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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIO SOCIAL
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SERVIO SOCIAL
A DESCONSTRUO IDEOPOLTICA DA COMPETNCIA DO ESTADO DE
PERNAMBUCO NA CONDUO DOS PROJETOS DE
DESENVOLVIMENTO.
MAURICIO SILVA DE SOUZA
Recife PE
2013
MAURICIO SILVA DE SOUZA
Tese apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Servio Social da Universidade
Federal de Pernambuco, como requisito parcial
para obteno do ttulo de Dr. em Servio
Social.
Orientador: Dr. Marx Prestes Barbosa
RECIFE/2013
Catalogao na Fonte
Bibliotecria ngela de Ftima Correia Simes, CRB4-773
S729d Souza, Maurcio Silva de A desconstruo ideopoltica da competncia do estado de Pernambuco
na conduo dos projetos de desenvolvimento / Maurcio Silva de Souza. -
Recife : O Autor, 2013.
156 folhas : il. 30 cm.
Orientador: Prof. Dr. Marx Prestes Barbosa.
Tese (Doutorado em Servio Social) Universidade Federal de
Pernambuco. CCSA, 2013.
Inclui referncia.
1. Globalizao. 2. Governana. 3. Ideologia. 4. Sustentabilidade.
I.Barbosa, Marx Prestes (Orientador). II. Ttulo.
361 CDD (22.ed.) UFPE (CSA 2014 004)
MAURICIO SILVA DE SOUZA
A DESCONSTRUO IDEOPOLTICA DA COMPETNCIA DO ESTADO
DE PERNAMBUCO NA CONDUO DOS PROJETOS DE
DESENVOLVIMENTO.
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Servio Social da Universidade
Federal de Pernambuco, pelo discente Maurcio Silva de Souza, sob orientao do Dr.
Marx Prestes Barbosa, para obteno do ttulo de Dr. em Servio Social.
Banca Examinadora:
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Marx Prestes Barbosa
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Ene Glria da Silveira
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Vergotti
_______________________________________________________________
Prof. Dr.(a) Maria Alexandra da Silva Monteiro Mustaf
_______________________________________________________________
Prof. Dr.(a) Ana Cristina de Souza Vieira
Recife, _____de _____________de _____________.
Resultado ____________________________________________________.
Agradecimentos
minha famlia: meus pais Severina e Hlio, meus irmos e irm por saberem o quo
foi rdua a trajetria de construo de nossas vidas e, por juntos, desfrutarmos os
sucessos e lutas durante longos anos.
Ao irmo Mrcio Silva de Souza pelas nossas reflexes conjuntas, iniciadas em nossa
juventude, sobre poltica e sobre os clssicos da literatura.
minha companheira, Kamila Diniz, pela pacincia, carinho, incentivo e amor
demonstrado desde o nosso primeiro encontro.
Ao meu orientador, Dr. Marx Prestes Barbosa, que compartilhou sua vasta experincia e
sabedoria de forma paciente e ilustrativa o que foi imprescindvel na construo deste
trabalho.
professora Dra. Ana Vieira sempre disponvel para dirimir dvidas e depositar apoio
e confiana na conduo deste trabalho.
E por fim, a todos os colegas de curso que ajudaram conhecer e reconhecer, atravs dos
debates, os olhares convergentes e divergentes sobre as concepes, tericas e prticas,
que abraam a questo social.
Mas tudo veio a ser, no existem fatos eternos: assim como no
existem verdades absolutas. Portanto, o filosofar histrico
doravante necessrio, e com ele a virtude da modstia.
Friedrich Nietzsche
RESUMO
Esta tese de Doutorado constitui um estudo sobre a desconstruo, ideolgico e poltica,
da competncia do Estado de Pernambuco na conduo de projetos de desenvolvimento.
O mtodo utilizado foi o materialismo histrico atravs de suas categorias gerais:
totalidade, contradio e mediao. Ela parte do pressuposto que o capital tem como
princpio condutor de seu projeto de hegemonia a construo e fortalecimento da ideia
de um nico modelo universal de desenvolvimento: O capitalismo. Ela traz luz a
estratgia do capital de estabelecer a universalizao de tal ideia a partir de mecanismos
de mercado se impondo sobre alternativas diferentes. A partir do desejo de propriedade
que, segundo seus advogados, parte congnita do ser humano, o capitalismo se
apresenta como nico, pois o sistema que mais se aproxima dos desejos naturais do
homem. A tese apresenta categorias e conceitos, como sustentabilidade, meio ambiente
e governana internacional, demonstrando como elas so pensadas sob um olhar acrtico
que, por sua vez, no contesta o modelo hegemnico de desenvolvimento. Ao contrrio,
tais conceitos so incorporados sobre a mesma estrutura de desenvolvimento. Na seara
do processo de desconstruo da competncia, ela traz um olhar crtico atravs da
histria das polticas de desenvolvimento brasileiro idealizadas sem uma verdadeira
transformao das estruturas econmicas de nosso pas e, em especial, de Pernambuco.
Ao longo do processo de incremento econmico em Pernambuco a ideia de
desenvolvimento foi construda sob um modelo reformista que garante o lucro e o
pensamento hegemnico do capital. Entretanto, as crises e a m conduo de tal modelo
pe em dvida a eficincia da gesto do Estado Pernambucano. A partir da reflexo
sobre o programa de desenvolvimento de Pernambuco PRODEPE e do Complexo
Porturio de Suape so apresentados problemas gerenciais, sociais e ambientais que
refletem a incompetncia do Governo do Estado na direo de tais projetos. Como o
capital excluiu um olhar sobre a totalidade e sua estrutura econmica, sobra aos gestores
e instituies a culpabilidade por no incrementar, de forma eficiente e eficaz, os
mecanismos de administrao contempornea. Abre-se espao, j que as instituies
estatais e locais so incompetentes para as novas instituies supranacionais e suas
teorias de governana. Essas instituies extirpam a soberania do Estado propondo um
novo modelo de gesto que coloca o Estado como ator coadjuvante nesse processo. Sob
o sofismo de ajuda e altrusmo global, o capital, que o grande controlador das
organizaes supranacionais, incorpora, cada vez mais, poder sobre os Estados. Assim,
o capital ganha na construo e implementao do modelo econmico universal atravs
dos subsdios fiscais, doao de terras e subempregos. E, quando da eminncia da
incompetncia de tal modelo, ele usa tal fato para garantir mais poder.
Palavras Chaves: Globalizao, Governana, Ideologia, Sustentabilidade e
Desenvolvimento.
ABSTRACT
This doctoral thesis is a study of deconstruction, ideological and political, of the State of
Pernambuco in conducting development projects. The method used was historical
materialism through its general categories: totality, contradiction and mediation. This
thesis assumes that capital has at its core a guiding principle of hegemony building and
Capitalism is slowly strengthening as the central theme in ideas of a single universal
model of development. The thesis brings to light the strategy of capital to establish the
universality of the idea of market mechanisms being imposed on different alternatives.
Basing itself on the congenital human desire to own property, Capitalism presents itself
as unique since appears as a system that most closely resembles the natural desires of
man. This thesis presents categories and concepts such as sustainability, environment
and international governance, and shows how they are conceived. It is not critical in that
it does not challenge the hegemonic development model. Rather, these concepts are
incorporated into the structure of development. This thesis passes a critical eye over the
history of the Brazilian development policies devised without a real transformation of
the economic structure of our country and, in particular, of Pernambuco . Throughout
the economic growth process in Pernambuco the idea of development was built using a
reform model that guaranteed a profit for capital and hegemonic thinking. However,
mismanagement and frequent crises have cast a doubt on the efficiency of management
in the Pernambuco State. This thesis reflects upon some of the development programs
of Pernambuco - PRODEPE and Port Complex of Suape. Through this reflection the
managerial, social and environmental problems that show the incompetence of the State
Government towards such projects are presented. As Capital excluded a look at the
comprehensive economic structure, institutions and managers hold responsibility (and
guilt) for not increasing, efficiently and effectively, the mechanisms of contemporary
administration. Existing State and local institutions are incompetent in that they are not
aligned to new supranational institutions and new theories of governance. These
institutions uproot state sovereignty by proposing a new management model that places
the state as a supporting actor in this process. Under the sophistry of global aid and
altruism, Capital is the major driver of supranational organizations. Capital incorporates
within itself, increasingly, power over the states. Thus Capital gains in the construction
and implementation of the universal economic model through tax, land grant subsidies. .
And when the limits of such a model become clear Capital then seeks out more power
to perpetuate itself, eventually creating a never ending cycle for power.
Key Words: Globalization, Governance, Ideology, Sustainability and Development.
