa etária (infantil, juvenil e adulto). Mesmo na in-dústria cerâmica também se percebe a segmentação por tipode uso (estrutural e revestimento; pisos e azulejos) e pro-cesso de produção (porcelanato, queima tradicional,monoqueima e terceira queima) – Quadro 1.

Portanto, há amplas possibilidades de segmentação deproduto e de mercado – e esse fato não está apenas vincu-lado à estrutura da renda, mas também resultam em uma

elevada heterogeneidade, que se expressa pela convivên-cia, no mercado, de empresas bastante díspares quanto atamanho, tecnologia utilizada e forma de organização dacadeia, entre outros itens. Assim, é possível observar acoexistência de grandes firmas que atuam com elevadasescalas de produção e operação e empresas de pequenoporte que operam em segmentos bastante especializados.2

A Tabela 1 mostra alguns dados econômicos geraisdessas indústrias. Nota-se que são indústrias que em ge-ral empregam um grande contingente de mão-de-obra,sendo responsáveis por 30% dos empregos gerados pelaindústria total e por uma contribuição de somente 12% dovalor da transformação industrial – característica comumde setores tradicionais da indústria.

Outra especificidade desses setores é o elevado núme-ro de micro e pequenas empresas. O tamanho médio dosestabelecimentos corrobora tal afirmação, já que na in-dústria cerâmica e na de móveis a média é de 26 funcio-nários e na do vestuário, 23 empregados por estabeleci-mento – portanto, bem abaixo da média da indústria detransformação, que é de 42. Já as indústrias têxtil e decalçados ficam acima da média industrial, pois apresen-tam, respectivamente, 58 e 63 ocupados por unidade pro-dutiva.

QUADRO 1

Formas de Segmentação nas Indústrias Têxtil-Vestuário, Calçados, Móveis e Cerâmica

Formas de Segmentação Têxtil-Vestuário Calçados Móveis Cerâmica

Sexo Masculino Masculino - -

Feminino Feminino

Tamanho Bebê Bebê Bebê -

Infantil Infantil Infantil

Infanto-juvenil Adulto Juvenil

Adulto Adulto

Renda Alta Alta Alta Alta

Média Média Média Média

Baixa Baixa Baixa Baixa

Material/Processo Algodão (natural) Couro Madeira Maciça Estrutural

Artificial Sintético Painéis de Madeira Revestimento

Sintético Tecido Reconstituída Porcelanato

Metal

Plástico

Tipo de Uso Social Social Residencial Pisos

Casual Casual Escritório Azulejos

Moda Praia Esportivo Institucional Exteriores

Esportivo

Fonte: Elaboração dos autores.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 200562

RENATO GARCIA / FLÁVIA MOTTA / GABRIELA SCUR / MÁRCIO LUPATINI / JUAN RICARDO CRUZ-MOREIRA

TABELA 1

Número de Empresas, Pessoal Ocupado, Receita Líquida de Vendas e Valor da Transformação Industrial (VTI), segundo Atividades da Indústria

Brasil – 2002

Número dePessoal Receita Líquida VTI

CódigosAtividades da Indústria

EmpresasOcupado em de Vendas (2) (3)

da CNAE 31/12 (1) (Em R$ 1.000) (Em R$ 1.000)

Total Indústria 135.003 5.680.111 797.226.731 334.503.214

17 Fabricação de Produtos Têxteis 4.868 284.560 20.034.583 8.254.404

18 Confecção de Artigos do Vestuário e Acessórios 18.547 443.969 11.759.802 4.987.421

19 Preparação de Couros e Fabricação de Artefatos de Couro,

Artigos de Viagem e Calçados 5.972 379.003 17.697.638 7.220.133

19.1 Curtimento e Outras Preparações de Couro 489 35.288 4.467.646 1.215.748

19.2 Fabricação de Artigos para Viagem e de Artefatos Diversos de Couro 1.527 30.848 808.465 369.390

19.3 Fabricação de Calçados 3.956 312.866 12.421.528 5.634.995

26 Fabricação de Produtos de Minerais Não-Metálicos 11.106 297.421 25.023.409 13.344.074

26.4 Fabricação de Produtos Cerâmicos 4.613 135.612 5.076.658 2.597.725

24.8 Fabricação de Tintas, Vernizes, Esmaltes, Lacas e Produtos Afins 553 25.477 5.747.749 1.781.611

36 Fabricação de Móveis e Indústrias Diversas 11.394 292.470 15.222.998 6.381.293

36.1 Fabricação de Artigos do Mobiliário 8.198 209.115 10.602.386 4.066.460

Fonte: IBGE (2002a). Pesquisa Industrial Anual - Empresa 2002. Elaboração dos autores com base nos dados do IBGE.

(1) Número de pessoas ocupadas, com ou sem vínculo empregatício, incluindo-se aquelas afastadas em gozo de férias, licenças, seguros por acidentes, etc., mesmo que estes afastamentos

sejam superiores a 15 dias. Não inclui os membros do conselho administrativo, diretor ou fiscal, que não desenvolvem qualquer outra atividade na empresa, os autônomos e, ainda, o pessoal que

trabalha dentro da empresa, mas é remunerado por outras empresas. As informações referem-se à data de 31/12 do ano de referência da pesquisa. O pessoal ocupado é a soma do pessoal

assalariado ligado e não ligado à produção industrial e do pessoal não assalariado. Ver itens específicos em IBGE (2002a).

(2) Receita bruta total (proveniente da venda de produtos e serviços industriais, da revenda de mercadorias e da prestação de serviços não industriais) menos o total das deduções (vendas

canceladas e descontos, ICMS e outros impostos e contribuições incidentes sobre as vendas e serviços, como Cofins, Simples – Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições,

etc.) (IBGE, 2002).

(3) Valor obtido pela diferença entre o valor bruto da produção industrial e o custo das operações industriais (IBGE, 2002a).

No que se refere à estrutura industrial e produtiva, deve-se ressaltar a importância das relações com os setores for-necedores de matéria-prima, insumos e maquinário, querepresentam importantes fontes de inovação. Além disso,alguns serviços produtivos – como o de prospecção demercado e os de tendências, serviços de design e desen-volvimento de produto, testes e ensaios laboratoriais tam-bém podem ser relevantes para o incremento da capaci-dade competitiva das empresas.3 Do ponto de vista dainserção das firmas no mercado, é possível notar clara-mente alguns padrões de comportamento, os quaiscondicionam a forma de organização produtiva das em-presas e de suas funções corporativas.4

Primeiro, pode-se notar uma forma mais autônoma deinserção, em que elas são capazes de deter importantescapacitações em termos de desenvolvimento de produto efazem uma gestão ativa de seus ativos comerciais, comomarcas e canais de comercialização, tanto no mercadodoméstico como no exterior. A manufatura, nesses casos,pode ser realizada internamente, por meio de unidadespróprias especializadas, ou subcontratada junto a tercei-ros. Exemplos dessa forma de inserção são as empresas

Karsten e a Rosa Chá nas indústrias têxtil e do vestuário;São Paulo Alpargatas, proprietária da marca Havaianas,e Grendene na indústria de calçados; SCA, na indústriade móveis.

Na segunda forma de inserção, que é intermediária, asempresas detêm importantes capacitações em desenvol-vimento de produto e design, mesmo que esse modeloesteja fortemente associado à adaptação, para o mercado,interno de produtos lançados nos países centrais. Essacaracterística condiciona sua atuação mercadológica, poisas empresas possuem uma inserção ativa e autônoma nomercado doméstico, por meio do domínio e da gestão demarcas próprias e canais de comercialização. No entanto,são incapazes de reproduzir essa forma de atuação nomercado externo, onde exercem um papel subordinado nascadeias globais de produção, como fornecedoras de pro-dutos acabados para as grandes redes internacionais devarejo. Em termos dos ativos produtivos, normalmenteessas empresas possuem grandes plantas próprias de ma-nufatura. Entre os exemplos mais importantes dessa for-ma de inserção, encontram-se as empresas: Hering, Marisole Fórum nas indústrias têxtil e do vestuário; Samello,

63

ESFORÇOS INOVATIVOS DE EMPRESAS NO BRASIL: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005

Democrata, Arezzo, Beira Rio e Dakota, na indústria decalçados; Todeschini, Florense e Bertolini, na indústriade móveis; Eliane, Portobello e Cecrisa, na indústria ce-râmica. Nesse caso, é comum que as firmas atendam aencomendas das exportações para compensar as oscila-ções sazonais da demanda doméstica.

Por fim, encontram-se formas mais subordinadas deinserção no mercado, em que as empresas possuemcapacitações reduzidas na área de desenvolvimento deproduto e percebe-se a ausência de ativos comerciais re-levantes, como a utilização de canais convencionais decomercialização e de marcas fracas ou ausentes. Porém, ainserção subordinada no mercado é contrabalançada porelevadas capacitações em manufatura, que apresenta ní-veis de produtividade bastante expressivos e elevada es-cala de produção. Dentre os exemplos mais importantes,encontram-se as empresas: Vicunha e Coteminas, nos se-tores têxtil e do vestuário; os grandes exportadores decalçados femininos do Vale do Sinos; algumas empresasexportadoras de São Bento do Sul e os fornecedores dasgrandes redes de varejo do mercado doméstico, na indús-tria de móveis; os produtores de cerâmica para revesti-mento de Santa Gertrudes.

Esse padrão diferenciado de inserção condiciona o pro-cesso de inovação nas empresas, pois, de acordo com aforma de atuação no mercado, as firmas terão que deterativos mais ou menos expressivos nas áreas de desenvol-vimento de produto e de comercialização, reorganizandosua cadeia de suprimentos em consonância com essa es-tratégia.

PADRÃO DE INOVAÇÃO NAS INDÚSTRIASTRADICIONAIS

O principal elemento que justifica o agrupamento des-ses setores é justamente a convergência do padrão de ino-vação e as suas fontes – muito embora possam ser encon-tradas formas diferenciadas de atuação no mercado, comofoi apontado anteriormente. De um modo geral, as indús-trias têxtil, de vestuário, de calçados, de revestimentoscerâmicos e de móveis têm sua dinâmica tecnológica co-mandada pelos setores fornecedores, especialmente a in-dústria química e a de bens de capital. Como apontou Pavitt(1984), são essas tipicamente as indústrias dominadaspelos fornecedores (supplier dominated).

Este padrão facilita a difusão de inovações e reduz asbarreiras à entrada de natureza tecnológica, especialmen-te nas operações de manufatura – o que, de certa forma,

justifica a existência de elevado número de micro e pe-quenas empresas em todos os setores analisados. Desta-ca-se, no entanto, que as economias de escala permane-cem exercendo papel relevante tanto na manufatura, porpermitir a redução dos custos da produção de bens maispadronizados, e especialmente nas outras funçõescorporativas desempenhadas pelas empresas, como nacomercialização, no desenvolvimento de produto e noacesso a recursos financeiros e de capital.

Voltando ao campo da inovação, uma das suas princi-pais fontes nos setores analisados são os desenvolvimen-tos oriundos da indústria química, fornecedora de novosmateriais e novas aplicações. Alguns exemplos interessan-tes ilustram esse fenômeno.

Para a indústria têxtil-vestuário, a introdução da micro-fibra por volta dos anos 70 permitiu às empresas têxteisa criação de novos tecidos, que, por sua vez, foramaplicados em roupas diferenciadas, especialmente emroupas esportivas e femininas, estimulando a substituiçãodas fibras naturais, notadamente do algodão. Essasubstituição trouxe inclusive ganhos de custo e decaracterísticas técnicas do produto em relação ao algodão,especialmente em termos da absorção do suor e pra-ticidade, além de melhorias significativas quanto aconforto, caimento e aparência dos produtos. Outrainovação interessante é o uso de nanotecnologia em fibrastêxteis: há incorporação de novos materiais que,embutidos nas fibras, liberam mais facilmente a umidadedo corpo, no caso de roupas esportivas; ou os com bacte-ricidas, que começam a ser utilizados para fins médicose para cuidados infantis.

Na indústria de calçados, nota-se o uso mais intensivode materiais sintéticos em substituição ao couro – nocabedal (parte superior) e, especialmente, nos solados(atualmente apenas 8% são feitos de couro). Percebe-se autilização crescente de materiais sintéticos como PVC(Policloreto de Vinila) e TR (Borracha Termoplástica),que apresentam custos mais reduzidos, EVA (Copolímerode Etileno e Acetato de Vinila) e PU (Poliuretano), quepermitem a aplicação em usos mais sofisticados.

Já na indústria de cerâmica para revestimento, foramrealizados avanços significativos a partir do desenvolvi-mento de produtos químicos aplicados a revestimento –especialmente de fritas5 e corantes. Essas modificações,associadas a melhorias de processo, permitiram o desen-volvimento de novos revestimentos e abriram possibili-dades de diferenciação do produto para as empresas dosetor.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 200564

RENATO GARCIA / FLÁVIA MOTTA / GABRIELA SCUR / MÁRCIO LUPATINI / JUAN RICARDO CRUZ-MOREIRA

Na indústria de móveis, a indústria química tem tidopapel essencial no desenvolvimento de novos acabamen-tos, como no caso, que vale destacar, das tintas com curaultravioleta (UV), que apresentam ganhos de produtivi-dade na aplicação e redução no tempo de secagem daspeças. Outro fornecedor de extrema relevância para a in-dústria de móveis é a indústria produtora de chapas demadeira reconstituída, com destaque para a introdução nomercado brasileiro do MDF a partir da década de 90. Essematerial permitiu às empresas produtoras de móveisretilíneos maior liberdade para criação e desenvolvimen-to de acabamentos, visto que até então os painéis de aglo-merado ou compensado utilizados não podiam serusinados. Já o MDF, por ter característica de resistênciasimilar à da madeira maciça, é tecnicamente capaz de re-ceber esses trabalhos superficiais – o que permitiu àsempresas atingirem mercado de maior valor agregado uti-lizando como matéria-prima painéis reconstituídos. Ou-tra indústria relevante são os fornecedores de acessóriose ferragens, pois as soluções proporcionadas por essesmateriais conferem maior praticidade na utilização dosmóveis pelo consumidor final – o que provocou impactona inserção dos produtores em alguns nichos de mercado.

Já no caso das inovações oriundas da indústria demáquinas, podem ser verificadas importantes modificaçõesna configuração do processo produtivo, que permitiramque essas indústrias incorressem em ganhos significativosde produtividade. Alguns exemplos podem ser destacados.

Na indústria têxtil-vestuário, equipamentos como osfilatórios open-end e os teares sem lançadeira permitiramum expressivo aumento da velocidade das máquinas, comganhos expressivos de produtividade. No caso dos tearessem lançadeira, foi bastante expressiva a extensão damudança, já que a tecelagem deixou de ser intensiva emmão-de-obra, com o incremento expressivo da relaçãocapital-trabalho.

Na indústria de calçados – a despeito da estabilidadedo processo produtivo principal, que permanece bastanteintensivo em trabalho – houve algumas mudanças impor-tantes em algumas dessas etapas, mesmo que de caráterincremental. Essas alterações ocorreram especialmente naautomatização de etapas da montagem do calçado. Outramodificação importante, embora da baixa difusão, foi aintrodução de processos de corte a laser, que representa-ram importante incremento de produtividade e economia,com a redução do descarte de matéria-prima.

Na indústria de revestimentos cerâmicos, destaca-se aampla difusão de fornos a rolo que permitem a redução

tanto do tempo de queima quanto do consumo de com-bustível. Além disso, eles são capazes de atingir mais ra-pidamente as elevadas temperaturas requeridas no processode queima.

Por fim, na indústria de móveis, nota-se a introduçãode equipamentos de corte e centros de usinagem com co-mando numérico que conferem elevada precisão eincrementam a produtividade nessas operações. Além dis-so, a adoção de linhas de pintura automatizadas UV têm oefeito de melhorar sobremaneira a qualidade do acaba-mento dos móveis, proporcionando uniformidade nas co-res e aumento de produtividade, devido ao menor temponecessário para a cura. Destaca-se ainda a difusão dosotimizadores de corte de madeira maciça, que identificamimperfeições (como nós) e realizam o corte com mínimodesperdício da matéria-prima.

Os principais países fornecedores de máquinas e equi-pamentos para esses setores são Itália e Alemanha que,além de produtores de bens de capital, são grandes fabri-cantes e consumidores mundiais de móveis, têxteis, ves-tuário e revestimentos cerâmicos, evidenciando assim quea estreita cooperação entre as indústrias usuárias e as pro-dutoras é elemento importante no fomento de contínuasinovações tecnológicas. No caso do Brasil, no entanto, aprodução de equipamentos é praticamente inexistente.

Na década de 90, a forte reestruturação pela qual essessetores passaram ensejou uma profunda renovação doparque industrial. O caso da indústria têxtil é exemplar,nesse sentido. Porém, o caráter dessa renovação ocorreupor meio da abertura do mercado para as importações demáquinas e equipamentos, o que proporcionou prejuízosimportantes para a indústria nacional de bens de capital, epara a capacidade inovativa da indústria, já que as inova-ções são fortemente vinculadas às interações usuário-pro-dutor.

De todo modo, é possível notar que as inovações ocor-ridas nessas indústrias normalmente não possuem caráterdisruptivo. A heterogeneidade do padrão de concorrênciaverificada nesses setores permite a coexistência de em-presas de portes diferenciados e que se utilizam detecnologias díspares. A introdução das máquinas de cortea laser na indústria de calçados não obrigou as empresasa abandonarem suas máquinas tradicionais de corte, oschamados “balancins”. Processos semelhantes ocorreramcom o advento da microfibra, na indústria têxtil; com omaquinário CNC (Comando Numérico Computadorizado)e linhas de pintura, na indústria de móveis; e o apareci-mento do porcelanato, na indústria cerâmica.

65

ESFORÇOS INOVATIVOS DE EMPRESAS NO BRASIL: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005

Todavia, não foi isso que ocorreu com a adoção dosteares sem lançadeira na indústria têxtil, cujos expressi-vos ganhos de produtividade e de redução de custos pra-ticamente fizeram desaparecer as antigas máquinas auto-máticas de tecidos.

Outra característica amplamente verificada nas estra-tégias das firmas maiores é o expressivo gasto em publi-cidade e propaganda – característica típica de empresasprodutoras de bens de consumo. Normalmente, esses gas-tos superam amplamente os recursos destinados à área dedesenvolvimento de produto.6 Isso decorre da importân-cia dos ativos comerciais – especialmente a marca e oscanais de comercialização – no padrão competitivo dosetor, pois são eles que sustentam a apropriabilidade dosesforços de desenvolvimento de produto das empresas.

Muitas vezes, a renovação freqüente das linhas deproduto é um fato que vem vinculado a esse fenômeno.Essas estratégias das empresas, que se tornaram viáveisapós a adoção e a difusão de equipamentos microele-trônicos e de sistemas do tipo CAD (Computer AidedDesign), resultou em uma expressiva redução do tempode vida média dos produtos, obrigando os produtores aadotar formas mais flexíveis de organização da produção.Assim, a troca freqüente das linhas de produtos dasempresas tornou-se um imperativo da concorrência, mesmoquando as modificações impostas aos produtos são bastantesuperficiais.

Na indústria de calçados, por exemplo, as empresaslíderes fazem normalmente dois lançamentos anuais (in-verno e verão), quando reformulam quase que completa-mente suas linhas de produtos. Entre os lançamentos prin-cipais, as empresas fazem pequenas modificações – aschamadas “correções” de linha – o que resulta em um gran-de número de novos modelos lançados a cada ano.7 Doponto de vista dos processos de produção, as empresasprecisam ser capazes de ajustar-se muito rapidamente aessas mudanças.

Já nas indústrias de móveis e cerâmica, as mudançasnão são tão rápidas, porém todo ano as linhas de produtossão reavaliadas e há sempre lançamentos de produtos. Paraas empresas que atendem o mercado doméstico e possueminserção comercial mais autônoma, estas modificações sãoessenciais, e há sempre um grande lançamento anual. Jáas empresas que exportam parte significativa da produ-ção, especialmente entre as empresas fabricantes de mó-veis, as modificações ocorrem de acordo com as exigên-cias dos compradores, portanto, não há período recorrentepara as modificações, já que dependem das demandas que

são feitas às empresas. Mesmo assim, as empresas bus-cam desenvolver capacidade para lidar com amplas e fre-qüentes modificações nas linhas de produtos.

ESFORÇOS EMPRESARIAIS DE INOVAÇÃO

O levantamento de informações, primárias e secundá-rias, que baseiam os resultados da pesquisa indica que osesforços inovativos das empresas convergem para trêsáreas principais.

Primeiro, destacam-se as iniciativas de desenvolvimentode produto e design – a forma mais importante utilizadapelas empresas para diferenciar seu produto e gerarassimetrias concorrenciais.

Segundo, há uma preocupação recorrente voltada paraa adoção de melhorias nos processos produtivos e nasformas de organização industrial – o objetivo é tornar oprocesso mais flexível e proporcionar melhor capacidadede respostas para as mudanças do mercado. Ainda nessaárea, em movimento convergente com as característicasdos setores e com a experiência internacional, pode-senotar uma aproximação com as indústrias fornecedoras demáquinas e equipamentos, de matérias-primas e de com-ponentes.

Terceiro, e por último, a preocupação com a gestão dosativos comerciais intangíveis, como marcas e canais decomercialização – o que é essencial para garantir aapropriabilidade dos esforços de desenvolvimento de pro-duto.

Para descrever esforços inovativos, este trabalho ado-ta um conceito amplo, que está de acordo com os levanta-mentos (surveys) realizados no Brasil (IBGE, 2002b) eno exterior (Manual de Oslo, OECD, 1997). Nesse senti-do, considera-se “inovação” toda e qualquer mudança re-alizada pela empresa que seja nova para ela ou para o mer-cado.8

Nesse sentido, ao incorporar novos produtos, novosatributos aos produtos existentes, novos processos, novasformas de organização de trabalho, a inovação não só pro-porciona vantagens competitivas para os produtores comotem o efeito de elevar os padrões competitivos do setor. Épreciso ter o cuidado de distinguir (e não levar em conta)inovações que, embora tenham importante efeito microeco-nômico, não são capazes de elevar os padrões concor-renciais na indústria, por terem efeitos meramente super-ficiais ou cosméticos, no fundo, muitas delas somentelesam o consumidor final, que é obrigado a pagar maiscaro por um produto que nem sempre apresenta caracte-

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 200566

RENATO GARCIA / FLÁVIA MOTTA / GABRIELA SCUR / MÁRCIO LUPATINI / JUAN RICARDO CRUZ-MOREIRA

rísticas técnicas superiores. Muitas das modificações im-postas pelas empresas em termos de moda e design têmesse caráter – ou seja, são mudanças estéticas que não re-sultam em melhoria da funcionalidade do produto.

Desenvolvimento de Produtos

Os esforços de desenvolvimento de produtos são aforma mais importante de inovação das empresas dessessetores. Todavia, nota-se que, no caso da indústriabrasileira, as empresas são muito pouco “criadoras” denovos modelos e coleções, e muito mais “imitadoras” dosmodelos lançados no mercado internacional. A maior partedas empresas apenas faz adaptações dos produtos lançadosno exterior – especialmente pela indústria italiana.9 Asempresas líderes dos setores são as pioneiras no lan-çamento desses produtos “adaptados”, no mercadobrasileiro.

Porém, em alguns segmentos de mercado destes setores,existem movimentos que apresentam esforços importantesde concepção e criação de novos produtos. No setor têxtil-vestuário, os segmentos de moda praia e de roupa íntimasão nichos que têm sido aproveitados por algumasempresas, como Rosa Chá, Cia. Marítima e DuLoren, quetêm conseguido até mesmo algum destaque no mercadointernacional. Além delas, marcas como Zoomp, M.Officer e Ellus também realizam grandes esforços decriação, ocupando posições de liderança no mercadodoméstico e com resultados importantes no mercadointernacional.

Já na indústria de calçados, destacam-se as empresasprodutoras de sandálias, como: a Grendene e sua marcaRider; e a São Paulo Alpargatas, com as Havaianas. Ob-serva-se que, por meio de seus lançamentos de produtos,elas têm atingido uma inserção diferenciada no mercado.

Outro exemplo vem da produção de calçados masculi-nos, em que as empresas procuraram incorporar elemen-tos de conforto aos seus produtos. Dois casos interessan-tes são os das empresas Opananken e Democrata. Uma épioneira no desenvolvimento de calçados de conforto pormeio do lançamento do sapato “anti-stress”; e a outra ado-tou para seus produtos o sistema de amortecimento tradi-cionalmente utilizado em tênis esportivos.

Já na indústria de móveis, destacam-se os produtosmultifuncionais que apresentam soluções para espaçospequenos. Um bom exemplo dessa tendência é o da em-presa Rudnick que lançou, há alguns anos, um rack queapresentava um design diferenciado. Como combinava

madeira e metal e possuía mobilidade de rotação, era ca-paz de acomodar qualquer tipo de aparelho eletrônico,assim, tanto podia ser utilizado em uma sala de estar quantoem um escritório.

De qualquer forma, vale notar que a maioria das em-presas dessas indústrias atua como “imitadora” dos mode-los criados no mercado externo. É muito comum inferirque a área genericamente chamada nas empresas de “desen-volvimento de produto” é, na verdade, apenas uma etapaanterior à fabricação – e não necessariamente um estúdiode criação de novos modelos e designs. Normalmente, essaárea tem a função de conferir manufaturabilidade aosprodutos desenvolvidos exogenamente, muitas vezes comofruto de modelos requeridos pelo comprador ou fotogra-fados em feiras ou viagens internacionais.

Nesse sentido, essa área exerce o papel de transformaros produtos que – a partir das especificações produtivasadequadas – serão fabricados em processos de produçãoe com custos compatíveis com o preço que será praticadono mercado. Se por um lado há falta de capacitações maisexpressivas em criação e desenvolvimento de produto,percebe-se a existência de habilidades importantes nestaárea. Em diversas empresas que atuam no mercado exter-no, pode-se verificar que a inserção internacional estáassociada à capacidade de fabricação de produtos seme-lhantes aos lançados no mercado internacional, porém comcustos bem mais reduzidos.

Nas empresas de calçados, essa atividade de manufa-turabilidade é realizada pela modelagem técnica. Na in-dústria de móveis, verifica-se a figura dos prototipistas,que são marceneiros encarregados da construção do pro-tótipo do produto, que é realizado com o objetivo de con-ceber a forma com que as diversas partes serão produzi-das e montadas no processo produtivo.10

Já as empresas líderes do setor de cerâmica são capa-zes de imitar rapidamente os lançamentos internacionaisatravés de parceira com as empresas de colorifícios, querealizam o detalhamento do projeto de acabamento dosprodutos por meio da preparação de esmaltes especiais etelas de serigrafia. Essa estratégia possibilita a introdu-ção rápida das novas tendências estéticas internacionais,que são vendidas principalmente no mercado domésticoe, em seguida, são imitadas pelas outras empresas.

A elevada capacidade de conferir manufaturabilidadeaos produtos é uma vantagem competitiva importante daindústria brasileira, já que grande parte das empresas queatua no mercado externo o faz por conta de sua elevadacapacitação produtiva. Mesmo quando a inserção inter-

67

ESFORÇOS INOVATIVOS DE EMPRESAS NO BRASIL: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005

nacional acontece por meio de cadeias globais, as empre-sas têm mostrado que são capazes de tornar rapidamentemanufaturáveis os projetos encomendados pelos compra-dores globais, com baixo custo e com níveis de qualidadecompatível com as exigências.

Processo Produtivo e Organização Industrial

Além dos esforços de desenvolvimento de produto,devem ser ressaltados, como elementos importantes dasestratégias inovativas das empresas, a adoção e a buscade melhorias nos processos produtivos e nas formas deorganização industrial.

O movimento que se percebe mais claramente em to-dos os setores aqui tratados é o da busca de ganhos naflexibilização dos processos de produção. Em geral, asempresas têm implantado formas mais flexíveis de gestãode produção, mesmo que por meio de uma utilização maisintensa de tarefas subcontratadas.

Na indústria têxtil-vestuário e de moda, as empresastêm procurado intensificar o processo de especializaçãoprodutiva por meio da concentração de suas atividades emuma determinada etapa do processo produtivo ou em umacerta função corporativa – seja produção ou comer-cialização. Essa especialização envolve normalmente aconstrução de uma rede de fornecedores especializadosque seja capaz de atender com rapidez as mudanças fre-qüentes da demanda para, desse modo, permitir uma res-posta mais rápida das empresas aos desafios do mercado.As empresas com alto conteúdo de moda estão se dedi-cando cada vez menos à manufatura, preferindo concen-trar-se no gerenciamento da marca e da rede de fornece-dores. Já quando se trata de empresas que produzemprodutos mais padronizados (commoditizados), a princi-pal competência é a produção e os processos de desen-volvimento de produto são comprados de terceiros, mes-mo que incorporem conceitos de moda aos produtosbásicos. Além disso, essas empresas também subcontratamalgumas etapas produtivas como a costura, que é maisintensiva em trabalho.

As indústrias cerâmica e de móveis, no geral, optampor manter internamente os processos de manufatura.Mesmo as empresas que também atuam no elo de distri-buição/comercialização não o fazem externalizando a pro-dução, pois realizam a integração vertical a jusante. Naindústria de móveis, aquelas empresas que atuam por meioda customização em massa de seus produtos – e que, por-tanto, necessitam de maior flexibilidade – detêm o pro-

cesso produtivo e quase não se utilizam de terceiros. Já asempresas que trabalham com madeira maciça e estão vol-tadas para o mercado externo utilizam mais a subcon-tratação, pois as etapas do processo de produção de mó-veis de madeira maciça tendem a ser mais intensivas emmão-de-obra.

Já a indústria de calçados apresenta uma forma de or-ganização intermediária. Algumas empresas externalizamtotalmente o processo de manufatura, concentrando-se nagestão de seus ativos intangíveis – como: marca, comer-cialização e desenvolvimento de produtos. Mas esse nãoé o caso geral, pois a maioria das empresas mantém ex-pressivas unidades de produção, que são responsáveispela fabricação dos produtos, mesmo que as etapas maisintensivas em trabalho do processo produtivo, especial-mente relacionados com a costura dos calçados, sejamcontratadas junto a terceiros.

Os esforços em relação à melhoria do processo produ-tivo são bastante diversos, porém é evidente a busca porelevação da flexibilidade.

Na indústria têxtil-vestuário, desde meados da décadade 90 as empresas têm procurado incorporar novos equi-pamentos, mais automatizados, aos seus processos demanufatura – o que tem tido o efeito de elevar significati-vamente a produtividade, até por meio da eliminação dealgumas etapas do processo de produção.

Na indústria de móveis, as empresas também passarampor um processo de atualização tecnológica na década de90 – o que foi essencial para conferir à indústria maiorvelocidade, precisão, qualidade, flexibilidade e menorescustos. A organização do processo produtivo tem sidooutro alvo de atualização das empresas que estão criandometas específicas de adoção de “manufatura enxuta” paradiminuir desperdícios e aumentar a eficiência dos proces-sos. Além disso, as empresas que fabricam móveis modu-lares e detêm canais próprios de comercialização estãoinvestindo em sistemas de informação para tornar ágil acomunicação entre varejo e indústria.

Utilizando o know-how de uma empresa de tecnologiade informação, a SCA Indústria de Móveis Ltda. desen-volveu um aplicativo que cria um projeto personalizado,com perspectiva em 3D, para cada cliente da loja. Comoo aplicativo é interligado ao sistema da fábrica, as infor-mações dos pedidos das lojas disparam o processo pro-dutivo.

Já as empresas de móveis que atuam com mercado ex-terno estão começando a explorar o nicho de móveis mon-tados. A Artefama, por exemplo, adota linha de monta-

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 200568

RENATO GARCIA / FLÁVIA MOTTA / GABRIELA SCUR / MÁRCIO LUPATINI / JUAN RICARDO CRUZ-MOREIRA

gem com monovias aéreas e terrestres constituídas porsistema de correias de transporte, onde as peças dos mó-veis são movimentadas enquanto ocorrem os processos depintura, lustração e montagem final. Isso confere maiorvelocidade para o processo produtivo e melhora a padro-nização do acabamento dos móveis.

Na indústria de calçados, a busca pela flexibilidade nosprocessos produtivos tem feito com que as empresas pas-sem a adotar, cada vez mais, a organização por meio de“células de produção” – especialmente na etapa da costu-ra. Isso permite à empresa modificar mais rapidamente asua linha de produção, adequando o processo à necessi-dade de fabricação de uma maior quantidade de modelos.

Porém uma questão que surge em relação a estes seto-res analisados, e que é de extrema importância para amelhoria do padrão competitivo destes mercados, é a datecnologia industrial básica – TIB, pois ela compreendeum conjunto de funções tecnológicas que englobammetrologia, normatização, regulamentação técnica e ava-liação da conformidade – que são exigências básicas dealguns mercados. A função da TIB é criar um padrão mí-nimo de exigência para que os produtos possam ser acei-tos no mercado. No entanto, para que as empresas consi-gam atender a essas barreiras técnicas, é essencial que opaís tenha uma rede de serviços tecnológicos já estruturada,para dar suporte à indústria.

As empresas que atuam no mercado externo – princi-palmente nos Estados Unidos e na Europa – são obriga-das a atender a várias normas e certificados, pois é dessamaneira que esses compradores qualificam seus fornece-dores internacionais. Já no caso brasileiro, não há maio-res exigências em termos de TIB – o que interfere no pa-drão de qualidade e no desempenho dos produtosdestinados ao mercado doméstico. Em geral, o produtodestinado ao mercado interno apresenta padrões de quali-dade e desempenho bastante inferior ao exigido em mer-cados mais competitivos, trazendo prejuízos ao consumi-dor e dificultando a inserção dos produtos nacionais nomercado internacional.

No caso dos móveis, existem algumas normas vigen-tes, para berços, cozinhas e escritório (e outras que estãoem fase de elaboração), porém a adoção pelas empresasdepende de esforço institucional conjunto que ainda nãofoi construído. Outra questão importante é da certificaçãode procedência e manejo da madeira utilizada. Embora acertificação seja de responsabilidade dos madeireiros, essaquestão exerce impactos diretos sobre a indústria e poderepresentar um gargalo importante para a inserção inter-

nacional das empresas, uma vez que diversos comprado-res internacionais já exigem tal certificação.

No setor cerâmico também existe um conjunto de nor-mas e certificação de produtos, e quase todas empresasque atuam no mercado mundial está certificada de acordocom as normas técnicas internacionalmente reconhecidas.Entretanto, dados da Associação Nacional dos Fabricantesde Cerâmica para Revestimento (Anfacer) mostram queapesar de apenas 53,5% da produção brasileira sercertificada, 80% estão em conformidade com as normasinternacionais de produto e com os seus sistemas dequalidade.

Já as indústrias têxtil-vestuário e moda, assim como naindústria de calçados, não há normatização efetiva, àexceção das regulamentações sobre matérias-primas ecomposição no produto final. Um elemento importante,muito embora ainda seja bastante incipiente, é a difusãocrescente de “códigos de conduta” que incorporam questõesde responsabilidade social, de gênero e sobre o uso de mão-de-obra infantil e escrava. Porém, esses códigos ainda sãopouco utilizados e ficam restritos aos produtores quedestinam seus produtos ao mercado internacional e que sãoauditados periodicamente por seus compradores.

Gestão dos Intangíveis (marca, canais)

Nestes setores, verifica-se que é grande a importânciados intangíveis – como marca, design, canal de distribui-ção, entre outros – pois os detentores de tais competên-cias definem a coordenação dessas cadeias produtivas. Istoporque, diferentemente de outros setores, os resultados dosesforços inovativos não são defendidos por patentes mun-diais. A proteção contra cópias, fraudes, imitações é mí-nima, de modo que o regime de apropriabilidade é defini-do pela velocidade dos lançamentos das empresas-líderes.Nesse sentido, as interações com os fornecedores deinsumos e componentes são fundamentais para tornar ociclo de lançamento de inovações mais curto, assim comoo domínio dos canais de fornecimento e de comercializaçãoe o poder de fidelização das marcas.

No setor de cerâmica, uma vez atingidos os padrões enormas técnicas quanto a durabilidade, resistência e au-sência de impurezas (limpabilidade), os produtos poucose diferem entre si. Dessa forma, a estratégia das empre-sas do setor é reforçar a marca e os canais de distribuição,por isso, diversas empresas estão investindo em show-rooms e em serviços de pós-venda, como assistência téc-nica e assentamento.

69

ESFORÇOS INOVATIVOS DE EMPRESAS NO BRASIL: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005

Na indústria de móveis, as empresas que integraramverticalmente a jusante, conseguem maior apropriação devalor – conseqüentemente, investir em marca e marketingsão estratégias essenciais. A primeira empresa a adotarum sistema de franquias para atuar na comercialização foia Florense – e essa experiência foi imitada por diversasconcorrentes.

Já nas indústrias têxtil-vestuário e de calçados, pode-se notar expressivo encurtamento dos ciclos de vida dosprodutos. A exemplo da experiência internacional, a prin-cipal forma de apropriabilidade dos esforços inovativosocorre por meio do lançamento mais freqüente de novosprodutos – o que não dificulta, mas reduz os ganhos dosimitadores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise das indústrias têxtil-vestuário, de calçados,de móveis e cerâmica para revestimento revela que, em-bora a inovação nesses setores seja dependente de esfor-ços exógenos de desenvolvimento tecnológico, as empre-sas realizam esforços inovativos importantes. Isso significaque, dentro dessa trajetória, as empresas procuram explo-rar formas de desenvolvimento de produto e de modifica-ções de processo que lhes garantam a posse, mesmo quetemporária, de vantagens concorrenciais relevantes – ape-sar de a trajetória tecnológica desses setores seja deter-minada exogenamente por meio das dinâmicas inovativasdas indústrias química e de bens de capital.

Normalmente, os esforços inovativos das empresasestão relacionados com a sua forma de inserção no mer-cado. Aquelas que atuam em segmentos de maior valoragregado são as que empreendem esforços mais expres-sivos de desenvolvimento de produto, ainda que não sejapor meio da criação de modelos e linhas próprias. Alémdisso, realizam gastos relevantes na gestão dos seus ati-vos comerciais, por meio de investimento em publicida-de e da manutenção de canais próprios de comer-cialização. No que tange à manufatura, por seu turno, asfirmas precisam garantir elevada flexibilidade, já quesuas linhas de produto são modificadas rapidamente.

Já as empresas que atuam em mercados de produtosmais commoditizados, não se verificam esforços maisexpressivos de gestão dos ativos intangíveis – como:marca, canais de comercialização e desenvolvimento deproduto. Entretanto, verificam-se elevados índices de capa-citação na tarefa de conferir manufaturabilidade aosprodutos que serão fabricados, por meio de ganhos expres-

sivos de produtividade e com níveis de custo relativamentebaixo – o que credencia essas empresas a atuarem nomercado externo.

O último elemento a ser destacado diz respeito aos pro-blemas relacionados com a TIB. A ausência de organis-mos mais atuantes de certificação e controle da qualidadeprejudica e desestimula a adoção de padrões superioresde desempenho e de qualidade, com prejuízos expressi-vos – principalmente para o consumidor.

NOTAS

1. O projeto Diretório da Pesquisa Privada/Observatório de Estraté-gias para a Inovação (DPP/OEI) tem apoio da Finep – Financiadora deEstudos e Projetos, é coordenado pelo Prof. Dr. João Furtado e envol-ve um amplo esforço de pesquisa, de diversas universidades brasilei-ras, de levantamento de informações secundárias e primárias sobre asestratégias inovativas na indústria brasileira. Os resultados ora apre-sentados são uma compilação de resultados de cinco desses estudossetoriais.

2. Estas características dessas indústrias já foram tratadas por outrosautores que trabalharam com essa problemática; ver Ferraz et al. (1997).

3. Observa-se, no entanto, que no caso brasileiro, em geral, as empre-sas pouco se utilizam desses serviços.

4. A expressão “função corporativa” está relacionada a um conjuntoespecializado de atividades intrínsecas às empresas, a saber: produ-ção, compra, venda, captação de recursos, desenvolvimento de ativi-dades tecnológicas, promoção mercadológica e comercial, qualifica-ção dos recursos humanos. De forma genérica, definem-se as quatroprincipais funções corporativas da empresa como sendo: manufatura,comercial, tecnológica e finanças (FURTADO, 2003).

5. O esmalte de fritas é um composto vítreo, insolúvel em água, obtidopor fusão e posterior resfriamento brusco de misturas controladas dematérias-primas, sendo empregado no revestimento de produtoscerâmicos.

6. Deve-se apontar que esses dados são de difícil recuperação nas en-trevistas nas empresas, já que muitas vezes o entrevistado se recusa afornecer essa informação. De todo modo, estimativas de profissionaisligados à indústria de calçados apontam que os gastos com publicida-de das empresas líderes superam em quatro a cinco vezes os investi-mentos em desenvolvimento de produto.

7. Uma das empresas líderes no mercado de calçados femininos noBrasil declarou que seus produtos permanecem normalmente 60 diasna linha de produção.

8. No caso brasileiro, vale mencionar uma distinção adicional entrenovo para o mercado mundial e novo para o mercado doméstico.

9. É interessante notar que, no caso das cinco indústrias analisadasneste trabalho (têxtil-vestuário, calçados, móveis e cerâmica para re-vestimento), a principal referência para o desenvolvimento de produtoé a indústria italiana.

10. Em algumas empresas de móveis, esta atividade é realizada comutilização de CAD/CAM, mas a maioria, principalmente as que utili-zam madeira maciça voltada para exportação, constrói o protótipo fí-sico que é enviado para o comprador.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 200570

RENATO GARCIA / FLÁVIA MOTTA / GABRIELA SCUR / MÁRCIO LUPATINI / JUAN RICARDO CRUZ-MOREIRA

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DOSI, G. Sources, procedures and microeconomic effects ofinnovation. Journal of Economic Literature, v. 27, 1988.

FERRAZ, J. C.; KUPFER, D.; HAGUENAUER, L. Made in Brasil:desafios competitivos para a indústria. Rio de Janeiro: Campus,1997.

FURTADO, J. (Org.). Globalização das cadeias produtivas noBrasil. São Carlos: Ed. UFSCar, 2003.

GEREFFI, G. The organization of buyer-driven global commoditychains: how U.S. retailers shape overseas production networks. In:GEREFFI, G.; KORNZENIEWICZ, M. (Ed.). Commodity Chainsand Global Capitalism. Wesport: Praeger, 1994.

HUMPHREY, J., SCHMITZ, H. How does insertion in global valuechains affect upgrading in industrial clusters? IDS, Brighton,Sussex, 2001. Disponível em:<http://www.ids.ac.uk/ids/global/pdfs/regstud.pdf>.

IBGE. Pesquisa Industrial Anual – Empresa 2002. Rio de Janeiro,v. 21, n. 1, 2002a.

________. Pesquisa Industrial Anual – Inovação tecnológica –Pintec 2000. Rio de Janeiro: 2002b.

MALERBA, F. Sectorial system of innovation and production.Research Policy, v. 31, 2002.

OECD. Oslo Manual: proposed guidelines for collecting andinterpreting technological innovation data. Paris: OECD, StatisticalOffice of the European Communities, 1997.

PAVITT, K. Sectoral patterns of technical change. Research Policy,v. 13, 1984.

RENATO GARCIA: Economista, Professor do Departamento de Engenhariade Produção da Escola Politécnica da USP ([email protected]).

FLÁVIA MOTTA: Engenheira de Produção, Mestre em Engenharia deProdução da EESC/USP ([email protected]).

GABRIELA SCUR: Administradora, Mestre em Administração pelo PPGA/UFRGS ([email protected]).

MÁRCIO LUPATINI: Economista, Mestre em Política Científica e Tecnológicapelo Instituto de Geociências da Unicamp ([email protected]).

JUAN RICARDO CRUZ-MOREIRA: Designer Industrial, Doutor em Engenha-ria de Produção, Pesquisador do Grupo de Estudos em Economia Indus-trial – Geein.

Artigo recebido em 22 de março de 2005.Aprovado em 12 de abril de 2005.

71

SIMPLES AGLOMERADOS OU SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005

E

Resumo: O objetivo deste estudo é compreender a influência do espaço local na formação de configu-rações produtivas inovadoras no Município de São Paulo. Para este exercício analisamos e comparamosos padrões técnicos de duas aglomerações produtivas relevantes da indústria do vestuário. A metodologiautilizada baseou-se nas informações proporcionadas pela Pesquisa da Atividade Econômica Paulista eentrevistas qualitativas com atores locais.Palavras-chave: Sistemas produtivos inovadores. Inovação. Aprendizado e indústria do vestuário.

Abstract: The objective of this research is to understand the influence of the local space for the emergenceand organization of innovative local productive systems in the City of São Paulo. For the purpose twoproductive agglomerations of the clothing industry were analyzed and compared. The empirical datacame from the survey “Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep”, as well as from interviewswith producers and institutions.Key words: Innovative Production System. Innovation. Learning. Clothing Industry.

MARIA DAS GRAÇAS BRITO

ROBERTO BERNARDES

ste estudo aborda questões relativas aos espa-ços econômicos de aprendizagem e inovação doMunicípio de São Paulo – MSP, pois entende-se

SIMPLES AGLOMERADOS OU SISTEMASPRODUTIVOS INOVADORES?

limites e possibilidades para a indústriado vestuário na metrópole paulista

que a Metrópole tenha preservado aglomerações produti-vas muito diversificadas e representativas, ainda poucoexploradas na agenda de pesquisas sobre Sistemas Pro-dutivos Inovadores Locais – SPILs. Com efeito, o papelexercido pela Região Metropolitana de São Paulo – RMSPna economia paulista e brasileira tem sido alvo de um cres-cente interesse, de onde surgiram estudos que se esforça-ram em analisar a natureza e os impactos das transforma-ções produtivas sob os mais diversos ângulos, tais comoa interiorização do desenvolvimento (CANO, 1988;NEGRI, 1994), fragmentação produtiva e re-industrializa-ção da metrópole (PACHECO, 1998), a desconcentraçãolimitada (MATTEO; TÁPIA, 2002), emergência dos espa-

ços e fluxos informacionais e a concentração dos segmen-tos intensivos em tecnologia (TINOCO, 2001), a metrópo-le de serviços produtivos e inovadores (ARAÚJO, 2001),dentre outros. Ainda assim, foram poucos os programasde pesquisa que aprofundaram a perspectiva da existên-cia de vetores produtivos avançados1 ou embrionários nasregiões metropolitanas. Suzigan et al. (2004, p. 9-11), porexemplo, indicaram que não se presenciou processo dedesconcentração das chamadas funções corporativas su-periores, uma vez que os escritórios de administração cen-tral e os departamentos de engenharia e desenvolvimentode produtos permaneceram na antiga sede ou na unidadede produção principal , mesmo quando verificou-se quedado emprego e do faturamento. Isto ocorreu à revelia do pro-cesso de desconcentração industrial pelo qual passou aRMSP, caracterizado pelo movimento de relocalização de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 71-85, abr./jun. 200572

MARIA DAS GRAÇAS BRITO / ROBERTO BERNARDES

plantas em direção ao grande entorno, interior e outrasunidades da federação como parte mais ampla de um pro-cesso de reestruturação industrial. Esse movimento expli-caria a alta concentração de ocupações tecnológicas e dasatividades de pesquisa e desenvolvimento – P&D ou daschamadas “funções corporativas inteligentes” na RMSP.Já nos estudos direcionados ao espaço do MSP, propria-mente dito, encontram-se as análises mais recentes sobreas estratégias de desenvolvimento da Área Central(COMIN et al., 2002; GARCIA; CRUZ-MOREIRA, 2004;BESSA, 2004) e o papel das redes produtivas na indústriado vestuário (KONTIC, 2002). Ainda assim, a capacidadesocioprodutiva de articulação institucional e local dos ato-res na Metrópole Paulista ainda é um tema pouco explora-do, assim como as especificidades e heterogeneidade dasaglomerações produtivas (SCOTT, 1994).

