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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL A DESCONSTRUÇÃO IDEOPOLÍTICA DA COMPETÊNCIA DO ESTADO DE PERNAMBUCO NA CONDUÇÃO DOS PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO. MAURICIO SILVA DE SOUZA Recife PE 2013

A DESCONSTRUÇÃO IDEOPOLÍTICA DA COMPETÊNCIA DO ESTADO DE ... · de um único modelo universal de desenvolvimento: O capitalismo ... de desenvolvimento. Na seara do processo de

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

    CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS

    DEPARTAMENTO DE SERVIO SOCIAL

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SERVIO SOCIAL

    A DESCONSTRUO IDEOPOLTICA DA COMPETNCIA DO ESTADO DE

    PERNAMBUCO NA CONDUO DOS PROJETOS DE

    DESENVOLVIMENTO.

    MAURICIO SILVA DE SOUZA

    Recife PE

    2013

  • MAURICIO SILVA DE SOUZA

    Tese apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Servio Social da Universidade

    Federal de Pernambuco, como requisito parcial

    para obteno do ttulo de Dr. em Servio

    Social.

    Orientador: Dr. Marx Prestes Barbosa

    RECIFE/2013

  • Catalogao na Fonte

    Bibliotecria ngela de Ftima Correia Simes, CRB4-773

    S729d Souza, Maurcio Silva de A desconstruo ideopoltica da competncia do estado de Pernambuco

    na conduo dos projetos de desenvolvimento / Maurcio Silva de Souza. -

    Recife : O Autor, 2013.

    156 folhas : il. 30 cm.

    Orientador: Prof. Dr. Marx Prestes Barbosa.

    Tese (Doutorado em Servio Social) Universidade Federal de

    Pernambuco. CCSA, 2013.

    Inclui referncia.

    1. Globalizao. 2. Governana. 3. Ideologia. 4. Sustentabilidade.

    I.Barbosa, Marx Prestes (Orientador). II. Ttulo.

    361 CDD (22.ed.) UFPE (CSA 2014 004)

  • MAURICIO SILVA DE SOUZA

    A DESCONSTRUO IDEOPOLTICA DA COMPETNCIA DO ESTADO

    DE PERNAMBUCO NA CONDUO DOS PROJETOS DE

    DESENVOLVIMENTO.

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Servio Social da Universidade

    Federal de Pernambuco, pelo discente Maurcio Silva de Souza, sob orientao do Dr.

    Marx Prestes Barbosa, para obteno do ttulo de Dr. em Servio Social.

    Banca Examinadora:

    _______________________________________________________________

    Prof. Dr. Marx Prestes Barbosa

    _______________________________________________________________

    Prof. Dr. Ene Glria da Silveira

    _______________________________________________________________

    Prof. Dr. Marcelo Vergotti

    _______________________________________________________________

    Prof. Dr.(a) Maria Alexandra da Silva Monteiro Mustaf

    _______________________________________________________________

    Prof. Dr.(a) Ana Cristina de Souza Vieira

    Recife, _____de _____________de _____________.

    Resultado ____________________________________________________.

  • Agradecimentos

    minha famlia: meus pais Severina e Hlio, meus irmos e irm por saberem o quo

    foi rdua a trajetria de construo de nossas vidas e, por juntos, desfrutarmos os

    sucessos e lutas durante longos anos.

    Ao irmo Mrcio Silva de Souza pelas nossas reflexes conjuntas, iniciadas em nossa

    juventude, sobre poltica e sobre os clssicos da literatura.

    minha companheira, Kamila Diniz, pela pacincia, carinho, incentivo e amor

    demonstrado desde o nosso primeiro encontro.

    Ao meu orientador, Dr. Marx Prestes Barbosa, que compartilhou sua vasta experincia e

    sabedoria de forma paciente e ilustrativa o que foi imprescindvel na construo deste

    trabalho.

    professora Dra. Ana Vieira sempre disponvel para dirimir dvidas e depositar apoio

    e confiana na conduo deste trabalho.

    E por fim, a todos os colegas de curso que ajudaram conhecer e reconhecer, atravs dos

    debates, os olhares convergentes e divergentes sobre as concepes, tericas e prticas,

    que abraam a questo social.

  • Mas tudo veio a ser, no existem fatos eternos: assim como no

    existem verdades absolutas. Portanto, o filosofar histrico

    doravante necessrio, e com ele a virtude da modstia.

    Friedrich Nietzsche

  • RESUMO

    Esta tese de Doutorado constitui um estudo sobre a desconstruo, ideolgico e poltica,

    da competncia do Estado de Pernambuco na conduo de projetos de desenvolvimento.

    O mtodo utilizado foi o materialismo histrico atravs de suas categorias gerais:

    totalidade, contradio e mediao. Ela parte do pressuposto que o capital tem como

    princpio condutor de seu projeto de hegemonia a construo e fortalecimento da ideia

    de um nico modelo universal de desenvolvimento: O capitalismo. Ela traz luz a

    estratgia do capital de estabelecer a universalizao de tal ideia a partir de mecanismos

    de mercado se impondo sobre alternativas diferentes. A partir do desejo de propriedade

    que, segundo seus advogados, parte congnita do ser humano, o capitalismo se

    apresenta como nico, pois o sistema que mais se aproxima dos desejos naturais do

    homem. A tese apresenta categorias e conceitos, como sustentabilidade, meio ambiente

    e governana internacional, demonstrando como elas so pensadas sob um olhar acrtico

    que, por sua vez, no contesta o modelo hegemnico de desenvolvimento. Ao contrrio,

    tais conceitos so incorporados sobre a mesma estrutura de desenvolvimento. Na seara

    do processo de desconstruo da competncia, ela traz um olhar crtico atravs da

    histria das polticas de desenvolvimento brasileiro idealizadas sem uma verdadeira

    transformao das estruturas econmicas de nosso pas e, em especial, de Pernambuco.

    Ao longo do processo de incremento econmico em Pernambuco a ideia de

    desenvolvimento foi construda sob um modelo reformista que garante o lucro e o

    pensamento hegemnico do capital. Entretanto, as crises e a m conduo de tal modelo

    pe em dvida a eficincia da gesto do Estado Pernambucano. A partir da reflexo

    sobre o programa de desenvolvimento de Pernambuco PRODEPE e do Complexo

    Porturio de Suape so apresentados problemas gerenciais, sociais e ambientais que

    refletem a incompetncia do Governo do Estado na direo de tais projetos. Como o

    capital excluiu um olhar sobre a totalidade e sua estrutura econmica, sobra aos gestores

    e instituies a culpabilidade por no incrementar, de forma eficiente e eficaz, os

    mecanismos de administrao contempornea. Abre-se espao, j que as instituies

    estatais e locais so incompetentes para as novas instituies supranacionais e suas

    teorias de governana. Essas instituies extirpam a soberania do Estado propondo um

    novo modelo de gesto que coloca o Estado como ator coadjuvante nesse processo. Sob

    o sofismo de ajuda e altrusmo global, o capital, que o grande controlador das

    organizaes supranacionais, incorpora, cada vez mais, poder sobre os Estados. Assim,

    o capital ganha na construo e implementao do modelo econmico universal atravs

    dos subsdios fiscais, doao de terras e subempregos. E, quando da eminncia da

    incompetncia de tal modelo, ele usa tal fato para garantir mais poder.

    Palavras Chaves: Globalizao, Governana, Ideologia, Sustentabilidade e

    Desenvolvimento.

  • ABSTRACT

    This doctoral thesis is a study of deconstruction, ideological and political, of the State of

    Pernambuco in conducting development projects. The method used was historical

    materialism through its general categories: totality, contradiction and mediation. This

    thesis assumes that capital has at its core a guiding principle of hegemony building and

    Capitalism is slowly strengthening as the central theme in ideas of a single universal

    model of development. The thesis brings to light the strategy of capital to establish the

    universality of the idea of market mechanisms being imposed on different alternatives.

    Basing itself on the congenital human desire to own property, Capitalism presents itself

    as unique since appears as a system that most closely resembles the natural desires of

    man. This thesis presents categories and concepts such as sustainability, environment

    and international governance, and shows how they are conceived. It is not critical in that

    it does not challenge the hegemonic development model. Rather, these concepts are

    incorporated into the structure of development. This thesis passes a critical eye over the

    history of the Brazilian development policies devised without a real transformation of

    the economic structure of our country and, in particular, of Pernambuco . Throughout

    the economic growth process in Pernambuco the idea of development was built using a

    reform model that guaranteed a profit for capital and hegemonic thinking. However,

    mismanagement and frequent crises have cast a doubt on the efficiency of management

    in the Pernambuco State. This thesis reflects upon some of the development programs

    of Pernambuco - PRODEPE and Port Complex of Suape. Through this reflection the

    managerial, social and environmental problems that show the incompetence of the State

    Government towards such projects are presented. As Capital excluded a look at the

    comprehensive economic structure, institutions and managers hold responsibility (and

    guilt) for not increasing, efficiently and effectively, the mechanisms of contemporary

    administration. Existing State and local institutions are incompetent in that they are not

    aligned to new supranational institutions and new theories of governance. These

    institutions uproot state sovereignty by proposing a new management model that places

    the state as a supporting actor in this process. Under the sophistry of global aid and

    altruism, Capital is the major driver of supranational organizations. Capital incorporates

    within itself, increasingly, power over the states. Thus Capital gains in the construction

    and implementation of the universal economic model through tax, land grant subsidies. .

    And when the limits of such a model become clear Capital then seeks out more power

    to perpetuate itself, eventually creating a never ending cycle for power.

    Key Words: Globalization, Governance, Ideology, Sustainability and Development.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 01: Foto da Usina de Chernorbil aps o desastre

    76

    Figura: 02: A hiptese da Curva de Kuznets Ambiental Global

    77

    Figura 03: Produto Interno Bruto URSS 1970 1990

    79

    Figura 04: Produto interno bruto (PIB) de EUA, 1970-2011

    80

    Figura5 : Condecorao de Che Guevara por Jnio Quadros

    95

    Figura 6 Porto de SUAPE

    105

    Figura 07: Foto da Rota do Coqueiro Bairro Nobre

    .

    123

    Figura 08: Manses rea nobre.

    124

    Figura 09: sob o cu aberto na periferia

    124

    Figura 10 : Contraste paradas de nibus na Rota dos Coqueiros e na periferia

    125

    Figura 11: Contraste paradas de nibus na Rota dos Coqueiros e na periferia

    125

    Figura 12: Buracos e esgoto na periferia.