LISTA DE FIGURAS
Figura 01: Foto da Usina de Chernorbil aps o desastre
76
Figura: 02: A hiptese da Curva de Kuznets Ambiental Global
77
Figura 03: Produto Interno Bruto URSS 1970 1990
79
Figura 04: Produto interno bruto (PIB) de EUA, 1970-2011
80
Figura5 : Condecorao de Che Guevara por Jnio Quadros
95
Figura 6 Porto de SUAPE
105
Figura 07: Foto da Rota do Coqueiro Bairro Nobre
.
123
Figura 08: Manses rea nobre.
124
Figura 09: sob o cu aberto na periferia
124
Figura 10 : Contraste paradas de nibus na Rota dos Coqueiros e na periferia
125
Figura 11: Contraste paradas de nibus na Rota dos Coqueiros e na periferia
125
Figura 12: Buracos e esgoto na periferia.
125
Figura 13: Frmula para medir cada ndice de dimenso
126
Figura 14: - Frmula do IDH
126
Figura 15: Esgoto e moradia em Gaibu Cabo de Santo Agostinho
126
Figura 16: Apesar de o carro ter um adesivo do partido que governava o Estado
na poca (2012) quando paramos para tirar fotos a segurana se mostrou bem
eficiente e apareceu em apenas 2 minutos.
129
Figura 17: Foto de Carro de monitoramento escoltando nosso carro at a sada
do Bairro.
130
Figura 18: Trabalhadores construindo residncias para a elite na Rota dos
coqueiros.
130
Figura 19: Trabalhadores aguardando transporte depois de prestar servios na
Rota dos coqueiros: Paradas de nibus diferenciadas da grande realidade do
municpio do Cabo de Santo Agostinho.
132
Figura 20: Praia do Paiva. Vrias restries para satisfazer a elite da Rota dos
Coqueiros
133
Figura 21: Foto praia de Gaibu: escoamento do esgoto para praia.
136
Figura 22: Foto do canal de Esgoto batida da praia.
137
Figura 23: Capa da The Economist Novembro/2009 Brasil Decola The
Economist Setembro/2013 Como o Brasil estragou tudo?
140
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1: EVENTOS IMPORTANTES PARA QUESTO AMBIENTAL
74
QUADRO 2: COMPARATIVO INVESTIMENTO PBLICO EM SUAPE
1995 2007
106
QUADRO 3 - INVESTIMENTOS PRIVADOS EM SUAPE AT 2008
107
QUADRO 04: INCENTIVOS FISCAIS EM PE - DEMONSTRATIVO
AGRUPAMENTO INDUSTRIAL ESPECIAL
109
QUADRO 5: INCENTIVOS FISCAIS EM PE - SETOR PRIORITRIO
109
QUADRO 6: INCENTIVOS FISCAIS EM PE - INDSTRIAS
RELEVANTES E SEUS BENEFCIOS.
109
QUADRO 7 INCENTIVOS FISCAIS EM PE - AGRUPAMENTOS
INDUSTRIAIS COM TERCEIRIZAO DENTRO DO ESTADO
110
QUADRO 8: INCENTIVOS INDUSTRIAIS EM PE - CENTRAL DE
DISTRIBUIO
110
QUADRO 9: INCENTIVOS FISCAIS EM PE - COMRCIO IMPORTADOR
ATACADISTA
110
QUADRO 10: NMERO DE EMPREGOS PREVISTOS ANOS 2007, 2008 E
2009
116
QUADRO 11: IDH DE IPOJUCA
121
QUADRO 12: IDH DO CABO DE SANTO AGOSTINO
122
QUADRO 13: QUADRO PIB PER CAPITA POR REGIES DE
PERNAMBUCO 2005 2010.
122
QUADRO 14: DEMONSTRATIVO DO CLCULO IDH 127
LISTA DE SIGLAS
AD/DIPER Agncia de Desenvolvimento de Pernambuco.
ALALC - Associao Latino Americana de Livre Comrcio
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
CDM - Clean Development Mechanis
EUA Estados Unidos da Amrica
FIEPE - Federao das Indstrias do Estado de Pernambuco
FMI Fundo Monetrio Internacional
CGT Central Geral dos Trabalhadores
IDH ndice de Desenvolvimento Humano
IDH-M ndice de Desenvolvimento Humano Municipal
IPCC International Panel on Climate Change
MDL Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
OEA Organizao dos Estados Americanos
OMC Organizao Mundial do Comrcio
ONU Organizao das Naes Unidas
OPA Operao Pan-americana
PIB Produto Interno Bruto
PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento.
PRODEPE Programa de Desenvolvimento de Pernambuco
SUDAM - Superintendncia do Desenvolvimento da Amaznia
SUDENE - Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste
SEPLAG /PE Secretaria de Planejamento do Estado de Pernambuco.
SUAPE Complexo Industrial e Porturio de SUAPE
UNFCC Quadro das Naes Unidas sobre mudanas climticas
URSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas
SUMRIO
INTRODUO ............................................................................................................. 14
CAPTULO 1 GLOBALIZAO ............................................................................. 19
CAPTULO 2 MODELO DE DESENVOLVIMENTO ........................................... 27
CAPTULO 3 - GOVERNANA INTERNACIONAL .............................................. 44
CAPTULO 4 - SUSTENTABILDADE AMBIENTAL ............................................ 70
CAPTULO 5 DESENVOLVIMENTO, AD/DIPER E SUAPE. ............................. 92
CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................... 145
REFERNCIAS .......................................................................................................... 149
14
INTRODUO
O modo de produo capitalista causa, atravs do seu modelo baseado na
exaltao e na busca insensata de lucro, repetidas crises localizadas e germinadas em
sua essncia. Entretanto, atravs de exerccios formulados a partir da contemplao
funcionalista, o capital desvia o olhar crtico sobre sua estrutura fragmentando e
simplificando a essncia dessas crises.
Essa fragmentao exalta o carter democrtico das escolhas individuais
opondo-se, atravs dos ditames do mercado, qualquer soluo socializadora dos meios
de produo. Coloca-se como inquestionvel o modelo de produo baseado no lucro e
aponta as crises como problemas pontuais que devem ser resolvidos, portanto, por
mecanismos pontuais.
Dessa forma, desviada a apreciao sobre a totalidade e criam-se receitas de
fomentao de projetos e/ou polticas de bem-estar que apontam para as solues das
possveis anomias do mercado e da sociedade.
Em nosso breve sculo XX (Hobsbawn, 1995), vrias foram as ocasies onde
isso ocorreu. Seja nos projetos assistencialistas norte americano do incio do sculo
passado, seja nas reflexes do estado de bem estar social de Keynes nos anos de 1930,
seja nas propostas de reformulao dos direitos trabalhistas e privatizao das empresas
pblicas do neoliberalismo. O sistema capitalista sempre procurou manter intocvel o
iderio bsico que compe sua estrutura: o lucro atravs da mais-valia.
No incio do sculo XXI, o iderio capitalista intensifica as ferramentas de
continuidade e manuteno de seu iderio a partir da universalizao de seu
pensamento, utilizando para chegar ao seu objetivo, a concepo de globalizao como
resultante de uma aproximao de todos os povos com o sucesso do capitalismo.
Entretanto, concomitantemente a propagao do iderio capitalista, observam-se
crises de gesto, crises econmicas, crises ambientais. Alm das clssicas questes
sociais como a sade, a pobreza (fsica e de conhecimento), o pauperismo que mata de
15
fome milhes de pessoas todos os anos (FAO; 2013)1 e epidemias que se alastram
principalmente nos pases em desenvolvimento.
Novamente, as solues apontadas para tais questes so pontuais. A dinmica
do capitalismo contemporneo sinaliza para a mercantilizao da destruio ambiental
(Silva, 2010). Entretanto, aponta a questo ambiental como um problema isolado que
pode ser resgatado a partir de projetos de responsabilidade ambiental ou por
mecanismos de crdito de carbono.
A pobreza e a misria so tratadas como questes isoladas de sociedades ou
indivduos que ainda no se adaptaram a dinmica do mundo globalizado. A fome, que
se acentua nos pases subdesenvolvidos, visto, de maneira simplria, como oriunda de
culturas atrasadas que vivem sob a gide da corrupo.
Encontram-se, portanto, explicaes fragmentadas, construdas a partir de
mecanismos ideopolticos que destroem a autoestima, fazendo, dessa forma, o arranjo
do terreno dos pases subalternos para a interveno de instituies internacionais
expert nos procedimentos da gesto ps-moderna2.
O cerne da questo retorna, novamente, a procedimentos isolados. Aqui eles so
representados pelo conceito de ineficincia e ineficcia administrativa. Portanto,
sujeitos a procedimentos gerenciais que os coloquem no eixo e os faam funcionar.
O procedimento mais popularizado, neste cenrio ps-moderno, pelo capital, na
ltima dcada a governana internacional que debilita o poder do Estado Nacional em
sua soberania, aumentando, por sua vez, o poder de gesto das organizaes
supranacionais.