Nesse sentido, o objetivo deste estudo é compreendera influência do MSP na inovação e organização de SPILs.2

Para identificar e comparar as características dos aglo-merados produtivos no MSP, optou-se por pesquisar aindústria do vestuário – e, mais especificamente, duasaglomerações relevantes para o setor cujos padrões decompetitividade e a trajetória evolutiva das competênciasmostraram-se distintos. Foram identificadas duas aglome-rações historicamente consolidadas e relevantes para osetor. A primeira é a denominada Aglomeração da ÁreaCentral – AAC, pois a indústria do vestuário está fortementeconcentrada no distrito de Bom Retiro. Seus esforços poraprendizado e inovação buscam o desenvolvimento dedesign, investimento na marca e lançamento de novosprodutos da moda. Como essa área mantém interações maissensíveis com o mercado e instituições locais, apresentaelementos potenciais para a constituição de uma trajetóriaem direção a um sistema de produção inovador. A segundaé a denominada Aglomeração da Área Leste – AAL, poisseu núcleo produtivo está localizado nas imediações dosdistritos Brás/Pari/Belém. A metodologia adotada utilizouos dados disponibilizados pela Pesquisa da AtividadeEconômica Paulista – Paep, da Fundação Seade, assim comoinformações obtidas a partir de entrevistas qualitativas comatores locais.

Este artigo está organizado em seis partes, além da in-trodução. Na primeira parte, é descrita a metodologia, queadotou como principal fonte de informação a Paep 2001,além de um trabalho de campo que coletou entrevistasqualitativas com atores locais dos dois aglomerados estu-dados. Na segunda parte, serão analisados os indicado-res referentes à identificação dos aglomerados da indús-

tria do vestuário (aplicação de técnicas de georrefe-renciamento e quociente locacional para as grandes áreasdo MSP). Na terceira parte, são tratados os elementos his-tóricos que influenciaram as trajetórias de constituição eaprendizado desses aglomerados. A análise das perfor-mances de eficiência dos dois aglomerados é operada naquarta parte. Já no quinto tópico discute-se o processo deinovação para a indústria do vestuário, que é seguido pelaefetiva comparação entre as estratégias tecnológicas e aapropriação das chamadas funções inteligentes. Na sextaparte, serão comparados aspectos relativos aos mecanis-mos de interação, tanto os voltados para a organizaçãoprodutiva do aglomerado, quanto os que fazem interaçãocom o ambiente. Em seguida, são apontadas as principaisconclusões.

INDICADORES DE AGLOMERAÇÕES EBASE DE INFORMAÇÕES

A principal fonte de informação utilizada neste estudoé a Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep, daFundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade,do ano de 2001.3 Os dados estatísticos foram comple-mentados com informações obtidas das pesquisas quali-tativas com atores locais. Tal pesquisa foi baseada ementrevistas com cinco representantes de empresas produ-toras e instituições locais e obviamente não teve o intuitode contemplar a representatividade estatística (já obtidacom os dados da Paep). Sua contribuição foi no sentidode identificar e qualificar as informações que não são pas-síveis de captação através da Paep – como as espe-cificidades das interações locais, os eventos históricos eas instituições de apoio à atividade de cada aglomeradoestudado, dentre outros aspectos.

A representatividade estatística foi obtida junto à Paep.Pesquisa de caráter amostral radiografou a atividade eco-nômica e tecnológica priorizando os condicionantessetoriais e regionais das empresas no Estado de São Paulo– ESP nos anos de 1996 e 2001.4 A amostra da Paep é com-posta por dois estratos: o certo, formado por um censo dasempresas com mais de 30 pessoas ocupadas em 2001; e umestrato aleatório, que arrola as empresas abaixo deste limi-te. Foram pesquisadas, com a aplicação de questionário,apenas as empresas juridicamente estabelecidas que ope-raram em 2001 no Estado de São Paulo. As empresas comsede fora do Estado foram mantidas na pesquisa somentequando o conjunto das unidades produtivas paulistassomava mais de 30 pessoas ocupadas. Na indústria do

73

SIMPLES AGLOMERADOS OU SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005

MAPA 1

Concentração das Unidades Locais da

Indústria da Confecção de Artigos de Vestuário e Acessórios

Município de São Paulo – 2001

Fonte: Fundação Seade. Cadastro de Unidades Locais 2001.

Nota: Divisão da cidade segundo a Empresa de Correios e Telégrafos.

vestuário, que é o setor de interesse deste estudo, somen-te as empresas que mantinham no mínimo cinco pessoasocupadas em 31 de dezembro de 2001 foram consideradascomo pertencentes “ao âmbito”.

Esse estudo cobriu 46.225 empresas que foram dividi-das em grupos (denominados “domínios”), para os quaiscalculou-se erro relativo e coeficiente de confiança com-patíveis com esse tipo de pesquisa. Mas dadas as carac-terísticas de cada setor e região, é possível calcular esti-mativas alternativas ao desenho da pesquisa, desde quesejam respeitadas as regras de sigilo das informações econtrole do erro amostral.5 A indústria do vestuário foiescolhida por ter sido apontada como o maior empregadorindustrial do MSP, pois mantinha uma concentração su-perior a 50% do setor no Estado e caracterizava-se aindacomo uma das atividades mais relevantes para a dinâmicasocioeconômica do MSP.

Assim, o passo inicial foi identificar e selecionar os prin-cipais aglomerados produtivos da indústria do vestuáriodo MSP. Contudo, verificou-se que, devido ao aden-samento econômico da metrópole, as vocações produtivasficavam camufladas em meio à diversidade da estruturaprodutiva regional, dando a impressão de que a dinâmicaeconômica do setor seria resultado de um grande númerode empresas dispersas. Para contornar tal problema, foiutilizado um recorte geográfico mais desagregado, quedivide os limites do MSP em cinco grandes áreas – Norte,Sul, Leste, Oeste e Centro (regionalização utilizada pelosCorreios6 ) – e, a partir daí, foi feito o registro de localiza-ção das unidades industriais. Tal escolha metodológicateve como objetivo identificar as concentrações produti-vas mais relevantes, tendo em vista o respeito aos limitesamostrais. Por isso, optou-se por trabalhar com grandesáreas como proxy das aglomerações, em detrimento deoutras regionalizações espaciais mais detalhadas, como asde distritos ou subprefeituras.

Os dados das unidades do cadastro Cempre foram lo-calizados geograficamente no Mapa 1, elaborado a partirde georreferenciamento, onde foi possível visualizar osefeitos de aglomeração (clustering). Para denotar a impor-tância local dos aglomerados e dar prosseguimento aosexercícios analíticos de caracterização, foi aplicado o Quo-ciente Locacional (QL), indicador já consagrado na bi-bliografia como medida de concentração econômica(HADDAD, 1989, SUZIGAN et al., 2002),7 para o total depessoas ocupadas (PO) e de valor adicionado (VA), daPaep, para as unidades produtivas do setor do vestuário –evitando, dessa forma, supervalorizar a identificação ba-

seada no produto ou no emprego. Após a identificação,seguiu-se um esforço para caracterizar e comparar as es-tratégias tecnológicas do processo de aprendizado e ino-vação dos aglomerados identificados. Para tanto, foi pre-ciso dimensionar a influência dos eventos históricos deconstituição e performance da produtividade, assim comoas possibilidades de acumulação de conhecimento, os me-canismos de aprendizado e a intensidade da interação lo-cal.

IDENTIFICANDO AGLOMERAÇÕES DAINDÚSTRIA DO VESTUÁRIO NO MUNICÍPIODE SÃO PAULO

Para conferir a existência de aglomerações industriaisno MSP, utilizou-se o recurso do georreferenciamento paraas informações de unidades locais – ULs. Através da

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 71-85, abr./jun. 200574

MARIA DAS GRAÇAS BRITO / ROBERTO BERNARDES

visualização cartográfica proporcionada pelo Mapa 1 épossível identificar com bastante nitidez que a indústriado vestuário está disseminada por quase toda a extensãodo MSP. Contudo, as evidências de manchas de aglome-ração, como podem ser observadas, são mais apropriadasàs condições oferecidas pela Área Central e pela ÁreaLeste. Por meio da visualização cartográfica das informa-ções sobre ULs da Paep 2001, observa-se que essas áreasapresentam manchas de aglomeração de empresas bemdelineadas. Nota-se que, mesmo com aplicação do zoom(imagem destacada à direita do Mapa 1), as aglomeraçõescontinuam densas. Porém, é importante deixar claro que asevidências das duas aglomerações não respondem aquestões relativas ao peso econômico dessas aglome-rações na indústria do vestuário paulista.

Para denotar a importância do aglomerado para as loca-lidades, foi aplicado o quociente locacional (QL) como índi-ce de concentração econômica destas atividades (Tabela 1).Por meio desse indicador, foi possível dizer que as aglome-rações mapeadas a partir das ferramentas de georreferen-ciamento demonstram a importância relativa da Área Cen-tral e da Área Leste, já que em ambas o QL é maior que doispara pessoas ocupadas – PO e maior que três para o valoradicionado – VA. Isso demonstra que, além de haver con-centração elevada na indústria do vestuário nas referidasáreas, há também consistência e relevância econômica des-se setor nessas localidades (Tabela 1) – e isso ocorre tantoquando se considera a variável de PO quanto a de VA. Res-salta-se que a Área Oeste também demonstrou alta concen-tração na indústria do vestuário, com QL superior a 1; po-rém, como pode ser observado no Mapa 1, nessa área nãoforam verificados efeitos de aglomeração de maior densida-de, tal como os presenciados na Área Central e na Área Leste– por isso, ela foi descartada da análise.

A secção dos limites do MSP em grandes áreas produ-tivas proporcionou maior visibilidade aos aglomerados daindústria do vestuário, possibilitando uma percepção maisadequada sobre a importância que as atividades produti-vas e econômicas dessas localidades ocupam no MSP.Destaca-se ainda que os resultados expressivos do QLtambém indicam que é possível avaliar os aglomerados daindústria do vestuário das Áreas Leste e Central do MSPenquanto “um conjunto específico de atividades econô-micas que apresentam vínculos mesmo que incipientes”(CASSIOLATO; LASTRES, 2003). Portanto, eles têm po-tencial para se enquadrarem como SPILs organizados, mas,para tanto, a identificação dos aglomerados não é sufi-ciente – fato que remete à avaliação das características es-truturais e de dinamismo do comportamento inovador.

TRAJETÓRIAS CONSTITUTIVAS E ELEMENTOSESTRUTURAIS DO APRENDIZADO LOCAL

O aglomerado da indústria do vestuário da ÁreaCentral – AAC do MSP é fortemente concentrado nodistrito do Bom Retiro, sendo que seu processo de consti-tuição está relacionado aos chamados eventos fortuitos(SCOTT, 1998) e esteve associado aos movimentos deatração dos fluxos migratórios da colônia judaica para essalocalidade até o fim dos anos 70. A partir dos anos 80,presencia-se nessa localidade a entrada de novos imigrantesque se inserem na produção do vestuário, especialmenteos coreanos, os quais rapidamente passaram a dominar asatividades produtivas. É nesse período que se inicia um ciclode revitalização das estratégias competitivas do vestuáriolocal. Nas entrevistas realizadas, os empresários locaisdestacaram o ímpeto competitivo da colônia coreana,classificando-o como o dínamo vital para a o ressurgimentoda indústria do vestuário naquela região. A participaçãoeconômica produtiva desse aglomerado, inicialmentedirecionada para a produção artesanal de baixa escala,atualmente está voltada para o segmento do chamado prêt-à-porter, produto que combina a estratégia de desenvol-vimento incremental de design com a produção em escala.8

O núcleo da aglomeração produtiva da Área Leste –AAL está localizado nas imediações do Brás/Pari/Belém.Os imigrantes italianos formaram a primeira colônia a ins-talar-se nessa área onde já se encontravam algumas fábri-cas têxteis. Os fatores que explicam o surgimento e a ex-pansão desse aglomerado ali, estão historicamenteassociados à facilidade de obtenção de insumos, às pou-cas barreiras de entrada no mercado, à baixa capacidade

TABELA 1

Quociente Locacional por Valor Adicionado e Pessoal Ocupado do

Vestuário, segundo Áreas Selecionadas

Município de São Paulo – 2001

Áreas Selecionadas QL Valor Adicionado QL Pessoal Ocupado

Município de São Paulo 3,47300 2,1679

Área Central 3,55932 3,43059

Área Leste 5,17883 2,86763

Área Oeste 1,17888 1,17168

Área Sul 0,95173 0,86678

Área Norte (1) (1)

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elabo-

ração dos autores.

(1) Dado não disponível.

75

SIMPLES AGLOMERADOS OU SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005

de investimentos e de concentração capital necessária paraa abertura de uma nova unidade de produção do vestuá-rio. Além disso, como destaca Kontic (2002), o Brás tam-bém recebeu os fluxos migratórios do nordeste brasileiro,embora, a partir da década de 80, essa área também tenhaabsorvido coreanos, assim como imigrantes andinos. Osmigrantes nordestinos, como aponta Kontic (2002)

passaram de representantes comerciais a produtores de

produtos mais baratos em grande escala. Nesse sentido, foram

capazes de beneficiar-se do parque industrial existente e do

conhecimento acumulado do perfil da demanda local, além de

utilizar uma estratégia de crédito bastante eficiente, baseada

na confiança nos compradores, que outros grupos paulistas e

catarinenses não ousaram estabelecer. Com o crescimento do

comércio atacadista no centro da cidade, foram deslocando

suas oficinas para a Zona Leste e Guarulhos.

Tradicionalmente, os produtos fabricados na Área Lestesempre tiveram características simples, destinadas ao públicode mais baixa renda, sendo suas vantagens competitivasdecorrentes do fator preço. Conseqüentemente, condicio-nado por fatores sociais e econômicos, esse aglomeradodemonstrou ter uma vocação produtiva para a participaçãoeconômica em artigos de “modinha” que, embora tenhamalgum tipo de preocupação com o design, normalmente sãoresultados de réplicas, não requerendo maiores esforços deinovação ou de diferenciação de produtos.

Em grandes linhas, percebe-se que a diversidade do“capital sociocultural”9 é um elemento comum aos doisaglomerados, mas observa-se que a formação de cada umfoi influenciada por eventos históricos e econômicos es-truturalmente distintos. No AAC observa-se, inicialmen-te, o processo de revitalização gerado pelo ímpeto inova-dor da colônia coreana. Já no AAL, a presença das grandesindústrias têxteis e a de um grande contingente de traba-lhadores semiqualificados parece ter viabilizado a indús-tria do vestuário nessa localidade. Mas é interessante notarque, durante a trajetória de desenvolvimento dos doisaglomerados, as características mais estruturais da produ-ção aparentemente não foram alteradas, o que ocorreu, naverdade, foi um reforço de readaptação das opções jádelineadas a partir de sua própria origem.

As pequenas empresas de vestuário, que são a base decomposição dos dois aglomerados, são, em boa parte, for-madas por trabalhadores originários das chamadas “ofici-nas” que fazem a facção do setor – ou seja, pequenasempresas que se encontram nos extremos da cadeia deprodução e realizam, normalmente, uma única fase do pro-

cesso produtivo (como a costura, bordado, arremate, etc.)que, numa trajetória quase natural, tentam progredir nosentido de alcançar outros mercados. Mas não são rarosos casos em que os novos empreendedores dão início aosnegócios de forma precária e pouco profissional, resultan-do em um comportamento errático, com poucas perspecti-vas de desenvolvimento e maturação da atividade empre-sarial.10 Tal precariedade na formação profissional enegocial dos executivos e trabalhadores de muitas dessasempresas tem implicações inexoravelmente negativas parao aprendizado tecnológico dos aglomerados. Como obser-vado na indústria do vestuário, empresas que disponhamda oferta de profissionais qualificados tendem a se bene-ficiar do conhecimento derivado do aprendizado interativo,tácito e cumulativo, que são adquiridos nas relações e prá-ticas rotineiras e de intercâmbio de informações interfirmas(STORPER; SALAIS, 1997). Assim, a apropriação dos ati-vos decorrentes da dimensão intertemporal num ambientemetropolitano, viveiro de novos conhecimentos, mercadose negócios diferenciados, torna-se fundamental para acompetitividade dos aglomerados – mas, como será mos-trado, esse fenômeno é relativamente incomum.

Observa-se, na Tabela 2, que o AAC possui condiçõesmais apropriadas para absorção dos ativos relacionados àacumulação de conhecimento e experiência, pois até 1980cerca de 78% das unidades já se encontravam instaladasnesse aglomerado. Cabe lembrar que o período 1980-90 com-bina a entrada mais acentuada dos coreanos nas atividadesda indústria do vestuário com a abertura de mercado – e essesfenômenos tiveram influência nos dois aglomerados.

TABELA 2

Unidades Produtivas da Indústria do Vestuário na Área Central e Leste,

segundo Período de Instalação

Município de São Paulo – 1980-2001

Período deCentral Leste

Instalação% % Acumulada % % Acumulada

Até 1980 26,9 26,9 17,8 17,8

Até 1990 51,5 78,5 28,9 46,7

Até 1995 7,9 86,4 33,2 79,9

Até 2001 13,6 100,0 20,1 100,0

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elabo-

ração dos autores.

Quanto a esse assunto, a nossa percepção é a de que osegmento de vestuário do AAC tenha se demonstrado uma“janela de oportunidade” para os coreanos, antecipando

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 71-85, abr./jun. 200576

MARIA DAS GRAÇAS BRITO / ROBERTO BERNARDES

a entrada dos novos empreendedores, propiciando a adap-tação mais rápida frente aos novos padrões competitivos,além de gerar unidades produtivas aparentemente maisconsolidadas e com escalas técnicas mais eficientes. Des-taque-se que, nas entrevistas, os produtores considera-ram que, de modo paradoxal, a abertura ao mercado exter-no teve algum tipo de efeito positivo para o setor, mesmodiante do fechamento de várias empresas, pois possibili-tou o acesso aos novos insumos – o que era uma antigareivindicação dos produtores, principalmente, da colôniacoreana. Já no caso do AAL, o período de instalação ébastante distinto, pois o início de funcionamento das uni-dades locais foi mais tardio. Até 1990, menos da metadedas unidades encontravam-se instaladas, demonstrandoque esse aglomerado implementou seu processo dereestruturação em um período mais recente, impulsionadopela abertura de mercado (Tabela 2).

PERFORMANCE DA EFICIÊNCIADOS AGLOMERADOS

Naturalmente, a diferenciação nas características consti-tutivas de acumulação de competências, assim como aassimetria entre as estratégias tecnológicas e organizacionaisno AAC e no AAL provocam impacto na performancecompetitiva. Exatamente por ser uma atividade intensiva emtrabalho, o indicador de produtividade – medido pela razãoentre VA sobre PO – pode representar uma proxy razoávelda performance da eficiência dos aglomerados, já que, coma tendência crescente de valorização dos investimentos emativos intangíveis nesse setor, a produtividade também temassumido padrões cada vez mais dinâmicos.

Nesse sentido, observa-se que a produtividade do AACsugere uma organização do conjunto produtivo mais eficientequando comparado ao AAL, assim como às demais regiõesdo ESP, 20% e 60%, respectivamente. Ressalve-se que, emrelação ao total da indústria do Estado, o indicador de pro-dutividade do aglomerado central é 14% superior. Quantoao AAL, ainda que a produtividade seja inferior ao AAC,apresenta desempenho quase duas vezes superior às demaisregiões do ESP, mas abaixo da média do Estado (Tabela 3).

Tal desempenho também indica que, mesmo tendo sidoidentificadas outras aglomerações produtivas em regiõesfora da metrópole – como as localizadas em Americana11 eAmparo12 – a competitividade dessas localidades mostram-se menos dinâmicas frente às duas grandes aglomeraçõesdo MSP, formadas, basicamente, por pequenas e médiasempresas.

TABELA 3

Índice de Produtividade dos Aglomerados do Vestuário

da Área Central, Leste e Demais Regiões

Estado de São Paulo – 2001

Áreas Selecionadas Índice de Produtividade

Estado de São Paulo 100,0

Área Central 114,7

Área Leste 87,5

Demais Áreas do ESP 43,3

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elabo-

ração dos autores.

NATUREZA E DINÂMICA DA INOVAÇÃO NASATIVIDADES DA INDÚSTRIA DO VESTUÁRIO

A indústria do vestuário tem alterado suas carac-terísticas mais convencionais, como resultado da esta-bilidade do regime tecnológico e de sua complexidadeprodutiva relativamente baixa. Também tem sido crescentea adoção dos ativos da moda13 como estratégia demercado pelos principais segmentos (modinha, prêt-à-porter e alta costura) (KONTIC, 2001). A estratégiabaseada na diferenciação/fragmentação ou em moda éestruturada sobre critérios de concepção do produto,qualidade e comercialização como fatores críticos desucesso. As empresas que adotam essa estratégiacompetitiva procuram diferenciar ao máximo seus produtos,requerendo rapidez de resposta aos sinais do mercado,além de incentivar a criatividade e inovação de produto.Caracterizam-se, portanto, pela produção de itens nãopadronizados, de maior valor agregado e em quantidadeslimitadas – o que permite lucratividade elevada.

Sob a ótica das atividades tecnológicas da indústria dovestuário, as principais fontes de inovação e aprendizadosão provenientes da difusão das tecnologias de informa-ção, automação com dispositivos de corte a laser e ferra-mentas tecnológicas associadas ao design e engenharia deprojeto. Com efeito, nesse segmento, os maiores avançosocorreram no desenho e no corte, pela utilização de siste-mas CAD (computer aided design) e CAM (computer aidedmanufacturing). Entretanto, grande parte das empresas des-se segmento desenvolvem suas operações produtivas deforma não automatizada, não suprimindo as atividadesartesanais e manuais no processo produtivo baseadas ain-da na relação um operador/uma máquina (LUPATINI, 2004).

Ainda que o progresso técnico e os investimentos emativos materiais (considerando máquinas e equipamentos

77

SIMPLES AGLOMERADOS OU SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005

e melhorias incrementais das matérias-primas) permaneçamrelevantes, constata-se que os ativos imateriais (intangíveis)são cada vez mais essenciais para a sustentação das vanta-gens competitivas dessa indústria do vestuário. Os bensintangíveis estão relacionados às rotinas anteriores e pos-teriores à produção que estão mais próximas dos serviçosprodutivos, tais como o desenvolvimento de produto (ondese inclui a pesquisa indumentária e antropométrica), enge-nharia, marketing, canais de comercialização, marcas, ma-nutenção e assistência aos fornecedores, capacidade degestão e coordenação da cadeia, que são consideradas pordiversos autores como “funções corporativas inteligentes”(STURGEON, 1997; FURTADO, 2000; LUPATINI, 2004;GARCIA; CRUZ-MOREIRA, 2004). Dadas as característicasdo processo de inovação e aprendizado na indústria dovestuário, analisaremos a seguir as condições de apropria-ção e as estratégias tecnológicas dos AAC e AAL do MSP.

COMPARANDO AS ESTRATÉGIAS DEINOVAÇÃO NOS AGLOMERADOS

A Paep buscou compreender o impacto das transfor-mações tecnológicas e produtivas por vários ângulos,nos quais estão incluídas as questões relativas à intro-dução de inovação tecnológica.14 As informações sobreinovação foram captadas entre julho de 2002 e junho de2003, o que permitiu a análise de diversos segmentos daatividade econômica industrial paulista durante o perío-do 1999-01. Assim, foi possível verificar, por meio dadescrição dessas inovações, que a mensuração desse

evento está muito vinculada à inovação do processo. Ouseja, essas empresas inovam basicamente através da ab-sorção das novas tecnologias geradas por outros seto-res, incorporando tecnologias de informação e comuni-cação, novas ferramentas de engenharia de projeto eprocesso como CAD/CAM, técnicas de colorimetria,ploters, máquinas de costura eletrônica a laser, entreoutras (Quadro 1).

Com efeito, essa análise buscou caracterizar as aquisi-ções de bens tangíveis e intangíveis como proxy do esfor-ço tecnológico que se mostraram mais aptos às caracterís-ticas do setor.15 Pela análise do Gráfico 1, verifica-se que aestratégia adotada pelo AAC concentra seus esforçostecnológicos nos bens intangíveis,16 valorizando a absor-ção de tecnologia e de novos conhecimentos derivada demarcas, e também em conseqüência de desenvolvimentode produto e design próprio. No caso dos investimentosem bens corpóreos – que representam grande parcela dainovação no setor – o esforço é equivalente tanto para má-quinas e equipamentos (18%) como para os outros benstangíveis,17 que representam 20%. Já no caso do AAL, oesforço tecnológico está voltado basicamente para a mo-dernização dos bens corpóreos, especialmente máquinase equipamentos que representam mais de 80% das aquisi-ções, apresentando um padrão tecnológico dentro do es-perado para o setor. Esse esforço expressivo para a aqui-sição de máquinas e equipamentos oferece indícios quesugerem que a estratégia tecnológica do AAL está maisdirecionada para produção em escala ou para a facção, oque não necessariamente pode ser uma opção inviável se

QUADRO 1

Principais Inovações Tecnológicas de Produto e Processo Introduzidas nas Empresas do Vestuário

Município de São Paulo – 1999/2001

Inovações de Produto Inovações de Processo

• Nova confecção em tecido mais leve com • Máquina eletrônica de alta velocidade – high speed –

aplicação de tecnologia mais avançada na produção

• Nova coleção de camisas de futebol com características de • Sistema CAD e Ploter para automatização de risco e

hidrofilia, que favorece a eliminação do suor corte (Máquina com corte laser)

• Nova linha de colchas com o beneficiamento • Introdução de códigos de barras e informatização na modelagem de

do tecido. projetos (CAD)

• Malhas especiais com novos fios de poliéster • Estações Gráficas de Sistemas CAD-CAM

• Nova coleção com tecidos aperfeiçoados com novos insumos • Comércio eletrônico de camisas sob medida. Com o conceito BTO

(a cada quatro meses é renovada a coleção de acordo com as (construção sobre demanda ao varejo) EDI – Intercâmbio Eletrônico de

tendências da moda) Dados

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elaboração dos autores.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 71-85, abr./jun. 200578

MARIA DAS GRAÇAS BRITO / ROBERTO BERNARDES

22,4 27,5 50,0

82,3 8,5 9,1

18,5 20,0 61,5

44,0 19,5 36,5

0 20 40 60 80 100

Demais Áreas do ESP

Área Leste

Área Central

Máq. e Equipamentos Outros Bens Tangíveis Bens Intangíveis

Em %

Estado de São Paulo

a estratégia competitiva for baseada em produção padro-nizada ou prestadora de serviços de facção.

Ampliando a análise das estratégias tecnológicas parao Estado de São Paulo, nota-se que a repartição do investi-mento também é concentrada em máquinas e equipamentos– o que representa o maior esforço, com 44% do montanteinvestido. Seguem-se os bens intangíveis, com 36,5%(Gráfico 1). É provável que o esforço tecnológico dedicadoaos bens tangíveis nos demais municípios dos ESP estejasendo influenciado pelas empresas do vestuário da RMSP,onde estão instaladas algumas grandes companhias demoda.

A CONCENTRAÇÃO DASFUNÇÕES INTELIGENTES

Estudo elaborado por Garcia e Cruz-Moreira (2004),mostra que a RMSP tem perdido participação na produçãode artefatos de tecidos, mas ainda possui participação re-levante na dinâmica da cadeia têxtil-vestuário, uma vez queparcela significativa da produção do vestuário ainda émanufaturada na região. Além disso, o elemento mais es-tratégico observado nesse estudo é a centralização daschamadas funções inteligentes18 das empresas pertencen-tes ao segmento do vestuário no MSP. Essas novas fun-ções de inteligência estão ligadas aos ciclos de desenvol-vimento e gerenciamento de novos projetos e design19

(produto). As tarefas associam-se à elaboração das cole-ções, inserção internacional, estratégia de marketing,20

reforço da marca (projeto) e no desenvolvimento dos for-necedores do produto.21

Observa-se, na Tabela 4, que o desenvolvimento egerenciamento de um projeto é uma tarefa limitada a pou-cas empresas nos aglomerados. Mesmo assim, a absorçãodessas tarefas ocorre em proporção superior no AAC.Chama a atenção que tais tarefas são, em sua maioria, con-tratadas – o que indica que profissionais especializadosnas tendências (os consultores de moda), interagem comas empresas do aglomerado, bem ao estilo do prêt-à-porter,alinhando-se perfeitamente às estratégias do aglomeradoCentral – mas são muito pouco presenciadas no AAL. Naetapa de desenvolvimento de produto, mesclam-se as ta-refas do desenhista (ou modelista), que executam o desen-volvimento do design, com a montagem das primeiras pe-ças – chamadas “peças-piloto” –, normalmente realizadasdentro das principais firmas, internalizando o know-howenvolvido no desenvolvimento dos modelos.

As informações da Tabela 4 confirmam as expectativastanto para o AAC quanto para o AAL, já que mais de 60%das empresas internalizam o desenvolvimento do produtonesses aglomerados. A diferença fundamental, nesse caso,é que na AAC a proporção de empresas que não têmatividades de desenvolvimento de produto (13,6%), é muitoinferior que no aglomerado Leste (35,4%). Ou seja, as infor-

GRÁFICO 1

Composição do Esforço Tecnológico das Empresas da Indústria do Vestuário, por Tipo de Dispêndio

Estado de São Paulo e Áreas do Município de São Paulo – 2001

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elaboração dos autores.

79

SIMPLES AGLOMERADOS OU SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005

mações relativas às tarefas de desenvolvimento de produtoreforçam as evidências de que o AAL possui característicastecnológicas mais elementares. Assim, a concentração daschamadas “funções inteligentes” é mais apropriada para oaglomerado central, pois contribuem para a construção devantagens competitivas mais dinâmicas nessa localidade.

TAXINOMIA E DINÂMICA DASESTRATÉGIAS PRODUTIVAS

As vantagens competitivas do setor do vestuário fo-ram plasmadas pelo processo de especialização da produ-ção, que se aprofundou nas grandes metrópoles, tornan-do tais regiões uma colcha de retalhos, onde convivematividades produtivas diversificadas, complexas e hetero-gêneas. Uma das dimensões dos processos de hetero-geneidade na região metropolitana está fundamentada nafragmentação da produção do vestuário, distribuída entreas empresas subcontratadas.

Esse fenômeno, comum nas grandes metrópoles, tantotenderia a facilitar o ajustamento da produção em virtudedas flutuações de mercado e da escala dos novos produ-tos, como poderia proporcionar às empresas melhores con-dições competitivas, por meio do direcionamento de seusesforços tecnológicos para tarefas mais condizentes à suaparticipação econômica em estratégias centradas em cus-to. Proporcionaria até mesmo externalidades dinâmicas (emcasos mais raros produzindo efeitos de eficiência coleti-va) e também favoreceria processos de inovação e apren-dizado mais efetivos.

Em trabalho de campo encetado pela autora, foi possí-vel identificar a dinâmica da organização da produção,assim como a qualidade dos expedientes da subcontratação– onde a diferença fundamental verificada está na execu-ção das tarefas de produção. Simplificando, optou-se pordenominar “produtoras de moda” as firmas que externa-lizam totalmente as tarefas do processo produtivo – ou

seja, as empresas que subcontratam tarefas produtivas.Afinal, como afirmam os produtores entrevistados, prati-camente todas as empresas da moda (aquelas que têm re-lação com o mercado) contratam oficinas para realizar asetapas de produção, principalmente a tarefa “costura”.

Assim, as “empresas faccionistas”, especializadas emuma única tarefa da produção – como as oficinas de cos-tura, em sua maioria – são normalmente subcontratadaspelas produtoras de moda. Porém, identificou-se uma pro-funda heterogeneidade quanto à estrutura, organização eporte entre as empresas pertencentes ao segmento“faccionistas” (Quadro 2).

Algumas empresas contratantes, normalmente inseridasem mercados mais competitivos, exigem oficinas que se-jam formalmente estabelecidas, com CNPJ e local específi-co para a produção. Outro ponto crítico verificado diz res-peito à capacidade instalada para o atendimento da escalade produção e aos critérios de qualidade, pois, já na fasede contratação, exige-se que determinada oficina tenha umnível mínimo de máquinas e operadores qualificados. Umdos fenômenos mais observados tem sido a subcontrataçãodas tarefas de costura, que se estende a atividades quesão realizadas no próprio domicílio do trabalhador (fenô-meno conhecido como putting out). Verificou-se ainda aexistência de um pequeno subconjunto de firmas queexternalizam todas as tarefas da produção, elas operamcomo intermediárias entre distribuidores e confeccionistas,e por vezes entre confeccionistas e facções. Geralmente,essas firmas negociam preço, tempo de entrega e, em al-guns casos, até coordenam a produção.

Há ainda algumas empresas que são caracterizadas porprocessos de produção tradicional sem uma estratégiaprodutiva formalmente definida, ora produzindo facção, orapeças encomendadas ou ainda peças de baixo valor agre-gado.22 Obviamente, essa complexa gama de estratégiasprodutivas tem reflexos significativos na dinâmica de fun-cionamento dos aglomerados, além de implicações explíci-

TABELA 4

Execução de Atividades Relacionadas ao Projeto e Desenvolvimento de Produtos nas

Empresas do Vestuário do Aglomerado da Área Central e Leste

Município de São Paulo – 2001

Em porcentagem

Tarefas SelecionadasExecução de Tarefas no Centro Execução de Tarefas no Leste

Externas Internas Inexistentes Externas Internas Inexistentes

Desenvolvimento e Gerenciamento de Projetos 17,8 2,8 79,4 3,2 1,7 95,1

Desenvolvimento de Produtos 19,3 67,1 13,6 3,2 61,4 35,4

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elaboração dos autores.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 71-85, abr./jun. 200580

MARIA DAS GRAÇAS BRITO / ROBERTO BERNARDES

tas para a qualidade das interações interfirmas, como aintrodução de inovações e o fortalecimento de competên-cias, além da já citada precariedade das relações de produ-ção. As informações captadas pela Paep 2001 sobre a in-tensidade das estratégias de subcontratação de tarefasdemonstram que tais expedientes são mais praticados noAAC (40%) do que no AAL (28%), sugerindo também queas empresas do AAL apresentam configurações produti-vas mais verticalizadas (44%) do que aquelas presencia-das no AAC (21%) (Tabela 5).

Com base nos trabalhos de campo observou-se que,no aglomerado da AAC, grande parte das empresas é pro-dutora de moda, ou seja, são firmas que tendem a se es-pecializar nas funções inteligentes, com elevados padrõesde subcontratação de tarefas produtivas e serviços. Asfirmas “faccionistas” apresentam uma participação rela-tiva importante nessa localidade; e o segmento de empre-

sas intermediárias – aquelas que se dedicam unicamenteà coordenação da produção e comercialização de peçasproduzidas integralmente por outras indústrias – repre-senta uma pequena fração desse aglomerado. As empre-sas que não têm participação econômica definida, deno-minadas de “vestuário não-especializado” – aquelas quese dedicam ora à facção e ora à produção de peças paramercados que concorrem essencialmente pelo preço – re-presentam também uma parcela modesta desse aglome-rado. Segundo informações da Paep 2001, 66% das ven-das do AAC destinam-se a empresas pertencentes àcadeia produtiva têxtil-vestuário (Tabela 5). Assim, pode-se afirmar que o aglomerado da AAC tem uma estratégiaprodutiva essencialmente especializada e dinâmica, poisas firmas centram esforços em funções específicas eespecializadas, inclusive no segmento de empresas defacção.

QUADRO 2Características da Organização Produtiva da Indústria do Vestuário nas Aglomerações da Área Central e Leste

Município de São Paulo – 2001

Tipo de Empresa Tarefas Produtivas Realizadas na Empresa Tarefas Produtivas Subcontratadas

Produtora de Moda Tarefas Inteligentes: • Subcontratação parcial, essencialmente, as

• Desenvolve Projeto tarefas mais rotineiras associadas à costura

• Desenvolve Produto • Em alguns casos subcontrata atividades

• Design relacionadas ao desenvolvimento de

coleções

• Corta

• Monta Peça Piloto

• Seleciona as Peças

• Etiqueta e Embala

Faccionista Tarefas Rotineiras: • Na verdade, essas empresas são as

• Costura, ou subcontratadas

• Borda, ou • Em alguns casos subcontrata tarefas de

• Lava, ou costura realizadas em domicílio (putting out)

• Arremata, etc.

Intermediária Tarefas de Controle: • Subcontrata as tarefas de desenvolvimento

• Intermediação entre produtores e design

e distribuidores • Subcontrata tarefas associadas à costura

Vestuário Não-Especializado Tarefas Não-Especializadas • Altamente verticalizada

• Desenha • Realiza as tarefas de produção internamente

• Corta • Por vezes é subcontratada para realizar

• Monta Peça Piloto tarefas de produção

• Etiqueta e Embala

• Realiza facção

Tarefas Rotineiras

Tarefas de Controle

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elaboração dos autores.

81

SIMPLES AGLOMERADOS OU SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005

No AAL, as empresas produtoras de moda têm partici-pação mais modesta na dinâmica de funcionamento. Asfaccionistas “puras” representam uma parcela relativamen-te pequena, o que não deixa de ser surpreendente. Porém,esse dado for associado ao fato de que o produto do AALé reconhecidamente mais simples e de menor preço, alémde oferecer baixíssimas barreiras à entrada no mercado, épossível sugerir que uma parcela das oficinas faccionistasoferece parte de sua produção diretamente ao mercado.Outro dado importante levantado pela Paep 2001 indica que66% das empresas desse aglomerado vendem a maior par-te da produção para a cadeia do vestuário – o que parecedenotar sua participação econômica no fornecimento deprodutos para essa cadeia produtiva. Tal hipótese é cor-roborada pelo fato de que as firmas do vestuário tradicio-nal formam o maior conjunto desse aglomerado, com pro-porção superior à verificada no AAC.

Ressalta-se que a estratégia produtiva de baixa partici-pação econômica utilizada pelas empresas do segmentotradicional do AAL contraria a lógica da participaçãoeconômica flexível (SCOTT, 1994), aparentemente tambémnão revelando padrões superiores de competitividade etrajetórias sustentáveis de aprendizado e de esforço tecno-lógico, influenciando negativamente a dinâmica dessasempresas. Assim, a participação econômica produtiva noAAL ocorre de forma precária – o que provavelmente temimplicações diretas negativas sobre a performance daprodutividade e competitividade desse aglomerado. Compa-rando as empresas do AAC e do AAL, fica claro que oprimeiro tem um conjunto mais equilibrado, mais espe-cializado e dinâmico, delineando elementos potenciais defuncionamento mais próximos da estratégia de participaçãoeconômica flexível. Já o segundo caminha mais lentamente

TABELA 5

Informações de Subcontratação das Tarefas de Produção e Destino das

Vendas dos Aglomerados da Área Central e Leste

Município de São Paulo – 2001

Em porcentagem

Padrões de Externalização daCentral Leste

Produção e Destino das Vendas

Externalizam Parcialmente 40,1 28,3

Externalizam Integralmente 4,0 7,1

Não Externalizam 21,0 44,5

Vendem a Maior Parte da Produção

para a Cadeia Têxtil-Vestuário 55,9 64,6

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elabora-

ção dos autores.

nessa mesma direção, mas mantém certo atraso, fato queprovavelmente seja decorrente das já citadas característicasprodutivas e empresariais desse aglomerado, que tendem aproporcionar maior precariedade na interação com o mercado,assim como na relação interfirma.

MECANISMOS INSTITUCIONAIS (FORMAIS EINFORMAIS) DE INTERAÇÃO ENTRE OS ATORES

Nas visitas e entrevistas aos aglomerados produtoresdo vestuário do AAC e do AAL, buscou-se levantar a exis-tência de atividades complementares à cadeia de produ-ção que conferem sustentação ao aprendizado, troca de in-formações e interação entre os atores. No caso deaglomerações metropolitanas, é possível dizer que as ins-tituições que dão apoio às atividades dos aglomerados ope-ram de forma local e “global”. Verifica-se que nos últimos10 anos houve um movimento de valorização de eventosligados à nova indústria da moda de forma ampla: como oagendamento e organização da versão paulista da maiorfeira internacional de moda (São Paulo Fashion Week); ofortalecimento da Feira Nacional da Indústria Têxtil – Fenit;Encontros da Moda; Instituto da Moda, além de váriosoutros eventos ligados à promoção de coleções, exposi-ção da produção e lançamento de novos profissionais dedesign. Há também algumas iniciativas que se destinam aatender os interesses do setor, como as realizadas peloCentro de Estudos, Tecnologia e Informações de Moda CaioAlcântara Machado – Cetim (ligado à Associação Brasi-leira do Vestuário – Abravest), e as assessorias da Asso-ciação Brasileira da Indústria Têxtil e Vestuário – Abit. Porestarem relativamente próximos a essas instituições, osaglomerados estudados tendem a absorver melhor essesesforços, mas é importante destacar que existem iniciativasque atendem as aglomerações de forma mais direcionada.

No AAC foram identificadas algumas organizaçõesque dão apoio e qualificação. Dentre elas, destaca-se aCâmara dos Dirigentes do Bom Retiro, que representa osinteresses políticos e econômicos de um grupo deempresários locais. Por meio dela, eles buscam parceriaspara reciclagem tecnológica – principalmente junto àescola “Adriano José Marchini” – do Senai – que foi umadas primeiras escolas a disponibilizar cursos voltados paraa indústria do vestuário e está instalada no próprio distritodo Bom Retiro. Outra instituição localizada no aglomeradoCentral é o consórcio Tropical Spice, que foi criado paraabsorver a produção das empresas consorciadas eexportá-la com sua própria marca. Destaca-se também

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 71-85, abr./jun. 200582

MARIA DAS GRAÇAS BRITO / ROBERTO BERNARDES

Associação Brasileira da Indústria e Comércio de Má-quinas para Costura – a Abramaco, além de escolas ecursos de moda de nível básico.

Não foi encontrado nenhum consórcio ou associaçãoque faça compras de insumos ou uso de máquinas em con-junto, mas foram identificados cafés e livrarias que acaba-ram se transformando em pontos de troca de informaçõesformais e informais, possibilitando o acesso a publicações,revistas e livros, assim como contatos pessoais entre em-presários e designers que freqüentam esses locais. A es-sas instituições somam-se várias escolas de educação pro-fissional de nível básico e o Núcleo de Ação Empresarialdo Projeto Bom Retiro – uma organização não-governamen-tal da qual fazem parte alguns estilistas, empresários, co-merciantes e urbanistas – cujo projeto prevê a criação deuma Escola de Moda e a revitalização física do distrito. NoAAL foi identificado o “Alô Brás”, que é a câmara dosdirigentes locais que reúne alguns grandes pontos decomercialização de produtos e disponibiliza boa estruturapara os compradores, pois funciona como um shoppingatacadista onde também ocorrem eventos, cursos e atémesmo desfiles. A Área Leste também conta com algumasescolas de educação profissional de nível básico. Não foipossível identificar consórcios, associações ou represen-tações de classe que organizem os interesses e promovamo desenvolvimento local.

Destaque-se que as organizações que oferecem algumtipo de apoio ao AAC parecem estar mais voltadas para asnovas demandas das empresas do que as ligadas ao AAL.Porém, ainda há um longo percurso institucional a ser per-corrido. Na verdade, os dois aglomerados, assim como opróprio setor do vestuário, enfrentam alguns problemasdecorrentes da formação de grupos com interesses distin-tos – o que é, em parte, decorrente da própria segmentaçãodo setor, fato que dificulta a elaboração de ações concer-tadas por parte dos atores em direção ao desenvolvimen-to econômico e à construção de mecanismo coletivos deaprendizado e inovação tecnológica.

CONCLUSÃO

Como demonstramos ao longo deste artigo, a concor-rência na indústria do vestuário vem sendo cada vez maisdeterminada pelos critérios de diferenciação (preço-quali-dade-criatividade). Ou seja, ela está mais centrada em es-tratégias de desenvolvimento de produtos que possamincorporar os conceitos de estilo e design, moda, estraté-gias de marketing e valorização de marca – os mesmos

conceitos que acabaram por edificar novas barreiras à en-trada para os países, regiões ou SPILs que competem poresse mercado. Para a indústria do vestuário do Municípiode São Paulo, pode-se afirmar que embora tenha sido pre-senciado um processo de desconcentração produtiva, ametrópole continua sendo expressivamente relevante paraa dinâmica do setor no Estado de São Paulo e no Brasil.

Observa-se ainda um crescimento dos padrões deassimetria tecnológica e heterogeneidade produtiva, quevariam desde a utilização de novas competências (comoas chamadas funções inteligentes – embora estas sejammuito concentradas em pequenos grupos) até a reprodu-ção, em larga escala, de estratégias de “competitividadeespúria”. Nesse sentido, essas estratégias agressivas deflexibilização e redução dos custos de trabalho – especial-mente por meio da intensificação do uso de vínculos pre-cários e inseguros de trabalho, tais como a utilização dotrabalho a domicílio e de imigrantes ilegais – não diferemdo que já foi verificado nas experiências internacionaismais bem-sucedidas.23

No tocante ao foco deste estudo, ressalta-se a identifi-cação de pelo menos dois grandes aglomerados produti-vos relevantes no Município de São Paulo: o Aglomeradoda Área Central e o Aglomerado da Área Leste. Tambémfoi possível observar, através de análise comparativa, queos padrões competitivos são bastante distintos – o quereforça o caráter heterogêneo das atividades produtivasda Região Metropolitana de São Paulo. O AAC apresen-tou melhores condições de apropriar-se das capacidadesinovadoras disponibilizadas pela metrópole relacionadascom os ativos da moda e com os efeitos multiplicadoresdos agentes envolvidos na cadeia de produção – ainda queo produto final desse aglomerado não seja característicoda alta costura, mas sim de prêt-à-porter, proporcionandocondições suficientes para que esse aglomerado se forta-leça em função de uma identidade própria.

Já para o caso do AAL, as condições de constituiçãoforam mais limitadas, pois conduziam a trajetórias deaprendizados mais restritas, como conseqüência de suaparticipação econômica competitiva voltada para produtosde menor preço – o que requer menor esforço tecnológicoe pouco investimento em design. Ou seja, as estratégiastecno-produtivas da maior parte das empresas desseaglomerado estão inseridas em um segmento em que acompetitividade fundamental baseia-se na escala e nopreço. No entanto, isso não significa que é uma estratégiafrágil, mas sim que está direcionada aos segmentos maisreprodutores – o que possibilitaria sua inserção nas cadeias

83

SIMPLES AGLOMERADOS OU SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005

produtivas internacionais. Em grandes linhas, concluímosque o mercado existente na metrópole permite tanto aexistência e a manutenção de atividades industriais e deserviços mais tradicionais no setor do vestuário, assimcomo as atividades mais sofisticadas encontradas nasgrandes metrópoles mundiais, como Nova York, Londres,Paris e Milão, dentre outras.

O último ponto remete-se a responder a pergunta inicialdeste artigo: simples aglomerados ou sistema produtivosinovadores? Sendo assim, o AAC, ainda que desarticulado,apresentou mais elementos que o potencializam como uma“trajetória evolutiva e embrionária” (na acepção neo-schum-peteriana) de um sistema produtivo local inovador. O AAL,ainda que tenha apresentado características para serconsiderado um sistema produtivo, possui interação eaprendizado tecnológico de vínculos mais fracos – ou seja,é ainda um aglomerado de interações “incipientes”, dandoelementos suficientes para considerar a estrutura dovestuário da metrópole como uma colcha de retalhos deaglomerações que se distinguem e se complementam aomesmo tempo. Com efeito, considerando as vocações pro-dutivas e competitivas desses aglomerados, observa-se quea consolidação, amadurecimento e transição para padrõessuperiores de funcionamento dependerá de um esforçoconjunto entre os atores da esfera público e privada.Entretanto, o desenvolvimento e o fomento à inovação(sobretudo na formação de lideranças na concepção “damoda ou do produto brasileiro”, uma vez que há espaço nomercado nacional e internacional para este tipo de empreen-dimento), dependerá da implementação de políticas es-pecíficas.

Uma política de inovação para o setor da moda deve tercomo foco: a valorização e fortalecimento de trajetórias deinternacionalização de marcas (apoio à exportação); apoioàs estratégias de marketing de inteligência (conhecimen-to e acesso aos novos mercados); e estímulos à inovaçãoem design nacional, como elementos críticos de agregaçãode valor e competitividade para esse segmento. Afinal,deve-se considerar que existem espaços tanto no merca-do nacional como no plano internacional para esse tipo deempreendimento. Ademais, o delineamento das políticaspúblicas deverá centrar-se no apoio e incentivo aos fato-res dinamizadores da competitividade dos produtores, vi-sando a adensar as relações entre as empresas e institui-ções de ensino e prestação de serviço. Além disso, ospolicy markers podem realizar ações no sentido de reduzira informalidade dessa indústria, através de mecanismos demicrocrédito e fomento ao crescimento e profissionalizaçãodos negócios, ou explorar a utilização de um “selo deresponsabilidade social”.