    125

    Figura 13: Frmula para medir cada ndice de dimenso

    126

    Figura 14: - Frmula do IDH

    126

    Figura 15: Esgoto e moradia em Gaibu Cabo de Santo Agostinho

    126

    Figura 16: Apesar de o carro ter um adesivo do partido que governava o Estado

    na poca (2012) quando paramos para tirar fotos a segurana se mostrou bem

    eficiente e apareceu em apenas 2 minutos.

    129

    Figura 17: Foto de Carro de monitoramento escoltando nosso carro at a sada

    do Bairro.

    130

    Figura 18: Trabalhadores construindo residncias para a elite na Rota dos

    coqueiros.

    130

    Figura 19: Trabalhadores aguardando transporte depois de prestar servios na

    Rota dos coqueiros: Paradas de nibus diferenciadas da grande realidade do

    municpio do Cabo de Santo Agostinho.

    132

    Figura 20: Praia do Paiva. Vrias restries para satisfazer a elite da Rota dos

    Coqueiros

    133

  • Figura 21: Foto praia de Gaibu: escoamento do esgoto para praia.

    136

    Figura 22: Foto do canal de Esgoto batida da praia.

    137

    Figura 23: Capa da The Economist Novembro/2009 Brasil Decola The

    Economist Setembro/2013 Como o Brasil estragou tudo?

    140

  • LISTA DE QUADROS

    QUADRO 1: EVENTOS IMPORTANTES PARA QUESTO AMBIENTAL

    74

    QUADRO 2: COMPARATIVO INVESTIMENTO PBLICO EM SUAPE

    1995 2007

    106

    QUADRO 3 - INVESTIMENTOS PRIVADOS EM SUAPE AT 2008

    107

    QUADRO 04: INCENTIVOS FISCAIS EM PE - DEMONSTRATIVO

    AGRUPAMENTO INDUSTRIAL ESPECIAL

    109

    QUADRO 5: INCENTIVOS FISCAIS EM PE - SETOR PRIORITRIO

    109

    QUADRO 6: INCENTIVOS FISCAIS EM PE - INDSTRIAS

    RELEVANTES E SEUS BENEFCIOS.

    109

    QUADRO 7 INCENTIVOS FISCAIS EM PE - AGRUPAMENTOS

    INDUSTRIAIS COM TERCEIRIZAO DENTRO DO ESTADO

    110

    QUADRO 8: INCENTIVOS INDUSTRIAIS EM PE - CENTRAL DE

    DISTRIBUIO

    110

    QUADRO 9: INCENTIVOS FISCAIS EM PE - COMRCIO IMPORTADOR

    ATACADISTA

    110

    QUADRO 10: NMERO DE EMPREGOS PREVISTOS ANOS 2007, 2008 E

    2009

    116

    QUADRO 11: IDH DE IPOJUCA

    121

    QUADRO 12: IDH DO CABO DE SANTO AGOSTINO

    122

    QUADRO 13: QUADRO PIB PER CAPITA POR REGIES DE

    PERNAMBUCO 2005 2010.

    122

    QUADRO 14: DEMONSTRATIVO DO CLCULO IDH 127

  • LISTA DE SIGLAS

    AD/DIPER Agncia de Desenvolvimento de Pernambuco.

    ALALC - Associao Latino Americana de Livre Comrcio

    BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

    CDM - Clean Development Mechanis

    EUA Estados Unidos da Amrica

    FIEPE - Federao das Indstrias do Estado de Pernambuco

    FMI Fundo Monetrio Internacional

    CGT Central Geral dos Trabalhadores

    IDH ndice de Desenvolvimento Humano

    IDH-M ndice de Desenvolvimento Humano Municipal

    IPCC International Panel on Climate Change

    MDL Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

    OEA Organizao dos Estados Americanos

    OMC Organizao Mundial do Comrcio

    ONU Organizao das Naes Unidas

    OPA Operao Pan-americana

    PIB Produto Interno Bruto

    PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento.

    PRODEPE Programa de Desenvolvimento de Pernambuco

    SUDAM - Superintendncia do Desenvolvimento da Amaznia

    SUDENE - Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste

    SEPLAG /PE Secretaria de Planejamento do Estado de Pernambuco.

    SUAPE Complexo Industrial e Porturio de SUAPE

  • UNFCC Quadro das Naes Unidas sobre mudanas climticas

    URSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas

  • SUMRIO

    INTRODUO ............................................................................................................. 14

    CAPTULO 1 GLOBALIZAO ............................................................................. 19

    CAPTULO 2 MODELO DE DESENVOLVIMENTO ........................................... 27

    CAPTULO 3 - GOVERNANA INTERNACIONAL .............................................. 44

    CAPTULO 4 - SUSTENTABILDADE AMBIENTAL ............................................ 70

    CAPTULO 5 DESENVOLVIMENTO, AD/DIPER E SUAPE. ............................. 92

    CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................... 145

    REFERNCIAS .......................................................................................................... 149

  • 14

    INTRODUO

    O modo de produo capitalista causa, atravs do seu modelo baseado na

    exaltao e na busca insensata de lucro, repetidas crises localizadas e germinadas em

    sua essncia. Entretanto, atravs de exerccios formulados a partir da contemplao

    funcionalista, o capital desvia o olhar crtico sobre sua estrutura fragmentando e

    simplificando a essncia dessas crises.

    Essa fragmentao exalta o carter democrtico das escolhas individuais

    opondo-se, atravs dos ditames do mercado, qualquer soluo socializadora dos meios

    de produo. Coloca-se como inquestionvel o modelo de produo baseado no lucro e

    aponta as crises como problemas pontuais que devem ser resolvidos, portanto, por

    mecanismos pontuais.

    Dessa forma, desviada a apreciao sobre a totalidade e criam-se receitas de

    fomentao de projetos e/ou polticas de bem-estar que apontam para as solues das

    possveis anomias do mercado e da sociedade.

    Em nosso breve sculo XX (Hobsbawn, 1995), vrias foram as ocasies onde

    isso ocorreu. Seja nos projetos assistencialistas norte americano do incio do sculo

    passado, seja nas reflexes do estado de bem estar social de Keynes nos anos de 1930,

    seja nas propostas de reformulao dos direitos trabalhistas e privatizao das empresas

    pblicas do neoliberalismo. O sistema capitalista sempre procurou manter intocvel o

    iderio bsico que compe sua estrutura: o lucro atravs da mais-valia.

    No incio do sculo XXI, o iderio capitalista intensifica as ferramentas de

    continuidade e manuteno de seu iderio a partir da universalizao de seu

    pensamento, utilizando para chegar ao seu objetivo, a concepo de globalizao como

    resultante de uma aproximao de todos os povos com o sucesso do capitalismo.

    Entretanto, concomitantemente a propagao do iderio capitalista, observam-se

    crises de gesto, crises econmicas, crises ambientais. Alm das clssicas questes

    sociais como a sade, a pobreza (fsica e de conhecimento), o pauperismo que mata de

  • 15

    fome milhes de pessoas todos os anos (FAO; 2013)1 e epidemias que se alastram

    principalmente nos pases em desenvolvimento.

    Novamente, as solues apontadas para tais questes so pontuais. A dinmica

    do capitalismo contemporneo sinaliza para a mercantilizao da destruio ambiental

    (Silva, 2010). Entretanto, aponta a questo ambiental como um problema isolado que

    pode ser resgatado a partir de projetos de responsabilidade ambiental ou por

    mecanismos de crdito de carbono.

    A pobreza e a misria so tratadas como questes isoladas de sociedades ou

    indivduos que ainda no se adaptaram a dinmica do mundo globalizado. A fome, que

    se acentua nos pases subdesenvolvidos, visto, de maneira simplria, como oriunda de

    culturas atrasadas que vivem sob a gide da corrupo.

    Encontram-se, portanto, explicaes fragmentadas, construdas a partir de

    mecanismos ideopolticos que destroem a autoestima, fazendo, dessa forma, o arranjo

    do terreno dos pases subalternos para a interveno de instituies internacionais

    expert nos procedimentos da gesto ps-moderna2.

    O cerne da questo retorna, novamente, a procedimentos isolados. Aqui eles so

    representados pelo conceito de ineficincia e ineficcia administrativa. Portanto,

    sujeitos a procedimentos gerenciais que os coloquem no eixo e os faam funcionar.

    O procedimento mais popularizado, neste cenrio ps-moderno, pelo capital, na

    ltima dcada a governana internacional que debilita o poder do Estado Nacional em

    sua soberania, aumentando, por sua vez, o poder de gesto das organizaes

    supranacionais.

    Esta pesquisa tem como objetivo investigar o processo de gesto sobre as

    polticas de incentivos fiscais e de crescimento econmico em Pernambuco a partir de

    uma reflexo sobre o Complexo Industrial e Porturio de Suape e do programa de

    incentivos fiscais do Estado de Pernambuco. Este ltimo conduzido pela AD/DIPER,

    chamado PRODEPE. E, por sua vez, apresentar uma reflexo da capacidade de gesto

    1 Disponvel em: . Acesso em: 26 jul. 2013.

    2 Sobre a Ps-Modernidade o livro: As origens da ps-modernidade por Perry Anderson (1999) uma

    obra de referncia para entender a construo histrica do termo. Nesta tese o conceito utilizado como uma poca que tenta se consolidar, hegemonicamente, atravs do consumo na esfera global e de ferramentas de gesto, na administrao pblica, que mina o poder e a soberania dos Estado.

  • 16

    desses projetos e de sua transformao como mote e justificativa para elaborao da

    construo do iderio capitalista de governana internacional.

    Convm destacar que o interesse em estudar o assunto em foco foi despertado

    atravs da compreenso de um trabalho de integrao entre desenvolvimento social,

    ambiental e econmico, to necessrio contemporaneidade, nos projetos de fomento

    de negcios elaborados pela Agncia de Desenvolvimento Econmico de Pernambuco

    AD/DIPER. Essa instituio tem como objetivo central a atrao de negcios para o

    Estado de Pernambuco. Entre suas vrias funes podemos destacar: a gesto dos

    distritos industriais de Pernambuco, a anlise dos projetos de incentivos fiscais e as

    polticas de interiorizao do desenvolvimento econmico. Ademais, houve atuao

    como gestor de Distritos Industriais e como analista de incentivos, alm de outros

    cargos, por muitos anos no interior dessa Agncia.

    Alm disso, as consequncias sociais das polticas econmicas geraram um

    grande interesse quando do estudo que foi realizado na University of Sheffield,

    Mestrado em Polticas Pblicas, intitulado Desenvolvimento social no Brasil e sua

    implicao para a consolidao da democracia. Ao analisar, neste trabalho, as causas

    da debilidade apresentada por algumas polticas sociais, a ateno volta-se para a

    necessidade de um melhor tratamento s demandas ambientais e um olhar sobre a

    totalidade, onde as polticas sociais dialoguem, constantemente, com as polticas de

    desenvolvimento econmico.