Esta pesquisa tem como objetivo investigar o processo de gesto sobre as
polticas de incentivos fiscais e de crescimento econmico em Pernambuco a partir de
uma reflexo sobre o Complexo Industrial e Porturio de Suape e do programa de
incentivos fiscais do Estado de Pernambuco. Este ltimo conduzido pela AD/DIPER,
chamado PRODEPE. E, por sua vez, apresentar uma reflexo da capacidade de gesto
1 Disponvel em: . Acesso em: 26 jul. 2013.
2 Sobre a Ps-Modernidade o livro: As origens da ps-modernidade por Perry Anderson (1999) uma
obra de referncia para entender a construo histrica do termo. Nesta tese o conceito utilizado como uma poca que tenta se consolidar, hegemonicamente, atravs do consumo na esfera global e de ferramentas de gesto, na administrao pblica, que mina o poder e a soberania dos Estado.
16
desses projetos e de sua transformao como mote e justificativa para elaborao da
construo do iderio capitalista de governana internacional.
Convm destacar que o interesse em estudar o assunto em foco foi despertado
atravs da compreenso de um trabalho de integrao entre desenvolvimento social,
ambiental e econmico, to necessrio contemporaneidade, nos projetos de fomento
de negcios elaborados pela Agncia de Desenvolvimento Econmico de Pernambuco
AD/DIPER. Essa instituio tem como objetivo central a atrao de negcios para o
Estado de Pernambuco. Entre suas vrias funes podemos destacar: a gesto dos
distritos industriais de Pernambuco, a anlise dos projetos de incentivos fiscais e as
polticas de interiorizao do desenvolvimento econmico. Ademais, houve atuao
como gestor de Distritos Industriais e como analista de incentivos, alm de outros
cargos, por muitos anos no interior dessa Agncia.
Alm disso, as consequncias sociais das polticas econmicas geraram um
grande interesse quando do estudo que foi realizado na University of Sheffield,
Mestrado em Polticas Pblicas, intitulado Desenvolvimento social no Brasil e sua
implicao para a consolidao da democracia. Ao analisar, neste trabalho, as causas
da debilidade apresentada por algumas polticas sociais, a ateno volta-se para a
necessidade de um melhor tratamento s demandas ambientais e um olhar sobre a
totalidade, onde as polticas sociais dialoguem, constantemente, com as polticas de
desenvolvimento econmico.
Entretanto, foi durante o curso de Economia da Mudana Climtica realizado na
University of Cambridge, no ano de 2008, que tal interesse se consolidou. O curso
trouxe luz o processo de avaliao dos custos e benefcios da implantao de polticas
econmicas realizadas sobre uma base sustentvel. Entre os benefcios apontados,
destacam-se os ganhos sociais provenientes da ideia de desenvolvimento sustentvel e
voltados mitigao e adaptao mudana climtica. Entretanto, o que mais chamou a
ateno foi a grande insistncia de prover aos rgos internacionais o papel principal no
processo de gesto destas polticas. Mesmo elas sendo executada sob o domiclio de um
17
territrio nacional, a nfase, centralizou-se na ideia de internacionalizao da gesto a
partir de princpios de governana3.
O mtodo utilizado para a anlise o Materialismo Histrico entendido como
uma metodologia que, a partir da totalidade, busca onde a localidade est inserida em
um contexto estrutural. Desta forma, aponta as contradies e trata da realidade atravs
de um retorno s fontes que estrutura as relaes sociais j que a coisa em si no se
torna explcita imediatamente Kosik (1995). Ademais, tal mtodo constitui na
possibilidade de um rompimento transformador nas relaes sociais.
Assim, a tese apresenta as trs categorias nucleares do pensamento marxiano:
Totalidade, Contradio e mediao. A Totalidade est constituda das contradies
inerentes ao sistema universal de desenvolvimento propagandeado pelo capital. Tais
contradies podem ser vislumbradas pela ausncia de tudo aquilo que o modelo
capitalista apregoa (o capital no solucionou, nem vai solucionar os problemas
inerentes ao seu funcionamento: pobreza, fome, destruio da natureza). Alm disso, a
ausncia de instrumentos de gesto que incorpore os ditames de eficincia ps-moderna
no objeto em anlise , em si s, representativo de contradio, pois no executa aquilo
que apregoa. Por outro lado, os mediadores que compem essa anlise baseiam-se em
conceitos e categorias tais como: Governana, Meio Ambiente e Sustentabilidade to
em voga na contemporaneidade. Estes, por sua vez, esto inseridos na ideia de
globalizao e de uma governabilidade mundial garantidora da democracia liberal.
Dessa forma, a organizao da presente tese segue esta introduo: cinco
captulos e mais as consideraes finais. O primeiro captulo, segue a construo da
ideia sobre globalizao e seus mecanismos de excluso. O captulo dois tem o ttulo
de Modelo de Desenvolvimento, para chamar ateno da tentativa, pelos patrocinadores
do capitalismo, de universalizao de um nico modelo capaz de conduzir ao
desenvolvimento. A construo da ideia de uma governana internacional trabalhada,
no captulo trs, a partir dos ditames ambientais muito utilizados em tempo de
aquecimento global e mudanas climticas. Ainda, seguindo os princpios do meio
ambiente, o captulo quatro trabalha com uma concepo ampliada do conceito de
ambiente, exaltando-o, verdadeiramente, como objeto de sustentabilidade, o espao de
3 O captulo 4 desta tese trata da ideia de governana usando como exemplo o Meio Ambiente no
cenrio internacional. Entretanto, o livro de John Pierre e B Guy Peters: Governance, Politics and the State, trata do tema detalhadamente.
18
negcios e explorao e da necessidade da manuteno deste ambiente pelo capital. O
quinto captulo apresenta um breve olhar, a partir da segunda guerra mundial, do
comprometimento brasileiro com o modelo desenvolvimentista que garanta o status quo
do modelo universal de desenvolvimento capitalista. Alm disso, ele traz uma anlise
crtica a respeito do processo de gesto da AD/DIPER e SUAPE, apresentando os dados
dbeis, da primeira, para justificar seu projeto de incentivos fiscais e os ndices
limitados usados, pelo governo do Estado, para identificar o desenvolvimento de
Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho, dois municpios onde esto localizados SUAPE. As
consideraes finais apontam a utilizao ideopoltica, apropriadas a partir da ausncia
de sustentabilidade nas reas pesquisadas, como brechas e argumentos da necessidade
de instrumento de governana internacional em Pernambuco e, consequentemente, no
Brasil.
19
CAPTULO 1 GLOBALIZAO
Debate muito explorado desde o trmino da segunda grande guerra mundial, a
internacionalizao, ganha uma nova aparncia no final do sculo XX. Essa
internacionalizao batizada pelo nome de globalizao. Sua estrutura construda a
partir de uma ideologia patrocinada pelas corporaes empresarias, pelas organizaes
financeiras internacionais, criadas logo aps a segunda guerra mundial (Fundo
Monetrio Internacional e Banco Mundial), alm de outros atores como a Organizao
das Naes Unidas e os Blocos Econmicos representativos dos pases hegemnicos.
De acordo com Milton Santos (2011, p.18) os fundamentos dessa globalizao so a
informao e o seu imprio, que encontram alicerce na produo de imagens e do
imaginrio, e se pem a servio do imprio do dinheiro.
Entre os vrios aspectos internacionais discutidos pelos que defendem e
propagam esse imaginrio, est a questo ambiental. A questo ambiental, na
contemporaneidade, dominada pelo debate em torno das mudanas do clima planetrio
causado por aes antropognicas elevando a temperatura global. Os advogados da
globalizao, como instrumento mercadolgico e universalista, apresentam solues
para esses problemas atravs de ferramentas baseadas, obviamente, em mtodos de
mercado (Crdito de Carbono, Polticas de Sustentabilidade nas corporaes
empresariais, etc.). Nesse sentido, so criadas fantasias, cuja repetio, acaba por se
tornar uma base aparentemente slida (Santos 2011, p. 18) para a soluo de questes
como o desflorestamento, a pobreza e o subdesenvolvimento.
Nesta fantasia o capital circula com a finalidade de ampliar-se, criando um
grande sistema cultural baseado na produo de subjetividade por meio da propaganda.
Isso leva a acreditar que diferentes lugares necessitam das mesmas mercadorias,
reduzindo a geografia a um simulacro. Para Harvey:
Por meio da experincia de tudo comida, hbitos culinrios, msica,
televiso, espetculos e cinema , hoje possvel vivenciar a geografia do
mundo vicariamente, como um simulacro. O entrelaamento de simulacros
da vida diria rene no mesmo espao e no mesmo tempo diferentes
mundos (de mercadorias). Mas ele o faz de tal modo que oculta de maneira
quase perfeita quaisquer vestgios de origem, dos processos de trabalhos
que os produziram ou das relaes sociais implicadas em sua produo.
