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A DEFESA DO CÓDIGO FLORESTAL E A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS SAUDÁVEIS PELA AGRICULTURA CAMPONESA

A defesa do código florestas e a produção de alimentes saudáveis pela agricultura camponesa

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A defesA do Código florestAl e A produção de Alimentos sAudáveis pelA AgriCulturA

CAmponesA

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ApresentAção

Num período em que diversos setores da sociedade vêm utilizando o discurso do uso sustentável dos recursos naturais como marke-ting verde, o meio ambiente está cada vez mais ameaçado na vida real.

Os que necessitam da natureza em pé para sobreviver são usados como argumento para a destruição da mesma. É o que esta acontecendo atualmente na guerra encampada pelos ruralis-tas no Congresso Nacional.

O atual Código Florestal, raramente, está sendo acusado de impedir o desenvolvimento agrário do país.

Enquanto os ruralistas discursam que o Código Florestal impede o desenvolvimento da produção no campo, dentro do atual modelo de produção extremamente degradante, há muito tempo que os movimentos sociais camponeses e estudantis lutam pela mudança desse modelo

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agrícola que vigora no Brasil, baseado na revolu-ção verde, na altíssima utilização de agrotóxicos, na devastação e na concentração de terras.

Aliada à propaganda de crescimento através desse modelo de produção, ressurge a campanha de colonização da Amazônia, na qual os colo-nizadores eram estimulados a desmatar para iniciar o “desenvolvimento” da região.

Dentro das universidades, cursos foram cria-dos para atender a demanda de produzir ciência e tecnologia para manter o modelo explorador e devastador.

Vivemos essa grande contradição, em que as preocupações com as mudanças climáticas são concretas, mas que a gana de acumulação do capital avança justamente sobre a natureza fragilizada.

Por isso estamos convictos de que a proposta de alteração do Código Florestal, ao contrário do que afirmam seus pensadores, não virá para atender aos anseios da população que lida di-retamente com a floresta e nem da população urbana que necessita dos seus benefícios dire-tos e indiretos. Essa mudança foi apresentada para contemplar os poucos que concentram a propriedade rural em nosso país. Já as conse-

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quências perversas dessa mudança, essas sim serão para todos.

Nesse sentido a Via Campesina Brasil pro-duziu este material, com o intuito de divulgar e aprofundar o debate acerca das alterações do Código Florestal e suas consequências.

Via Campesina BrasilAssociação Brasileira de Estudantes de Enge-nharia Florestal (ABEEF)Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Comissão Pastoral da Terra (CPT)Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB)Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)Movimento das Mulheres Camponesas (MMC)Movimentos dos Pescadores e Pescadoras Ar-tesanaisMovimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)Pastoral da Juventude Rural (PJR)

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ConheCendo o Código florestAl BrAsileiro

O Código Florestal Brasileiro foi criado em 1934, sendo revisto e atualizado em 1965, através de um projeto de lei que tramitava na Câmara Federal desde o Governo João Goulart. É importante entendermos como estava o nosso país naquele período: aumento da população das cidades localizadas na mata atlântica, onde ainda existiam grandes áreas de floresta; desma-tamento da mata para expansão das plantações de café nos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro; corte de espécies nobres para madeira, como a Araucária, nos estado do Para-ná e Santa Catarina.

Lembremos também que esse era um perío-do de grandes lutas populares, além de impor-tantes revoluções e expansão do socialismo pelo mundo. Portanto, apesar de ter sido aprovado no primeiro ano da ditadura, o código florestal foi concebido em um ambiente progressista. Menos de um ano antes foi lançado o Estatuto da Terra,

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outra lei importante, que tratava da reforma agrária e que possuía caráter progressista.