    Entretanto, foi durante o curso de Economia da Mudana Climtica realizado na

    University of Cambridge, no ano de 2008, que tal interesse se consolidou. O curso

    trouxe luz o processo de avaliao dos custos e benefcios da implantao de polticas

    econmicas realizadas sobre uma base sustentvel. Entre os benefcios apontados,

    destacam-se os ganhos sociais provenientes da ideia de desenvolvimento sustentvel e

    voltados mitigao e adaptao mudana climtica. Entretanto, o que mais chamou a

    ateno foi a grande insistncia de prover aos rgos internacionais o papel principal no

    processo de gesto destas polticas. Mesmo elas sendo executada sob o domiclio de um

  • 17

    territrio nacional, a nfase, centralizou-se na ideia de internacionalizao da gesto a

    partir de princpios de governana3.

    O mtodo utilizado para a anlise o Materialismo Histrico entendido como

    uma metodologia que, a partir da totalidade, busca onde a localidade est inserida em

    um contexto estrutural. Desta forma, aponta as contradies e trata da realidade atravs

    de um retorno s fontes que estrutura as relaes sociais j que a coisa em si no se

    torna explcita imediatamente Kosik (1995). Ademais, tal mtodo constitui na

    possibilidade de um rompimento transformador nas relaes sociais.

    Assim, a tese apresenta as trs categorias nucleares do pensamento marxiano:

    Totalidade, Contradio e mediao. A Totalidade est constituda das contradies

    inerentes ao sistema universal de desenvolvimento propagandeado pelo capital. Tais

    contradies podem ser vislumbradas pela ausncia de tudo aquilo que o modelo

    capitalista apregoa (o capital no solucionou, nem vai solucionar os problemas

    inerentes ao seu funcionamento: pobreza, fome, destruio da natureza). Alm disso, a

    ausncia de instrumentos de gesto que incorpore os ditames de eficincia ps-moderna

    no objeto em anlise , em si s, representativo de contradio, pois no executa aquilo

    que apregoa. Por outro lado, os mediadores que compem essa anlise baseiam-se em

    conceitos e categorias tais como: Governana, Meio Ambiente e Sustentabilidade to

    em voga na contemporaneidade. Estes, por sua vez, esto inseridos na ideia de

    globalizao e de uma governabilidade mundial garantidora da democracia liberal.

    Dessa forma, a organizao da presente tese segue esta introduo: cinco

    captulos e mais as consideraes finais. O primeiro captulo, segue a construo da

    ideia sobre globalizao e seus mecanismos de excluso. O captulo dois tem o ttulo

    de Modelo de Desenvolvimento, para chamar ateno da tentativa, pelos patrocinadores

    do capitalismo, de universalizao de um nico modelo capaz de conduzir ao

    desenvolvimento. A construo da ideia de uma governana internacional trabalhada,

    no captulo trs, a partir dos ditames ambientais muito utilizados em tempo de

    aquecimento global e mudanas climticas. Ainda, seguindo os princpios do meio

    ambiente, o captulo quatro trabalha com uma concepo ampliada do conceito de

    ambiente, exaltando-o, verdadeiramente, como objeto de sustentabilidade, o espao de

    3 O captulo 4 desta tese trata da ideia de governana usando como exemplo o Meio Ambiente no

    cenrio internacional. Entretanto, o livro de John Pierre e B Guy Peters: Governance, Politics and the State, trata do tema detalhadamente.

  • 18

    negcios e explorao e da necessidade da manuteno deste ambiente pelo capital. O

    quinto captulo apresenta um breve olhar, a partir da segunda guerra mundial, do

    comprometimento brasileiro com o modelo desenvolvimentista que garanta o status quo

    do modelo universal de desenvolvimento capitalista. Alm disso, ele traz uma anlise

    crtica a respeito do processo de gesto da AD/DIPER e SUAPE, apresentando os dados

    dbeis, da primeira, para justificar seu projeto de incentivos fiscais e os ndices

    limitados usados, pelo governo do Estado, para identificar o desenvolvimento de

    Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho, dois municpios onde esto localizados SUAPE. As

    consideraes finais apontam a utilizao ideopoltica, apropriadas a partir da ausncia

    de sustentabilidade nas reas pesquisadas, como brechas e argumentos da necessidade

    de instrumento de governana internacional em Pernambuco e, consequentemente, no

    Brasil.

  • 19

    CAPTULO 1 GLOBALIZAO

    Debate muito explorado desde o trmino da segunda grande guerra mundial, a

    internacionalizao, ganha uma nova aparncia no final do sculo XX. Essa

    internacionalizao batizada pelo nome de globalizao. Sua estrutura construda a

    partir de uma ideologia patrocinada pelas corporaes empresarias, pelas organizaes

    financeiras internacionais, criadas logo aps a segunda guerra mundial (Fundo

    Monetrio Internacional e Banco Mundial), alm de outros atores como a Organizao

    das Naes Unidas e os Blocos Econmicos representativos dos pases hegemnicos.

    De acordo com Milton Santos (2011, p.18) os fundamentos dessa globalizao so a

    informao e o seu imprio, que encontram alicerce na produo de imagens e do

    imaginrio, e se pem a servio do imprio do dinheiro.

    Entre os vrios aspectos internacionais discutidos pelos que defendem e

    propagam esse imaginrio, est a questo ambiental. A questo ambiental, na

    contemporaneidade, dominada pelo debate em torno das mudanas do clima planetrio

    causado por aes antropognicas elevando a temperatura global. Os advogados da

    globalizao, como instrumento mercadolgico e universalista, apresentam solues

    para esses problemas atravs de ferramentas baseadas, obviamente, em mtodos de

    mercado (Crdito de Carbono, Polticas de Sustentabilidade nas corporaes

    empresariais, etc.). Nesse sentido, so criadas fantasias, cuja repetio, acaba por se

    tornar uma base aparentemente slida (Santos 2011, p. 18) para a soluo de questes

    como o desflorestamento, a pobreza e o subdesenvolvimento.

    Nesta fantasia o capital circula com a finalidade de ampliar-se, criando um

    grande sistema cultural baseado na produo de subjetividade por meio da propaganda.

    Isso leva a acreditar que diferentes lugares necessitam das mesmas mercadorias,

    reduzindo a geografia a um simulacro. Para Harvey:

    Por meio da experincia de tudo comida, hbitos culinrios, msica,

    televiso, espetculos e cinema , hoje possvel vivenciar a geografia do

    mundo vicariamente, como um simulacro. O entrelaamento de simulacros

    da vida diria rene no mesmo espao e no mesmo tempo diferentes

    mundos (de mercadorias). Mas ele o faz de tal modo que oculta de maneira

    quase perfeita quaisquer vestgios de origem, dos processos de trabalhos

    que os produziram ou das relaes sociais implicadas em sua produo.

    (1992:270-271).

  • 20

    Os trabalhos do professor Milton Santos se colocam como referncias na

    reflexo da globalizao e como proposta na realizao de outra globalizao. Esta

    ltima, mais humana, baseada no respeito especificidade de cada territrio e da cultura

    de cada povo. Segundo Santos:

    ...devemos considerar a existncia de pelo menos trs mundos num s. O

    primeiro seria o mundo como nos fazem v-lo: a globalizao como fbula;

    o segundo seria o mundo tal como ele : a globalizao como perversidade;

    e o terceiro, o mundo como ele pode ser, uma outra globalizao (2011, p.

    18)

    A outra globalizao sugerida por Milton Santos seria uma globalizao mais

    humana e solidria. Esse novo tipo de relao teria como base o respeito a pluralidade

    cultural dos povos que habitam as diversas regies do nosso planeta. Para Santos trata-

    se da existncia de uma verdadeira sociodiversidade, historicamente muito mais

    significativa que a prpria biodiversidade (Santos, 2011, p. 21).

    O perodo histrico pelo qual estamos passando, oferta-nos possibilidades de

    conhecer o planeta extensiva e aprofundadamente (Santos, 2011 p. 31). A tecnologia

    de satlite, o avano da informtica e da engenharia gentica, nos remete uma melhor

    compreenso das questes ligadas ao meio ambiente e ao homem. A utilizao, atravs

    de bases solidrias, dessas informaes podem trazer avanos na qualidade de vida do

    ser humano. Infelizmente, a globalizao como ela , faz com que a cognoscibilidade do

    planeta sejam usadas pelas empresas na busca da mais-valia. Essa busca incessante de

    mais-valia chamada, por Milton Santos(2011), de Tirania do dinheiro. Assim,

    necessrio que se busquem solues estruturais para as questes sociais globais porque

    os mecanismos propostos sobre esta estrutura esto fadados ao fracasso. Portanto, so

    incuas as solues normativas, como a do Protocolo de Quioto ou dos projetos da

    PNUD quando elas so construdas a partir de princpios axiolgicos fundamentadas no

    mercado e na tirania do dinheiro.

    As normas de mercados, no qual est construda a globalizao, tenta a todo

    custo fazer crer que fora dos ditames das corporaes internacionais e do pensamento

  • 21

    neoliberal - que conduzem as aes do Banco Mundial e do Fundo Internacional

    Monetrio FMI - na h solues. Esta viso ideolgica chamada por Milton

    Santos(2011) de Globalitarismo.

    Entre outras coisas, o Globalitarismo propagandeia: o fim das fronteiras para o

    mercado internacional; uma administrao global dos bens naturais (governana

    global); a democracia como sinnimo de liberdade de consumo (Santos, 1988), alm de

    receitas universais para as solues dos problemas locais. Quando relacionada gesto

    pblica, nos anos 1990, a soluo estava baseada na privatizao. J no sculo XXI

    alm da privatizao uma possvel soluo engloba aspecto da Governana.

    Tal globalitarismo, constitudo verdadeiramente de um lobo sob pele de

    cordeiro, abraa a imagem altrusta para divulgar seus projetos. Enquanto que, pases

    hegemnicos4 utilizam do mesmo argumento para justificar hostilidades e esconder

    seus objetivos imperialistas (Hobsbawn, 2007), fragmentando territrios e pases,

    fazendo indivduos se sentirem, de alguma forma, mais prxima a cultura dos pases

    hegemnicos do que a dos seus vizinhos.

    Porm, no debate sobre a globalizao no temos encontrado anlises que

    consideram os fragmentos que ele acarreta. Ao contrrio, ressaltam-se as suas vantagens

    aparentes, porm sem configur-la com maior preciso" (Ribeiro, 1995:18).