NOTAS

Os autores agradecem as leituras críticas e as recomendações ela-boradas por Vagner Bessa, Carlos Roberto França e André Nagy,advertindo, como é de praxe, que qualquer erro que por venturaconste deste trabalho é de inteira e exclusiva responsabilidade dosautores.

1. Entre os projetos analíticos que se inscrevem nessa abordagempodemos citar a rede de estudos coordenada por Cassiolato e Lastres(2001), os estudos sobre empresas de base tecnológica – EBTs, dePinho, Côrtes e Fernandes (2001) e, mais recentemente, os traba-lhos sobre SPILs no Estado de São Paulo realizados por Suzigan,Furtado, Garcia e Sampaio (2005). Recentemente, Suzigan et al.(2005) identificaram sete sistemas produtivos na RMSP, que ope-ram como Vetores Avançados.

2. A Redesist (Rede de Pesquisa em SPILs) define sistemas produ-tivos e inovativos locais (SPILs) como conjuntos econômicospolíticos e sociais localizados em um mesmo território, que desen-volvem atividades econômicas correlatas e apresentam vínculosexpressivos de produção, interação, cooperação e aprendizagem.Essas configurações incluem produtoras de bens e serviços finais,fornecedoras de equipamentos e outros insumos, prestadoras deserviços, comercializadoras, clientes, cooperativas, associações edemais organizações voltadas à formação e treinamento de recur-sos humanos, informação, P&D e engenharia, promoção e finan-ciamento. Já os arranjos produtivos locais (APLs) são aqueles ca-sos fragmentados e que não apresentam significativa articulaçãoentre os agentes (GLOSSÁRIO DE APLs, 2005).

3. Em estudo realizado sobre o complexo têxtil, de vestuário e decalçados na Região Metropolitana de São Paulo, Garcia e CruzMoreira (2004) utilizaram complementarmente dados de três ba-ses de informações disponíveis no Brasil e no Estado de São Paulo.Primeiro, a base da Relação Anual de Informações Sociais – Rais,do Ministério do Trabalho e do Emprego – MTE, que apresentadados de emprego e estabelecimentos (entre outros), e tem sidoamplamente utilizada em trabalhos que analisam sistemas locais deprodução. Segundo, a base de dados da Pesquisa Industrial Anual –PIA, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, queapresenta as informações de número de estabelecimentos, receitalíquida de vendas, pessoal ocupado e valor da transformação indus-trial. E terceiro, a Paep, cuja primeira tomada foi realizada em 1996,sendo a segunda abordagem de campo realizada em 2001. É inte-ressante notar que os resultados e conclusões obtidos por essesautores expressam as mesmas tendências e impressões apontadaspela Paep 2001, ou seja, a existência de uma forte concentraçãoda indústria do vestuário na cidade de São Paulo e o significativovolume de pessoal ocupado no setor.

4. Para obtenção de outras informações sobre a metodologia daPaep, ver: <http://www.seade.gov.br/produtos/paep/index.html>.

5. As estimativas utilizadas neste estudo são alternativas ao dese-nho dos domínios da Paep, por isso foi necessário calcular o coe-ficiente de variação e analisar o intervalo de confiança. Além dis-so, as estimativas que identificaram os aglomerados foram aindacomparados com os dados do Cadastro Cempre (IBGE).

6. Codificação de endereçamento postal (CEP) por região de SãoPaulo (GUIA-MAPOGRAF, 1996, p. 790-791).

7. O QL indica a concentração relativa de uma determinada indús-tria numa região comparativamente à participação da mesma coma de outras, em um determinado espaço – o qual, neste estudo, foidefinido como o Estado de São Paulo. Assim, a verificação do QLsuperior a um (1) indica alta concentração da estrutura de produ-ção local numa dada atividade.

8. Embora seja possível encontrar no AAC algumas indústrias vol-tadas para a alta costura, principalmente no segmento de modapraia, como a Rosa Chá.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 71-85, abr./jun. 200584

MARIA DAS GRAÇAS BRITO / ROBERTO BERNARDES

9. O termo capital social refere-se a um conjunto de instituiçõesformais e informais que incluem hábitos e normas sociais que afe-tam os níveis de confiança, interação e aprendizado em um siste-ma social. O reconhecimento da importância desse termo refere-se à consideração crítica da estrutura e formação das relações so-ciais para compreender e intervir na dinâmica econômica de umdeterminado espaço e território. Assim, elevados níveis de capitalsocial propiciam relações de cooperação que favorecem o aprendi-zado interativo, como acontece com a transmissão do conheci-mento tácito. Esse termo foi elaborado a partir dos trabalhos pio-neiros dos sociólogos Pierre Bourdieu, James Coleman e RobertPutnam (GLOSSÁRIO DE APLS, 2005).

10. A aparente falta de segredos da produção de vestuário fez comque o interesse pela formação de profissionais especializados paraesse mercado tenha sido tardia, atraindo empreendedores que tra-balhavam em outros setores, o que acabou por determinar a formaprecária com que muitas dessas unidades produtivas fossem organi-zadas e ativadas. Esse fato é corroborado pela própria políticaeducacional de formação de profissionais para esse mercado, poisé recente o interesse das instituições de ensino superior em formarum profissional de negócio voltado para a nova indústria do vestuá-rio, ou seja, a moda.

11. Algumas regiões apresentam elevada concentração de produ-tores com atividade na indústria têxtil e de vestuário. São exem-plos: a região de Americana, na produção de tecidos planos artifi-ciais e sintéticos; a cidade de Ibitinga, na de bordados; a região doCircuito das Águas, na confecção de malhas, entre outras. Ver,SOUZA e GARCIA (1999).

12. O município de Amparo abriga um aglomerado de indústrias deconfecção infantil formado por empresas de pequeno e médio porte.Ver, NAKAMATSU e FURTADO (2003).

13. Os parâmetros da moda têm sido ditados pelas maisons dosprincipais centros internacionais e difundidos pela mídia,direcionando a dinâmica do mercado. Os principais centros gera-dores de moda são Paris, Milão, Londres e Nova York, ressalvafeita para o segmento de surf wear, cujos centros de referência sãoo Havaí e a Austrália. A cada estação são lançadas novas coleçõescom mudança nos tecidos, padronagens, cores e modelos, o que afetatoda a cadeia produtiva têxtil e de vestuário. Quanto menor for ociclo de desenvolvimento de novos produtos, maior a necessidadede intensificação das relações na cadeia produtiva têxtil/vestuário,no sentido de flexibilizar o setor para melhor atender as demandasdo consumidor final.

14. A referência conceitual e metodológica da Pesquisa de Inova-ção Tecnológica na Paep teve como base o Oslo Manual: proposedguidelines for collections and interpreting technological innovationdata (1997). A pesquisa de inovação foi harmonizada com a expe-riência do modelo recomendado pela Eurostat, consagrado na ter-ceira versão da Community Innovation Survey (CIS-III). A princi-pal crítica ao conceito de inovação tecnológica adotado pelo Ma-nual de Oslo, considerando-se o setor de vestuário, é ao critério deexclusão dos esforços de design, como já ressaltara Kontic (2001).

15. É importante frisar que é esperado que as aquisições de máqui-nas e equipamentos tenham uma participação importante no es-forço tecnológico no setor de vestuário, pois essa atividade é pau-tada pelo binômio máquina/operador. Conseqüentemente, estes doiselementos têm um peso expressivo na dinâmica econômica etecnológica do setor. Nesse caso, o diferencial são os esforçosdirecionados aos ativos intangíveis.

16. Foram computados pela Paep, os investimentos em patentes,contrato de fornecimento de tecnologia e o direito de uso de mar-cas. Embora formem a base dos indicadores mais utilizados paraanalisar o esforço tecnológico, essas informações mostram-se li-mitadas para os setores muito dependentes de design, como já foidiscutido anteriormente.

17. Nesse item, a Paep computou os investimentos com equipa-mentos de informática, móveis, etc.

18. Assim as empresas que possuem capacidade inovativa ou ati-vos comerciais estabelecidos (canais de comercialização ou mar-cas próprias), suportados por mecanismos de financiamento, sãocapazes de comandar sua cadeia de produção, determinando osparâmetros de funcionamento dos atores nela inseridos (LUPATINI,2004; GARCIA; CRUZ-MOREIRA, 2004).

19. Ciclo do desenvolvimento do design: o desenvolvimento dascoleções é um trabalho que possui uma dinâmica bastante específi-ca. O ciclo de atividades inicia-se com a ida dos estilistas e especia-listas em moda para os centros geradores de informações e concei-tos. Essa fase de pesquisa de tendências inclui os desfiles dos prin-cipais estilistas internacionais, as principais revistas de moda e as“tendências de rua” dos centros geradores. Com base nessa baga-gem e o tema estabelecido para a nova coleção, os estilistas come-çam a desenhar os modelos, a escolher os tecidos e padronagens ea subsidiar as atividades de marketing e promoção. Ao término desta,parte-se para a confecção da peça-piloto, que depois é repassadapara as empresas produtoras, em sistema de facção.

20. As atividades de marketing e promoção envolvem o trabalho decriação e consolidação da marca, bem como da estratégia de comu-nicação do conceito, por meio da mídia. Preocupam-se também como estabelecimento de canais de comunicação com o cliente, que en-globam centrais telefônicas (0800), home pages na Internet e con-vites para participação em eventos promocionais. É nessa área quesão elaboradas as estratégias de lançamento das coleções. O projetodo ponto de venda envolve a definição da arquitetura, decoração,iluminação e vitrine. As empresas dispõem de arquitetos e decoradoresque traduzem para o ponto de venda o conceito trabalhado pela marcae pelos estilistas, ou, eventualmente, trabalham com consultores.

21. Ciclo do desenvolvimento de fornecedores: o desenvolvimen-to de fornecedores é uma atividade crítica nesse tipo de estratégia,uma vez que grande parcela da produção é terceirizada. As empre-sas envolvidas nessa atividade fazem o detalhamento do projetopara a produção e determinação das especificações do produto, etambém estabelecem os critérios para o controle de qualidade. Essaárea também contribui com pesquisas de novos materiais, corantes,tecidos, padronagens e embalagens feitas em parceria com os for-necedores, que auxiliam os estilistas no desenvolvimento das cole-ções. Normalmente, os principais requisitos são: a flexibilidade dosistema de produção, pois há demanda de produção em pequenoslotes e grande variedade de produtos, bem com prazos de entregareduzidos; e a garantia da qualidade do produto, que consiste naexigência de permanência no cadastro de fornecedores.

22. Essas formas de produção têm aprofundado a precarização nasrelações de trabalho na indústria do vestuário, fenômeno já antigono setor, verificado até mesmo nos aglomerados ancorados emrelações socioeconômicas mais fortes, como os localizados na Ter-ceira Itália. Em estudo recente sobre o setor, Leite (2004, p. 1)alerta que no vestuário “se multiplicam novas e velhas formas detrabalho, como o trabalho temporário, a domicílio, part time, etc.,que, em vez de marginais ao desenvolvimento econômico, se mos-tram altamente funcionais”.

23. Para um relato das experiências internacionais de reestruturaçãoe inserção no comércio global, ver o estudo de Garcia e Cruz-Moreira(2004).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, M. de F.I. Impactos da reestruturação produtivasobre a Região Metropolitana de São Paulo no final do séculoXX. Tese (Doutorado) – Instituto de Economia, Unicamp,Campinas, 2001.

BENKO, G. Economia, Espaço e Globalização. São Paulo:Hucitec, 2002. (1. ed. 1995).

85

SIMPLES AGLOMERADOS OU SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005

BESSA, V. O setor de serviços às empresas. In: EMURB/CEBRAP. (Org.). Caminhos para o centro. São Paulo 2004.

CANO, W. A interiorização do desenvolvimento econômico doEstado de São Paulo. São Paulo: Fundação Seade/Unicamp,1988.

CASSIOLATO, J.E.; LASTRES, H.M.M. O foco em arranjosprodutivos e inovativos locais de micro e pequenas empresas. In:LASTRES, H.M.M; CASSIOLATO, J.E; MACIEL, M.L. (Org.).Pequena empresa: cooperação e desenvolvimento local. Rio deJaneiro: Relume Dumará, 2003.

COMIN, A. et al. Estratégias de desenvolvimento econômicopara a Área central do Município de São Paulo. São Paulo,Cebrap/CEM. Relatório de pesquisa, 2002.

FUNDAÇÃO SEADE. Pesquisa da Atividade EconômicaPaulista: uma metodologia de produção de dados e conhecimen-to. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, Fundação Seade,v. 13, n. 1-2, p. 23-39, jan./jun. 1999.

FURTADO, J. Limites e possibilidades do Brasil nas configura-ções produtivas globalizadas uma análise apoiada em diversascadeias. III Relatório Parcial de Pesquisa. Geein/DE/Unesp eIpea, 2000.

GARCIA, R. e CRUZ-MOREIRA, J. R. O complexo têxtil-vestuário: um cluster resistente. Brasil. In: EMURB/CEBRAP(Org.). Caminhos para o centro. São Paulo: 2004.

GLOSSÁRIO DE APLs, 5. revisão, jun. 2005. Disponível em:<http://www.ie.ufrj.br/redesist>. Acesso em 18 ago. 2005.

GUIA-MAPOGRAF. 26 ed. São Paulo: 1996.

HADDAD, P.R. Medidas de localização e de especialização. In:HADDAD, P.R. et al. (Org.). Economia Regional: Teorias emétodos de análise. Fortaleza: BNB-ETENE, 1989.

KONTIC, B. Redes produtivas e aprendizado na indústria dovestuário da RMSP. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃOBRASILEIRA DE ECONOMIA REGIONAL, 2., Anais... SãoPaulo, FEA/USP, 2002.

________. Aprendizado e metrópole: a reestruturação produtivana indústria do vestuário em São Paulo. Dissertação (Mestrado)– FFLCH/USP, São Paulo, 2001.

LEITE, M. de P. Tecendo a precarização: gênero, trabalho eemprego na indústria de confecção em São Paulo. In: ENCON-TRO ANUAL ANPOCS, 28., Anais... Caxambu, 2004.

LUPATINI, M. Relatório setorial preliminar – Têxtil e vestuá-rio. Finep – Rede DPP, 2004. Disponível em:<http://www.finep.gov.br/portaldpp/index.asp#>.

MATTEO, M.; TAPIA, J.R.B. Características da indústriapaulista nos anos 90: em direção a uma city region? RevistaSociologia Política, Curitiba, n. 18, p. 73-93, jun. 2002.

NADVI, K.; SCHMITZ, H. Industrial clusters in LDCs: review ofexperiences and research agenda. IDS Discussion Paper, n. 339.Brighton, University of Sussex, 1994.

NAKAMATSU, R.Y.Y; FURTADO, A.T. Aglomerações emcidades médias paulistas: o segmento de confecção infantil emAmparo. PMA/DPCT. 2003. Relatório final.

NEGRI, B. Concentração e desconcentração da indústria emSão Paulo (1880-1990). Tese (Doutorado) – Instituto deEconomia/Unicamp, Campinas, 1994.

PACHECO, C.A. A fragmentação da nação. Tese (Doutorado)– Instituto de Economia/Unicamp, Campinas, 1998.

PINHO, M., CÔRTES, M.R. E FERNANDES, C.A. A fragilidadedas empresas de base tecnológica em economias periféricas:uma interpretação baseada na experiência brasileira. Finep –Rede DPP, 2001. (Textos para discussão). Disponível em:<http://www.finep.gov.br/portaldpp/textos/uploads/Art_EBT_Micro.pdf>.

SCOTT, A. La economia metropolitana. In: BENKO, G.;LIPIETZ, A. Las Regiones que Ganan. València: Alfons elMagnànim, 1994. p. 103-119.

SOUZA, M.C.; GARCIA, R. Sistemas locais de inovação em SãoPaulo. In: CASSILATO, J.E.; LASTRES, H.M.M. (Ed.).Globalização e inovação localizada. Brasília: MCT-CNPq,1999.

STORPER, M. The Regional World. New York: The Guilford,1997.

STORPER, M.; SALAIS, R. Worlds of Production.Massachusetts: Harvard, 1997.

STURGEON, T. Does manufacturing still matter? Theorganizational delinking of production from innovation.Berkeley, CA: Berkeley Roundtable on the InternationalEconomy, 1997. (BRIE working paper; 92B).

SUZIGAN, W.; FURTADO, J.; GARCIA, R. Clusters ou sistemaslocais e inovação: identificação, caracterização e medidas deapoio. São Paulo: Iedi, 2002.

SUZIGAN, W.; FURTADO, J.; GARCIA, R.; SAMPAIO, S. Adimensão regional das atividades de C&T&I no Estado de SãoPaulo. In: FAPESP. Indicadores de C&T&I São Paulo 2004.São Paulo: 2005.

________. Aglomerações industriais no Estado de São Paulo.Economia Aplicada, v. 5, n. 4, p. 695-717, out./dez. 2001.

TINOCO, A. de C. Competitividade, inovação e localização:repensando o conceito de centralidade da Região Metropolitanade São Paulo para a dinâmica regional brasileira. Dissertação(Mestrado) – Cedeplar/UFMG, 2001.

MARIA DAS GRAÇAS BRITO: Mestre em Política Científica e Tecnológicapelo IGE/Unicamp ([email protected]).

ROBERTO BERNARDES: Doutor em Sociologia pela USP, ProfessorAdjunto da Escola Superior de Propaganda e Marketing e Analista daFundação Seade ([email protected]).

Artigo recebido em 7 de maio de 2005.Aprovado em 10 de junho de 2005.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 200586

WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR

A

Resumo: Este artigo estuda a relação entre a distribuição geográfica da rede de instituições de apoio àsempresas e a formação de sistemas localizados de produção e inovação no Estado de São Paulo. Paraisso, discute a relação entre geografia e inovação, apresenta um levantamento quantitativo das institui-ções e analisa três casos que ilustram o papel das instituições de apoio a atividades inovativas de empre-sas em sistemas localizados de produção e inovação.Palavras-chave: Inovação. Instituições. Aglomeração.

Abstract: This paper studies the relationship between the geography of supporting institutions and theagglomeration of firms in local production and innovation systems in the state of São Paulo. With thispurpose, the paper discusses the relationship between geography and innovation, presents quantitativeinformation on the network of institutions, and illustrates the role of supporting institutions in threelocal production and innovation systems.Key words: Innovation. Institutions. Agglomeration.

WILSON SUZIGAN

ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN

ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR

relação entre localização, inovação e aglomeraçãode empresas em sistemas produtivos e inovativoslocalizados desperta crescente atenção de pesqui-

LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃOE AGLOMERAÇÃO

o papel das instituições de apoio às empresasno Estado de São Paulo

sadores e responsáveis por políticas públicas em todo omundo. Os pesquisadores mostram, sobretudo por meio detrabalhos empíricos, que a proximidade geográfica facilitaas interações e a comunicação entre empresas, estimula abusca por novos conhecimentos e melhora as possibilida-des de ações coordenadas. Apontam também que, além daproximidade de indústrias correlatas, a presença de institui-ções de ensino e pesquisa, laboratórios de ensaios e testes,centros de P&D e prestadoras de serviços impulsionam odinamismo empresarial. As políticas públicas, por sua vez,tendem a mudar de forma coerente com esse quadro, vol-tando-se ao fomento de atividades inovativas em sistemaslocalizados de produção e inovação (doravante SLPs).

Tomando essas contribuições e tendências como referên-cia, este artigo busca estudar especificamente a relação entrea distribuição geográfica da rede de instituições de apoioàs empresas e a formação de SLPs no Estado de São Paulo.Espera-se, com isso, oferecer elementos que possam orientarações de políticas públicas com foco local ou regional.

Em termos analíticos, é amplamente reconhecido na lite-ratura o fato de que a aglomeração de empresas e a forma-ção de SLPs podem proporcionar vantagens competitivasaos produtores, já que eles se apropriam de um conjunto debenefícios externos à empresa. Esses benefícios, notadamen-te de natureza produtiva e de capacitação técnica para pro-dução, constituem as chamadas economias externas locais,ou economias de aglomeração, decorrentes tanto da simplesproximidade de produtores, fornecedores e outros agentescomo das suas interações e freqüentes comunicações.

87

LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO E AGLOMERAÇÃO: O PAPEL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005

Além disso, a aglomeração das empresas é capaz defomentar e estimular processos inovativos que ocorrem noseio das corporações e nos seus inter-relacionamentos. Osdiversos ativos socioculturais e recursos intangíveis pre-sentes nos SLPs são indispensáveis para o aprendizadode capacidades inovativas, porém não podem ser codifi-cados ou transmitidos à distância; são difundidos por meiode contato pessoal, mobilidade de trabalhadores, qualifi-cação da força de trabalho, existência de fornecedoresespecializados, confiança mútua e vocabulários específi-cos que somente as proximidades geográfica e culturalproporcionam. A ação conjunta de empresas e outros agen-tes localizados também favorece a geração de inovações,levando à criação de diferentes tipos de instituições deensino, pesquisa e prestação de serviços que melhoram ascapacitações técnicas, tecnológicas e inovativas de cadaempresa e conseqüentemente aumentam a capacidade deinovação do sistema e as externalidades positivas locais.

Com base nesse esquema analítico, este trabalho apre-senta um levantamento do aparato institucional de apoio àatividade inovativa das empresas no Estado de São Paulo esua distribuição geográfica. Busca-se estabelecer relaçõesentre esse aparato institucional e a existência de SLPs, emque a atividade inovativa vincula-se em grande parte à pre-sença de instituições de apoio a atividades tecnológicas ede P&D.

O artigo está organizado em três seções. A primeira apre-senta uma breve discussão da literatura que trata da relaçãoentre geografia e inovação. Em seguida, realiza-se um levan-tamento quantitativo das instituições de apoio à atividadeinovativa do Estado de São Paulo, como escolas de ensinotécnico, tecnológico, superior e de aprendizagem industri-al; associações de classe e sindicatos patronais; laboratóri-os e centros tecnológicos e de P&D. A última seção, de corteanalítico distinto, traz alguns casos selecionados que ilus-tram o papel das instituições de apoio a atividades inovativasdas empresas em sistemas locais e a relação entre localiza-ção geográfica e capacidade de inovação. Algumas consi-derações concluem o artigo.

RELAÇÃO ENTRE GEOGRAFIA E INOVAÇÃO

Nos últimos anos foram realizados diversos estudos,divulgados na literatura internacional, buscando compre-ender a relação entre geografia e inovação.1 Esses traba-lhos tomam como ponto de partida dois fatores que secomplementam e se reforçam: (i) a observação empírica deque as atividades inovativas tendem a concentrar-se geo-

graficamente em pólos; (ii) a importância da inovação parao progresso tecnológico e, conseqüentemente, para o de-senvolvimento local.

Estudos empíricos demonstram uma tendência crescentede concentração do desenvolvimento econômico em de-terminadas regiões. Nesse sentido, ao mesmo tempo em quealguns pólos se consolidam como fontes geradoras de ino-vação, renda e emprego, outras regiões são menos dinâ-micas ou mesmo permanecem estagnadas. ConformeBreschi e Malerba (2001, p. 817), tal fato ocorre porque as

variações de crescimento e performance econômica entre

regiões são dependentes, em última instância, de uma gama

de recursos relativamente imóveis – conhecimento, habi-

lidades, estruturas institucionais e organizacionais.

Esse contraste, por sua vez, contribui para corroboraras conclusões de um número crescente de diversos estu-dos internacionais, em que a “geografia tem um importan-te papel na inovação, e no crescimento de sociedades ca-pitalistas avançadas” (FELDMAN, 1994, p. 2).

A formação de aglomerados de atividades inovativasdecorre da percepção de que a inovação está relacionadacom a

concentração local de insumos inovativos que incluem: P&D

universitário, P&D industrial, a presença de indústrias

correlatas e a presença de prestadores de serviços espe-

cializados (FELDMAN, 1994, p. 451).

A análise desses insumos inovativos permite concluirque, em última instância, a inovação depende fundamen-talmente do conhecimento. Desde as primeiras fases doprocesso até a incorporação da inovação ao mercado, oconhecimento técnico e da dinâmica de funcionamento domercado atuam como variáveis fundamentais.

Na etapa inicial, o conhecimento técnico é o instrumen-to exigido para a compreensão de novas tecnologias oude restrições técnicas que possam limitar a melhoria ou odesenvolvimento de um produto ou processo. Nessa fasemostra-se fundamental a interação entre os responsáveispela pesquisa, pelo desenvolvimento e pela incorporaçãoda inovação ao mercado.

Tal interação é importante por dois motivos principais.Em primeiro lugar, porque quando uma tecnologia ainda nãoestá plenamente difundida, a padronização das informaçõesnecessárias ao desenvolvimento do processo inovativotorna-se muito difícil. Ou seja, o conhecimento ainda nãoestá disseminado de maneira que já tenha consolidadopadrões próprios a essa tecnologia, possuindo assim um

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 200588

WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR

grande caráter tácito. Em segundo lugar, a interação é impor-tante porque permite a melhor integração entre os diversosagentes responsáveis pelo processo inovativo. Desse modo,consegue-se uma maior sintonia entre as necessidadesexpostas pelos departamentos comerciais e as limitaçõesenfrentadas pelos responsáveis técnicos do projeto.

Nesse estágio inicial do processo inovativo, destacam-se fatores como atividades de P&D universitárias e indus-triais e a presença de indústrias correlatas. O primeiro itemcontribui para a solução de problemas técnicos e para odesenvolvimento tecnológico de produtos e processos. Jáa presença de indústrias correlatas facilita a interação en-tre agentes com objetivos comuns, permitindo assim acompreensão dos novos desafios e reduzindo as incerte-zas impostas pelo processo inovativo.

Na incorporação da inovação ao mercado, faz-se neces-sário um amplo conhecimento das especificidades deste.A compreensão das necessidades dos consumidores e desuas perspectivas quanto à utilidade da inovação são fun-damentais para o sucesso do processo inovativo.

Ressalta-se ainda a importância da presença de presta-dores de serviços especializados e a interação com ospotenciais consumidores. Os provedores de serviços co-laboram com seus conhecimentos específicos a respeitoda dinâmica dos mercados. Quanto o contato com os con-sumidores, revela-se fundamental, pois eles

têm uma familiaridade única com a tecnologia em questão e

podem sugerir novos produtos que atendam as necessidades

que os produtos existentes são incapazes de atender

(FELDMAN, 1994, p. 15).

Todas essas características fazem da inovação um“processo peculiar e localizado, que é difícil de imitar oureproduzir em outros contextos” (BELUSSI; GOTTARDI,2000, p. 4). Além disso, esse processo é complexo e perma-nentemente permeado pela incerteza, possuindo um fortecaráter cumulativo e dependente do processo de learningby doing (FELDMAN, 1994, p. 23). A incerteza decorre dediversos fatores, que vão desde as possíveis reações domercado até os problemas técnicos, visto que no processoinovativo as empresas muitas vezes defrontam-se comnovas tecnologias e com obstáculos técnicos com os quaisanteriormente nunca se haviam deparado. Para superar osdesafios impostos por essas restrições, são necessáriosnovos conhecimentos. Estes ainda são instáveis, evo-luindo de maneira não linear com o desenvolvimento dasciências e das novas tecnologias e, por isso, são de difícilpadronização.

Além disso, é necessário destacar que esses saberesencontram-se, em grande medida, restritos a pessoas quedominam a tecnologia ainda não completamente padroni-zada. Isso, por sua vez, faz com que esses novos conheci-mentos possuam um caráter estritamente tácito.

Tal caráter implica que “quando a tecnologia é comple-xa e evolui rapidamente, sua padronização e transmissão alonga distância não é possível” (FELDMAN, 1994, p. 24).Esse fator, por sua vez, contribui para a concentração dasatividades inovativas em pólos, visto que a

localização próxima à fonte de tecnologia permite às firmas

transformar informação em conhecimento aplicado, criando

incentivos para as firmas que utilizam tecnologias complexas

e dinâmicas localizarem-se próximas às fontes do conhe-

cimento (FELDMAN, 1994, p. 24).

Além desse incentivo, a localização em pólos geográfi-cos faz com que as interações e as trocas de informaçõesentre os agentes sejam facilitadas. Por meio delas viabili-za-se a formação de redes entre os agentes inovativos, asquais potencializam os efeitos de transbordamento. Essasredes permitem ainda que as empresas participantes man-tenham-se em contato permanente com as evoluções tec-nológicas e com as eventuais novas possibilidades oriun-das dessas evoluções. Com essas interações consegue-seainda criar mecanismos que facilitam a resolução de pro-blemas impostos pelos novos padrões tecnológicos. Emsíntese, conforme afirma (FELDMAN, 1993, p. 452),

[..] as atividades inovativas se beneficiam da presença de uma

variedade de recursos e insumos de conhecimento, imersos

em um ambiente socialmente construído e espacialmente

delimitado.

Os benefícios dessa imersão, por sua vez, decorrem dofato de que esses insumos têm um importante poder deimpulsionar o processo inovativo, pois contribuem para adisseminação do conhecimento, para a diminuição dasincertezas (por meio de interações entre indústriascorrelatas e prestadores de serviços especializados) e parapotencializar o avanço tecnológico e o acúmulo de conhe-cimento (presença de P&D universitário e industrial).

INSTITUIÇÕES DE APOIO NO ESTADODE SÃO PAULO

Dentre os fatores que influenciam a atividade inovativadentro dos SLPs destaca-se a presença de instituições deapoio. Esses organismos, tais como instituições de ensi-

89

LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO E AGLOMERAÇÃO: O PAPEL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005

no e pesquisa, laboratórios de ensaios e testes, centros deP&D e entidades empresariais, geram e difundem novosconhecimentos e melhoram as competências técnicas, tec-nológicas e inovativas das empresas, aprimorando suacapacidade de absorção de externalidades positivas e es-timulando ainda mais o desenvolvimento de atividadesinovativas. Para isso, as instituições formam profissionaisespecializados, promovem cursos de geração e treinamen-to de mão-de-obra qualificada, desenvolvem pesquisascientíficas e tecnológicas, prestam serviços especializadosde assistência técnica, de prospecção e difusão de infor-mações e de desenvolvimento de tecnologias.

Em geral, essas instituições localizam-se junto a SLPsconstituídos ou dão origem a eles em virtude das exter-nalidades que oferecem às empresas. Sua interação com osetor produtivo tem a capacidade de gerar um ciclo vir-tuoso, criando novos conhecimentos e transbordamentostecnológicos que melhoram as capacitações técnicas, tec-nológicas e inovativas das empresas, dão origem anovas organizações e consolidam o sistema local de pro-dução e inovação.

Cabe ressaltar que só a presença dessas instituições nãogarante que um SLP ou um conjunto de empresas relacio-nado a elas vá seguir trajetória ascendente nas atividadesde tecnologia e inovação. Tal sucesso depende da somade outros fatores, como a interação e cooperação entre osagentes locais, a presença de mão-de-obra qualificada naregião, a relação com fornecedores e, em alguns casos, aexistência de incentivos governamentais.

Dessa forma, com o objetivo de analisar a distribuiçãogeográfica de tais instituições, fez-se um levantamento deunidades de ensino, pesquisa e suporte a atividades tec-nológicas e de inovação, por municípios ou microrregiões,2

em todo o Estado de São Paulo. Tal levantamento abran-geu: cursos superiores com avaliação pelo Ministério daEducação – MEC; cursos tecnológicos, técnicos e deaprendizagem industrial; associações de classe e sindica-tos patronais; centros tecnológicos e laboratórios de P&De laboratórios de ensaios e testes.

As informações foram obtidas de diversas fontes, al-gumas oficiais, outras disponíveis em sítios da Internet.Dados ligados a pesquisa e desenvolvimento e a institui-ções de ensino foram obtidos a partir da Rais/MTE (2002).De modo geral, porém, houve algumas dificuldades paraencontrar dados regionalizados que permitissem a elabo-ração de indicadores específicos. Como exemplo, pode-secitar a falta de dados regionalizados sobre qualificaçõessuperiores (mestres e doutores) e suas áreas de especiali-

zação. Além disso, muitos dados quantitativos, como or-çamento institucional, direcionamento de recursos, núme-ro de funcionários (ligados ou não a atividades tecnológi-cas e de inovação) e área construída, entre outros, não foramdisponibilizados para este estudo por diversas das insti-tuições investigadas.

É importante ainda ressaltar que a existência de tais ins-tituições não significa que seus serviços sejam utilizadospelos produtores locais ou que elas exerçam algum papelno fomento à inovação nas empresas. O levantamentobuscou mostrar apenas a existência desses organismos ea densidade institucional que pode ser verificada em cadauma das microrregiões do Estado, para posteriormenteexaminar o papel das instituições em três casos distintosde SLPs.

Instituições de Apoio às Empresassegundo Dados da Rais

A primeira fonte de informações utilizada foi a Rais/MTE(2002), por meio dos dados relativos a atividades de P&De de instituições de ensino, a partir de informações geraisde emprego e estabelecimentos segundo classes da Clas-sificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE. Taisatividades abrangem as classes CNAE de quatro dígitosda Rais: 73.10-5 – P&D das Ciências Físicas e Naturais;80.31-4, 80.32-2 e 80.33-0 – Educação Superior e 80.96-9 e80.97-7 – Educação Profissional.

Os números relativos às Ciências Físicas e Naturaismostram que o Estado de São Paulo abriga 67 estabe-lecimentos, que empregam quase 4.300 pessoas (os dadoscompletos podem ser encontrados em Suzigan et al., 2005,Tabela 9.1). Destacam-se os municípios de São Paulo, com20 estabelecimentos e mais de 1.700 trabalhadores, e deCampinas, com 11 organizações e mais de 1.300 pessoasempregadas. Em Campinas, o tamanho médio dos esta-belecimentos (122 empregados) é muito superior aoobservado em São Paulo (64 empregados) e mesmo emrelação à média do Estado (84), o que se deve à presençaem Campinas de importantes centros de pesquisa edesenvolvimento de âmbito nacional (SUZIGAN et al.,2005, Quadro 9.4). São Paulo e Campinas são seguidospelos municípios de Piracicaba, com seis estabelecimentosde P&D, que empregam 142 pessoas; São Carlos, comcinco estabelecimentos e 305 profissionais; Barueri, comdois estabelecimentos e 331 profissionais (portanto, commédia por estabelecimento superior à de Campinas).Jaguariúna, na região de Campinas, também se destaca

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 200590

WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR

por um estabelecimento de grande porte, com 159 pessoasocupadas.

Os dados da Rais mostram a existência de 919 institui-ções de ensino no Estado de São Paulo, sendo 586 de ní-vel superior e pós-graduação e 333 de ensino técnico etecnológico. Em conjunto, elas empregam um contingentede mais de 120 mil pessoas.

A distribuição regional das instituições de ensino su-perior e de pós-graduação mostra uma forte concentraçãonovamente em São Paulo (226 estabelecimentos) e Campi-nas (24 estabelecimentos). Em seguida, estão os municí-pios de Santos (19 estabelecimentos), Ribeirão Preto (17)e Piracicaba, com 16 (SUZIGAN et al., 2005, Tabela 9.13).Essa grande presença está relacionada à distribuição devários campi de cada instituição por vários municípios.

Os dados sobre instituições de ensino médio e profis-sional (técnico e tecnológico), por sua vez, tambémapresentam concentração nos municípios de São Paulo (92estabelecimentos) e de Campinas, com 13 estabeleci-mentos. Apesar disso, tais entidades encontram-sebastante pulverizadas por todo o Estado de São Paulo,sendo rara a ocorrência de municípios que não dispõemdessas instituições, como ocorre no caso das escolas deensino superior.

Instituições de Ensino e Formação Profissional comQualificações Técnico-Científicas

Cursos Superiores Avaliados pelo Inep/MEC – A cons-trução dos indicadores acerca dos cursos superiores teveduas grandes etapas. Em primeiro lugar, visando maiorconsistência na coleta de dados, optou-se por utilizar umafonte sistemática de avaliação: o Exame Nacional de Cur-sos (“Provão”),3 realizado pelo Instituto Nacional de Es-tudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep. Emseguida, dentre as carreiras avaliadas pelo exame, foramescolhidas cinco que se destacaram por seu caráter tecno-lógico (Engenharia em suas diversas modalidades, Biolo-gia, Farmácia, Química e Agronomia). Iniciou-se, então, oprocesso de tabulação de dados, distribuindo-os pormicrorregiões do Estado. Por meio dessa tabulação foipossível analisar a distribuição dos cursos e do númerode alunos formados, procurando identificar um possívelpadrão de concentração regional.

Os dados mostram que no Estado de São Paulo, em 2002,cerca de 13 mil alunos concluíram 249 cursos de gradua-ção,4 de que as diversas modalidades de Engenharia re-presentavam quase a metade (114). Em seguida, aparecem

Biologia (59), Farmácia (35), Química (27) e Agronomia (14).Apesar do grande número de alunos formados, cumpredestacar que eles não necessariamente atuarão em ativi-dades com caráter tecnológico. Deseja-se ressaltar comesses dados a disponibilidade, no Estado, de recursoshumanos qualificados e potencialmente disponíveis paraatividades de caráter tecnológico.

Merece destaque a forte tendência à concentração re-gional do número de alunos formados. As cinco microrre-giões que se sobressaem nesse quesito (São Paulo, Cam-pinas, Santos, Piracicaba e São José dos Campos) sãoresponsáveis por cerca de 7.250 alunos graduados, cercade 56% do total de formados no Estado (SUZIGAN et al.,2005, Tabela 9.14). Agregando-se a elas as cinco micror-regiões seguintes (Bauru, São Carlos, Sorocaba, São Josédo Rio Preto e Araraquara), chega-se a pouco mais de 8.700formados, aproximadamente 68% do total.

Tal tendência de concentração pode ser explicada emparte pela presença local de grandes instituições públicasde ensino. Ademais, também se nota nessas microrregiõesuma crescente participação de graduados oriundos de inú-meras instituições privadas.

Em relação aos cursos superiores avaliados pelo ExameNacional de Cursos com notas A e B, observa-se uma ten-dência ainda mais acentuada de concentração geográfica.Analisando-se as cinco microrregiões com maior númerode formados nessa categoria (São Paulo, Campinas,Piracicaba, São Carlos e Bauru), nota-se que concentramcerca de 70% do total de alunos formados no Estado. To-davia, tomadas isoladamente, essas microrregiões apresen-tam padrões distintos em relação aos indicadores de qua-lidade. Enquanto em São Paulo a participação de alunosformados em cursos com notas A e B em relação ao totalde formados é semelhante à média do Estado (27%, aopasso que a média estadual é de 26,5%), Campinas e Bau-ru apresentam médias intermediárias (40% e 45%, respec-tivamente) e Piracicaba e São Carlos destacam-se pela for-te participação dos cursos A e B em relação ao total deformados (65% e 69%, respectivamente). Grande parte des-sa diferença pode ser explicada pela maior participaçãorelativa de instituições públicas nas duas últimas regiões.Em outras palavras, Campinas e São Paulo apresentammaior heterogeneidade de instituições de ensino superior.

Outras microrregiões que também se sobressaem emtermos da participação de alunos com notas elevadas sãoas de Jaboticabal e Rio Claro (100% e apenas um curso);Andradina (100% e 4 cursos); Botucatu (100%, 2 cursos);Limeira (68,6%, 2 cursos) e Araraquara (66,8%, 2 cursos).

91

LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO E AGLOMERAÇÃO: O PAPEL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005

Cursos Tecnológicos, Técnicos e de Aprendizagem Indus-trial – Foram coletados também dados de fontes diversassobre entidades educacionais que oferecem cursos técni-cos, tecnológicos e de aprendizagem industrial. Para asduas primeiras modalidades, as informações provieram dosgrandes sistemas educacionais que administram esse tipode curso: Centro Estadual de Educação Tecnológica PaulaSouza – CEETEPS,5 Centro Federal de Educação Tecnoló-gica de São Paulo – Cefet6 e Serviço Nacional de Aprendi-zagem Industrial – Senai.7 Esses sistemas oferecem a maio-ria dos cursos técnicos e tecnológicos disponíveis, mashá também algumas escolas técnicas particulares ou inde-pendentes, não incluídas no levantamento. Quanto à apren-dizagem industrial, foram selecionados apenas os cursospertencentes ao sistema Senai.

Com referência aos cursos tecnológicos de nível supe-rior no Estado, verifica-se a existência de 46 deles, com umtotal de 2.670 vagas. Observa-se grande concentração(50%) na microrregião de São Paulo, em geral provenien-tes do Sistema Fatec/CEETEPS.

Quanto aos cursos técnicos e de aprendizagem indus-trial, verifica-se que, apesar de bastante concentrados nasmicrorregiões de São Paulo, Campinas, São José dos Cam-pos e Ribeirão Preto, os 218 cursos técnicos e os 194 cur-sos de aprendizagem industrial estão relativamente pulve-rizados por todo o Estado. Isso se deve à elevada correlaçãoentre tais cursos e a especialização produtiva de cadamicrorregião, o que acaba criando externalidades positivasaos produtores localizados em SLPs, já que oferece mão-de-obra qualificada e com habilidades específicas de acor-do com as características de cada estrutura produtiva lo-cal (SUZIGAN et al., 2005, Tabela 9.3).

Entidades de Classe e Sebrae

A pesquisa acerca das associações de classe, dossindicatos patronais e do Sebrae teve como principal objetivoo levantamento de informações a respeito do apoio e dosuporte prestados por esses órgãos a atividades inovativas.Em virtude da carência de fontes sistemáticas de informaçõese do grande número de associações de classe e sindicatospatronais, o esforço de pesquisa mostrou-se muito árduo.No entanto, a despeito das grandes dificuldades parasistematizar as informações e construir um indicador doesforço inovativo dessas instituições com algum grau depadronização, destacaram-se algumas tendências.

Como tarefa inicial, buscou-se identificar a presençadessas associações e do Sebrae em todas as cidades do

Estado. Para isso, pesquisaram-se os respectivos sites(Centro das Indústrias do Estado de São Paulo – Ciesp,8

Federação das Associações Comerciais do Estado de SãoPaulo – Facesp9 e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro ePequenas Empresas – Sebrae10 ). Cumprida tal tarefa, pro-curou-se cada diretoria regional do Ciesp, inicialmente porcorreio eletrônico e depois por meio de ligações telefôni-cas. Nesses contatos, identificaram-se os serviços presta-dos aos associados e as parcerias locais com associaçõescomerciais e escritórios do Sebrae que incentivassem dealguma maneira o processo inovativo.

Em relação às Associações Comerciais e Industriais ouEmpresariais – ACIs ou ACEs, notou-se sua presença namaioria das cidades (38%) do Estado (SUZIGAN et al., 2005,Tabela 9.15). No entanto, também se observou que suaatuação em geral apresenta pouca ou nenhuma relação como desenvolvimento de atividades inovativas. Comodesempenham principalmente papel de órgãos de represen-tação política local, seja apresentando reivindicaçõesperante o poder público ou representando seus associadosem negociações trabalhistas, são raros os casos em queoferecem serviços com caráter técnico ou tecnológico àsempresas.

Paralelamente a essa representação política local, gran-de parte das ACIs/ACEs configura-se, de certa maneira,como centro de assistência em gestão empresarial. Nessaárea é oferecida uma vasta gama de cursos, palestras eseminários referentes a temas como gestão administrati-va, gestão da qualidade, marketing, assistência jurídica,empreendedorismo, entre outros. Apesar da evidente fal-ta de incentivo às atividades inovativas, notou-se quecertas associações de classe estabelecem parcerias com arepresentação local do Sebrae. Apesar de representarempoucos incentivos diretos às atividades tecnológicas, taisparcerias podem contribuir para uma melhor gestão admi-nistrativa que venha a potencializar a percepção da neces-sidade do aprendizado inovativo.

No que diz respeito às diretorias do Ciesp, o esforço depesquisa permitiu observar que estas também possuem umpadrão de atuação muito semelhante ao observado nasACIs/ACEs. Espalhadas pelos principais pólos de desen-volvimento do Estado, a maioria das 40 diretorias do Ciespatua como uma espécie de órgão representativo dos inte-resses políticos e burocráticos dos associados. Dessa for-ma, tem o poder de convergir esforços para a solução deproblemas institucionais e representar lobbies específicos.

Quanto à prestação de serviços locais, nota-se que amaioria concentra-se em cursos, eventos e palestras na área

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 200592

WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR

administrativa, envolvendo ações que visem melhorar prá-ticas gerenciais e de marketing, e promover assistênciajurídica, entre outras. Também foi observada a presençade departamentos de estatística (para fornecimento dedados sobre conjuntura econômica) em algumas diretoriasdo Ciesp, além de algumas iniciativas de estabelecimentode parcerias com outros órgãos locais, como ACIs/ACEse escritórios do Sebrae.

O oferecimento de serviços técnicos mais diretamenterelacionados com o esforço tecnológico e inovativo, porsua vez, está concentrado quase em sua totalidade na di-retoria do município de São Paulo. Quando questionadossobre o não-oferecimento em esfera de tais serviços, osresponsáveis pelas diretorias regionais apontaram comoempecilhos os altos custos e a baixa demanda. Afirmaramainda que as soluções para os eventuais problemas tec-nológicos são encaminhadas para outras instituições lo-cais (como centros tecnológicos ou unidades do sistemaSenai) ou para a diretoria da capital.

A exemplo do que ocorre entre as ACIs/ACEs e as dire-torias do Ciesp, os esforços de pesquisa mostraram queos sindicatos patronais também têm um padrão de atuaçãodeficiente no que diz respeito ao incentivo ao esforço tec-nológico local. Apesar do grande número (cerca de 250, amaioria concentrada na capital) e da grande diversidadedas áreas de atuação, há uma certa tendência de concen-tração dos esforços em serviços gerais, como bancos dedados sobre o setor, informações sobre mercados, asses-soria jurídica e tributária, entre outros. Apenas em algunscasos observa-se a disponibilização de serviços com ca-ráter tecnológico, como incentivo ao treinamento e a pro-gramas da qualidade e produtividade, laboratórios espe-cializados, assessoria em relação a marcas e patentes.

Laboratórios e Centros Tecnológicos e de P&D

Por fim, este trabalho buscou investigar todas as insti-tuições de infra-estrutura e prestação de serviços de apoioa atividades tecnológicas e inovativas presentes no Esta-do de São Paulo. Tais instituições agrupam-se em doisgrandes grupos: os laboratórios e centros tecnológicos ede P&D credenciados e aqueles que não são credenciados.O primeiro grupo subdivide-se em instituições creden-ciadas pelo Ministério da Ciência e da Tecnologia – MCT,11

que gozam dos benefícios da Lei da Informática por reali-zarem atividades tecnológicas e de P&D em convênio comempresas produtoras de bens e serviços de informática eautomação; e em instituições credenciadas pelo Instituto

Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Indus-trial – Inmetro,12 que abrangem os diversos laboratóriosde calibração, testes e ensaios do sistema Senai.

Já dentre os laboratórios e centros não credenciadosdestacam-se: os grandes laboratórios agrícolas como aEmpresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa,13

o Instituto Agronômico de Campinas – IAC14 e o Institutode Tecnologia de Alimentos – Ital;15 as instituições liga-das ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe; eos laboratórios de pesquisa independentes, que não seencaixam em nenhum dos grandes grupos anteriormentereferidos. Dentre as suas áreas de atuação estão: difusãode informação tecnológica, desenvolvimento de produtos,gestão de processos produtivos, assessoria técnica e tec-nológica, testes e ensaios laboratoriais, entre outras.

Vale ressaltar que a pesquisa procurou levantar algunsdados importantes para a caracterização dessas institui-ções, tais como orçamento, área construída, número totalde funcionários, direcionamento de recursos, entre outros.Porém, na maioria dos casos – mesmo em entidades públi-cas ou semipúblicas (mantidas por meio de recolhimentoscompulsórios), os dados não estavam disponíveis ou nãoforam disponibilizados pelas instituições.

