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Mara Machado Bichir
A problemtica da dependncia: um estudo sobre a vertente marxista da
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Campinas
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIA POLTICA
Mara Machado Bichir
A problemtica da dependncia: um estudo sobre a vertente
marxista da dependncia
Dissertao de mestrado apresentadaao Instituto de Filosofia e CinciasHumanas da Unicamp para obtenodo ttulo de mestre, na rea de CinciaPoltica, sob a orientao do Prof. Dr.Alvaro Gabriel Bianchi Mendez.
Campinas
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FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PORCECLIA MARIA JORGE NICOLAU CRB8/3387 BIBLIOTECA DO IFCH
UNICAMP
Informao para Biblioteca Digital
Ttulo em Ingls: The problem of dependency: a study of MarxistDependency TheoryPalavras-chave em ingls:MarxismLatin America - Dependency
rea de concentrao: Cincia PolticaTitulao: Mestre em Cincia PolticaBanca examinadora:lvaro Gabriel Bianchi Mendez [Orientador]Theotnio dos Santos JniorArmando Boito JuniorData da defesa: 23-03-2012Programa de Ps-Graduao:Cincia Poltica
Bichir, Mara Machado 1986 -B471p A problemtica da dependncia: um estudo sobre a
vertente marxista da dependncia / Mara Machado Bichir .- - Campinas, SP : [s. n.], 2012.
Orientador: Alvaro Gabriel Bianchi Mendez.Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual deCampinas, Instituto de Filosofia e Cincias Humanas.
1. Marxismo. 2. Amrica Latina - Dependncia.I. Bianchi, lvaro, 1966- II. Universidade Estadual deCampinas. Instituto de Filosofia e Cincias Humanas.III.Ttulo.
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Dedico este trabalho aos meus pais e minha
irm, equilbrio e sustentao de minha existncia,
e ao Fbio, cujo carinho, pacincia e incentivo me
ajudaram a concretizar este projeto.
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Agradecimentos
Aos meus pais, Sidney e Masa e minha irm, Mayara, pelo apoio incondicional
em minhas escolhas e decises, pela presena integral e dedicada em todas as fases de
minha vida, por me impulsionarem e incentivarem, acreditando sempre em mim e no meu
trabalho e pelo amor e carinho desmedidos em todos os momentos, diante de fragilidades,
inseguranas, decepes, mas tambm compartilhando alegrias, conquistas,
amadurecimentos.
Ao Fbio, companheiro querido, por acompanhar de muito perto e mais ainda, por
fazer e por ser parte desse processo de amadurecimento intelectual e de autoconhecimento,
pelo qual passei durante o mestrado. Suas palavras, seu amor, sua confiana me
estimularam a ir alm, a seguir em frente, sou grata pelas conversas, pelos abraos, pelapacincia, pelo tempo dedicado com sinceridade a mim, ao meu trabalho, minha vida.
minha famlia como um todo, avs, tios e tias, primos e primas; ao meu tio
Srgio e minha av Cyrene em particular. Ao meu tio, cujo dilogo e interlocuo
intelectual foram essenciais para o meu desenvolvimento acadmico e para a minha
pesquisa, a leitura atenta, as conversas e reflexes me ajudaram muito ao longo de minha
trajetria, sustentando-me no caminho que eu decidi percorrer. minha av pelo amor,
pela preocupao e pela dedicao incansvel em acompanhar o meu dia-a-dia, mesmo
estando longe, torcendo sempre por mim e pela minha felicidade.
s minhas queridas amigas-irms, Carolina, Lara, Tchella, Luiza, Ana, Juliana,
Patrcia, Natlia, pela profunda e irreparvel amizade. Mesmo distantes, nossa
cumplicidade, identidade e reconhecimento permanecem enraizados em todas e em cada
uma.
Daniela e ao Rodolfo, companheiros de casa e grandes amigos, por dividirem
descobertas, risadas, preocupaes, ansiedades, aflies, nervosismos, surpresas e alegrias e
pelo convvio dirio e intenso durante os primeiros anos de mestrado.
s minhas flores, Ellen, Aldrey e Larissa, descobertas maravilhosas do mestrado.
A amizade das trs tornou a minha vida muito mais leve e alegre. O que seria do mestrado
sem nossas noites regadas a risadas e a pavs?! Sempre dispostas a escutar, a conversar, a
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pensar comigo meus dilemas e dificuldades, minhas indecises, minhas inseguranas. Sou
grata ao seu carinho, compreenso e cumplicidade.
Ao Leonardo e Paulinha, pela amizade e por compartilharem e estarem presentes
em momentos importantes desse processo.
Ao meu orientador, Alvaro Bianchi, pela leitura atenta e pelos comentrios
cuidadosos pesquisa e ao texto, e, sobretudo, pela confiana e pela seriedade
demonstradas em relao ao meu trabalho.
Ao Grupo de Estudos e Pesquisa para Alternativas em Relaes Internacionais
(GARI), grupo dentro do qual me apaixonei pela temtica da Amrica Latina e no qual
compartilhei discusses, debates, estudos, questes, inquietaes e projetos. Meu trabalho
carrega muitos traos desse espao coletivo de reflexo.
Aos membros do grupo de pesquisa Marxismo e Pensamento Poltico, peloenriquecedor debate de ideias, pelos dilogos crticos e construtivos, instigando-me,
despertando-me para temas, questes e problemticas novas. Seu papel teve grande
relevncia em minha pesquisa de mestrado, ao longo de sua trajetria.
Tatiana Prado Vargas e ao Fernando Correa Prado, importantes interlocutores de
minha pesquisa. Os materiais emprestados e sugeridos, as conversas, as leituras, as crticas
e sugestes compuseram o meu trabalho, emprestando-lhe vivacidade.
Aos meus companheiros de militncia, Felipe, Lela, Mari, Dennis e Caio, pela
compreenso e pelo apoio diante das ausncias, mas principalmente, pela energia renovada,
pelos sonhos, anseios e lutas compartilhadas, os quais motivaram verdadeiramente essa
pesquisa. Tatiana Berringer, companheira de militncia e grande amiga, a quem devo o
principal estmulo e incentivo a migrar para o programa de ps-graduao em Cincia
Poltica da UNICAMP.
s pessoas que leram esse trabalho, Fbio, Lara, Tatiana Berringer, Tatiana Prado
Vargas, Srgio, Gabriel, agradeo a disposio, a dedicao, os comentrios e as
contribuies de cada um.
Aos professores Theotnio dos Santos Junior e Armando Boito Junior, por
participarem de minha banca de defesa, pelos comentrios construtivos e por suas
importantes contribuies minha pesquisa.
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professora Rachel Meneguello e ao professor Plnio de Arruda Sampaio Junior,
pelos comentrios, crticas e sugestes em minha banca de qualificao. Agradeo
professora Rachel, ademais, por sua ajuda na conformao do projeto de mestrado, pelas
aulas e pela ateno dedicada em diversos momentos.
Aos funcionrios do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas e da UNICAMP,
por seu trabalho dirio cuidadoso e dedicado.
Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP), pelo
financiamento e pelo apoio minha pesquisa ao longo do programa de mestrado,
garantindo as condies necessrias e desejveis para que tal pesquisa se concretizasse.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq),
pelo financiamento da pesquisa durante o primeiro semestre do mestrado.
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Resumo
O debate em torno da problemtica da dependncia ocupou estudiosos de diversos paseslatino-americanos durante as dcadas de 1960 e 1970, perodo em que as contradies
econmicas e sociais da regio se agudizavam, manifestando-se politicamente na oposiorevoluo - contrarrevoluo. O objeto da presente pesquisa se inscreve justamente nessemomento histrico e reside na anlise do pensamento de Ruy Mauro Marini, VniaBambirra e Theotnio dos Santos, autores que tiveram um papel ativo e relevante nesseprocesso e que aparecem reunidos aqui no que se denomina vertente marxista dadependncia. Intenta-se, nesse estudo, apresentar e sistematizar suas interpretaes acercada dependncia latino-americana; nesse sentido, a dissertao encontra-se estruturada emtrs captulos, cujo marco metodolgico a Histria do Pensamento Poltico: o primeirodeles est dedicado ao estudo das origens da problemtica da dependncia, resgatando osprocessos econmicos, polticos e sociais que marcaram a Amrica Latina naquele perodo,bem como o debate no interior dos estudos sobre desenvolvimento econmico; o segundo
enfoca a conformao da vertente marxista da dependncia, situando-a no contexto maisamplo da Teoria da Dependncia; por fim, o terceiro tem como foco a compreenso dopensamento dessa vertente.
Palavras-chave: Marxismo; Amrica Latina-Dependncia
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Abstract
The debate regarding dependency mobilized scholars from different Latin Americancountries in the decades of 1960 and 1970, when economic and social contradictions
deepened and acquired a political dimension through the opposition between revolution andcounter-revolution. The subject of this thesis is directly related to this period and concernsthe thought of Ruy Mauro Marini, Vnia Bambirra and Theotnio dos Santos, who had anactive and relevant role in the constitution of the Dependency Theory in its Marxistperspective. This work aims to present and systematize their views on Latin Americandependency. As a result, the thesis is divided into three chapters, in which the History ofPolitical Thought has a leading methodological role. The first one discusses both theorigins of dependency, highlighting economic, political and social processes which markedLatin America at that time and the debate around economic development. The followingchapter turns its focus to the emergence of Marxist Dependency Theory in the larger scopeof Dependency Theory. Finally, the third chapter is centered on the comprehension of the
above-mentioned perspective.
Keywords: Marxism; Latin America-Dependency
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SumrioIntroduo ...........................................................................................................................21Captulo 1 A Amrica Latina em transformao: a emergncia da problemtica dadependncia .........................................................................................................................31
1.1 O processo de industrializao .............................................................................. 321.2 A temtica do desenvolvimento e o estruturalismo cepalino ..................................... 341.3 A dcada de 1960: crises e lutas sociais ..................................................................... 421.4 Consideraes finais ................................................................................................... 53
Captulo 2 A constituio da vertente marxista da dependncia: una visin hacia larevolucin............................................................................................................................. 57
2.1 A emergncia da Teoria da Dependncia ............................................................... 572.2 Entre o Brasil e o exlio .............................................................................................. 712.3 Consideraes Finais .................................................................................................. 85
Captulo 3 A caracterizao da dependncia: o caso latino-americano ........................ 873.1 O capitalismo dependente latino-americano: a caracterizao da dependncia ......... 883.2 Perspectivas polticas para a Amrica Latina ........................................................... 117
Concluso ..........................................................................................................................129Referncias Bibliogrficas ...............................................................................................133Anexo I Obras de Vnia Bambirra, Ruy Mauro Marini e Theotnio dos Santos ... 141
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Repito novamente que no sou um crticoimparcial e objetivo. Meus julgamentosnutrem-se nos meus ideais, nos meussentimentos, nas minhas paixes. Possuouma declarada e enrgica ambio: a de
contribuir para a criao do socialismoperuano. Estou profundamente afastado datcnica professoral e do espritouniversitrio (MARITEGUI, 1975[1928], p. XXII).