    Na busca pela eficincia Globalitarista Santos aponta o empobrecimento das

    cincias humanas no interior deste processo. Para Santos (2011) esse empobrecimento

    nos leva a dificuldade de entender o mundo e a implantao de novas concepes sobre

    o valor a atribuir a cada objeto, a cada indivduo, a cada relao, a cada lugar,

    legitimando novas modalidades e novas regras da produo e do consumo. Essas novas

    concepes sobre o valor constituda e apresentada na forma do individualismo e da

    competitividade. Portanto, so esquecidos e excludos, neste processo, a coletividade e a

    solidariedade. Elementos que deveriam estar mais presentes, j que so fundamentais na

    vida em sociedade.

    4 Os pases hegemnicos referidos aqui podem ser exemplificados pela Alemanha, Reino Unido, Frana,

    Canad, entre outros. O site A nova Democracia traz uma contribuio importante para reflexo sobre hegemonia nas Relaes Internacionais e os Pases hegemnicos: http://www.anovademocracia.com.br/no-11/1104-dez-coisas-que-todo-brasileiro-deveria-saber.

  • 22

    Como consequncia, temos o esquecimento da oposio entre o homem cidado

    e o homem consumista. O homem passa ser consumista dos servios que garantam seu

    Bem-Estar. O transporte pblico trocado pelo carro ou pela motocicleta; a escola

    pblica pelo colgio particular; o sistema nico de sade pelos planos privados; a

    aposentadoria universal pelos planos de aposentadoria complementar dos bancos.

    Esse tipo de problema torna-se mais srio em uma sociedade como a brasileira

    - onde a condio de homem cidado nunca foi consolidada. De acordo com Santos:

    certo que no Brasil tal oposio menos sentida, porque em nosso pas

    jamais houve a figura do cidado. As classes chamadas superiores,

    incluindo as classes mdias, jamais quiseram ser cidads; os pobres jamais

    puderam ser cidados. As classes mdias foram condicionadas a apenas

    querer privilgios e no direitos. E isso um dado essencial do

    entendimento do Brasil (SANTOS, 2011, p 49).

    A ausncia de cidadania de nosso povo fermenta a ausncia de polticas, sobre

    base verdadeiramente sustentvel, de nossos rgos fomentadores do desenvolvimento

    econmico. O que interessa quantos empregos sero gerados. Enquanto que questes

    sociais so secundrias na avaliao dessas polticas. Por outro lado, para satisfazer as

    demandas gerenciais das convenes internacionais so criados comits, conselhos e

    legislaes que esto longes da realidade caracterstica de um pas que Carvalho (1995,

    p. 21) chama de uma contradio entre o pas legal e o pas real.

    As lgicas exgenas do Globalitarismo, portanto, conduz o comportamento

    interno de pases mais vulnerveis como o Brasil. A solidariedade que deveria conduzir

    as aes dos Estados dentro da federao permutada por aes de competitividade

    entre eles (A guerra entre os estados atravs da iseno fiscal por exemplo). A produo

    de alimentos cada vez mais voltada ao comrcio exterior, enquanto a agricultura de

    subsistncia vai desaparecendo a cada dia. As polticas estaduais de desenvolvimento

    econmico so, na prtica, desvinculadas das polticas sociais. O cuidado com a

    natureza e com as causas das questes sociais so subordinados aos ganhos

    individuais e do consumismo.

    Todavia, a prpria globalizao produz elementos para a transformao do

    cenrio atual. Tal transformao, alimentada por aspectos polticos e tcnicos,

    construda de baixo reaes locais para cima. Algumas vezes, ela constituda e

  • 23

    sentida pela ineficincia de polticas pblicas (como exemplo a SUDENE que foi

    ineficaz na reduo dos grandes problemas sociais e econmicos no Nordeste

    Brasileiro). Por outro lado, as crises internas dos pases no hegemnicos dentro da

    Unio Europia vm germinando, de uma maneira cada vez mais acentuada, oposio a

    universalizao do pensamento baseado na ideia de eficincia do mercado. Esse

    processo de oposio s ideias hegemnicas pode ser traduzido pelo o que Milton

    Santos (2011) chama de: As dialticas endgenas. As dialticas endgenas uma

    reao as polticas Globalistaristas que acabam, no longo prazo e mesmo no mdio

    prazo, por revelar sua debilidade, sua relatividade, sua ineficcia, sua no

    operacionalidade. (Santos 2011, p. 95).

    As crises resultantes de um processo de globalizao, baseado no mercado,

    resulta em uma discusso sobre a importncia do Estado Nacional dentro do cenrio das

    relaes internacionais. Como falamos anteriormente a reao ao processo de

    globalizao acontece dentro do territrio nacional e passa, atravs de discusses

    tcnicas, pelos governos municipal e estadual. No Brasil se caracteriza pelo debate e

    discusso tcnica para saber quem vai arcar com o nus das dificuldades financeiras e,

    principalmente, sociais, resultante da globalizao.

    Sabe-se que o capital financeiro resultante da globalizao mvel e objetiva

    nica e exclusivamente o lucro. Neste sentido, a qualquer sinal de crise, esse capital se

    retrai e transferido de um local para outro rapidamente. Tal transferncia no se

    preocupa pelas questes ambientais de uma determinada regio, nem pela fome ou pela

    misria resultante de sua poltica ineficiente. Simplesmente o capital buscar outra

    regio ou outro pas que resulte em maior lucro aos seus investimentos. Ao mesmo

    tempo em que o capital se retira, aparecem as organizaes financeiras internacionais,

    como o BIRD e o FMI, dispostas a ajudar na recuperao de determinada regio.

    Porm, essa ajuda exige de contrapartida a implementao de polticas, macro e

    micro, econmicas e da chamada reforma administrativa do Estado. As reformas,

    propostas pelas organizaes internacionais, resultam sempre em um ambiente mais

    favorvel ao retorno do capital financeiro internacional. Ao mesmo tempo, se deteriora

    soberania nacional, enquanto os problemas sociais (violncia, pssima qualidade nos

    sistemas de educao e sade pblica, entre outras) so cada vez mais acentuados no

    campo e nos grandes centros dos pases subalternos.

  • 24

    Segundo Hobsbawn (2007, p. 11) a globalizao acompanhada de mercados

    livres, atualmente em voga, trouxe consigo uma dramtica acentuao das

    desigualdades econmicas e sociais no interior das naes e entre elas.

    O ciclo vicioso do capital financeiro internacional, ditado por uma ordem

    hegemnica de mercado e pelas organizaes multilaterais que as representam, resulta

    numa integrao destinada a favorecer os atores hegemnicos. Segundo Santos (2011,

    p. 106) tal integrao, vertical, dependente e alienadora, j que as decises essenciais

    concernentes aos processos locais so estranhas ao lugar e obedecem a motivaes

    distantes.

    Porm, nesse contexto de verticalizao que, paradoxalmente, se aprofunda,

    dialeticamente a reao ao globalitarismo. A reao da qual nos referimos est

    constituda na personalidade de cada regio. Santos afirma que:

    O fato de que o Estado se preocupe sobretudo com o desempenho das

    macroempresas, s quais oferecem regras de natureza geral desconhecem

    particularidades criadas a partir do meio geogrfico, leva ampliao das

    verticalidades e, paralelamente, permite o aprofundamento da

    personalidade das horizontalidades. (2011. p. 109)

    Nesse sentido, as polticas pblicas de desenvolvimento econmico em

    Pernambuco, em especial o PRODEPE, sofrem desta caracterstica. A natureza

    universalista de gesto e implementao abraada pelo vis mercantilista global sem

    considerar as particularidades das regies, da populao e do ambiente aonde elas so

    acionadas.

    Milton Santos (2011) aponta a importncia da personalidade das

    horizontalidades que podem respaldar a transformao do que ele chama globalitarismo

    para uma globalizao solidria, social e humana. Segundo ele:

    ...nestas, ainda que estejam presentes empresas com diferentes nveis de

    tcnicas, de capital e de organizao, o princpio que permite a

    sobrevivncia de cada uma o de busca de certa integrao no processo de

    ao. Trata-se, aqui, da produo de uma integrao solidria, obtida

    mediante solidariedade internas, cuja natureza tanto econmica, social e

    cultural como propriamente geogrfica (Santos, 2011, p. 109).

  • 25

    As integraes horizontalizadas podem e devem ser incentivadas atravs de

    polticas pblicas que coloquem em relevo a transformao do modo de produo

    capitalista. Pode-se, aqui citar, como exemplo, polticas pblicas que incentivem a

    economia solidria e o Arranjos Produtivos Locais APLS. Este ltimo, incorporando,

    em seu processo de gesto, a presena de vrios atores de diferentes segmentos da

    sociedade civil. Por exemplo, os sindicatos e as Universidades. Entretanto, mister que

    se elimine o capital do processo de gesto e de governana, abrangendo desta forma

    outras instituies crticas do capital. .

    Nas instituies da sociedade civil podemos destacar um elemento essencial na

    transformao da globalizao. Tal elemento so os intelectuais presentes tanto em

    sindicatos, nas universidades e em outras instituies representativas. Segundo Santos

    (2011, p.74) necessrio que os intelectuais assumam o papel, inerente a eles, que tem

    como funo principal,..., o casamento permanente com o porvir, por meio da busca

    incansada da verdade.

    Tais intelectuais devem buscar solues estruturais atravs da integrao das

    polticas pblicas com as sociais. Para Santos (2011, p. 75), as chamadas polticas

    pblicas, quando existentes, no podem substituir a poltica social, considerada um

    elenco coerente com as demais polticas (econmica, territorial, etc). E elas s podem

    ser conjugadas quando inseridas em um sistema poltico e econmico que se

    sobreponha ao julgo do mercado e do capital. Assim, ultrapassa-se o olhar dbil e

    fragmentado de uma globalizao excludente para ir mais alm do que determina o

    capital.

    E isto tem sua origem na localidade sem excluir um olhar sobre as relaes

    sociais em uma esfera macro. Assim como polticas sociais e polticas pblicas so em

    si s parte de uma totalidade, assim tambm o local e o global.

    Os lugares so individuais. Mas, tambm global. Os lugares, por si s, j esto

    inseridos dentro de um sistema e dialogam entre eles. Acontecimentos no hemisfrio sul

    tm consequncias no hemisfrio norte e vice-versa. O planeta um nico sistema

    composto de singularidades regionais que se comunicam. Nas palavras de Santos(2011,

    p. 112): Os lugares...so singulares, mas so tambm globais, manifestaes da

    totalidade-mundo, da qual so formas particulares.

  • 26

    Trata-se, portanto, de globalizar no os espaos, mas as pessoas. Essa outra

    globalizao transformadora e comea na estrutura das relaes sociais atravs de uma

    mediao poltica que incorpore elementos do cotidiano. Caso contrrio, todas as

    polticas pblicas esto sujeitas ao fracasso.

