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142 A DESCOBERTA DO MODO DE AÇÃO G ÊNICA Objetivos 1. Explicar a hipótese de Garrod para a origem da alcap- tonúria. 2. Identificar nos experimentos de transplantes de olho em Drosophila melanogaster a origem da teoria um gene - uma enzima. 3. Analisar as diferentes estratégias utilizadas na caça ao suposto precursor do pigmento do olho dos insetos. 4. Explicar a interação entre os genes vermilion, cinnabar e white com base na teoria um gene - uma enzima. 5. Explicar o papel que tiveram os inibidores de enzimas no estudo das vias metabólicas celulares. 6. Discutir as razões que levaram Beadle a trocar Drosop- hila melanogaster por Neurospora crassa nos estudos sobre o modo de ação dos genes. 7. Explicar a estratégia usada por Beadle e Tatum para identificar e cultivar mutantes de Neurospora crassa com interrupções em cadeias metabólicas essenciais. 8. Explicar como se pode distinguir em Neurospora cras- sa mutantes de um mesmo gene de mutantes de genes diferentes, no caso de as mutações afetarem uma mes- ma via metabólica. Décima quinta aula (T15) Texto adaptado de: MOORE, J. A. Science as a Way of Knowing - Genetics. Amer. Zool . v. 26: p. 583-747, 1986. O QUE FAZEM OS GENES? Ao final da terceira década do século XX não restavam mais grandes questões sobre os mecanis- mos de transmissão dos genes. Assim, a ênfase mudou para questões como “O que os genes fazem?” e “Qual a natureza química dos genes?”. É claro que já havia interesse nessas questões desde o início do século, mas, com as técnicas disponí- veis, havia pouca possibilidade de se obter qualquer resposta mais aprofundada. Nenhuma das técnicas de rotina atuais, tais como microscopia eletrônica, isótopos radioativos, computadores, cromatogra- fias e instrumentos inacreditavelmente sofisticados estavam disponíveis naquela época. Também não havia muito apoio financeiro para pesquisa, e assistentes de laboratório e pós-doutorandos eram escassos. Ensino e pesquisa eram considerados como de igual importância nas grandes Universida- des, de modo que menos tempo era dedicado à pesquisa. E. B. Wilson foi uma exceção, pois conseguiu realizar pesquisa de altíssimo nível e ter uma quantidade incrível de publicações científicas, mesmo com uma carga horária de ensino que seria insuportável para a maioria dos biólogos de hoje. Neste contexto, os campos referentes à estru- tura e à função do gene – Biologia Celular e Bio- química – não alcançaram um estágio em que as questões pudessem ser respondidas de maneira definitiva. Porém um ingrediente importante para a pesquisa científica, de fato sine qua non , não estava faltando: havia “cérebros”. No momento em que as técnicas se tornaram disponíveis, alguns drosofilistas pioneiros já haviam estabelecido, de maneira pouco questionável, que os genes atuam controlando as atividades metabólicas das células. O estágio estava pronto para que Watson e Crick formalizassem, em 1953, o paradigma central da Genética – que em breve se transformou no paradigma central das Ciências Biológicas.

A DESCOBERTA DO MODO DE AÇÃO GÊNICA

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A DESCOBERTA DO MODODE AÇÃO GÊNICA

Objetivos1. Explicar a hipótese de Garrod para a origem da alcap-

tonúria.2. Identificar nos experimentos de transplantes de olho

em Drosophila melanogaster a origem da teoria umgene - uma enzima.

3. Analisar as diferentes estratégias utilizadas na caça aosuposto precursor do pigmento do olho dos insetos.

4. Explicar a interação entre os genes vermilion, cinnabare white com base na teoria um gene - uma enzima.

5. Explicar o papel que tiveram os inibidores de enzimasno estudo das vias metabólicas celulares.

6. Discutir as razões que levaram Beadle a trocar Drosop-hila melanogaster por Neurospora crassa nos estudossobre o modo de ação dos genes.

7. Explicar a estratégia usada por Beadle e Tatum paraidentificar e cultivar mutantes de Neurospora crassacom interrupções em cadeias metabólicas essenciais.

8. Explicar como se pode distinguir em Neurospora cras-sa mutantes de um mesmo gene de mutantes de genesdiferentes, no caso de as mutações afetarem uma mes-ma via metabólica.

Décima quintaaula (T15)

Texto adaptado de:MOORE, J. A. Science as a Way of Knowing -Genetics. Amer. Zool. v. 26: p. 583-747, 1986.

O QUE FAZEM OS GENES?

Ao final da terceira década do século XX nãorestavam mais grandes questões sobre os mecanis-mos de transmissão dos genes. Assim, a ênfasemudou para questões como “O que os genesfazem?” e “Qual a natureza química dos genes?”.É claro que já havia interesse nessas questões desdeo início do século, mas, com as técnicas disponí-veis, havia pouca possibilidade de se obter qualquerresposta mais aprofundada. Nenhuma das técnicasde rotina atuais, tais como microscopia eletrônica,isótopos radioativos, computadores, cromatogra-fias e instrumentos inacreditavelmente sofisticadosestavam disponíveis naquela época. Também nãohavia muito apoio financeiro para pesquisa, eassistentes de laboratório e pós-doutorandos eramescassos. Ensino e pesquisa eram consideradoscomo de igual importância nas grandes Universida-des, de modo que menos tempo era dedicado à

pesquisa. E. B. Wilson foi uma exceção, poisconseguiu realizar pesquisa de altíssimo nível e teruma quantidade incrível de publicações científicas,mesmo com uma carga horária de ensino que seriainsuportável para a maioria dos biólogos de hoje.

Neste contexto, os campos referentes à estru-tura e à função do gene – Biologia Celular e Bio-química – não alcançaram um estágio em que asquestões pudessem ser respondidas de maneiradefinitiva. Porém um ingrediente importante paraa pesquisa científica, de fato sine qua non, nãoestava faltando: havia “cérebros”. No momentoem que as técnicas se tornaram disponíveis, algunsdrosofilistas pioneiros já haviam estabelecido, demaneira pouco questionável, que os genes atuamcontrolando as atividades metabólicas das células.O estágio estava pronto para que Watson e Crickformalizassem, em 1953, o paradigma central daGenética – que em breve se transformou noparadigma central das Ciências Biológicas.

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ENZIMAS E GENES

As técnicas disponíveis antes de 1953, apesar depouco sofisticadas em comparação com as atuais,possibilitaram descobertas importantes sobre afunção dos genes. Entre essas técnicas estavamaquelas desenvolvidas para o estudo de enzimas.

Durante a primeira metade do século XX, umdos mais frutíferos campos de pesquisa da BiologiaCelular e da Bioquímica foi o estudo de enzimas.Enzimas eram consideradas fatores essenciais àvida e era opinião geral que os tipos de reaçõesque se sabia, ou se suspeitava, que ocorressem nascélulas simplesmente não poderiam acontecer semestes catalisadores orgânicos.

Em um desses estranhos episódios na históriadas idéias, a primeira ligação entre genes e enzi-mas aconteceu em uma época em que muitopouco era conhecido sobre ambos. Um médicoinglês, Archibald E. Garrod (1857-1936), atendeuum paciente, um bebê, com uma doença rarachamada alcaptonúria. O nome dessa doença deri-va do fato de a urina dos pacientes afetados contercorpos de alcaptona, compostos fundamental-mente por ácido homogentísico. Essa substânciase torna vermelha escura ou preta ao se oxidar.Uma pista que indicou a doença do bebê foramas manchas escuras em suas fraldas, decorrentesda oxidação da alcaptona da urina.