Analisando os números coletados, observa-se umagrande concentração dessas instituições na microrregiãode Campinas, que possui 54 estabelecimentos ligados aatividades de P&D e desenvolvimento tecnológico, sen-do 18 credenciados pelo MCT (como a Associação Brasi-leira de Luz Síncroton – ABTLuS , o Centro de PesquisasRenato Archer – CenPRA, o Centro de Pesquisa e Desen-volvimento em Telecomunicações – CPqD, o Centro dePesquisas Avançadas Von Braun, entre outros). Dentre osnão-credenciados estão 18 estabelecimentos da Embrapa,9 do IAC e mais 9 do Ital. Logo após Campinas está amicrorregião de São Paulo, com um total de 44 instituiçõestecnológicas e de P&D, em geral credenciadas pelo MCT(como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe,o Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT, o Institutode Tecnologia de Software – ITS e o Instituto de PesquisaEnergética e Nuclear – Ipen) e pelo Inmetro. Dentre os de-mais organismos, destaca-se a presença de uma quantida-de relativamente alta de instituições privadas e indepen-dentes no município. São Paulo e Campinas são seguidospelos municípios de São Carlos (25 estabelecimentos), SãoJosé dos Campos (10), Sorocaba (4), Jundiaí e Osasco (2)e por várias microrregiões, entre as quais Bauru, Arara-quara, Franca, Limeira e Ribeirão Preto, com um estabele-cimento (SUZIGAN et al., 2005, Tabela 9.4 e Quadro 9.4).

93

LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO E AGLOMERAÇÃO: O PAPEL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005

CASOS ILUSTRATIVOS

A distribuição das instituições de apoio às atividadestecnológicas e de inovação segundo microrregiões permi-te verificar que, a par de forte concentração na RegiãoMetropolitana de São Paulo, há no interior do Estado bas-tante coincidência com a distribuição geográfica das ativi-dades produtivas e inovativas em sistemas locais de pro-dução e inovação, identificada e mapeada em outro trabalho(SUZIGAN et al., 2004). A discussão pormenorizada dosdois mapeamentos excede os limites deste artigo. Aqui,deseja-se ilustrar a discussão examinando, num corte pormicrorregiões, três casos em que se verifica a existênciade sistemas locais de produção e inovação.

Os casos selecionados têm distintas características,especializações produtivas e organizações institucionais.Como se pode observar no Mapa 1, a elevada concentra-ção de cursos e instituições de várias naturezas, voltadasdireta ou indiretamente a atividades produtivas e inovati-vas das empresas locais, coincide com a presença de di-versos SLPs, identificados pelo nome da microrregião,seguindo o “eixo” de desenvolvimento centrado na RegiãoMetropolitana de São Paulo, que se estende ao longo dasrodovias Anhangüera (SP 330) e Washington Luís (SP 310)e do Vale do Paraíba. Expressivas concentrações de cur-sos e instituições podem ser observadas também emmicrorregiões mais afastadas desse eixo, nas quais tambémestão presentes sistemas locais de produção.

MAPA 1

Cursos e Instituições de P&D no Eixo de Desenvolvimento (SP 330, SP 310 e BR 116)

Estado de São Paulo – 2002-04

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego. Rais 2002; instituições de ensino em P&D.

Araraquara

Ribeirão

Preto

São Carlos

Pirassunuga

Limeira

Jundiaí

São Paulo

Total de Cursos e Instituições de P&D

1 ponto = 1...

Campinas

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 200594

WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR

Indústria de Calçados de Franca

A microrregião de Franca caracteriza-se por concentraro segundo maior pólo produtor de calçados do país, comuma característica distintiva: a especialização na produçãode modelos masculinos em couro. Comporta praticamentetoda a cadeia produtiva, articulada a uma organização ins-titucional diversificada. Dessa forma, o SLP de calçadosdestaca-se como elemento decisivo tanto para o desenvol-vimento econômico da microrregião de Franca como daprópria indústria de calçados do Estado de São Paulo.

Segundo dados da Rais/MTE (2002), a região concen-tra 1.589 estabelecimentos ligados a toda a cadeia produ-tiva de calçados, incluindo as chamadas bancas de pes-ponto, que são unidades de prestação de serviços àsempresas em etapas específicas do processo produtivo,intensivas em trabalho: o pesponto e a costura manual. Aotodo, são gerados cerca de 24 mil empregos formais, dosquais aproximadamente 17 mil diretamente na produção decalçados de couro, além de empregos informais nas ban-cas, estimados em 2 mil, segundo informações da EscolaSenai Márcio Bagueira Leal,16 de Franca, para 2002.

A integração da cadeia produtiva na microrregião repre-senta importante fonte de economias externas e induz àaglomeração de empresas. Além disso, a concentração dosprodutores, aliada à presença de fornecedores especiali-zados de máquinas, equipamentos, matérias-primas,componentes e serviços, é capaz de facilitar e estimular asinterações, alimentando o processo de geração e difusãode habilidades e conhecimentos. Nesse sentido, as empre-sas locais podem beneficiar-se de uma ampla oferta de mão-de-obra qualificada e de profissionais especializados, alémde spill-overs tecnológicos e de conhecimento. Estes de-correm da simples proximidade geográfica e de interaçõesdos fabricantes de calçados com seus fornecedores e comas instituições locais.

De fato, a região conta com um grande número de insti-tuições de ensino e pesquisa, de formação profissional equalificação da mão-de-obra, de aprendizagem industrial etreinamento técnico e de prestação de serviços às empre-sas nas áreas de ensaios e testes laboratoriais, desenvol-vimento tecnológico e planejamento da produção. Essasinstituições contribuem para melhorar as capacitações téc-nicas e inovativas locais que, por sua vez, ampliam a capa-cidade de competição das empresas aglomeradas e do SLP.

Com relação ao ensino superior, a região possui duasinstituições que oferecem quatro cursos, formando cercade 100 bacharéis17 ao ano. A presença cada vez mais mar-

cante desse nível de educação na microrregião mostra queexiste crescente preocupação em formar profissionais demaior qualificação, que seriam requisitados, por exemplo,nas áreas técnicas, tecnológicas e de administração e ge-rência. Faltam, porém, cursos superiores que capacitemtrabalhadores especializados em desenvolvimento de no-vos produtos e design, assim como cursos de pós-gradua-ção, especialmente MBA, para formar profissionais deadministração para cargos de direção. A maioria das em-presas ainda não tem administração profissional, perma-necendo com estruturas de gerência familiar.

Para a formação profissional e a qualificação da mão-de-obra demandadas pela região, o SLP de Franca contacom duas escolas técnicas e, principalmente, com os cur-sos técnicos e de aprendizagem industrial do Senai volta-dos à área de calçados e gestão de processos industriais.A atuação desta é de fato bastante focada na indústria decouros/calçados, mas abrangendo toda a cadeia produti-va, oferecendo formação para 2.500 alunos por ano em:artefatos de couro, calçados de couro (pesponto, corte,montagem, costura, modelagem, estilista, classificação decouros, cronoanálise, PCP e custos), metal-mecânica,matrizaria, manutenção de máquinas de calçados e depesponto, eletroeletrônica e informática.18 O Senai tambématua na área de tecnologia de couro/calçados e desenvol-ve serviços de qualificação de produtos e métodos degerenciamento, além de executar ensaios e testes físicosem calçados, couros e outros materiais em seus laborató-rios e em suas oficinas de manutenção.

Na área técnica e tecnológica destaca-se a atuação doCentro de Tecnologia de Couro e Calçados (CTCC)/Institutode Pesquisas Tecnológicas (IPT), cujos laboratórios sãocredenciados pelo MCT e estão em fase final de creden-ciamento pelo Inmetro. Além disso, o CTCC tem credencia-mento em qualidade pela Fundação Vanzolini e peloMinistério do Trabalho e Emprego para emitir laudos deensaios de equipamentos de proteção individual. Cerca de50 empresas por mês usam os serviços do CTCC/IPT, quese caracteriza como uma das instituições mais importantesda região na prestação de serviços técnico-gerenciais etecnológicos, de planejamento da produção, gestão empre-sarial, produtividade, qualidade e design de produtos,ensaios e testes de produtos e materiais, contribuindosignificativamente para a capacitação gerencial, técnica einovativa das empresas. O centro atua também por meio deprogramas específicos, tais como o Programa de UnidadesMóveis – Prumo/Calçados, em parceria com o Sebrae e aFiesp e participação da Secretaria Estadual de Ciência,

95

LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO E AGLOMERAÇÃO: O PAPEL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005

Tecnologia e Desenvolvimento, e o Projeto ExtensãoIndustrial Exportadora – Peiex, coordenado por MDIC,Sebrae e Apex Brasil.19 O Prumo tem custo zero para asempresas e consiste em visita e diagnóstico realizados porengenheiro e técnicos, com veículo equipado com labora-tório, visando identificar problemas e encaminhar soluções.O Peiex conta com profissionais com conhecimentos emvárias áreas, denominados “extensionistas”, habilitados aidentificar problemas técnico-gerenciais, financeiros, derecursos humanos, marketing e outros. Sua tarefa é buscarsoluções, procurando aumentar a capacidade de competiçãodas empresas e disseminar a cultura exportadora.

É importante ressaltar também que muitas das grandesfabricantes de calçados têm seus próprios laboratórios deensaios e testes e, por razões ligadas a estratégias comer-ciais e de desenvolvimento de produtos, não utilizam osserviços do CTCC e do Senai. Isso implica certa ociosida-de dos equipamentos dessas duas instituições, aumentodos respectivos preços dos serviços e diminuição aindamaior de sua demanda.

Franca conta também com algumas associações patro-nais bastante atuantes, como a Associação Comercial deFranca – Acif, o Sindicato das Indústrias de Calçados deFranca – Sindifranca e agências do Sistema Ciesp/Fiesp.Entretanto, à exceção dos serviços de laboratório que oSindifranca oferece às empresas associadas, as ações des-sas entidades de classe limitam-se quase exclusivamenteà representação política dos produtores locais e à presta-ção de alguns serviços jurídicos e comerciais.

Porém, apesar das limitações, o arranjo institucional queenvolve toda a cadeia produtiva de calçados de Franca podeser considerado como um elemento positivo para a capa-citação técnica, tecnológica e inovativa das empresas.Dependendo do grau de interação com o setor produtivo,pode ajudar de maneira significativa a melhorar a capaci-dade de competição e de inovação das empresas fabrican-tes de calçados.

Atividades de Tecnologia de Informação eComunicação de Campinas

A Região Metropolitana de Campinas destaca-se comouma das mais industrializadas do país, apresentando umaestrutura bastante diversificada. Juntamente com São Paulo,Campinas é considerada também como uma das principaisáreas de inovação da América Latina.20 Concentra um im-portante número de instituições reconhecidas nacional-mente como centros de excelência na geração de conheci-

mentos científicos e tecnológicos e na formação de profis-sionais qualificados para atividades inovativas. Isso induziuo desenvolvimento na região de várias indústrias de altatecnologia, entre as quais se destaca a das Tecnologiasde Informação e Comunicação – TIC. Esse caso é bastanteilustrativo do papel desempenhado pelas instituições lo-cais na criação e disseminação de capacidades que deramorigem às atividades de TIC na região.

Segundo a classificação adotada pela OCDE,21 apresen-tada por Trullén et al. (2002), aplicada aos dados da Rais/MTE referentes a 2002, as atividades de TIC na região deCampinas totalizavam, naquele ano, 610 estabelecimentos22

e mais de 14.500 empregos formais, que representavam cercade 8,4% do total do trabalho formal nessas atividades noEstado de São Paulo. Grande parte das maiores empresasconcentra-se nos chamados Parques Tecnológicos I e II,duas áreas que ocupam 8 milhões de metros quadrados.Nesses parques encontram-se cerca de 110 empresas deTIC (sendo 63 de informática e 47 de telecomunicações),23

das quais 32 são subsidiárias de organizações que estãoentre as 500 maiores do mundo.

O surgimento do pólo de atividades de TIC de Campi-nas remonta ao estabelecimento pioneiro da IBM (em 1971)e ao início das atividades do CPqD24 na região. A contri-buição da IBM para o desenvolvimento do pólo resideno fato de que, além de ter posição de destaque interna-cional no setor, a empresa foi responsável pela formaçãoe pelo treinamento de um grande número de trabalhado-res (os chamados “ibemistas”), que posteriormente se des-locaram para outras empresas. Quanto ao CPqD, desta-ca-se como importante fonte de geração e difusão deconhecimentos científicos e tecnológicos do pólo. Esta-belecido em Campinas desde 1980, o CPqD

desenvolveu localmente os principais avanços da indústria

nacional de telecomunicações, como as centrais digitais

Trópico e a produção pioneira de fibras ópticas no país

(SUZIGAN et al., 2001).

Entretanto, o principal fator de atração das atividadesde TIC para a região de Campinas é a grande oferta localde cientistas, engenheiros e técnicos especializados. Isso,por sua vez, resulta da forte base de instituições de ensi-no e pesquisa da região, que conta com cinco grandes ins-tituições de ensino superior – IES e várias escolas técni-cas e profissionalizantes. As IES formam anualmente – nasmodalidades avaliadas pelo Exame Nacional de Cursos –mais de 1mil bacharéis, dos quais cerca de 600 são enge-nheiros. Dentre essas universidades destaca-se a Unicamp,

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 200596

WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR

com forte especialização científica (engenharias e ciênciasexatas e da terra) e tecnológica.25 As atividades de ensi-no, sobretudo de pós-graduação, e de pesquisa da Unicampgeram amplos e variados efeitos de spillovers tecnológi-cos e de conhecimentos e spin-offs, que se concretizam nacriação de empresas de base tecnológica na região. Segun-do a Agência de Inovação da Unicamp, somente nas duasúltimas décadas “pelo menos 85 empresas nasceram a par-tir das salas de aula da universidade”.26

Além disso, desde a década de 80 a Unicamp estabele-ceu inúmeras parcerias com o CPqD, a partir das quaissurgiram várias empresas nacionais de TIC. A universida-de mantém projetos de cooperação com empresas do pólodirecionados principalmente para a área de pesquisa bási-ca. Desse modo, tanto o CPqD quanto a Unicamp consti-tuem-se como importantes centros difusores de efeitosspillovers e spin-offs na região, beneficiando organizaçõesnacionais e multinacionais e gerando novas empresas debase tecnológica, sobretudo nas atividades de TIC. Das85 empresas “filhas” da Unicamp mencionadas anteriormen-te, mais de metade atua nas áreas de TIC (Figura 1).

As escolas técnicas e profissionalizantes da região ofe-recem, em conjunto, 17 cursos de aprendizagem industrial,20 cursos técnicos e 3 cursos tecnológicos. As principais

são as dos sistemas Fatec, Cefet e Senai, além do ColégioTécnico de Campinas – Cotuca. Entre outras, são contem-pladas as áreas de eletrônica, microeletrônica, telecomuni-cações, informática, mecatrônica, mecânica, automação equímica. Certamente tal oferta educacional, em compara-ção a outros SLPs, confere forte destaque à microrregiãode Campinas no que diz respeito à ampla disponibilidadede recursos humanos qualificados.

A região conta também com uma ampla rede de laborató-rios e centros de pesquisa e desenvolvimento, muitos delescredenciados pelo MCT para usufruir recursos oriundos daLei de Informática, ou seja, diretamente relacionados com aprestação de serviços a empresas de TIC. Alguns desseslaboratórios e centros de pesquisa são de grande porte econstituem referências nacionais em suas respectivas áre-as, como a Associação Brasileira de Luz Síncroton –ABTLuS, que conta com cerca de 180 profissionais, além debolsistas e estagiários, e presta serviços em pesquisas comluz síncroton, nanoestruturas, microcomponentes, constru-ção de equipamentos científicos e proteínas. Destacam-seainda: o Centro de Pesquisas Renato Archer – CenPRA (an-tigo CTI), com 230 pesquisadores e 12 laboratórios, ofere-cendo serviços em qualidade de produtos e processos deTIC, engenharia de protótipos e produtos de TIC; o CPqD,com mais de mil profissionais e 20 laboratórios para ensaiosde produtos, medições de sistemas em campo, medições emfibras ópticas, gestão de laboratórios; a Empresa Brasileirade Pesquisa Agropecuária – Embrapa, com 16 laboratóriose campos experimentais; o Instituto Agronômico de Campi-nas – IAC e o Instituto de Tecnologia de Alimentos – Ital,cada um com nove centros de P&D e núcleos de análise.Além dessas, há várias instituições de menor porte com la-boratórios de ensaios e testes, centros de pesquisa e pres-tação de serviços em áreas como eletroeletrônica, telecomu-nicações e teleinformática; projeto e desenvolvimento desoftware, hardware, design industrial e engenharia de pro-duto; qualidade em software, experimentos com dispositi-vos ópticos, entre outras.

As atividades de TIC na região de Campinas são esti-muladas também pela atuação de instituições como a Cia.de Desenvolvimento do Pólo de Alta Tecnologia de Cam-pinas – Ciatec e o Núcleo Softex Campinas. A primeira foicriada em 1983,

com o objetivo de coordenar as ações entre as empresas, de

modo a estimular a implantação de empresas de base

tecnológica na cidade e de intermediar as relações entre as

empresas e a universidade e os institutos de pesquisa

(SOUZA; GARCIA, 1998, p. 411).

FIGURA 1

Dinâmica de Interação entre os Agentes do Pólo

de TIC – Origem e Consolidação

Região de Campinas

Fonte: Diegues (2004). Para outros detalhes, ver também Diegues; Roselino (2005).

Empresas Nacionais de Telequipamentos

Multinacionais de Telequipamentos

Fornecedores Locais

Institutos de P&D

Pequenas Software-Houses

Prestadoras de Serviço

Especializado

Fornecedores Nacionais

CPqD

Unicamp

ForteMédiaFraca

97

LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO E AGLOMERAÇÃO: O PAPEL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005

O Núcleo Softex Campinas, fundado pela Unicamp emcolaboração com a prefeitura municipal de Campinas eassociação local de empresas de software, mantém umaincubadora de empresas e oferece serviços de consultoria,incentivo a novas empresas, treinamento em gestão empre-sarial, acesso a linhas de financiamento e outros benefícios.

Portanto, a formação e a consolidação do pólo de ativi-dades de TIC da região de Campinas estão estreitamenterelacionadas à rede de instituições de ensino e pesquisa,aos centros de P&D e aos laboratórios, que contribuem paraa criação de conhecimentos científicos e tecnológicos epara sua difusão, tanto por meio da mobilidade de mão-de-obra e profissionais qualificados como pelas freqüentesinterações com o setor produtivo e pela criação de novasempresas, num processo cumulativo de aprendizado cole-tivo que gera capacitações específicas e dinamiza a capa-cidade de inovação das empresas locais.

Indústria de Móveis de Votuporanga

A indústria de móveis tem uma característica específi-ca: é bastante dispersa em termos geográficos. Por isso,não há grandes pólos produtores que respondam por boaparcela da produção estadual. Entretanto, casos como ode Votuporanga mostram que tal produção pode se cons-tituir em importante vetor de desenvolvimento local e re-gional. De fato, há na microrregião e especialmente nessemunicípio uma expressiva aglomeração de fabricantes demóveis e seus fornecedores que, em conjunto, geravam em2002 cerca de 3 mil empregos formais. Esse volume erapouco representativo (menos de 4%) em termos da partici-pação no total da indústria de móveis no Estado. Mas era– e é – muito significativo do ponto de vista do desenvol-vimento local, representando metade do total de empregosformais da indústria de transformação da microrregião.27

Nesse sentido, constitui-se no centro dinâmico da econo-mia microrregional e tem influenciado as microrregiões vi-zinhas, como Mirassol, Valentim Gentil e outras, que tam-bém concentram empresas fabricantes de móveis.

O SLP de móveis de Votuporanga é composto majorita-riamente por empresas de médio e pequeno portes, fabri-cantes de produtos finais.28 A pequena escala de produ-ção, a diversidade de matérias-primas e os diferentessegmentos de mercado, tanto em termos de uso (profis-sional e doméstico, e neste os móveis de sala, cozinha edormitório) quanto de faixas de renda dos consumidores,dificultam a integração da cadeia produtiva na região. Isso,por sua vez, limita as possibilidades de divisão do traba-

lho e de realização de ações coordenadas das empresas.Apesar disso, Votuporanga tem uma história singular

de realizações coletivas, o que se deve justamente ao pa-pel relevante desempenhado por instituições locais. Asmais importantes são a Associação Industrial da Regiãode Votuporanga – Airvo, o Centro Tecnológico de Forma-ção Profissional da Madeira e do Mobiliário – Cemad e asinstituições locais de ensino superior.

A Airvo, criada na década de 70, teve um papel crucialno início dos anos 90, quando forte crise atingiu aindústria local. A associação buscou a assessoria deprofissionais especializados e, com apoio do Sebrae/SP,implementou o Pólo de Modernização do Setor Moveleirode Votuporanga, também conhecido como InteriorPaulista Design. Esse projeto, que tentava criar uma marcalocal e um estilo próprio (móvel country), fracassou, masmostrou a importância de iniciativas coletivas parapromover o desenvolvimento local. Com isso, ainda em1993 um grupo de empresas tomou uma providência quemudaria a trajetória de evolução da indústria moveleirade Votuporanga: a contratação de um profissional paraatuar como coordenador de ações e iniciativas coletivaslocais. Esse profissional revelou-se um elemento dereforço de diversas características importantes daindústria local, sobretudo os seus vínculos de cooperaçãoe as economias de aglomeração passíveis deaproveitamento, reforço e desenvolvimento.

As medidas adotadas a partir de então impulsionaram ocrescimento, melhoraram a qualidade dos produtos e in-troduziram o elemento tecnológico e a qualificação da mão-de-obra na estratégia competitiva das empresas. As maisimportantes foram: a contratação de consultores especia-lizados em gestão empresarial (custos, layout, processosde produção, marketing), a implantação de um programade qualidade total em que técnicos especialmente treina-dos atuavam como “multiplicadores de conhecimento”junto às empresas, a criação de um curso superior de Tec-nologia em Produção Moveleira no Centro Universitáriode Votuporanga – Ceuv, além da adoção de uma estraté-gia permanente de formação de mão-de-obra especializa-da e de incorporação de tecnologias de processo e de pro-duto, culminando com a inauguração, em 2001, do Cemad.Este oferece cursos técnicos e profissionalizantes e pos-sibilita que as empresas locais tenham acesso a uma infra-estrutura especializada de P&D e design em produçãomoveleira, a serviços de assessoria técnica e tecnológica,gestão da produção, informação tecnológica e ensaioslaboratoriais (Figura 2).

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 200598

WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR

O Cemad foi concebido pelo agente coordenador do SLPde Votuporanga em colaboração com o Senai/SP, inspira-do no Centro de Tecnologia do Mobiliário – Cetemo, deBento Gonçalves (RS), com apoio da Airvo e parceria daFundação Votuporanguense de Educação e Cultura –Fuvec e da prefeitura municipal. Ao lado da participaçãodo Senai, o coordenador mobilizou recursos de vários ór-gãos e de agências públicas de fomento e financiamento,como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômicoe Social – BNDES, o Conselho Nacional de Desenvolvi-mento Científico e Tecnológico – CNPq, o Programa deExpansão da Educação Profissional – Proep/MEC e o Ban-co Interamericano de Desenvolvimento – BID.

Complementando a ação do Cemad, o Centro Universi-tário de Votuporanga, mantido pela Fundação Educacio-nal de Votuporanga, oferece vários cursos de graduaçãoque contribuem para a formação de profissionais qualifi-cados. Dois deles obtiveram conceito A na avaliação doMEC e um deles é o já mencionado curso de Tecnologiaem Produção Moveleira, criado especificamente para aten-der às necessidades da indústria da região.

Como resultado dessas ações, a indústria de móveisde Votuporanga avançou em termos tecnológicos e da

FIGURA 2

Centro Tecnológico de Formação Profissional da Madeira e do Mobiliário – Cemad

2004

Fonte: Elaboração dos autores, a partir de informações diretas do Cemad.

Assistência Técnica e

Tecnológica

Desenvolvimento Tecnológico Prototipagem,

desenvolvimento e redesign de produtos

Ensaios Laboratoriais Cerca de 20 tipos de testes e ensaios aplicados tanto a móveis de madeira como de metais

Gestão da Produção

Informação Tecnológica Diagnósticos, propriedade industrial, editoração, registros, publicações, prospecção tecnológica,

estudos de viabilidade e outros

Assessoria Técnica e Tecnológica

ISO 9000, planej. e desenv. de métodos de produção, otimização de plantas, sist. de segurança do trabalho e outros

Cursos - Básico: aprendizagem industrial e construção de móveis - Técnico: técnico em movelaria e design de móveis - Formação continuada: metrologia, custos industriais, desenho técnico, programador e operador centros usinagem CNC, CAD

Cemad

qualidade de seus produtos. Já em 2000, das 14 fabrican-tes de móveis com certificação ISO 9002 no Brasil, 6 eramde Votuporanga e outras 15 empresas locais estavam emprocesso de certificação.29 Organizações inovadoraspassaram a dar mais atenção a design e desenvolvimentode produtos, prospecção de mercados, diferenciação deprodutos buscando nichos em classes de renda mais ele-vada e a exportação, de forma que o pólo moveleiro deVotuporanga tornou-se um dos quatro mais importantesdo país, junto com Bento Gonçalves (RS), São Bento doSul (SC) e Apucarana (PR).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo procurou mapear a distribuição geográficadas instituições que de alguma forma influenciam as ativi-dades das empresas no Estado de São Paulo, caracterizan-do-as e descrevendo suas funções, particularmente noapoio e suporte para o aprendizado tecnológico e capaci-tação para inovação. Buscou também mostrar que há umacerta coincidência entre a distribuição geográfica das ins-tituições e a formação de sistemas localizados de produ-ção e inovação no Estado.

99

LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO E AGLOMERAÇÃO: O PAPEL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005

Tendo em vista o foco na criação de capacitações cien-tíficas, técnicas e inovativas, tentou-se mapear instituiçõesde ensino (superior, tecnológico, técnico e de aprendiza-gem industrial), laboratórios, centros tecnológicos e deP&D, além de associações de classe e sindicatos patronaisque pudessem prestar serviços ao setor produtivo. A es-colha dessas instituições justifica-se por serem geradorasde conhecimento científico e tecnológico, formadoras demão-de-obra e de profissionais qualificados, responsáveisem grande medida pela difusão de novos conhecimentos etecnologias e pela criação de novas empresas em virtudede spin-offs dos resultados de cursos e pesquisas.

Dado que os processos de aprendizado tecnológico einovativo são condicionados por uma ampla gama de fa-tores institucionais, organizacionais e socioculturais rela-tivamente imóveis, a presença de instituições regionais deapoio é um elemento importante para o sucesso de siste-mas locais de produção e inovação. A existência de insti-tuições de ensino que promovam a formação de recursoshumanos qualificados mostrou-se como um dos pré-requi-sitos essenciais para capacitar as empresas da região parausar novas tecnologias e para inovar. Ou seja, uma vez queos avanços tecnológicos e os processos inovativos mos-tram-se cada vez mais complexos e arriscados, os recursoshumanos qualificados configuram-se como condição sinequa non ao processo contínuo de aprendizado.

O artigo também destacou a importância de centros depesquisa, laboratórios de ensaios e testes, centros tecno-lógicos e de P&D, uma vez que estes são responsáveis pelodesenvolvimento formal de novas tecnologias, novos pro-dutos e processos de maior conteúdo tecnológico einovativos e pela realização de testes e ensaios com no-vos materiais, componentes e produtos. A criação de es-truturas formais, internas às empresas, para desempenharessas funções certamente implicaria custos e riscos insu-portáveis para a maioria das organizações, sobretudo asde menor porte. Por isso, a interação com essas institui-ções, facilitada pela proximidade geográfica, revelou-sefundamental para a formação e consolidação de sistemaslocalizados de produção e inovação, complementando atransmissão de conhecimentos tácitos possibilitada pelamobilidade de trabalhadores e técnicos.

Por último, quanto às associações de classe e sindica-tos patronais, seu papel ainda é bastante limitado. Mesmoassim, a exemplo do que ocorreu com a indústria de mó-veis de Votuporanga, sua liderança pode ser decisiva parainiciar e coordenar ações coletivas e promover interaçõesdo setor produtivo com instituições locais visando o de-

senvolvimento de novas capacitações técnicas, tecnoló-gicas e inovativas. Porém, essa liderança depende de mui-tos fatores, nem sempre enraizados localmente, tais comolegitimidade política, domínio de códigos comuns de co-municação e ambiente sociocultural propício ao associati-vismo e à cooperação.

NOTAS

Os autores agradecem o apoio do CNPq, por meio do Auxílio Pes-quisa no 478.786/2003-4, e da Fapesp, por meio de bolsas de Ini-ciação Científica para Antonio Carlos Diegues Jr. (2004) e AnaPaula Munhoz Cerrón (2003-04). Agradecem também os Profes-sores Renato Garcia e João Furtado, ambos do Departamento deEngenharia da Produção da Escola Politécnica/USP, pelo estímu-lo, pelo apoio e pela ajuda nas pesquisas e no decorrer da elabora-ção do artigo.

1. Dentre eles destacam-se Saxenian (1994), Feldman (1994; 2001),Audretsch (1998), Audretsch e Feldman (1996) e Breschi e Malerba(2001).

2. Algumas informações foram sistematizadas por municípios,outras por microrregiões. Isso, no entanto, não oferece qualquerdificuldade à comparação, feita adiante, entre os padrões de distri-buição geográfica das instituições e dos sistemas localizados deprodução e inovação, identificados por microrregião.

3. A partir de 2004, os padrões de avaliação do ensino superiorforam reformulados e o Exame Nacional de Cursos foi extinto. Emseu lugar, surgiu o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes– Enade, cuja primeira edição ocorreu em novembro de 2004.

4. A discrepância com os dados da Rais, anteriormente citados, deve-se às diferentes metodologias adotadas na coleta de dados e infor-mações.

5. Disponível em: <http://www.ceeteps.br>.

6. Disponível em: <http://www.cefetsp.br>.

7. Disponível em: <http://www.sp.senai.br>.

8. Disponível em: <http://www.ciesp.com.br>.

9. Disponível em: <http://www.facesp.com.br>.

10. Disponível em: <http://www.sebrae.com.br>.

11. Disponível em: <http://www.mct.gov.br>.

12. Disponível em: <http://www.normalizacao.cni.org.br>.

13. Disponível em: <http://www.embrapa.br>.

14. Disponível em: <http://www.iac.sp.gov.br>.

15. Disponível em: <http://www.ital.org.br>.

16. Disponível em: <http://www.sp.senai.br/calcados/>.

17. Os referidos bacharelados correspondem aos diversos cursos deengenharia, farmácia-bioquímica, química, biologia e agronomia.

18. Informações diretas da Escola Senai Márcio Bagueira Leal, deFranca, referentes aos cursos oferecidos no segundo semestre de2005.

19. Em abril de 2005, o Peiex seria oficialmente lançado, mas al-gumas operações já estavam sendo executadas.

20. Conferir Agência de Inovação da Unicamp, disponível em:<http://www.inova.unicamp.br>.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005100

WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR

21. Ou seja, abrangendo não apenas atividades industriais mas tam-bém desenvolvimento de software e serviços relacionados.

22. Dentre as principais empresas do pólo de TIC de Campinasdestacam-se: IBM, Motorola, Nortel Networks, Ericsson, Solectron,Asga, Celestica, Trópico, além da Fundação CPqD.

23. Disponível em: <http://www.timaster.com.br/revista/revista.asp>.

24. Criado em 1976 como centro de P&D da extinta Telebrás, oCPqD é atualmente a Fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvi-mento em Telecomunicações.

25. Segundo a Agência de Inovação da Unicamp, a Unicamp é auniversidade que detém o maior número de patentes no país, com350 pedidos depositados até abril de 2005, além de 40 marcas e 55softwares (Disponível em: <http://www.inova.unicamp.br>).

26. Ver: <http://www.inova.unicamp/oportunidadeseprojetos/empresasfilhas.php>.

27. Dados da Rais/MTE (2002). Estimativas locais indicam que,considerando também os empregos informais, a indústria de mó-veis de Votuporanga gerava, em 2002, cerca de 6 mil empregos.

28. Segundo dados da Rais/MTE (2002) havia um total de 183empresas fabricantes de móveis na microrregião, considerando astrês classes CNAE: 36.110 (móveis de madeira), 36.129 (móveisde metal) e 36.137 (móveis de outros materiais). Levando em contao número de empregos gerados, pode-se constatar a baixa média deempregos por unidade empresarial.

29. Informações diretas prestadas em 2004 pela Fuvec, entidademantenedora do Cemad.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AUDRETSCH, D.B. Aglomeration and the location ofinnovative activity. Oxford Review of Economic Policy, v. 14,n. 2, 1998.

AUDRETSCH, D.B.; FELDMANN, M.P. R&D spillovers andthe geography of innovation and production. AmericanEconomic Review, v. 86, n. 3, p. 630-640, 1996.

BELUSSI, F.; GOTTARDI, G. Evolutionary patterns of localindustrial systems – Towards a cognitive approach to theindustrial district. Aldershot Ashgate Publishing Ltd, 2000.

BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Rais 2002 –Relação Anual de Informações Sociais do MTE.

BRESCHI, S.; MALERBA F. The geography of innovation andeconomic clustering: some introductory notes. Industrial andCorporate Change, v. 10, n. 4, p. 817-833, dez. 2001.

DIEGUES, A.C. Um estudo das atividades de software desenvol-vidas no pólo de Tecnologia de Informação e Comunicação daregião de Campinas. Relatório Final de Iniciação Científica(Fapesp – Processo 03/07816-4). Disponível em:<http://diegues-jr.sites.uol.com.br/Software_TIC_Campinas_BRAZIL.pdf>.

DIEGUES, A.C.; ROSELINO, J.E.S. Interação, aprendizadotecnológico e inovativo no pólo de TIC da região de Campinas:Uma caracterização com ênfase nas atividades tecnológicasdesenvolvidas pelas empresas beneficiárias da Lei de Informáti-ca. In: Encontro Nacional de Economia Política, 10. 2005.Disponível em: <http://diegues-jr.sites.uol.com.br/Diegues_Roselino_2005_-SEP.pdf>.

FELDMAN, M.P. The geography of innovation. Dordrecht:Kluwer Academic Press, 1994.

________. An examination of the geography of innovation.Industrial and Corporate Change, v. 2, n. 3, p. 451-470, 1993.

SAXENIAN, A. Regional Advantage: culture and competitionin Silicon Valley and Route 128. Cambridge: Harvard UniversityPress, 1994.

SOUZA, M.C.A.F.; GARCIA, R. O Arranjo Produtivo de AltaTecnologia da Região de Campinas – Estado de São Paulo –Brasil. Campinas: Unicamp/IE/Neit, 1998.

SUZIGAN, W.; FURTADO, J.; GARCIA, R.; SAMPAIO, S.E.K.Sistemas locais de produção: mapeamento, tipologia e sugestõesde políticas. Revista de Economia Política, v. 24, n. 4, p. 543-562, 2004.

SUZIGAN, W. (Coord.).; FURTADO, J.; GARCIA, R.;SAMPAIO, S.E.K. A dimensão regional das atividades de C,T&I.In: Indicadores de C,T&I em São Paulo – 2003. SãoPaulo: Fapesp, 2005. cap. 9.

SUZIGAN, W. (Coord.).; FURTADO, J.; GARCIA, R.;ROSELINO JR., J.E.S. Inovação e difusão tecnológica emsistemas produtivos locais: evidências e sugestões de políticas.Relatório de Pesquisa (“Perspectivas de Reestruturação dasPolíticas de Financiamento do Desenvolvimento Tecnológicono Brasil” – Convênio Finep/Fundap n. 64-00-0284-00).Campinas, ago. 2001.

TRULLÉN, J.; LLADÓS, J.; BOIX, R. Economia delconocimiento, ciudad y competitividad. In: ENCUENTRO DEECONOMIA APLICADA, 5, Oviedo, 6-8 jun. 2002.

WILSON SUZIGAN: Professor do Departamento de Política Científica eTecnológica – Instituto de Geociências/Unicamp e Editor da RevistaBrasileira de Inovação ([email protected]).

ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN: Economista pelo IE/Unicamp.

ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR: Economista pelo IE/Unicamp.

Artigo recebido em 27 de abril de 2005.Aprovado em 13 de maio de 2005.

101

BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA: DA CIÊNCIA...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.101-114, abr./jun. 2005

C

Resumo: O texto mostra a evolução recente da biotecnologia agrícola, sua situação no Brasil atual, e faz umbalanço de seus impactos econômicos e sociais. Chama atenção para o fato de esta tecnologia ter passadorapidamente do estágio de ciência para o de inovação, com impactos significativos na economia nacional.Palavras-chave: Biotecnologia agrícola. Impactos econômicos. Transgênicos.

Abstract: The paper show the recent agriculture biotechnology evolution, the brazilian situation anddoes a balance of the economics and socials impacts. The paper call attention to the fact of that technologyto be quickly changing from the science’s level to the innovation one, with significant impacts in thenational economy.Key words: Agricultural biotechnology. Economic impacts. Transgenic.

JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA

IZAIAS DE CARVALHO BORGES

ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN

om a descoberta da tecnologia do DNA recom-binante, a emergência da biotecnologia modernanos anos 70 significou uma mudança radical no

BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURAda ciência e tecnologia aos impactos da inovação

padrão tecnológico e organizacional de todos os setoresque direta ou indiretamente estão ligados às “ciências davida”. A agricultura – e toda a cadeia produtiva da agroin-dústria – está entre os setores que mais impactos vem so-frendo com a descoberta dessa nova tecnologia.

Primeiramente, a biotecnologia moderna causoumudanças radicais na estrutura do mercado da indústriade fertilizantes e de sementes e, conseqüentemente, aindústria de insumos sofreu impactos. Depois, a partirde 1996, ela passou a ser introduzida na agricultura, pormeio de sementes geneticamente modificadas. Finalmen-te, ela também começa a causar impacto na indústria deprocessamento, com a necessidade de rotulagem e

rastreamento dos produtos derivados de cultivos gene-ticamente modificados.

Este artigo visa mostrar a evolução do crescimento daprodução de cultivos geneticamente modificados e seusprincipais impactos econômicos, a partir de 1996. Na pri-meira parte faz uma breve descrição da biotecnologia agrí-cola moderna, suas principais aplicações, sua difusão,principais produtos e produtores. Em seguida, apresentauma análise da biotecnologia no Brasil, país com grandepeso no comércio mundial de commodities, com boa infra-estrutura científica e tecnológica, mas com sérios obstá-culos institucionais que o impedem de ter grande inser-ção no comércio mundial de cultivos geneticamentemodificados. E, finalmente, analisa os principais estudosde impactos econômicos da difusão dos cultivos geneti-camente modificados na agricultura, para os três grupos

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 101-114, abr./jun. 2005102

JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA / IZAIAS DE CARVALHO BORGES / ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN

2,8

12,8

39,944,2

52,658,7

67,7

27,8

0

10

20

30

40

50

60

70

80

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Anos

Área plantada em milhões de hectares

de commodities com maior proporção de variedades gene-ticamente modificadas: soja, algodão e milho. Os impactossão estudados sobre três variáveis: custo de produção,produtividade e inserção no mercado.

BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

A biotecnologia pode ser definida como um conjuntode técnicas de manipulação de seres vivos ou parte destespara fins econômicos. Esse conceito amplo inclui técni-cas que são utilizadas em grande escala na agriculturadesde o início do século XX, como a cultura de tecidos, afixação biológica de nitrogênio e o controle biológico depragas. Mas o conceito inclui também técnicas modernasde modificação direta do DNA de uma planta ou de umorganismo vivo qualquer, de forma a alterar precisamen-te as características desse organismo ou introduzir novas.

A técnica de transferência e modificação genética di-reta, conhecida como engenharia genética ou tecnologiado DNA recombinante, mais a genômica, ficaram conhe-cidas como “biotecnologia moderna”, em contraposiçãoà “biotecnologia tradicional ou clássica”, que inclui astécnicas tradicionais, que manipulam seres vivos semmanipulação genética direta.

Portanto, o surgimento da biotecnologia moderna marcao início de um novo estágio para a agricultura e reservaum papel de destaque à genética molecular. Os avançosno campo da genética vegetal têm como efeito reduzir adependência excessiva da agricultura das inovações me-cânicas e químicas, que foram os pilares da revoluçãoverde. Além do aumento da produtividade, a biotecnologiamoderna pode contribuir para a redução dos custos deprodução, para a produção de alimentos com melhor qua-lidade e para a o desenvolvimento de práticas menos agres-sivas ao meio ambiente.

Assim, a principal contribuição da biotecnologia mo-derna à agricultura é a possibilidade de criar novas espé-cies a partir da transferência de genes entre duas outrasdistintas. Essa transferência visa ao desenvolvimento deuma planta com um atributo de interesse econômico, comoé o caso das plantas resistentes a vírus ou a pragas.

Os primeiros experimentos com cultivos geneticamen-te modificados (GM) foram feitos em 1986, nos EstadosUnidos e na França. A primeira variedade comercializadade uma espécie vegetal produzida pela engenharia gené-tica foi o “tomate FlavrSavr”, desenvolvido pela empresaamericana Calgene e comercializada a partir de 1994(BORÉM; SANTOS, 2001).

Entre 1987 e 2000 foram realizados mais de 11.000 en-saios de campo em 45 países, com mais de 81 cultivos GMdiferentes. As culturas mais freqüentemente testadas fo-ram milho, tomate, soja, canola, batata e algodão, e as ca-racterísticas genéticas introduzidas foram tolerância aherbicidas, resistência a insetos, qualidade do produto eresistência a vírus (BORÉM; SANTOS, 2001).

A utilização de cultivos GM para fins comerciais e emgrande escala iniciou-se em 1996, nos Estados Unidos,com a introdução da soja RR. Como mostra o Gráfico 1,entre 1996 e 2003, a área plantada com cultivos GM cres-ceu de 2,8 milhões para 67,7 milhões de hectares.

GRÁFICO 1

Expansão Mundial da Produção de Cultivos GM

1996-03

Fonte: James (2004).

Quanto aos atributos dos cultivos GM, há uma concen-tração nos cultivos tolerantes a herbicidas e nos resisten-tes a insetos. Em 2003, da área total com cultivos GM,73% referiam-se a variedades tolerantes a herbicidas, 18%a variedades resistentes a insetos e 9% apresentavam asduas funções (JAMES, 2004).

Quanto aos produtos, a produção de cultivos GM estáconcentrada em quatro grupos de commodities de grandevalor do comércio mundial: soja, milho, algodão e canola.Como mostra o Gráfico 2, a soja é o principal produto,pois responde por cerca de 60% da área mundial plantadacom cultivos GM. Quanto à taxa de difusão (relação entrea produção de cultivos GM e os cultivos convencionais),a soja também se destaca dos demais, pois sua taxa deadoção em 2003 foi de cerca de 55% em relação a produçãomundial, como mostra o Gráfico 3. Nos Estados Unidos ena Argentina (primeiro e terceiro maiores produtoresmundiais), essa taxa atinge 85% e 99%, respectivamente.

103

BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA: DA CIÊNCIA...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.101-114, abr./jun. 2005

0,29

0,460,52 0,54 0,58

0,63 0,62 0,61

0,18

0,290,30 0,28 0,23

0,19 0,21 0,230,47

0,130,09 0,09 0,13 0,13 0,12 0,11

0,06 0,09 0,09 0,06 0,05 0,05 0,050,11

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Soja Milho Algodão Canola

100

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0 Anos

Em % da área plantada

GRÁFICO 2

Distribuição dos Cultivos GM, por Produtos

1996-03

Fonte: Elaborado a partir de James (vários anos).

GRÁFICO 3

Taxa de Adoção de Cultivos GM, por Produtos

2003

Fonte: James (2004).

41,4

7,2

34,6

26,818,4

124,5

15,53,60

20

40

60

80

100

120

140

160

Soja Algodão Canola Milho

Área de Transgênicos Área de Não-TransgênicosEm milhões de hectares

(55% ) (21% ) (16% ) (11% )

Como já foi mencionado antes, a difusão dos GM temsido acelerada. Entre 1996 e 2003, a taxa de crescimentogeométrico anual da área plantada com cultivos trans-gênicos foi de 46,42%. Apesar da grande participação dosEstados Unidos, a Tabela 1 mostra que a difusão ocorreutambém nos países em desenvolvimento, com destaque

para a Argentina, que apresentou no mesmo período umataxa de crescimento geométrico anual de 80%.

Atualmente, os cultivos GM estão presentes em 18 paí-ses, os quais têm grande peso na economia regional emundial. Os dez principais produtores de cultivos GM em2003 tinham população de aproximadamente 3 bilhões depessoas e PIB de US$ 13 trilhões, quase a metade dosUS$ 30 trilhões do PIB mundial. Afora os Estados Unidos,estão entre os países produtores de cultivos GM: os trêspaíses mais populosos da Ásia (China, Índia e Indonésia)as três maiores economias da América Latina (Brasil, Mé-xico e Argentina) e a principal economia africana (Áfricado Sul).

Além do peso nas economias regionais, os países pro-dutores de cultivos GM destacam-se também no comér-cio mundial de commodities. Como mostra a Tabela 2, osmaiores produtores mundiais de soja, milho e algodão jáadotaram cultivos GM.

A dimensão da difusão geográfica dos cultivos GM ficamais evidente quando são analisados os principais pro-dutos disponíveis e aprovados para comercialização.1

Como a produção de soja, milho e algodão é concentradaem poucos países, é natural que a quantidade de paísesque produzem as variedades GM não seja muito maior. Asoja, por exemplo, tem 93% da produção mundial cultiva-da em apenas cinco países. No caso do milho e do algo-dão, a concentração é um pouco menor, mas ainda assim émuito elevada: os cinco maiores produtores representam

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 101-114, abr./jun. 2005104

JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA / IZAIAS DE CARVALHO BORGES / ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN

TABELA 1

Expansão da Área Plantada com Cultivos Transgênicos

1996-03

Áreas com Em milhões de hectares Taxa de Crescimento

Cultivos Transgênicos Geométrico Anual

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 (%)

Total 2,8 12,8 27,8 39,9 44,2 52,6 58,7 67,7 46,4

Países Desenvolvidos 1,6 9,5 23,4 32,8 33,5 39,1 42,7 47,3 47,7

Estados Unidos 1,5 8,1 20,5 28,7 30,3 35,7 39 42,8 48,7

Países em Desenvolvimento 1,2 3,3 4,4 7,1 10,7 13,5 16 20,4 45,5

Argentina 0,1 1,4 4,3 6,7 10 11,8 13,5 13,9 80,0

Fonte: Elaborado a partir de James (vários anos).

TABELA 2

Participação na Produção Total dos Cinco Principais Produtores

Mundiais de Soja, Milho e Algodão

Países Selecionados – 2003

Participação na Adoção de CultivosProdutos / Países

Produção Mundial (%) GM

Soja (em grãos)

Total 93,0

Estados Unidos 35,0 Sim (85%)

Brasil 27,0 Sim (10-20%)

Argentina 18,0 Sim (99%)

China 9,0 Não

Índia 4,0 Não

Milho

Total 71,0

Estados Unidos 40,0 Sim (30%)

China 18,0 Não

Brasil 7,0 Não

México 3,0 Sim (1)

Argentina 2,0 Sim (1)

Algodão (em plumas)

Total 71,0

China 26,0 Sim (58%)

Estados Unidos 20,0 Sim (37%)

Índia 12,0 Sim (1)

Paquistão 9,0 Sim (1)

Brasil 4,0 Não

Fonte: FNP-Agrianual (2004) e James (2004).

(1) Sem informação exata sobre a taxa de adoção.

71% da produção mundial. Assim, o importante é salientarque, como mostra a Tabela 2, dentre os maiores produto-res mundiais dessas commodities, todos já produzem oufazem experimentos de campo com cultivos GM.

A existência de restrições ao comércio de produtos GMem diversos países, especialmente na União Européia, nãoimpediu seu vigoroso crescimento no mercado mundial.Entre 2002 e 2003, o valor comercializado com GM aumen-tou de US$ 4 bilhões para algo estimado entre US$ 4,5 bi-lhões e US$ 4,75 bilhões. Em 2002, a participação mundialdesse tipo de cultivo já era de 15% dos US$ 31 bilhões domercado global de proteção de plantas e 13% dos US$ 30bilhões do mercado de sementes. Entretanto, esse valor demercado baseia-se apenas no preço das sementes acresci-do das taxas de tecnologias aplicáveis (JAMES, 2004).

Se for considerado também o volume de comércio dastrês principais commodities com cultivos GM, o valor domercado mundial é bem maior do que os US$ 4,5 bilhões.A Tabela 3 apresenta um valor subestimado do volume deprodução e de exportação mundial de cultivos GM em 2003.Esses valores estão subestimados porque não incluem aprodução de canola e porque não é possível mensurar cor-retamente a produção em países como o Brasil devido àvasta produção clandestina.