As virtudes do centro e das classesdominadoras... so a alienao na periferia enas classes dominadas (DUSSEL, s.d., p.62).
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Introduo
A dissertao em questo fruto das atividades desenvolvidas ao longo do
programa de mestrado em Cincia Poltica da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), e, mais ainda, de um acmulo cientfico investigativo cujo impulso est
associado Iniciao Cientfica, a qual teve lugar no programa de graduao em Relaes
Internacionais, na Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP).
Enquanto na pesquisa de iniciao cientfica1 o foco de estudo recaa sobre a problemtica
do subdesenvolvimento e da dependncia latino-americana, temtica cara aos intelectuais
da regio, principalmente durante as dcadas de 1960 e 1970, no mestrado, adota-se como
centralidade a vertente marxista da dependncia o pensamento de Vnia Bambirra, Ruy
Mauro Marini e Theotnio dos Santos -, a qual se constituiu enquanto referencial analtico
para a compreenso daquela problemtica. Assim, a atual investigao se assenta sobre o
estudo da constituio e formulao daquele pensamento, considerando, para isso, os
antecedentes da problemtica da dependncia - o movimento histrico, econmico, poltico
e social a partir do qual tal pensamento gestado -, seus interlocutores intelectuais e
polticos, bem como sua estrutura de pensamento e tem por objetivo apresentar e
sistematizar o pensamento de Marini, Bambirra e Santos, considerando, sobretudo, suas
concepes acerca da problemtica da dependncia.A opo pelo estudo dessa corrente de pensamento se deu em funo de sua
relevncia no debate latino-americano e mundial sobre o desenvolvimento. Por meio de
suas crticas s teorias da modernizao e ao desenvolvimentismo cepalino, tais autores
introduziram, a partir da caracterizao do capitalismo dependente, uma nova perspectiva,
uma nova viso acerca do subdesenvolvimento latino-americano. Embora o pensamento
desses autores tenha se difundido para diversas regies do mundo2, o mesmo encontra
1 A pesquisa desenvolvida durante a iniciao cientfica, sob o ttulo O subdesenvolvimento econmico daAmrica Latina sob a perspectiva da Teoria da Dependncia e de seus crticos, adotou como foco analtico odebate no interior desse pensamento, entre a vertente marxista da dependncia, a partir do pensamento de RuyMauro Marini, e a vertente da dependncia associada, sob a tica da obra Dependncia e Desenvolvimento naAmrica Latina, de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto.2Um estudo sobre a difuso da vertente marxista da dependncia e de outras perspectivas associadas ao que se
denominou como Teoria ou Teorias da Dependncia dever ter lugar no programa de doutorado.Algumas referncias acerca desse debate podem ser citadas: AMIN, Samir. Accumulation on a world scale: acritique of the theory of underdevelopment. New York: Monthly Review Press, 1974; CHILCOTE, Ronald H;
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limitada interlocuo na academia brasileira. Os escritos de Marini, Bambirra e Santos
gozaram de reduzida recepo e repercusso no ambiente acadmico brasileiro, tendo sido
objetos de escassas tradues3, publicaes, interpretaes e anlises no Brasil4.
A hiptese que norteia a presente dissertao se concentra no reconhecimento da
existncia de um grupo relativamente coeso, integrado por Vnia Bambirra, Ruy Mauro
Marini e Theotnio dos Santos, cuja interpretao acerca da problemtica da dependncia
latino-americana possibilita sua classificao enquanto vertente marxista da dependncia.
A periodizao que orientar essa pesquisa abrange o perodo que vai de 1964 a
1973. Tal delimitao temporal se justifica, pois tanto o ano de 1964, ano do golpe militar
no Brasil, quanto o ano de 1973, ano do golpe militar no Chile, representam marcos
decisivos na trajetria intelectual e poltica desses trs autores. Com o golpe militar
EDELSTEIN, Joel C. (Eds.). Latin America: the struggle with dependency and beyond. New York: JohnWiley, 1974; TODARO, Michael P. Economic Development in the Third World. London: Longman, 1977.3 As principais obras de Marini, Bambirra e Santos foram publicadas em espanhol, uma vez que tais autoresviveram, durante um longo perodo de suas vidas, exilados no Chile e no Mxico. Em que pese tal fato,muitas dessas obras foram publicadas e traduzidas para outros idiomas, dentre eles ingls, como o caso deThe errors of the foco theory, de Bambirra, Brazilian Subimperialism e Brazilian Interdependence andLatin American Integration, artigos Marini; italiano, verso italiana do livro El capitalismo dependientelatino-americano e da obra organizada por Bambirra Diez aos de Insurreccin en Amrica Latina, a qual foipublicada sob o ttulo Lesperienza Rivoluzionaria Latino Americana, a traduo para o italiano da obraSubdesarrollo y revolucin, de Marini, com o ttulo Il sottoimperialismo brasiliano, La Crisi del Capitale eProcesso Rivolucionario , de Theotnio dos Santos; francs,Les mouvements tudiants en Amrique Latine ea traduo do livro Subdesarrollo y revolucin para o francs, ambos de Ruy Mauro Marini, Mise au Pointsur la Thorie de la Dependance, de Theotnio dos Santos; e alemo, como o caso de Los errores de lateoria del foco, de Vnia Bambirra, a qual foi editada em livro sob o ttulo Focus und Freiraum: Debray,Brasilien, Linke in den Metropolen. Ver anexo I.4 Nos ltimos cinco anos, tem-se produzido um esforo de resgate no Brasil do debate sobre a Teoria daDependncia, e em especial sobre a vertente marxista da dependncia. Alguns trabalhos que refletem talesforo podem ser aqui citados:CORREA PRADO, Fernando. Histria de um no-debate: a trajetria dateoria marxista da dependncia no Brasil. In: XVI Encontro Nacional de Economia Poltica - Dilemas dodesenvolvimento brasileiro, 2011, Uberlndia. Anais XVI Encontro Nacional de Economia Poltica - Dilemasdo desenvolvimento brasileiro, 2011; CORREA PRADO, Fernando; MEIRELES, Monika. Teoria dadependncia revisitada: elementos para a crtica ao novo-desenvolvimentismo dos atuais governos de centro-
esquerda latino-americanos. In: Rodrigo Castelo Branco. (Org.). Encruzilhadas da Amrica Latina no sculoXXI. 1 ed. Rio de Janeiro: Po e Rosas, 2010, vol. 1, p. 169-190; BUENO, F. M; SEABRA, Raphael. Opensamento de Ruy Mauro Marini e a atualidade do conceito de superexplorao do trabalho. In: IVSimpsio Lutas Sociais na Amrica Latina, 2010, Londrina-PR. Anais do IV Simpsio Lutas Sociais naAmrica Latina, 2010; VARGAS, Tatiana Prado. Particularidades da formao do capitalismo dependentebrasileiro O debate entre Cardoso e Marini. 2009. 111 f. Monografia. BICHIR, M. M.Da CEPAL Teoriada Dependncia: as mutaes de um conceito. In: II Simpsio de Ps-Graduao em Relaes Internacionaisdo Programa San Tiago Dantas, 2009, So Paulo. Anais do II Simpsio de Ps-Graduao em RelaesInternacionais do Programa, 2009; LUCE, Mathias Seibel. La expansin del subimperialismo brasileo.Patria Grande, n.9, p. 48-67, 2008.
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brasileiro, foram exilados do Brasil: Marini refugiou-se no Mxico5, enquanto Bambirra e
Santos encontraram asilo no Chile. Em 1973, com a queda de Salvador Allende mediante
um golpe militar, estes mesmos autores, que viviam no Chile naquele momento, partiram
para o Mxico, em mais uma etapa de sua dispora. Embora a produo desses autores
tenha se estendido para alm desse marco temporal6, precisamente nesse intervalo de
tempo (1964-1973) que esto concentradas as obras seminais daqueles estudiosos, as quais
configurariam suas concepes acerca da problemtica da dependncia.
O marco sobre o qual o presente trabalho se erige est associado aos estudos sobre
Histria do Pensamento Poltico7 e, especialmente, sobre Histria do Pensamento Latino-
americano, na medida em que se debrua sobre a compreenso do pensamento de Vnia
Bambirra, Ruy Mauro Marini e Theotnio dos Santos, autores que conformaram uma das
vertentes da perspectiva que se tornou conhecida como Teoria ou Teorias daDependncia8. Nesse sentido, tal investigao implica no apenas a compreenso do
pensamento em si, seu arcabouo conceitual e terico, mas tambm um esforo de situ-lo
em seu respectivo espao-tempo. Tal esforo, cuja motivao est apoiada na tentativa de
apreenso das complexas dimenses que compem um pensamento, expressa-se no estudo
da realidade histrica - poltica, econmica e social - que o circunscreveu, e,
principalmente, nos efeitos que essa mesma realidade exerceu nas formulaes intelectuais.