Assim, o Código Florestal foi escrito com preocupação em relação ao desmatamento, mas em uma realidade que muito se fala sobre a reforma agrária e sobre como a lei deveria obrigar os latifundiários a produzir de forma sustentável. É com o Código Florestal que se inicia o debate da função social e ambiental da propriedade, que hoje está garantida em nossa constituição federal. A função social e ambiental diz que toda propriedade deve ser produtiva, empregar os trabalhadores de forma justa e preservar o meio ambiente para a atual e futuras gerações.

As Florestas São Bens de Todo o Povo BrasileiroA primeira coisa que o Código diz é que

todas as florestas são bens de interesse comum da sociedade brasileira. Isso quer dizer que o cuidado com as florestas está acima de qual-quer interesse privado! A propriedade da terra permite que ela seja usada pelo agricultor, mas a sociedade brasileira tem um interesse que obriga esse agricultor a ter uma parte de sua terra com florestas.

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A Reserva LegalO código florestal cria a Reserva Legal (RL),

uma parcela da propriedade rural que deve ser dedicada ao uso sustentável da floresta. Isso quer dizer que a área deve ser explorada! O que se pode fazer lá? Pode tirar madeira, lenha, óleo, semente, frutos. Pode também ter espécies frutí-feras. Mas tudo tem que ser feito de acordo com um planejamento, chamado Manejo Sustentável. O que não pode? Cortar toda a madeira de uma vez só, no que se chama “corte raso”. No caso da Amazônia, 80% da propriedade rural deve ser reserva legal, enquanto no cerrado que está na Amazônia Legal (partes do Maranhão, Mato Grosso e Tocantins) a RL é de 35% da proprie-dade e no resto do país é de 20%. Ou seja, uma propriedade com 100 hectares na Amazônia tem que utilizar 80 hectares de sua área de forma sustentável, e no Cerrado a mesma propriedade tem que utilizar 20 hectares desta maneira.

A Área de Preservação PermanenteOutro tema do Código Florestal são as Áreas

de Preservação Permanente (APPs). Essas áreas são as florestas que estão nas margens dos rios, represas e nascentes, nas ribanceiras muito

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inclinadas e no topo dos morros. Elas são locais frágeis, onde podem ocorrer erosão, por exem-plo. As florestas, com suas raízes profundas, seguram os solos e ajudam a água a entrar na terra, abastecendo os lençóis freáticos. Muitas das catástrofes que temos visto nestes últimos anos, como as enchentes e deslizamentos de terras em todas as partes do país, têm a ver com justamente com a destruição das florestas das APPs.

Mesmo sendo frágeis, essas áreas também podem ser exploradas pela agricultura campo-nesa, segundo a atual legislação. Não é como a Reserva Legal, porque na APP não se pode tirar madeira nem lenha – não se pode derrubar nenhuma árvore ou arbusto. Mas pode tirar fru-tos, sementes, óleos, criar abelha... enfim, uma diversidade de produtos podem sair da APP!

Sistemas AgroflorestaisE no caso das áreas que não tem floresta,

onde foi desmatado, mas mesmo assim é APP e RL? O código florestal permite, para a agri-cultura camponesa, a utilização de sistemas agroflorestais para a recuperação dessas áreas. Sistemas agroflorestais são plantios com vários

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cultivos anuais, juntamente com árvores nati-vas. Assim, nos primeiros três anos, uma RL degradada pode ter plantio de feijão, milho e mandioca e, no meios das ruas, o plantio de es-pécies nativas de cada bioma. Assim, enquanto está recuperando a mata, o agricultor e a agri-cultora podem tirar sua renda. Depois dos três anos, ai a renda já pode vir de outras espécies, principalmente as frutíferas, da apicultura, do palmito... enfim, do que puder ser aproveitado do sistema agroflorestal!