    No sabemos para onde estamos indo. S sabemos que a histria nos

    trouxe at este ponto e por qu. Contudo uma coisa claro. Se a

    humanidade quer ter um futuro reconhecvel, no pode ser pelo

    prolongamento do passado ou do presente. Se tentarmos construir o

    terceiro milnio nessa base, vamos fracassar. E o preo do fracasso, ou

    seja, a alternativa para uma mudana da sociedade, a escurido.

    (Hobsbawn; 1997, P. 562):

    Exige-se uma interpretao mais filosfica que ultrapasse a descoberta da

    diferena e atinja conscincia de classe. Assim, elimina-se a globalizao exploradora

    baseado na diviso internacional do trabalho, no consumismo e na busca do lucro.

    Emerge-se outra: comunitria, revolucionria e humanitria, conduzida sobre uma

    solidariedade de classe e pelo trabalho.

    No cabe, todavia, perder a esperana, porque os progressos tcnicos (...)

    bastariam para produzir muito mais alimentos do que a populao atual

    necessita e, aplicados medicina, reduziriam drasticamente as doenas e a

    mortalidade. Um mundo solidrio produzir muitos empregos, ampliando

    um intercmbio pacfico entre os povos e eliminando a belicosidade do

    processo competitivo, que todos os dias reduz a mo-de-obra. possvel

    pensar na realizao de um mundo de bem-estar, onde os homens sero

    mais felizes, um outro tipo de globalizao" (Santos, 2011:80).

  • 27

    CAPTULO 2 MODELO DE DESENVOLVIMENTO

    Modelo se constitui na forma de pensar, criar e conduzir determinadas obras em

    determinado tempo, espao e condies. Em relao ao conceito de desenvolvimento, os

    modelos, portanto, apontam a maneira de planejar e executar aes que estabeleam o

    crescimento e/ou o melhoramento de alguma coisa, ou de algum, em um perodo

    determinado (esse perodo pode ser curto, mdio, longo ou permanente), em uma rea

    ou setor e que leve em conta as condies estabelecidas. Para medir a eficincia e

    eficcia de um modelo de desenvolvimento necessrio, deste modo, delimitar a priori

    o que ser medido para que, a posteriori, seu efeito e fora possam ser calculados.

    Os instrumentos para aferir, se efetivamente, um modelo est sendo conduzido e

    implantando de forma eficiente e eficaz, chamam-se indicadores. Eles vo indicar, por

    exemplo, se os objetivos, de uma determinada poltica pblica de desenvolvimento,

    construdos a partir de um modelo, esto sendo planejados ou executados de forma

    concreta. Ou seja, eles constituem as ferramentas de controle da efetividade, eficincia e

    eficcia de um projeto, programa e/ou poltica. Estes, por sua vez, construdos a partir

    de um modelo que tem inserido no seu escopo, alm dos objetivos mencionados,

    diferentes valores. Estes princpios axiolgicos so determinantes e determinados, por

    sua vez, do e pelo modelo de desenvolvimento sobre o qual a ao est sendo

    construda.

    Sobre indicadores Cohen e Franco(2007, p. 152) esclarecem:

    Uma instncia central do processo de avaliao consiste em

    determinar o grau em que foram alcanadas as finalidades do projeto.

    Isto requer dimensionar o objetivo geral em subconjuntos de objetivos

    especficos, os quais por sua vez tero metas, cuja obteno ser

    medida atravs de indicadores. As variaes nos valores que so

    verificados nas unidades de anlise permitem quantificar este

    processo.

    Assim, h vrios tipos de desenvolvimento como, por exemplo, na esfera

    microscpica podemos citar: desenvolvimento autossustentado, desenvolvimento social,

    desenvolvimento humano, entre outros. No campo macroscpico podemos mencionar

    os modelos Socialista e Capitalista de desenvolvimento. Eles so determinantes da

  • 28

    conduo da poltica de Estado. Os modelos de desenvolvimento macroscpico so

    aqueles que produzem os princpios axiolgicos e teleolgicos. Por sua vez, esses

    princpios resultaro nos indicadores/mediadores de eficincia e eficcia das polticas

    pblicas inseridas nos projetos e programas dos modelos microscpicos. Em outras

    palavras, so os valores e objetivos indicados nos modelos macros que determinaro

    como ser a gesto dos modelos micros.

    A formatao de um novo modelo exige que o velho seja negado. Entretanto,

    esse movimento de gerao e negao no se d sem conflitos e crises. Os conflitos e

    crises tm origem, por conseguinte, primeiramente na prpria contradio intrnseca ao

    modelo antigo. Em segundo lugar, na tentativa feita pelo modelo ultrapassado de

    manter o status de modelo dominante.

    O antagonismo entre os modelos, novo e antigo, gera choques revolucionrios e

    suscita um novo padro. Entretanto, esses choques, advindos da lgica de que um

    mesmo corpo no pode ocupar o mesmo espao, so negados pela construo ideolgica

    que prope a eternizao de um nico modelo. Ou seja, aquele que prope a

    conservao e manuteno do modelo existente, tende a colocar o modelo vigente como

    indissolvel.

    A cultura hegemnica construda a partir da ideia de nico modelo de

    desenvolvimento, acentuado com o avano no modo de produo capitalista, classifica o

    modelo liberal como o mais alto grau evolucionista humano. Neste sentido, as palavras

    que conotam alguma mudana sugerem adaptao, funcionalidade, sustentabilidade ou,

    para utilizar uma expresso bem na moda, mudana de paradigma. Em suma: as

    mudanas sugeridas pelo sistema so construdas sobre uma base estrutural que sugere

    continuao e nunca transformao radical.

    Por outro lado, quando se afere, de forma crtica e histrica, o desenvolvimento

    social e econmico da sociedade, nota-se que o rompimento de uma ideia anterior e a

    construo de um novo modelo requer transformaes que rompam com a composio

    estrutural antiga. Alm disso, necessrio que elementos arraigados em um territrio e

    povo sejam tambm transformados. Noes de comportamentos so baseadas em

    valores hegemnicos que so estabelecidos ininterruptamente. Entretanto, esse fluxo

    sofre, tambm constantemente, uma oposio em seus objetivos e apegos. Portanto,

  • 29

    necessrio que haja transformaes no mbito da sociedade civil, poltica e econmica.

    Em outras palavras: mudanas radicais que penetrem a totalidade da existncia social.

    Essa fora transformadora e radical, negada na atualidade pelo capital, em

    verdade foi, revolucionariamente, sua fora motriz e o fez ascender como sistema

    hegemnico, derrubando o velho regime monrquico absolutista.

    Os movimentos de coliso entre situao e oposio se enfrentam

    constantemente. O primeiro para conservar o poder hegemnico. O segundo para ocupar

    posio e obter o domnio. Esse movimento, centrpeto e centrfugo, transforma e

    destroi o modus operandi de uma sociedade. E, consequentemente, emerge um novo

    modelo de desenvolvimento. Como explica Engels e Marx (1999, p.7) :

    A histria de todas as sociedades que existiram at nossos dias tem

    sido a histria das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrcio e

    plebeu, baro e servo, mestre de corporao e companheiro, numa

    palavra, opressores e oprimidos, em constante oposio, tm vivido

    numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarada; numa guerra que

    terminou sempre, ou por uma transformao revolucionria, da

    sociedade inteira, ou pela destruio das duas classes em luta.

    A poltica, da classe dominante, elaborou e elabora em todos os momentos da

    histria ideologias, objetivando atenuar os conflitos e assegurar sua permanncia no

    poder. Quando se trata de desenvolvimento, so criados mitos e mentiras que

    incorporam, dependendo do momento histrico, aspectos teolgicos e/ou cientficos.

    Essas fantasias tm por finalidades conduzir e manter as classes subalternas em uma

    constante letargia.

    As ferramentas utilizadas para mascarar a condio de explorada de uma classe

    so vrias. Elas so justificadas a partir de uma concepo de neutralidade cientfica

    e/ou de conotaes religiosas que levam a um determinismo inerte e acrtico. Segundo

    Maranho (2009, P. 25):

    Seja com o recurso ao discurso aglutinador da religio, que na idade

    mdia pretendia universalizar na figura de DEUS a dominao feudal,

    ou, mais tarde, na defesa positivista da neutralidade axiolxica da

    cincia social, a ideologia dominante deve ao elaborar concepes

  • 30

    sobre a realidade social encontrar tambm caminhos para apresentar

    as ideias dominantes como nicas realmente vlidas. Assim, cada

    modo de produo, com suas formas de alienaes5 especficas,

    oferecer as condies concretas para o desenvolvimento de formas

    particulares de universalizao da ideologia dominante.

    Desde a tomada do poder pela burguesia, detentora do capital, ela vem lutando

    no sentido de garantir, de forma constante, sua hegemonia. Isso se traduz, no modelo de

    desenvolvimento que, a partir de mecanismo ideopoltico, destacam como valores, os

    princpios de liberdade e de igualdade capitalista. No por acaso esses foram e

    continuam sendo a base da economia poltica baseada no lucro e na acumulao: O

    homem nasce livre e com igual capacidade para se destacar dentro da regra a qual ele

    est vinculado. Esse sistema vai gradativamente se ajustando no sentido de fazer com

    que as instituies sociais comecem a funcionar. O Homem que no consegue se

    adaptar aos mecanismos sociais do sistema sofre de anomia6. Ou seja, um problema

    particular que necessita ser eliminado pelo prprio individuo.

    Por sua vez, as organizaes e instituies vinculadas ao sistema, ainda pecam

    pela ineficincia porque at o presente, no incorporaram o carter de mercado to

    apregoado pelos que advogam a privatizao. Assim, emergem ideias reformistas

    propondo fazer funcionar o sistema maquiando as verdadeiras causas do problema.

    As solues e propostas agregam novos modelos de gesto e participao do

    Estado. Contudo, a conduo do modelo, na esfera macro, de desenvolvimento capital

    inquestionvel. Em resumo: tanto no campo humano ou nas instituies, a incapacidade

    de funcionamento tem seu problema relacionado ao individuo. Mais: a soluo proposta

    se fragmenta em condutas individuais.

    Neste sentido, Marx et al.(1987-1988 7, apud MARANHO et al., 2009, p. 27)

    aponta que o individuo isolado poder imaginar que constituem os motivos reais e o

    ponto de partida de sua conduta. Quando, na realidade, este indivduo est replicando

    valores e propostas construdos, a partir de aparelhos ideopolticos, pela classe

    5 Para se aprofundar sobre a ideia de alienao ver MARX (1996a) e MARX (2004) Captulo: TRABALHO

    ESTRANHADO E PROPRIEDADE PRIVADA. 6 DURKHEIM(2000) usa este termo para ilustrar um fato que est fora da ordem social ou seja, no

    funciona de forma harmnica na sociedade. 7 MARX, Karl. O 18 Brumrio de Lus Bonaparte In MARX . So Paulo: Abril Nova Cultura 1987-1988.