5 Ruy Mauro Marini permanece no Mxico at o ano de 1969, quando por motivos polticos forado a umsegundo exlio, dessa vez em Santiago, no Chile.6 Vnia Bambirra publica Teoria de la dependencia: una anticrtica, em 1978, obra na qual a autora faz umbreve balano sobre o contexto histrico de emergncia da Teoria da Dependncia e busca contestaralgumas crticas desferidas contra os estudos associados a essa perspectiva. Ruy Mauro Marini publica Elreformismo y la contrarrevolucin Estudios sobre Chile , obra em que rene diversos artigos escritos entreos anos de 1970 e 1974 sobre o processo poltico chileno durante o governo da Unidade Popular e diversosartigos sobre temticas distintas, seguindo sua agenda de pesquisa sobre a dependncia latino-americana. Nocaso de Theotnio dos Santos, em 1977 o autor rene trs trabalhos seus na obra Imperialismo y dependencia,atualizando algumas questes pertinentes s mudanas da dcada de 1970. Aps esse trabalho, suas produespassam a se caracterizar por uma reformulao em seu pensamento, medida que ele se aproxima dasPerspectivas do Sistema-Mundo, cujos principais autores eram Giovanni Arrighi e Immanuel Wallerstein.Samir Amin e Andr Gunder Frank tambm se somam a tal empreendimento intelectual. Consultar Anexo I.7 Desde o ano de 2009 a aluna integra o grupo de pesquisa Marxismo e Pensamento Poltico, coordenadopelo Prof. Dr. Alvaro Bianchi e integrado ao Centro de Estudos Marxistas (CEMARX), no Instituto deFilosofia e Cincias Humanas da Unicamp. O grupo, formado em 2003, composto por discentes graduandos,mestrandos, doutorandos e docentes, cujas pesquisas esto vinculadas rea temtica de pensamento poltico.Ao lado da linha de pesquisa de Pensamento Poltico Italiano, foi inaugurada, no incio de 2011, a linha depesquisa Pensamento Poltico Latino-americano, dentro da qual se produziram intensas discusses e reflexesque contriburam, em grande medida, para a concretizao dessa pesquisa.8 As denominaes Teoria da Dependncia e Teorias da Dependncia aparecem entre aspas na medida em queso objetos de debates no apenas entre os prprios autores associados a essa perspectiva, mas tambm entreos estudiosos desse pensamento. Tal problemtica ser objeto de anlise no segundo captulo.
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Ao mesmo tempo em que tal pensamento deve ser apreendido a partir do passado, do
momento em que se gestava (condies e circunstncias particulares daquele tempo), no
se pode prescindir das motivaes e necessidades presentes, as quais impulsionam a
escolha por pesquisar tal objeto.
Segundo Neal Wood (1978), estudioso marxista da histria do pensamento
poltico, apesar das especificidades histricas que circunscrevem os tericos polticos
passados, existem similaridades, pontos comuns entre os homens, que transcendem o
contexto imediato, tornando seu pensamento poltico inteligvel aos perodos posteriores.
Joseph V. Femia (1988), por sua vez, descreve o mesmo fenmeno a partir da ideia de
perenidade ou recorrncia de questes e problemticas ao longo do tempo, fenmeno que
expressa a existncia de vnculos entre presente e passado. Nesse sentido, o estudo de um
pensamento poltico, como o pensamento dos estudiosos da dependncia, formulado eerigido em um dado momento histrico, pde produzir efeitos e influenciar as
interpretaes e as formulaes posteriores.
A identificao dos vnculos existentes entre passado e presente, a partir do estudo
das ideias e do pensamento poltico dos intelectuais e tericos -, concretiza-se mediante
um olhar sobre o contexto social especfico em que tal pensamento se constituiu9. Como
sugere Wood (1978), a partir do estudo do contexto social imediato em que tais tericos
viveram que pode ser traada a pertinncia ou impertinncia de suas anlises e
interpretaes para a realidade presente. Um exame atento da construo histrica de um
pensamento evita que conceitos criados em tempos passados, que refletiram a prxis
poltica de seu momento histrico, sejam traduzidos de maneira indistinta ou incoerente
para a realidade contempornea. A abstrao da teoria de seu contexto histrico pode
implicar a perda da dimenso poltica da teoria, a qual possui um papel de profunda
relevncia por representar o retorno da historicidade abstrata historicidade concreta
(WOOD, 1978).
A reconstituio histrica de um pensamento poltico, alm de se fundamentar
numa abordagem do contexto poltico, social e econmico no qual tais ideias eram
produzidas, assenta-se numa discusso acerca dos intelectuais10, responsveis pela
9 Para um estudo mais aprofundado sobre essa questo, consultar Quentin Skinner (1988).10 Um importante estudo acerca dos intelectuais sua constituio, seu papel e seu carter de classe - estpresente no caderno 12 dos Cadernos do Crcere, de Antonio Gramsci (2000).
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formulao de concepes e perspectivas tericas, as quais constituem um pensamento
poltico. Tal discusso se refere, principalmente, viso de mundo que orienta as
elaboraes tericas de um intelectual, a qual est, por sua vez, relacionada interao
objetiva e subjetiva que esses pensadores estabelecem com sua realidade prtica e concreta.
Na descrio de Lucien Goldmann (1979), essa viso, que se manifesta no processo de
produo de conhecimento, consiste em um conjunto de aspiraes, sentimentos, ideias
que rene os membros de um grupo e os opem aos outros grupos (GOLDMANN, 1979,
p. 20). A viso ou concepo de mundo, produto da prxis dos grupos sociais que
compem a sociedade, encontra materialidade nas elaboraes tericas, nas opes e
prticas polticas dos intelectuais, uma vez que a apreenso da realidade concreta mediada
pela concepo de mundo dos sujeitos histricos em questo.
O pensador materialista e dialtico sabe que h uma tendncia perigosa,sobretudo nas cincias humanas, a fazer abstrao da ao do sujeito e a encararas leis do mundo social atual como definitivas e eternas, conhece o perigo dereduzir tudo quantidade e sobretudo o homem razo e ao pensamentoconscientes, sabe tambm que uma experincia, uma correlao isolada de seucontexto, nada prova mesmo que se possa repeti-la vrias vezes com um certonmero de variaes possveis, que fatos anlogos tm, em contextos diferentes,significados exatamente contrrios e que quando se trata de fatos humanos, seuestudo s tem valor na medida em que se os enquadra no conjunto dinmico dasrelaes sociais e histricas de que fazem parte (GOLDMANN, 1979, p. 49).
Nesse sentido, questionamentos associados posio dos intelectuais em relaos principais questes, problemticas e conflitos de seu tempo, orientao poltica contida
em seu pensamento e influncia prtica que suas formulaes tiveram na realidade,
orientam o estudo da vertente marxista da dependncia em todo o curso dessa pesquisa.
Considera-se, ademais, a relao dialtica entre sujeito e objeto na produo de
conhecimento cientfico nos dois nveis que estruturam a presente investigao: a interao
entre o pesquisador e seu objeto de pesquisa, no caso a vertente marxista da dependncia; e
entre tal pensamento e seu objeto analtico a dependncia latino-americana. Adota-se aqui
a perspectiva de que o sujeito da pesquisa, no decorrer do processo investigativo, estabelece
uma relao ativa diante de seu objeto, analisando-o a partir de seu olhar, mediado por sua
concepo de mundo, ao mesmo tempo em que questionado, influenciado e instigado pelo
mesmo objeto.
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Para alm desses elementos, o estudo do pensamento da vertente marxista da
dependncia se inscreve, sobretudo, em um campo mais amplo de anlise, qual seja o do
Pensamento Latino-americano, sem o qual sua compreenso no poder se concretizar,
seno de maneira incompleta. Ao se dedicarem reflexo e interveno sobre a Amrica
Latina, tais autores encontram interlocuo nas diversas esferas do pensamento produzido
na regio. Marini, Bambirra e Santos so influenciados e, ao mesmo tempo, dialogam e
debatem criticamente com uma srie de autores que tiveram suas vidas marcadas pelo
esforo de pensar as complexidades dessa regio, seja no mbito da investigao cientfica,
seja no seio de organizaes polticas. Em meio a um contexto de profunda polarizao e
radicalizao poltica, que deu a tnica das dcadas de 1960 e 1970 na Amrica Latina, tais
autores se viram impelidos a se posicionar terica e politicamente frente aos dois caminhos
que se abriam para os pases da regio revoluo e contrarrevoluo. Apoiados noreferencial terico marxista, fundamentalmente nas interpretaes de Marx acerca do
capitalismo, de Lnin, sobre o imperialismo, Marini, Bambirra e Santos se incorporaram
aos debates em torno do desenvolvimento latino-americano, que estavam sendo travados
desde o incio da dcada de 1950. Os autores teceram crticas s concepes
desenvolvimentistas formuladas no interior da Comisso Econmica para a Amrica Latina
(CEPAL) e do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), bem como s
interpretaes de setores da esquerda latino-americana acerca da realidade latino-americana
e s implicaes polticas da advindas, como as orientaes defendidas pelos Partidos
Comunistas latino-americanos e a estratgia foquista de revoluo11, e propuseram uma
nova viso acerca da dade desenvolvimento/subdesenvolvimento, fundamentada na
compreenso da problemtica da dependncia, a qual condiciona a realidade concreta
latino-americana.
Ao adotarem como foco de investigao a dependncia latino-americana, os
autores da vertente marxista da dependncia enfrentam uma dificuldade analtica presente
nos estudos que elegem a Amrica Latina como objeto de pesquisa, qual seja o carter
problemtico de sua unidade (cf. ARIC, 1987, p. 419-420). Embora diversos autores e
estudos tenham atribudo regio um carter unitrio, ressaltando elementos que afirmam a
11 Uma anlise das crticas imputadas por Marini, Bambirra e Santos a tais concepes ter lugar no terceirocaptulo.
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identidade comum existente entre os diversos pases latino-americanos, seu passado
histrico, seus processos polticos e econmicos compartilhados, o carter controverso e
questionvel dessa opo terico-metodolgica continua a irromper. De acordo com Jos
Aric, uma anlise pautada na concepo de Amrica Latina como um complexo social
nico pode incorrer na subestimao dos nveis de problematicidade que circunscrevem
tal regio, bem como em uma tipologia de corte sociolgico que destrua ou silencie o
tecido nacional em que as histrias diferenciadas das classes operrias e populares latino-
americanas se constituram como tais (ARIC, 1987, p. 419). Tal anlise pode adquirir
um carter extremo, medida que as especificidades atinentes a cada formao social
latino-americana sejam sobrepujadas pela narrativa de uma Amrica Latina homognea, a
qual ganhe forma enquanto ente abstrato.
De maneira semelhante, porm no outro extremo, anlises que se fundamentamnas singularidades histricas, sociolgicas, econmicas, polticas e culturais de cada pas,
sem, contudo, consider-las em um todo mais amplo, esto sujeitas a uma miopia analtica,
cujas consequncias podero ser sentidas em sua prpria capacidade explicativa. Segundo
Aric, tais estudos no so capazes de explicar o porqu da persistncia e da reafirmao da
temtica da unidade latino-americana. Para ele, a existncia de um sentimento latino-
americano virtual ou latente demonstra que tal unidade no se restringe a um dado
geogrfico ou histrico (ARIC, 1987, p. 420). Nesse sentido, pensar a Amrica Latina
enquanto unidade pode adquirir, ademais, um carter poltico, uma vez que, por meio de tal
afirmao, possvel lanar luz sobre os laos comuns entre as sociedades da regio e
evidenciar os problemas econmicos, sociais e polticos por elas enfrentados, os quais
podem vir a ser superados a partir de sua unidade para e em torno de uma luta coletiva, que
envolva toda a regio. E justamente essa perspectiva que orienta os estudos de Marini,
Bambirra e Santos sobre a realidade da regio latino-americana.