(1992:270-271).
20
Os trabalhos do professor Milton Santos se colocam como referncias na
reflexo da globalizao e como proposta na realizao de outra globalizao. Esta
ltima, mais humana, baseada no respeito especificidade de cada territrio e da cultura
de cada povo. Segundo Santos:
...devemos considerar a existncia de pelo menos trs mundos num s. O
primeiro seria o mundo como nos fazem v-lo: a globalizao como fbula;
o segundo seria o mundo tal como ele : a globalizao como perversidade;
e o terceiro, o mundo como ele pode ser, uma outra globalizao (2011, p.
18)
A outra globalizao sugerida por Milton Santos seria uma globalizao mais
humana e solidria. Esse novo tipo de relao teria como base o respeito a pluralidade
cultural dos povos que habitam as diversas regies do nosso planeta. Para Santos trata-
se da existncia de uma verdadeira sociodiversidade, historicamente muito mais
significativa que a prpria biodiversidade (Santos, 2011, p. 21).
O perodo histrico pelo qual estamos passando, oferta-nos possibilidades de
conhecer o planeta extensiva e aprofundadamente (Santos, 2011 p. 31). A tecnologia
de satlite, o avano da informtica e da engenharia gentica, nos remete uma melhor
compreenso das questes ligadas ao meio ambiente e ao homem. A utilizao, atravs
de bases solidrias, dessas informaes podem trazer avanos na qualidade de vida do
ser humano. Infelizmente, a globalizao como ela , faz com que a cognoscibilidade do
planeta sejam usadas pelas empresas na busca da mais-valia. Essa busca incessante de
mais-valia chamada, por Milton Santos(2011), de Tirania do dinheiro. Assim,
necessrio que se busquem solues estruturais para as questes sociais globais porque
os mecanismos propostos sobre esta estrutura esto fadados ao fracasso. Portanto, so
incuas as solues normativas, como a do Protocolo de Quioto ou dos projetos da
PNUD quando elas so construdas a partir de princpios axiolgicos fundamentadas no
mercado e na tirania do dinheiro.
As normas de mercados, no qual est construda a globalizao, tenta a todo
custo fazer crer que fora dos ditames das corporaes internacionais e do pensamento
21
neoliberal - que conduzem as aes do Banco Mundial e do Fundo Internacional
Monetrio FMI - na h solues. Esta viso ideolgica chamada por Milton
Santos(2011) de Globalitarismo.
Entre outras coisas, o Globalitarismo propagandeia: o fim das fronteiras para o
mercado internacional; uma administrao global dos bens naturais (governana
global); a democracia como sinnimo de liberdade de consumo (Santos, 1988), alm de
receitas universais para as solues dos problemas locais. Quando relacionada gesto
pblica, nos anos 1990, a soluo estava baseada na privatizao. J no sculo XXI
alm da privatizao uma possvel soluo engloba aspecto da Governana.
Tal globalitarismo, constitudo verdadeiramente de um lobo sob pele de
cordeiro, abraa a imagem altrusta para divulgar seus projetos. Enquanto que, pases
hegemnicos4 utilizam do mesmo argumento para justificar hostilidades e esconder
seus objetivos imperialistas (Hobsbawn, 2007), fragmentando territrios e pases,
fazendo indivduos se sentirem, de alguma forma, mais prxima a cultura dos pases
hegemnicos do que a dos seus vizinhos.
Porm, no debate sobre a globalizao no temos encontrado anlises que
consideram os fragmentos que ele acarreta. Ao contrrio, ressaltam-se as suas vantagens
aparentes, porm sem configur-la com maior preciso" (Ribeiro, 1995:18).
Na busca pela eficincia Globalitarista Santos aponta o empobrecimento das
cincias humanas no interior deste processo. Para Santos (2011) esse empobrecimento
nos leva a dificuldade de entender o mundo e a implantao de novas concepes sobre
o valor a atribuir a cada objeto, a cada indivduo, a cada relao, a cada lugar,
legitimando novas modalidades e novas regras da produo e do consumo. Essas novas
concepes sobre o valor constituda e apresentada na forma do individualismo e da
competitividade. Portanto, so esquecidos e excludos, neste processo, a coletividade e a
solidariedade. Elementos que deveriam estar mais presentes, j que so fundamentais na
vida em sociedade.
4 Os pases hegemnicos referidos aqui podem ser exemplificados pela Alemanha, Reino Unido, Frana,
Canad, entre outros. O site A nova Democracia traz uma contribuio importante para reflexo sobre hegemonia nas Relaes Internacionais e os Pases hegemnicos: http://www.anovademocracia.com.br/no-11/1104-dez-coisas-que-todo-brasileiro-deveria-saber.
22
Como consequncia, temos o esquecimento da oposio entre o homem cidado
e o homem consumista. O homem passa ser consumista dos servios que garantam seu
Bem-Estar. O transporte pblico trocado pelo carro ou pela motocicleta; a escola
pblica pelo colgio particular; o sistema nico de sade pelos planos privados; a
aposentadoria universal pelos planos de aposentadoria complementar dos bancos.
Esse tipo de problema torna-se mais srio em uma sociedade como a brasileira
- onde a condio de homem cidado nunca foi consolidada. De acordo com Santos:
certo que no Brasil tal oposio menos sentida, porque em nosso pas
jamais houve a figura do cidado. As classes chamadas superiores,
incluindo as classes mdias, jamais quiseram ser cidads; os pobres jamais
puderam ser cidados. As classes mdias foram condicionadas a apenas
querer privilgios e no direitos. E isso um dado essencial do
entendimento do Brasil (SANTOS, 2011, p 49).
A ausncia de cidadania de nosso povo fermenta a ausncia de polticas, sobre
base verdadeiramente sustentvel, de nossos rgos fomentadores do desenvolvimento
econmico. O que interessa quantos empregos sero gerados. Enquanto que questes
sociais so secundrias na avaliao dessas polticas. Por outro lado, para satisfazer as
demandas gerenciais das convenes internacionais so criados comits, conselhos e
legislaes que esto longes da realidade caracterstica de um pas que Carvalho (1995,
p. 21) chama de uma contradio entre o pas legal e o pas real.
As lgicas exgenas do Globalitarismo, portanto, conduz o comportamento
interno de pases mais vulnerveis como o Brasil. A solidariedade que deveria conduzir
as aes dos Estados dentro da federao permutada por aes de competitividade
entre eles (A guerra entre os estados atravs da iseno fiscal por exemplo). A produo
de alimentos cada vez mais voltada ao comrcio exterior, enquanto a agricultura de
subsistncia vai desaparecendo a cada dia. As polticas estaduais de desenvolvimento
econmico so, na prtica, desvinculadas das polticas sociais. O cuidado com a
natureza e com as causas das questes sociais so subordinados aos ganhos
individuais e do consumismo.
Todavia, a prpria globalizao produz elementos para a transformao do
cenrio atual. Tal transformao, alimentada por aspectos polticos e tcnicos,
construda de baixo reaes locais para cima. Algumas vezes, ela constituda e
23
sentida pela ineficincia de polticas pblicas (como exemplo a SUDENE que foi
ineficaz na reduo dos grandes problemas sociais e econmicos no Nordeste
Brasileiro). Por outro lado, as crises internas dos pases no hegemnicos dentro da
Unio Europia vm germinando, de uma maneira cada vez mais acentuada, oposio a
universalizao do pensamento baseado na ideia de eficincia do mercado. Esse
processo de oposio s ideias hegemnicas pode ser traduzido pelo o que Milton
Santos (2011) chama de: As dialticas endgenas. As dialticas endgenas uma
reao as polticas Globalistaristas que acabam, no longo prazo e mesmo no mdio
prazo, por revelar sua debilidade, sua relatividade, sua ineficcia, sua no
operacionalidade. (Santos 2011, p. 95).
As crises resultantes de um processo de globalizao, baseado no mercado,
resulta em uma discusso sobre a importncia do Estado Nacional dentro do cenrio das
relaes internacionais. Como falamos anteriormente a reao ao processo de
globalizao acontece dentro do territrio nacional e passa, atravs de discusses
tcnicas, pelos governos municipal e estadual. No Brasil se caracteriza pelo debate e
discusso tcnica para saber quem vai arcar com o nus das dificuldades financeiras e,
principalmente, sociais, resultante da globalizao.