  • 31

    dominante. A inteno maior dos interesses dessa classe reproduzir as condies de

    domnio de forma vitalcia.

    Na histria do ciclo de desenvolvimento capitalista os modelos foram

    implementados a partir de adaptao s especificidades geogrficas, econmicas e

    culturais. Essas especificidades, como no poderiam ser diferentes, conduzem a

    modelos micros que constituem elementos incontestes ao sistema do capital. A classe

    burguesa, antes revolucionria, busca ampliar e/ou manter seus privilgios, seja fazendo

    parcerias com a velha ordem (adaptada aos moldes do mercado) seja estabelecendo,

    atravs de uma linguagem dos paradoxos, uma roupagem progressiva, Maranho (2009,

    p. 34). Neste sentido, a revoluo ganha, objetivamente, um carter de conservao, ou

    nas palavras de Maranho (2009, p. 34), a conservao para cumprir seu papel deve

    reivindicar o que deveria consistir no seu contrrio.

    O deslocamento revolucionrio burgus para o conservadorismo apreendido a

    partir de elementos historiogrficos conduzidos pelos intelectuais orgnicos

    comprometidos com a classe dominante. No mapeamento da histria cientfica o

    historicismo e o positivismo congregam meios que freiam o processo de

    desenvolvimento dialtico e revolucionrio da histria. O primeiro atravs de um

    relativismo que compreende o desenvolvimento atravs de uma adaptao ao

    capitalismo sem um rompimento revolucionrio violento. O segundo, atravs da

    consolidao do liberalismo estabelecendo elementos normativos que garantam a ordem

    e o progresso de forma eficaz.

    Importante lembrar que o olhar evolucionista e universalista da histria tem sua

    fundao no iluminismo. Esta viso encontra, na ideia kantiana, a racionalidade da

    natureza continuamente apta a se refazer em servio de um bem comum e do progresso.

    Por sua vez, ela se aproxima ao relativismo historicista quando, este ltimo, estabelece,

    direta ou indiretamente, o modelo de Estado Nacional Capitalista como o mais elevado

    grau de desenvolvimento.

    O interessante que no binmio positivismo/historicismo podemos encontrar os

    aspectos originais da formulao ideopoltica que conduz o modelo de desenvolvimento

    capitalista. O primeiro atravs do ordenamento funcional de um sistema que,

    indiscutivelmente, est classificado como progresso. J o relativismo, do segundo,

    oferece combustvel para destacar o personalismo de cada sujeito. Neste sentido,

  • 32

    encontramos no positivismo francs e no historicismo alemo diferenas no mtodo e

    similaridades na essncia. Os dois parecem buscar mtodos ou modelos microscpicos

    diferentes para chegar a um mesmo lugar, a uma mesma ideia de desenvolvimento

    representada pelo Estado Moderno Capitalista. Para Barros (2011b p. 110) as

    motivaes polticas das elites francesas e germnicas no diferiam muito no que se

    refere necessidade de estabelecer consenso e de desmobilizar posturas

    revolucionrias.

    Tambm na marcha racional, da obra Lies Sobre a Filosofia da Histria, de

    Hegel8 uma coerncia no interior do desenvolvimento humano encontrada. Essa lgica

    construda a partir de um processo dialtico assinala para um assentamento das

    realizaes humanas sobre o Estado. Esse movimento agrega-se s concepes

    idealistas especulativas hegelianas encontradas em sua Linhas Fundamentais da

    Filosofia do Direito9.

    Apesar de no haver, nas obras hegelianas citadas acima, uma defesa explcita

    ao Estado Capitalista burgus, sua utilizao na criao do mito desenvolvimentista

    capitalista inquestionvel. Essa utilizao se apega ao fator ontolgico, na explicao

    das relaes sociais, utilizado por Hegel. A questo elaborada a partir de uma

    perspectiva que secundariza a categoria trabalho e a sua participao na formao das

    relaes sociais. No movimento que caracteriza o desenvolvimento humano, sua gnese

    atribuda ao imperativo da subjetividade. Neste sentido, a objetividade torna-se

    coadjuvante na construo da vida social. A ideia torna-se, portanto, a gnese de todo

    movimento. A questo do ser social formada a partir de uma premissa que coloca uma

    abstrao acima do concreto, Nas prprias palavras de Hegel et al (2008a, apud

    BARROS et al., 2011, p.124):

    Portanto o estudo da histria universal [isto , a modalidade que ele

    mesmo, Hegel, produziu] resultou e deve resultar em que nela tudo

    aconteceu racionalmente, que ela foi a marcha racional e necessria do

    esprito universal; esprito cuja natureza sempre idntica e que a

    explicita na existncia universal. Tal deve ser, como dissemos, o

    resultado do estudo da histria.

    8 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia da Histria. Braslia: Editora da UNB, 2008b.

    9 ________________________. Filosofia do Direito. Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito ou

    Direito Natural e Cincia do Estado em Compndio. Trad. Paulo Meneses, et al. So Leopoldo, RS, Ed. Unisinos, 2010.

  • 33

    O estancamento do processo revolucionrio, arquitetado pela burguesia, vem

    utilizando vrias estratgias desde os sculos XVIII e XIX. Na Alemanha percebe-se,

    diferente do caso francs, um processo de acomodao dado por cima que ajudou na

    formulao e unificao de um Estado forte comprometido com polticas

    desenvolvimentistas capitalistas.

    J na Frana e EUA o rompimento foi dado pela via da revoluo violenta.

    Entretanto, o carter revolucionrio do desenvolvimento foi abandonado,

    gradativamente, pela ideia de progresso aps a tomada do poder poltico pela burguesia.

    Este abandono pode ser caracterizado pelos ditames de ordem e progresso positivista.

    O caso da Inglaterra parece uma conjuno das caractersticas de rompimento

    radical e de acomodao ao regime. Ademais, importante lembrar que foi nesse pas

    que a gnese do modelo de desenvolvimento capitalista emergiu e tomou corpo. Os

    primeiros aspectos de que a velha ordem absolutista estava em crise pode ser encontrada

    na Revoluo puritana de 1640 e, posteriormente, com a Revoluo Gloriosa de 1688.

    As duas revolues, acima mencionadas, fez parte de um nico processo de

    transformao que limitou o poder monrquico ingls e criou uma parceria entre

    aristocracia e burguesia. Essa parceria, sob a gide de um sistema parlamentarista, gerou

    as condies indispensveis para a Revoluo Industrial do Sculo XVIII.

    Entretanto, o que encontramos no cerne do processo de acomodao e/ou

    revoluo capitalista a sua necessidade de aumentar a acumulao e o lucro

    permanentemente.

    A necessidade de desenvolver o ambiente objetivo para o acmulo de riqueza

    vem, desde ento, criando crises cclicas no sistema. Neste sentido, o mito de que os

    mecanismos de mercado conduzir o melhoramento de vida do ser humano vai por gua

    abaixo.

    Os fatos histricos assinalam para outra direo: A misria imposta pelo

    imperialismo direto na frica e sia, as duas grandes guerras, ocorridas no sculo XX,

    oriundas da necessidade de ampliao de mercado e de fornecedores de matria prima, o

    desemprego e a fome provenientes da quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929, a

    diviso internacional do trabalho que impe a situao de dependncia aos pases mais

    pobres, e, mais recentemente, a globalizao que aponta para a degradao do meio

  • 34

    ambiente e do aumento da pobreza, demonstrando que o desenvolvimento ficou restrito

    a uma s classe.

    O receiturio capitalista baseado no egosmo e na dilatao do consumo,

    mostra-se incuo para a soluo de tais problemas. A distribuio das beneficies do

    sistema no acontece. A coisificao do mercado conduz a um processo de insanidade

    que estabelece uma distribuio objetiva desigual. A questo social, por sua vez,

    explicada por dificuldades de carter individual. Logo, a classe subalterna torna-se mais

    distante da realidade acentuando sua condio de alienao. Para Netto ( 2001, p. 35)

    A ordem burguesa supe necessariamente que, em ltima instncia, o destino pessoal

    funo do indivduo como tal; a consequncia inelutvel que tanto o xito como o

    fracasso sociais so creditados ao sujeito individual tomado como mnada social.

    Essa irracionalidade do processo fundamenta-se por ideais de desenvolvimento

    criadores de aberraes. O ser humano torna-se pea de sustentabilidade na engrenagem

    do sistema. E, pior, suas caractersticas qualitativas imergem dando lugar a valores

    medidos pelo preo.

    Como vimos, o modelo de desenvolvimento acontece de forma diversificada

    pelo espao e tempo. Entretanto, sua unificao e consenso se estabelecem na raiz - o

    lucro ou, como se sugere, no aspecto macro que desenhado por formas de

    explorao do trabalho e dominao de classe. Ao especificar as diferentes maneiras de

    desenvolvimento do capitalismo Maranho (2009, p. 30) diz:

    Os processos econmicos, polticos e ideolgicos que possibilitam a

    burguesia assumir a condio de classe dominante no se processaram

    da mesma maneira em todos os pases. As caractersticas histricas

    especficas de cada formao econmica e social definiram uma

    cultura poltica e uma forma de universalizao ideolgica particular

    ao conjunto das fraes burguesas de cada pas.

    No Brasil, tal construo foi formulada a partir de premissas e princpios

    colonialistas que dificultou a gerao de uma cultura cidad. Ento, as caractersticas

    subservientes da classe trabalhadora brasileira apresentam dificuldades de garantir

    direitos - mesmo que estes direitos estejam na esfera do direito burgus - Alm do mais,

    o carter participativo e democrtico se resume, quase que exclusivamente, ao ato de

    votar em eleies diretas.

  • 35

    Para Milton Santos (1988, p.13) a ausncia de cidadania no Brasil facilita o

    processo reificador quando em lugar do cidado formou-se um consumidor, que aceita

    ser chamado de usurio. Essa ausncia de cidadania e diferena do desenvolvimento

    capitalista brasileiro agua sua caracterstica subordinada, e de dependncia, no cenrio

    da diviso internacional do trabalho. Maranho (2009, p. 37) expe assim:

    Para ns, a referncia condio colonial e subordinao ao

    capitalismo internacional importante, pois acena para a construo

    histrica de uma forma de ao poltica das classes dominantes que

    alm de estar baseada no autoritarismo das solues pelo alto,

    adquire caractersticas peculiares tais como: a reiterao da

    subordinao aos pases centrais e a averso da burguesia s

    conquistas da classe trabalhadora, mesmo quando estas no

    ultrapassam o estreito limite do direito formal burgus.