Os autores da vertente marxista da dependncia reconhecem a problemtica
unidade/especificidade contida na anlise da Amrica Latina e buscam enfrent-la aliando
estudos que privilegiam a Amrica Latina enquanto unidade a estudos de caso sobre a
realidade de alguns pases latino-americanos, dentre eles Brasil, Chile e Cuba. Embora os
estudos empricos e as tipologias formuladas sobre as particularidades dos processos que
tiveram lugar nos pases latino-americanos ganhem relevncia dentro do conjunto da obra
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desses autores, o que se sobressai a anlise do fenmeno da dependncia, fenmeno
comum regio, que abrange e impacta todos os pases latino-americanos de maneira
profunda. Em semelhante medida, a superao de tal condio pensada a partir de uma
luta revolucionria das classes trabalhadoras latino-americanas. Assim, a afirmao da
unidade continental no mbito dos estudos da vertente marxista da dependncia alcana
uma dimenso essencialmente poltica.
Dada a amplitude e a complexidade das questes tratadas por Marini, Bambirra e
Santos no perodo analisado, a dissertao se restringe interpretao que os autores
fizeram do fenmeno da dependncia latino-americana, considerando, para isso, os
elementos fundamentais a tal anlise. Nesse sentido, a dissertao est estruturada em trs
captulos. No primeiro deles, so abordados os antecedentes emergncia das anlises
sobre a dependncia. Nessa seo tem lugar um resgate do contexto histrico do processode industrializao na Amrica Latina e do debate no interior dos estudos sobre
desenvolvimento econmico12. Este captulo abrange ainda um breve panorama acerca da
crise do capitalismo dependente e das lutas sociais que marcaram a dcada de 1960, as
quais produziram efeitos na trajetria intelectual latino-americana. Busca-se, nesse captulo,
mapear o pano de fundo sobre o qual as anlises da dependncia se edificaram, os
movimentos histricos do perodo, os debates tericos e polticos e as questes concretas
que estavam colocadas naquele momento, todos esses elementos reunidos transmitem a
tnica da efervescncia que caracterizava o pensamento latino-americano em meio quele
contexto.
O segundo captulo, por sua vez, est dedicado conformao da vertente marxista
da dependncia. Discute-se, inicialmente, a emergncia da Teoria da Dependncia, plano
mais amplo dentro do qual est inserido o objeto de pesquisa em questo, problematizando
a classificao e diviso no interior desses estudos, assim como o estatuto terico atribudo
12 As teorias do desenvolvimento constituem objeto de reflexo nesse captulo, na medida em que tiveram umimportante papel na conformao da vertente marxista da dependncia. Discutem-se, inicialmente, as teoriasda modernizao, a partir de autores como W. W. Rostow e William Arthur Lewis, com o intuito decaracterizar a tradio que se constitua como mainstream no campo intelectual sobre desenvolvimento e aquem a Comisso Econmica para a Amrica Latina (CEPAL) desferiu algumas de suas crticas. Em seguida,passa-se ao estudo do pensamento cepalino, ou estruturalismo latino-americano, essencial para a compreensodo pensamento de Marini, Bambirra e Santos. Suas crticas teoria econmica clssica das vantagenscomparativas de David Ricardo, assim como sua originalidade ao pensar a problemtica dosubdesenvolvimento latino-americano a partir da realidade concreta da regio, em suas especificidades eparticularidades, exerceram profunda influncia nas formulaes daqueles autores.
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a esta tradio intelectual. Em seguida, intenta-se traar um panorama da trajetria
intelectual e poltica de Ruy Mauro Marini, Vnia Bambirra e Theotnio dos Santos,
autores da vertente marxista da dependncia, na medida em que suas produes intelectuais
e suas vises de mundo guardam intrnseca relao com suas experincias vividas.
O terceiro captulo est destinado anlise propriamente do pensamento de
Marini, Bambirra e Santos. Busca-se apresentar e sistematizar suas reflexes, interpretaes
e estudos sobre o capitalismo dependente latino-americano, presentes em suas obras
produzidas no perodo entre 1964 e 1973, dando relevo conceituao, periodizao e
tipologia da dependncia desenvolvida por aqueles autores, bem como aos elementos que
conferem unidade a essa vertente. Identificam-se, sucintamente, na ltima seo deste
captulo, as perspectivas polticas para a Amrica Latina indicadas pela vertente marxista
da dependncia em seus escritos. Finalmente, na concluso, esboa-se um sucinto balanodos argumentos desenvolvidos ao longo do texto.
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Captulo 1 A Amrica Latina em transformao: a emergncia da
problemtica da dependncia
A constituio da vertente marxista da dependncia est inscrita em um momentohistrico de profundas mudanas no sistema internacional, mudanas essas que se
manifestaram concretamente tanto nas dimenses poltica, econmica e social latino-
americanas13, quanto na efervescncia intelectual produzida nessa mesma regio. Se por um
lado as duas grandes guerras mundiais e, principalmente, a crise de 1929 significaram a
reestruturao das economias desses pases, por outro impulsionaram debates intensos
acerca da temtica do desenvolvimento/subdesenvolvimento, conjugando a emergncia de
um olhar propriamente latino-americano realidade que tinha lugar naquele perodo. As
mudanas instauradas a partir desse perodo abrem uma nova fase na Amrica Latina,
caracterizada pelo processo de industrializao, a qual avana at meados da dcada de
1960, quando reconfiguraes na ordem mundial, articuladas aos limites e problemticas
internas aos pases da regio repercutem em uma profunda crise do capitalismo dependente
latino-americano, crise essa que se manifesta politicamente na polarizao entre revoluo
e contrarrevoluo.
Em meio complexa conjuntura que vivia a Amrica Latina, marcada por
possibilidades e incertezas, e s discusses poltico-tericas dela emergidas,desenvolveram-se as anlises sobre a problemtica da dependncia, as quais buscaram
responder s questes que estavam colocadas na trajetria histrica da regio. Quais as
razes do subdesenvolvimento nos pases latino-americanos? Quais as perspectivas futuras
para suas economias e sociedades? Os levantes sociais que se multiplicavam desde finais da
dcada de 1950 conduziriam estruturao de uma nova ordem latino-americana? Essas e
diversas outras temticas envolviam as mentes daqueles que se debruavam sobre a anlise
da realidade que os circunscrevia, motivando discusses intelectuais e tericas acaloradas,e, mais ainda, fortes embates polticos.
13 Adota-se aqui a perspectiva da Amrica Latina como um todo, ainda que heterogneo, na medida em que sebusca ressaltar o compartilhamento de um passado colonial e de sua insero na diviso internacional dotrabalho comuns e afirm-la como regio no apenas geogrfica, mas, fundamentalmente poltica.
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1.1 O processo de industrializao
O perodo que se estende do incio da Primeira Guerra Mundial at o final da
dcada de 1950 est associado a modificaes no padro de comrcio internacional, as
quais implicaram repercusses nas estruturas polticas e econmicas dos pases latino-
americanos. O contexto da Primeira Guerra significou para tais pases a reduo da
demanda por seus produtos primrios no mercado internacional, o fim dos investimentos
diretos14 da Europa na Amrica Latina e a cobrana de dvidas relacionadas a emprstimos
feitos pelos pases europeus, o que se refletiu em dois desequilbrios na regio: i) na queda
no valor absoluto do comrcio, a qual implicou numa diminuio das receitas de exportao
e no declnio dos ingressos de capital; ii) no desajuste interno, provocado pela queda da
receita do Estado (BULMER-THOMAS, 2005). Tais movimentos instauraram uma crisefinanceira interna em muitas economias latino-americanas, visto que suas estruturas
produtivas estavam voltadas quase que exclusivamente para a exportao de bens
primrios. De acordo com Celso Furtado,
(...) o brusco colapso da capacidade para importar, a contrao do setorexportador e sua baixa rentabilidade, a obstruo dos canais de financiamentointernacional, provocados pela crise de 1929, modificaram profundamente oprocesso evolutivo das economias latino-americanas, particularmente daquelasque se haviam iniciado na industrializao (FURTADO, 1970, p. 135).
Deste modo, a crise de 1929, atrelada aos efeitos das duas grandes guerras
mundiais, estimulou a reorientao do comrcio internacional latino-americano15,
produzindo forte impacto no processo de industrializao de pases como Argentina, Brasil,
Chile, Colmbia, Mxico (FURTADO, 1970, p. 123-144). nesse contexto que tem lugar
o impulso industrializao por substituio de importaes na Amrica Latina16.
14 Os investimentos diretos, nesse perodo, estavam concentrados fundamentalmente nos setores deinfraestrutura dos pases da Amrica Latina, em geral em atividades vinculadas exportao - transportes,energia eltrica.15 A anlise realizada por Ral Prebisch, no interior da CEPAL, sobre tal momento histrico est assentada nacaracterizao da mudana de direo do crescimento e do desenvolvimento latino-americano: as economiaslatino-americanas passam de um crescimento econmico voltado para fora, orientado pelo aumento dasexportaes, para um desenvolvimento direcionado para dentro, uma vez que seu fator passa a ser aindustrializao (PREBISCH, 1986 [1949], p. 481).16 O processo de industrializao havia se iniciado em alguns pases da Amrica Latina no final do sculoXIX, induzido pela expanso das exportaes desses pases (FURTADO, 1970, p. 131-132).
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A poltica de industrializao, ancorada no modelo de substituio de importaes,
comeou a ser implementada no final da dcada de 1920, tendo sido viabilizada, dentre
outros fatores, pela mudana ocorrida no setor de exportaes no incio do sculo XX.
Naquele momento, estimulou-se uma transferncia dos ganhos de produtividade do setor
exportador para a economia no exportadora, o que permitiu o desenvolvimento de
manufaturas direcionadas para o mercado interno e, posteriormente, a substituio de
importao de bens de consumo. Tal processo se caracteriza, segundo Furtado, pelo (...)
aumento da participao da produo industrial destinada ao mercado interno no produto
interno bruto em condies de declnio da participao das importaes no produto
(FURTADO, 1970, p. 135).