Garrod sabia que os pais do bebê eram primosem primeiro grau, o que sugeria uma possívelcausa hereditária para a alcaptonúria. Em 1902ele consultou Bateson, que lhe sugeriu que adoença poderia ser devida a um alelo recessivo.Garrod chamou a alcaptonúria e outras doençassemelhantes de “erros inatos do metabolismo”.Bateson continuou interessado no problema eescreveu em 1913: “Alcaptonúria deve ser consi-derada como decorrente da falta de um determi-nado fermento [= enzima], o qual tem a capaci-dade de decompor a substância alcaptona. Emuma pessoa normal, esta substância não estápresente na urina porque ela foi degradada pelofermento, mas quando a pessoa não consegueproduzir este fermento, a alcaptona é excretadana urina.”

A hipótese, então, seria “um gene, umfermento”. Trinta anos mais tarde, com a termi-nologia atualizada, isto iria se tornar uma das maisimportantes hipóteses que guiaria a pesquisagenética.

Nem Garrod e nem alcaptonúria são mencio-nados em nenhum dos livros escritos pela escolade Morgan nos anos das grandes descobertas.Mesmo que tenha tido conhecimento das hipó-teses de Garrod e de Bateson, Morgan as ignorou.Morgan era tão a favor da ciência experimental econtrário a todo o resto – incluindo ciência não-experimental – que ele pode ter considerado ahipótese de Garrod como mera especulação. Masé possivel imaginar outras explicações para odesinteresse dos drosofilistas pioneiros pela hipó-tese de Garrod. Quando programas de pesquisaestão se desenvolvendo de modo rápido e produ-tivo, como estavam para os que trabalhavam comD. melanogaster, há pouco estímulo para aprocura de novas coisas para fazer.

Foi somente na terceira década do século XX,quando a transmissão genética estava satisfatoria-mente explicada, que os geneticistas começaramum estudo intensivo do tipo de problema levan-tado pela hipótese de Garrod.

O GENE VERMILION E GINANDROMORFISMO

EM DROSOPHILA MELANOGASTER

Morgan e Bridges (1919) usaram a teoriacromossômica da determinação do sexo para explicara origem dos ginandromorfos em D. melanogaster.Eles concluíram que as partes femininas dosginandromorfos continham dois cromossomos X eas partes masculinas, apenas um X. A origem de umginandromorfo seria, portanto, um zigoto fêmea (XX)que, por perda de um cromossomo X em uma dasmitoses embrionárias, apresentaria uma populaçãode células X0 que desenvolveriam fenótipo mas-culino. Eles realmente verificaram que, muitas vezes,ginandromorfos originados em cruzamentos entrefêmeas selvagens e machos portadores de mutaçõesrecessivas ligadas ao sexo apresentavam a partefeminina do corpo com fenótipo selvagem e amasculina com a mutação paterna.

Em 1920, Sturtevant publicou o achado de umginandromorfo, obtido em um cruzamento deuma fêmea heterozigótica, portadora dos alelosrecessivos dos genes cosen, ruby, vermilion eforked em um de seus cromossomos X e dosalelos selvagens desses genes no outro X, comum macho que portava em seu cromossomo Xos alelos recessivos dos genes scute, echinus, cut,vermilion, garnet e forked. O cruzamento estáesquematizados na figura 51.

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A publicação do encontro desse ginandromorfose justificava pelo fato dele possuir um fenótipo ines-perado. Ele era selvagem na parte feminina do corpoe scute, echinus, cut e forked na parte masculina.Isso indicava que o zigoto do qual ele havia se origi-nado continha um cromossomo X portador dosalelos selvagens da mãe e o cromossomo X únicodo pai, e que a parte masculina do corpo havia seoriginado de uma célula que tinha perdido o Xmaterno, uma vez que apresentava as mutaçõesrecessivas do pai. O fato inesperado, que chamou aatenção de Sturtevant e motivou a publicaçãodaquele trabalho, foi o olho da parte masculina docorpo apresentar coloração selvagem. Uma explica-ção possível seria a do alelo vermilion presente nocromossomo X paterno ter sofrido mutação reversa.Mas Sturtevant descartou tal hipótese por considerá-la altamente improvável, ou seja, um mesmoindivíduo ter sofrido um distúrbio cromossômico euma mutação reversa simultaneamente.

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Figura 51. Representação esquemática do cruzamentorealizado por Sturtevant, onde foi descoberto o ginan-dromorfo que mostrou a não-autonomia da mutaçãovermilion.

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➤➤

➤ ➤Fêmea Macho

Zigotofeminino

Perda docromossomo Xmaterno

Ginandromorfo

A hipótese aventada por Sturtevant foi de quea coloração vermilion (olhos vermelho-claros) doolho da D. melanogaster não seria uma caracterís-tica autônoma, ou seja, desenvolvida pelas célulasportadoras da mutação gênica independentementedo genótipo das demais células do corpo. Ele ima-ginou que a coloração vermilion da D. melano-gaster seria devida à ausência de alguma substân-cia produzida pelo alelo selvagem do gene homô-nimo e que, no ginandromorfo em questão, essasubstância havia se difundido do olho selvagemda parte feminina do corpo para o olho da partemasculina, tornando-o fenotipicamente selvagem(olhos vermelho-escuros).

Na época era praticamente impossível testaressa hipótese, pois ginandromorfos eram bastanteraros. Além disso, havia muitas outras coisas inte-ressantes a serem investigadas na “Sala dasMoscas” e para as quais podiam ser aventadashipóteses testáveis, bem ao gosto de Morgan – oparadigma continuava a ser a teoria cromossô-mica da herança. O paradigma em que o trabalhode Sturtevant se encaixava só surgiria cerca de15 anos mais tarde.

HIPÓTESE SOBRE O MODO DE AÇÃO DOS GENES

Três nomes estão associados ao início dasinvestigações sobre o modo de ação dos genes:George W. Beadle (1903-1989), Boris Ephrussi(1901-1979) e Edward L. Tatum (1909-1979).

Beadle recebeu seu Ph.D. em 1931 e foicontemplado com uma bolsa de estudos do Na-tional Research Council Fellowship para um trei-namento de pós-doutorado no laboratório deMorgan no California Institute of Technology.No Caltech, Beadle começou a fazer pesquisascom D. melanogaster, ao mesmo tempo em queconcluía o trabalho sobre citogenética de milhoiniciado em seu doutoramento em Cornell. Em1934, Boris Ephrussi chegou no Caltech; elevinha de Paris para aprender genética de D. mela-nogaster com Morgan e Sturtevant. Seu interes-se já era no modo de ação gênica, um assuntoque logo passaria a interessar Beadle, de quemse tornou muito amigo. Ephrussi era hábil nastécnicas de cultura de tecidos e de transplantes eele e Beadle planejaram um trabalho colaborativoem D. melanogaster utilizando essas técnicas,com o objetivo de testar a hipótese de Sturtevantsobre a não-autonomia do gene vermilion.

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Em meados de 1935, Beadle foi para Paris reali-zar os experimentos no laboratório de Ephrussino Institute de Biologie. Suas tentativas de culti-var discos imaginais in vitro falharam, mas elesdesenvolveram um método para transplantar dis-cos imaginais de uma larva para outra e obter odesenvolvimento do disco implantado quando alarva hospedeira sofria metamorfose para pupa eadulto (também chamado de imago nos insetos).

O que são discos imaginais?

Antes de continuarmos essa história talvez sejanecessário esclarecermos o que são discos imaginais.

Nos insetos, a maioria dos órgãos dos adultos,tais como olhos compostos, pernas, antenas, asas,peças bucais, genitália etc. se desenvolvem a partirde aglomerados de células primordiais formadosno final da fase embrionária, os chamados discosimaginais (relativos às imagos) Os discos imaginaispermanecem indiferenciados até a fase de pupa,quando, então, um aumento da concentração dehormônios na hemolinfa induzem seucrescimento e diferenciação nasestruturas adultas para as quaisestavam pré-determinadas.