    Nota-se no caso brasileiro, fazendo uma anlise superficial dos seus modelos de

    desenvolvimento, que sua insero poltica no cenrio internacional foi

    majoritariamente, de dependncia. Ou seja, de atrelamento a um pas central que, por

    sua vez, tira proveito e se beneficia da debilidade e ausncia de cidadania brasileira.

    Essa dependncia se caracteriza na forma de subservincia. Primeiro

    metrpole portuguesa e depois aos pases capitalistas hegemnicos Inglaterra e EUA.

    A transferncia da mudana na estrutura de transportes brasileira (da ferrovia inglesa a

    rodovias Norte Americana) um bom exemplo para ilustrar a passagem da dependncia

    de um pas por outra. Tal transformao se deu com o processo de debilitao da

    influncia inglesa em nosso pas. Por outro lado, percebida a ascenso da presena

    Norte Americana no Brasil. Esse movimento durou toda a primeira metade do sculo

    XX, tendo se iniciado no governo de Washington Luis. Entretanto, seu auge foi com o

    governo de Juscelino Kubitschek.

    A adaptabilidade capitalista marca incontestvel, no s no Brasil, mas, em

    todo o planeta. Durante todo Sculo XX, na tentativa de se adequar s crises causadas

    por ele mesmo, o capital prope mecanismos que garantem a manuteno de sua

    existncia: o lucro. Seja nas ideias para estancar o vazamento do fluxo circular de renda

  • 36

    proposto por Keynes10

    , seja na elaborao de modelos de crescimento econmico e

    diviso de riquezas. A pobreza e a misria insistem em se manter.

    Essas frmulas so por vezes construdas sobre o cientificismo industrialista de

    Estado ou, por outras vezes, sobre o pice e domnio de tendncias particularistas e

    privatizantes, ora utiliza o Estado como mantenedor da ordem capitalista, ora o

    apresenta como incapaz e ineficiente na gesto de polticas pblicas. Assim sendo, as

    polticas sociais so adaptadas para controlar e preservar a fora motriz do sistema: O

    trabalho.

    A cada resvalamento recorre-se a um modelo, microscpico, que garanta a

    manuteno e aumento do lucro. Foi assim no capitalismo concorrencial, no capitalismo

    monopolista e, hoje, na globalizao. assim que se ascendem o mito do

    desenvolvimento, a mentira do crescimento e a dependncia da classe trabalhadora.

    assim que, utilizando as palavras de Netto (2001, p. 31), a funcionalidade essencial da

    poltica social do Estado burgus garante o controle da fora de trabalho e a manuteno

    de seus interesses.

    Ademais, a construo da mentalidade de uma estrutura desenvolvimentista

    capitalista, seja atravs da educao, da sade, do saneamento ou da previdncia social,

    utiliza-se das premissas da acumulao de recursos naturais e humanos naquilo que

    ficou denominado capital. Para classificar o substantivo capital, utilizam-se termos

    como humano e natural. Ento, se popularizam as ideias de capital humano e capital

    natural como conceitos que explicam a necessidade de garanti-los como recursos na

    obteno de mais lucro. Assim, o capitalismo, assegura o controle dos movimentos

    contestadores e, por outro lado, garante parte de sua fonte de recursos. Nas palavras de

    Netto (2001, p. 31) encontramos uma descrio precisa sobre o tema:

    As polticas educacionais (muito especialmente as dirigidas para o

    trabalho, de cunho profissionalizantes) e os programas de

    qualificao tcnico-cientfica ( vinculados aos grandes projetos de

    investigao e pesquisa) oferecem ao capital monopolista recursos

    humanos cuja valorizao elementar feita custa do Conjunto da

    Sociedade (Carnoy e Levin, 1987). As polticas setoriais que implicam

    investimentos em grande escala (reformas urbanas, habitao, obras

    10

    John Maynard Keynes impulsionado pela grande depresso de 1929 escreveu: A Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda que descreve como vazamento do fluxo circular da Renda a poupana, as importaes e os impostos. Para saber mais: KEYNES, John Maynard A Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda. Coleo Os Economistas. So Paulo: Nova Cultural, 1996.

  • 37

    vrias, saneamento bsico etc.) abrem espaos para reduzir as

    dificuldades de valorizao sobrevindas com a supervalorizao.

    Alm da maioria da populao ter seu trabalho explorado pelo capitalismo,

    grande parte de seus recursos, pagos atravs de impostos11

    , so utilizados para garantir a

    valorizao do capital humano a favor do capitalismo.

    A lgica construda pela funcionalidade social capitalista congrega o pblico e o

    privado na garantia do modus operandi. Essa operacionalidade aponta distrbios no

    sistema como uma situao particular (Netto, 2001). As sequelas advindas do sistema

    capitalista so atacadas de forma fragmentada garantindo, assim, a estrutura da ordem

    burguesa. Mais: afiana-se sua reproduo.

    Na construo dos mecanismos impositivos da lgica de desenvolvimento

    capitalista, faz-se mister lembrar que sua elaborao e estratgia torna-se melhor

    elaborada com o passar do tempo.

    Quando da no adaptao, questionamento a esta lgica ou fracassos sociais, a

    culpabilidade sempre apontada no sentido de atingir o individuo e no ao sistema.

    Segundo Netto (2001, p. 36) o que se passa que a incorporao da questo social

    vem acompanhada de um reforo da aparncia da natureza privada das suas

    manifestaes individuais.

    Nesse sentido, o Estado se apresenta como parceiro na construo de

    mecanismos que concertem ou isolem os indivduos, doentes e fracassados, que no

    conseguem se ajustar ao sistema. Essas aes ganham roupagem de polticas sociais que

    visam o desenvolvimento de toda a sociedade.

    Entretanto, no s as pessoas so conduzidas na lgica do modelo de

    desenvolvimento nico e universalista, como os problemas inerentes a ele vo se

    acentuando, novos mecanismos, visando equao de tais problemas, tambm so

    11

    As famlias mais pobres so as que pagam mais impostos, segundo estudo divulgado nesta quinta-feira pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada). De acordo com a pesquisa, 32% da renda dos mais pobres convertida em pagamento de tributos. Desses, 28% so em impostos indiretos, como ICMS, IPI e PIS/COFINS e 4% diretos, como Imposto de Renda, IPTU e IPVA. J os que ganham mais, pagam 21% de impostos do total de sua renda. Desse total, 10% so em tributos indiretos e 11% em tributos diretos. http://www1.folha.uol.com.br/poder/918131-pobres-pagam-mais-impostos-que-ricos-aponta-ipea.shtml

  • 38

    conduzidos sob este espectro. Dessa maneira, a questo ambiental ganha fora e torna-

    se mais visvel. E, da mesma forma que foram, e so, erguidas polticas de

    desenvolvimento econmico e social orientadas pela lgica do mercado, ganha corpo a

    ideia de desenvolvimento sustentvel.

    A ideia de sustentabilidade, assim como vrias outras, ganha o carter

    microscpico por no objetivar a soluo do problema em sua origem. Ao contrrio, os

    mecanismos propostos so de parcerias que concernem reproduo do lucro e da

    acumulao capitalista.

    As experincias conduzidas sob esta lgica so muitas. Elas tendem a manter o

    equilbrio entre a necessidade de manuteno de seus recursos e, de alguma forma,

    aumentar seus lucros. Portanto, as polticas, conduzidas para o aumento do bolo e

    posterior diviso12

    , projetos de desenvolvimento atravs de incentivos fiscais,

    privatizao do ensino, industrializao, entre outras, que visam o desenvolvimento, no

    eliminam os grandes problemas sociais. Alm disso, e talvez muito mais srio, as

    polticas sociais criam indivduos subservientes, dependentes e alienados, conduzidos

    sob o aparente movimento de equao das questes sociais e na produo do

    desenvolvimento econmico.

    Todavia, as questes sociais so apontadas no como parte da estrutura

    capitalista. Mas, ao contrrio disso, como demonstra Netto (2001, p. 45), externas s

    instituies burguesas. Assim, soma-se, ao iderio exclusivista do modelo

    desenvolvimentista do capitalismo, o sentimento de impotncia e resignao dos

    sujeitos sociais.

    Segundo Netto (2001, p. 61)

    Todo o empenho burgus consiste em deslocar a questo social do

    campo da poltica em priv-la de uma contextualizao classista

    (donde a retrica da harmonia entre capital e trabalho), em torna-la

    indene de projees assumidamente polticas (donde a recusa da

    ideologizao). O escamoteamento da dimenso poltica medular da

    questo social constitui o cerne da poltica burguesa que a quer

    12

    Muito apregoado nos anos 1960-1970, pensado sobre base na curva de Kuznets, a ideia de fazer crescer a economia para depois dividir seus ganhos era apresentada pela metfora: fazer crescer o Bolo para depois dividi-lo. Sobre a curva de Kuznets existe um timo artigo: FERREIRA. Roberto Tatiwa; IRFFI, Guilherme Diniz; LINHARES, Fabrcio & MACEDO, Ceclia Maria Botolassi. A Hiptese de Kuznets e Mudanas Na Relao entre desigualdade e Crescimento de Renda no Brasil. pesquisa e planejamento econmico | ppe | v. 42 | n. 3 | dez. 2012.

  • 39

    enfrentar na idade do monoplio. dela que derivam as formas

    tpicas, e complementares, da estratgia poltico-social da burguesia: a

    despolitizao surge no tratamento da questo social como objeto de

    administrao tcnica e/ou campo de terapia comportamental.

    Quando retomamos a questo ambiental, como instrumento de anlise,

    encontramos os mesmos elementos condutores de resignao ao mercado intrnseco ao

    modelo de desenvolvimento capitalista. Ademais, a sugesto de modelos de

    administrao sugerida pelas chamadas cartilhas de gesto ambiental conduz mesma

    despolitizao sugerida acima por Netto (2001).

    O paradoxo continua: o movimento contnuo, mas em nenhum momento a tese

    relacionada ao modo de produo questionada ou colocada em cheque. A ideia

    desenvolvimentista capitalista ganha ares de ambiguidade. Por um lado, a necessidade

    de reforma que integre o modelo nova dinmica da economia e ao progresso da

    sociedade proclamada, por outro, ela conservacionista quando segue a premissa de

    mais lucro e do mercado garantindo e reproduzindo seu modus operandi.

    Assim, a degradao ambiental, tratada a partir da construo de um ethos

    individualista alardeado por acontecimento miditico como percebemos no filme: Uma

    Verdade Inconveniente do ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore. Alm disso, o

    conceito de desenvolvimento sustentado apresentado prev a possibilidade da realizao

    de novos negcios aferidos no primariamente na equao das questes sociais, mas sim

    na possibilidade de lucro o que possibilitar a emergncia de uma Economia Verde13

    .