O Código e Agricultura CamponesaComo podemos ver, o código florestal não é

inimigo da agricultura camponesa. Ao contrário, ele garante que nós, agricultores e agricultoras camponesas, possamos garantir nossa renda com mais segurança, pois não ficamos depen-dendo de um único produto. Para se ter uma ideia, no ano de 2008 o agroextrativismo, que é a exploração sustentável da floresta (com produtos madeireiros e não-madeireiros) gerou, no Brasil, 4 bilhões de reais. Isso sem nenhuma política pública, sem nenhum apoio do Estado brasileiro.

O código florestal também garante a quali-dade das terras camponesas para as gerações fu-

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turas, nossos filhos e netos. As florestas ajudam a adubar os solos, evitar erosões, preservar as nascentes e os riachos. Além disso, são abrigo para insetos e pássaros, inimigos naturais de várias pragas que atacam nossas lavouras. E ainda são importantes para a nossa própria alimentação, principalmente devido aos frutos, raízes e sementes regionais, assim como para nossa saúde, com as incontáveis plantas medi-cinais que da floresta tiramos.

O Código e o AgronegócioO código florestal é adversário do agronegó-

cio, que precisa desmatar todas as espécies para implantar a monocultura e aplicar uma imensa quantidade de veneno. É impensável para o agronegócio conseguir produzir em sistemas diversificados, conservando áreas de florestas e fazendo sistemas agroflorestais. E para o agrone-gócio a vida do solo pouco importa. Após esgotar totalmente o solo, o latifundiário ou a empresa transnacional vendem aquela propriedade e partem para outra região, fazendo a fronteira agrícola andar. Deixam para trás a destruição do solo, o envenenamento dos rios e a morte de toda a floresta e seus animais.

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o AgronegóCio e suAs motosserrAs: A destruição do Código florestAl BrAsileiro

Em 2008, o agronegócio decidiu convocar seus representantes no congresso, a chamada bancada ruralista com um objetivo claro: ligar as motosserras e destruir o código florestal. Ata-caram também dentro do governo federal, por meio do Ministério da Agricultura e ainda com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que fez o trabalho de mobilização nos Estados.

Embora o código florestal seja uma lei ino-vadora e sensível à realidade da agricultura camponesa, sabemos que a repressão por parte da polícia ambiental e das secretarias de meio ambiente nos Estados sempre foi grande, prin-cipalmente contra nós. Enquanto o agronegócio continuava desmatando, drenando banhados, destruindo o cerrado, o agricultor camponês era multado por ter aproveitado uma árvore que caiu com um vendaval. E sempre foi falado para

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nós que as áreas de reserva legal e de Proteção Permanente eram intocáveis, era do IBAMA, do INCRA, deveriam ser cercadas e nunca de-veriam ser utilizadas, o que não é verdadeiro e não está no código.

Além disso, não podemos nos esquecer dos lugares onde milhares de famílias foram esti-muladas a desmatar. Esse é o caso, por exemplo, de Rondônia, onde a família, ao receber a terra de um projeto de colonização, recebia também uma motosserra. A família ganhava um hectare de terra para cada hectare desmatado! Pouco tempo depois, esse mesmo Estado que incenti-vou o desmatamento veio obrigar as famílias a recuperarem as áreas, sem qualquer apoio do poder público.

Toda essa realidade fez com que muitos camponeses, em diversas partes do país, se revoltassem contra o Código Florestal. Entre-tanto, como vimos nas primeiras páginas, o problema não é da lei! Quando uma lei é favo-rável ao povo, as elites logo procuram formas de impedir que ela seja aplicada e, ao mesmo tempo, fazem com que ela seja executada de forma totalmente errada, para que o povo a veja como um problema.

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A Jogada dos Grandes: Jogar os Pequenos Contra o Código

Sabendo dessa insatisfação por parte dos camponeses, a CNA fez diversos eventos nos Estados, falando mentiras para os agricultores e escondendo os benefícios do código florestal. Incentivaram os camponeses a se aliarem aos grandes proprietários na luta contra a legislação que supostamente prejudica a agricultura. Essa tática da CNA funcionou principalmente com os camponeses que não estão articulados pelos movimentos sociais em suas regiões.