Sabe-se que o capital financeiro resultante da globalizao mvel e objetiva
nica e exclusivamente o lucro. Neste sentido, a qualquer sinal de crise, esse capital se
retrai e transferido de um local para outro rapidamente. Tal transferncia no se
preocupa pelas questes ambientais de uma determinada regio, nem pela fome ou pela
misria resultante de sua poltica ineficiente. Simplesmente o capital buscar outra
regio ou outro pas que resulte em maior lucro aos seus investimentos. Ao mesmo
tempo em que o capital se retira, aparecem as organizaes financeiras internacionais,
como o BIRD e o FMI, dispostas a ajudar na recuperao de determinada regio.
Porm, essa ajuda exige de contrapartida a implementao de polticas, macro e
micro, econmicas e da chamada reforma administrativa do Estado. As reformas,
propostas pelas organizaes internacionais, resultam sempre em um ambiente mais
favorvel ao retorno do capital financeiro internacional. Ao mesmo tempo, se deteriora
soberania nacional, enquanto os problemas sociais (violncia, pssima qualidade nos
sistemas de educao e sade pblica, entre outras) so cada vez mais acentuados no
campo e nos grandes centros dos pases subalternos.
24
Segundo Hobsbawn (2007, p. 11) a globalizao acompanhada de mercados
livres, atualmente em voga, trouxe consigo uma dramtica acentuao das
desigualdades econmicas e sociais no interior das naes e entre elas.
O ciclo vicioso do capital financeiro internacional, ditado por uma ordem
hegemnica de mercado e pelas organizaes multilaterais que as representam, resulta
numa integrao destinada a favorecer os atores hegemnicos. Segundo Santos (2011,
p. 106) tal integrao, vertical, dependente e alienadora, j que as decises essenciais
concernentes aos processos locais so estranhas ao lugar e obedecem a motivaes
distantes.
Porm, nesse contexto de verticalizao que, paradoxalmente, se aprofunda,
dialeticamente a reao ao globalitarismo. A reao da qual nos referimos est
constituda na personalidade de cada regio. Santos afirma que:
O fato de que o Estado se preocupe sobretudo com o desempenho das
macroempresas, s quais oferecem regras de natureza geral desconhecem
particularidades criadas a partir do meio geogrfico, leva ampliao das
verticalidades e, paralelamente, permite o aprofundamento da
personalidade das horizontalidades. (2011. p. 109)
Nesse sentido, as polticas pblicas de desenvolvimento econmico em
Pernambuco, em especial o PRODEPE, sofrem desta caracterstica. A natureza
universalista de gesto e implementao abraada pelo vis mercantilista global sem
considerar as particularidades das regies, da populao e do ambiente aonde elas so
acionadas.
Milton Santos (2011) aponta a importncia da personalidade das
horizontalidades que podem respaldar a transformao do que ele chama globalitarismo
para uma globalizao solidria, social e humana. Segundo ele:
...nestas, ainda que estejam presentes empresas com diferentes nveis de
tcnicas, de capital e de organizao, o princpio que permite a
sobrevivncia de cada uma o de busca de certa integrao no processo de
ao. Trata-se, aqui, da produo de uma integrao solidria, obtida
mediante solidariedade internas, cuja natureza tanto econmica, social e
cultural como propriamente geogrfica (Santos, 2011, p. 109).
25
As integraes horizontalizadas podem e devem ser incentivadas atravs de
polticas pblicas que coloquem em relevo a transformao do modo de produo
capitalista. Pode-se, aqui citar, como exemplo, polticas pblicas que incentivem a
economia solidria e o Arranjos Produtivos Locais APLS. Este ltimo, incorporando,
em seu processo de gesto, a presena de vrios atores de diferentes segmentos da
sociedade civil. Por exemplo, os sindicatos e as Universidades. Entretanto, mister que
se elimine o capital do processo de gesto e de governana, abrangendo desta forma
outras instituies crticas do capital. .
Nas instituies da sociedade civil podemos destacar um elemento essencial na
transformao da globalizao. Tal elemento so os intelectuais presentes tanto em
sindicatos, nas universidades e em outras instituies representativas. Segundo Santos
(2011, p.74) necessrio que os intelectuais assumam o papel, inerente a eles, que tem
como funo principal,..., o casamento permanente com o porvir, por meio da busca
incansada da verdade.
Tais intelectuais devem buscar solues estruturais atravs da integrao das
polticas pblicas com as sociais. Para Santos (2011, p. 75), as chamadas polticas
pblicas, quando existentes, no podem substituir a poltica social, considerada um
elenco coerente com as demais polticas (econmica, territorial, etc). E elas s podem
ser conjugadas quando inseridas em um sistema poltico e econmico que se
sobreponha ao julgo do mercado e do capital. Assim, ultrapassa-se o olhar dbil e
fragmentado de uma globalizao excludente para ir mais alm do que determina o
capital.
E isto tem sua origem na localidade sem excluir um olhar sobre as relaes
sociais em uma esfera macro. Assim como polticas sociais e polticas pblicas so em
si s parte de uma totalidade, assim tambm o local e o global.
Os lugares so individuais. Mas, tambm global. Os lugares, por si s, j esto
inseridos dentro de um sistema e dialogam entre eles. Acontecimentos no hemisfrio sul
tm consequncias no hemisfrio norte e vice-versa. O planeta um nico sistema
composto de singularidades regionais que se comunicam. Nas palavras de Santos(2011,
p. 112): Os lugares...so singulares, mas so tambm globais, manifestaes da
totalidade-mundo, da qual so formas particulares.
26
Trata-se, portanto, de globalizar no os espaos, mas as pessoas. Essa outra
globalizao transformadora e comea na estrutura das relaes sociais atravs de uma
mediao poltica que incorpore elementos do cotidiano. Caso contrrio, todas as
polticas pblicas esto sujeitas ao fracasso.
No sabemos para onde estamos indo. S sabemos que a histria nos
trouxe at este ponto e por qu. Contudo uma coisa claro. Se a
humanidade quer ter um futuro reconhecvel, no pode ser pelo
prolongamento do passado ou do presente. Se tentarmos construir o
terceiro milnio nessa base, vamos fracassar. E o preo do fracasso, ou
seja, a alternativa para uma mudana da sociedade, a escurido.
(Hobsbawn; 1997, P. 562):
Exige-se uma interpretao mais filosfica que ultrapasse a descoberta da
diferena e atinja conscincia de classe. Assim, elimina-se a globalizao exploradora
baseado na diviso internacional do trabalho, no consumismo e na busca do lucro.
Emerge-se outra: comunitria, revolucionria e humanitria, conduzida sobre uma
solidariedade de classe e pelo trabalho.
No cabe, todavia, perder a esperana, porque os progressos tcnicos (...)
bastariam para produzir muito mais alimentos do que a populao atual
necessita e, aplicados medicina, reduziriam drasticamente as doenas e a
mortalidade. Um mundo solidrio produzir muitos empregos, ampliando
um intercmbio pacfico entre os povos e eliminando a belicosidade do
processo competitivo, que todos os dias reduz a mo-de-obra. possvel
pensar na realizao de um mundo de bem-estar, onde os homens sero
mais felizes, um outro tipo de globalizao" (Santos, 2011:80).
27
CAPTULO 2 MODELO DE DESENVOLVIMENTO
Modelo se constitui na forma de pensar, criar e conduzir determinadas obras em
determinado tempo, espao e condies. Em relao ao conceito de desenvolvimento, os
modelos, portanto, apontam a maneira de planejar e executar aes que estabeleam o
crescimento e/ou o melhoramento de alguma coisa, ou de algum, em um perodo
determinado (esse perodo pode ser curto, mdio, longo ou permanente), em uma rea
ou setor e que leve em conta as condies estabelecidas. Para medir a eficincia e
eficcia de um modelo de desenvolvimento necessrio, deste modo, delimitar a priori
o que ser medido para que, a posteriori, seu efeito e fora possam ser calculados.
Os instrumentos para aferir, se efetivamente, um modelo est sendo conduzido e
implantando de forma eficiente e eficaz, chamam-se indicadores. Eles vo indicar, por
exemplo, se os objetivos, de uma determinada poltica pblica de desenvolvimento,
construdos a partir de um modelo, esto sendo planejados ou executados de forma
concreta. Ou seja, eles constituem as ferramentas de controle da efetividade, eficincia e
eficcia de um projeto, programa e/ou poltica. Estes, por sua vez, construdos a partir
de um modelo que tem inserido no seu escopo, alm dos objetivos mencionados,
diferentes valores. Estes princpios axiolgicos so determinantes e determinados, por
sua vez, do e pelo modelo de desenvolvimento sobre o qual a ao est sendo
construda.
Sobre indicadores Cohen e Franco(2007, p. 152) esclarecem:
Uma instncia central do processo de avaliao consiste em
determinar o grau em que foram alcanadas as finalidades do projeto.