Beadle e Ephrussi dissecavam lar-vas de D. melanogaster, separavamos discos imaginais de olhos e, atra-vés de uma micropipeta de vidro, im-plantavam esses discos na cavidadedo corpo de outras larvas. O discoimplantado continuava a se desenvol-ver na cavidade do corpo da larvahospedeira e durante a metamorfosedesta (fase pupal), ele se diferenciavaem um olho que ficava solto nacavidade abdominal da mosca hos-pedeira. A mosca hospedeira podia,então, ser dissecada e a cor do olhoimplantado na sua cavidade abdomi-nal podia ser observada. A coloraçãodo olho não sofria alteração decor-rente da operação de implantação enem pelo fato de ter se desenvolvidono interior da cavidade abdominal.

Beadle e Ephrussi realizaramtransplantes entre 26 diferentesmutantes para cor de olho de D.melanogaster. Eles verificaram quediscos de olhos de larvas mutantesimplantados em larvas selvagens, ou

vice-versa, se desenvolviam autonomamente, istoé, produziam olhos com a cor de seu própriogenótipo, não sendo afetados pelo genótipo dohospedeiro. Ocorreram, no entanto, duas impor-tantes exceções: os discos imaginais de larvasmutantes vermilion e cinnabar não se comporta-vam autonomamente. Essas duas mutações produ-ziam o mesmo fenótipo, olho vermelho-claro,apesar de serem dois genes distintos, localizadosem cromossomos diferentes: o gene vermilion estálocalizado no X (posição 33,0) e o cinnabar, nocromossomo 2 (posição 57,5). (Fig. 52)

Discos imaginais de larvas mutantes vermilionimplantados em larvas do tipo selvagem desenvol-vem olhos selvagem e não vermilion como seriaesperado de acordo com o seu genótipo. Essesresultados confirmaram a hipótese original de Stur-tevant de que o olho vermilion não teria desenvol-vimento autônomo, sua coloração seria modificadaem função do genótipo de outras células do corpodo indivíduo.

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Figura 52. Representação esquemática dos resultados de trans-plantes de olhos em Drosophila. Os círculos listados indicamdesenvolvimento autônomo; por exemplo, discos brown (bw)implantados em larvas selvagens desenvolvem coloração marrom.Os círculos em preto indicam desenvolvimento não-autônomoda pigmentação. Círculos metade branco e metade preto indicamque o resultado do implante foi uma coloração intermediária.(Tirado de Beadle e Ephrussi, 1935)

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À semelhança do vermilion, os discos imaginaisde olhos de larvas mutantes cinnabar, quando im-plantados em hospedeiros de linhagens selvagemou de alguns tipos de linhagem mutante de cor deolho, desenvolviam coloração selvagem.

Em sua publicação de 1935, Beadle e Ephrussiescreveram: “Sturtevant havia mostrado que a corde olho vermilion é, sob certas condições, não-autômona em seu desenvolvimento em mosaicos.Nos implantes elas foram igualmente não-autônomas, um [disco imaginal para] olho vermil-ion (v) implantado em um hospedeiro selvagemdesenvolve [olhos com] pigmentação característicado tipo selvagem. Por meio de tranplantes nósfomos capazes de estudar muitas combinações quenão são facilmente obtidas em mosaicos naturaise dessa forma nós verificamos que cinnabar (cn),uma cor de olho fenotipicamente similar ao ver-milion, também não é autônoma na diferenciaçãode sua pigmentação. Outros dois mutantes de corde olho, scarlet (st) e cardinal (cd), tambémfenotipicamente similares ao vermilion, são, noentanto, completamente autônomos no desenvolvi-mento de sua pigmentação em todas as com-

binações em que os estudamos.” (Fig. 53)Os transplantes recíprocos entre mutantes ver-

milion e cinnabar levaram a resultados inespera-dos. Discos imaginais de larvas mutantes vermil-ion quando implantadas em larvas mutantes cinna-bar, desenvolviam coloração tipicamente selva-gem. No entanto, na situação inversa, ou seja,quando discos mutantes cinnabar eram implanta-dos em larvas mutantes vermilion, eles desenvol-viam a coloração vermelho-clara típica dos mutan-tes. Beadle e Ephrussi relataram esses resultadosnos seguintes termos: “Nós verificamos que umdisco v em um hospedeiro cn dá origem a um olhodo tipo selvagem, mas que um disco cn em umhospedeiro v origina um olho cn ... implantes dediscos v e cn se comportam da mesma forma ...em um hospedeiro claret (ca), ambos sãoautônomos; em hospedeiros st ou cd ambos sãomodificados para o tipo selvagem. Isso corroboraa conclusão tirada dos transplantes recíprocosentre v e cn ao indicar que as influênciashospedeiro-implante em v e cn são geneticamente– e presumivelmente quimicamente – estreitamenterelacionadas.”

olhos transplantados

olhos do receptor

discos transplantados

larvas larvas larvas

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voucn

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v cn

v cn

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cn

C. Desenvolvimentoautônomo para cn

B. Desenvolvimento não-autônomo para v e cn

A. Desenvolvimentoautônomo

Figura 53. Esquema de experimentos de transplante de olhos em Drosophila mostrando o desenvolvimentoautônomo e não-autônomo de alguns genótipos. Em A, desenvolvimento autônomo do mutante scarlet (st) edo tipo selvagem: disco scarlet implantado num receptor selvagem desenvolve pigmentação scarlet; discoselvagem implantado em receptor scarlet desenvolve pigmentação selvagem. Em B, desenvolvimento não-autônomo dos mutantes vermilion (v) e cinnabar (cn); discos imaginais de olhos desses mutantes implantadosem hospedeiros selvagens desenvolvem pigmentação selvagem. Em C, é mostrado o desenvolvimento nãoautônomo do olho vermilion em hospedeiro cinnabar e o desenvolvimento autônomo do disco cinnabar emhospedeiro vermilion.

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O comportamento não-autônomo dos discosimaginais de olho vermilion e cinnabar sob certascondições requeria uma hipótese explicativa quenão apenas os relacionasse, mas que também expli-casse como essas mutações produziam seus efeitosnos transplantes.

Beadle e Ephrussi propuseram o seguinte:“Uma hipótese simples, e a nosso ver, plausívelpode ajudar a responder essas questões. Essahipótese assume que as substâncias ca+, v+ e cn+

são produtos sucessivos em uma cadeia dereações. As relações entre estas substânciaspodem ser indicadas de um modo diagramáticosimples da seguinte maneira: substância ca+ ösubstância v+ ö substância cn+. Neste esquemanós assumimos que ... o alelo mutante ca dealguma forma produz uma mudança que a cadeiade reações é interrompida em algum ponto an-tes da formação da substância ca+; dessa formauma mosca ca não possui as substâncias ca+, v+

e cn+ ...O alelo mutante cn interrompe a reaçãoessencial para a transformação da substânciav+ em cn+; assim uma mosca cn não possuisubstância cn+ mas tem as substâncias ca+ e v+.”

Posteriormente eles descobriram que o gene claretnão controlava nenhum passo na cadeia de reaçõesdo pigmento, mas era um modificador da reaçãocontrolada pelos genes vermilion e cinnabar.

Em outras palavras, Beadle e Ephrussi estavampropondo que os resultados podiam ser explicadosassumindo o seguinte:a. os alelos selvagens dos dois genes controlam

a produção de duas substâncias específicas,chamadas v+ e cn+, ambas necessárias para aformação do pigmento marrom dos olhos;

b. a substância v+ é precursora da substância cn+;c. a mutação do gene bloqueia a formação da

substância correspondente.

No entanto, apenas mais tarde ficou claro queas duas hipotéticas substâncias seriam, naverdade, precursores do pigmento.

Essa hipótese sugeria que o desenvolvimentode um organismo poderia ser conseqüência deconjuntos de reações químicas seqüenciais,controladas pelos genes. Apesar de parecermodesta para os padrões atuais de desenvolvi-mento da Genética, essa idéia era bastanteavançada para a época, e foi ela que abriu caminhopara as investigações que se seguiram nessa linha,ao implantar em Beadle os germes da idéia um

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gene - uma enzima, a partir da qual iria florescertoda a Genética Molecular.