Tomando como base os dados sobre as taxas de ado-ção apresentados por James (2004) estima-se que a produ-ção total de cultivos GM dos três principais produ-tos foi de aproximadamente US$ 30 bilhões em 2003 (Tabe-la 3). Já as exportações de cultivos GM de soja, algodão emilho em 2003, foi de aproximadamente US$ 8,3 bilhões. Asoja é o principal produto GM em termos de volume de ex-portações, representando 90% das exportações de culti-vos GM em 2003.

105

BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA: DA CIÊNCIA...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.101-114, abr./jun. 2005

TABELA 3

Volume Estimado da Produção e da Exportação Mundial

de Cultivos GM, por Produtos

2003

Volume da Produção Produção

e Exportação Soja Algodão Milho Total

Produção Total

Em milhões de toneladas 196 19 599 814

Em milhões de US$ (1) 41.885 890 57.264 100.039

Taxa de Adoção

de Transgênicos (%) 55,0 21,0 11,0

Produção de Transgênicos

Em milhões de toneladas 108 4 66 178

Em milhões de US$ (1) 23.037 187 6.299 29.523

Exportação

Em milhões de toneladas 63 6,6 76 146

Em milhões de US$ (1) 13.463 309 7.265 21.037

Taxa de Adoção

de Transgênicos (%) 55,0 21,0 11,0

Exportação de Transgênicos

Em milhões de toneladas 35 1 8 44

Em milhões de US$ (1) 7.405 65 799 8.269

Fonte: James (2004); FNP (2004).

(1) Calculado com base no preço de primeira entrega em Chicago.

BIOTECNOLOGIA AGRÍCOLA NO BRASIL

O Brasil é um país com grande potencial para o desen-volvimento da biotecnologia agrícola. Em primeiro lugar, éum país detentor de grande diversidade biológica e o maisrico em plantas, animais e microorganismos, com cerca de20 % do total existente. No caso de plantas superiores, oBrasil possui cerca de 55 mil espécies, o equivalente a 21%do total classificado em todo o mundo. Essa elevada con-centração de biodiversidade mostra que existe um eleva-do número de genes tropicais e de genomas funcionais(VALOIS, 2001).

Em segundo lugar, dentre os países em desenvolvimen-to, o Brasil é considerado um Super NARS. Ou seja, é umpaís que possui um forte sistema nacional de pesquisaagrícola (TRAXLER, 2000). O Brasil é o único país tropicalconsiderado um grande player no cenário agrícola mun-dial. Essa posição foi conquistada com muitos anos de pes-

quisa científica voltada para um melhor aproveitamento dassuas vantagens naturais: clima tropical e subtropical, cer-rados (que permitem rápida expansão da área cultivada eaumento rápido da produtividade) e germoplasma selecio-nado e adaptado de grande variabilidade (obrigação fren-te à grande variabilidade ambiental). A pesquisa científicacontribuiu não apenas para o aumento da produtividade,mas também para a melhora na qualidade dos produtos epara o aumento da diversificação da produção. A produ-ção de soja na região Centro-Oeste e a de frutas na regiãoNordeste são exemplos da contribuição da pesquisa paraa diversificação.

No caso da biotecnologia, o Brasil possui uma amplarede de pesquisa, que tem a liderança do setor público,mas conta também com a participação de empresas priva-das. Nas pesquisas genômicas, por exemplo, diversas eta-pas foram realizadas com a ajuda do setor privado.

Atualmente existem no Brasil diversos grupos em ins-tituições públicas e universidades que estão desenvolven-do pesquisas com transgenia e genômica. Em 2000 havia6.616 pesquisadores trabalhando com biotecnologia nopaís, distribuídos em 1.718 grupos e 3.814 linhas de pes-quisas. As ciências agrárias lideravam os grupos, com 1.075linhas de pesquisa. Grande parte dessa pesquisa estavaconcentrada em instituições públicas, mas, nos últimosanos, vem crescendo a participação das empresas priva-das (SALLES FILHO, 2000).

Como mostra o Quadro 1, as pesquisas com transgeniano país têm a liderança da Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária – Embrapa e de algumas universidades pú-blicas. As pesquisas são direcionadas não apenas ao de-senvolvimento de transgênicos com “propriedades agro-nômicas” (como resistência a pragas e tolerância aagrotóxicos), mas também com modificações na qualidadede produto, como é o caso da pesquisa para o desenvol-vimento de um eucalipto com maior produção de celulose.

Outra área de destaque no Brasil é a da genômica. Aspesquisas genômicas tiveram início em maio de 1997, coma iniciativa da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estadode São Paulo – Fapesp em organizar a Rede ONSA (do in-glês, Organização para o Seqüenciamento e Análise deNucleotídeos), que é um instituto virtual de genômica for-mado inicialmente por 30 laboratórios de diversas institui-ções de pesquisa do Estado de São Paulo.

Além da Fapesp, o Ministério da Ciência e Tecnologia(MCT) e o Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq estãofinanciando diversos projetos genomas no país. Em de-zembro de 2000, eles lançaram o Projeto Genoma Brasilei-

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 101-114, abr./jun. 2005106

JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA / IZAIAS DE CARVALHO BORGES / ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN

ro com a participação de 25 laboratórios de biologiamolecular, distribuídos em todas as regiões geográficas dopaís (DAL POZ et al., 2004).

Há financiamento para diversos estudos genômicos nocampo da saúde humana,2 mas grande parte deles está vol-tada para a resolução de problemas da agricultura. O Qua-dro 2 mostra, de forma resumida, os principais estudosgenômicos de plantas e de outros organismos de interes-se para agricultura desenvolvidos nos últimos anos. Afo-ra esses, iniciou-se em 2002, com financiamento da Fapesp,o estudo do genoma funcional do boi, que poderá ter gran-de impacto na pecuária brasileira.

Além do setor público, a rede de pesquisa e inovaçãono Brasil conta com a participação ativa do setor privado.Um estudo realizado em 2001 pela Fundação Biominas, combase em dados da Base de Dados Tropicais (BDT) e da As-sociação Brasileira de Empresas de Biotecnologia (Abrabi),identificou a existência de 304 empresas de biotecnologiano país, distribuídas em 10 segmentos de mercado, dentreas quais, 37 atuam em agronegócios (JUDICE, 2004).

Uma parte considerável das empresas de biotecnologiano mercado de agronegócios produz e comercializa se-mentes melhoradas e conta com a participação das gran-des empresas multinacionais, como Monsanto e Dupont.Mas também existem empresas que atuam em outros seg-mentos, como a produção de mudas e matrizes e a produ-ção de inoculantes e de controle biológico (FONSECA etal., 2004).

Entretanto, apesar de existir uma forte rede de pesqui-sas e desenvolvimento e de o país ser um grande produtore exportador agrícola, a difusão de organismos genetica-mente modificados na agricultura é muito inferior à realiza-da nos outros competidores no comércio internacional,

como os Estados Unidos e Argentina. Em 2003, a produ-ção de transgênicos no Brasil representava apenas 4% daprodução mundial. Além disso, a soja RR era o único pro-duto transgênico produzido no país, embora este tambémfosse produtor de milho e algodão (JAMES, 2004).

A dificuldade para criar um quadro regulatório estávele coerente nos últimos oito anos foi a principal causa parao atraso do Brasil em relação aos seus concorrentes. Ape-sar do Decreto no 1.752, de 20 de dezembro de 1995, queregulamentou a Lei de Biossegurança e conferiu a CTNBioo poder de emitir pareceres conclusivos, uma ação judicialmovida pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor(Idec) e pelo Greenpeace impede a produção e a comer-cialização desses produtos desde 1998.

Entretanto, essa situação não impediu a difusãoclandestina da soja transgênica no país, principalmenteno estado do Rio Grande do Sul. O grande volume decolheita transgênica nesse estado forçou o governofederal a emitir, em 2003, uma medida provisória queliberava essa colheita.

Em 2004, a área cultivada com soja transgênica no Bra-sil foi de 5.610 milhões de hectares – o equivalente a qua-se um terço da área cultivada com soja convencional. Mas,considerando-se as vantagens da soja transgênica para osprodutores e um possível avanço no quadro regulatórioda biossegurança, as projeções são de aumento da parti-cipação da soja transgênica na produção brasileira.

Assim, a aprovação e sanção recente de uma Lei deBiossegurança criaram grandes expectativas em diversossetores envolvidos com alguma atividade no campo dabiotecnologia: instituições públicas de pesquisa, univer-sidades, empresas privadas nacionais e estrangeiras e fun-dos de investimento ao capital de risco.

QUADRO 1

Pesquisas da Embrapa para o Desenvolvimento de Plantas Geneticamente Modificadas

Produtos Instituição

• Plantas que produzem hormônios Embrapa/Unicamp

• Mamão resistente ao vírus da manda anelar Embrapa

• Feijão tolerante ao vírus do mosaico dourado Embrapa

• Soja tolerante à herbicida Embrapa

• Milho com alto teor de metionina Embrapa

• Milho e Sorgo resistente à alumínio Embrapa

• Batata resistente a vírus Embrapa

• Arroz resistente a insetos Universidade Federal do Rio de Janeiro

• Laranja resistente a vírus Al le lyx

• Maracujá resistente a doenças Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – Esalq

• Eucalipto com maior produção de celulose Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – Esalq

Fonte: Embrapa (2004); CIB (2004).

107

BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA: DA CIÊNCIA...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.101-114, abr./jun. 2005

OS IMPACTOS ECONÔMICOS DOS CULTIVOSGENETICAMENTE MODIFICADOS

Neste item será feita uma análise dos impactos econô-micos da difusão da biotecnologia moderna na agricultura.A principal questão é saber se o uso da nova tecnologiaaumenta a competitividade do produtor agrícola peranteseus concorrentes. Para isso, serão analisados os impac-tos sobre o nível de custos de produção e de produtivida-de e a inserção dos cultivos GM no mercado.

A literatura sobre os impactos dos cultivos GM ainda émuito escassa. Grande parte dos estudos está concentra-da nos impactos sobre custos e produtividade na produ-ção de soja RR nos Estados Unidos e na Argentina, dealgodão Bt na China e de milho Bt na Espanha e nos Esta-dos Unidos.

Impactos Econômicos Diretos:Custos e Produtividade

A seguir, serão mostrados os principais impactos eco-nômicos dos cultivos GM comercializados atualmente nomundo, segundo seus atributos: tolerância a herbicida eresistência a insetos.

Cultivos Tolerantes a Herbicidas – A soja RR é o princi-pal produto do grupo dos cultivos GM tolerantes aherbicidas. Foi desenvolvida com a introdução do geneda bactéria Agrobacterium tumefaciens em seu DNA.Essa bactéria vive naturalmente no solo e é resistente aoglifosato – um herbicida de amplo espectro. Assim, a sojaque recebe o gene dessa bactéria também torna-se resis-tente.

Segundo Bonny (2003), uma das principais vantagensda soja RR é a simplificação do trabalho de remover as ervasdaninhas. Na soja convencional, os produtores precisamfazer diversas aplicações de herbicidas e mesmo assimmuitas são de difícil controle. Assim, a soja RR facilita agerência da erva daninha, simplifica o uso de herbicidas ereduz o risco e falta de controle sobre as pragas.

Além dessas vantagens, alguns autores também rela-tam impactos significativos sobre os custos de produçãoe produtividade. Segundo Hubbell e Welsh (1998), em 1996,nos Estados Unidos, a adoção da soja RR provocou umaredução de custos por hectare entre US$ 17 e US$ 30 nopaís como um todo. Moschini et al. (2000) estimou um ga-nho de custo de US$ 20 por hectare. Em alguns estados, adiferença de custos entre a soja RR e a tradicional foi in-significante, como é o caso do Estado de Iowa (DUFFY,2001). Em outros, a diferença de custos chegou a US$ 40ou mais (GIANESSI et al., 2002).

Na Argentina, os principais benefícios da soja RR paraos produtores foram a redução dos custos de produção ea expansão da área plantada. De acordo com Trigo et al.(2003), a grande vantagem da soja RR foi a redução do custovariável, principalmente a redução dos gastos com herbi-cidas, máquinas e mão-de-obra. A redução dos custosdesses três fatores foi mais que suficiente para compensaro aumento do custo com sementes.

Segundo Trigo et al. (2003), a soja transgênica não sócausou impacto sobre os custos de produção, como tam-bém sobre o rendimento e os volumes de produção e co-mércio. Na Argentina, a soja RR contribuiu para o aumentoda área com plantio direto e, conseqüentemente, para oaumento da área plantada. Entre 1996 e 2003, a área planta-da com soja aumentou de 6,4 milhões para 12,8 milhões de

QUADRO 2

Estudos Genômicos no Brasil: Plantas, Fitopatógenos e Microorganismos de Interesse para a Agricultura

Projeto Instituição

• Xylella fastidiosa Fapesp e Fundecitrus

• Genoma Cana Fapesp e Canavialis

• Programa Genoma do Estado do Paraná Universidade Federal do Paraná/MCT/CNPq

• Programa Genoma do Estado do Rio de Janeiro Universidade Federal do Rio de Janeiro/MCT/CNPq

• Rede Genômica no Estado da Bahia Universidade Estadual de Campinas/MCT/CNPq

• Genoma da Laranja Ale l lyx

• Genoma Xanthomonas Fapesp

• Projeto Forests Fapesp

• Genoma da Banana Embrapa

• Leifsonia xyli Fapesp

• Genoma do Café Embrapa

Fonte: Dal Poz et al. (2004).

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 101-114, abr./jun. 2005108

JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA / IZAIAS DE CARVALHO BORGES / ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN

TABELA 4

Impactos da Adoção de Algodão Bt nas Principais Regiões Produtoras

1999-2001

ParticipaçãoVariações no Custo dos Insumos e do Rendimetno após a

Taxa de Variação na

na ProduçãoIntrodução do Algodão Bt (Em %)

Adoção do Produtividade

Países/Regiões Mundial Algodão BT Induzida pelo

(Em %) (Em %) Algodão Bt

Inseticidas Sementes Mão-de-Obra Rendimento

Austrália 4,3 -80 80 -2 0 25 3,24

China 15,1 -82 220 -9,5 15 58 7,65

Índia 16 -49 386 34 58 25 10,2

EUA 15,5 -80 80 -2 0 37 1,74

Canadá 2,7 -77 166 -15 8,5 30 1,49

América Latina 7,5 -46 166 17 33 5 1,85

África do Sul 1,3 -25 110 -8 18 40 8,21

África Central e Ocidental 5,1 -25 110 -8 18 25 5,29

Fonte: Elbehri; Macdonald (2005).

hectares. Como essa expansão ocorreu através da combi-nação de plantio direto-soja de segunda, não houve a subs-tituição de outros cultivos (TRIGO et al., 2003).

A introdução da soja GM na Argentina apresentou ain-da dois outros resultados: aumento do rendimento e das ex-portações. Entre 1996 e 2003, o rendimento na produção desoja na Argentina aumentou cerca de uma tonelada porhectare: passou de 1.720 kg/ha para 2.764 kg/ha. Já a expor-tação, somando a de grãos e a de derivados (farelos e óleo),mais do que triplicou em sete anos (TRIGO et al., 2003).

O aumento da produção de soja na Argentina nesseperíodo objetivou essencialmente o mercado externo. Em2003, 97% da produção de farelo e 99,5% de óleo foramexportadas. No mesmo ano, esses dois produtos argenti-nos representaram, respectivamente, 41,3% e 47,9% dasexportações mundiais (FNP, 2004).

Cultivos Resistentes a Insetos – A principal vantagemeconômica dos cultivos GM resistentes a insetos é a redu-ção dos gastos com inseticidas, implicando uma reduçãono custo variável de produção. Assim, as vantagens deutilizar a variedade GM dependerão da participação dosgastos com inseticidas na planilha de custos do produtor.Quanto maior for a incidência de pragas, maiores serão asvantagens da variedade GM.

Os dois principais produtos resistentes a insetos co-mercializados atualmente são o algodão Bt e o milho Bt.O algodão Bt contém um gene da bactéria Bacillusthuringiensis (Bt), resistentes a pragas de insetos e foicultivado pela primeira vez em 1996, na Austrália, Méxi-co e nos Estados Unidos. Posteriormente foi introduzido

comercialmente em outros seis países: Argentina, China,Colômbia, Índia, Indonésia e África do Sul (JAMES, 2004).

O algodão Bt é muito eficiente para combater pragas delagartas, como a rosada do algodoeiro (Pectinophoragossypiella), e a cápsula do algodoeiro (Helicoverpa zea)e é parcialmente eficiente contra a lagarta do broto do ta-baco (Heliothis virescens) e a lagarta negra (Spodopterafrugiperda). Essas pragas prejudicam a produção em di-versas zonas produtoras de algodão, mas existem outrasque não são combatidas pelo Bt e que continuam necessi-tando do uso de praguicidas químicos. Como conseqüên-cia, os efeitos do algodão Bt nas diversas regiões produ-toras serão diferentes, dependendo da intensidade deincidências de pragas suscetíveis ao Bt.

A produção de algodão convencional depende decisi-vamente dos inseticidas químicos para combater os inse-tos. Segundo o Relatório da FAO (Food and AgricultureOrganization of the United Nations), a produção de algo-dão consome cerca de 25% de todos os praguicidas agrí-colas utilizados em todo o mundo. Na China – que é omaior produtor de algodão do mundo – até 1998, cerca de20% do custo total da produção de algodão era com inse-ticidas (HUANG et al., 2003).

Os resultados mais evidentes do uso do algodão Bt sãoa redução dos custos, o aumento do rendimento e da pro-dutividade. A Tabela 4 apresenta um resumo de estudosdos impactos do algodão Bt nos diversos países produto-res. Os dados mostram que em todos os países houve re-dução de custos e incrementos de produtividade, com oseguinte padrão geral: os ganhos de produtividade foramsignificativos na Ásia (China e Índia) e na África do Sul,

109

BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA: DA CIÊNCIA...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.101-114, abr./jun. 2005

mas foram pequenos nos Estados Unidos. Em compensa-ção, a redução dos custos com inseticidas foi maior nessepaís do que nos demais, com exceção da China. A Índia,que teve o maior aumento da produtividade, também apre-sentou maior aumento no custo com sementes.

As diferenças entre os impactos sobre os custos, mos-tradas na Tabela 4, explicam-se pelas diferenças climáti-cas, que afetam a incidência de pragas. Nas regiões ondeo uso de inseticidas é muito intenso, o algodão Bt é maiscompetitivo do que o tradicional – mesmo com o aumen-to do custo da semente – pois a redução nos gastos cominseticidas é muito grande (considerando que a participa-ção destes na planilha de custos é muito maior do que aparticipação da semente). Nos Estados Unidos, por exem-plo, em apenas dois estados – Louisiana e Tennessee –não houve aumento da produtividade com a utilização doalgodão Bt. As diferenças regionais dos impactos estãorelacionadas com a incidência de pragas. Eles são maiselevados nas regiões que têm maior incidência e que, por-tanto, utilizam grandes quantidades de inseticidas(MARRA et al., 2002).

O país que mais se beneficiou da queda no custo deprodução foi a China. Entre 1999 e 2001, os gastos cominseticidas tiveram uma redução de 80%. Um estudo rea-lizado com 482 unidades produtivas de algodão – 337produtores de algodão GM e 45 de algodão convencional– mostrou que, em média, o número de aplicações de in-seticidas por hectare nas unidades que produzem algodãoBt é um terço das demais. A quantidade (kg/ha) e o custo(em US$/ha) nas unidades produtoras de Bt é um sexto dodas demais unidades (HUANG et al., 2003).

Além da redução dos gastos com inseticidas, o algo-dão Bt trouxe outras vantagens para os produtores. Nor-malmente a utilização de inseticidas químicos está relacio-nada com um inconveniente: as pragas desenvolvemresistências, o que, na ausência de outro produto eficien-te, inviabiliza a produção. Mas, no caso da tecnologia Bt,a ação contra as pragas estão sempre presentes na planta.Considerando que os agricultores aplicam os inseticidasquímicos somente depois de detectar a presença das pra-gas e seus estragos, a tecnologia Bt impede a perda parci-al da lavoura. Além disso, a eficiência dos inseticidas quí-micos, ao contrário do Bt, depende também das condiçõesmetereológicas, já que a chuva pode impedir a ação dosprodutos jogados sobre as plantas. Por fim, o algodão Btoferece aos agricultores mais certeza de combate às pragas,já que é eficiente contra os insetos que têm criado resistênciaaos inseticidas químicos disponíveis (HUANG et al., 2003).

Os estudos com o milho Bt mostram resultados muitoparecidos com os do algodão. A utilização do milho Bttambém causou impactos positivos sobre a produtivida-de, sobre o lucro e sobre os custos de produção. Mas aamplitude desses impactos variou em função da incidên-cia de pragas em cada região (BROOKES, 2003).

Como no caso do algodão, a redução nos custos da pro-dução de milho convencional também está diretamente re-lacionada com a intensidade em que é aplicado inseticida.O estudo de Brookes (2003) comparou os custos das duasprincipais regiões produtoras de milho na Espanha –Sarinena e Barbastro. Na região de Sarinena, onde o usode inseticidas era intenso, a redução do custo total de pro-dução foi de 23,5% em média; mas, em alguns casos, che-gou a 83,5%. Já na região de Barbastro, onde o uso de in-seticidas era muito reduzido, a adoção do milho Bt causouum aumento de 18,5% no custo total de produção, porqueos custos mais elevados com sementes não foram compen-sados com a redução dos custos com inseticidas.

Além dos impactos sobre o custo, a utilização do milhoBt está permitindo um maior aproveitamento da safra paraa produção de alimento humano e animal. Uma pesquisarecente em 107 unidades produtivas, mostrou que os ní-veis de fumonisinas (toxinas) encontradas nos grãos demilho Bt foram menores do que nas variedades conven-cionais. Por isso, a produção de milho Bt aumenta a por-centagem de grãos de milho que podem ser utilizados paraconsumo humano e rações (HAMMOND et al., 2004).

A Inserção no Mercado

Para a difusão de um novo produto não bastam custosde produção mais baixos ou rendimentos mais elevados: énecessário, também, que esse produto seja aceito pelomercado consumidor. No caso dos cultivos GM, a aceita-ção do mercado está relacionada não apenas com a prefe-rência do consumidor, mas também com as regulamenta-ções existentes nos países compradores.

Os Estados Unidos, como grande produtor e grandeexportador de produtos agrícolas, adotam o “princípio daequivalência substancial”, que considera o cultivo GMequivalente ao convencional. Já a União Européia, grandeimportadora de produtos agrícolas, adotou o “princípio daprecaução”, que considera o cultivo GM diferente doconvencional, portanto, a Europa acredita que o cultivo eo consumo de produtos GM podem causar problemas aindadesconhecidos sobre o meio ambiente e a saúde humana eanimal.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 101-114, abr./jun. 2005110

JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA / IZAIAS DE CARVALHO BORGES / ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN

Essa divergência entre os países que cultivam produ-tos GM – sobretudo Estados Unidos e Argentina – e aUnião Européia tem servido de argumento para os defen-sores da tese “Brasil livre de transgênicos”. Segundo es-tes, as supostas barreiras aos produtos GM colocadas pelaEuropa cria um mercado para os produtos convencionais.Assim, o Brasil, livre de transgênicos, poderia ser o gran-de fornecedor para esses mercados.

Entretanto, a evolução recente do mercado de produtosGM mostra que essa tese não se sustenta. No caso do mer-cado de soja, por exemplo, a evolução recente não indicanenhuma vantagem da soja convencional em relação à sojaGM.

Nos últimos dez anos ocorreram duas modificações naestrutura do mercado mundial de soja: uma, do lado dademanda; e outra, do lado da oferta. Primeiro, houve umaumento significativo de participação da Ásia – sobretu-do da China – nas importações mundiais. Pelo lado da ofer-ta, houve um aumento da participação do Brasil nas expor-tações mundiais.

Entre os críticos da adoção de transgênicos no Brasil,há uma tendência em interpretar esse aumento espetacu-lar das exportações brasileiras como uma sinalização ine-quívoca de que o mercado consumidor dá preferência à sojatradicional. Entretanto, existem outros dados que dificul-tam essa interpretação de que a “preferência por soja con-vencional” explica isoladamente o aumento das exporta-ções brasileiras. Há outras variáveis que devem serconsideradas, dentre as quais destacam-se:- o desempenho comercial da Argentina;

- o aumento dos custos de produção da soja nos EUA;

- as mudanças na estrutura da demanda mundial;

- o desempenho comercial do Rio Grande do Sul;

- a evolução do preço da soja convencional.

As Tabelas 5 e 6 mostram a evolução das exportaçõesmundiais de soja entre 1993 e 2002. O que se observa é umamudança significativa nesse período, com uma queda daparticipação dos Estados Unidos e um aumento da partici-pação do Brasil e da Argentina. Mesmo com um aumentoabsoluto de cerca de oito milhões de toneladas, as expor-tações dos Estados Unidos caíram de 75% da exportaçãomundial, em 1993, para 55%, em 2002.

Essa queda de market-share da soja dos EstadosUnidos foi resultado de dois problemas: queda na produ-tividade e aumento dos custos (WILKINSON, 2002;PEREIRA, 2004). E esses dois problemas não estãorelacionados com o uso da soja GM.

O aumento dos custos de produção não está relaciona-do com o aumento dos custos de sementes, mas sim com oaumento dos custos fixos – principalmente o custo da ter-ra. Os custos fixos nos Estados Unidos, em 2000, eram 75%maiores do que no Brasil e 50% maiores do que na Argen-tina (WILKINSON, 2002).

Já a queda na produtividade é devida a eventos climá-ticos e não ao uso da semente GM. Só em 2003, os EstadosUnidos perderam cerca de 13 milhões de toneladas de sojaem relação a sua estimativa inicial, que era de 80 milhõesde toneladas (PEREIRA, 2004).

Do mesmo modo, o aumento da produtividade no Bra-sil também não está relacionado com a baixa taxa de ado-ção de soja GM, porque esse aumento na produção nacio-nal é devido principalmente ao aumento da produtividadeno Rio Grande do Sul, estado com maior taxa de adoção desoja GM no Brasil (PEREIRA, 2004).

Quanto à suposta dificuldade de exportar a soja GM, osdados das Tabelas 5 e 6 mostram que não foi somente oBrasil que aumentou sua participação, mas também a Ar-gentina – que tem uma taxa de adoção de soja GM de qua-se 100% (TRIGO et al., 2003). Esse aumento das exporta-

TABELA 5

Evolução das Exportações de Soja em Grão dos

Três Maiores Produtores Mundiais

Estados Unidos, Brasil e Argentina – 1993-02

Em mil toneladas

Ano Total Estados Unidos Brasil Argentina

1993 27.761 19.511 4.190 2.428

1994 31.849 18.126 5.367 2.942

1995 31.624 22.992 3.493 2.526

1996 36.684 25.960 3.647 2.056

1997 39.669 26.375 8.340 490

1998 38.004 20.701 9.287 2.864

1999 45.517 24.090 8.917 3.065

2000 53.799 27.192 11.517 4.123

2001 53.594 28.934 15.675 7.211

2002 62.074 27.433 15.970 6.112

Fonte: FNP (2004).

TABELA 6

Evolução do Market-Share dos Três Maiores Exportadores

Mundiais de Soja em Grão

Estados Unidos, Brasil e Argentina – 1993-2002

Ano EUA Brasil Argentina

1993 0,75 0,16 0,09

1996 0,82 0,12 0,06

2002 0,55 0,32 0,12

Fonte: FNP (2004).

111

BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA: DA CIÊNCIA...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.101-114, abr./jun. 2005

ções da Argentina não corrobora a tese de que a adoção decultivos GM implica em perda de competitividade externa.

Além da exportação de soja em grãos, a Argentina apre-sentou excelente desempenho na exportação de derivadosda soja. Ela é atualmente a maior exportadora de farelo desoja do mundo – posição que era ocupada pelo Brasil até1997. A Tabela 7 mostra que, entre 1996 e 2003, enquantoa exportação de farelo de soja do Brasil aumentou de oitopara 14 milhões de toneladas, a da Argentina aumentou deoito para 18 milhões de toneladas. Em 2003, a Argentinarespondeu por 41,3% das exportações mundiais de fareloe por 48% das de óleo de soja (FNP, 2004).

Assim, os estudos mostram que a adoção de trans-gênicos na Argentina, ao invés de prejudicá-la comercial-mente, garantiu sua maior participação no mercado mun-dial no decorrer da década de 90. A Argentina tem um sérioproblema de escassez de terra. No entanto, a adoção detransgênicos contribuiu para o aumento da produtividadee para o aumento da área de plantação direta – o que per-

mitiu o aumento da produção de soja sem prejuízos para aprodução de outras culturas importantes para sua eco-nomia, como o milho e o trigo (TRIGO et al., 2003).

No caso do Brasil, as exportações do Rio Grande do Sulnão foram prejudicadas pela introdução da soja GM. O RioGrande do Sul é o terceiro maior produtor de soja do Brasil.Em 2003, sua produção foi de 9,8 milhões de toneladas, cifrasuperada apenas pelo Mato Grosso, com 15,2 milhões detoneladas, e pelo Paraná, com 11,2 milhões de toneladas (FNP,2004). É o estado brasileiro com maior taxa de adoção de sojatransgênica. Pelo Gráfico 4, observa-se que a participaçãodesse estado na exportação brasileira de soja aumentou de5%, em 1996, para 20%, em 2003.

Além do aumento das exportações do Rio Grande do Sul,não foi observada nenhuma tendência de diferenciaçãoentre o preço da soja desse estado do das demais regiõesdo país, como mostra o Gráfico 5. A comparação entre opreço da soja exportada do Rio Grande do Sul e o preçomédio dos demais estados não corrobora a tese de que

TABELA 7

Exportação de Farelo de Soja, segundo Principais Produtores Mundiais

Estados Unidos, Brasil e Argentina – 1996-03

Em milhões de toneladas

Produtores Mundiais 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

EUA 6 8 6 7 7 7 6 5

Argentina 8 8 12 14 14 15 17 18

Brasil 11 10 10 10 9 11 13 14

Fonte: FNP (2004).

GRÁFICO 4

Participação na Exportação Total de Soja

Rio Grande do Sul – 1996-03

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior / Secretaria de Comércio Exterior – Secex. Elaboração dos autores.

1.018

2.286 2.150

1.570

2.185

2.720 3.029

4.287

40 302 283

104 265 483

347

839

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

3.500

4.000

4.500

5.000

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0 Total Rio Grande do Sul Rio Grande do Sul em %

Em US$ milhões Em %

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 101-114, abr./jun. 2005112

JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA / IZAIAS DE CARVALHO BORGES / ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN

279294

234

178190

174190

216

284301

230

175189

170194

221

0

50

100

150

200

250

300

350

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Brasil Rio Grande do Sul

Em US$

Anos

GRÁFICO 5

Evolução do Preço Médio da Soja Exportada

Brasil e Rio Grande do Sul – 1996-03

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior / Secretaria de Comércio Exterior – Secex. Elaboração dos autores.

existe um preço diferenciado para a soja convencional, poisos preços são praticamente os mesmos.

Se, do lado da oferta, a grande mudança na décadapassada no mercado mundial de soja foi o aumento daparticipação da América Latina – especialmente Argentinae Brasil – do lado da demanda a grande novidade foi oaumento da participação da Ásia na importação mundial.Sua participação passou de 30%, em 1996/97, para 72%, em2003/04. Grande parte desse aumento da demanda asiáticafoi resultado do aumento da demanda da China, que em2003/04 representou 29% da importação mundial: a mesmaparticipação da União Européia (Tabela 8).

A expansão do mercado asiático pode reduzir ospossíveis ganhos com a soja tradicional, uma vez que os

principais compradores da região – Japão e China – têmmostrado indiferença quanto à escolha entre a soja con-vencional e a GM. O Japão continua importando quase100% dos Estados Unidos; e a China, em 2002, comproupraticamente o mesmo tanto dos Estados Unidos e do Brasil(PEREIRA, 2004).

Em termos absolutos, o Brasil aumentou suas exporta-ções tanto para a União Européia quanto para a Ásia. Po-rém, em termos relativos, a participação desta última au-mentou de 12% para 38%, entre 1996 e 2003, enquanto quea participação da Europa caiu de 82% para 53% (Gráfico 6).

Dada a indiferença dos países asiáticos em relação aotipo da soja, quanto maior a participação deles no mercadocomprador, menor será a possibilidade de o Brasil conseguir

TABELA 8

Importação Mundial de Soja, segundo Regiões

1996-2004

Regiões1996/97 2003/04 Participação (%)

(Em mil ton. métricas) (Em mil ton. métricas) 1996/97 2003/04

Total 35.412 64.102 100,0 100,0

União Européia 14.572 18.296 41,0 29,0

China 2.274 18.500 6,0 29,0

Japão 5.043 5.050 14,0 8,0

Taiwan 2.632 2.260 7,0 4,0

Tailândia 550 1.800 2,0 3,0

Sub-Total Ásia 10.499 27.610 30,0 43,0

México 2.720 5.000 8,0 8,0

Outras 7.621 13.196 22,0 21,0

Fonte: FNP (2004).

113

BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA: DA CIÊNCIA...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.101-114, abr./jun. 2005

82,674,9 72,1

78,0

63,9 62,656,6 53,6

12,416,4 20,0 13,2

23,0 27,5 34,8 38,7

5,0 8,7 7,9 8,9 13,1 9,9 8,6 7,6

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

União Européia Ásia (1) Outros

Anos

Em %100

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0

GRÁFICO 6

Exportação de Soja, segundo Principais Compradores

Brasil – 1996-03

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior / Secretaria de Comércio Exterior – Secex. Elaboração dos autores.

(1) Exclui o Oriente Médio.

um preço melhor para a soja convencional. Além do mais,com a redução de custos da soja transgênica, o aumentoda competitividade da Argentina e de outros países poderáresultar na perda de participação da soja brasileira nomercado mundial. Se a Ásia continuar aumentando suaparticipação no mercado mundial, tudo indica que acompetitividade terá como base a variável “preço”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho objetivou analisar a evolução e os impac-tos econômicos da difusão dos cultivos geneticamente mo-dificados na agricultura. As principais conclusões foram:- a difusão dos cultivos geneticamente modificados estárelacionada a ganhos econômicos para os produtoresagrícolas, como: redução de custos, aumento da produtivi-dade e aumento da eficiência na administração do controlede pragas;

- os impactos positivos dos cultivos GM dependem dasespecificidades de cada região. No caso dos cultivos re-sistentes a insetos, os ganhos dependerão da incidênciade pragas. A redução nos gastos com inseticidas deveráser grande o suficiente para compensar o aumento do cus-to com sementes;

- apesar das divergências internacionais quanto à formade regular a pesquisa, a produção e o comércio dos culti-vos GM, não há nenhuma evidência empírica de que esses

cultivos têm baixa competitividade em comparação com oscultivos convencionais. A Argentina, o país com a maiortaxa de adoção de soja transgênica, conseguiu aumentarsignificativamente sua exportação de soja em grãos e deri-vados. Nos últimos dez anos houve um grande aumentoda participação da Ásia no mercado consumidor de soja eesta, ao contrário da União Européia, não apresenta restri-ções ao comércio de cultivos GM. E por fim, não há evi-dências empíricas que comprovem a tese de que os produ-tos convencionais têm a preferência do mercado, e,portanto, apresentam um preço maior do que os genetica-mente modificados.

NOTAS

1. A concentração geográfica dos cultivos GM comercializados re-flete, em grande medida, a geografia anterior à sua introdução, jáque no momento inicial eles substituem cultivares não genetica-mente modificados.

2. A rede de estudos genômicos criada pelo Ministério da Ciência eTecnologia e pela Fapesp inclui diversos estudos relacionados à saúdehumana: o genoma humano do câncer, genoma do parasitaSchistosoma mansoni e o seqüenciamento do genoma do parasitaLeptospira interrogans, entre outros.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BORÉM, A.; SANTOS, F.R. Biotecnologia Simplificada. Viçosa:Ed. UFV, 2001.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 101-114, abr./jun. 2005114

JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA / IZAIAS DE CARVALHO BORGES / ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN

BROOKES, G. The farm level impact of using Bt maize inSpain. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON PUBLICGOODS AND PUBLIC POLICY FOR AGRICULTURALBIOTECHNOLOGY, 7., International Consortium onAgricultural Biotechnology Research (ICABR). Ravello (Italy),June 29 – July 3 2003.

BONNY, S. Success factors, issues and prospects for the firstGM crops: the case of Roundup Ready® soybean in the USA. In:INTERNATIONAL CONFERENCE ON PUBLIC GOODS ANDPUBLIC POLICY FOR AGRICULTURAL BIOTECHNOLOGY,7., International Consortium on Agricultural BiotechnologyResearch (ICABR). Ravello (Italy), June 29 – July 3 2003.

CIB – CONSELHO DE INFORMAÇÕES SOBREBIOTECNOLOGIA. Newsletters, Ano 4, n. 34, set. 2004.

CARPENTER, J.E., GIANESSI, L.P. Agriculturalbiotechnology: updated benefit estimates. Washington, DC:National Center for Food and Agricultural Policy, 2001. p. 1-48 .

DAL POZ, M.E. et al. Direitos de propriedade intelectual embiotecnologia: um processo de construção. In: SILVEIRA,J.M.F.J. et al. (Org.). Biotecnologia e recursos genéticos:desafios e oportunidades para o Brasil. Campinas: Instituto deEconomia/Finep, 2004.

DEMONT, M. et al. Impact of new technologies on agriculturalproduction systems: The cases of agricultural biotechnology andautomatic milking. In: BOUQUIAUX, J.-M.; LAUWERS, L.;VIAENE, J. (Ed.). New Technologies and Sustaintability.Brussels: CLE-CEA, 2001. p. 11-38.

DUFFY, D. Who benefits from biotechnology? Paper apresenta-do na American Seed Trade Association Meeting, Chicago, 5-7dez. 2001.

ELBEHRI, A.; MACDONALD, S. Estimating the Impact ofTransgenic Bt Cotton on West and Central Africa: A GeneralEquilibrium Approach. World Development, forthcoming, 2005.

EMBRAPA. Nota Informativa: Pesquisa Biotecnológica naEmbrapa, 2004. Disponível em:<http://www.cenargen.embrapa.br/>.

FAO – FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OFTHE UNITED NATIONS. The State Of Food and Agriculture2003-2004 – Agricultural Biotechnology: Meeting the needs ofthe poor? Disponível em: <http://www.fao.org/documents>.

________. Key Statistics of Food and Agriculture ExternalTrade. Disponível em:

<http://www.fao.org/countryprofiles/inventory.asp?lang=es>.

FNP CONSULTORIA. Agrianual, 2004. Disponível em:<http://www.fnp.com.br/prodserv/estatisticas/>.

FONSECA, M.G.D. et al. Biotecnologia vegetal e produtos afins:sementes, mudas e inculantes. In: SILVEIRA, J.M.F.J. et al.(Org.). Biotecnologia e Recursos Genéticos: desafios e oportuni-dades para o Brasil. Campinas: Instituto de Economia/Finep,2004.

GIANESSI, L.P. et al. Plant Biotechnology: Current andPotential Impact for Improving Pest Management in USAgriculture. An Analysis of 40 Case Studies. Washington, DC:National Center for Food and Agricultural Policy, 2002.

HAMMOND, B.G. et al. Lower fumonisin mycotoxin levels inthe grain of Bt corn grown in the United States in 2000-2002.Journal of Agriculture and Food Chemistry, n. 52, p. 1.390-1.397, 2004.

HUANG, J. et al. Biotechnology as an alternative to chemicalpesticides: a case study of Bt cotton in China. AgriculturalEconomics, n. 29, p. 55-67, 2003.

HUBBELL, B.J.; WELSH, R. Transgenic crops: Engineering amore sustainable agriculture? Agriculture and Human Values,n. 15, p. 43-56, 1998.

JAMES, C. Preview: Global Status of CommercializedTransgenic Crops: 2004. ISAAA Briefs, ISAAA: Ithaca, NY,n. 30. 2004. Disponível em: <http://www.isaaa.org>.

________. Preview: Global Status of CommercializedTransgenic Crops: (vários anos). ISAAA Briefs, ISAAA: Ithaca,NY, vários números. Disponível em: <http://www.isaaa.org>.

JUDICE, V.M.M. Biotecnologia e Bioindústria no Brasil:Evolução e Modelos Empresariais. In: SILVEIRA, J.M.F.J. et al.(Org.). Biotecnologia e recursos genéticos: desafios e oportuni-dades para o Brasil. Campinas: Instituto de Economia/Finep,2004.

MARRA, M.C.; PARDEY, P.G.; ALSTON, J.M. The payoffs totransgenic field crops: an assessment of the evidence.AgBioForum, v. 5, n. 2, 2002.

MOSCHINI, G. et al. Roundup Ready soybeans and welfareeffects in the soybean complex. Agribusiness, n. 16, p. 33-55,2002.

QAIM, M.; TRAXLER, G. Roundup Ready soybeans in Argenti-na: farm level and aggregate welfare effects. AgriculturalEconomics , 2004.

PEREIRA, S.R. A evolução do complexo soja e a questão datransgenia. Revista de Política Agrícola, Ano XIII, n. 2, abr./maio/jun. de 2004.

SALLES FILHO, S.L.M (Coord.). et al. Ciência, Tecnologia eInovação: a reorganização da pesquisa pública no Brasil. 1. ed.Campinas: Ed. Komedi/Capes, 2000. 413p.

TRAXLER, G. Challenges Facing Plant Biotechnology in LatinAmerica. Presentation at the Inter-American DevelopmentBank, Washington, DC: Nov. 7, 2000.

TRIGO, E. et al. Los transgenicos en la agricultura argentina.In: Global Biotechnology Forum – Bioindustries inDevelopment, Brasília, p. 22-25, jul. 2003.

VALOIS, A.C.C. Importância dos transgênicos para a agricultu-ra. Cadernos de Ciência e Tecnologia, Brasília, v. 18, n. 1, p.27-53, jan./abr. 2001.

WILKINSON, J. Biotecnologia e agronegócios. Campinas:Unicamp/IE/NEIT, dez. 2002.

JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA: Engenheiro Agrônomo,Doutor em Economia, Professor Assistente Doutor do Instituto deEconomia da Unicamp. Coordenador do Núcleo de Estudos Agrícolasdo IE/Unicamp e Pesquisador do Geopi/IG-Unicamp. Conselheiro doConselho de Informação em Biotecnologia ([email protected]).

IZAIAS DE CARVALHO BORGES: Economista, Mestre em Economia peloInstituto de Economia da Unicamp e Pesquisador do NEA/IE-Unicamp([email protected]).

ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN: Economista e Advogado, Doutor em Econo-mia, Professor Assistente Doutor do Instituto de Economia da Unicamp.Pesquisador do NEA e do Geopi ([email protected]).

Artigo recebido em 1 de junho de 2005.Aprovado em 30 de junho de 2005.

115

SERVIÇOS NA PAEP 2001: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005

O

Resumo: Este artigo, que realiza uma abordagem teórica sobre a natureza e as singularidades do processo deinovação nos serviços e na indústria, baseia-se em análise empírica e utiliza os dados de inovação Paep 2001captados pela Fundação Seade.Palavras-chave: Indicadores setoriais de inovação. Indústria e serviços.

Abstract: This paper presents a theoretical approach over the nature and peculiarity of innovation process inServices and Industry sectors, based upon an empirical investigation using Paep 2001 datum gathered by Fun-dação Seade.Key words: Sectoral innovation indicators. Industry and Services.

ROBERTO BERNARDES

VAGNER BESSA

ANDRÉ KALUP

s estudos sobre o papel das atividades de servi-ços no âmbito do processo de reestruturação pro-dutiva vêm provocando intensa discussão sobre

SERVIÇOS NA PAEP 2001reconfigurando a agenda de

pesquisas estatísticas de inovação

a natureza do processo de inovação entre suas atividades.Em que pese o avanço que essa discussão proporcionouna superação de certas concepções tradicionais – que as-sociam os serviços apenas a pequenas empresas cujo coreinovador não apresenta densidade tecnológica ou que en-tendem o setor como um bloco de atividades homogêneasdependente da disseminação de progresso técnico geradopela indústria – há matizes importantes nesse processo derevisão sobre a natureza do processo de inovação.

Há estudos como os de Freeman et al. (1982) eMomigliano e Siniscalco (1986), que analisam compara-tivamente as experiências de países de industrializaçãoavançada e constatam que este movimento está fortemen-te condicionado a um processo transacional de comple-

mentaridade e interdependência estimulado pela dinâmi-ca gerada pela indústria (que, aliás, tem criado uma gran-de demanda por serviços especializados e intensivos eminformação e ciência). Já outros estudos recentes, desen-volvidos por Evangelista, Sirilli e Smith (1998), Bondene Miles (2000), Howells (2000) e Kon (2004) relativizama abordagem determinística entre indústria e serviços,apontando que, em várias dimensões, os segmentos deserviços apresentam estratégias e dinâmicas de inovaçãopróprias em relação ao paradigma clássico de desenvol-vimento industrial.

Isso não significa que o processo de reestruturação pro-dutiva não seja relativamente ambíguo em relação ao se-tor terciário, sobretudo no que tange a seus aspectos “fle-xíveis”. Afinal, se por um lado o rol dos chamados“serviços avançados” irrompe no tecido econômico comouma resultante do desenvolvimento empresarial e da cons-

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005116

ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP

trução de competências especializadas, por outro, o pro-cesso de terceirização dá fôlego à expansão das ativida-des tradicionais baseadas em redes de subcontratação in-formais de grandes e pequenas empresas, como: vigilância,limpeza, conservação predial, alimentação, transporte, etc.Essa multiplicidade de encadeamentos empresariais e pa-drões técnicos reforçam a já reconhecida heterogeneidadedo setor e não suprimem os elementos considerados “es-púrios”, ligados à “terceirização rudimentar”.

No entanto, o que vem interferindo mais recentementena discussão sobre o processo de inovação de serviços sãoas dimensões relativamente mais modernas do processode crescimento do terciário. Em linhas gerais, a profundaheterogeneidade e a segmentação setorial do terciário sãoreconhecidas. Mais que isso, a nova geração de estudossobre o papel das atividades de serviço no processo deinovação tecnológica confronta as abordagens tradicionais,que definem serviços como atividades pouco intensivasem tecnologia de baixa produtividade e qualificação derecursos humanos – tidos como usuários passivos doprogresso técnico e dos conhecimentos gerados na indús-tria. Uma das mudanças mais importantes surgidas naúltima década diz respeito ao papel dos setores de serviçosintensivos em informação, tecnologia e ciência nas cha-madas “economias baseadas em conhecimento e apren-dizado” (EBCAs). As evidências empíricas indicam umcrescimento expressivo da participação relativa dosserviços intensivos em tecnologia na composição dasestruturas econômicas internas e nos fluxos de comérciointernacionais, assim como nas rotinas de inovação e apren-dizado nas economias cêntricas.

Na verdade, a agenda de pesquisas internacionais nocampo da economia ficou mais sensível ao contato de umaárea que se convencionou chamar de “economia da ino-vação”, assim abriu-se a oportunidade de exploração dasrelações desenvolvidas nesse segmento e suas articulaçõescom a economia industrial e de inovação, por maisimbricadas que fossem. Com efeito, a idéia de uma eco-nomia da inovação aplicada ao setor de serviços inaugu-ra uma abordagem com ampla pontencialidade analítica ereconhece a função estratégica desse setor na geração derenda e riqueza – e também nas trajetórias de inovaçãonas EBCAs. Um marco importante nessa direção foi aprodução de informações estatísticas seriadas de inova-ção e P&D por instituições públicas e privadas nos paísescentrais, tais como o Eurostat da OCDE (Organizationfor Economic Co-operation and Development). Há, tam-bém, as experiências de agências estatísticas internacio-

nais1 para mensuração do processo de inovação no setorde serviços, que são uma prática relativamente recente.