Isto requer dimensionar o objetivo geral em subconjuntos de objetivos
especficos, os quais por sua vez tero metas, cuja obteno ser
medida atravs de indicadores. As variaes nos valores que so
verificados nas unidades de anlise permitem quantificar este
processo.
Assim, h vrios tipos de desenvolvimento como, por exemplo, na esfera
microscpica podemos citar: desenvolvimento autossustentado, desenvolvimento social,
desenvolvimento humano, entre outros. No campo macroscpico podemos mencionar
os modelos Socialista e Capitalista de desenvolvimento. Eles so determinantes da
28
conduo da poltica de Estado. Os modelos de desenvolvimento macroscpico so
aqueles que produzem os princpios axiolgicos e teleolgicos. Por sua vez, esses
princpios resultaro nos indicadores/mediadores de eficincia e eficcia das polticas
pblicas inseridas nos projetos e programas dos modelos microscpicos. Em outras
palavras, so os valores e objetivos indicados nos modelos macros que determinaro
como ser a gesto dos modelos micros.
A formatao de um novo modelo exige que o velho seja negado. Entretanto,
esse movimento de gerao e negao no se d sem conflitos e crises. Os conflitos e
crises tm origem, por conseguinte, primeiramente na prpria contradio intrnseca ao
modelo antigo. Em segundo lugar, na tentativa feita pelo modelo ultrapassado de
manter o status de modelo dominante.
O antagonismo entre os modelos, novo e antigo, gera choques revolucionrios e
suscita um novo padro. Entretanto, esses choques, advindos da lgica de que um
mesmo corpo no pode ocupar o mesmo espao, so negados pela construo ideolgica
que prope a eternizao de um nico modelo. Ou seja, aquele que prope a
conservao e manuteno do modelo existente, tende a colocar o modelo vigente como
indissolvel.
A cultura hegemnica construda a partir da ideia de nico modelo de
desenvolvimento, acentuado com o avano no modo de produo capitalista, classifica o
modelo liberal como o mais alto grau evolucionista humano. Neste sentido, as palavras
que conotam alguma mudana sugerem adaptao, funcionalidade, sustentabilidade ou,
para utilizar uma expresso bem na moda, mudana de paradigma. Em suma: as
mudanas sugeridas pelo sistema so construdas sobre uma base estrutural que sugere
continuao e nunca transformao radical.
Por outro lado, quando se afere, de forma crtica e histrica, o desenvolvimento
social e econmico da sociedade, nota-se que o rompimento de uma ideia anterior e a
construo de um novo modelo requer transformaes que rompam com a composio
estrutural antiga. Alm disso, necessrio que elementos arraigados em um territrio e
povo sejam tambm transformados. Noes de comportamentos so baseadas em
valores hegemnicos que so estabelecidos ininterruptamente. Entretanto, esse fluxo
sofre, tambm constantemente, uma oposio em seus objetivos e apegos. Portanto,
29
necessrio que haja transformaes no mbito da sociedade civil, poltica e econmica.
Em outras palavras: mudanas radicais que penetrem a totalidade da existncia social.
Essa fora transformadora e radical, negada na atualidade pelo capital, em
verdade foi, revolucionariamente, sua fora motriz e o fez ascender como sistema
hegemnico, derrubando o velho regime monrquico absolutista.
Os movimentos de coliso entre situao e oposio se enfrentam
constantemente. O primeiro para conservar o poder hegemnico. O segundo para ocupar
posio e obter o domnio. Esse movimento, centrpeto e centrfugo, transforma e
destroi o modus operandi de uma sociedade. E, consequentemente, emerge um novo
modelo de desenvolvimento. Como explica Engels e Marx (1999, p.7) :
A histria de todas as sociedades que existiram at nossos dias tem
sido a histria das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrcio e
plebeu, baro e servo, mestre de corporao e companheiro, numa
palavra, opressores e oprimidos, em constante oposio, tm vivido
numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarada; numa guerra que
terminou sempre, ou por uma transformao revolucionria, da
sociedade inteira, ou pela destruio das duas classes em luta.
A poltica, da classe dominante, elaborou e elabora em todos os momentos da
histria ideologias, objetivando atenuar os conflitos e assegurar sua permanncia no
poder. Quando se trata de desenvolvimento, so criados mitos e mentiras que
incorporam, dependendo do momento histrico, aspectos teolgicos e/ou cientficos.
Essas fantasias tm por finalidades conduzir e manter as classes subalternas em uma
constante letargia.
As ferramentas utilizadas para mascarar a condio de explorada de uma classe
so vrias. Elas so justificadas a partir de uma concepo de neutralidade cientfica
e/ou de conotaes religiosas que levam a um determinismo inerte e acrtico. Segundo
Maranho (2009, P. 25):
Seja com o recurso ao discurso aglutinador da religio, que na idade
mdia pretendia universalizar na figura de DEUS a dominao feudal,
ou, mais tarde, na defesa positivista da neutralidade axiolxica da
cincia social, a ideologia dominante deve ao elaborar concepes
30
sobre a realidade social encontrar tambm caminhos para apresentar
as ideias dominantes como nicas realmente vlidas. Assim, cada
modo de produo, com suas formas de alienaes5 especficas,
oferecer as condies concretas para o desenvolvimento de formas
particulares de universalizao da ideologia dominante.
Desde a tomada do poder pela burguesia, detentora do capital, ela vem lutando
no sentido de garantir, de forma constante, sua hegemonia. Isso se traduz, no modelo de
desenvolvimento que, a partir de mecanismo ideopoltico, destacam como valores, os
princpios de liberdade e de igualdade capitalista. No por acaso esses foram e
continuam sendo a base da economia poltica baseada no lucro e na acumulao: O
homem nasce livre e com igual capacidade para se destacar dentro da regra a qual ele
est vinculado. Esse sistema vai gradativamente se ajustando no sentido de fazer com
que as instituies sociais comecem a funcionar. O Homem que no consegue se
adaptar aos mecanismos sociais do sistema sofre de anomia6. Ou seja, um problema
particular que necessita ser eliminado pelo prprio individuo.
Por sua vez, as organizaes e instituies vinculadas ao sistema, ainda pecam
pela ineficincia porque at o presente, no incorporaram o carter de mercado to
apregoado pelos que advogam a privatizao. Assim, emergem ideias reformistas
propondo fazer funcionar o sistema maquiando as verdadeiras causas do problema.
As solues e propostas agregam novos modelos de gesto e participao do
Estado. Contudo, a conduo do modelo, na esfera macro, de desenvolvimento capital
inquestionvel. Em resumo: tanto no campo humano ou nas instituies, a incapacidade
de funcionamento tem seu problema relacionado ao individuo. Mais: a soluo proposta
se fragmenta em condutas individuais.
Neste sentido, Marx et al.(1987-1988 7, apud MARANHO et al., 2009, p. 27)
aponta que o individuo isolado poder imaginar que constituem os motivos reais e o
ponto de partida de sua conduta. Quando, na realidade, este indivduo est replicando
valores e propostas construdos, a partir de aparelhos ideopolticos, pela classe
5 Para se aprofundar sobre a ideia de alienao ver MARX (1996a) e MARX (2004) Captulo: TRABALHO
ESTRANHADO E PROPRIEDADE PRIVADA. 6 DURKHEIM(2000) usa este termo para ilustrar um fato que est fora da ordem social ou seja, no
funciona de forma harmnica na sociedade. 7 MARX, Karl. O 18 Brumrio de Lus Bonaparte In MARX . So Paulo: Abril Nova Cultura 1987-1988.
31
dominante. A inteno maior dos interesses dessa classe reproduzir as condies de
domnio de forma vitalcia.
Na histria do ciclo de desenvolvimento capitalista os modelos foram
implementados a partir de adaptao s especificidades geogrficas, econmicas e
culturais. Essas especificidades, como no poderiam ser diferentes, conduzem a
modelos micros que constituem elementos incontestes ao sistema do capital. A classe
burguesa, antes revolucionria, busca ampliar e/ou manter seus privilgios, seja fazendo
parcerias com a velha ordem (adaptada aos moldes do mercado) seja estabelecendo,
atravs de uma linguagem dos paradoxos, uma roupagem progressiva, Maranho (2009,
p. 34). Neste sentido, a revoluo ganha, objetivamente, um carter de conservao, ou
nas palavras de Maranho (2009, p. 34), a conservao para cumprir seu papel deve
reivindicar o que deveria consistir no seu contrrio.
O deslocamento revolucionrio burgus para o conservadorismo apreendido a
partir de elementos historiogrficos conduzidos pelos intelectuais orgnicos
comprometidos com a classe dominante. No mapeamento da histria cientfica o
historicismo e o positivismo congregam meios que freiam o processo de
desenvolvimento dialtico e revolucionrio da histria. O primeiro atravs de um
relativismo que compreende o desenvolvimento atravs de uma adaptao ao
capitalismo sem um rompimento revolucionrio violento. O segundo, atravs da
consolidao do liberalismo estabelecendo elementos normativos que garantam a ordem
e o progresso de forma eficaz.