O passo seguinte a ser dado na investigaçãodo papel dos genes vermilion e cinnabar era testara hipótese proposta, o que demandava a identifi-cação das substâncias v+ e cn+ e comprovação desua capacidade de corrigir os fenótipos dosmutantes vermilion e cinnabar.

A colaboração entre Beadle e Ephrussi (1935e 1937) foi extremamente produtiva: eles publi-caram 30 trabalhos nesse período, a maioriaoriginais. Com isso, avançaram rapidamente emsuas carreiras científicas. Ephussi foi nomeadodiretor de um novo laboratório de Genética naÉcole des Hautes Études, onde liderava umlaboratório de Drosophila com 4 assistentes ealguns técnicos. Biólogos jovens e brilhantes,como Jacques Monod, foram atraídos para alipelos trabalhos de transplantes. Ephrussi contra-tou o químico orgânico Khouvine para trabalharna química dos pigmentos do olho.

Para Beadle, o trabalho com transplantes em D.melanogaster rendeu um cargo de professorassistente na Harvard University em 1936 e, no anoseguinte, o cargo de full professor na Stanford Uni-versity. Com uma verba de 3 mil dólares daRockefeler Foundation, Beadle contratou EdwardTatum, um jovem bioquímico de bactéria, paratrabalhar em tempo integral na caça aos precursoresdo pigmento do olho da D. melanogaster.

Assim, os dois drosofilistas começaram adeslocar o enfoque do trabalho de transplante daGenética clássica para a Bioquímica. Essa mudançade enfoque, que à primeira vista pode parecer demenor importância, iria provocar profundastransformações na Genética: o gene até então umaentidade abstrata iria se transformar em umaentidade hipotética passível de ser investigada.Com isso abria-se o caminho para a identificaçãoda natureza molecular e da função do gene. Masquais foram essas mudanças tão importantes noenfoque de trabalho?

Na tentativa de se identificar os precursoresdo pigmento do olho, larvas mutantes passarama ser injetadas ou alimentadas com possíveiscandidatos a precursor. A idéia era a seguinte: sea substância precursora for injetada ou fornecidana alimentação dos mutantes existe a possibilidadede alteração fenotípica do olho. Essas estratégiastransformaram D. melanogaster em uma ferra-menta bioquímica. Ephrussi coloca isso de modo

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bem sugestivo: “... moscas são como ‘reagentes’para a detecção de quantidades mínimas de subs-tâncias biologicamente ativas.”

Ephrussi e Khouvine passaram a usar umaestratégia tipo “tiro no escuro” em sua caça aoprecursor; eles injetavam ou alimentavam mutan-tes com substâncias que poderiam ser precursorasde pigmentos e verificavam se havia alteraçãofenotípica do olho. Beadle e Tatum trabalhavamcom muito mais critério tentando quantificar oprecursor em extratos de moscas e construir linha-gens de moscas onde pudessem ser detectadasquantidades mínimas de precursor.

Ephrussi e Khouvine, usando uma daslinhagens “sensíveis” e o método de ensaio bioló-gico desenvolvidos por Tatum descobriram, poracaso, que a substância v+ era quimicamente rela-cionada ao triptofano. Essa descoberta permitiuque o químico orgânico Adolf Butenandt, experi-ente em competições científicas, e que estavatrabalhando no sistema de pigmentação do olhoda mariposa Ephestia kühniela, percebesse queum caminho fácil e rápido para a identificação dasubstância v+ seria testar cada uma das substânciasquímicamente relacionadas ao triptofano. Assim,Butenandt, Weidel e Becker (1940) descobriramque a quinurenina era o composto com as proprie-dades esperadas para a substância v+. Larvas ver-milion alimentadas com quinurenina desenvol-viam olhos selvagens. Nessa época Tatum haviaobtido cristais da substância v+ e estava realizandosua identificação.

Ser vencido pelos alemães foi uma pílulaamarga, especialmente para Tatum que haviatrabalhado tão duro para aperfeiçoar Drosophilacomo um “reagente” bioquímico. Mas essa era aregra do jogo no campo da bioquímica nutricio-nal, onde anos de trabalho podiam ser superadospor um golpe de sorte de um competidor. Eraum jogo diferente do que os drosofilistas estavamacostumados, onde a reciprocidade, a abertura ea sensibilidade para se evitar competição acirradaeram a regra. Beadle rejeitava essa atitude “der-rube seu competidor se você tiver oportunidade”dos bioquímicos.

Foi nesse contexto que Beadle concluiu sernecessário um método diferente para lidar direta-mente com o problema da ação gênica. E eleestava certo, a identificação da substância cn+

demandou enormes esforços e muitos anos detrabalho ao grupo de Butenandt.

A VIA BIOQUÍMICA DO PIGMENTO MARROM DO

OLHO DA Drosophila melanogaster

A partir dos resultados dos laboratórios deBeadle e de Ephrussi foi possível chegar à hipótesede que os v+ e cn+ atuariam no controle da via bioquí-mica de síntese do pigmento marrom do olho daDrosophila, como mostrado no esquema abaixo:

Precursor ö Substância v+ ö Substância cn+ ö Pigmento marrom ù ù

Enzima A Enzima B ù ù

Gene v+ Gene cn+

A enzima A seria produzida pelo gene v+ e aenzima B seria produzida pelo gene cn+. Ummutante vermilion não seria capaz de produzir aenzima A e, portanto, não teria a substância v+;ele produziria a enzima B, mas não teria substânciacn+, pois a enzima B não teria o que trans-formarnessa substância. Com isso não haveria produçãodo pigmento marrom (omocromo) e os olhos,contendo apenas pigmento vermelho (pteridina),teriam coloração vermelho-clara e não selvagem.

Um mutante cinnabar produziria a substânciav+ normalmente, mas não teria a enzima B paratransformá-la na substância cn+. Com isso nãohaveria produção do pigmento marrom e os olhos,como no caso anterior, conteriam apenas pig-mento vermelho , tendo coloração vermelho-clarae não selvagem.

No caso do transplante de disco imaginal ver-milion em um hospedeiro cinnabar a situaçãoseria a seguinte:

! o disco não produziria substância v+, mas teriaa enzima B;

! o hospedeiro produziria a substância v+, masnão teria a enzima B para transformá-la emsubstância cn+;

! a substância v+ produzida pelo hospedeiro sedifundiria para o interior das células do discoimplantado onde, por ação da enzima B, seriatransformada em substância cn+ e subseqüen-temente em pigmento marrom, o que faria oolho desenvolver pigmentação selvagem.

Estudos posteriores nessa área desvendarama cadeia de reações na via de síntese do pigmentomarrom e mostraram que a hipótese originalestava correta. (Fig. 54)

Uma dúvida que surge com freqüência é sobreo papel do gene white na síntese dos pigmentos

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149

do olho. Na verdade, o gene white está envolvidonão na síntese, mas na distribuição dos pigmentosomocromo (marrom) e pterina (vermelho) noolho e em alguns outros órgãos da mosca. Afunção da proteína codificada pelo alelo selvagemdo gene white ainda é desconhecida, mas acredita-se que seja uma proteína de membrana, envolvidano transporte dos precursores dos pigmentos doolho para dentro das células.

ELUCIDAÇÃO DAS VIAS METABÓLICAS

George W. Beadle, Edward L. Tatum e BorisEphrussi foram líderes na busca de informaçõessobre o modo de ação dos genes. Foram eles queintroduziram um novo paradigma e lançaram asemente de um novo ramo dentro da Biologia: aGenética Bioquímica.

No final da década de 1930, havia umaconsiderável quantidade de informação sobre ometabolismo celular. A reação fundamental paratoda as formas de vida – C

6H

12O

6 + 6O

2 --> 6CO

2

+ 6H2O – havia sido decifrada em dezenas de

reações separadas, cada uma controlada por umaenzima específica.

A elucidação desta via metabólica demandouesforços de muitos cientistas por muitos anos.Um dos maiores problemas era a velocidade dasreações, as quais, com freqüência, ocorriam emfrações de segundo; uma reação terminava antesque o investigador pudesse detectar o seu início.A maneira usual foi utilizar substâncias químicas(“venenos de enzimas”) que bloqueavam a açãode uma enzima específica. O resultado, nessecaso, era o acúmulo do substrato da enzima, oqual podia, então, ser detectado e identificado.