Com o advento da II Guerra Mundial tem lugar um aprofundamento daquele
processo. Na medida em que a crescente demanda por bens primrios refletiu um aumento
das exportaes latino-americanas, foi possvel um acmulo de reservas na regio, reservas
essas que foram empregadas nos setores industriais daqueles pases. De acordo com
Donghi, esse evento teve um papel ainda maior do que a crise de 1929 no estmulo
proporcionado ao processo de industrializao na regio (DONGHI, 1976, p. 380-381).
Cumpre salientar que a substituio de importaes na regio, apesar de constituir
uma experincia comum a determinados pases latino-americanos, no se deu de maneira
homognea, nem concomitante. Tal fato se deve s peculiaridades internas de cada pas,
que determinavam a dinmica e a configurao das economias nacionais, o que se refletiu
nos diferentes nveis de industrializao e na participao das manufaturas no Produto
Interno Bruto (PIB) de cada pas. Fatores como o nvel de integrao no comrcio
internacional, de dependncia da importao de alimentos e de matrias-primas, a
capacidade e o potencial de crescimento da demanda, e a ao do Estado influenciaram o
ritmo e a intensidade do processo de substituio nos pases latino-americanos
(FURTADO, 1970, p. 131-141).Ao mesmo tempo em que a profunda depresso de 1929 assolou o sistema
internacional de naes, produzindo grandes transformaes nas economias de cada pas e
em seu comrcio internacional, ela foi responsvel por introduzir questionamentos ao
pensamento econmico vigente e dominante at aquele momento. O liberalismo clssico,
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que havia conduzido s escolhas e s orientaes econmicas dos pases ao longo de quase
dois sculos, criticado e atacado em suas principais bases, e substitudo pelas ideias e
pressupostos do pensamento keynesiano emergente17. Os princpios do livre-comrcio, da
autorregulao da economia, do papel coadjuvante do Estado nos ordenamentos
econmicos, do laissez-faire cedem espao a polticas de revalorizao do papel do Estado,
demonstradas no retorno do intervencionismo e do protecionismo econmico.
Em meio a esse contexto de transformaes, dentro do qual tem impulso o
processo de industrializao nos pases latino-americanos, adquire relevo a temtica do
desenvolvimento na Amrica Latina. Os debates, que at aquele momento se estruturavam
em torno de interpretaes produzidas na Europa e nos Estados Unidos18, passam a refletir
formulaes essencialmente latino-americanas, fundamentadas em um esforo de reviso
crtica das anlises dominantes presentes nos estudos sobre desenvolvimento econmico aolongo das dcadas de 1940 e 1950.
1.2 A temtica do desenvolvimento e o estruturalismo cepalino
A temtica do desenvolvimento comea a assumir contornos no final da II Guerra
Mundial, em um contexto no qual a problemtica do desenvolvimento econmico dos
pases subdesenvolvidos passa a constituir objeto de estudo e de preocupao de governos e
da intelectualidade europeia e estadunidense (AGARWALA; SINGH, 1969, p. 10). No
interior desse movimento, trabalhos como os de Walt Whitman Rostow (1969; 1974) e o de
William Arthur Lewis (1960), publicados na dcada de 1950, notabilizaram-se entre os
demais escritos e conformaram, ao lado das obras de Ragnar Nurkse (1957) e de Paul N.
17 A crise do pensamento econmico liberal se manifesta na emergncia de teorias que se contrapem sideias at ento dominantes, na figura de John Maynard Keynes, na dcada de 1930, na Inglaterra e de RalPrebisch e Celso Furtado, entre o final da dcada de 1940 e incio da dcada de 1950, na Amrica Latina.18 Faz-se referncia aqui s interpretaes sobre o desenvolvimento associadas tanto Economia PolticaClssica, de David Ricardo (1996 [1817]), quanto ao pensamento de estudiosos das denominadas Teorias doDesenvolvimento ou Teorias da Modernizao, como Walter Whitman Rostow (1969; 1974) e WilliamArthur Lewis (1960).
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Rosenstein-Rodan (1969), uma tradio de pensamento que se tornou conhecida como
Teoria(s) do Desenvolvimento ou Teoria(s) da Modernizao19.
No modelo formulado por Rostow, o processo de desenvolvimento econmico est
associado a um conjunto de etapas - a sociedade tradicional; as precondies para o
arranco20; o arranco21; a marcha para a maturidade; e a era do consumo de massa e
conformidade com algumas condies, quais sejam:
(...) um aumento na taxa de investimento produtivo; o desenvolvimento de um oumais setores manufatureiros importantes com elevada taxa de crescimento; aexistncia ou surgimento rpido de uma estrutura poltica, social e institucionalque explore os impulsos de expanso do setor moderno e os possveis efeitos daseconomias externas para a decolagem e que conceda ao crescimento um carterde processo contnuo (ROSTOW, 1974, p. 16).
William Arthur Lewis, ao se propor a investigar (...) at que ponto as variaes
que ocorreram nos pases mais ricos quando se desenvolveram podem repetir-se nos pases
mais pobres, se se desenvolverem (1960, p. 22), identifica a existncia de causas imediatas
ao desenvolvimento: esforo para economizar; aumento do conhecimento e de sua
aplicao; expanso do volume de capital ou de recursos outros por habitante, bem como
enfatiza a necessidade de compatibilizao de instituies e crenas ao desenvolvimento
econmico (LEWIS, 1960, p. 13-14).
Um breve contato com a tradio bibliogrfica supramencionada permite entrevernuances analtico-explicativas entre os autores, nuances essas que no impedem o
agrupamento desses estudiosos em um mesmo conjunto de pensamento, visto que as
19 H na literatura acadmica sobre desenvolvimento, distintas denominaes atribudas aos autores quedebatem a temtica do desenvolvimento econmico durante as dcadas de 1940 e 1950. Em algumas, como ade Ruy Mauro Marini e a de Theotnio dos Santos, os autores aqui citados so apresentados comorepresentantes da teoria do desenvolvimento, ao lado de outros autores como Gunnar Myrdal (1957), FranoisPerroux (1964) e Albert Hirschman (1961); em outras, esses mesmos autores integram o que se intitula porteorias da modernizao (CHIROT; HALL, 1982), na medida em que suas obras compartilham o mesmoobjeto de preocupao, qual seja a passagem de sociedades tradicionais ou arcaicas para sociedades
modernas. Nessa perspectiva, so includos autores oriundos da Cincia Poltica estadunidense como GabrielA. Almond (1960) e James S. Coleman (1960); Seymour M. Lipset (1966), Samuel P. Huntington (1968),entre outros.20 O termo take-off, utilizado por Rostow , traduzido para o portugus ora como decolagem, ora comoarranco (ou arranque).21 O arranco, ou decolagem, definido por W. W. Rostow como sendo o (...) perodo durante o qual a taxade investimento cresce de tal modo que aumenta o produto real per capita, o que por sua vez, possibilitatransformaes radicais nas tcnicas de produo e na disposio das correntes de renda que mantm a novaescala de investimento, perpetuando, assim, a tendncia crescente do produto per capita (ROSTOW, 1969, p.159-160).
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similitudes tericas, metodolgicas e ideolgicas so muito mais contundentes e
expressivas. Embora cada autor se debruce sobre situaes e aspectos especficos do
desenvolvimento, como a anlise de Rostow sobre a passagem de uma etapa outra de
desenvolvimento (ROSTOW, 1969; 1974), ou o estudo empreendido por Lewis acerca do
desenvolvimento econmico com oferta ilimitada de mo de obra (LEWIS, 1969),
vislumbram-se notveis convergncias entre eles no que tange ao entendimento dos
fenmenos do desenvolvimento e do subdesenvolvimento.
O desenvolvimento, na perspectiva dos tericos do desenvolvimento,
concebido como sinnimo de crescimento econmico e pode ser avaliado e medido a partir
dos indicadores socioeconmicos de cada pas. A condio de subdesenvolvimento, por sua
vez, atribuda s debilidades internas econmicas, sociais e polticas desses mesmos
pases, explicitadas no texto de Lewis, como a escassez de capital, a instabilidade dasinstituies, a insuficincia tecnolgica, entre outras (LEWIS, 1960, p. 25). Outra
semelhana fundamental diz respeito ao ponto de partida compartilhado por estes autores,
qual seja a viso de mundo e da realidade concreta expressa em suas obras, cujos
fundamentos se ancoram em experincias e modelos de desenvolvimento prprios dos
pases industrializados e desenvolvidos. Nesse sentindo, os pases subdesenvolvidos so
analisados a partir das mesmas chaves explicativas utilizadas para a compreenso do
desenvolvimento dos pases industrializados.
A influncia que o debate acerca do desenvolvimento e da modernizao dos
pases subdesenvolvidos, gestado no pensamento europeu e estadunidense, exerceu no
pensamento latino-americano explicita-se nas concepes produzidas no mbito da
Comisso Econmica para a Amrica Latina (CEPAL), comisso regional criada pela
Organizao das Naes Unidas (ONU), em 1948, em um contexto de reestruturao da
ordem internacional, conduzida pelos Estados Unidos, potncia vitoriosa das duas grandes
guerras mundiais.
A origem da CEPAL est estreitamente vinculada a um processo mais amplo, de
consolidao da hegemonia estadunidense, em que os Estados Unidos tomaram para si a
tarefa de re-estruturar a economia capitalista mundial, o que implicou um esforo para
normalizar o funcionamento do mercado mundial e para ampliar o escopo de sua
acumulao de capital (MARINI, 1977b, p.1). Conjugado reestruturao capitalista,
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colocava-se para os Estados Unidos a necessidade de manuteno de uma relativa
estabilidade na ordem mundial, como ressalta Wallerstein (2003, p. 74). Como resposta a
essas problemticas, tal pas participou ativamente da criao de instituies internacionais
como o Fundo Monetrio Internacional (FMI), o Banco Mundial, o Banco Internacional de
Reconstruo e Desenvolvimento (BIRD), em 1944, (WALLERSTEIN, 2003) e o Acordo
Geral sobre Tarifas e Comrcio (GATT), bem como da estruturao, a partir da ONU, de
comisses econmicas regionais, movimento no qual a CEPAL est inserida, ao lado da
Comisso Econmica para a Europa e da Comisso Econmica e Social para a sia e o
Pacfico22. Embora criada em meio a esse contexto, a CEPAL assume contornos distintos
daqueles propugnados pelos Estados Unidos, na medida em que adquire certa autonomia
em relao ao projeto segundo o qual havia sido gestada. Esse movimento ressaltado por
Ruy Mauro Marini:
Su objetivo era estudiar los problemas regionales y proponer polticas dedesarrollo. En realidad, la misin fundamental atribuda a esas comisiones fue lade ser agencias de elaboracin y difusin de la teora del desarrollo, en elcontexto de la poltica de domesticacin ideolgica que los grandes centroscontrapusieron a las demandas y presiones de lo que vendra a llamarse de TercerMundo.