Importante lembrar que o olhar evolucionista e universalista da histria tem sua
fundao no iluminismo. Esta viso encontra, na ideia kantiana, a racionalidade da
natureza continuamente apta a se refazer em servio de um bem comum e do progresso.
Por sua vez, ela se aproxima ao relativismo historicista quando, este ltimo, estabelece,
direta ou indiretamente, o modelo de Estado Nacional Capitalista como o mais elevado
grau de desenvolvimento.
O interessante que no binmio positivismo/historicismo podemos encontrar os
aspectos originais da formulao ideopoltica que conduz o modelo de desenvolvimento
capitalista. O primeiro atravs do ordenamento funcional de um sistema que,
indiscutivelmente, est classificado como progresso. J o relativismo, do segundo,
oferece combustvel para destacar o personalismo de cada sujeito. Neste sentido,
32
encontramos no positivismo francs e no historicismo alemo diferenas no mtodo e
similaridades na essncia. Os dois parecem buscar mtodos ou modelos microscpicos
diferentes para chegar a um mesmo lugar, a uma mesma ideia de desenvolvimento
representada pelo Estado Moderno Capitalista. Para Barros (2011b p. 110) as
motivaes polticas das elites francesas e germnicas no diferiam muito no que se
refere necessidade de estabelecer consenso e de desmobilizar posturas
revolucionrias.
Tambm na marcha racional, da obra Lies Sobre a Filosofia da Histria, de
Hegel8 uma coerncia no interior do desenvolvimento humano encontrada. Essa lgica
construda a partir de um processo dialtico assinala para um assentamento das
realizaes humanas sobre o Estado. Esse movimento agrega-se s concepes
idealistas especulativas hegelianas encontradas em sua Linhas Fundamentais da
Filosofia do Direito9.
Apesar de no haver, nas obras hegelianas citadas acima, uma defesa explcita
ao Estado Capitalista burgus, sua utilizao na criao do mito desenvolvimentista
capitalista inquestionvel. Essa utilizao se apega ao fator ontolgico, na explicao
das relaes sociais, utilizado por Hegel. A questo elaborada a partir de uma
perspectiva que secundariza a categoria trabalho e a sua participao na formao das
relaes sociais. No movimento que caracteriza o desenvolvimento humano, sua gnese
atribuda ao imperativo da subjetividade. Neste sentido, a objetividade torna-se
coadjuvante na construo da vida social. A ideia torna-se, portanto, a gnese de todo
movimento. A questo do ser social formada a partir de uma premissa que coloca uma
abstrao acima do concreto, Nas prprias palavras de Hegel et al (2008a, apud
BARROS et al., 2011, p.124):
Portanto o estudo da histria universal [isto , a modalidade que ele
mesmo, Hegel, produziu] resultou e deve resultar em que nela tudo
aconteceu racionalmente, que ela foi a marcha racional e necessria do
esprito universal; esprito cuja natureza sempre idntica e que a
explicita na existncia universal. Tal deve ser, como dissemos, o
resultado do estudo da histria.
8 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia da Histria. Braslia: Editora da UNB, 2008b.
9 ________________________. Filosofia do Direito. Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito ou
Direito Natural e Cincia do Estado em Compndio. Trad. Paulo Meneses, et al. So Leopoldo, RS, Ed. Unisinos, 2010.
33
O estancamento do processo revolucionrio, arquitetado pela burguesia, vem
utilizando vrias estratgias desde os sculos XVIII e XIX. Na Alemanha percebe-se,
diferente do caso francs, um processo de acomodao dado por cima que ajudou na
formulao e unificao de um Estado forte comprometido com polticas
desenvolvimentistas capitalistas.
J na Frana e EUA o rompimento foi dado pela via da revoluo violenta.
Entretanto, o carter revolucionrio do desenvolvimento foi abandonado,
gradativamente, pela ideia de progresso aps a tomada do poder poltico pela burguesia.
Este abandono pode ser caracterizado pelos ditames de ordem e progresso positivista.
O caso da Inglaterra parece uma conjuno das caractersticas de rompimento
radical e de acomodao ao regime. Ademais, importante lembrar que foi nesse pas
que a gnese do modelo de desenvolvimento capitalista emergiu e tomou corpo. Os
primeiros aspectos de que a velha ordem absolutista estava em crise pode ser encontrada
na Revoluo puritana de 1640 e, posteriormente, com a Revoluo Gloriosa de 1688.
As duas revolues, acima mencionadas, fez parte de um nico processo de
transformao que limitou o poder monrquico ingls e criou uma parceria entre
aristocracia e burguesia. Essa parceria, sob a gide de um sistema parlamentarista, gerou
as condies indispensveis para a Revoluo Industrial do Sculo XVIII.
Entretanto, o que encontramos no cerne do processo de acomodao e/ou
revoluo capitalista a sua necessidade de aumentar a acumulao e o lucro
permanentemente.
A necessidade de desenvolver o ambiente objetivo para o acmulo de riqueza
vem, desde ento, criando crises cclicas no sistema. Neste sentido, o mito de que os
mecanismos de mercado conduzir o melhoramento de vida do ser humano vai por gua
abaixo.
Os fatos histricos assinalam para outra direo: A misria imposta pelo
imperialismo direto na frica e sia, as duas grandes guerras, ocorridas no sculo XX,
oriundas da necessidade de ampliao de mercado e de fornecedores de matria prima, o
desemprego e a fome provenientes da quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929, a
diviso internacional do trabalho que impe a situao de dependncia aos pases mais
pobres, e, mais recentemente, a globalizao que aponta para a degradao do meio
34
ambiente e do aumento da pobreza, demonstrando que o desenvolvimento ficou restrito
a uma s classe.
O receiturio capitalista baseado no egosmo e na dilatao do consumo,
mostra-se incuo para a soluo de tais problemas. A distribuio das beneficies do
sistema no acontece. A coisificao do mercado conduz a um processo de insanidade
que estabelece uma distribuio objetiva desigual. A questo social, por sua vez,
explicada por dificuldades de carter individual. Logo, a classe subalterna torna-se mais
distante da realidade acentuando sua condio de alienao. Para Netto ( 2001, p. 35)
A ordem burguesa supe necessariamente que, em ltima instncia, o destino pessoal
funo do indivduo como tal; a consequncia inelutvel que tanto o xito como o
fracasso sociais so creditados ao sujeito individual tomado como mnada social.
Essa irracionalidade do processo fundamenta-se por ideais de desenvolvimento
criadores de aberraes. O ser humano torna-se pea de sustentabilidade na engrenagem
do sistema. E, pior, suas caractersticas qualitativas imergem dando lugar a valores
medidos pelo preo.
Como vimos, o modelo de desenvolvimento acontece de forma diversificada
pelo espao e tempo. Entretanto, sua unificao e consenso se estabelecem na raiz - o
lucro ou, como se sugere, no aspecto macro que desenhado por formas de
explorao do trabalho e dominao de classe. Ao especificar as diferentes maneiras de
desenvolvimento do capitalismo Maranho (2009, p. 30) diz:
Os processos econmicos, polticos e ideolgicos que possibilitam a
burguesia assumir a condio de classe dominante no se processaram
da mesma maneira em todos os pases. As caractersticas histricas
especficas de cada formao econmica e social definiram uma
cultura poltica e uma forma de universalizao ideolgica particular
ao conjunto das fraes burguesas de cada pas.
No Brasil, tal construo foi formulada a partir de premissas e princpios
colonialistas que dificultou a gerao de uma cultura cidad. Ento, as caractersticas
subservientes da classe trabalhadora brasileira apresentam dificuldades de garantir
direitos - mesmo que estes direitos estejam na esfera do direito burgus - Alm do mais,
o carter participativo e democrtico se resume, quase que exclusivamente, ao ato de
votar em eleies diretas.
35
Para Milton Santos (1988, p.13) a ausncia de cidadania no Brasil facilita o
processo reificador quando em lugar do cidado formou-se um consumidor, que aceita
ser chamado de usurio. Essa ausncia de cidadania e diferena do desenvolvimento
capitalista brasileiro agua sua caracterstica subordinada, e de dependncia, no cenrio
da diviso internacional do trabalho. Maranho (2009, p. 37) expe assim:
Para ns, a referncia condio colonial e subordinao ao
capitalismo internacional importante, pois acena para a construo
histrica de uma forma de ao poltica das classes dominantes que
alm de estar baseada no autoritarismo das solues pelo alto,
adquire caractersticas peculiares tais como: a reiterao da
subordinao aos pases centrais e a averso da burguesia s
conquistas da classe trabalhadora, mesmo quando estas no
ultrapassam o estreito limite do direito formal burgus.