Considere, por exemplo, que uma via metabó-lica nas células envolve uma modificação da molé-cula A na molécula B e, em seguida, de B em C e,assim, sucessivamente até a molécula Z, passandopor todo o alfabeto. Assuma, também, que a modi-ficação de A em B é controlada pela enzima A-ase,de B em C pela enzima B-ase e, assim, suces-sivamente. Tudo que sabemos no início é que a célulatransforma a molécula A na molécula Z. Uma hipó-tese inicial é que a conversão pode ser conseguidapor apenas uma enzima, em apenas uma reação.

N

NH2

C C C COOH

Triptofano

N

NH2

C C C COOH

N-formilquinureninaC H

O

O

NH2

C C C COOH

QuinureninaO

NH2

NH2

C C C COOH

3-Hidroxiquinurenina

O

NH2

OH

NH2

C C C COOH

FenoxazinoneO

N

O

NH2

C C C COOH

OH

N

O

NH2

C C C COOH

XantomatinaN

O

OH

O

N COOH

Triptofanopirrolase

Reação catalisadapelo produto dogene v+

Quinurenina3-hidroxilase

Reação catalisadapelo produto dogene cn +

➤➤

➤➤

Figura 54. Via de biossíntese do pigmento omocromo a partirdo aminoácido triptofano, mostrando os locais onde atuam osprodutos dos genes vermilion e cinnabar.

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150

Vamos supor que foi usado o cianeto comoprimeiro veneno de enzima. Nessa situação,observamos que não há produção de Z, e queuma outra molécula, ainda não conhecida, M , édetectada nas células. O que podemos concluir?A explicação mais plausível é que a conversãode A em Z pela célula ocorre em pelo menos duasetapas: A é convertido em M e, então, M éconvertido em Z. O cianeto estaria bloqueando aação da enzima que catalisa a transformação deM num produto subseqüente.

Outros venenos poderiam ser tentados e com otempo seria possível saber mais e mais sobre o meta-bolismo normal, por meio da interferência dessasdrogas nas engrenagens bioquímicas da célula.

Os estudos iniciais de Beadle e Ephrussi sobre amaneira como os genes para a cor dos olhos de D.melanogaster produziam seus efeitos indicavam quea ação do gene poderia ser mediada por enzimas.Foi descoberto o suficiente para se compreenderque a hipótese “um gene - uma enzima” poderia seruma abordagem promissora. No entanto, asprimeiras tentativas de usar D. melanogaster como“reagente bioquímico” mostraram que esse sistemaera muito complexo para se testar aquela hipótesee, pela primeira vez, aquele animal nobre deixou osgeneticistas sem rumo.

Então, uma postura experimental antiga foiinvocada: se os experimentos não podem serfeitos em uma espécie, procure um outra que sirvaa seus propósitos.

NEUROSPORA CRASSA E A GENÉTICA

BIOQUÍMICA

A musa inspiradora da estratégia que iria revo-lucionar não apenas a Genética mas toda a Biolo-gia desceu inesperadamente em Beadle enquantoele estava sentado, um dia, no início de 1941,assistindo uma aula que Tatum ministrava em umcurso sobre bioquímica comparada.

Horowitz relata como Beadle contava essahistória: “Nessa aula Beets [apelido de Beadle]aprendeu que os microorganismos diferemquanto a suas necessidades nutricionais, apesarde todos eles compartilharem a mesma bioquí-mica básica. Se essas diferenças são de origemgenética, ele pensou, seria possível induzir muta-ções gênicas que iriam produzir novas necessida-des nutricionais no organismo testado. Se bemsucedida, essa estratégia levaria diretamente aos

genes que governam compostos bioquímicosconhecidos, e não a genes para substâncias des-conhecidas que requereriam anos de trabalhopara serem identificadas, como era o caso dequase todas as mutações conhecidas na época.”

Para por em prática essa idéia seria necessárioum organismo que pudesse ser submetido a tes-tes genéticos e que crescesse em um meio decultura quimicamente definido. Beadle conheciatal organismo. Ele ouvira falar de Neurosporacrassa, o bolor vermelho do pão, quando aindaera estudante de graduação em Cornell, em umapalestra ministrada por B. O. Dodge.

Dodge teve um papel importante na históriada N. crassa; foi ele quem descobriu que os ascós-poros desse fungo só germinam após terem sidosubmetidos ao calor. Com isso o ciclo de vidapôde ser completado em laboratório e o organis-mo submetido a estudos básicos de Genética. Noentanto, os requisitos nutricionais de N. crassaainda eram desconhecidos em 1940. No labora-tório de Dodge, esse fungo era cultivado em ágarnutritivo, isto é, complementado com diversassubstâncias orgânicas. Foi Tatum quem logomostrou que Neurospora podia crescer em ummeio bastante simples, composto por açúcar, saisminerias e um único fator de crescimento, avitamina biotina. Esse meio ficou conhecido como“meio mínimo”.

Ciclo de vida de Neurospora

A fase vegetativa de Neurospora foi descritainicialmente por microbiologistas franceses, cercade um século antes do trabalho de Beadle eTatum. Esse fungo chamou a atenção dos pesqui-sadores quando, em 1842, em um verão muitoquente e úmido, os pães das padarias de Paris sedeterioraram pelo crescimento de grande quanti-dade de um bolor alaranjado. Foi, então, consti-tuída uma comissão pelo Ministério da Guerrafrancês para determinar as causas da infecção efazer as recomendações devidas para evitá-la. Oresultado desse estudo foi a descrição de diversascaracterísticas do fungo, tais como, tipo decolônia, forma dos micélios, dos conidióforos edos conídios do “bolor vermelho do pão”.

Um segundo estudo científico de Neurosporafoi feito pelo botânico holandês F. A. F. C. Wentno começo do século XX. Durante o período emque trabalhou no famoso Jardim Botânico de

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Buitzenjorg (atualmente, Borgor) na Indonésia,na época uma colônia da Holanda, Went conheceuo oncham, uma espécie de bolo alaranjado comu-mente encontrado nas feiras livres de Java. Essesbolos eram produzidos pelos nativos pela inocu-lação de um fungo em prensados de pasta deamendoim ou de soja que resultavam da extraçãode óleo. Os bolos alaranjados eram apetitosos ealtamente nutritivos, seu sabor assemelhava-se aodo cogumelo champignon. A preparação dooncham é um costume que persiste até hoje emcertas regiões de Java.

A prática de produção do oncham chamou aatenção do botânico holandês, que, na virada doséculo, isolou o fungo e passou a utilizá-lo emexperimentos científicos. Foi ele quem descreveuo fungo N. crassa e seu método de cultivo, tendo-o utilizado também em uma série de experimentossobre os efeitos de diversos substratos em enzimascomo a trealase, a invertase e a tirosinase.

Todas essas observações iniciais sobre N. crassaforam feitas usando a fase vegetativa do organismoe os esporos produzidos assexuadamente,chamados conídios (esporos vegetativos). Ascaracterísticas da fase sexuada do ciclo só setornaram conhecidas na segunda década do séculoXX, quando Dodge descobriu que os esporos(ascósporos) produzidos sexuadamente sógerminavam após terem sido submetidos ao calor.

N. crassa, diferentemente dos animais e dasplantas em geral, é um organismo haplóide. Emsua fase vegetativa normal o organismo é consti-tuído por filamentos (hifas) entrelaçados que, emconjunto, formam uma estrutura esponjosa, omicélio. As hifas são segmentadas e cadasegmento contém, em geral, alguns núcleoshaplóides idênticos. No entanto, hifas de indiví-duos diferentes, crescendo em estreita proximi-dade, podem, ocasionalmente, se fundir, forman-do hifas heterocarióticas. Os núcleos das hifasfundidas não se unem, mantendo-se separados.As hifas heterocarióticas, no entanto, originampor divisão mitótica de seus núcleos haplóidesnovas hifas heterocarióticas.