Dando inicio formalmente a sus trabajos en 1948, en Santiago de Chile, la Cepalno rehuye la misin que le haba sido confiada, pero, lejos de limitarse a la meradifusin, asume el papel de verdadera creadora de ideologa, una vez que trata
de captar y explicar las especificidades de Amrica Latina (MARINI, 1994, grifosmeus).
Instalada em Santiago, capital do Chile, a CEPAL23 se deparou com uma Amrica
Latina em plena transformao, realidade essa que imputaria traos originais construo
de uma nova tradio de pensamento. Estudiosos como o argentino Ral Prebisch, o
brasileiro Celso Furtado e o chileno Anbal Pinto, entre outros importantes economistas
latino-americanos, reunidos em torno da CEPAL, debruaram-se sobre os processos de
industrializao e urbanizao em curso em alguns pases da Amrica Latina, ao mesmo
22 As comisses econmicas regionais aqui mencionadas foram criadas pela ONU nos anos de 1947(Comisso Econmica para a Europa e Comisso Econmica e Social para a sia e o Pacfico) e de 1948(Comisso Econmica para a Amrica Latina). Posteriormente, so criadas a Comisso Econmica para africa, em 1958 e a Comisso Econmica e Social para a sia Ocidental, em 1973.23 No se pretende realizar aqui uma anlise pormenorizada da constituio da CEPAL, de sua estruturainterna, de seus integrantes e de sua evoluo ao longo do tempo. No primeiro volume da obra autobiogrficade Celso Furtado (1997), possvel encontrar uma narrativa detalhada dos elementos acima pontuados.
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tempo em que se confrontaram com questes e problemticas, como as relaes entre
industrializao e comrcio exterior, problema que, segundo Furtado, (...) mais
preocupava na poca, e que no podia ser eludido (FURTADO, 1997 , p.149).
A CEPAL, ao apreender esse processo de transformao latino-americana e
express-lo em suas anlises e documentos cumpriu, segundo Ricardo Bielschowsky, um
papel importante na Amrica Latina. Em um contexto marcado por (...) um certo
descompasso entre a histria econmica e social e a construo de sua contrapartida no
plano ideolgico, em que (...) a defesa do desenvolvimento pela via da industrializao se
encontrava insuficientemente instrumentalizada de um ponto de vista analtico, a
teorizao cepalina se configurou como (...) verso regional da nova disciplina que se
instalava com vigor no mundo acadmico anglo-saxo na esteira ideolgica da hegemonia
heterodoxa keynesiana, ou seja, a verso regional da teoria do desenvolvimento
(BIELSCHOWSKY, 2000, p. 24).
Estruturada com o intuito de analisar a crise de 1929 e as mudanas econmicas
continentais advindas da I e II Guerras Mundiais, a CEPAL progrediu, posteriormente, para
um estudo sobre as causas e as formas de instalao e expanso do subdesenvolvimento
(FIORI, 2001), inserindo-se, dessa forma, no debate sobre o desenvolvimento econmico.
Embora adotassem como ponto de partida estudos e formulaes realizados por
economistas estadunidenses e europeus, vinculados tradio da Modernizao24
(MARINI, 1992, p. 73), os estudiosos cepalinos teceram crticas contundentes a esse
referencial analtico a partir da adoo de uma metodologia assentada no mtodo histrico-
estrutural.
Centrado na ideia de uma concepo totalizante da realidade, o mtodo
histrico-estrutural se caracterizava como abstrato e histrico ao mesmo tempo
(SUNKEL; PAZ, 2005 [1970], p. 5), o que foi elucidado de maneira clara e sinttica por
Celso Furtado, no prefcio de sua obra clssicaDesenvolvimento e Subdesenvolvimento,
A necessidade de diagnosticar a problemtica de sistemas econmicos nacionais,em fases diversas de subdesenvolvimento, levou-o [o autor] a aproximar a
24 Um trao marcante dessa herana intelectual no pensamento cepalino pode ser vislumbrado na persistnciado dualismo estrutural na anlise das economias latino-americanas, o que evidenciado por Francisco deOliveira, em Crtica razo dualista, de 1973.
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Anlise Econmica do mtodo histrico. O estudo comparativo de problemassimilares, no plano abstrato, em variantes condicionadas por situaes histricasdiversas e em distintos contextos nacionais, induziu-o [o autor] a adotar umenfoque estrutural dos problemas econmicos (FURTADO, 1965, p. 13, grifosmeus).
Tal opo metodolgica estava relacionada crena de que
() los esfuerzos para lograr una interpretacin de la realidad latino-americanaque llegue a un mayor grado de concrecin, debera conducir a la elaboracin deuna tipologa que identifique los trazos comunes e indique al mismo tiempo concierta concrecin y rigor sus evidentes particularidades estructurales, las cualescondicionan evoluciones diferenciadas y, por consiguiente, polticas de desarrollodiferenciadas tambin (SUNKEL; PAZ, 2005 [1970], p. 5).
Nesse sentido, autores como Ral Prebisch, Celso Furtado, dentre outros,
desenvolveram seus estudos acerca do subdesenvolvimento e do processo deindustrializao latino-americana pautados em um esforo de apreenso da realidade
particular da regio, a partir de sua situao histrica concreta (SUNKEL; PAZ, 2005
[1970]). Uma expresso desse esforo se manifesta na prpria concepo cepalina de
subdesenvolvimento, elucidada por Celso Furtado:
O subdesenvolvimento no constitui uma etapa necessria do processo deformao das economias capitalistas modernas. , em si, um processo particular,resultante da penetrao de empresas capitalistas modernas em estruturas
arcaicas. (...) Como fenmeno especfico que , o subdesenvolvimento requer umesforo de teorizao autnomo. A falta desse esforo tem levado muitoseconomistas a explicar, por analogia com a experincia das economiasdesenvolvidas, problemas que s podem ser bem equacionados a partir de umaadequada compreenso do fenmeno do subdesenvolvimento (FURTADO, 1965,p. 184-185).
Ao identificarem diferenas significativas entre a evoluo da sociedade latino-
americana e a evoluo das sociedades europeias, tais autores criticaram a transposio de
um modelo de desenvolvimento de uma realidade histrica para outra, verificada nas
teses associadas s Teorias da Modernizao25
e apontaram para a necessidade deelaborao de uma teoria especfica para a Amrica Latina, estimulando, assim, um olhar
25 Prebisch critica, em seu texto El desarrollo econmico de America Latina y algunos de sus principalesproblemas, el falso senso de universalidad da teoria econmica geral e salienta o fato de que oconhecimento da realidade latino-americana concerne, primordialmente, aos economistas latino-americanos(PREBISCH, 1986 [1949], p. 482).
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direcionado regio, ressaltando sua identidade como um todo e as particularidades e
nuances de cada economia latino-americana.
O estruturalismo latino-americano, nomenclatura por meio da qual ficou
conhecido o pensamento desenvolvido no mbito da CEPAL, tambm foi responsvel por
imputar uma crtica profunda teoria econmica clssica das vantagens comparativas de
David Ricardo, qual se filiava uma grande parcela das anlises acerca do
desenvolvimento econmico. Ral Prebisch, em seu artigo El desarrollo econmico de
America Latina y algunos de sus principales problemas, de 1949, o qual se tornou
conhecido como Manifesto latino-americano (cf. HIRSCHMAN, 1973 [1961]), ao
analisar o papel ocupado pela Amrica Latina na diviso internacional do trabalho e as
possibilidades de desenvolvimento que se colocavam para os pases da regio, contraps-se
noo de que a especializao dos pases em determinadas atividades se converteria, por
meio do comrcio internacional, em benefcio mtuo para o conjunto dos pases, presente
na tese defendida por Ricardo26 (1996 [1817], p. 97).
Segundo Prebisch, a premissa de que o progresso tcnico se repartiria igualmente
por toda a cadeia da diviso internacional do trabalho, atravs do intercmbio internacional
entre as naes especializadas na produo industrial e as naes especializadas na
produo de produtos primrios, havia sido refutada pela realidade concreta, na medida em
que (...) Las ingentes ventajas del desarrollo de la productividad no han llegado a la
periferia, en medida comparable a la que ha logrado disfrutar la poblacin de esos grandes
pases[grandes pases industriais] (PREBISCH, 1986 [1949], p. 479). Tal premissa, alm
de obscurecer o real carter do intercmbio estabelecido entre pases industriais e pases
exportadores de produtos primrios, justificava o papel da Amrica Latina na diviso
internacional do trabalho como produtora e exportadora de matrias-primas e de alimentos
(PREBISCH, 1986 [1949], p. 479).
26 Reproduz-se aqui o trecho integral em que David Ricardo enuncia sua tese: Num sistema comercialperfeitamente livre, cada pas naturalmente dedica seu capital e seu trabalho atividade que lhe seja maisbenfica. Essa busca de vantagem individual est admiravelmente associada ao bem universal do conjunto dospases. Estimulando a dedicao ao trabalho, recompensando a engenhosidade e propiciando o uso maiseficaz das potencialidades proporcionadas pela natureza, distribui-se o trabalho de modo mais eficiente e maiseconmico, enquanto, pelo aumento geral do volume de produtos, difunde-se o benefcio de modo geral eune-se a sociedade universal de todas as naes do mundo civilizado por laos comuns de interesse e deintercmbio (RICARDO, 1996 [1817], p. 97).
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Prebisch chamou ateno para o desequilbrio existente na difuso do progresso
tcnico para os pases industrializados e para os pases produtores de bens-primrios.
Enquanto nos pases centrais tm lugar uma distribuio gradual do fruto do progresso
tcnico entre todos os grupos sociais e classes sociais, nos pases da periferia explicitam-se
diferenas profundas nos nveis de vida de sua populao e da populao dos pases
industrializados. A industrializao nos pases perifricos se apresentaria, segundo o autor,
como nico meio de elevao progressiva do nvel de vida das massas, visto que
possibilitaria de fato a captao de parte dos frutos do progresso tcnico (PREBISCH, 1986
[1949], p. 479).