No setor científico brasileiro, vem se consolidando cadavez mais uma nova agenda: estimulada pela implementaçãode pesquisas econômicas e sociais, ela demonstra preo-cupação com a função estratégica que a inovação podeocupar no desenvolvimento e na competitividade da eco-nomia nacional. Até o final da década de 90, estudos emetodologias que visassem à construção de séries histó-ricas sobre indicadores de inovação eram ações insti-tucionais pouco exploradas nas pesquisas estatísticas.2

O esforço pioneiro nessa direção foi empreendido pelaAssociação Nacional de Desenvolvimento das EmpresasIndustriais – Anpei, que a partir de 1992 desenvolveu umapesquisa orientada na experiência norte-americana daNational Science Foundation,3 que consiste em uma basede indicadores empresariais de P&D sobre a indústria bra-sileira. Logo depois, destaca-se a implementação da Pes-quisa da Atividade Econômica Paulista – Paep, de 1996,realizada pela Fundação Sistema Estadual de Análise deDados – Seade, que consagrou-se como uma pesquisaeconômica estrutural que incorporava em seu projeto oprimeiro levantamento sobre inovação realizado no Bra-sil.4 A Paep adotou o referencial conceitual recomenda-do pelo Manual de Oslo e teve como universo de investiga-ção 40 mil empresas industriais localizadas no Estado deSão Paulo.5

Em 2001, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís-tica – IBGE, iniciou a série da Pesquisa Industrial de Ino-vação Tecnológica – Pintec, para a construção de indica-dores nacionais da atividade de inovação tecnológica nasempresas industriais (DE NEGRI; SALERNO, 2005;KANNEBLEY JUNIOR; SILVEIRA PORTO; TOLDOPAZELLO, 2005).

Assim, o principal argumento sustentado nesta intro-dução é que, embora deva ser reconhecido o elevado es-forço metodológico e empírico encetado pela academia epelas instituições públicas,6 há um “objeto ausente” emgrande parte dos estudos sobre inovação no Brasil: aformalização de uma agenda de pesquisas sobre a econo-mia de inovação de serviços que construam um sistemade informações e permitam elucidar sua natureza e seucomportamento.

Consagra-se como objetivo deste texto analisar a ex-periência de implementação de uma primeira abordagemsobre o processo de inovação em serviços, aplicado pelanova tomada de campo realizada pela Paep 2001: paratanto, ele discute seus obstáculos metodológicos e

117

SERVIÇOS NA PAEP 2001: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005

conceituais, assim como seus resultados. O artigo iniciaapresentando e confrontando as principais correntes teó-ricas sobre a economia de serviços a partir de uma visãocrítica sobre este tema, introduzindo o debate contempo-râneo sobre as teorias de inovação neste setor. A segundaparte discute teórica e conceitualmente os pontos de con-vergências e diferenças sobre a dinâmica de inovação en-tre a indústria e os serviços. A última parte, apresenta aexperiência de aplicação do survey sobre inovação emempresas de serviços realizado pela Paep 2001.

ABORDAGEM DA ECONOMIA DA INOVAÇÃONOS SERVIÇOS

Nos anos 90, a partir de uma perspectiva crítica às cor-rentes teóricas filiadas as abordagens clássicas(FISHER,1935; CLARK, 1980) e pós-industrialista(TOURAINE, 1969; BELL, 1973) sobre a teorização eanálise do crescimento do setor de serviços, foram sendodesenvolvidos novos estudos que tinham como objetivosidentificar evidências sobre as relações de complementa-riedade, interdependência econômica e a dinâmica pro-cessual de inovação entre os setores da indústria e de ser-viços.

No cenário internacional, dois principais grupos lide-ram uma linha de estudos sobre a economia de serviços ea formulação de uma teoria de inovação mais consistente

para este setor, quais sejam: o Voorburg Group e o STEP(Studies in Technology, Innovation and Economic Policy)Group (Quadro 1).

Estudos realizados por Gershuny e Miles (1983);Evangelista, Sirilli e Smith (1998); Bonden e Miles (2000);Howells (2000) têm enfatizado o papel estratégico exer-cido pelos serviços nas dinâmicas de inovação e no au-mento das rotinas de P&D nas economias baseadas emconhecimento. A partir da análise comparativa das expe-riências de países de industrialização avançada, os auto-res observam um aumento exponencial da participaçãorelativa do setor terciário na sua estrutura econômica jus-tificado na agregação de valor e conhecimento geradapela oferta de serviços especializados e intensivos em in-formação e ciência. Tais analistas enfatizam que os servi-ços intensivos em conhecimento desenvolveram-se maisrapidamente no decurso dos anos 90, em vários paísesmembros da OCDE, e particularmente, nos EUA.7 Algunsdos fatores causais para o crescimento das economiasbaseadas em conhecimento e aprendizado (EBCAs) têmsido as economias e os serviços de informação.8 O acessoàs tecnologias da informação e comunicação – TICs9 e osprocessos de convergências tecnológicas, nos quais oexemplo da telemática é mais evidente, desenvolveram-se mais aceleradamente no decurso dos anos recentes.

Reconhecendo-se a preservação de um alto grau deheterogeneidade e assimetria nos serviços modernos, au-

Instituído em 1986 por iniciativa do Statistics Canada e o United Nations

Statistical Office – UNSO, para suprir a lacuna no campo de produção e

monitoramento de estatísticas no setor de serviços. Seu principal objetivo é

ser um fórum informal e permanente de troca de idéias a respeito de estatís-

ticas de serviços, promovendo encontros internacionais anuais. Disponível

em: <http://www4.statcan.ca/english/voorburg/>.

QUADRO 1

Núcleos de Estudos Internacionais sobre a Economia de Serviços e Inovação

Sediado em Oslo, na Noruega, coordena o projeto Services in Innovation in

Services – SI4S, financiado pela Comissão Européia e objetiva desenvolver

conceitos, evidências empíricas e sugestões para ações práticas sobre a fun-

ção dos serviços no sistema de inovação. Além do SI4S, o grupo coordena o

Indicators and Data for European Analysis – IDEA que busca realizar estudos

dos indicadores de inovação tecnológica e criar novos indicadores. Outro

importante projeto desenvolvido no âmbito do STEP é o KISA (Knowledge

Intensive Service Activities) conduzindo sob os auspícios da OCDE pelo gru-

po TIP (Group on Technology and Innovation Policy) subordinado ao Comitê

de CSTP (Science and Technology Policy). Participam neste projeto países

como Austrália, Finlândia, Coréia do Sul, Nova Zelândia, Espanha, Irlanda e

Noruega. Disponível em: <http:/www.step.no/Projectarea/IDEA/index.htm>.

Voorburg Group STEP Group

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005118

ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP

tores como Evangelista, Sirilli e Smith (1998), Howells(2000) e Kon (2004) levantam um conjunto de questõesque são fundamentais para a compreensão e o avanço dosestudos sobre inovação nos serviços, quais sejam:

- as fronteiras entre as atividades inter e intra-setoriaisentre a indústria e os setores de serviço tornaram-se maistênues devido à elevação da segmentação gerada pelasassimetrias tecnológicas e ao adensamento dos fluxos decooperação de conhecimento e informações estratégicas;

- há uma nítida tendência de redução dos ciclos de de-senvolvimento e de vida de produtos industriais e de ser-viços: ela é estimulada pela aceleração das mudançastecnológicas e pelo uso de TICs. Esta maior atividade deinovação de produto e processo na indústria tende a geraruma pressão mais intensa por novos critérios de funcio-namento corporativos gerenciais, de qualidade, produti-vidade e de inovação nos serviços industriais;

- os novos padrões de consumo são caracterizados pelaalta volatilidade, customização e complexificação de pro-dutos e serviços;

- há expedientes agressivos de terceirização e/ou subcon-tratação de atividades corporativas internas, como os uti-lizados por organizações que buscam focalizar suas es-tratégias em competências centrais ou as que transformamcustos fixos em variáveis, aumentando suas margens deflexibilidade operacional. Neste sentido, observa-se o cres-cimento da terceirização dos serviços especializados dealto conteúdo de conhecimento como design, engenhariade projeto, processo e sistemas;

- as novas estratégias competitivas baseadas na inovaçãoe nas dinâmicas de globalização e hierarquização das ca-deias de valor impõem novos paramentos de logística,planejamento, P&D, até mesmo com maiores oportunida-des de internacionalização para alguns tipos de serviços,sobretudo aqueles de maior intensidade tecnológica;

- ainda que o setor secundário exerça forte força gravi-tacional no setor terciário, em várias dimensões, os seg-mentos de serviços apresentam dinâmicas econômicas ecomerciais próprias em relação o desenvolvimento in-dustrial.

A partir destas premissas, Miles (2001) identificou trêsmovimentos de transformações estruturais que perpassama economia de serviços, cuja compreensão é crucial para aelaboração de um processo de inovação setorial. De modosintético, esses movimentos estão associados aos resulta-dos dos diferentes tipos setoriais de regimes, especificidadese trajetórias tecnológicas dos serviços, a saber:

- serviços físicos: são aqueles cujos impactos de trans-formação são derivados de TICs e atuam diretamente naforma de preservação intertemporal e/ou de transporte deserviços, bens e pessoas – tomando-se “transporte” como“realocação através do espaço”. Um exemplo a ser citadoé o comércio atacadista e varejista que combina simulta-neamente os serviços de logística para distribuição, mo-vimentação e estocagem de produtos (com o uso de al-guns serviços de informação, como Global PositionSensoriament – GPS). Indústrias como a automobilísticae alimentícia são ilustrações precisas dessas tendências,pois são usuárias intensas desses serviços e acabam porinfluir no processo de inovação desses serviços.

- serviços personalizados: podem ser divididos em ser-viços comunitários e sociais, como nas áreas de saúde eeducação. Assim como nos serviços de consumo privado(salões de beleza e clínicas de estética) ou os chamadoshome comforts (hotéis, flats, etc.) a difusão de TICs e ino-vações organizacionais tem permitido um avanço consi-derável na integração dos processos gerenciais, na quali-dade e produtividade desses serviços. Especialmente nocampo da saúde, os benefícios que surgem a partir de pes-quisas e desenvolvimentos públicos e industriais na áreade instrumentação cirúrgica – como o laser e a cosme-cêutica (fusão dos campos de pesquisa da farmacêuticacom a cosmética) – têm proporcionado impactos relevan-tes na oferta destes serviços.

- serviços informacionais: reúnem basicamente três tiposdistintos de atividades – mídia de massa (mass media)caracterizada pela distribuição padronizada em escala deinformações audiovisuais. São exemplos, os cinemas,televisão, etc.; infomídia, sua diferença em relação aosegmento de mídia de massa, é o fato de as empresasdistribuírem informações customizadas e personalizadasem larga escala. São exemplos os serviços de telefoniacelular com imagens, informações financeiras on-line, etc.;serviços intensivos em conhecimento, são aqueles onde oconhecimento e a informação especializada, a expertiseprofissional na capacidade de codificação, interpretaçãoe análise sejam fatores cruciais para sua oferta. O impactorelativo das TICs, dos softwares de simulação, análise edesenvolvimento são significativos na oferta destesserviços. São exemplos, as empresas de engenharia e P&D,arquitetura, engenharia, consultorias, atividades demarketing, entre outras.

Miles (1995) ainda confere especial importância a umnúcleo de serviços intensivos em inovação denominados

119

SERVIÇOS NA PAEP 2001: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005

KIBS10 (knowledge intensive business services) pois,segundo o autor, são os segmentos que vêm apresentandotaxas rápidas de crescimento e rendimento econômico nasEBCAs. Segundo Nählinder (2002), esses serviços têmcomo principais características uma lógica de funcio-namento próxima à da indústria, alta performance nageração de renda, divisas e valor adicionado e uma fortetendência à internacionalização das suas atividadesnegociais, atuando como verdadeiros agentes facilitadoresde inovação. Sua dinâmica concorrencial está baseada nadisseminação de novos padrões tecnológicos e de TICspara os serviços, que atuam com fontes difusoras dainovação. Criam, produzem, desenvolvem e difundemconhecimentos para outras firmas e setores da economia;utilizam intensivamente recursos humanos de alta qualifi-cação; são formados por empresas desenvolvedoras eusuárias de inovações e TICs; realizam e vendem serviçosde P&D; apresentam taxas elevadas de crescimento naeconomia; e, por oferecerem serviços customizados,apresentam alta interação produtor-usuário (intensive-information e intensive-client). Os KIBS podem seragrupados em dois conjuntos:- Professional KIBS (P-KIBS): são serviços usuários denovas tecnologias, direcionados ao conhecimento técnicoe administrativo (segmentos de engenharia, design, arqui-tetura, marketing, publicidade, consultorias financeiras ejurídicas, P&D em ciências sociais e naturais, consultoriaem gestão empresarial, entre outros);

- Technological KIBS (T-KIBS): são serviços focados emnovas tecnologias (redes de informática, serviços de tele-comunicações, entre outros).

PADRÕES DE CONVERGÊNCIA ENTRE AINDÚSTRIA E AS EMPRESAS DE SERVIÇOQUANTO A INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

Como já evidenciado, o que mais tem interferido nodebate sobre o comportamento da inovação tecnológicanas empresas de serviço é o fato de que o avançado pro-cesso de crescimento do terciário vai ganhando a cada diamaiores dimensões. Alguns autores salientam a existên-cia de processos de convergência entre os padrões de fun-cionamento das empresas de serviço e os da atividademanufatureira – o que possibilita a análise de diversos se-tores dentro de um campo normativo comum. Uchupalanan(1998), Sundbo e Gallouj (2000) observam um incremen-to da diversidade das trajetórias inovadoras e um movi-

mento de convergência nas dinâmicas de inovação entreo setor de serviços e a indústria. Um fator que desempe-nha papel central nesse processo é a difusão das novasTICs. A digitalização e a expansão da infra-estrutura detelecomunicações implicam em transformações tec-nológicas substanciais das atividades vinculadas ao uso edifusão de informações. Como são mudanças específicasa algumas atividades terciárias, elas passam a ter caracte-rísticas de “Serviços Intensivos em Tecnologia”(Technology Intensive Services), e, quando não, de “líde-res em investimentos tecnológicos típicos de redes” (ban-cos, serviços financeiros, atividades audiovisuais, etc.).Esse processo tornaria possível a aplicação de técnicastípicas da produção em escala industrial massificada emvários segmentos do setor de serviços, facilitando a supe-ração de certos entraves para a produção. Outro argumentoutilizado ressalta uma convergência no modus operandida indústria e os serviços, com o intercâmbio de padrõesconcorrenciais, tecnológicos e organizacionais entre es-ses dois grandes segmentos. Enquanto as atividades in-dustriais passam a ser mais dependentes dos insumos in-tangíveis, os serviços especializados e a mão-de-obraqualificada para o incremento da competitividade, assimcomo alguns segmentos do setor de serviços tornam-semais dependentes de investimentos em recursos físicos(sobretudo investimentos em redes de logística, transpor-te e telecomunicações), desenvolvem produtos padroni-zados dentro de padrões “fordistas”, baseados em econo-mias de escala, e intensificam sua participação no comérciointernacional, tal como pode ser verificado entre as ativi-dades especializadas de consultoria, pesquisa e desenvol-vimento, propaganda e marketing e software (BONDEN;MILES, 2000) (Quadro 2).

Em que pese esse processo de difusão de TICs e a con-vergência entre os padrões técnicos da indústria e dosserviços, as dificuldades metodológicas para a constru-ção de um arcabouço conceitual visando a elaboraçãode um conjunto coerente de indicadores de inovaçãonesse setor não são desprezíveis, pois há diferenciaçõesque impedem um enfoque unificado. Marklund (2000)destaca que as abordagens clássicas sobre inovação ba-seiam-se em modelos industriais, em que os indicadoressão tratados dentro de uma ótica estritamente tecnológica,obtidos a partir de resultados com investimentos tangí-veis, gastos de P&D e patentes. Apesar de serem capa-zes de refletir em parte do processo de inovação nos seg-mentos de serviços, são ainda inapropriados como medidaglobal.11

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005120

ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP

QUADRO 2

Convergência e Diferenciação entre os Serviços e a Indústria

Segundo o autor, as atividades de inovação no setor deserviços podem ser orientadas para o desenvolvimentotecnológico – como, na área de informática, no forneci-mento de software e/ou na incorporação de aplicações de

serviços de valor agregado de telecomunicações nas áre-as de entrega ou logística. Mas as inovações mais comunsno setor não possuem viés tecnológico e podem ser reali-zadas com o objetivo de aperfeiçoar a interface entre con-

Características Serviços Indústria

Da Produção

Estrutura e Tecnologia Crescimento no nível de equipamentos de TICs; Intensivo uso de TICs, similar ao de serviços,

serviços intensivos em tecnologia. entretanto diferenciado no tipo de tecnologia.

Habilidade (trabalho) Caracteristicamente técnico. Redução da equipe Produção intensiva em conhecimento; alta

de executivos e estratégias de captação externa. qualificação; existência de equipe executiva;

otimização e captação externa.

Organização do Trabalho Padronização das tarefas, usando novas Novas formas de organização do trabalho

tecnologias e técnicas de organização. (ganho de autonomia).

Aspectos da Produção Economias de escala; produção em massa Flexibilidade; redução de estoques através

buscado em outros serviços. de métodos gerenciais (just-in-time).

Organização Setorial Tendência ao crescimento de grandes empresas; Empresas altamente especializadas, subcon-

empresas globais. tratando outras atividades; empresas globais.

Do Produto

Natureza do Produto Novos serviços incorporados de TICs. Produtos de curto ciclo de vida (maior varieda-

de, sustentável em estoques de curto período).

Aspectos do Produto Produtos padronizados, aplicáveis para vários Produção flexível permitindo “personalização

serviços; “personalização em massa”. em massa” de vastos produtos.

Propriedade Intelectual Uso de direitos autorais (software), produtos Produtos de difícil proteção (software).

patenteáveis.

Do Consumo

Entrega do Produto Uso de novos meios para entrega (serviços de Proximidade entre produção e mercado,

informações especiais, uso da Internet, etc.). usando novos sistemas de TICs.

Atuação com o Consumidor Consumidor mais conectado por meio do sistema Maior relação com os usuários. Crescente

de TICs do que diretamente com a equipe. variedade de serviços auxiliares, como

marketing e pós-vendas.

Organização do Consumo Uso de novos meios para separação de consumo Financiamento de equipamentos. Fornecedores

e produção. orientados para “pacote de serviços” ao invés

de simples bens ou utilidades.

De Mercado

Organização do Mercado Privatização de serviços públicos. Competição global Mercado de empresas. Privatização de

em serviços anteriormente protegidos. empresas.

Regulamentação Des/Regulamentação; nova regra no comércio de Crescimento da regulamentação ambiental.

serviços. Crescimento da importância com as Importância das padronizações.

padronizações.

Marketing Maior esforço em marketing; participações em feiras Marketing orientado e serviços ao usuário.

e exposições.

Fonte: Bonden; Miles (2000), tradução dos autores.

121

SERVIÇOS NA PAEP 2001: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005

sumidores e o diagnóstico de variáveis que determinam operfil psicológico do consumidor. Isto implica a mudançado design do produto ou serviço e torna a difusão de pa-tentes pouco significativa como retrato das trajetórias demodernização. Ao mesmo tempo, constata que as empre-sas inovadoras não realizam atividades de P&D e que asque o fazem não desenvolvem pesquisas em departamen-tos formais ou especializados.

Marklund (2000), baseando-se em pesquisas européiassobre inovação implementadas no âmbito da OCDE nosetor de serviços, concluiu que grande parte das empre-sas inovadoras não tem laboratórios formalmente orga-nizados, como tradicionalmente existem na indústria –sendo que os esforços de P&D não possuem uma regula-ridade sistemática e têm sua origem em outros departa-mentos das empresas, geralmente nas áreas de marketing.No caso das pesquisas de inovação strictu sensu no se-tor de serviços, Gallouj e Weinstein (1997) advertem queelas se apropriam, sem as devidas mediações, das mes-mas bases metodológicas que descrevem o processo deinovação tecnológica na indústria. Segundo Hauknes(1999), a inovação está tão difundida no setor de servi-ços como na manufatura, porém os conceitos de inova-ção desenvolvidos sobre as análises da indústria não seaplicam diretamente sobre os serviços. Isso aconteceporque, nas relações de serviços, o produto não tem ne-cessariamente um formato físico – o que torna quase im-possível transpor para este tipo de produção os mesmosconceitos que se aplicam à produção de escala industrialmassificada ou customizada. Essa constatação instauraum desafio metodológico para o desenvolvimento deestudos e políticas voltadas para o setor serviços e temsuscitado um intenso debate no meio acadêmico. Umpressuposto inicial que motivou vários pesquisadores foio fato de os serviços serem vistos como consumidoresda inovação gerada no setor manufatureiro, por isso, osinstrumentos de captação e mensuração da inovação fo-ram formulados para medir as variáveis industriais.

Meanwhile, Sirilli e Evangelista (1998, apud HIPP;TETHER; MILES, 2000), enumeram o grau de dificulda-des para a construção de uma metodologia unificada en-tre indústria e serviços para as pesquisas de inovação nosseguintes termos:- a primeira delas decorre das dificuldades que as em-presas têm de distinguir entre inovações de produto e deprocesso – dado que as atividades de serviços apresentamco-determinação simultânea entre produção e consumo,não é possível, como na indústria, estabelecer claramente

uma diferença substancial entre o produto resultante dainovação e os processos necessários para sua realização;

- a segunda característica está vinculada à natureza in-tangível dos serviços e à inexistência de propriedades deestocagem. Nesse sentido, na produção dos serviços nãohá a possibilidade de existência independente do ato deprodutores ou usuários, tal como ocorre na indústria;

- a terceira deriva do papel central que os recursos hu-manos desempenham para a provisão dos serviços. Em-bora uma parte das atividades vinculadas ao setor terciárioapresente alta dependência de recursos e instalações físi-cas – assim como acontece na indústria – nas atividadesque alcançam escala ou que operam em rede, o processode inovação é altamente dependente da forma de organi-zação e dos conhecimentos e habilidades pertencentes àforça de trabalho, como por exemplo nos serviços de te-lecomunicações e transportes, nas atividades financeirase no comércio varejista;

- outra questão é o fator organizacional, dado que o au-mento da eficiência para a provisão dos serviços não estávinculado a fatores tecnológicos strictu sensu, mas podedecorrer de novas formas de gestão dos recursos essen-ciais para o processo de inovação – como a implementaçãode novas técnicas de gestão e a organização e distribui-ção dos estoques de informações e de conhecimento dis-poníveis.

Howells (2000) destaca outros elementos que histori-camente têm distinguido a manufatura e os serviços emtermos de trajetórias tecnológicas, dinâmica de funcio-namento e estrutura do setor, mesmo considerando quealgumas das especificidades que demarcavam a fronteiraentre os dois setores foram se atenuando ao longo dotempo. Por esse motivo, Howells (2000) alerta que oesforço para adaptar o modelo de captação de informa-ções, criado para a manufatura para mensurar a inovaçãoem serviços, pode vir a ser uma armadilha. Um dos fatoresde diferenciação é a “orientação tecnológica”. Na manu-fatura, ela é liderada pela atividade de ciência e tecnolo-gia; já nos serviços, pelos consumidores. Devido a essainterface entre produção e consumo de serviços, umagrande parte das atividades de inovação no setor volta-separa a adaptação/customização dos serviços às neces-sidades dos usuários. Em muitos casos, essas atividadessão inovativas, apesar de incorporarem um conteúdotecnológico limitado. Nesse mesmo sentido, Evangelista,Sirilli e Smith (1998) lembram ainda que a proximidadeentre a produção e o consumo no setor de serviços dificulta

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005122

ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP

a distinção entre produto e processo. Conseqüentemente,isto faz com que a distinção entre a inovação de produtose processos seja menos clara se comparada com a usadano setor industrial.

Outras diferenciações dizem respeito às fontes de pes-quisa e de geração de inovação: enquanto na manufaturaelas tendem a ser internas à empresa, no setor de serviçoselas são sobretudo externas. Na manufatura, a proprieda-de intelectual é protegida pela patente; já no setor de ser-viços ela é protegida pelos direitos autorais (copyright) –sendo que este último é um recurso bem menos eficaz doque o primeiro.

Assim, o impacto gerado pelo desenvolvimentotecnológico na produtividade do trabalho seria alto namanufatura e baixo nas empresas de serviço. Nestas, osciclos de vida e de segredo são mais curtos do que os pre-senciados na indústria. Outros aspectos que diferenciamo setor de serviço da indústria são as condutas de orienta-ção tecnológica para P&D, os ciclos mais longos de pes-quisa, os impactos relativamente menores e menos enca-deados do que os produzidos pela indústria.

QUADRO 3

Características de Diferenciação dos Regimes de Inovação na Indústria e nos Serviços

A título de ilustração, é interessante notar que Howells(2000) apresenta um esforço para a sistematização sobrediferentes aspectos do processo de convergência e dife-renciação das trajetórias de inovação nos serviços e naindústria (Quadro 3).

SURVEYS DE INOVAÇÃO EM SERVIÇOS EMPAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: DESAFIOSMÉTRICOS E CONCEITUAIS

As experiências das agências estatísticas internacionaispara mensuração do processo de inovação no setor de ser-viços são relativamente recentes e revelam-se bastantecomplexas, face a todas as questões expostas anteriormen-te. As primeiras tentativas de realizar uma quantificaçãodos processos de inovação no âmbito da OCDE ocorre-ram em meados da década de 80, mas a iniciativa de esta-belecer um framework conceitual, que possibilitasse es-tudos comparativos baseados em pesquisas em larga escala,foi impulsionada pela experiência dos países escandinavos(Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia).

Fonte: Adaptação de Howells (2000).

(1) IDE = Investimento Estrangeiro Direto.

Características Indústria Serviços Status

1. Direitos de Propriedade Intelectual

Forte: patentes Fraco: direitos autorais Corrente, forte

2. Orientação Tecnológica Avanço tecnológico; liderança

científica e tecnológica Avanço tecnológico; liderança fornecedor/cliente

Histórico, declinante

3. Pesquisa / Inovação Provedor e

Fornecedor Internamente Provindo externamente Declinante; convergindo na

indústria e serviços 4. Força Produtiva Alto impacto Baixo Impacto Corrente, potencialmente

declinante 5. Ciclos de Inovação Curto e médio Longo (exceto ao serviços de

informática) Declinante, fraco

6. Características do Produto Tangível, de fácil estocagem Intangível, de difícil estocagem Declinante, médio 7. Internacionalização A atividade de exportação atrai o

IDE (1) A entrada de IDE proporciona a exportação

Corrente, médio

8. Dimensão Nacional => global Regional => nacional => global Declinante; serviços

expandindo-se na internacionalização

123

SERVIÇOS NA PAEP 2001: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005

O Manual de Oslo de 1992 (revisado posteriormente em1996) foi desenvolvido pela OCDE, em conjunto com oEurostat (Statistical Office of the European Communities)e do European Innovations Monitoring System. Seu objetivoera harmonizar a coleta e as análises de levantamentos sobreinovação na Europa, com base no principal sujeito doprocesso inovativo: as empresas. Com o apoio do Eurostat,foram revisados os conceitos de inovação tecnológica e suametodologia de mensuração. A primeira pesquisa deinovação baseada no Manual de Oslo foi realizada em 1993(para o período-base 1992-93): o Community InnovationSurvey – CIS-I. Naquele levantamento, foram incluídasaproximadamente 40.000 empresas de treze países euro-peus.12 Na revisão de 1996, não foram feitas mudançasestruturais, mas foi conferida grande ênfase à orientaçãodos procedimentos de coleta das informações relevantes paraa promoção de políticas e para as características dos estudosda inovação. Definiu-se mais precisamente a distinção entreas inovações tecnológicas e aquelas puramente estéticas eorganizacionais, identificando com maior rigor a origem, oprincipal agente da inovação e o nível de originalidade dainovação para o mercado.

O segundo European Community Innovation Survey –CIS-II – tornou-se a primeira sistematização internacio-nal de indicadores sobre o comportamento da inovaçãotecnológica das empresas de serviços, abordando perío-dos entre 1994 e 1996. Os segmentos pesquisados foramo comércio atacadista; transporte; telecomunicações; ser-viços financeiros; serviços de computador (nos quais ossoftwares se incluem); e os serviços técnicos. O CIS-IIque se referia ao período 1994-96, aconteceu em 1998 ecompreendeu a resposta de aproximadamente 55.000empresas dos setores manufatureiros e de serviços de 16países europeus. Em 2002, foi iniciado o terceiroCommunity Innovation Survey – CIS-III, com coletas re-ferentes ao período 1998-2000.

Na Europa, muitos experts têm criticado o tema, reco-nhecendo as limitações dos levantamentos sobre inova-ção baseados na metodologia do Manual de Oslo.

Mesmo após as revisões metodológicas decorrentes doprocesso de discussão da CS I e II, autores como Marklund(2000) e Meanwhile, Sirilli e Envangelista (1998, apudHIPP; TETHER; MILES, 2000) argumentam que os ser-viços apresentariam determinadas especificidades que setraduziriam em obstáculos adicionais para a elaboraçãode metodologias e instrumentos para uma mensuração ade-quada dos processos de inovação por meio de levantamen-tos estatísticos. Como no setor de serviços os levanta-mentos de inovação baseados na indústria teriam uma

abordagem puramente tecnológica, deixariam de captarprocessos organizacionais de inovação importantes. Paraeles, as análises dos indicadores de inovação deveriam sercomplementadas com informações sobre investimentos emrecursos intangíves, como: desenvolvimento e aquisiçãode softwares; gastos com treinamento em recursos huma-nos; estratégias de marketing para exploração de novosmercados; marketing de novos produtos e serviços; usode tecnologias de informação; gestão de novas arquitetu-ras organizacionais; políticas de remuneração ou compen-sação por competências individuais.

Na América Latina, no âmbito da Ricyt – RedIberoamericana/Interamericana de Indicadores deCiencia y Tecnología – tem sido desenvolvido um am-plo debate metodológico sobre a necessidade de revisãodas recomendações do Manual de Oslo para os critériosde inovação.13 Esta vertente de autores latinos defendea necessidade de uma distinção entre as mudançasorganizacionais (na produção ou na inclusão de estraté-gias de marketing e de inteligência de mercado, uma vezque elas são elementos críticos para a inovação) e as não-inovações tecnológicas.

Duas especificidades dos sistemas de aprendizado docontinente foram explicitamente consideradas nessa ver-são latino-americana intitulada Manual de Bogotá: uma éo fato de que, historicamente, a inovação dessas econo-mias baseia-se mais nos processos de difusão tecnológicapor aquisição de tecnologia incorporada do que em roti-nas de P&D; outra é que, nesses sistemas, há a presençaconsiderável de multinacionais estrangeiras que atuamcomo agentes importantes do processo de mudançatecnológica e de captação de recursos para inovação.Apesar dos esforços, muitas das críticas ao Manual de Oslonão foram superadas. Mas nem por isso esse manual dei-xou de ter o status de referencial metodológico de inova-ção para a América Latina.

As pesquisas sobre organização de P&D e inovação noBrasil têm reafirmado essas proposições e concluem quea estratégia de inovação deve ser integrada, necessaria-mente, à

estratégia comercial, à proteção da propriedade intelectual,

aos marcos legais e regulatórios, às capacidades de pro-

duzir. Por outro lado, é possível ter uma estratégia inovadora

sem ter necessariamente uma predominância do vetor

tecnológico (FURTADO, 2004).

Existem até mesmo inovações que prescindem de umpeso relevante da dimensão tecnológica: este é um ele-

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005124

ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP

mento importante para entender o processo de inovaçõese aprendizagem em outros setores – particularmente nosetor de serviços (FURTADO, 2004).

Nesse contexto, a Fundação Seade realizou a primeirapesquisa de inovação tecnológica por meio da Paep 1996.Entretanto, a pesquisa limitou-se a captar os processos deinovação na indústria, dado que o setor de serviços nãofoi investigado sob essa ótica. A segunda versão da pes-quisa, realizada em 2001, suprimiu essa lacuna, realizan-do uma abordagem pioneira sobre a inovação no setor deserviços, dentro de um amplo espectro temático.14 Forampesquisadas quase 21 mil empresas do Estado de São Paulocom 20 ou mais funcionários. Os dados foram colhidosentre julho de 2002 e junho de 2003, permitindo a análisede diversos segmentos da atividade econômica paulistanesse setor, durante o período 1999-2001.15

A primeira alteração metodológica refere-se à amplia-ção do âmbito da pesquisa. Em 1996, esse tema foi inves-tigado apenas no setor da indústria geral (extrativa e trans-formação) e, em 2001, englobou todos os setores dapesquisa (indústria geral, indústria da construção, comér-cio de mercadorias, serviços e bancos).

A segunda principal modificação da pesquisa consistena definição e classificação da inovação. Na Paep 2001,o indicador de inovação tecnológica foi definido a partirde uma abordagem mais restrita e seletiva, considerandoinovadora a empresa que introduziu um produto (bem ouserviço) tecnologicamente novo ou significativamente

QUADRO 4

Marco Conceitual e Exemplos de Inovação em Serviços na Paep 2001

Inovação Tecnológica Não-Inovação Tecnológica

aperfeiçoado, que tenha sido novo não apenas para a em-presa, mas também para o mercado nacional. A introdu-ção dessa questão permite elaborar um indicador de ino-vação mais seletivo entre as empresas classificadas comoinovadoras. A referência conceitual e metodológica daPesquisa de Inovação Tecnológica na Paep teve como baseo Oslo Manual: proposed guidelines for collections andinterpreting innovation data (1997). As alteraçõesintroduzidas visaram a atualizar e harmonizar a pesquisade inovação com a experiência do modelo recomendadopelo Eurostat, consagrado na terceira versão da CommunityInnovation Survey (CIS-III). O tema “Pesquisa e Desen-volvimento – P&D” foi investigado em conjunto com olevantamento dos dados de inovação tecnológica, excetopara os setores de comércio e bancos.

No caso específico do levantamento sobre inovação nosetor de serviços, foram considerados apenas os aspectostecnológicos e reproduzida a mesma a base conceitualaplicada à indústria, com pequenas adaptações para o se-tor terciário. Ainda que esse procedimento reproduza aslimitações das pesquisas de inovações em serviços, comojá fora salientado na literatura internacional, permite cons-truir um amplo panorama da economia do Estado de SãoPaulo, com comparações intersetoriais e intrasetoriais den-tro do mesmo arcabouço metodológico. Por outro lado, aPaep 2001 tem um escopo mais amplo que os surveys deinovação norteados pelo Manual de Oslo aplicados naOCDE, no Canadá ou na Austrália, pois capta informa-

A inovação tecnológica corresponde à introdução no mercado de um

serviço ou produto novo ou significativamente aperfeiçoado para em-

presa, ou à implementação de um processo novo significativamente

aperfeiçoado que tenha sido novo não apenas para a empresa, mas

também para o mercado nacional. A inovação baseia-se em resulta-

dos do esforço de desenvolvimento de novas tecnologias ou novas

combinações de tecnologias já existentes.

Exemplos:

� Sistemas de automação de abastecimento para indústria;

� Desenvolvimento de software para gestão operacional de frotas

de veículos rodoviários;

� E-commerce;

� Web banking – transações financeiras com clientes;

� LivDev, Sistema de colaboração empresa/cliente para projetos

de integração e desenvolvimento de sistemas.

Não são consideradas inovações tecnológicas mudanças puramen-

te gerenciais ou organizacionais (como implementação de técnicas

e conceitos avançados de gerenciamento, organização e marketing)

e mudanças superficiais na prestação de serviços e no conceito de

produção ou serviços já existentes. Também não deve ser conside-

rada como inovação tecnológica, a introdução de serviços ou pro-

cessos que não demandem uso de tecnologia nova.

Exemplos:

� Garantia de produtos

� Ampliação de produtos e serviços já realizados anteriormente

� Introduções de pagamentos por fax

� Mudanças administrativas ou organizacionais que não deman-

dem o uso de tecnologia

� Introdução de páginas na Internet que visem puramente a

divulgação da empresa e não disponham de recursos para

comunicação interna, entre a empresa e seus clientes e/ou

fornecedores.

125

SERVIÇOS NA PAEP 2001: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005

QUADRO 5

Indicadores e Variáveis para Análise da Inovação e Capacitação Tecnológica na Paep 2001

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001.

Classes de Indicadores Variáveis de Análise

Inovação Tecnológica � Inovação de produto ou processo para o mercado; principal agente da inovação; distribuição

percentual de produtos novos na receita de vendas da empresa; principais fontes de inova-

ção; entre outras

Atividades de P&D � Rotinas sistemáticas de P&D; subcontratação de atividades de P&D; número de pessoas

alocadas à P&D, entre outras

Aquisição de Tecnologia Incorporada � Despesas com aquisição em máquinas e equipamentos nacionais e estrangeiros

Aquisição de Tecnologia Desincorporada � Despesas com royalties e assistência técnica local e estrangeira

Investimentos em Ativos Intangíveis � Investimentos em softwares, copyright, marcas, patentes e franquias

Capacitação em Gestão de Operações � Uso de softwares de gestão integrada, estudos sobre clientes (satisfação do cliente,

Corporativas estratégias de vendas, etc.), estudos sobre concorrentes, informatização das atividades

administrativas, desenvolvimento de produtos, informatização das atividades operacionais,

estratégias de terceirização

Capacitação em Gestão Produtiva � Automação industrial; idade média dos equipamentos

� Programas de qualidade e produtividade (Q&P)

� Certificados de qualidade

Recursos Humanos � Categorias ocupacionais segundo escolaridade, número de ocupados

� Programas de treinamento e educação

Uso de TICs � Uso de computadores; uso de redes de longo alcance integradas com clientes e

fornecedores; acesso à Internet; uso de comércio eletrônico

Interação com o Sistema de CT&I � Acordos de cooperação para o desenvolvimento de atividades de inovação/laboratórios e

centros de P&D/Universidades e centros profissionalizantes/Institutos de pesquisa

governamentais

Interação e Cooperação na Cadeia � Desenvolvimento conjunto de processos e serviços

Produtiva � Contratos de longo prazo

� Troca sistemática de informações sobre qualidade e desempenho

� Levantamento de informações sobre mudança no perfil do cliente

ções sobre um conjunto de variáveis que permitem enten-der as dinâmicas de inovação com uma cesta de indicado-res mais ampla que aquelas delimitadas pelas pesquisassobre inovação tecnológica strictu sensu. Desse modo, osdados sobre difusão das TICs, estratégias de gestão derecursos humanos, instrumentos e métodos gerenciais, or-ganização e requisitos de inserção em cadeias produtivase qualificação de recursos humanos, entre outros, permi-tem uma abordagem mais ampla do processo de inova-ção, tal como defendida por Marklund (2000), integran-do diversos enfoques que interagem no processo deinovação e difusão no setor de serviços (Quadro 5).

EVIDÊNCIAS ESTATÍSTICAS SOBRE OCOMPORTAMENTO DA INOVAÇÃO NAINDÚSTRIA E NO SETOR DE SERVIÇOS

Estudos como o realizado por Schwartz et al. (2004),demonstram que o Estado de São Paulo é o principal cen-tro das indústrias brasileiras em setores de alta tecnologiae de parte significativa dos serviços mais avançados, in-tegrando os elos mais dinâmicos da cadeia produtiva dossetores ligados a TICs.

A partir da adoção da tipologia recomendada pela OCDEpara o setor de TICs, demonstra-se o elevado o grau de

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005126

ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP

TABELA 1

Empresas do Setor da Indústria e dos Serviços Selecionados, Inovadoras para o Mercado Nacional,

segundo Indicadores das Atividades de Inovação

Estado de São Paulo – 2001

Em porcentagem

Indicadores das Atividades de Inovação Indústria Serviços Selecionados

Introduziram Produto e/ou Processo Novo para o Mercado Nacional 7,1 5,6

Realizaram Atividade de P&D Sistemática ou Contínua 48,9 31,4

Contrataram Atividade de P&D 25,6 30,4

Possuem Laboratórios de P&D 39,2 15,5

Solicitaram Registro de Patentes/Copyright 55,3 25,2

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001.

Nota: Empresas com 20 ou mais pessoas ocupadas sediadas no Estado de São Paulo.

concentração econômica regional no Estado de São Pauloem atividades que dão prioridade ao conhecimento e infor-mação – tanto na indústria como no setor de serviços.

Com o objetivo de proporcionar uma demonstraçãoempírica dos enunciados críticos suscitados neste artigo– as diferenças e convergências no comportamentosetorial da inovação –, foi realizado um exercício preli-minar utilizando a base de dados da Paep 2001, a partirdos dados das empresas sediadas no Estado de São Pau-lo com porte ocupacional de 20 ou mais pessoas. Esteexercício focalizou tanto as atividades das empresas in-dustriais como as de um conjunto selecionado do setorde serviços: agricultura, técnicos para empresas, auxi-liares para empresas, transporte, telecomunicações, cor-reio, informática, saúde, energia, gás e água, limpezaurbana/esgoto.

A Paep 2001 apresenta um universo de 13.645 empre-sas industriais e quase 21 mil do setor de serviços. Na in-dústria, 961 empresas afirmaram ter introduzido um novoproduto para o mercado nacional – o que resultou em umataxa de inovação da ordem de 7%. No conjunto selecio-nado de atividades do setor de serviços, 923 responderamter introduzido novos produtos e/ou processos para omercado, perfazendo um resultado total da taxa de inova-ção de 5,6%.

Como foi salientado por Viotti et al. (2005, p. 684) eFurtado (2004) o conceito de inovação para o mercadocorresponde a um tipo de inovação mais próximo da idéiaoriginal de inovação schumpeteriana. Considerando o seuimpacto no padrão de competitividade e na acumulaçãode capacitação tecnológica da empresa que a realiza, elapode ser classificada como uma inovação qualitativamentesuperior àquelas que são novidades apenas para as em-

presas, mas não o são para o mercado. Em contrapartida,as inovações que são pioneiras apenas para as empresasestão mais próximas do conceito schumpeteriano de di-fusão (ou absorção) tecnológica.

Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se argumen-tar que as modestas performances das taxas de inovaçãosetoriais devem-se ao peso reduzido das inovações origi-nais ou criadoras na economia paulista. Além disso, es-sas taxas corroboram a hipótese de que o sistema paulistaapresenta uma característica estrutural predominantementeestigmatizada por trajetórias de aprendizado tecnológicotípicas de economias imitadoras e periféricas, nas quais amudança técnica está associada basicamente à absorçãoe ao aperfeiçoamento de inovações geradas fora do paísou pela dinâmica de aquisição de tecnologia incorporadaem bens de capital (QUADROS et al., 2004).

Tal como foi enfatizado na seção anterior, a partir dainvestigação de empresas inovadoras quanto à sua atuaçãona realização de atividades de P&D (Tabela 1), observa-seque a indústria apresenta maior intensidade de rotinas(48,9%) e de existência formal de laboratórios de P&D(39,2%), em comparação com o setor de serviços (31,4% e15,5%, respectivamente). Ademais, as informações sobresubcontratação das atividades de P&D revelam que essesexpedientes são mais praticados pelo setor de serviços(30,4%) do que pela indústria (25,6%). O conjunto demons-tra que as atividades de inovação e P&D no setor de servi-ços não parecem ser necessariamente tão formalizadas eorganizadas como na indústria, pois possuem característi-cas próprias e dinâmicas singulares em seu desenvolvimentoe em sua execução, segundo os tipos dos serviços presta-dos, que as diferenciam das rotinas da indústria. É verdadetambém que, em muitos casos, o setor de serviços benefi-

127

SERVIÇOS NA PAEP 2001: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005

cia-se das atividades de P&D da indústria a partir da aqui-sição de um novo conhecimento ou tecnologia.

Conseqüentemente, é possível presenciar no setor deserviços uma relação causal menos efetiva entre as ativi-dades internas de P&D e o lançamento de novos produtospara o mercado nacional do que a que pode ser constata-da na indústria. A baixa socilitação de registro das inova-ções no setor de serviços (25,2%) pode estar associada aoalto nível de intangibilidade dessas atividades – o que exigeuma grande capacidade de compreensão e codificação dossistemas complexos de serviços por parte dos recursoshumanos envolvidos no processo de inovação. Além dis-so, os custos e o grau de incerteza incorporados a essasoperações de registro de copyright acabam por inibir a

própria aplicação de mecanismos de proteção da inova-ção, por isso, são menos utilizados pelas empresas inova-doras do setor de serviços.

Prosseguindo com o exercício analítico de “evidenciarpadrões de comparabilidade tecnológicas entre indústriae serviços”, sistematizou-se as informações do universodas empresas que compõem esses setores. Desagregadaspor atividades, elas apontaram para as possíveis relaçõesentre o grau de intensidade tecnológica setorial, 16 o com-portamento da taxa de inovação, das rotinas de P&D e adifusão de computadores por pessoas ocupadas (Tabelas2 e 3). Mesmo levando-se em conta o elevado grau deheterogeneidade, a distinção dos regimes de funcionamentoeconômico ou as dimensões relacionadas à intensidade e

TABELA 2

Empresas do Setor Industrial, por Taxa de Inovação, Atividades de P&D, Intensidade Tecnológica e

Difusão de Computadores, segundo Atividades

Estado de São Paulo – 2001

Atividades

Taxa de Realizaram Contrataram Intensidade Densidade de

Inovação Atividade Atividade de Tecnológica Pessoas por

(1) (%) Interna de P%D (%) (2) (%) Computador

P&D (%) (3)

Indústria 7,1 13,0 9,7 0,8 4,7

Indústria Extrativa 2,3 4,0 13,6 0,3 10,2

Alimentos e Bebidas 5,2 13,5 11,7 0,5 5,6

Produtos Têxteis 3,5 8,7 6,1 0,3 8,5

Confecção de Vestuários e Acessórios 0,7 5,2 5,5 0,4 9,5

Prepar. e Confecções de Artefatos de Couro 3,6 10,5 11,3 0,3 10,4

Celulose e Papel 4,6 13,5 7,5 0,4 4,4

Edição, Impressão, Reprodução de Gravações 3,0 6,5 7,9 0,5 2,2

Refino de Petróleo e Álcool 2,9 3,1 17,2 0,1 9,9

Produtos Químicos 15,1 30,5 16,7 1,4 3,5

Artigos de Borracha e Plásticos 5,7 12,9 9,5 0,6 6,3

Prod. Minerais Não-Metálicos 4,6 10,4 10,7 0,5 7,8

Metalurgia Básica 9,2 11,3 9,5 0,5 3,1

Produtos de Metal (Excl. Máq. e Eq.) 6,5 9,8 10,5 0,4 5,3

Máquinas e Equipamentos 16,5 15,9 9,1 0,9 4,0

Máq. Escritório e Equipamentos de Informática 27,0 38,2 23,5 2,7 1,4

Máquinas, Aparelho e Material Elétrico 11,1 21,8 9,5 0,9 3,8

Material Eletrônico e Aparelhos e Equipamentos de Comunicações 20,2 31,5 19,0 4,3 2,3

Equipamentos Médicos, Ótica e Relógios, Instrumentos de Precisão

e Automação Industrial 19,4 32,8 16,7 3,1 3,1

Montagem de Veículos Automotores, Reboques e Carrocerias 8,0 16,8 10,3 0,6 5,5

Outros Equipamentos de Transporte 13,7 11,3 12,4 11,6 2,2

Outras Indústrias 3,6 9,2 6,1 0,4 7,5

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001.

(1) Porcentagem de empresas que realizaram/introduziram inovação tecnológica para o mercado nacional, no período entre 1999 e 2001, em relação ao total de empresas do setor/atividade.

(2) Número total de pessoas ocupadas de nível superior alocada em P&D/número total de pessoas ocupadas no setor.

(3) Número de pessoal ocupado no setor/atividade dividido pelo número de equipamentos de informática (microcomputadores e terminais) alocado no mesmo.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005128

ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP

amplitude do impacto da inovação em termos de enca-deamentos tecnológicos, observa-se que a principal evi-dência diz respeito às rotinas e estratégias de P&D prati-cadas nos dois setores. Os dados da Paep indicam que nosetor de serviços a incidência de empresas que contrata-ram atividades de P&D (11,1%) em 2001 é superior àsempresas que realizam essas atividades internamente(6,5%) – in house, ao contrário do setor industrial (Tabe-la 2), onde a maior parte das empresas que realizam ativi-dades de P&D o fazem internamente (13,0%) enquantouma menor porcentagem (9,7%) das empresas contrata-ram serviços externos de P&D.