A reprodução assexuada pode acontecer deduas formas: por crescimento e fragmentaçãode hifas, e pela formação de um tipo especial deesporo haplóde, o conídio. A germinação de umconídio dá origem a um novo micélio genetica-mente idêntico ao tipo parental. (Fig. 55)

151

Um micélio pode formar corpos de frutificaçãoimaturos (protoperitécios) contendo núcleoshaplóides maternos e filamentos sexuais especiais,chamados tricóginos, que se extendem para forado corpo de frutificação. Quando um fragmentode hifa ou conídio de um sexo (A ou a) entra emcontato com um tricógino do sexo oposto (a ouA) ele penetra no corpo de frutificação, sofre inú-meras divisões mitóticas e, cada núcleo originadose funde com um núcleo materno. Formam-se,assim, zigotos diplóides que ficam contidos nointerior de bolsas ovais denominadas ascos. Umcorpo de frutificação de Neurospora pode conteraté 300 ascos.

O zigoto de cada asco sofre meiose imediata-mente, originando quatro núcleos haplóides, quesofrem, então, uma mitose. No final, formam-se,portanto, oito células que se diferenciam emesporos (ascósporos), os quais ficam arranjadosem ordem no interior do asco. Finalmente, osascósporos se libertam: quatro são do tipo sexualA e quatro, do tipo a. O ciclo de Neurosporacrassa, desde a germinação de um esporo até aprodução de novos esporos pelo novo micélio,se completa em cerca de duas semanas.

Os ascósporos de N. crassa são grandes osuficiente para serem isolados manualmente, semnecessidade do uso de micromanipulador. Dessaforma, os quatro produtos de uma meiose podemser facilmente recuperados e analisados indivi-dualmente. A ordenação dos esporos resultantesem um asco heterozigótico permite a determina-ção imediata da ocorrência ou não de permutaçãoentre um dado gene e o centrômero.

O TRABALHO DE BEADLE ETATUM

EM NEUROSPORA

A idéia fundamental de Beadle e Tatum (1941)era que as mutações alteravam os genes tornando-os incapazes de produzir enzimas. Com isso, oorganismo não podia realizar a reação químicacorrespondente e, como conseqüência, expressa-va o fenótipo mutante. No caso em que a reaçãobloqueada fosse essencial ao organismo, o mutantenão sobreviveria, ou seja, a mutação seria letal.

Para testar essa hipótese, Beadle e Tatumcomeçaram tentando induzir mutações letais emNeurospora crassa, por meio de radiação, eestudar seus efeitos bioquímicos. Isso parece, à

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Conídios Conídios

Micélio (N)do tipo A

Micélio (N)do tipo a

Protoperitéciodo tipo a

Protoperitéciodo tipo A Núcleo do

zigoto (2n)

Germinaçãodo esporo

Germinaçãodo esporo

Asco com oitoascósporos

Resultadoda primeiradivisão da

meiose

Resultado da segundadivisão da

meiose

Asco com oitoascósporos

Fecundação de A Fecundação de a

Figura 55. Esquema do ciclo de vida do fungo Neurospora crassa. O corpo vegetativo do fungo consiste defilamentos segmentados chamados hifas. Conídios são esporos assexuados que podem se desenvolverdiretamente em um novo micélio ou podem fertilizar células de organismos de sexo oposto. O protoperitéciose desenvolve em uma estrutura na qual numerosas células sofrem meiose originando ascos com ascósporos.(De acordo com Hartl, 1994)

primeira vista, um problema insolúvel, uma vezque: se o letal mata o indivíduo, ele não pode serestudado. Beadle e Tatum resolveram o problemacom uma das mais inovativas e produtivas linhasde experimentação do século XX; por isso elesganharam, em 1958, o Prêmio Nobel paraMedicina e Fisiologia.

Beadle e Tatum concluíram que os inúmeroscompostos orgânicos que constituem as célulasde Neurospora crassa são produzidos a partir dear, água, sais inorgânicos, sacarose e a vitaminabiotina, pois o fungo se desenvolve normalmenteapenas com esses nutrientes. Assim, a partir dessamatéria prima simples, o fungo é capaz de sinte-tizar todos os tipos de aminoácidos, de proteínas,de gorduras, de carboidratos, de ácidos nucléicos,de vitaminas e de outras substâncias presentesem suas células.

Como um exemplo dos muitos experimentosfeitos por Beadle e Tatum, vamos discutir aquelesreferentes à síntese do aminoácido arginina. Ahipótese era que genes específicos controlam aprodução de enzimas específicas responsáveis porreações que levam à formação da arginina. Presu-mivelmente esses genes poderiam mutar paraformas alélicas incapazes de fazer as enzimas.Como arginina é essencial para a vida da N. crassa,pois entra na formação das proteínas, tais mutaçõesseriam letais.

Beadle e Tatum desenvolveram, então, ummétodo para a identificação de mutantes letaisrelacionados à síntese de arginina e para o cresci-mento e a manutenção desses mutantes. Isto podeparecer impossível, especialmente quando leva-mos em consideração que Neurospora crassa éhaplóide na maior parte de seu ciclo de vida e

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que, portanto, qualquer mutação que impedisse asíntese de arginina seria letal. Como fazer com queesses mutantes sobrevivessem de modo que pudes-sem ser estudados? Esse era o grande desafio.

Primeiro, poderia se usado raio -X para induzirmutações. Eles assumiram que todo tipo de muta-ção poderia ser produzida, mas que, dentre elas,algumas poderiam estar envolvidas na produçãoda arginina. Quando lembramos o quanto é rarauma mutação específica, a possibilidade de obten-ção da mutantes desejados pode parecer extrema-mente pequena. Mas isso pode ser resolvido,aumentado-se o número de esporos irradiados.

Os esporos irradiados poderiam ser colocadosem meio mínimo; parte deles iria crescer, seriamesporos selvagens ou mutantes de genes não-essenciais, ou seja, que não impediam que a N.crassa sintetizasse todas suas substâncias essen-ciais a partir dos poucos produtos químicos domeio mínimo. Outros esporos não iriam germinar,e entre eles poderiam estar mutantes bioquímicosque não conseguiam produzir as enzimas neces-sárias para o crescimento e desenvolvimento nor-mal. Alguns desses últimos poderiam ser mutantesde genes envolvidos na síntese da arginina. Comopoderiam ser encontrados? Isso era realmente umproblema, pois esses esporos não germinariamem meio mínimo e, assim, estavam, em termospráticos, “mortos”.

A solução encontrada por Beadle e Tatum foigenial na sua simplicidade e eficiência. Se esporosnão podiam sintetizar sua própira arginina, porquenão dá-la a eles? E isto foi exatamente o que elesfizeram. Os esporos irradiados eram semeadosem meio mínimo suplementado com arginina.Como esperado, parte dos esporos não cresceu;deveriam ser aqueles com defeitos que não eramcorrigidos pela arginina adicionada ao meio. Nomeio suplementado era esperado que crescessemos selvagens, os portadores de mutações não-letais e os mutantes letais de genes envolvidos nasíntese de arginina. Mas como distingui-los?

Beadle e Tatum transferiram parte de cadamicélio que havia crescido em meio suplementadocom arginina para meio mínimo. Aqueles quecrescessem também em meio mínimo seriam ouselvagens ou portadores de mutações não-letais.Já os que haviam crescido em meio suplementadocom arginina, mas não em meio mínimo, deveriamser os mutantes procurados. (Fig. 56)

153

O próximo e crítico passo na análise era tercerteza que o defeito dos esporos era realmenteherdado. Não se poderia concluir que um eventode mutação fosse a causa de os esporos “letais”crescerem em arginina,. Procedeu-se, então, àanálise genética.