Dentro dessa perspectiva, Prebisch introduziu a noo de centro-periferia, a qual
expressava o carter desigual sob o qual se assentava o intercmbio realizado entre os
pases27. Os pases latino-americanos, (...) regies que (...) tinham suas estruturas
econmicas e sociais moldadas do exterior, mediante a especializao do sistema produtivo
e a introduo de novos padres de consumo (FURTADO, 1980, p. 83), constituam a
periferia do sistema internacional e tinham grande parte de sua renda apropriada pelos
pases centrais, pases especializados na produo de bens industriais. As economias
perifricas, segundo Bielschowsky (2000), caracterizam-se por possuir
(...) uma estrutura pouco diversificada e tecnologicamente heterognea, quecontrasta com o quadro encontrado na situao dos pases centrais. Nestes, oaparelho produtivo diversificado, tem produtividade homognea ao longo detoda sua extenso e tem mecanismos de criao de difuso tecnolgica e detransmisso social de seus frutos inexistentes na periferia (BIELSCHOWSKY,2000, p. 22).
A crtica imputada teoria das vantagens comparativas de David Ricardo,
introduzida por Ral Prebisch, ao mesmo tempo em que significou uma ruptura com a
interpretao econmica dominante at o momento e a constituio de uma nova concepo
acerca do padro de relacionamento entre os pases no comrcio internacional, repercutiu
27 Ral Prebisch descreve as relaes comerciais estabelecidas entre as economias centrais e perifricas apartir do fenmeno da deteriorao dos termos de troca, o qual diz respeito relao de preos entre bensindustrializados e bens primrios, relao essa que favorece os primeiros (PREBISCH, 1986 [1949], p. 482).
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concretamente nas polticas implementadas pelos governos da regio28. Dado o papel de
relevo atribudo pelos autores cepalinos ao Estado na consecuo do processo de
industrializao nacional, a influncia das premissas de Ral Prebisch e das formulaes
desenvolvidas no interior da CEPAL foi sentida em pases como Argentina, Brasil, Chile,
Mxico e Uruguai, nos quais (...) o desenvolvimentismo se converte na ideologia
dominante e na matriz por excelncia das polticas pblicas (MARINI, 1992, p. 80)29.
1.3 A dcada de 1960: crises e lutas sociais
O avano do processo de industrializao latino-americana est inscrito em um
contexto mais amplo de reestruturao da economia mundial, conduzida pelos Estados
Unidos no Ps-guerra, o qual se caracterizou pela expanso e acelerao tanto da circulao
do capital produtivo quanto da circulao do capital-dinheiro (MARINI, 1977b). Tais
mudanas se refletem em um reordenamento da diviso internacional do trabalho, em que a
estrutura centro-periferia, caracterizada pela CEPAL como um intercmbio desigual entre
pases desenvolvidos e subdesenvolvidos, complexifica-se em funo do papel cada vez
mais decisivo assumido pela indstria em alguns pases como Argentina, Brasil e Mxico.
O efeito produzido por tal mudana foi (...) un reescalonamiento, una jerarquizacin de los
pases capitalistas en forma piramidal y, por consiguiente, el surgimiento de centrosmedianos de acumulacin que son tambin potencias capitalistas medianas ()
(MARINI, 1977b, p. 08).
Esse contexto de reestruturao da economia capitalista mundial e de expanso
monetria permitiu aos Estados Unidos a ampliao de sua capacidade de acumulao,
impulsionando, nesse pas, um acelerado processo de monopolizao de capital30. Como
expresses concretas dessa monopolizao do capital emergem as multinacionais, empresas
28 Na mesma medida em que as ideias formuladas por Ral Prebisch e pelos demais integrantes da CEPALrefletem o processo de industrializao que se estabelecia na Amrica Latina, as polticas de governo dessespases expressavam a recepo daquele pensamento na prtica.29 Quanto ao papel do Estado, Celso Furtado enftico em suas obras, ao conferir ao Estado aresponsabilidade como principal centro de decises no processo de desenvolvimento (FURTADO, 1965, p.236).30 A extensa massa de capital acumulada pelos monoplios estadunidenses reverteu-se, em grande medida, emreinvestimentos diretos no exterior e em investimentos em ttulos. Marini afirma que no ano de 1968, 61% dototal de investimentos diretos mundiais correspondiam ao capital estadunidense.
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que possuem 25% ou mais de seu investimento, produo, emprego ou vendas no exterior,
e dentro das quais h a integrao de capitais nacionais a movimentos de fuses, trustes e
acordos internacionais (MARINI, 1977b, p. 04).
A ampliao e fortalecimento das empresas multinacionais esto vinculados
rentabilidade que seus investimentos implicam, critrio esse dentro do qual so
considerados os custos relativos infraestrutura de transportes, s matrias-primas,
energia e principalmente ao custo da mo de obra e ao mercado interno disponvel. No
interior desse movimento que se manifesta na expanso dos investimentos diretos,
principalmente por parte dos Estados Unidos, a Amrica Latina conforma-se como uma das
principais receptoras dessas inverses (MARINI, 1977b, p. 06).
Os investimentos estrangeiros diretos e, em maior medida, os investimentos
provenientes dos Estados Unidos na regio, proporcionaram, segundo Marini, ofortalecimento da indstria manufatureira de pases como Argentina, Mxico e Brasil.
Marini (1977b, p. 10) identifica nesse processo a internacionalizao do sistema produtivo
nacional dos pases latino-americanos e sua integrao economia capitalista mundial.
Articulado a essa consequncia est o aprofundamento do processo de concentrao e
centralizao do capital31 naqueles pases; impactos negativos sobre a classe trabalhadora,
bem como alteraes nas estruturas produtivas latino-americanas32.
31 A concentrao e a centralizao de capital so explicadas por Pierre Salama e Jacques Valier a partir doprocesso de monopolizao, que tem lugar no final do sculo XIX:Sob a presso da concorrncia, no sculo XIX, cada capitalista se v obrigado a diminuir seus custos deproduo, a fim de baixar seus preos, tendo em vista defender ou ampliar seu mercado; nesse caso, seuslucros so mantidos. Mas, para diminuir seus custos ele carece de mais capital. Para obter o mximo possvelde capital, os capitalistas tero ento uma dupla reao (grifos dos autores):1. tentaro no diminuir seus preos: obtero ento, caso diminuam seus custos de produo, superlucros que
tentaro manter e defender. Buscaro impedir a entrada de novos concorrentes em seu ramo, introduzindopara isso prticas de monoplios;2. exploraro intensamente a nascente classe operria. (...)
Mas essa dupla reao no suficiente (grifos dos autores) para por disposio de cada (grifos dos autores)capitalista uma quantidade de capital suficiente para aumentar as capacidades de produo e desenvolver oequipamento. essa a razo essencial (grifos dos autores) pela qual se vai assistir, ao mesmo tempo:- uma concentrao do capital (grifos meus), isto , um aumento da acumulao de capital por capitalista;- uma centralizao do capital (grifos meus), isto , uma reduo do nmero de capitalistas (fuses,absores), que se manifesta concretamente pelo desaparecimento de um certo nmero de fbricas, pelaracionalizao de um certo nmero de outras etc. (SALAMA; VALIER, 1975, p. 61-62).32 As modificaes instauradas nas estruturas industriais latino-americanas dizem respeito produo de benssunturios nesses pases, i.e., bens que apenas um estrato muito limitado de suas populaes pode consumir.Assim, negligenciam-se as necessidades concretas de consumo das sociedades latino-americanas.
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A industrializao latino-americana, conduzida atravs do modelo de substituio
de importaes e influenciada pelos preceitos cepalinos, embora tenha representado
profundas alteraes na estrutura econmica daqueles pases, enfrentou grandes entraves e
obstculos sua consecuo33. A prpria CEPAL, ao longo da dcada de 1960, a partir da
anlise da evoluo do processo industrial na regio, empenhou-se na busca por
explicaes s dificuldades encontradas por cada pas na concretizao de sua produo
industrial nacional (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 37).
Embora o processo de substituio de importaes tenha se constitudo enquanto
forma caracterstica de desenvolvimento de alguns pases latino-americanos34 durante as
dcadas de 1930-1950, elementos tanto de ordem econmica, quanto de ordem poltica
questionaram a sobrevivncia desse modelo de desenvolvimento econmico (SUNKEL;
PAZ, 2005 [1970], p. 76). Ao analisarem os rumos do modelo de substituio de
importaes luz dos eventos histricos daquele perodo, Sunkel e Paz sublinham que
Si bien es cierto que la expansin industrial, sobre todo en pases ms grandes derea, alcanz ritmos y dimensiones considerables, no lo es menos que tiende aagotarse en los ltimos anos, de modo que el ritmo de desarrollo vienedecayendo. La poltica redistributiva hace crisis en la medida que la economa noexpande con rapidez suficiente para atender las crecientes necesidades de lossectores de ingresos medios y bajos () El proceso de industrializacin noparece haber conseguido la incorporacin creciente de las masas ruralesdesplazadas y de los sectores urbanos de bajos ingresos a la esfera de la actividad
econmica moderna (...) Por otro lado, el estancamiento del sector rural, de lasexportaciones y del proceso de industrializacin durante la ltima dcada setradujeron en una disminucin del ritmo de crecimiento del ingreso. (.) de estemodo hace crisis la alianza que existi entre los empresarios, los sectores mediosurbanos y los obreros organizados durante el perodo de expansin industrial(SUNKEL; PAZ, 2005 [1970], p. 76-77).
O desenvolvimento industrial nacional, ao se tornar mais complexo, significava,
naquelas economias, maior dependncia tecnolgica, assim como pressupunha a
necessidade, cada vez mais premente, de entrada de insumos externos e financiamento
estrangeiro (FALETTO, 1998). A poltica de substituio de importaes, nesse sentido,
33 O debate sobre a crise do processo de substituio de importaes bastante amplo e permeou as obras dediversos estudiosos cepalinos e de seus crticos, dos autores vinculados tradio dependentista, entre outros.Textos como o de Maria da Conceio Tavares, Auge e declnio do processo de substituio de importaesno Brasil, escrito em 1963 e o de Celso Furtado, Subdesenvolvimento e estagnao na Amrica Latina, de1966; so referncias importantes nesse debate.34 De acordo com Theotnio dos Santos, (...) a industrializao se afirmou, sobretudo, no Brasil, Mxico,Argentina, e, em parte, no Chile e na Colmbia (SANTOS, 2000, p. 74).