Em relação à diversidade intra-setorial, verifica-se, naTabela 2, que aquelas atividades da indústria que expres-sam um comportamento mais elevado do indicador de in-tensidade tecnológica – bem acima da média do setor(0,8%) –, acabam por apresentar performances positivasquanto às taxas de inovação e rotinas internas de P&Dassim como um padrão superior de difusão tecnológica,considerando-se a oferta de computadores por pessoasocupadas. Nesse grupo, sobressaem-se quatro atividades:Outros Equipamentos de Transporte (11,6%) – particu-larmente influenciada pelo setor aeronáutico, Material Ele-trônico e Aparelhos e Equipamentos de Comunicações(4,3%), Equipamentos Médicos, Instrumentos de Preci-são e Automação Industrial (3,1%) e Equipamentos deInformática (2,7%). Saliente-se ainda a alta incidência dacontratação externa das atividades de P&D praticada pelosetor de equipamentos de informática (23,5%) e materialeletrônico e de equipamentos de comunicações (19,0%).17

Embora deva ser evidenciado o baixo dinamismo emrelação à taxa de inovação e às atividades de P&D naanálise sobre o comportamento de empresas inovadorasno setor de serviços, é importante ressaltar que estudosdesenvolvidos por Miozzo e Soete (2001) têm enfatizadoque, nas economias cêntricas, os serviços que priorizamconhecimento e ciência – os chamados KIBS – têm de-monstrado uma notável propensão para a atividade ex-portadora ou trajetórias de internacionalização e inova-ção. Estudo recente realizado por Bernardes e Kalup(2005) baseado em informações da Paep 2001 e tendocomo foco os serviços de telecomunicações, de P&D,audiovisuais, informática e técnico às empresas, demons-trou que, ao contrário da experiência internacional, sãopoucos os serviços inovadores que realizam atividadesexportadoras – sendo que a ampla maioria tem no mer-cado interno e local a sua principal fonte geradora dereceitas.18 De modo geral, observa-se que, em todos os

segmentos de serviços que realizam P&D, a incidênciade contratação externa é superior ao desenvolvimentointerno dessas atividades nas empresas. Em segmentoscomo informática e telecomunicações, as taxas de ino-vação (29,7% e 14,9%, respectivamente) são muito pró-ximas às incidências das atividades internas de P&D(24,4% e 14%, respectivamente) e à sua contratação ex-terna (24,2% e 14,0%, respectivamente). Já os indica-dores de difusão tecnológica mostram maior oferta decomputadores – em relação à média do setor (3,1%) –nos serviços intensivos no uso de TICs. São eles: servi-ços de telecomunicações (0,6%); informática (0,6%); téc-nicos às empresas (1,4%) e energia, gás e água (2,6%).

Os serviços de informática e os serviços técnicos àsempresas apresentam os maiores níveis de intensidadetecnológica, 4,8% e 2,0%, respectivamente. Entretanto,esses dois segmentos merecem algumas considerações.Apesar do mercado de informática ser dominado por gi-gantes multinacionais (Microsoft, Unysis, Oracle, entreoutras) existem nichos que oferecem oportunidades deatuação para as médias e pequenas empresas. Essas em-presas de capital nacional disputam o mercado local desoftware em aplicativos de gestão empresarial e de inteli-gência de negócios, dispondo de substancial capacidadecompetitiva19 para concorrer com as principais multina-cionais instaladas em São Paulo e no Brasil.

No caso dos serviços técnicos para empresas, existe umaoferta diversificada de serviços de alta qualificação, en-tre elas os de P&D, que exigem um determinado tipo decompetência e expertise profissional e que passaram a serintensamente demandados pelas empresas – sobretudo nosanos 90, com os expedientes de focalização dos negócios,de externalização das atividades empresariais e o ingres-so de novos concorrentes na economia. Segundo Nählinder(2002, p. 4), as empresas de KIBS geralmente sãoestruturadas por carreers of knowledge, isto é, seus fun-cionários possuem uma alta graduação e conhecimento eseus produtos não podem ser gerados por máquinas. Ade-mais, a relação produção-cliente, devido à alta singulari-dade de cada produto e ao modus operandi da produção,é bem mais intensa nessas atividades. Sendo assim, essesfuncionários são geralmente bem remunerados. Isso fazcom que os salários sejam transformados em start-up paraseus próprios empreendimentos (o que também não requerum alto capital inicial) e assim passam a ser competido-res de seus antigos empregadores. Ressalte-se ainda queum seleto grupo das empresas pertencentes aos segmen-tos de engenharia e arquitetura ou escritórios de advoca-

129

SERVIÇOS NA PAEP 2001: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005

TABELA 3

Empresas do Setor de Serviços, por Taxa de Inovação, Atividades de P&D, Intensidade Tecnológica e

Difusão de Computadores, segundo Atividades

Estado de São Paulo – 2001

Atividades

Taxa de Realizaram Contrataram Intensidade Densidade de

Inovação Atividade Atividade de Tecnológica Pessoas por

(1) (%) Interna de P&D (%) (2) (%) Computador

P&D (%) (3)

Serviços 5,9 6,5 11,1 0,6 3,1

Agricultura 3,2 4,2 0,5 0,2 20,8

Técnicos às Empresas 5,1 4,5 19,0 2,0 1,4

Auxiliares às Empresas 1,5 3,6 6,4 0,2 8,7

Transporte 2,3 4,1 8,7 0,2 5,0

Telecomunicações 14,9 14,0 14,0 0,7 0,6

Atividades de Informática 29,7 24,4 24,2 4,8 0,6

Saúde 7,3 6,6 8,0 0,5 5,3

Energia, Gás e Água 4,9 12,7 15,3 0,8 2,6

Limpeza Urbana/Esgoto 6,7 4,8 7,2 0,2 16,7

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001.

(1) Porcentagem de empresas que realizaram/introduziram inovação tecnológica para o mercado nacional, no período entre 1999 e 2001, em relação ao total de empresas do setor/atividade.

(2) Número total de pessoas ocupadas de nível superior alocada em P&D/número total de pessoas ocupadas no setor.

(3) Número de pessoal ocupado no setor/atividade dividido pelo número de equipamentos de informática (microcomputadores e terminais) alocado no mesmo.

TABELA 4

Empresas da Indústria e dos Serviços, Inovadoras para o Mercado Nacional, segundo Importância das Fontes de Informação

para o Desenvolvimento das Atividades de Inovação Tecnológica

Estado de São Paulo – 1999-2001

Em porcentagem

Fontes de Informação Indústria Serviços

Departamentos da Empresa 63,45 80,11

Outras Empresas Dentro do Grupo da Empresa 23,44 43,19

Fornecedores de Equipamentos, Materiais, Componentes ou Softwares 60,17 73,96

Clientes 76,20 68,68

Concorrentes 50,27 44,40

Empresas de Consultoria 18,34 29,34

Universidades e Outros Institutos de Educação Superior 27,50 27,36

Institutos de Pesquisa/Centros Profissionalizantes 25,38 18,13

Aquisição, Licenças, Patentes e Know-How 30,78 20,66

Conferências, Encontros e Publicações Especializadas 39,59 50,77

Feiras e Exposições 56,10 45,49

Departamentos de P&D 76,87 -

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001.

Nota: Considerou-se somente as variáveis “importante” e “muito importante” como fontes de informação para empresa inovar no período 1999/2001.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005130

ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP

cia desfruta de prestígio no mercado internacional e ex-portam seus serviços.

Nos serviços de telecomunicações, observa-se que ataxa de inovação (14,9%) apresenta o segundo melhordesempenho entre os serviços estudados, embora o indi-cador de intensidade tecnológica posicione-se mais pró-ximo da média total do setor de serviços. Esse resultadodeve-se à existência de duas concorrências dinâmicas etécnicas distintas. De um lado, toma-se como exemplo osegmento de telefonia fixa – onde há monopólio de ofertade serviços e uma moldura institucional de regulamen-tação pública que acabam por determinar um grau redu-zido de contestabilidade do mercado, originando maiorconcentração econômica das empresas. Desse modo,nessas atividades, quem mais gera valor são as grandesempresas: elas são mais expressivas econômica e estru-turalmente, e, por isso, são caracterizadas como pres-tadoras de serviços complexos e altamente custosos quenecessitam elevados recursos tecnológicos. Por outrolado, no segmento de manutenção e assistência de tele-comunicações, que é caracterizado por prestações deserviços de baixo conteúdo tecnológico, as oportunida-des para as pequenas e médias é superior – o que esti-

mula uma alta competitividade de mercado. Em sua maio-ria, essas empresas não realizam atividades de P&D etêm grande participação númerica nesse segmento. Des-sa forma, acabam criando um impacto negativo no re-sultado do indicador de intensidade tecnológica.

Voltando a tratar das empresas inovadoras e conside-rando as fontes de informação como insumos críticos paraos processos de desenvolvimento e implementação de ino-vações (Tabela 4) observa-se que, tanto na indústria comono setor de serviços, as principais fontes utilizadas evi-denciam um movimento competitivo cada vez maisdirecionado para os sinais de mercado.

Nesse sentido, os clientes despontam como variáveiscríticas para os dois setores. Entretanto, as atividades in-ternas de P&D (in-house) parecem ser mais importantespara a indústria do que para o setor de serviços, que re-corre às informações de outros departamentos da empre-sa ou mesmo do grupo (departamentos de marketing, deplanejamento estratégico, entre outros).

Uma outra característica comum entre as empresas deserviços e as da indústria é que os fornecedores de equi-pamentos de materiais e softwares também constituem umimportante insumo para o esforço inovador, embora haja

TABELA 5

Empresas do Setor de Serviços, Inovadoras e Não-Inovadoras para o Mercado Nacional, por Estratégias

Avançadas de Gestão Corporativa, segundo Atividades

Estado de São Paulo – 2001

Em porcentagem

Estudos sobre Clientes Estudos sobre Uso de Software de

Concorrentes Gestão Integrada

Atividades Inovadoras Não- Inovadoras Não- Inovadoras Não-

Inovadoras Inovadoras Inovadoras

Setor de Serviços 82,8 49,4 51,3 24,5 61,2 31,2

Agricultura 66,7 32,1 16,7 20,1 0,0 6,0

Técnicos às Empresas 61,7 35,6 37,2 21,5 78,7 33,9

Auxiliares às Empresas 76,6 50,6 48,9 25,7 40,4 20,0

Transporte 85,9 48,1 35,9 23,5 90,6 34,3

Telecomunicações 94,4 57,3 44,4 39,8 94,4 35,9

Atividades de Informática 95,5 84,6 63,3 42,0 55,2 54,9

Saúde 72,1 50,2 47,1 14,7 53,8 39,5

Energia, Gás e Água 46,2 55,3 38,5 41,6 30,8 34,1

Limpeza Urbana/Esgoto 83,3 51,2 50,0 30,5 83,3 27,3

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001.

131

SERVIÇOS NA PAEP 2001: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005

indicações de que essa variável é mais valorizada no se-tor de serviços.

Por fim, as informações originárias das atividades deconferências, encontros e publicações especializadas eempresas de consultoria são mais utilizadas pelas empre-sas de serviços do que pela indústria.

Embora a metodologia recomendada pelo Manual deOslo considere as mudanças gerenciais como não-ino-vações tecnológicas, há pesquisas internacionais que ar-gumentam que as estratégias de marketing e as técnicasavançadas de gestão corporativa são conceitos críticospara o processo de inovação no setor de serviços. Emmuitos casos, as pesquisas que visam à inovação nasceme são desenvolvidas nas áreas de inteligência de merca-do e marketing (THOWKE, 2003). Os dados apresenta-dos na Tabela 5 demonstram que, para as empresas ino-vadoras do setor de serviços, a combinação de estudossobre os clientes (82,8%), sobre os concorrentes (51,3%)e o uso de softwares de gestão integrada (61,2%) sãoelementos importantes para a compreensão da naturezada inovação nesse setor. Por este motivo, as pesquisassobre inovação devem aprofundar seus estudos sobreessas variáveis.

CONCLUSÕES

Os resultados deste estudo são parte de um exercíciopreliminar e pioneiro sobre a natureza, o comportamentoda inovação no setor de serviços e seus padrões de con-vergência e diferenciação tecnológica, tendo como refe-rência a indústria paulista. A consecução dos objetivospropostos neste estudo foi viabilizada por meio da explo-ração da base de dados inédita produzida pela Paep 2001,que demonstra a grande vitalidade e multidimensionalidadedas informações sobre a economia de serviços no Estadode São Paulo. As conclusões deste trabalho sugerem aimportância da construção de indicadores de monito-ramento das atividades de inovação, P&D e difusãotecnológica nos serviços, como instrumento estratégicopara as políticas de inovação e de desenvolvimento eco-nômico. Considerando as características estruturais desegmentação e heterogeneidade do setor de serviços, ob-serva-se a necessidade de promover estudos aprofundadospara melhor compreender os padrões de funcionamentointra-setoriais e os fluxos econômicos e tecnológicos en-tre este setor e o industrial.

De modo geral, embora se verifique um baixo dinamis-mo nas atividades inovadoras no setor de serviços (um

pouco maior naqueles com intensidade tecnológica supe-rior), a experiência internacional revela que ele pode serbastante inovador exportando e empregando recursos hu-manos de alta qualificação e renda.

No caso da economia paulista, esse comportamentopode ser explicado, em parte, porque as estratégias corpo-rativas das grandes empresas vêm se pautando pelainternalização ou desenvolvimento das competências es-senciais para a sua competitividade. Em outros casos,porque compra, no mercado externo, soluções não en-contradas localmente. Ademais, a própria fragilidadetecnológica e inovadora da indústria marcada pela baixadensidade das rotinas de P&D gera pressões de deman-da menos dinâmicas e exigentes para os serviçostecnológicos e intensivos em conhecimento. Entretanto,as informações da Paep 2001 e do estudo realizado porBernardes e Kalup (2005) também mostraram que osserviços de informática, telecomunicações e técnicos àsempresas apresentam um comportamento inovador so-fisticado – e, em alguns casos, com performances bas-tante competitivas.

Sob a ótica do desenvolvimento e do fortalecimentoda competitividade, os serviços intensivos em inovação econhecimento são elementos estruturais de suporte quepodem estimular o crescimento econômico e industrial, ocomportamento inovador empresarial e a difusão de no-vas tecnologias. Nesse sentido, a formulação de políticaspúblicas de competitividade e inovação direcionadas paraa promoção do desenvolvimento tecnológico e a interna-cionalização dos serviços – estimulando a reversão dodéficit da balança de serviços –, assim como o fomentona articulação e integração com o setor industrial são es-tratégicas, podendo resultar no longo prazo em benefíciosmaiores para a economia em termos de geração de divi-sas, tecnologia, emprego e renda.

NOTAS

1. Organizações como a UN (United Nations): Unesco (United NationsEducational, Scientific and Cultural Organization) e UNCTAD (UnitedNations Conference on Trade and Development); o IDB (Inter-American Development Bank) e a EC (European Commission), têmelaborado estudos de caráter conceitual, metodológico e operacionalque servem de orientação e recomendação para a atuação dos países,com relação tanto à formulação e à avaliação de políticas como à pro-dução de dados. Essas instituições vêm exercendo a liderança no pro-cesso de padronização de conceitos e métodos, bem como na constru-ção de indicadores comparáveis internacionalmente. Ver, Porcaro(2004).

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005132

ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP

2. Para uma revisão detalhada sobre o histórico metodológico das es-tatísticas de CT&I, ver: Archibugi e Sirilli (2000); Bernardes (2003);Schwartz et al. (2004) e Porcaro (2004).

3. Ver: <http://www.nsf.gov/>.

4. Para uma amostra sobre a produção científica baseada nesta pes-quisa ver: Quadros et al. (1999); Costa (2003); Araújo (2001), entreoutros.

5. As informações da Paep 1996 tiveram uma importante contribuiçãopara a elaboração do segundo volume da série indicadores de Ciência,Tecnologia e Inovação para 2001 no Estado de São Paulo organizadopela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp.Esse estudo teve sua terceira versão publicada em 2005, tendo comoano-base 2004. As duas publicações estão disponibilizadas no site daFapesp: <http://www.fapesp.br/indicadores/>.

6. Entre as iniciativas que contribuíram para o aperfeiçoamento dessecampo metodológico, é digna de menção a discussão conceitual einstitucional da mudança tecnológica e da organização P&D no Bra-sil, promovida no âmbito do Diretório da Pesquisa Privada (DPP) e doObservatório de Estratégias para a Inovação (OEI). Um dos argumen-tos sustentados é o de que não basta ter unicamente uma estratégiaalinhada em termos de pesquisa e desenvolvimento (P&D), com in-vestimentos volumosos e direcionados para áreas promissoras.

7. Calculam que os serviços transacionáveis baseados no conhecimentorepresentavam 18% do valor adicionado (VA) total dos países mem-bros da OCDE. Os correios, os serviços de telecomunicações e os ser-viços às empresas estão, em geral, entre os serviços transacionáveismais utilizadores de tecnologia. Estes setores representavam cerca de25% do VA na Suíça. Entre os países do G7, os EUA e o Reino Unidosão os que apresentam os serviços com forte intensidade de conheci-mento mais desenvolvidos.

8. Segundo Miles (1995), na primeira metade da década de 90, cercade 80% dos investimentos em tecnologia de informação no Reino Unidoe EUA são consumidos nos setores de serviços.

9. São definidas pelas atividades de serviço, indústria e comércio rela-cionadas com o processo de informação e comunicação por meios ele-trônicos.

10. A origem do termo KIBS é pouco precisa, mas sabe-se que foiempregado pela primeira vez no projeto Innovation ProgrammeDirectorate General for Telecommunications, Information Market andExploitation of Research financiado pela OCDE e conduzido por Miles(1995). Os KIBS podem ser agrupados em dois conjuntos: serviçosusuários de novas tecnologias e serviços produtores de novastecnologias. São exemplos do primeiro grupo os segmentos de enge-nharia, arquitetura, marketing, publicidade, consultorias financeiras ejurídicas, entre outros. Pertencem ao segundo grupo: as redes deinformática, os serviços de telecomunicações, empresas de P&D, en-tre outras.

11. O debate e a própria compreensão sobre a natureza da inovaçãono setor de serviços foi fortemente influenciado pelo modelo do “ci-clo reverso do produto” (CRP) proposto por Richard Barra´s, que porsua vez, apresentava clara influência da abordagem neoschum-peteriana. Essa abordagem, considerada como determinística porautores como Uchupalanan (1998), Sundbo e Gallouj (2000), foi ainiciativa pioneira no sentido de formalização de uma teoria da ino-vação e aprendizado nas empresas de serviços a partir de uma pers-pectiva dinâmica e interativa. No CRP, a natureza das trajetóriastecnológicas de inovação e capacitação modificam-se em cada umadas três fases do seu ciclo de desenvolvimento. Tal modelo pressu-põe que, em certos serviços como bancos, telecomunicações,informática, seguros, serviços de contabilidade e finanças, observa-se um ciclo de vida reverso ao ciclo de produto convencional da in-dústria. Nessa abordagem, o ponto central é o de que o setor serviçosapropria-se, inicialmente, de novas tecnologias (na forma de aquisi-ção de informações e sistemas computacionais e telemáticos) desen-volvidos pela indústria.

12. Os países são Bélgica, Alemanha, Dinamarca, França, Grécia, Itá-lia, Irlanda, Luxemburgo, Holanda, Portugal, Espanha, Reino Unido eNoruega.

13. Seguindo a ótica dessas indagações, a Ricyt – Red Iberoamericana/Interamericana de Indicadores de Ciencia y Tecnología desenvolveu oManual de Bogotá (JARAMILLO et al., 2000), resultado de um esfor-ço conjunto de pesquisadores latino-americanos para contornar difi-culdades da adoção do Manual de Oslo em pesquisas de inovação naAmérica Latina.

14. Nessa pesquisa foram excluídos os segmentos serviços domésti-cos, administração pública, serviços financeiros e condomínios.

15. Ressalte-se que o âmbito geral da Paep 2001 foi mais amplo doque aquele analisado neste artigo. Na Paep 2001 foram investigadasas empresas dos setores indústria e indústria da construção com maisde cinco pessoas ocupadas e todas as empresas, independentementedo número de pessoas ocupadas, do Comércio, dos Bancos e dos Ser-viços, com atividade no Estado de São Paulo. Não foram pesquisadosos segmentos pertencentes às instituições financeiras, administraçãopública, serviços de condomínio e serviços domésticos. Neste sentido,o universo total da pesquisa foi de 792 mil empresas.

16. O indicador de intensidade tecnológica é uma proxy limitada so-bre o esforço tecnológico realizado pelas empresas. É calculado pelonúmero de pessoas de nível superior alocadas em P&D em relação aototal do número de pessoas ocupadas no setor de atividade. O indica-dor desejável seria o cálculo entre os dispêndios em P&D/Valor deTransformação Industrial; entretanto, a Paep 2001 não dispõe dessasinformações. A análise baseada nessas informações foi realizada emQuadros et al. (2004) e Furtado e Quadros (2005).

17. Um estudo realizado por Quadros et al. (2004) que utilizou infor-mações da Pintec 2000 para o Estado de São Paulo sobre dispêndiosdas empresas inovadoras, captou o mesmo comportamento para o se-tor de material eletrônico, onde 20% dos dispêndios em atividadesinovativas eram direcionados para a aquisição externa de P&D. Osautores questionavam o resultado, argumentando que esse segmento éaltamente apoiado por recursos e incentivos federais. Esse resultadoseria até mesmo contraditório em relação às informações de fontes deinovação, onde verifica-se a pequena importância atribuída à coope-ração tecnológica e às instituições externas para as atividadesinovativas.

18. Ficou demonstrado que, embora apresentem individualmente umaexpressão numérica modesta (17% das empresas), o conjunto de ser-viços produtivos que dão prioridade à informação e ao conhecimentocontribui com uma parcela relevante da atividade econômica, pois elessão responsáveis por 27% do VA do total dos serviços. Em média, seuperfil ocupacional apresenta níveis de qualificação mais elevado doque os do total do setor. A relação de ocupações de nível superior émais elevada do que a das ocupações de nível médio. Os indicadoresde difusão tecnológica também demonstram um padrão de intensida-de superior ao observado para o conjunto dos serviços. Por exemplo,os indicadores de oferta de computadores, acesso a internet, home pagee comércio eletrônico são bem superiores aos observados para o totalde serviços (BERNARDES; KALUP, 2005).

19. As vantagens reveladas pelas empresas nacionais estão relaciona-das as oportunidades de nichos de mercados decorrentes da oferta deserviços e soluções corporativas para o uso de tecnologias de informa-ção baseadas em custos mais acessíveis e competitivos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, M.F.I. Impactos da reestruturação produtiva sobre aRegião Metropolitana de São Paulo no final do século XX. Tese(Doutorado) – IEA/Unicamp, Campinas, 2001.

133

SERVIÇOS NA PAEP 2001: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005

ARCHIBUGI, D.; SIRILLI, G. The direct measurement oftechnological innovation in business. National Research Council,Rome, Italy, 2000.

BALDWIN, J.R. et al. Innovation in Dynamic Service Industries.Statistics Canada. Ottawa. Dez. 1998.

BELL, D. The Coming of Pos-Industrial Society, a venture in socialforescasting. New York: Basic Book, 1973.

BERNARDES, R. Produção de estatísticas e inovação tecnológica:Paep 1996-2001. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, FundaçãoSeade, v. 17, n. 3-4, p. 151-167, jul./dez. 2003.

BERNARDES, R.; KALUP, A. A nova economia de serviços em SãoPaulo: setores produtivos intensivos em informação e conhecimento.São Paulo: Fundação Seade, out. 2005. (Relatório de Pesquisa).

BESSA, V.C.; TERCI, D.; NERY, M. Sociedade do conhecimento.São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 17,n. 3-4, p. 3-16, jul./dez. 2003.

BONDEN, M.; MILES, I. Services and the knowledge-basedeconomy. London and New York: Ed. Continuum, 2000.

CLARK, C. Las condiciones del Progresso Económico. Madrid:Alianza Editorial, 1980.

COSTA, I. Empresas multinacionais e capacitação tecnológica naindústria brasileira. 2003. Tese (Doutorado em Política Científica eTecnológica) – Universidade Estadual de Campinas/Instituto deGeociências, Campinas. 2003.

DE NEGRI, J.A.; SALERNO, M.S. Inovações, padrões tecnológicose desempenho das firmas industriais brasileiras. Brasília: Ipea,2005.

EVANGELISTA, R.; SAVONA, M. Patterns of innovation inservices: the results of the Italian Innovation Survey. In: ANNUALRESER CONFERENCE, 7th, Berlin. Paper… Berlin: 8-10 Oct.1998.

EVANGELISTA, R.; SIRILLI, G.; SMITH, K. Measuring Innovationin Services. IDEA Paper, n. 6, Oslo, STEP Group, 1998.

FISHER, A.G. The Clash of Progress and Serenity. London: 1935.

FREEMAN, C.; CLARK, J.; SOETE, L. Unemployment andTechnical Innovation. London, Frances Printer, 1982.

FUCHS, V.R. The Service Economy. National Bureau of EconomicsResearch, 1968.

FURTADO, A.T.; QUADROS, R. Padrões de intensidadetecnológica da indústria brasileira: um estudo comparativo com ospaíses centrais. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, FundaçãoSeade, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005.

FURTADO, J. O comportamento inovador das empresas industriaisno Brasil. Estudos e Pesquisas, Rio de Janeiro, n. 88, set. 2004.

GALLOUJ, F.; WEINSTEIN, O. Innovation in services. ResearchPolicy, n. 26, p. 537-556, 1997.

GERSHUNY, J.; MILES, I. The New Service Economy. London:Frances Printer, 1983.

HAUKNES, J. Services in Innovation – Innovation in Services.Paris: OECD, Sept. 1999.

HIPP, C.; TETHER, B.; MILES, I. The incidence and effects ofinnovation in services: Evidence from Germany. International

Journal of Innovation Management, v. 4, n. 4, p. 417-454, Dec.2000.

HOWELLS, J. Innovation & Services: new conceptual frameworks.CRIC Discussion Paper, 38. The University of Manchester & Umist.Aug. 2000.

JARAMILLO, H.; LUGONES, G.; SALAZAR, M. Manual deBogotá: normalización de indicadores de innovación tecnológica enAmérica Latina y el Caribe. Bogotá, Colombia, 2000. (Proyectofinanciado por la Organización de Estados Americanos OEA).

KANNEBLEY JUNIOR, S.; SILVEIRA PORTO, G.; TOLDOPAZELLO, E. Inovação na indústria brasileira: uma análiseexploratória a partir da Pintec. Revista de Inovação Brasileira, v. 3,n. 1, 2005.

KON, A. Economia de Serviços – Teoria e Evolução no Brasil. Riode Janeiro: Campus/Elsevier, 2004.

MARKLUND, G. Indicators of innovation activities in services. In:BONDEN, M.; MILES, I. Services and the knowledge-basedeconomy. London and New York: Ed. Continuum, 2000.

MILES, I. Services Innovation: a reconfiguration of innovationstudies. Prest Discussion Paper 01-05, University of Manchester,2001.

________. Services Innovation: Statistical and Conceptual Issues.April 1995. Paper prepared for OECD/DSTI and presented at NESTIworkshop (DSTI/EAS/STP/NESTI, (95)23).

MIOZZO, M; SOETE, L. Internationalization of Services: ATechnological Perspective. Technological Forecasting and SocialChange, n. 67, p. 159-185, 2001.

MOMIGLIANO, F.; SINISCALCO, D. Mutamenti nella strutura delsistema produttivo e integrazione tra industria e terziario. In:PASINETTI, L. (Ed.). Mutamenti Struturali Del Sistema Produtivo– integrazione tra industria e settore terziario. Mulino: 1986.

NÄHLINDER, J. Innovation in KIBS. State of art andconceptualisations. In: SIRP Seminar. England: Jan. 2002.

PORCARO, R.M. A informação estatística oficial na sociedade dainformação: uma (des)construção. DataGramaZero – Revista deCiência da Informação, v. 2, n. 2, abr. 2004. Disponível em:<http://www.dgz.org.br/abr01/Art_04.htm>.

QUADROS, R.; FURTADO, A.; BERNARDES, R.; FRANCO, E.Padrões de inovação tecnológica na indústria paulista: comparaçãocom os países industrializados. São Paulo em Perspectiva, SãoPaulo, Fundação Seade, v. 13, n.1-2, p. 53-66, jan./jun. 1999.

QUADROS, R.; ARAÚJO, M.F.I.; BERNARDES, R.; FURTADO,A. Inovação tecnológica na indústria: uma análise com base nasinformações da Pintec. In: FAPESP. Indicadores de Ciência,Tecnologia e Inovação em São Paulo . São Paulo: 2004. cap. 8.

SCHWARTZ, G. (Coord.).; BESSA, V. de C.; TERCI, D.C.;LEMOS, P.; BRITO, M. das G.M. Tecnologias de Informação eComunicação (TICs) e Redes Digitais. In: FAPESP. Indicadores deCiência, Tecnologia e Inovação em São Paulo. São Paulo: 2004.cap. 10.

SIRILI, G.; EVANGELISTA, R. Technological Innovation inServices and Manufacturing: results from Italian Surverys. In:SYSTEMS AND SERVICES INNOVATION WORKSHOP, CRIC,UNIVERSITY OF MANCHESTER, 17-18, Mar. 1998, forthcomingin Research Policy, 1988.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005134

ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP

SUNDBO, J.; GALLOUJ, F. Innovations as a Loosely CoupledSystem in Services. In: METCALFES, J.S.; MILES, I. (Ed.).Innovation Systems in the Services Economy: Measurement andCase Study Analysis. Boston: Kluwer Academic Publishers, 2000.p. 43-68.

THOWKE, S. P&D chega aos serviços: experimentos revolucioná-rios do Bank of America, Harward Business Review, v. 81, n. 4,abr. 2003.

TOURAINE, A. La société post-industrielle. Paris: Denoel, 1969.

UCHUPALANAN, K. Dynamics of competitive strategy and ITbased innovation in banking services. International Journal ofInnovation Management, v. 4, n. 4, p. 455-490, Dec. 2000.

VIOTTI, E.; BAESSA, A.R.; KOELLER, P. Perfil da inovação naindústria brasileira: uma comparação internacional. In: DE NEGRI,J.A.; SALERNO, M.S. Inovações, padrões tecnológicos e desempe-nho das firmas industriais brasileiras. Brasília: Ipea, 2005.

VIOTTI, E.; MACEDO, M.M.(Org.). Indicadores de ciênciatecnologia e inovação no Brasil. Campinas, Ed. Unicamp, 2003.

ROBERTO BERNARDES: Doutor em Sociologia pela USP, Professor Adjuntoda Escola Superior de Propaganda e Marketing e Analista da FundaçãoSeade.

VAGNER BESSA: Mestre em Geografia pela USP, Analista da FundaçãoSeade.

ANDRÉ KALUP: Bacharel em Turismo pela Universidade Anhembi Morumbi.

Artigo recebido em 2 de maio de 2005.Aprovado em 6 de junho de 2005.

135

ASPECTOS HISTÓRICOS E METODOLÓGICOS DA EVOLUÇÃO RECENTE DO PERFIL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005

O

Resumo: O objetivo deste artigo é avaliar a evolução da distribuição pessoal e da distribuição funcionalde renda desde o início da industrialização brasileira. Aspectos históricos e metodológicos serão levadosem consideração para analisar os resultados empíricos.Palavras-chave: Distribuição pessoal da renda. Distribuição funcional da renda. Desigualdade de renda.

Abstract: The objective of this article is to evaluate the personal income distribution and also the functionaldistribution of income since the beginning of the Brazilian industrialization. Historical and methodologicalaspects are taken into consideration so as to evaluate the empirical data.Key words: Household income distribution. Factor income distribution. Income inequality.

FERNANDO AUGUSTO MANSOR DE MATTOS

ASPECTOS HISTÓRICOS EMETODOLÓGICOS DA EVOLUÇÃO

RECENTE DO PERFIL DISTRIBUTIVOBRASILEIRO

s estudiosos da questão da distribuição de rendadefrontam-se com uma decisão intrigante quandopretendem avaliar o perfil distributivo de uma eco-

tir de uma avaliação da distribuição funcional da rendaesbarra em dificuldades metodológicas e representa uma for-ma de análise que pode se mostrar insuficiente, por si só,para avaliar as múltiplas dimensões das desigualdadespresentes em economias de capitalismo tardio, como abrasileira.

Para ilustrar a complexidade do fenômeno da desigual-dade no caso brasileiro, o artigo mostra como o processode estruturação do mercado de trabalho brasileiro moldou-se a partir de uma crescente perspectiva de ampliação dasdesigualdades de renda; tanto no que se refere à distribui-ção pessoal, como à distribuição funcional de renda.

Para tanto, o artigo está dividido em três tópicos. Oprimeiro tem um caráter teórico/metodológico, e discute asrelações entre a distribuição funcional da renda e a distri-buição pessoal da renda do trabalho. O segundo discute

nomia capitalista: de que forma será feita a abordagem daquestão? Analisando-se dados de distribuição funcional darenda – aquela que separa a composição da renda global deum país entre os rendimentos do trabalho e os provenientesdo capital? Ou estudando a distribuição pessoal da rendado trabalho – aquela que considera somente as rendasauferidas pelas pessoas no mercado de trabalho?

O primeiro objetivo deste texto é resgatar argumentosque mostrem a relevância dos dados que dizem respeitoespecificamente à renda do trabalho para a análise do perfildistributivo de uma economia capitalista, em especial umaeconomia de industrialização tardia, como a brasileira(CARDOSO DE MELLO, 1982). O estudo da questão a par-

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005136

FERNANDO AUGUSTO MANSOR DE MATTOS

conceitualmente o tema da heterogeneidade estrutural1 quecaracterizou, historicamente, a industrialização brasileira.O terceiro apresenta resultados empíricos que ilustramaspectos discutidos nos tópicos anteriores. Por fim, asconsiderações finais buscam relacionar as principais ques-tões reunidas ao longo do trabalho.

DISTRIBUIÇÃO FUNCIONAL VERSUSDISTRIBUIÇÃO PESSOAL DA RENDA

A captação dos dados relativos aos rendimentos docapital apresenta alguns problemas metodológicos. Algunsautores têm desenvolvido técnicas para a avaliação dadistribuição funcional de renda na economia brasileira,2 masdefrontam-se, muitas vezes, com as próprias dificuldadesde captação de dados referentes à divisão entre a rendaapropriada pelo capital e a pelo trabalho. Na maioria doscasos, o estudo da divisão funcional da renda é realizadodentro de alguns setores específicos, notadamente na in-dústria. Os dados de renda do setor industrial apresentammaior precisão por referirem-se a atividades que mantêmrelações de trabalho predominantemente formais e a teremindicadores mais organizados. De qualquer forma, trata-seapenas de estimativas, muitas vezes obtidas através deavaliações da massa de rendimentos do trabalho (que é aforma mais precisa de captação de dados de renda) e pos-terior cálculo dos rendimentos do capital por subtração dototal de rendimentos do trabalho em relação ao montantecalculado para o valor adicionado na produção industrial.Essa forma de estimar a divisão funcional da renda encon-tra, entretanto, algumas imprecisões, especialmente quan-do são computados os ordenados dos gerentes e direto-res de alguns segmentos industriais, pois é difícildistingui-los, muitas vezes, entre os rendimentos que re-muneram a força de trabalho ou o capital investido.

Vale destacar que, o mercado de trabalho brasileiro apre-senta-se acentuadamente segmentado. Portanto, avaliarapenas as modificações na distribuição funcional da ren-da seria – mesmo desconsiderando os problemas metodo-lógicos inerentes a esta opção – pouco conclusivo paramedir a verdadeira dimensão da desigualdade presentenesta economia, pois os rendimentos do trabalho se com-portam de maneira bastante diferenciada (BACHA, 1975),existindo grande dispersão salarial tanto dentro dos seto-res industriais (dispersão intra-setoriais), como tambémentre setores industriais de diferentes níveis de produtivi-dade (dispersão inter-setoriais). É por isso que a maior partedos estudos sobre a evolução da distribuição da renda no

Brasil toma como referência os dados relativos à renda dotrabalho (levando em conta, nesse universo, os saláriosdos empregados com ou sem carteira de trabalho assina-da, os rendimentos dos trabalhadores por conta-própria eos rendimentos a título de “pró-labore” dos empregado-res) – pois os mesmos são mais precisos do que as infor-mações relativas à distribuição funcional da renda. Osdados sobre a evolução da distribuição funcional da ren-da muitas vezes servem para qualificar e incrementar estu-dos sobre a evolução dos rendimentos pessoais e, quan-do acompanhados dos dados de distribuição pessoal darenda do trabalho, as informações sobre a distribuiçãofuncional servem para descrever de forma mais acurada oquadro distributivo brasileiro.3

A participação dos rendimentos do trabalho na rendatotal gerada na economia brasileira vem decaindo nas últi-mas décadas, atingindo proporções inferiores inclusive àsde países de nível de renda per capita e grau de desenvol-vimento econômico semelhantes.4 Esse quadro pode serconsiderado mais trágico quando se constata, a partir dosestudos mais recentes a respeito do tema, que tem sidoobservada uma tendência de deterioração do perfil dosrendimentos, mesmo dentro da parcela da renda nacionalque se destina a remunerar o trabalho.

Metodologicamente, os dados da distribuição pessoalda renda do trabalho são obtidos por meio de pesquisasdomiciliares, feitas por amostragens estratificadas, nasquais as pessoas são entrevistadas e declaram seusrendimentos aos pesquisadores. Apesar de algumasdificuldades dessa forma de captação de dados (poismuitos trabalhadores recebem rendimentos com freqüênciairregular ao longo do mês; outros não sabem precisamentequanto ganham – algo que se mostrava particularmentemais difícil de precisar durante o período dos elevadosníveis inflacionários; e existem também casos de sub-declaração de rendimentos, entre outros problemas5 ), essemétodo permite não só computar os rendimentosprovenientes de relações formais de trabalho (para as quaisexistem fontes de dados bastante precisas – por exemplo,os relatórios da Rais, ou publicações de entidadesempresariais, como a Fiesp, ou, ainda, as guias decontribuição sindical), como também dos trabalhosinformais ou eventuais, que têm peso importante no espaçoocupacional da economia brasileira.

Portanto, cabe novamente a questão: qual a relevânciada análise de dados relativos aos rendimentos do trabalhopara o estudo da questão distributiva na economia brasi-leira?

137

ASPECTOS HISTÓRICOS E METODOLÓGICOS DA EVOLUÇÃO RECENTE DO PERFIL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005

Na verdade, para uma avaliação mais completa daevolução do perfil distributivo brasileiro das últimasdécadas, seria interessante combinar resultados tanto dasalterações da distribuição funcional da renda como dadistribuição pessoal da renda do trabalho. Entretanto,devido às dificuldades metodológicas para avaliar suadistribuição funcional, a opção pela análise dos dadosrelativos à distribuição pessoal da renda constitui umaforma adequada de abordar a questão distributiva brasileirae de avaliar sua evolução. O argumento presente nesteartigo é que a distribuição da renda pessoal provenientedo trabalho está intimamente relacionada à distribuiçãofuncional da renda na economia brasileira. A extremaconcentração funcional da renda condiciona e delimita operfil da distribuição da renda do trabalho na sociedadebrasileira. A distribuição da riqueza capitalista define osfluxos de renda do capital (em suas diversas modalidades:juros, lucros, dividendos, aluguéis, etc.) e também moldaas condições sociais e econômicas em que a força detrabalho é remunerada nos processos produtivos.

HETEROGENEIDADE ESTRUTURAL DAECONOMIA BRASILEIRA

A principal característica do mercado de trabalho bra-sileiro é sua acentuada segmentação, o que se configuracomo um reflexo imediato da heterogeneidade setorial de-terminada historicamente pelo processo de desenvolvimen-to capitalista do país. Desta forma, o mercado de trabalhobrasileiro pode ser dividido entre um mercado externo detrabalho e um segmento denominado “mercado interno detrabalho” (EDWARDS; REICH; GORDON, 1975).

No mercado interno de trabalho estão os empregadosdos setores industriais organizados, geralmente com fortecaracterística oligopolística. Dentro dele, os salários epostos de trabalho são determinados por uma certa estru-tura ocupacional que obedece a regras administrativaspróprias, relacionadas a fatores tecnológicos que não es-tão presentes nos setores mais atrasados da economia.

No mercado externo de trabalho, ao contrário, os traba-lhadores não precisam apresentar quase nenhuma qualifi-cação e suas remunerações são determinadas por fatoresmais aleatórios do funcionamento do mercado de trabalhoem geral, as chamadas “forças de oferta e de demanda”,que variam com intensidade mais elevada de acordo comas flutuações do ciclo econômico. No mercado externo detrabalho estão presentes os trabalhadores sem qualifica-ção, tanto dos setores mais atrasados da economia, como

ainda aqueles localizados na base da pirâmide ocupacionaldos setores oligopolizados da estrutura produtiva (faxi-neiros, vigias, etc. das empresas com alta concentração decapital).

Portanto, a dinâmica da determinação salarial diferebastante nos dois casos, especialmente em um tipo dedesenvolvimento como o do brasileiro, marcado por signi-ficativa exclusão social. O processo de exclusão e a evolu-ção tecnológica eliminaram preferencialmente os postos detrabalho de mais baixa remuneração, aqueles cujos traba-lhadores são mais desqualificados. Isso ocorre especial-mente nos setores industriais mais dinâmicos. Esse pro-cesso tende a deprimir ainda mais a possibilidade derecuperação dos rendimentos reais dos trabalhadores domercado externo de trabalho, mesmo quando a conjunturaeconômica torna-se mais favorável ao aumento geral donível de produção e de emprego. O enorme “exército in-dustrial de reserva” e a pronunciada informalização domercado de trabalho brasileiro nos últimos anos – espe-cialmente a partir do início da década de 80 – 6 quando tam-bém se ampliaram os mecanismos de flexibilização do mer-cado de trabalho brasileiro,7 além dos ínfimos patamaresem que sempre esteve o salário mínimo no Brasil, colabo-raram para que se consolidasse uma expressiva diferençasalarial entre os estratos do mercado de trabalho brasilei-ro. Conforme lembra Souza (1980), uma recuperação do valorreal do salário mínimo teria tido um papel fundamental paraa redução das desigualdades de renda do trabalho exis-tentes em uma economia como a brasileira, na qual umaparcela expressiva dos rendimentos do trabalho gravita emtorno e/ou é mesmo determinada institucionalmente pelovalor do salário mínimo.8

A ampla diferenciação dos rendimentos do trabalhoexistente na economia brasileira reflete uma estruturasetorial bastante heterogênea, determinada historicamen-te, a qual está relacionada à convivência de setores avan-çados tecnologicamente (que têm um grande poder demercado9 e, portanto, uma grande capacidade de gerarlucros, devido à sua situação oligopolística) ao lado desegmentos ainda bastante atrasados tanto em termos dequalidade dos produtos quanto em termos de processo detrabalho.

Esta característica de elevada produtividade de algunssetores de ponta da economia brasileira (inclusive, emmuitos casos, comparando-se a padrões internacionais)está associada não só à posição oligopolística desfrutadapor essas empresas comerciais/industriais, mas também àpossibilidade desses setores mais dinâmicos pagarem re-

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005138

FERNANDO AUGUSTO MANSOR DE MATTOS

duzidos salários a uma parcela de sua mão-de-obra (espe-cificamente aquela recrutada no mercado externo de traba-lho), permitindo que uma grande parcela do valor adicio-nado seja absorvida na forma de lucros. Isto acontecemesmo com a existência de uma complexa hierarquia repre-sentada pelo mercado interno de trabalho das empresasoligopolistas, cujos integrantes recebem altos salários,muitas vezes até equiparáveis às remunerações recebidasem funções semelhantes exercidas em empresas localiza-das nos países centrais.

Em poucas palavras, a possibilidade de remunerar umaparcela significativa de sua mão-de-obra com salários re-lativamente reduzidos permite aos principais e mais dinâ-micos setores capitalistas da economia brasileira o paga-mento de elevada remuneração a alguns segmentos de suaestrutura ocupacional sem que sejam deprimidas as suasmargens de lucro10 – favorecendo, portanto, a concentra-ção funcional da renda.

Dessa maneira, são promovidas enormes diferenças sa-lariais dentro de algumas empresas tanto do setor indus-trial, quanto do setor comercial, incluindo os bancos. Es-sas diferenças intra-setoriais somam-se às enormesdiferenças intersetoriais existentes na economia brasilei-ra. Vale reforçar que essas acentuadas diferenças nas re-munerações do trabalho são viabilizadas pelo fato de queexiste uma grande parcela de mão-de-obra excedente debaixa qualificação que pode ser mobilizada pelo capitalnos seus momentos de expansão e desmobilizada semmaiores ônus nas fases descendentes do ciclo econômi-co. Esse contingente de mão-de-obra pouco qualificadafaz com que, mesmo nos momentos de maior aquecimen-to econômico, não ocorram pressões por uma recupera-ção do valor real das remunerações de base da estruturaocupacional (DEDECCA, 1990). Em suma, os fatores es-truturais da economia brasileira, aliados à opção políticade impedir, por exemplo, que o Estado brasileiro patroci-nasse uma ampla recuperação do valor real do saláriomínimo nacional nos anos de maior prosperidade (notada-mente na época do “milagre brasileiro”, quando se am-pliou a dispersão salarial, em um momento de supressãodas liberdades políticas e sindicais), fizeram com que seconformasse uma estrutura de rendimentos acentuada-mente desigual, em um mercado de trabalho poucoestruturado em sua base e excessivamente flexível(OLIVEIRA; MATTOSO, 1996).

As diferenças existentes (em termos de lucratividade,capacidade tecnológica e de participação nos mercados debens e serviços) entre os vários segmentos produtivos da

economia brasileira estão coladas às diferenças dasremunerações no mercado de trabalho brasileiro. Por isso,a elevada concentração pessoal da renda do trabalho, noBrasil, está intimamente relacionada a uma elevada con-centração funcional da renda.

Dessa forma, o estudo da distribuição pessoal da rendado trabalho descreve uma forma bastante representativada questão distributiva, em particular no caso da socieda-de brasileira. Esses dados, analisados ao lado dos dadosda evolução da distribuição funcional da renda, revelamum quadro bastante completo da realidade distributivabrasileira. É do estoque de capital e de sua composição quederivam os fatores que levam a um certo perfil distributivodos rendimentos,11 tanto em termos funcionais, quanto darenda do trabalho.

ESTRUTURAÇÃO E DESESTRUTURAÇÃO DOMERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO E SEUSIMPACTOS SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DA RENDA

Um estudo mais acurado acerca da constituição da es-trutura ocupacional do mercado de trabalho brasileiro nasúltimas décadas permite apreender, de forma mais clara,como se constituíram as determinações dos salários nes-se mercado de trabalho, e, a partir daí, a distribuição dosrendimentos do trabalho.

Os dados da Tabela 1 revelam que entre 1940 e 1980,enquanto a população total e a população economicamen-te ativa (PEA) cresciam a uma taxa média anual, respecti-vamente, de cerca de 2,7 e 2,6%, o emprego formal assa-lariado com carteira assinada crescia a uma taxa médiaanual que superava 6% (o conjunto do assalariamento –ou seja, o assalariamento que inclui as contratações comregistro em carteira e as sem registro – cresceu tambémexpressivamente acima das variações da PEA e da popu-lação total: cerca de 3,6% ao ano em média). Essa expres-siva diferença, acumulada durante um largo período detempo (quarenta anos), fez aumentar de maneira destaca-da o peso do emprego assalariado formal (e também o doassalariamento em seu conjunto) nas ocupações do mer-cado de trabalho brasileiro no período. Como con-trapartida, reduziu-se o peso relativo da ocupação porconta própria e reduziu-se também a taxa de desemprego,assim como a taxa de subutilização da mão-de-obra, defi-nida por Pochmann (1999) como uma somatória das se-guintes situações: trabalhadores por conta própria (ou au-tônomos); trabalhadores sem remuneração (situação maisencontrada nos setores agrícolas, cujo peso – diga-se de

139

ASPECTOS HISTÓRICOS E METODOLÓGICOS DA EVOLUÇÃO RECENTE DO PERFIL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005

passagem – também diminuiu expressivamente no perío-do); e trabalhadores desempregados. Portanto, a marcada estruturação do mercado de trabalho brasileiro, aolongo do período entre 1940 e 1980, foi não apenas a for-te expansão (em termos absolutos) do volume de ocupa-ções, mas também o aumento significativo – e sem prece-dentes históricos – do peso relativo dos empregos comregistro formal nos setores organizados do mercado detrabalho brasileiro. É possível concluir facilmente, pelosdados expostos, que cerca de 80% do total das ocupa-ções criadas no período eram ocupações baseadas noassalariamento – das quais mais de 85% de assalariamentoformalizado.