A Bancada RuralistaNo Congresso, os ruralistas garantiram a

criação da Comissão Especial do Código Flo-restal em junho de 2009, a qual deveria elaborar uma proposta que será submetida à votação no plenário da Câmara. Após muita articulação dos ruralistas, a presidência dessa comissão ficou a cargo de um dos seus líderes, o deputado Moacir Michelleto, do PMDB do Paraná. Já o responsá-vel por escrever a proposta foi deputado do PC do B de São Paulo Aldo Rebello.

Durante quase um ano, a comissão ouviu muitas pessoas, a maioria representantes do

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agronegócio e de técnicos das universidade e EMBRAPAs vinculadas aos ruralistas. O deputado Aldo Rebello assumiu a defesa do agronegócio brasileiro, dizendo que quem quer conservar a natureza são os países de fora. O deputado, que se diz comunista, abraçou com toda a força a causa dos ruralistas, elegendo como inimigo as entidades ambientalistas e os movimentos sociais que se opusessem à mu-dança do Código Florestal.

A comissão realizou também 19 visitas a cidades em diversas partes do país, para fazer audiências públicas e ouvir a opinião local sobre o código florestal. O curioso é que as cidades selecionadas foram justamente as que são refe-rência do agronegócio, como Imperatriz (MA) e Ribeirão Preto (SP). Em muitas delas houve manifestações populares a favor do Código, mas em nenhum momento esses manifestantes foram recebidos pela Comissão, que só queria ouvir os latifundiários. Em Ribeirão Preto, por exemplo, mais de 80 entidades e centenas de pessoas fizeram uma audiência pública paralela, denunciando a farsa da Comissão.

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O Relatório do Deputado RebeloO resultado final da Comissão, portanto,

não poderia ser outro. O relatório apresentado pelo deputado Aldo Rebello foi aplaudido de pé pelos ruralistas e vaiado pelos movimentos sociais, camponeses e ambientalistas. A forma apaixonada com que o deputado defendeu a pauta dos ruralistas acabou deixando ele do lado dos partidos dos latifundiários: PMDB, PP, PTB. Contra o relatório do deputado, ficaram três partidos: PSOL, PV e PT.

Quais são os aspectos negativos no relató-rio do deputado Aldo Rebello? Vamos dar uma olhada nos principais pontos:• Anistia completa para todas as multas apli-

cadas por desmatamento de APP e RL. Essas multas, no total, são de 10 bilhões de reais e na sua imensa maioria são do agronegócio, principalmente dos setores da soja, pecuária, cana-de-açúcar, café e celulose. O relatório não poderia ser mais claro: o crime compensa para o agronegócio;

• As áreas desmatadas continuarão a ser explo-radas da mesma forma que vem sendo hoje, até que os órgãos estaduais de meio ambiente criem um Programa de Regularização Am-

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biental (PRA). Como sabemos muito bem, esses órgãos não possuem estrutura nem funcionários suficientes, sendo difícil que esses tais PRAs fiquem prontos nos próximos anos. Assim, o agronegócio que planta soja e cana até a beira do rio, que planta eucalipto em cima de nascente e derrubou floresta para colocar gado, poderá continuar do mesmo jeito, sem ninguém incomodar;

• As áreas de topo de morro não serão mais protegidas (no atual código elas são APPs). Os topos de morro são áreas muito impor-tantes para os lençóis freáticos, pois quando chove é lá que a água entra no solo e abas-tece esses rios subterrâneos. Além disso, a vegetação dos topos de morro evitam os deslizamentos, que estão cada vez mais frequentes nas grandes cidades, mas que também acontecem na zona rural;

• As reservas legais poderão ser compensadas em qualquer parte do bioma onde está a pro-priedade original. Explicando melhor: uma propriedade de 100 hectares em Goiás deve ter, pela lei atual, 20 hectares de reserva le-gal. Pela proposta do deputado Aldo Rebello, essa propriedade pode ficar sem reserva