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no lograra a reduo da vulnerabilidade das economias latino-americanas aos choques
externos nem a diminuio de suas limitaes de divisas (FFRENCH-DAVIS; MUOZ;
PALMA, 2005).
Para Marini, a crise que se configurou na maioria dos pases latino-americanos, na
dcada de 1960, foi uma crise de acumulao e de realizao da produo, a qual se
manifestou (...) por um lado, no estrangulamento da capacidade para importar os
elementos materiais necessrios para o desenvolvimento do processo de produo e, por
outro, nas restries encontradas para a realizao da produo (MARINI, 1992, p. 80). As
motivaes dessa crise encontravam razes no fato de a industrializao haver sido
conduzida sobre as bases da (...) velha economia exportadora35, isto , sem acudir a
reformas estruturais capazes de criar um espao econmico adequado ao crescimento
industrial (MARINI, 1992, p. 80).
Os setores industriais latino-americanos, que comearam a se fortalecer no final da
dcada de 1920, no conseguiram atingir a autossuficincia, permanecendo, em grande
medida, subordinados economia internacional atravs das exportaes de bens primrios e
de dvidas contradas via emprstimos estrangeiros. As divisas necessrias manuteno da
capacidade de importar, advindas das exportaes latino-americanas, continuavam sujeitas
(...) tendncia secular da deteriorao das relaes de troca, j diagnosticada pela
CEPAL (MARINI, 1992, p. 81). Dessa forma, uma queda nas importaes de produtos
primrios latino-americanos pelos pases centrais, representava necessariamente a reduo
das exportaes latino-americanas, comprometendo a consecuo do processo de
substituio de importaes na regio. Por outro lado, os investimentos diretos,
emprstimos e financiamentos estrangeiros, que constituam, ao lado das exportaes de
bens primrios, uma fonte de divisas para o processo de substituio de importaes,
comearam a restringir, em certa medida, a capacidade importadora da Amrica Latina,
uma vez que os lucros obtidos no mercado internacional, deveriam se converter (...) em
35 Donghi ressalta alguns obstculos impostos pelo setor primrio poltica desenvolvimentista e aos esforosde industrializao latino-americana. Este setor foi responsvel por obstruir tanto a consecuo da reformaagrria, necessria elevao da capacidade produtiva dos pases e expanso da demanda interna, quanto aedificao de estruturas industriais modernas, j que se mostravam resistentes a financiar os custos daindustrializao na regio (DONGHI, 1976).
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divisas, que teriam que ser subtradas ao montante obtido com as transaes externas
(MARINI, 1992, p. 82).
Inscrita no processo de integrao monopolista mundial do sistema capitalista,
capitaneado pela hegemonia dos Estados Unidos, a industrializao nos pases latino-
americanos teve seu crescimento condicionado pela penetrao do capital estrangeiro e dos
interesses das empresas multinacionais, que, ao investirem na produo industrial latino-
americana, passavam a deter o controle sobre os setores mais dinmicos daquelas
economias, recrudescendo, assim, a dependncia estrutural que marcava a regio
(BAMBIRRA, 1971, p. 35). Somados aos efeitos econmicos acima enunciados, tal
processo impactou profundamente a configurao poltica latino-americana, na medida em
que produziu rupturas no sistema de dominao das burguesias industriais dos pases da
regio, dificultando, segundo Bambirra, que o controle do aparato poltico institucional
fosse mantido (...) dentro de las constituciones tradicionales y/o a travs de arreglos de
tipo populista. (BAMBIRRA, 1971, p. 31). Embora as burguesias industriais latino-
americanas tenham buscado conservar parte do controle do processo produtivo e do
desenvolvimento econmico, por meio de intentos desarrollistas e da radicalizao do
nacionalismo populista, seu projeto de desenvolvimento nacional autnomo foi
colocado em xeque36 (BAMBIRRA, 1971, p. 36).
Os regimes de tipo bonapartista que se estabeleceram nos pases latino-
americanos, nos quais as burguesias industriais apoiavam-se nas classes mdias e no
proletariado para fazer frente s classes agrrio-mercantis37, cedem lugar integrao
36 Vnia Bambirra descreve esse momento poltico, ressaltando seu carter contraditrio e indicandoexemplos concretos de protagonismo das burguesias industriais latino-americanas: (...) se termina el sueoutpico de los progresistas y nacionalistas, que pretendan desarrollar una burguesa nacional enLatinoamrica. (...) Todo esto no se realiza sin choques y contradicciones. Por el contrario, stas semanifiestan en los desesperados intentos desarrollistas de las burguesas nacionales (expresados en losanlisis de muchos cientficos sociales, especialmente los cepalinos, y en varios programas de gobierno) que
pretenden poseer, al menos, parte del control de proceso productivo y del desarrollo econmico. Ellas semanifiestan, tambin, en el nacionalismo populista, que siendo de origen burgus fue radicalizado por elliderazgo pequeo-burgus sobre el movimiento popular, evolucionado en muchos casos hasta elantiimperialismo, y que provoc una serie de movimientos polticos y convulsiones sociales en la dcada del50. A modo de ilustracin, podemos sealar la revolucin boliviana del 52-53; el frustrado intentoantiimperialista de Jacobo Arbenz en Guatemala; el contragolpe del general Teixeira Lott, en Brasil, queconsolid la posicin del Presidente electo Juscelino Kubitschek; y el movimiento que derroca al dictadorPrez Jimnez en Venezuela(BAMBIRRA, 1971, p. 36).37 O projeto das burguesias industriais latino-americanas visava o desenvolvimento de setores de bens decapital nos pases latino-americanos, processo que daria continuidade substituio de importaes na regio.
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dessas burguesias com os capitais imperialistas. Essa integrao se d por meio da
associao das empresas locais com o capital estrangeiro, cuja penetrao nos setores
industriais daqueles pases garante a continuidade do processo de substituio de
importaes. A burguesia industrial latino-americana, que esteve subordinada s classes
agrrio-mercantis desde sua emergncia, no foi capaz de resistir s presses do capital
estrangeiro. O condicionamento a que a indstria esteve adscrita, impossibilitou que as
burguesias industriais se sobrepusessem efetivamente ao setor agroexportador, na medida
em que dele dependiam para a aquisio de divisas para a importao de equipamentos e de
bens intermedirios (MARINI, 1969). Frente a essas fragilidades, a entrada de capital
estrangeiro aparece como
() una solucin conveniente para las dos partes: para el inversionista extranjero,su equipo obsoleto producira all utilidades similares a las que poda obtener conun equipo ms moderno en su pas de origen, en virtud del precio ms bajo de lamano de obra local; para la empresa local, se abra la posibilidad de lograr condicho equipo una plusvala relativa de considerable importancia(MARINI, 1969,p. 19).
Firmado o compromisso com o capital estrangeiro, enfraquecem-se as bases sobre
as quais estavam fundamentadas as polticas desenvolvimentistas dos governos latino-
americanos, na medida em que se promove uma ciso entre a burguesia industrial e as
classes populares. As aspiraes das ltimas se veem frustradas diante da aliana explcita
entre as burguesias industriais latino-americanas e o imperialismo, ao mesmo tempo em
que se intensifica a superexplorao a que estas classes estavam submetidas. (MARINI,
1969, p. 19) Tal explorao evidenciada por Marini, que explicita os mecanismos
contraditrios sobre os quais se erguera a indstria dos pases dependentes latino-
americanos:
Nesse sentido, segundo Marini, essas burguesias buscaram ampliar a escala de mercado, atravs de polticasde distribuio de renda e de reforma agrria. Ao mesmo tempo, empenharam-se para aumentar astransferncias de capital do setor exportador para o setor industrial, por meio da criao de tarifasprotecionistas que defendessem o mercado nacional. Para dar consecuo a tal estratgia, tais burguesias sevaleram de regimes de tipo bonapartista, mediante o qual atraram o apoio das classes populares, com apromessa de distribuio de renda, apoio esse que lhes garantia a possibilidade de se sobrepor s classesagrrio-mercantis (MARINI, 1969, p. 14-15).
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Atendiendo a la demanda creada por las clases ricas y utilizando una tecnologaahorrativa de mano de obra, la industria latino-americana se encontr con unmercado reducido, que trataba de compensar utilizando abusivamente la relacinprecio-salarios. Esto era posible justamente porque, empleando una tecnologaahorrativa de mano de obra, la industria afrontaba una oferta de trabajo enconstante expansin, lo que le permita fijar los salarios a su ms bajo nivel. Encontrapartida, el crecimiento del mercado era extremamente lento y no se podacompensar sino mediante el alza de precios, es decir, la inflacin. (MARINI,1969, p. 17)
Esses mecanismos, que se expressavam na superexplorao das classes
trabalhadoras do campo e da cidade e no aumento da inflao, somados ao abandono das
polticas de redistribuio de renda e de reforma agrria e s polticas de estabilizacin
conduzidas pelas burguesias industriais, produziram forte descontentamento entre as classes
trabalhadoras, na medida em que suas reivindicaes de trabalho e de consumo no se
viram satisfeitas (MARINI, 1969, p. 18) O carter contraditrio do processo de
industrializao latino-americana nos marcos da integrao monopolista mundial tambm
ressaltado por Vnia Bambirra, que chama a ateno para seus reflexos nos pases latino-
americanos:
() disminucin del ritmo de crecimiento en las tasas de capacidad instalada noutilizada de las industrias, en el crecimiento de los ndices de desempleo, en elaumento de la deuda externa junto con la acentuada descapitalizacin de laseconomias nacionales provocada por las enormes remesas de capitales hacia el
exterior, bajo la forma de exportacin de ganancias, royalties, servicios, etctera(BAMBIRRA, 1971, p. 38).
A conjuno desses elementos enseja uma profunda crise do capitalismo
dependente na dcada de 1960, a qual ope de um lado as classes dominantes, vidas pela
manuteno de seu poder, e, de outro, as classes dominadas, que ansiavam por melhores
condies de vida. Essa oposio se radicaliza em dois grandes movimentos: as
insurreies e levantes populares em diversas regies da Amrica Latina e a conformao
de golpes e ditaduras militares nos pases latino-americanos, fato que registrado porMarini:
(...) el ascenso de las luchas sociales en la regin se registr de maneraininterrumpida, provocando una radicalizacin poltica que cristaliz,