    A economia verde mais um conceito utilizado sob o que passou a ser chamado

    de Desenvolvimento Sustentvel a partir dos anos de 1980. Essa ideia, no por acaso,

    acompanhava a discusso sobre a crise do petrleo que aconteceu nos anos de 1970. Por

    sua vez, tal crise demonstrou, mais uma vez, a debilidade da parceria Estado e Capital

    gerando grande recesso nos EUA e na economia mundial.

    Construdo sobre tais acontecimentos o liberalismo ressurgiu sob o signo do

    prefixo neo e os ditames econmicos da escola de Chicago. Vrios governos aderiram

    13

    Economia verde: preservar o planeta pode dar lucro. Disponvel em: . Acesso em: 16 nov 2012.

  • 40

    perspectiva de desenvolvimento neoliberal, entretanto, os mais conhecidos so o de

    Margareth Thatcher na Inglaterra e o de Ronald Reagan nos EUA.

    Na Amrica Latina emblemtico o caso do Chile de Pinochet que, aps um

    sangrento golpe sobre um governo popular e democrtico em 1973, estabeleceu

    polticas de estabilizao econmica. As polticas econmicas de Pinochet eram

    confiadas aos chamados Chicago Boys, grupos de economistas que estudaram naquela

    Universidade e sofriam influncias do economista Milton Friedman.

    A perspectiva neoliberal de desenvolvimento tem como caractersticas centrais:

    a mnima participao do Estado na poltica econmica de um pas, a privatizao das

    empresas estatais; a internacionalizao da economia a partir da livre circulao de

    capitais internacionais e a abertura para as multinacionais, diminuio do Estado,

    inclusive na gesto de polticas sociais, tornando-o mais eficiente e eficaz, posio

    contrria aos impostos, aumento de produo e pouca interferncia do governo em

    relao ao mercado de trabalho. Todos esses ditames visam, segundo seus advogados,

    obter o desenvolvimento econmico no molde dos princpios econmicos do

    capitalismo.

    Essa concepo poltica cria os mecanismos operantes da conduo da mudana

    de estratgia de dominao do capitalismo contemporneo. So criados mitos de

    desenvolvimento que visam, nica e exclusivamente, a manuteno do status quo e a

    eliminao de uma anlise crtica que implique na edificao social sobre outra

    perspectiva. So gerados novos conceitos sobre velhos valores.

    O arsenal do neoliberalismo inclui o farto uso de neologismos que

    procuram destruir a perspectiva histrica dando novos nomes a velhos

    processos ou conferir respeito a pseudos conceitos Surgem, assim, o

    ps-moderno, o desenvolvimento sustentvel, os movimentos sociais

    urbanos, a excluso social, os atores (sociais), as ONG-s, a

    globalizao, o planejamento estratgico..., que procuram encobrir, ao

    invs de revelar, a natureza do capitalismo contemporneo.

    (Neoliberalismo14

    )

    14

    Neoliberalismo. Disponvel em: acesso em: 18 jul 2013.

  • 41

    Voltamos ao cerne de nossa reflexo: macroscopicamente o eixo estrutural

    continua intocvel e exposto como nica e universal perspectiva de modelo de

    progresso e desenvolvimento. Assim composta a ideia de desenvolvimento sustentvel

    na atualidade. Ideia essa que estabelecida, na esfera micro, sob uma premissa maior

    representada pelo lucro capitalista.

    O interessante que os pseudos conceitos elaborados na esfera micro do sistema

    pouco dialogam entre si. Essa falta de sistematizao torna-se cada vez mais precria

    quando os pases envolvidos esto em posio mais subalterna no cenrio internacional.

    As polticas ambientais conversam pouco com as polticas econmicas, por sua vez as

    polticas econmicas no interagem com as polticas sociais e, to pouco, as sociais com

    as ambientais. A fragmentao e individualizao de tais polticas tornam o ambiente

    mais fcil de ser explorado j que essa falta de interao acentua a antinomia entre regra

    e ao (veja o exemplo da constituio brasileira que garante, na teoria, vrios direitos e

    que na pratica so to pouco aplicados.).

    Tomemos quando, por exemplo, se estabelece o programa de incentivos fiscais

    e/ou de crescimento econmico pelo estado de Pernambuco. A contrapartida social das

    empresas que se beneficiam da iseno de tributos muito pouco controlada. Por outro

    lado, as diversas secretarias responsveis pelo desenvolvimento do Estado no

    estabelecem instrumentos e indicadores que possam aferir, eficientemente, o impacto

    ambiental, social e econmico do determinado programa.

    A lgica utilizada acima, para refletir sobre Pernambuco, capaz de explicar a

    razo do insucesso de programas, no mbito nacional de desenvolvimento, elaborados

    por instituies como a SUDAM e a SUDENE. As duas organizaes no conseguiram

    eliminar as grandes diferenas regionais no Brasil e, ademais, a misria social no foi

    mitigada e muito menos eliminada.

    Em todos esses programas de desenvolvimento, percebe-se o tratamento

    fragmentado das polticas pblicas. Esta desintegrao age de duas maneiras nos

    chamados pases perifricos. Primeiro, torna-o mais propcio s aes itinerantes e

    exploradoras do capital. E, em segundo lugar, acentua o sentimento de incapacidade

    estatal sobre a gesto de polticas pblicas deste pas. Por sua vez, este sentimento de

    incapacidade abre espao para ideias de privatizao, internacionalizao e governana

    global, ou seja, naquilo que os pases subalternos no so capazes de executar e se

  • 42

    propem aes de empresas privadas, organizaes internacionais e/ou da parceria

    desses dois.

    Novamente, a causa central dos problemas acometidos no questionada. Ao

    contrrio, o modelo de produo e desenvolvimento dominante exaltado como o

    melhor possvel, necessitando, somente, de alguns ajustes para que ele funcione de

    forma eficiente. A funcionalidade obtida pela construo e internalizao de conceitos

    de eficincia e eficcia conduzidas pela disciplina individual. Portanto, a falha est na

    maneira pela qual est sendo conduzido o processo e no na estrutura sobre a qual ele

    foi montado.

    A internacionalizao da ideia de eficincia, a partir das premissas

    individualistas, institui um modo de ser classificado como vencedor submetendo ao

    inferno das subclasses os dbeis e os refratrios (GRAMSCI, 1978, p. 393).

    Assim, multiplicam-se os manuais de autoajuda, os livros de gesto eficiente, os

    mtodos de crescimento empresarial e cartilhas de administrao pblica. Todos eles

    divulgadores de modelos microscpicos de desenvolvimento que propem tornar aptos

    os funcionrios, as empresas e os governos, submetendo-os a uma lgica de poder,

    sucesso e felicidade, conduzida pelo macro modelo de mercado capitalista.

    Espao e tempo so tambm capitalizados e aferidos quantitativamente. So

    proclamados o cio e o envelhecimento produtivo. Os negcios sociais so apregoados

    como solues hibridas que conjugam a eficincia empresarial com o altrusmo. Os

    mecanismos de controle ambientais so medidos por sua viabilidade econmica. Todas

    as aes constitudas exploram como objetivo central a necessidade de impactar e

    transformar a vida das pessoas contribuindo para um mundo melhor.

    Incute-se a ideia de um futuro promissor, possibilidade de usufruir das benesses

    do sistema. Produz e reproduz, no indivduo, a ideia de que se adequando ele poder

    desfrutar e consumir de tudo que a modernidade oferece. Todas as coisas esto

    disponveis basta, portanto, saber como usufru-las.

    Entretanto, no mesmo ritmo e velocidade que se multiplicam os instrumentos de

    poder aumentam os males nas reas onde so implantados os grandes empreendimentos

    industriais e de desenvolvimento. A incontrolabilidade do capital demonstrada pelos

    danos comuns causados pelos preceitos de sustentabilidade capitalista. A estagnao

  • 43

    viria, o aumento de consumo de drogas, precarizao e informalizao do trabalho,

    explorao de crianas, velhos e adolescentes, favelizao, explorao sexual e

    prostituio so alguns exemplos das mazelas que se encontram no entorno dos grandes

    centros de desenvolvimento nos pases perifricos e que constituem nos mais

    emblemticos produtos do modelo universal de desenvolvimento produzido pelo

    capitalismo.

  • 44

    CAPTULO 3 - GOVERNANA INTERNACIONAL

    No incio do sculo XXI, a ideia sobre governana emergiu da obscuridade para

    obter lugar central nos debates contemporneos das cincias sociais. A governana

    apareceu como instrumento catalisador de eficincia e projeto solucionador de

    problemas no campo do desenvolvimento social e econmico mundial. Trata-se de uma

    ferramenta que, em sua implementao, reduz, em mbito internacional, o poder dos

    Estados Nacionais, transferindo o processo de gesto para os diversos atores. Segundo

    Peters e Pierre (2000, p. 1) Uma das principais razes para a crescente popularidade

    deste conceito sua capacidade diferente do termo governo de cobrir o grande

    nmero de instituies e relaes envolvidas no processo de governar15

    . Entretanto, a

    popularidade deste termo tem como papel principal gerar, ideologicamente, a concepo

    de que outros atores so mais capacitados a gerenciar polticas que, tradicionalmente,

    seriam de responsabilidade do Estado.

    Nesse sentido, a governana seria mais uma ferramenta para concretizar o

    processo liberalizante que transfere a autonomia e soberania do Estado para entidades

    como o Banco Mundial, a OMC. o Fundo Monetrio Internacional, a ONU e seus

    programas. Alm disso, visa o fortalecimento dos blocos econmicos sobre a chamada

    debilidade de gesto dos Estados Nacionais.

    Entretanto, vale ressaltar que h outra maneira de conceber o conceito de

    governana. Nesse outro modelo de governana, o Estado visto como ator central no

    processo de governar (Peter e Pierre 2000). Contudo, estamos utilizando aqui o conceito

    elaborado e/ou utilizado de forma hegemnica pelos advogados do Estado mnimo.

    A maneira hegemnica contempornea de governana internacional comeou a

    se estabelecer a partir dos anos 1970 atravs da tese da burocracia, paternalismo e da

    crise de governana do Estado (Montao, 2007). Essa ideia neoliberal proclama as

    instituies, como as ONGs e o terceiro setor, como atores centrais no processo de

    governar. Ou melhor, como instituies protagonistas no processo de deciso

    relacionado s polticas pblicas. Essas organizaes teriam o papel de fomentar

    polticas, programas e projetos ocupando, deste modo, o papel do Estado.

    15

    Traduo nossa.

  • 45

    Ademais, o papel dos projetos oriundos dessa governana teria como elemento

    norteado