Desde logo, é preciso sublinhar o significado da inserçãodo trabalhador com registro formal nos setores chamadosaqui de “setores organizados” do mercado de trabalhobrasileiro. A ampliação do número de trabalhadores comregistro formal (carteira de trabalho assinada) naquelessetores representa a ampliação do número de trabalhadoressujeitos ao estatuto legal que regulamenta as relações detrabalho, o que significa dizer que são trabalhadores quepassam a estar amparados legalmente pela legislação dotrabalho (CLT), com tudo o que isso significa em termosde direitos sociais, trabalhistas e de segurança (relativa)no emprego. Ou seja, são trabalhadores que passam a teracesso aos direitos mínimos da cidadania, como a represen-tação sindical, a proteção do trabalho, a possibilidade de

questionar na Justiça do Trabalho, eventualmente, aempresa em que trabalha (ou em que tenha trabalhado),assim como têm direito à remuneração plena do trabalho,segundo a legislação.12 Trata-se, portanto, de uma situaçãoem que o trabalhador fica muito menos sujeito, do que otrabalhador sem registro em carteira, às incertezas própriasdo funcionamento do mercado de trabalho de uma econo-mia capitalista, dotando sua inserção ocupacional de umamaior proteção e segurança social do que se estivessetrabalhando precariamente sem registro em carteira ou ematividades por conta-própria.13

Os dados da Tabela 2 reforçam as conclusões e expli-cam os dados retirados da tabela anterior ao descrever oprocesso de industrialização que marcou o período entre1940 e 1980. Os dados revelam um crescimento médio anualde cerca de 5% nas ocupações do setor secundário, comdestaque para as ocupações no setor organizado da indús-tria. Também o setor organizado do terciário revelou expres-sivo crescimento (próximo de 5% ao ano em média ao lon-go desse largo período de 40 anos). Como resultado dasmudanças setoriais, o peso relativo da indústria e da cons-trução civil no conjunto das ocupações cresceu expressi-vamente no período, revelando o dinamismo industrial doperíodo. Apenas para chamar a atenção para esse dinamis-mo industrial do período, vale lembrar que, conforme mos-tram as informações da Tabela 1, a população economica-mente ativa cresceu cerca de 2,6% em média, ao ano, no

TABELA 1

Evolução da População Economicamente Ativa, segundo Condição de Ocupação e Desemprego

Brasil – 1940-1980

Indicadores 1940 1980Variação Absoluta Variação Relativa

Anual (Em milhares) Anual (Em % a.a.)

População Total 41.165,3 119.002,3 1.945,9 2,69

PEA (Nos Absolutos) 15.751,0 43.235,7 687,1 2,56

PEA (%) 100,0 100,0

Empregador 2,3 3,1 24,4 3,32

Conta-Própria 29,8 22,1 121,5 1,79

Sem Remuneração 19,6 9,2 22,3 0,63

Assalariado 42,0 62,8 513,4 3,59

Com Registro 12,1 49,2 484,2 6,22

Sem Registro 29,9 13,6 29,3 0,56

Desempregado 6,3 2,8 5,5 0,50

Taxa de Subutilização (1) 55,7 34,1 149,3 1,13

Fonte: IBGE. Censos Demográficos e Estatísticos do Brasil; MTb (apud Pochmann, 1999).

(1) Conta-própria, sem remuneração, desempregado.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005140

FERNANDO AUGUSTO MANSOR DE MATTOS

período, enquanto que as ocupações do setor secundá-rio, conforme mostram os dados da Tabela 2, cresceramaproximadamente 5%. Ou seja, o processo de industriali-zação nacional foi expressivo e culminou com um proces-so de vigorosa e consistente estruturação do mercado detrabalho brasileiro,14 situação que somente se reverteriaapós os anos 80, quando a economia brasileira foi marcadapela reversão das elevadas taxas de crescimento do pro-duto interno bruto – PIB, pela queda dos salários reais epela inflação crônica e elevada.

A Tabela 3 mostra a reversão da trajetória anterior deestruturação do mercado de trabalho brasileiro. Comomostra vasta literatura,15 a reversão econômica brasileira,iniciada com a recessão dos primeiros anos da década de80, com a crise da dívida externa, e perpetuada pelas diver-sas tentativas de “ajustes” macroeconômicos fracassados(que, a partir de então, tentaram romper o crônico proces-so inflacionário brasileiro), fizeram com que os anos 80 le-gassem uma herança de baixas taxas médias de crescimen-to do PIB e dos níveis agregados de emprego. A marca dacrise no mercado de trabalho brasileiro foi a expansão dosetor informal e a queda dos rendimentos médios reais dostrabalhadores. Consolidou-se, ademais, uma nova trajetó-ria de ampliação da desigualdade dos rendimentos, dessavez (ao contrário dos anos 60 e 70, quando tais informa-ções passaram a ser medidas de forma mais consistente e

TABELA 2

Evolução das Ocupações Não-Agrícolas, segundo Segmentos Organizados e Não-Organizados

Brasil – 1940-1980

Segmentos 1940 1980Variação Absoluta Variação Relativa

Anual (Em milhares) Anual (Em % a.a.)

Total Não-Agrícola (em milhares) 4.914,3 29.526,3 615,3 4,58

Total Não-Agrícola (em %) 100,0 100,0

Organizado 61,6 70,5 444,7 4,94

Não-Organizado 38,4 29,5 170,6 3,90

Secundário 30,2 36,2 230,1 5,05

Indústria de Transformação

Organizado 17,8 20,2 127,2 4,92

Não-Organizado 6,4 5,0 29,1 3,94

Construção Civil 6,0 11,0 73,8 6,18

Terciário 69,8 63,8 385,2 4,35

Organizado 40,8 44,8 280,6 4,83

Não-Organizado 29,0 19,0 104,6 3,40

Fonte: IBGE. Censos Demográficos e Estatísticos do Brasil; MTb (apud Pochmann, 1999).

que revelaram aumento geral dos rendimentos, mas de for-ma bastante diferenciada, ou seja, concomitante “aumen-to do bolo” e ampliação das desigualdades de renda) comqueda dos rendimentos médios reais.16

A expansão da economia passou a depender, nos anos80, do esforço exportador para honrar os encargos da dívi-da externa. O assalariamento deixou de expandir seu pesono conjunto da ocupação: ele crescia a taxas semelhantesà do próprio crescimento da PEA entre 1890 e 1991. Entre-tanto, a desaceleração da economia, as incertezas relacio-nadas à inflação e a expansão da “financeirização” da dí-vida interna promoveram um cenário macroeconômicoprecário e provocaram uma queda da taxa de investimen-tos produtivos, com efeitos nefastos sobre as formas decontratação da mão-de-obra. Dessa forma, a precarizaçãodo mercado de trabalho manifestou-se na expansão dascontratações fora dos registros legais. Ou seja, ampliou-se o peso do assalariamento sem carteira assinada. Essefenômeno ocorreu dentro do setor industrial, conformemostra a Tabela 4, e também no setor terciário. A expansãodo peso do emprego sem carteira e das atividades não-organizadas no conjunto do mercado de trabalho brasilei-ro entre 1980 e 1991 ocorreu, portanto, tanto por causa daprecarização geral das contratações dentro de cada setorde atividade, quanto também pela própria queda do pesodas atividades industriais, que concentram maior peso de

141

ASPECTOS HISTÓRICOS E METODOLÓGICOS DA EVOLUÇÃO RECENTE DO PERFIL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005

TABELA 3

Evolução da PEA, segundo Condição de Ocupação e Desemprego

Brasil – 1980-1991

Indicadores 1980 1991Variação Absoluta Variação Relativa

Anual (Em milhares) Anual (Em % a.a.)

População Total 119.002,3 146.825,7 2.529,4 1,93

PEA (Nos Absolutos) 43.235,7 58.456,2

PEA (%) 100,0 100,0 1.383,7 2,78

Empregador 3,1 3,9 85,4 4,95

Conta-Própria 22,1 23,9 401,4 3,51

Sem Remuneração 9,2 5,4 -74,5 -1,72

Assalariado 62,8 62,6 858,3 2,75

Com Registro 49,2 36,6 11,2 0,05

Sem Registro 13,6 26,0 847,1 9,01

Desempregado 2,8 4,2 113,1 6,64

Taxa de Subutilização (1) 34,1 34,2 477,1 2,81

Fonte: IBGE. Censos Demográficos e Estatísticos do Brasil; MTb (apud Pochmann, 1999).

(1) Conta-própria, sem remuneração, desempregado.

TABELA 4

Evolução das Ocupações Não-Agrícolas, segundo Segmentos Organizados e Não-Organizados

Brasil – 1980-1991

Segmentos 1980 1991Variação Absoluta Variação Relativa

Anual (Em milhares) Anual (Em % a.a.)

Total Não-Agrícola (em milhares) 29.526,3 42.624,3 1.190,7 3,39

Total Não-Agrícola (em %) 100,0 100,0

Organizado 70,5 65,5 645,7 2,70

Não-Organizado 29,5 34,5 545,0 4,88

Secundário 36,2 30,6 214,0 1,83

Indústria de Transformação

Organizado 20,2 14,6 23,5 0,39

Não-Organizado 5,0 6,9 133,2 6,47

Construção Civil 11,0 9,1 57,3 1,63

Terciário 63,8 69,4 976,7 4,19

Organizado 44,8 46,3 591,6 3,70

Não-Organizado 19,0 23,1 385,1 5,24

Fonte: IBGE. Censos Demográficos e Estatísticos do Brasil; MTb (apud Pochmann, 1999).

atividades organizadas (e de emprego assalariado comcarteira assinada) em seu interior.

No agregado, conforme mostram os dados da Tabela 4,o peso dos setores não-organizados no conjunto das ocu-pações do mercado de trabalho brasileiro, entre os Cen-sos de 1980 e de 1991, cresceu de 29,5% para 34,5%. Ou

seja, em apenas onze anos, o peso dessas atividades, quetinham retrocedido cerca de 9 pontos percentuais (no con-junto da ocupação) entre 1940 e 1980, voltaram a crescerpouco mais da metade dessa magnitude (saltando cincopontos percentuais entre 1980 e 1991). Tal comparaçãorevela a rapidez com que os avanços promovidos pelo

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005142

FERNANDO AUGUSTO MANSOR DE MATTOS

período da industrialização acelerada dos anos 40 aos 70,em termos de estruturação do mercado de trabalho brasi-leiro, foram em parte revertidos pela crise deflagrada nosanos 80.

A Tabela 5 mostra a evolução, durante a primeira parteda década de 90, dos mesmos indicadores das tabelas an-teriores. Um primeiro dado que chama a atenção é que, entre1989 e 1995, a taxa média anual de crescimento da PEA foide apenas 2%, contra cerca de 2,8% entre 1980 e 1991. Aomesmo tempo, a taxa de criação de postos de trabalho, noperíodo mais recente analisado, foi pior ainda do que ha-via sido durante o período 1980-1991. O assalariamento,entre 1989 e 1995, cresceu a uma taxa média anual de ape-nas cerca de 0,5%, contra mais de 2,7% entre os censosde 1980 e 1991. O registro em carteira, no período mais re-cente em análise, teve redução em termos absolutos. Comoresultado desse forte movimento de reversão econômicaque caracterizou a primeira metade da década de 90, a taxade desemprego, que já estava subindo no final dos anos80, atingindo 4,2% em 1991, chegou a cerca de 6,5% em1995.

A recessão econômica do governo Collor, o fracassodos Planos Collor I e II, a paralisia da economia no perío-do que culminou com o impeachment do então presiden-te e o processo de abertura comercial descuidada e exa-gerada realizado pelos governos Collor, Itamar e FHCpromoveram uma forte retração das atividades industriais,com efeitos significativos e inequívocos na estrutura

setorial do emprego não-agrícola, conforme apontam osdados da Tabela 6: queda do peso da indústria de trans-formação no conjunto das ocupações contrabalançada porum crescimento “por inchaço” do setor terciário, pois nointerior deste ocorreu uma forte expansão das atividadesnão-organizadas, com aumento do peso de 22% para 30%em apenas seis anos. Ao mesmo tempo, a participação dasatividades organizadas no interior da indústria de trans-formação reduzia-se dramaticamente – a uma média de cer-ca de 1 ponto percentual por ano, entre 1989 e 1995.

Organizada de forma diferente das tabelas anteriores,mas igualmente eloqüente em seus dados, a Tabela 7 mos-tra que, no segundo mandato de FHC, a situação do merca-do de trabalho brasileiro continuou a se deteriorar – o queé particularmente preocupante quando se lembra que noinício do governo FHC já havia um quadro social de tal for-ma preocupante que o mundo do trabalho brasileiro viviauma situação dramática. Os dados da Tabela 7 revelam umacontínua ampliação da taxa de desemprego entre 1993 e 2002,ao mesmo tempo em que a PEA crescia a taxas superioresàs do crescimento da população –, e esse aumento da en-trada de pessoas no mercado de trabalho expõe provavel-mente, uma estratégia das famílias para tentar recompor arenda familiar. Essas mudanças na estrutura do mercado detrabalho brasileiro refletem-se nos perfis distributivos, tantono que se refere à distribuição da renda do trabalho, quan-to ao peso dos rendimentos do trabalho na renda nacional(ou seja, a distribuição funcional da renda).

TABELA 5

Evolução da PEA, segundo Condição de Ocupação e Desemprego

Brasil – 1989-1995

Indicadores 1989 1995Variação Absoluta Variação Relativa

Anual (Em milhares) Anual (Em % a.a.)

População Total 144.293,1 153.374,6 734,7 0,91

PEA (Nos Absolutos) 62.513,2 70.750,5

PEA (%) 100,0 100,0 1.372,9 2,08

Empregador 4,2 3,9 22,3 0,83

Conta-Própria 21,2 22,4 432,6 3,02

Sem Remuneração 7,6 9,0 269,4 5,00

Assalariado 64,0 58,2 194,7 0,48

Com Registro 38,3 30,9 -350,0 -1,41

Sem Registro 25,7 27,3 541,5 3,12

Desempregado 3,0 6,5 442,1 15,80

Taxa de Subutilização (1) 31,8 37,8 1.144,10 5,07

Fonte: IBGE. Censos Demográficos e Estatísticos do Brasil; MTb (apud Pochmann, 1999).

(1) Conta-própria, sem remuneração, desempregado.

143

ASPECTOS HISTÓRICOS E METODOLÓGICOS DA EVOLUÇÃO RECENTE DO PERFIL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005

TABELA 6

Evolução das Ocupações Não-Agrícolas, segundo Segmentos Organizados e Não-Organizados

Brasil – 1989-1995

Segmentos 1989 1995Variação Absoluta Variação Relativa

Anual (Em milhares) Anual (Em % a.a.)

Total Não-Agrícola (em milhares) 46.587,10 51.506,40

Total Não-Agrícola (em %) 100,0 100,0 819,9 1,69

Organizado 66,7 59,3 -88,4 -0,28

Não-Organizado 33,3 40,7 908,3 5,15

Secundário 30,9 26,3 -141,5 -0,96

Indústria de Transformação

Organizado 15,9 11,7 -230,2 -2,89

Não-Organizado 6,5 6,7 70,4 2,20

Construção Civil 8,5 7,9 18,1 0,45

Terciário 69,1 73,7 961,4 2,79

Organizado 46,5 43,6 132,3 0,60

Não-Organizado 22,6 30,1 829,1 6,66

Fonte: IBGE. Censos Demográficos e Estatísticos do Brasil; MTb (apud Pochmann, 1999).

TABELA 7

Evolução do Emprego, PEA e Desemprego, Antes e Depois do Plano Real

Brasil – 1993-02

AnoTotal de Ocupados PEA

Nível de Ocupação

Taxa de Desemprego (1)

(Em milhões de pessoas) (Em milhões de pessoas)

(% de Pessoas Ocupadas de

(Em % da PEA)dez anos ou mais de idade)

1993 62,39 66,94 57,3 5,1

1995 65,38 70,05 57,6 4,6

1996 64,29 69,58 55,1 5,4

1997 65,57 71,63 55,4 5,7

1998 66,13 73,28 54,8 7,6

1999 69,18 77,24 55,1 7,6

2001 71,65 79,66 54,8 6,2

2002 74,11 82,22 55,7 7,1

Fonte: IBGE; FGV.

(1) Segundo critério do IBGE.

No auge do regime militar brasileiro, a divulgação dosdados do Censo Demográfico de 1970 deu origem a umdebate, que fez história, acerca da natureza do aumento dadesigualdade na economia brasileira. A comparação entreos dados dos censos de 1960 e os de 1970 revelava que adesigualdade na distribuição de renda no Brasil havia au-mentado (e continuaria a aumentar ao longo dos anos 70,

conforme mostram os dados da Tabela 8, e ao longo dosanos 80, conforme mostram os dados da Tabela 9). Nãohavia dúvidas quanto ao fato de que a desigualdade haviaaumentado. O debate instalou-se em torno das razões dessarealidade. Essa discussão colocou em campos opostos osformuladores da política econômica do governo militar eseus adversários.

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005144

FERNANDO AUGUSTO MANSOR DE MATTOS

TABELA 8

Distribuição da Parcela da Renda Total Apropriada,

segundo Estratos Populacionais

Brasil – 1960-1980

Em porcentagem

Estratos Populacionais 1960 1970 1980

1% Mais Rico n.d. 13,8 14,9

10% Mais Ricos 38,9 46,4 47,7

50% Mais Pobres 17,7 15,6 14,6

20% Mais Pobres n.d. 3,8 3,4

Fonte: IBGE.

A publicação de um livro de Langoni (1973) representa-va os argumentos oficiais do regime militar defendidos porum de seus principais integrantes. Segundo a avaliação –de cunho ortodoxo/conservador – a desigualdade seriadecorrente das próprias virtudes da expansão econômicado período, que geraria maior demanda por mão-de-obraqualificada (de maior nível de escolaridade), em detrimen-to da demanda por mão-de-obra menos qualificada, fato queampliava as desigualdades de rendimentos existentes noseio do mercado de trabalho brasileiro. Essa interpretaçãoapregoava que, no longo prazo, à medida que o crescimentoeconômico se consolidasse, o mercado se encarregaria depromover uma redução das desigualdades, por promovertambém o aumento na demanda por mão-de-obra não-qua-lificada. A ampliação inicial das desigualdades, segundo adoutrina oficial, não deveria ser vista como algo nefasto,posto que o aumento da renda dos mais ricos promoveriaa expansão dos investimentos, possibilitando maiorlongevidade ao ciclo econômico ascendente. Do outro ladodo debate, diversos autores reunidos em obra de Tolipane Tinelli (1975) contestavam os argumentos dos defenso-

res do regime militar, mostrando, entre outros fatores, que,mesmo entre os trabalhadores de mais altas rendas, haviaaumentado a diferença de rendimentos. Segundo Malan eWells (1975), a maior parte das desigualdades ocorridasnaquele período devia-se ao aumento de desigualdadesdentro do mesmo grupo educacional da força de trabalho– o que jogava por terra o que o próprio Langoni apregoa-ra como a principal causa do aumento das desigualdadesde renda no período: a variável “educação”.17 Houve tam-bém os que apregoavam a perda de oportunidade de pro-mover um aumento expressivo no salário-mínimo no perío-do de prosperidade, quando as condições econômicas paratal eram mais presentes.18

De qualquer forma, o que mais interessa, neste artigo, émostrar que a distribuição pessoal da renda deteriorou-seno período da industrialização brasileira. Ou seja, apesarda significativa estruturação do mercado de trabalho bra-sileiro, ocorrida entre 1940 e 1980, a economia brasileiraainda ostentava características de uma economia subde-senvolvida, na qual a heterogeneidade estrutural manifes-tava-se de diversas formas, inclusive pela elevada concen-tração da renda do trabalho.

O processo de concentração da renda também pode serinterpretado pela ótica da distribuição funcional da renda.A Tabela 10 mostra que, desde as décadas iniciais da in-dustrialização, a participação da renda do trabalho na ren-da nacional vem caindo sistematicamente. Os dados doIBGE revelam que, em 1949, o trabalho participava com cercade 57% da renda nacional. Essa parcela foi minguando aolongo das décadas seguintes, atingindo modestos 40% nofinal do século XX.

Dados mais recentes e rigorosos (Tabela 11), citadosem Dedecca (2003), revelam que, ao longo dos anos 90,a parcela da remuneração dos empregados19 na renda

TABELA 9

Distribuição Pessoal da Renda do Trabalho, segundo Grupos de Renda

Brasil – 1981-1995

Grupos de Renda 1981 1986 1990 1992 1993 1995

1% Mais Rico (%) 12,1 14,0 13,9 13,1 15,5 13,4

10% Mais Ricos (%) 44,9 47,3 48,1 45,1 49,0 47,1

50% Mais Pobres (%) 14,5 13,5 12,0 14,0 12,9 13,3

10% Mais Pobres (%) 0,9 1,0 0,8 0,8 0,7 1,0

Índice de Gini (1) 0,564 0,584 0,602 0,575 0,603 0,592

Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD.

(1) Varia de zero (perfeita igualdade) a 1 (total desigualdade).

145

ASPECTOS HISTÓRICOS E METODOLÓGICOS DA EVOLUÇÃO RECENTE DO PERFIL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005

TABELA 10

Evolução da Distribuição Funcional da Renda – Parcela da Renda

do Trabalho na Renda Nacional

Brasil – 1949-1999

Ano Renda do Trabalho

(em % do PIB)

1949 56,6

1959 55,5

1970 52,0

1980 50,0

1991 49,0

1994 46,0

1998 (1) 42,0

1999 (1) 41,3

Fonte: IBGE.

(1) Estimativa.

nacional decresceu de cerca de 37,5%, em 1991, para apenascerca de 32,8% em 1999, queda expressiva para um períodorelativamente curto de tempo, quando são consideradosindicadores de caráter estrutural como esse. Os salários,em particular, tiveram uma redução de quase seis pontospercentuais de sua parcela no período, caindo de 32% paracerca de 26,5%. Enquanto isso, cresciam o excedenteoperacional bruto (grosso modo, pode-se considerar comoo lucro das empresas) e os impostos cobrados à produção.

O Gráfico 1 ilustra esse fenômeno e revela que, já napartida do Plano Real, as curvas de salários e lucros inver-tiam-se e continuariam a distanciar-se ao longo da décadade 90, enquanto ao mesmo tempo a participação dos im-postos na renda nacional galgava patamares cada vez maiselevados.

TABELA 11

Componentes do Produto Interno Bruto pela Ótica da Renda

Brasil – 1991-1999

Em porcentagem

Componentes 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Produto Interno Bruto 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Remuneração dos Empregados 37,5 40,2 41,7 36,6 34,3 34,6 33,0 32,4 32,8

Salários 32,0 34,6 35,9 32,0 29,6 28,8 27,4 26,9 26,5

Contribuições Sociais Efetivas 5,5 5,5 5,8 4,6 4,7 5,8 5,6 5,5 6,2

Contribuições Sociais Imputadas 4,2 3,4 3,4 3,5 4 3,9 3,9 4,1 4,7

Rendimentos de Autônomos 7,0 6,3 6,3 5,7 5,9 5,7 5,7 5,5 5,1

Excedente Operacional Bruto 38,5 38,0 35,4 38,4 40,3 41 42,9 44,0 41,4

Impostos Líquidos de Subsídios

sobre a Produção e Importação 12,9 12,2 13,2 15,8 15,6 14,8 14,6 14,0 16,0

Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas. Departamento de Contas Nacionais. Apud Dedecca (2003).

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Salários Excedente operacional bruto Impostos líquidos de subsídios

Em %

GRÁFICO 1

Distribuição Funcional da Renda

Brasil – 1991-1999

Fonte: IBGE.

Por fim – e sem a preocupação de ser exaustivo – pode-se apresentar mais um indicador da deterioração do perfildistributivo na economia brasileira como decorrência daimplementação do Plano Real e – principalmente – pelo queo mesmo representou em termos da inserção da economiabrasileira no cenário da economia globalizada.20

A política cambial e a elevação das taxas de juros reaisna economia brasileira, no primeiro mandato de FHC, tive-ram múltiplos efeitos: sobre a balança comercial, em parti-cular, e sobre as transações correntes do balanço de pa-gamentos; sobre o nível e produção do emprego industrial;sobre a atividade econômica em geral (PIB); e também so-bre as contas públicas. A elevação das dívidas externa einterna foi um resultado inequívoco do período. Um dosefeitos mais nefastos de tal cenário foi a ampliação do peso

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005146

FERNANDO AUGUSTO MANSOR DE MATTOS

das despesas financeiras no conjunto das despesas pú-blicas.

A proporção dos gastos com pagamentos de juros dadívida interna em comparação com os gastos da esferasocial ampliou-se aceleradamente e de forma sem preceden-tes ao longo dos anos 90. Em 1995, os gastos com juros ecom encargos da dívida interna representavam cerca de21,4% do total dos gastos sociais e, em 2001, 31,6%(FILGUEIRAS, 2000). Essa é também uma forma de mani-festação da acelerada deterioração do perfil distributivo bra-sileiro, ocorrida nos anos mais recentes, e que não é cap-tada pelos indicadores mais tradicionais de distribuição darenda do trabalho (divisão da renda nacional por estratosde rendimentos do trabalho).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A dificuldade em analisar a evolução do perfil dis-tributivo brasileiro reside no fato de que a industrializaçãobrasileira moldou-se sob uma forte heterogeneidade estru-tural, aprofundando assimetrias e criando outras dentro daestrutura produtiva e social brasileira.

A distribuição da renda do trabalho é uma maneira bas-tante representativa de descrever essa heterogeneidade,marcada por acentuado processo de concentração funcio-nal da renda. Essa concentração aprofundou-se no perío-do da industrialização pesada, o que explicitou a convivên-cia de setores modernos e dinâmicos da atividade produtivabrasileira ao lado de setores atrasados tecnologicamente,em um mercado de trabalho que era completamentedesestruturado. Em que pesem as transformações ocorri-das no mercado de trabalho, o caráter tardio da industria-lização brasileira não permitiu que os setores modernos quese instalaram na estrutura produtiva “arrastassem” todosos demais setores da economia. A sociedade e a economiaforam profundamente transformadas (urbanização, monta-gem de um mercado de trabalho dinâmico, sofisticação dosetor exportador, etc.), mas as desigualdades foramperenizadas – dado que não foi possível historicamentecriar, no Brasil, as instituições que, nos países centrais,permitiram que a industrialização se fizesse acompanhartambém por mudanças sociais e políticas.

A distribuição da renda do trabalho é um reflexo dascaracterísticas peculiares da estrutura produtiva que seconformou na economia brasileira desde que se instalou nopaís a indústria pesada e resulta, também, da forma comose distribuiu a riqueza capitalista nesse período, conformelembrou Gonçalves (1999). O processo de industrialização

que se intensificou no Brasil a partir dos anos 50 teve comoresultado a conformação de uma marcante heterogeneidadeestrutural – da estrutura produtiva – que carrega consigouma heterogeneidade da estrutura ocupacional que lhe écorrespondente, a qual, por sua vez, reflete-se em umaelevada desigualdade dos rendimentos do trabalho. Essadispersão da renda do trabalho ocorre tanto em termos dosrendimentos provenientes de salários, quanto daqueles dostrabalhadores autônomos, que buscam formas alternativasde sobrevivência no mercado informal de bens e serviços.21

O trágico da realidade distributiva brasileira é que elapossui componentes políticos e históricos que consolidamessa situação de elevada exclusão social. Esses várioscomponentes (econômicos ou não) atuam continuamente,reforçando esse quadro de elevadas desigualdades,22 pormeio das decisões de política econômica, da atuação daJustiça, de aspectos econômicos institucionais (tributaçãoregressiva, por exemplo), da definição de regras de socia-bilidade, entre outros, que não são quantificados pelosdados de distribuição pessoal da renda.

Os dados empíricos apresentados neste trabalho reve-lam que a sociedade brasileira tem sido marcada, desde oinício da industrialização pesada, por um processo de de-terioração do seu perfil distributivo, tanto do ponto de vistada distribuição pessoal da renda, quanto no que se refereà distribuição funcional. Em que pese o processo de ex-pressiva estruturação do mercado de trabalho do país aolongo das décadas de auge do processo industrializante,a heterogeneidade estrutural persistiu na economia brasi-leira, manifestada pelas amplas diferenças de renda pes-soal do trabalho ao longo desse período. O mais grave éque, quando eclode a crise dos anos 80, o perfil distributivodeteriora-se, em um contexto de queda da renda média ede desestruturação do mercado de trabalho e de amplia-ção da insegurança do trabalhador. Nesse contexto, a par-cela da renda do trabalho no conjunto da renda nacionalapresenta uma queda vertiginosa e assustadora pelo pou-co tempo em que essa situação se corporifica.

Nos anos 90 e no início do século XXI (dada a naturezado Plano Real e a forma de inserção da economia brasileirana chamada globalização econômica), a situação piora aindamais, com a ampliação de uma outra forma de desigualda-de, manifesta na ampliação dos gastos com juros em com-paração com a ampliação dos gastos sociais. Essa novaface da desigualdade não é captada pelos indicadores tra-dicionais de distribuição de renda, mas tem papel decisivopara ampliar as desigualdades já existentes na sociedadebrasileira.

147

ASPECTOS HISTÓRICOS E METODOLÓGICOS DA EVOLUÇÃO RECENTE DO PERFIL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005

NOTAS

Versão anterior desse artigo foi apresentada no X Encontro Na-cional de Economia Política, organizado pela Sociedade Brasileirade Economia Política (SEP), em Campinas (SP), em maio de 2005.

1. O conceito “heterogeneidade estrutural” será usado aqui comoem Pinto (1979), que o utiliza para descrever as “descontinuidades”que caracterizaram o processo de desenvolvimento econômico naAmérica Latina, diferentemente do que ocorreu nos países cen-trais, onde a expansão do capitalismo fez-se de forma mais homo-gênea, ou seja, sem grandes diferenças de produtividade intra eintersetoriais e sem grandes diferenças de renda e de posse da ri-queza. Segundo Pinto (1979, p. 49), no processo de industrializa-ção da América Latina houve uma “tríplice concentração dos ‘fru-tos do progresso técnico’, em nível social, dos ‘estratos’ econô-micos e em nível regional”.

2. Ver, por exemplo, Carneiro (1989).

3. Trabalhos como Dieese (2001), Pochmann (2001) e Dedecca(2003), por exemplo, apresentam a evolução da distribuição pes-soal da renda e também dados e estimativas da distribuição funcio-nal da renda.

4. A participação dos salários na renda nacional era de 40% em1970, de 35% em 1980 e de apenas 33% em 1988, segundo dadospublicados pelas Nações Unidas e citados por Carneiro (1989). Deacordo com a publicação do ano de 1980 do “National AccountsStatistics of the United Nations”, a participação dos salários narenda nacional era de 43% na Argentina, 45% na Venezuela, 42%no México, 39% na Coréia do Sul e de 40% no Paraguai (CARNEI-RO, 1989).

5. Sobre problemas metodológicos relacionados à captação dosdados das PNADs, ver Sawyer (1989).

6. Conforme será demonstrado a seguir, com dados empíricos.

7. Pode-se afirmar que o processo de flexibilização do mercado detrabalho brasileiro deu seu primeiro passo no conjunto das refor-mas implementadas pelo Paeg, que substituiu o antigo estatuto daestabilidade no emprego pelo Fundo de Garantia por Tempo deServiço – FGTS (e também pela repressão ao movimento sindical,pelo esvaziamento do Ministério do Trabalho, que, historicamen-te, tinha tido papel fundamental na construção do sistemacorporativo das relações de trabalho no Brasil, com a instituiçãode reajustes automáticos de salários baseados em políticas salariaisdefinidas pela equipe econômica dos diferentes mandatos do regi-me militar e também com a retirada do poder normativo da Justiçado Trabalho). Teve continuidade, de forma muito mais célere, nosúltimos dez anos, pelo menos, com novas regulamentações de con-tratos temporários de trabalho, das leis que regem o uso e remune-ração dos trabalhos de estagiários, etc., sempre com o objetivo (de-clarado ou não), por parte das autoridades econômicas, de baratearo uso da mão-de-obra por parte das empresas e também de diminuiro custo das demissões. Cf. Barbosa; Moretto (1998); e tambémartigos reunidos em Oliveira; Mattoso (1996), sobre a flexibilizaçãodo mercado de trabalho brasileiro. Em poucas palavras, esses auto-res consideram que existe flexibilidade no mercado de trabalhobrasileiro, a qual se expressa de diversas formas: baixos salários ecustos de demissão também baixos, pois são relacionados aos valo-res dos salários; frouxa regulamentação a respeito do uso de horasextras e de horários de exploração do trabalho (como, por exem-plo, na relativamente recente lei que regulamenta a abertura docomércio aos domingos); sindicatos fracos e pouco representati-vos; esvaziamento crescente do papel do Ministério do Trabalho;ausência de convenções coletivas de trabalho; facilidades legais/institucionais crescentes para demitir e contratar; elevadarotatividade da mão-de-obra; Justiça do Trabalho cada vez maispermeável ao discurso e práticas neoliberais de redução de custoscomo principal objetivo a ser cumprido pelas empresas; regulamen-

tação pouco severa para com o uso de estagiários e aprendizes, oque retira possibilidades de emprego aos trabalhadores mais quali-ficados, entre outros fatores.

8. O salário mínimo, ainda segundo Souza (1980), serviria de fatocomo um “farol” a determinar os rendimentos assalariados e mes-mo parcela expressiva dos rendimentos do trabalho autônomodentro do espaço ocupacional brasileiro.

9. Trata-se, grosso modo, do que Kalecki chamou de “grau demonopólio”, ou seja, as empresas dos setores oligopolizados des-frutam do poder de fixar preços nos mercados em que atuam. O quecaracteriza a situação de oligopólio é justamente o fato de as em-presas disporem de reserva de capacidade produtiva, a qual é mui-tas vezes construída estrategicamente de tal forma a responderrapidamente a flutuações positivas de demanda, evitando que even-tuais concorrentes o façam. A demanda por produtos industriais,por seu lado, não surge “autonomamente” mas, pelo contrário, sãoaçuladas pelas estratégias de vendas (publicidade, obsolescênciaacelerada de produtos, diferenciação de produtos e de modelos,aprimoramento das estratégias de distribuição, etc.) das empresas,de tal forma que elas podem também planejar as vendas e definirestratégias de determinação dos preços. O preço final do produto écalculado tendo como parâmetro mínimo o custo médio de produ-ção, sobre o qual é acrescentada uma margem de lucro cuja magni-tude depende do maior ou menor domínio que a empresa desfrutasobre o mercado em que atua – exatamente o que Kalecki definecomo “grau de monopólio”. Sendo assim, quanto maior for o graude monopólio, maior será a margem de lucro fixada pela empresae, portanto, maior será o seu lucro. Fica claro que a magnitude damargem de lucro leva em conta também o preço de custo médiodas demais empresas. No caso de uma estrutura industrial como abrasileira, que se constituiu sob o signo de uma forte heterogeneidadeestrutural, com o convívio de setores modernos e avançados tecno-logicamente ao lado e segmentos de baixa produtividade ligados aestruturas produtivas de empresas antigas e/ou atrasadas tecno-logicamente, há diversos casos, em diferentes setores de ativida-des, de elevados “graus de monopólio”, permitindo-se supor que osefeitos dessa configuração estrutural sejam sentidos no padrão dedistribuição de renda mesmo dentro do setor capitalista, e tambémentre ele e os trabalhadores autônomos que vendem bens e servi-ços no mercado informal. Ademais, normalmente os salários den-tro dos diversos setores industriais brasileiros são acentuadamentedesiguais, refletindo as expressivas diferenças de produtividade ede “grau de monopólio” de certos conglomerados empresariais.

10. Conforme sublinhou Bacha (1975) “a relação entre a remune-ração dos gerentes e os salários dos trabalhadores têm a ver nãocom sua importância funcional relativa, mas com a razão entrelucros e salários existentes na economia”.

11. Sobre as relações entre a composição da riqueza nacional e adistribuição pessoal da renda do trabalho, ver Gonçalves (1999, p.54): “A distribuição de renda não pode ser separada da questão dadistribuição da riqueza. Proprietários de ativos reais e financeirosrecebem rendas na forma de lucros, aluguéis e juros, além dos salá-rios que remuneram o trabalho. A desigualdade na distribuição dariqueza é um tema de fundamental importância, principalmente emsociedades onde a distribuição funcional da renda tem um viés anti-salarial. Este é, precisamente, o caso do Brasil, onde o salário re-presenta uma parcela reduzida da renda comparativa a juros, lucrose aluguéis”. Em outra passagem, debatendo os caminhos para umamelhoria na distribuição da renda no Brasil, o mesmo autor argu-menta: “Os dados sugerem, na realidade, que o problema da distri-buição da riqueza no Brasil precede ao problema da distribuição darenda. Neste sentido, o combate à pobreza no Brasil, que exige acombinação de crescimento com distribuição de renda, para sereficaz e enfrentar definitivamente o problema, deveria sercomplementado com políticas de redistribuição da riqueza”.

12. O que aqui é denominado de “remuneração plena” representa oconjunto de itens que perfazem o conjunto da remuneração do tra-

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005148

FERNANDO AUGUSTO MANSOR DE MATTOS

balho. Ou seja, além do salário mensal, também o décimo-terceirosalário, as férias pagas com adicional (no caso do adicional, depoisda Constituinte de 1988), os depósitos de Fundo de Garantia e aslicenças-maternidade ou paternidade remuneradas, e também asverbas rescisórias, quando for o caso (só para esclarecer a nomen-clatura utilizada aqui: todos esses itens que vão além do saláriomensal são chamados pelos economistas liberais, e/ou pela maiorparte dos empresários, simplesmente de “encargos trabalhistas”;mas, do ponto de vista dos trabalhadores assalariados, são parteintegrante de sua remuneração anual pelo trabalho realizado). So-bre uma discussão não-afeita aos preceitos do pensamento conser-vador a respeito dos encargos sociais e do custo do trabalho noBrasil, ver Santos (1996).

13. Quando até mesmo o valor da remuneração mensal é incerto eexcessivamente sujeito às oscilações do ciclo econômico (e atémesmo à sua saúde) a cada mês.

14. Ao afirmar isso, não está-se perdendo de vista que persistiam,no mercado de trabalho brasileiro, sinais inequívocos do subdesen-volvimento, como baixos salários, desigualdades de todos os tipos(de renda do trabalho, de renda funcional, de renda por regiões),informalidade, emprego precário em grande quantidade, etc., con-forme mencionado em outros tópicos desse artigo. Mas a situaçãodo trabalho, no geral, melhorou bastante ao longo do auge do pro-cesso de industrialização brasileira. Essa situação começou nova-mente a se deteriorar a partir da crise dos anos 80, quando surge umoutro problema: o desemprego (DEDECCA, 1990; 2005).

15. Ver Belluzzo; Coutinho (1982; 1983). Com relação aos efei-tos, sobre a economia brasileira dos anos 80, do endividamentoexterno constituído nos anos 70, ver especialmente, Cruz (1983).Obra mais recente – e igualmente importante – que trata dessasquestões é a de Carneiro (2002).

16. Para uma análise detalhada do aumento da informalidade nomercado de trabalho brasileiro nos anos 80 e de seu impacto sobreos perfis distributivos, ver Mattos (1994).

17. Vale registrar a seguinte passagem de Malan e Wells (1975),notórios opositores da doutrina liberal/conservadora que norteoua interpretação do regime militar a respeito do aumento das desi-gualdades de renda ao longo dos anos 60: “[...] entretanto, acredi-tar na expansão apropriada da oferta como ‘solução’ para o longoprazo é seriamente discutível, e por várias razões, mas queríamosmencionar uma aqui em particular, derivada dos resultados empíricosdo próprio Langoni. Com efeito, do aumento da variância total darenda entre 1960 e 1970 ‘explicado’ pela variável educação, 35%são devidos simplesmente a mudanças na composição educacionalda força de trabalho, 23% a mudanças nas rendas relativas entrediferentes níveis de educação e 42% á crescente desigualdade nadistribuição para um nível de escolaridade, isto é, educação é umaimportante variável explicativa principalmente devido à crescen-te diferenciação de renda entre indivíduos com o mesmo nível edu-cacional. E é precisamente sobre esse fenômeno que o mecanismode oferta e procura é incapaz de dizer qualquer coisa, e que, nãoobstante o otimismo de Langoni, pode persistir e intensificar-seao longo do tempo”.

18. Para uma revisão detalhada a respeito dos argumentos presen-tes no debate sobre a concentração da renda nacional nos anos 60,ver Mattos (1993).

19. Remuneração dos empregados é a soma dos salários às contri-buições sociais efetivas.

20. Para maiores detalhes sobre a natureza dessa inserção, verFilgueiras (2000, cap. 1).

21. Ver Mattos (1994). O autor mostra que o nível e a dispersãodos rendimentos dos autônomos no setor informal estão relacio-nados aos diferentes graus de desenvolvimento econômico atingi-do por diferentes metrópoles, que conformarão não só um setorformal e dinâmico, mas também um setor informal (ligado e deri-

vado do formal) com distintos conteúdos ocupacionais, e, portan-to, com distintos perfis de distribuição da renda do trabalho.

22. Vale citar uma passagem de Coutinho (1984, p. 39): “A distri-buição pessoal (da renda) é apenas um resultado de fenômenosdispersos que ocorrem de modo diverso em cada sociedade huma-na. Alguns destes fenômenos têm natureza econômica; outros de-correm de aspectos institucionais ou extra-econômicos, emboracontribuam para a explicação de um atributo econômico: a renda”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BACHA, E. Hierarquia e remuneração gerencial. In: TOLIPAN,R.; TINELLI, A.C. (Org.). A controvérsia sobre distribuição derenda e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

BALTAR, P.E.A. Crise contemporânea e mercado de trabalhono Brasil. In: OLIVEIRA, M.A. (Org.). Economia e Trabalho –textos básicos. Campinas: Instituto de Economia/Unicamp,1998.

BALTAR, P.E.A.; DEDECCA, C.; HENRIQUE, W. Mercado detrabalho e exclusão social no Brasil. In: OLIVEIRA, C.A.B.;MATTOSO, J. (Org.). Crise e trabalho no Brasil: modernidadeou volta ao passado? São Paulo: Scritta, 1996.

BARBOSA, A.; MORETTO, A. Políticas de emprego e prote-ção social. Associação Brasileira de Estudos do Trabalho, v. 1,1998. (Coleção Abet).

BELLUZZO, L.G.M.; COUTINHO, R. (Org.). Desenvolvimentocapitalista no Brasil – ensaios sobre a crise. São Paulo: Brasi-liense, 1983. v. 2.

________. Desenvolvimento capitalista no Brasil – ensaiossobre a crise. São Paulo: Brasiliense, 1982. v. 1.

CARDOSO DE MELLO, J.M. Capitalismo tardio. São Paulo:Brasiliense, 1982.

CARNEIRO, F.G. Some estimates on wages and profit relativeshares in Brazil. In: World Bank, July, 1989.

CARNEIRO, R. Desenvolvimento em crise: a economia brasileirano último quarto do século XX. São Paulo: Ed. Unesp, Institutode Economia/Unicamp, 2002.

CASTRO, A.B.; LESSA, C. Introdução à economia: umaabordagem estruturalista. 33. ed. Rio de Janeiro: ForenseUniversitária, 1991.

COUTINHO, M. Distribuição de renda e mobilidade social noBrasil. Tese (Doutorado) – Instituto de Filosofia e CiênciasHumanas/Unicamp, Campinas, 1984.

CRUZ, P.R.D. Notas sobre o endividamento brasileiro nos anossetenta. In: BELLUZZO, L.G.M.; COUTINHO, R. (Org.).Desenvolvimento capitalista no Brasil – ensaios sobre a crise.São Paulo: Brasiliense, 1983. v. 2.

DEDECCA, C.S. Notas sobre a evolução no mercado de trabalhono Brasil. Revista de Economia Política, São Paulo, Ed. 34,v. 25, n. 1 (97), jan./mar. 2005.

________. Anos 90: a estabilidade com desigualdade. In:PRONI, M.; HENRIQUE, W. (Org.). Trabalho, mercado esociedade: o Brasil nos anos 90. São Paulo: Ed. Unesp; Campi-nas: Ed. da Unicamp, 2003.

149

ASPECTOS HISTÓRICOS E METODOLÓGICOS DA EVOLUÇÃO RECENTE DO PERFIL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005

________. Dinâmica econômica e mercado de trabalhourbano: uma abordagem da Região Metropolitana de São Paulo.Tese (Doutorado) – Istituto de Economia/Unicamp, Campinas,1990.

DIEESE. A situação do trabalho no Brasil. São Paulo: Dieese,2001.

EDWARDS, R.; REICH, M.; GORDON, D. (Org.). Labor marketsegmentation. Massachussetts, D.C.: Health Company, 1975.

FILGUEIRAS, L. História do Plano Real. São Paulo: BoitempoEditorial, 2000.

GONÇALVES, R. Distribuição de riqueza e renda: alternativapara a crise brasileira. In: LESBAUPIN, I. (Org.). O Desmonteda Nação – balanço do governo FHC. Petrópolis, RJ: Vozes,1999.

KALECKI, M. Teoria da dinâmica econômica: ensaio sobre asmudanças cíclicas e a longo prazo da economia capitalista. SãoPaulo: Abril Cultural, 1983.

LANGONI, C.G. Distribuição de renda e crescimento econômi-co no Brasil. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1973.

LESBAUPIN, I. (Org.). O Desmonte da Nação – balanço dogoverno FHC. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

MALAN, P.; WELLS, J. Distribuição de renda e desenvolvimen-to econômico no Brasil. In: TOLIPAN, R.; TINELLI, A.C.(Org.). A controvérsia sobre distribuição de renda e desenvolvi-mento. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

MATTOS, F.A.M. Emprego e distribuição de renda nas RegiõesMetropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro: os anos 80.Dissertação (Mestrado) – Instituto de Economia/Unicamp,Campinas, 1994.

________. Desenvolvimento econômico e distribuição de rendano pós-guerra na América Latina. Revista Horizontes (USF).Bragança Paulista, Ed. USF, v. 11, n. 2, jul./dez. 1993.

MATTOS, F.A.M.; CARDOSO Jr., J.C. Novas evidências acercada questão distributiva pós-Plano Real. Leituras de EconomiaPolítica, Campinas, Instituto de Economia da Unicamp, n. 7,p. 29-55, jun./dez. 1999.

OLIVEIRA, C.A.B.; MATTOSO, J. (Org.). Crise e trabalho noBrasil: modernidade ou volta ao passado? São Paulo: Scritta,1996.

OLIVEIRA, C.A.B. Formação do mercado de trabalho no Brasil.In: OLIVEIRA, M.A. (Org.). Economia e Trabalho – textosbásicos. Campinas: Instituto de Economia/Unicamp, 1998.

OLIVEIRA, M.A. (Org.). Economia e Trabalho – textosbásicos. Campinas: Instituto de Economia/Unicamp, 1998.

PINTO, A. Heterogeneidade estrutural e modelo de desenvolvi-mento recente. In: SERRA, J. (Org.). América Latina – ensaiosde interpretação econômica. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1979.

POCHMANN, M. A década dos mitos. São Paulo: Contexto,2001.

________. O trabalho sob fogo cruzado. São Paulo: Contexto,1999.

PRONI, M.; HENRIQUE, W. (Org.). Trabalho, mercado esociedade: o Brasil nos anos 90. São Paulo: Ed. Unesp; Campi-nas: Ed. da Unicamp, 2003.

SANTOS, A.L. Encargos sociais e custo do trabalho no Brasil.In: OLIVEIRA, C.A.B.; MATTOSO, J. (Org.). Crise e trabalhono Brasil: modernidade ou volta ao passado? São Paulo: Scritta,1996.

SAWYER, D.O. (Org.). PNAD’s em Foco – anos 80. Abep,1989.

SERRA, J. (Org.). América Latina – ensaios de interpretaçãoeconômica. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

SINGER, P. Curso de Introdução à Economia Política. 13. ed.Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991.

SINGER, P. Desenvolvimento e repartição da renda. In:TOLIPAN, R. e TINELLI, A.C. (Org.). A controvérsia sobredistribuição de renda e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar,1975.

SOUZA, P.R. Emprego, salários e pobreza. São Paulo: Hucitec,1980.

TOLIPAN, R.; TINELLI, A.C. (Org.). A controvérsia sobredistribuição de renda e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar,1975.

FERNANDO AUGUSTO MANSOR DE MATTOS: Doutor em Economia peloInstituto de Economia da Unicamp. Professor e Pesquisador do Centrode Economia e Administração da PUC-Campinas e do Programa dePós-Graduação em Ciência da Informação da PUC-Campinas.

Artigo recebido em 5 de abril de 2005.Artigo aprovado em 12 de junho de 2005.