FUNDAMENTOS DA GENÉTICA DE

NEUROSPORA CRASSA

O ciclo de vida do fungo Neurospora crassatorna-o ideal para alguns tipos de análise genética.As colônias são haplóides por quase toda a vidado organismo. Há dois tipos sexuais, A e a, quenão podem ser distinguidos, exceto pelo seucom0portamento sexual. Se colônias de A e aentrarem em contato, parte de seus núcleos sefundem originando zigotos diplóides. A meioseocorre imediatamente após a formação do zigoto,originando quatro núcleos haplóides. Estes se divi-dem, por mitose, e produzem oito esporos haplói-des. Os esporos ficam arranjados no interior doasco em ordem linear, que reflete as duas divisõesda meiose e a única mitose. Os ascos podem serabertos sob um estereomicroscópio e esporosremovidos e colocados em meio de cultura. Por-tanto, é possível obter todos os produtos da meio-se de apenas um zigoto.

Para determinar se uma característica de N.crassa é hereditária, o micélio portador é cruzadocom uma linhagem normal (selvagem) do sexooposto. Os esporos são, então, isolados e coloca-dos para se desenvolver e gerar micélios-filhos.Se verificarmos que metade dos esporos é dotipo selvagem e metade apresenta a característicaalterada, pode-se concluir que a característica édevida a um alelo mutante. Por exemplo, suponhaque a N. crassa selvagem tenha um gene B, queseja necessário para a síntese de arginina, e que aradiação tenha causado uma mutação de B parab. Esta última forma é incapaz de ter qualquerpapel essencial na síntese de arginina. O cruza-mento de um fungo selvagem (B) com o mutanteb produzirá um heterozigoto, que ao sofrermeiose originará quatro esporos B e quatro b.Com esse procedimento, Beadle e Tatumpuderam demonstrar que as diversas linhages deNeurospora que estavam sendo obtidas em seusexperimentos de radiação eram, realmente,decorrentes de mutações gênicas. (Tab. 1)

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Figura 56. Representação esquemática do método para detecção demutantes bioquímicos em Neurospora crassa. O mutante, nesse caso,não consegue crescer em meio mínimo ou em meio suplementado comaminoácidos, mas cresce em meio mínimo suplementado com vitaminas.Ele apresenta uma mutação em um gene que controla uma das etapasda via de biossíntese de uma vitamina. (Original de Beadle, reproduzidode Sinnot et al., 1958)

➤ ➤ ➤

Raios X ou raiosultravioletas

Conídios (esporosproduzidos de modo

assexuadoMicélio tiposelvagem

Cruzado comtipo selvagem do

sexo oposto

Corpo defrutificação

Esporo produzidode modo sexuado

Meio completocom vitaminas,aminoácidosetc.

Meio mínimo

Meiomínimo

Meiocompleto

Meioamino-ácidos

Meiovitaminas

1 2 3 4 5 6 7 8

17 - pdx pdx pdx N N N -

18 - - N N - - pdx pdx

19 - pdx - - - - - N

20 - - N - - - - pdx

22 - - N - - - - -

23 - * * * N N pdx pdx

24 N N N N pdx pdx pdx pdx

Esporo

Asco

N = crescimento normal em meio mínimo;pdx = não cresceu em meio mínimo;* = esporos cujas posições foram misturadas; desses, dois

germinaram e eram mutantes; - = esporos que não germinaram.

Tabela 1. Dados originais de Beadle e Tatum (1941)referentes a uma análise dos esporos de 7 ascosproduzidos num cruzamento entre uma linhagemmutante dependente de piridoxal (vitamina B6) e outraselvagem. Os ascósporos isolados ordenadamente decada asco foram colocados para germinar em meiocontendo a vitamina, onde cresceram tanto mutantesquanto selvagens. Em seguida, eram transferidas parameio mínimo, para a identificação dos mutantes, quenão crescem nesse tipo de meio.

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155

Foram obtidos diversos mutantes que depen-diam de uma mesma substância para crescer. Issolevantou um outro tipo de questão: seriam essaslinhagens genéticas idênticas, ou teriam mutaçõesem genes diferentes envolvidos na produção deuma mesma substância? Por exemplo, pode-seimaginar diversos genes envolvidos na síntese daarginina: A1, A2, A3, A4, etc. Uma mutação emqualquer desses genes poderia originar alelos (a1,a2, etc.) que bloqueariam a produção de arginina.O resultado seria um mesmo fenótipo: incapaci-dade de crescimento em meio mínimo sem arginina.

Por meio de cruzamentos entre mutantes demesmo fenótipo seria possível distinguir entre umcaso de mutantes de genes diferentes ou demutantes de um mesmo gene. Se apenas um geneestivesse envolvido, o cruzamento entre as duaslinhagens produziria esporos incapazes de crescerem meio sem arginina. Alternativamente, caso setratasse de mutantes de genes diferentes, algunsesporos iriam crescer como colônias selvagens,pela razão descrita a seguir.

Considere um cruzamento entre dois mutantesdiferentes a1

X a2. Cada um dos mutantes teria oalelo normal do outro gene: a linhagem mutante a1

teria A2 e a linhagem mutante a2 teria A1. Assim, ocruzamento seria entre a1A2 e A1a2, o que produziriazigotos diplóides com o genótipo A1a1 A2a2. Casoesses genes estivessem em cromossomos diferentes,eles se segregariam independentemente, originandoos seguintes tipos de esporo:1/4 A1A2 (crescem em meio mínimo);1/4 A1a2 (requerem arginina, pois a2 não

funciona);1/4 a1A2 (requerem arginina, pois a1 não

funciona);1/4 a1a2 (requerem arginina, pois nenhum dos

genes funciona).Se, por acaso, os dois genes estivessem em

um mesmo cromossomo, as freqüências dos 4tipos de esporos iriam depender da quantidadede permutação entre eles.

ESTABELECENDO A SEQÜÊNCIA

DE ATUAÇÃO DOS GENES

No início de seus experimentos, Beadle eTatum descobriram 7 mutantes que requeriammeio suplementado com arginina para seu cresci-mento normal. Foi investigada, então, a relação

entre esses mutantes na produção da arginina. Aestratégia foi partir do que já era conhecido sobrea síntese desse aminoácido em outros organismos.

Em 1932, o bioquímico Hans A. Krebs desco-briu que, em algumas células de vertebrados, argi-nina é formada a partir de citrulina, e que citrulinaé formada a partir de ornitina; o precursor da orni-tina, no entanto, ainda era desconhecido. Se N.crassa tivesse uma via metabólica similar, seriapossível determinar como as sete linhagensmutantes estavam envolvidas na cadeia dereações. Isso poderia ser feito verificando-se qual,se algum, dos sete mutantes crescia em meiosuplementado com citrulina ou com ornitina nolugar de arginina.

Muitos experimentos foram feitos. Quatro daslinhagens mutantes cresceram em meios suple-mentados com qualquer uma das três substâncias.Isto sugeriu que essas quatro mutações afetavamgenes envolvidos em reações anteriores ao estágiode ornitina. Se ornitina era fornecida aos mutan-tes, as etapas enzimáticas seguintes, sendo normais,poderiam continuar até a produção da arginina.

Duas das linhagens não cresceram em meiosuplementado apenas com ornitina, mas cresceramnormalmente quando citrulina ou arginina foramadicionadas ao meio. Nesses casos, concluiu-se queo bloqueio era entre ornitina e citrulina.

Finalmente, uma das linhagens cresceu apenasem meio suplementado com arginina. Isto sugeriuque, neste caso, alguma enzima entre citrulina earginina era deficiente ou defeituosa.

Então, Beadle e Tatum foram capazes deconcluir que, para Neurospora crassa sintetizararginina, era necessária uma série de reaçõescontroladas enzimaticamente, e que dois dosintermediários eram ornitina e citrulina.

A hipótese que a função dos genes eracontrolar a produção de enzimas específicasganhou apoio experimental. Não se poderiaconcluir, no entanto, que essa seria a única coisaque os genes fariam.