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legal, desde que tenha outra área do mesmo tamanho da RL necessária em qualquer um dos 13 Estados do bioma cerrado;

• A recuperação da Reserva Legal poderá ser feita com até 50% de espécies exóticas, ou seja, os grandes proprietários poderão fazer plantios de eucalipto e outras árvores para celulose. Outra possibilidade é a introdução da Palma Africana, palmeira que produz óleo para o biodiesel e que é explorada por transnacionais na Ásia, sendo responsável por altos índices de desmatamentos lá;

• Todas essas modificações atingem direta-mente a função social da propriedade. Com essas alterações propostas pelo deputado Aldo Rebello, praticamente não há mais cri-me ambiental em latifúndios. Não haverá, caso a proposta seja aprovada no plenário da Câmara dos Deputados, mais possibilidade de desapropriação de áreas por descumpri-mento da função ambiental;

• Para a agricultura camponesa, o deputado guardou um presente de grego: liberou as pe-quenas propriedades da obrigação de terem RL. Como já vimos nas páginas anteriores, as florestas têm uma grande importância para

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as propriedades camponesas. Elas ajudam no clima local, na manutenção dos riachos, na adubação do solo e na prevenção de erosões. Se as propriedades camponesas abandona-rem a RL, em 10 a 20 anos suas terras estarão esgotadas e os córregos e nascentes que exis-tirem poderão secar. O deputado parece se esquecer que, diferente do agronegócio que grila terras em um local e, depois de sugar a última gota de vida daquele solo o vende e vai para outra área, avançando a fronteira agrícola, a agricultura camponesa permane-ce na mesma terra por gerações, precisando que ela continue fértil, com água, com chuvas e sem erosões ou deslizamentos;Agora o relatório do deputado Aldo Rebello,

aprovado na Comissão Especial do Código Flo-restal, vai para o plenário da Câmara dos Depu-tados, onde será colocado em votação para os 513 deputados. Apesar das pressões e chantagens, o relatório não foi votado em 2010. A votação deve ocorrer em 2011, com o novo congresso nacional. Depois, ele deve ser votado no Senado Federal e, por fim, sancionado pela presidenta da República.

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A propostA dA AgriCulturA CAmponesA pArA A melhorA do Código florestAl e nossos próximos pAssos nessA lutA

É claro que, como toda lei, o Código Florestal pode ser melhorado. A Via Campesina fez lutas ao longo do ano de 2009 para garantir essas melhorias, que não precisavam de alteração da lei. Vejamos quais foram as conquistas da Via Campesina com relação ao aperfeiçoamento do Código Florestal:• Manejo Florestal da Reserva Legal – como

falamos atrás, o manejo sustentável é a exploração da floresta de forma que ela se mantenha em pé. Para um estudo mais aprofundado, essas questões são tratadas na Instrução Normativa nº 04/09, do Ministério do Meio Ambiente. Os principais pontos são:

Retirada de até 15 m³ de lenha por ano e 20 m³ de madeira a cada três anos, para consu-mo interno na família, sem necessidade de autorização da secretaria de meio ambiente

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ou IBAMA. Se a madeira ou lenha for trans-portada, ai será necessária a autorização;

Onde o campo é nativo (como nos Pampas ou em algumas partes do Cerrado), a reserva legal pode ser composta desse tipo de vege-tação;

• Recuperação de APP e RL. Para um estudo mais aprofundado, esse tema é tratado na Instrução Normativa 05/09, do Ministério do Meio Ambiente. Os principais pontos são:

Tanto para a recuperação de APP quanto para a recuperação de RL é permitida a prática de sistemas agroflorestais, como explicado nas primeiras páginas desse nosso estudo. Nos três primeiros anos, o agricultor pode plantar adubação verde ou culturas anuais (feijão, milho, mandioca, arroz), junto com as espécies nativas. Apenas para a agricul-tura camponesa, na RL também podem ser plantadas plantas frutíferas exóticas (laranja, café, maçã) ou plantas madeireiras exóticas (eucalipto, teca, espécies de outros biomas)Entretanto, essas atualizações não são su-

ficientes. Para garantir que o Código Florestal tenha sua execução aliada à produção de alimen-tos saudáveis pela agricultura camponesa, além

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de uma possibilidade de geração de renda com produtos madeireiros, a Via Campesina reivin-dica outras atualizações e uma série de políticas públicas. Vamos conhecer mais de perto nossas reivindicações:• Averbação da Reserva Legal – A legaliza-

ção da reserva legal deve ser simplificada, somente para a agricultura camponesa. O processo simplificado deve ser feito com base em um desenho (croqui) feito pela própria família, onde devem conter a localização da propriedade e onde será a reserva legal. Todo o georreferenciamento, que é feito com máquinas de GPS, deve ser responsabilidade dos órgãos estaduais de meio ambiente, e o procedimento deve ser gratuito. A averbação não deve ter qualquer relação com os cartó-rios, pois muitas propriedades camponesas não possuem sua terra regularizada ainda;

Políticas Públicas:• Fomento para a recuperação das RLs e APPs.

Esse programa deve ter dinheiro para pro-dução de alimentos livres de agrotóxicos nos primeiros anos de implantação dos SAFs, aquisição de sementes de adubação verde,

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além de recursos para cercamento, onde for necessário. Não é aceitável qualquer propos-ta de crédito, visto que a pressão dos juros pode prejudicar os projetos;

• Programa de produção e aquisição de mudas e sementes. Este programa deverá disponi-bilizar dinheiro para construção de viveiros e criação de coletivos de coleta de sementes. Também deverá contar com um sistema pa-recido com o Programa de Aquisição de Ali-mentos (PAA), onde as famílias produtoras poderão vender suas mudas para o governo (como a CONAB, no caso do PAA), as quais serão distribuídas para as áreas que deverão ser recuperadas;

• Qualificação da assistência técnica em sis-temas agroflorestais e em manejo florestal comunitário;

• Garantia de comercialização (PAA e Merenda Escolar) para os produtos gerados da explo-ração sustentável da APP e da RL. Também deve ser aplicado um bônus para os produtos da RL e APP, assim como hoje o PAA garante um bônus para os produtos agroecológicos;

• Pagamento por serviços ambientais – As famílias que mantiverem suas florestas em

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pé devem receber um recurso financeiro pelos serviços ecológicos que essas flores-tas prestam à sociedade como um todo, seja limpando o ar de poluentes, seja garantindo os recursos hídricos;Todas essas medidas podem ser tomadas

sem nenhuma alteração no Código Florestal. A única alteração necessária é atualizar a defini-ção de “pequena propriedade”, que está na lei atual, para a definição criada pela Lei da Agri-cultura Familiar, o que terminaria com todos os problemas do Código para nós, agricultores camponeses.

Articulação, Debate e LutaEntretanto, sabemos que não será fácil garan-

tir essas conquistas, principalmente porque os ruralistas querem manter o Código como vilão da agricultura. Por isso, esse próximo período será de lutas articuladas com entidades ambien-talistas, sindicatos e com a sociedade urbana como um todo.

Esse é um importante momento para fazer-mos o debate com a sociedade sobre os modelos em disputa na agricultura brasileira. De um lado, o modelo do agronegócio, que transformou o

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Brasil no maior consumidor de agrotóxicos do mundo, que defende o trabalho escravo, que é contra o código florestal e as florestas. Do outro, a agricultura camponesa, que produz o alimento que a sociedade brasileira come todos os dias, que garante a conservação da natureza e que vem caminhando rumo à agroecologia.

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