Da mesma forma que Sutton ligou a Citologiae à Genética no início do século XX. Beadle eTatum ligaram efetivamente a Genética à Bio-química quarenta anos mais tarde. O tipo de expe-rimentação que eles desenvolveram foi usadaimediatamente por numerosos investigadores defungos, leveduras e bactérias. Esta abordagemlevou diretamente à Biologia Molecular de hoje.

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156

Enquanto tudo isto estava sendo feito, outraestratégia para se estudar genética em nível mo-lecular estava a caminho. Foi essa segunda linhade investigação que levou à identificação do genecomo sendo DNA, trazendo a nós a formulaçãodo paradigma atual da Genética por Watson eCrick em 1953.

Bibliografia utilizada na complementação deste texto:

CARLSON, E. A. The gene: a critical history.Filadélfia: W. B. Saunders., 1966.HARTL, D. L. Essential Genetics. Massachusetts:Jones and Bartlett, 1994.

HOROWITZ, N. H. George Wells Beadle (1903-1989).Genetics 124, 1-6, 1990.JENKINS, J. B. Genetics 2ª ed. Boston: HoughtonMifflin, 1979.KOHLER, R. E. Lords of the fly. Chicago: The Uni-versity of Chicago,1994.PERKINS, D. D. Neurospora: The Organism Behindthe Molecular Revolution. Genetics 130, 687-701,1992.SINNOTT, E. W., DUNN, L. C. & DOBZHANSKY, TH. Prin-ciples of Genetics. 5ª ed. New York: McGraw Hill,1958.STRICKBERGER, M. W. Genetics. 2ª ed. New York:MacMillan, 1976.

PARTE A: REVENDO CONCEITOS BÁSICOS

Complete as frases de 1 a 4 com uma dasalternativas abaixo:(a) alcaptonúria (c) enzima(b) disco imaginal (d) ginandromorfo

1. Uma substância de natureza protéica queregula a velocidade de uma reação metabólicaé chamada ( ).

2. Um organismo que possui parte do corpoformado por células femininas e parte porcélulas masculinas é um ( ).

3. ( ) é uma doença genética em que o indivíduonão consegue degradar o ácido homogentísicoe o excreta na urina.

4. Um grupo de células que se mantémindiferenciado nas larvas e que, durante ametamorfose, origina uma estrutura do corpodo inseto adulto é chamado ( ).

Complete as frases de 5 a 10 com um dasalternativas abaixo:(a) asco (c) conídio (e) meio mínimo(b) ascósporo (d) hifa (f) micélio

5. ( ) é um tipo de esporo que se forma durante afase assexuada do ciclo de vida de certos fungos.

6. ( ) é um tipo de esporo que se forma durantea fase sexuada do ciclo de vida de fungosascomicetos.

7. Cada um dos filamentos celulares queconstituem o corpo de um fungo é chamado ( ).

8. O conjunto mais simples de nutrientes quepermite o desenvolvimento de um determinadomicroorganismo é chamado ( ).

EXERCÍCIOS

9. O conjunto de filamentos celulares queconstitui o corpo de um fungo é chamado ( ).

10. A bolsa, em forma de saco geralmentealongado, onde ficam alojados os esporos, quese formam durante o ciclo sexuado de um fungoascomiceto é chamado ( ).

PARTE B: L IGANDO CONCEITOS E FATOS

Utilize as alternativas abaixo para responder asquestões de 11 a 13:(a). Beadle e Ephrussi (c). Morgan(b). Garrod (d). Sturtevant

11. A idéia de que os genes atuam controlandoreações químicas do metabolismo foi propostaoriginalmente por ( ), no começo do século.

12. Foi ( ) quem, a partir da descoberta de umginandromorfo particular, aventou a hipótese deque a coloração vermilion do olho da Droso-phila melanogaster não era uma característicaautônoma.

Para cada uma das frases de 13 a 18 escrevano parênteses a letra V, caso a afirmação sejaverdadeira, ou a letra F, no caso dela ser falsa.

13. A localização de um disco imaginalimplantado no corpo de uma larva determina otipo de estrutura que ele originará. ( )

14. A hipótese “um gene - uma enzima” postulaque os genes atuam controlando a síntese dasenzimas. ( )

15. Diversas vias metabólicas foram elucidadaspor meio do uso de venenos que bloqueavama ação de enzimas específicas. ( )

Page 16: A DESCOBERTA DO MODO DE AÇÃO GÊNICA

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16. Neurospora crassa foi um material ideal paraa elucidação do modo de ação dos genes porapresentar, naturalmente, maior número demutantes visíveis que D. melanogaster. ( )

17. Neurospora crassa é um organismo queapresenta alternância de gerações haplóide ediplóide em seu ciclo de vida. ( )

18. Beadle e Tatum conseguiam mantermutantes incapazes de produzir substânciasessencias à vida, acrescentando essassubstâncias ao meio de cultura. ( )

PARTE C: QUESTÕES PARA PENSAR E DISCUTIR

19. O que levou Garrod a suspeitar que aalcaptonúria fosse hereditária?

20. Que tipo de resultado levou Sturtevant asuspeitar que a mutação vermilion em Dro-sophila melanogaster não tinha desenvol-vimento autônomo?

21. Com que objetivo Beadle e Ephrussiiniciaram as pesquisas de transplante de dis-cos imaginais em Drosophila melanogaster?

22. Como se comporta um disco vermilion oucinnabar transplantado para um hospedeiroselvagem? E um disco selvagem transplantadopara um hospedeiro vermilion ou cinnabar?

23. Como se comporta um disco vermiliontransplantado para um hospedeiro cinnabar?E um disco cinnabar transplantado para umhospedeiro vermilion?

24. Qual foi a hipótese levantada por Beadle eEphrussi para explicar os resultados obtidos nostransplantes envolvendo os mutantes vermilione cinnabar?

25. Que características da Neurospora crassafizeram com que Beadle a escolhesse como ma-terial para o estudo do modo de ação dos genes?

26. Qual era a idéia fundamental do trabalhode Beadle e Tatum em Neurospora crassa?

27. Como Beadle e Tatum puderam estudarmutações letais induzidas por raio X?

28. Como Beadle e Tatum identificavam e manti-nham mutantes incapazes de sintetizar arginina?

29. Como se demonstrou que os defeitos dosesporos irradiados eram de natureza genética?

30. De que maneira a ordenação dos esporosde Neurospora crassa no interior do asco reflete

as duas divisões da meiose e a última mitose?

31. Qual o procedimento usado para verificarse mutantes que dependem de uma mesmasubstância para crescer têm mutações em ummesmo gene ou em genes diferentes?

32. Determine as proporções genotípicas efenotípicas (olhos selvagens ou vermelho-claros) nas gerações F1 e F2 de um cruzamentode Drosophila melanogaster entre fêmeasmutantes vermilion e machos mutantes cinna-bar? (Lembre-se que o gene vermilion é ligadoao sexo, enquanto o cinnabar é autossômico.)

33. Qual o resultado esperado no cruzamentoentre dois mutantes que dependem de umamesma substância para crescer, no caso demutações:a. no mesmo gene;b. em genes diferentes localizados em ummesmo cromossomo;c . em genes localizados em cromossomosdiferentes?

34. O cruzamento de dois camundongos albinos(albinismo recessivo), provenientes de laboratóriosdiferentes, produziu 100% de descendentesselvagens. Explique como isso é possível.

35. Foram isolados cinco mutantes de fungo quenecessitam de um composto G para crescer. Oprecursor e os produtos intermediários da viametabólica biossintética que leva ao produto fi-nal G são conhecidos. Esses compostos foramfornecidos para os mutantes a fim de verificarse havia (+) ou não (-) crescimento na presençade cada composto. Os resultados estãoapresentados na tabela a seguir:

Composto fornecido no meioMutantes

A B C D E G

1 - - - + - +2 - + - + - +3 - - - - - +4 - + + + - +5 + + + + - +

a. Qual é a ordem dos compostos na viametabólica?

b. Em qual passo da via metabólica cadamutante apresenta bloqueio?