Nota-se no caso brasileiro, fazendo uma anlise superficial dos seus modelos de
desenvolvimento, que sua insero poltica no cenrio internacional foi
majoritariamente, de dependncia. Ou seja, de atrelamento a um pas central que, por
sua vez, tira proveito e se beneficia da debilidade e ausncia de cidadania brasileira.
Essa dependncia se caracteriza na forma de subservincia. Primeiro
metrpole portuguesa e depois aos pases capitalistas hegemnicos Inglaterra e EUA.
A transferncia da mudana na estrutura de transportes brasileira (da ferrovia inglesa a
rodovias Norte Americana) um bom exemplo para ilustrar a passagem da dependncia
de um pas por outra. Tal transformao se deu com o processo de debilitao da
influncia inglesa em nosso pas. Por outro lado, percebida a ascenso da presena
Norte Americana no Brasil. Esse movimento durou toda a primeira metade do sculo
XX, tendo se iniciado no governo de Washington Luis. Entretanto, seu auge foi com o
governo de Juscelino Kubitschek.
A adaptabilidade capitalista marca incontestvel, no s no Brasil, mas, em
todo o planeta. Durante todo Sculo XX, na tentativa de se adequar s crises causadas
por ele mesmo, o capital prope mecanismos que garantem a manuteno de sua
existncia: o lucro. Seja nas ideias para estancar o vazamento do fluxo circular de renda
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proposto por Keynes10
, seja na elaborao de modelos de crescimento econmico e
diviso de riquezas. A pobreza e a misria insistem em se manter.
Essas frmulas so por vezes construdas sobre o cientificismo industrialista de
Estado ou, por outras vezes, sobre o pice e domnio de tendncias particularistas e
privatizantes, ora utiliza o Estado como mantenedor da ordem capitalista, ora o
apresenta como incapaz e ineficiente na gesto de polticas pblicas. Assim sendo, as
polticas sociais so adaptadas para controlar e preservar a fora motriz do sistema: O
trabalho.
A cada resvalamento recorre-se a um modelo, microscpico, que garanta a
manuteno e aumento do lucro. Foi assim no capitalismo concorrencial, no capitalismo
monopolista e, hoje, na globalizao. assim que se ascendem o mito do
desenvolvimento, a mentira do crescimento e a dependncia da classe trabalhadora.
assim que, utilizando as palavras de Netto (2001, p. 31), a funcionalidade essencial da
poltica social do Estado burgus garante o controle da fora de trabalho e a manuteno
de seus interesses.
Ademais, a construo da mentalidade de uma estrutura desenvolvimentista
capitalista, seja atravs da educao, da sade, do saneamento ou da previdncia social,
utiliza-se das premissas da acumulao de recursos naturais e humanos naquilo que
ficou denominado capital. Para classificar o substantivo capital, utilizam-se termos
como humano e natural. Ento, se popularizam as ideias de capital humano e capital
natural como conceitos que explicam a necessidade de garanti-los como recursos na
obteno de mais lucro. Assim, o capitalismo, assegura o controle dos movimentos
contestadores e, por outro lado, garante parte de sua fonte de recursos. Nas palavras de
Netto (2001, p. 31) encontramos uma descrio precisa sobre o tema:
As polticas educacionais (muito especialmente as dirigidas para o
trabalho, de cunho profissionalizantes) e os programas de
qualificao tcnico-cientfica ( vinculados aos grandes projetos de
investigao e pesquisa) oferecem ao capital monopolista recursos
humanos cuja valorizao elementar feita custa do Conjunto da
Sociedade (Carnoy e Levin, 1987). As polticas setoriais que implicam
investimentos em grande escala (reformas urbanas, habitao, obras
10
John Maynard Keynes impulsionado pela grande depresso de 1929 escreveu: A Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda que descreve como vazamento do fluxo circular da Renda a poupana, as importaes e os impostos. Para saber mais: KEYNES, John Maynard A Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda. Coleo Os Economistas. So Paulo: Nova Cultural, 1996.
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vrias, saneamento bsico etc.) abrem espaos para reduzir as
dificuldades de valorizao sobrevindas com a supervalorizao.
Alm da maioria da populao ter seu trabalho explorado pelo capitalismo,
grande parte de seus recursos, pagos atravs de impostos11
, so utilizados para garantir a
valorizao do capital humano a favor do capitalismo.
A lgica construda pela funcionalidade social capitalista congrega o pblico e o
privado na garantia do modus operandi. Essa operacionalidade aponta distrbios no
sistema como uma situao particular (Netto, 2001). As sequelas advindas do sistema
capitalista so atacadas de forma fragmentada garantindo, assim, a estrutura da ordem
burguesa. Mais: afiana-se sua reproduo.
Na construo dos mecanismos impositivos da lgica de desenvolvimento
capitalista, faz-se mister lembrar que sua elaborao e estratgia torna-se melhor
elaborada com o passar do tempo.
Quando da no adaptao, questionamento a esta lgica ou fracassos sociais, a
culpabilidade sempre apontada no sentido de atingir o individuo e no ao sistema.
Segundo Netto (2001, p. 36) o que se passa que a incorporao da questo social
vem acompanhada de um reforo da aparncia da natureza privada das suas
manifestaes individuais.
Nesse sentido, o Estado se apresenta como parceiro na construo de
mecanismos que concertem ou isolem os indivduos, doentes e fracassados, que no
conseguem se ajustar ao sistema. Essas aes ganham roupagem de polticas sociais que
visam o desenvolvimento de toda a sociedade.
Entretanto, no s as pessoas so conduzidas na lgica do modelo de
desenvolvimento nico e universalista, como os problemas inerentes a ele vo se
acentuando, novos mecanismos, visando equao de tais problemas, tambm so
11
As famlias mais pobres so as que pagam mais impostos, segundo estudo divulgado nesta quinta-feira pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada). De acordo com a pesquisa, 32% da renda dos mais pobres convertida em pagamento de tributos. Desses, 28% so em impostos indiretos, como ICMS, IPI e PIS/COFINS e 4% diretos, como Imposto de Renda, IPTU e IPVA. J os que ganham mais, pagam 21% de impostos do total de sua renda. Desse total, 10% so em tributos indiretos e 11% em tributos diretos. http://www1.folha.uol.com.br/poder/918131-pobres-pagam-mais-impostos-que-ricos-aponta-ipea.shtml
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conduzidos sob este espectro. Dessa maneira, a questo ambiental ganha fora e torna-
se mais visvel. E, da mesma forma que foram, e so, erguidas polticas de
desenvolvimento econmico e social orientadas pela lgica do mercado, ganha corpo a
ideia de desenvolvimento sustentvel.
A ideia de sustentabilidade, assim como vrias outras, ganha o carter
microscpico por no objetivar a soluo do problema em sua origem. Ao contrrio, os
mecanismos propostos so de parcerias que concernem reproduo do lucro e da
acumulao capitalista.
As experincias conduzidas sob esta lgica so muitas. Elas tendem a manter o
equilbrio entre a necessidade de manuteno de seus recursos e, de alguma forma,
aumentar seus lucros. Portanto, as polticas, conduzidas para o aumento do bolo e
posterior diviso12
, projetos de desenvolvimento atravs de incentivos fiscais,
privatizao do ensino, industrializao, entre outras, que visam o desenvolvimento, no
eliminam os grandes problemas sociais. Alm disso, e talvez muito mais srio, as
polticas sociais criam indivduos subservientes, dependentes e alienados, conduzidos
sob o aparente movimento de equao das questes sociais e na produo do
desenvolvimento econmico.
Todavia, as questes sociais so apontadas no como parte da estrutura
capitalista. Mas, ao contrrio disso, como demonstra Netto (2001, p. 45), externas s
instituies burguesas. Assim, soma-se, ao iderio exclusivista do modelo
desenvolvimentista do capitalismo, o sentimento de impotncia e resignao dos
sujeitos sociais.
Segundo Netto (2001, p. 61)
Todo o empenho burgus consiste em deslocar a questo social do
campo da poltica em priv-la de uma contextualizao classista
(donde a retrica da harmonia entre capital e trabalho), em torna-la
indene de projees assumidamente polticas (donde a recusa da
ideologizao). O escamoteamento da dimenso poltica medular da
questo social constitui o cerne da poltica burguesa que a quer
12
Muito apregoado nos anos 1960-1970, pensado sobre base na curva de Kuznets, a ideia de fazer crescer a economia para depois dividir seus ganhos era apresentada pela metfora: fazer crescer o Bolo para depois dividi-lo. Sobre a curva de Kuznets existe um timo artigo: FERREIRA. Roberto Tatiwa; IRFFI, Guilherme Diniz; LINHARES, Fabrcio & MACEDO, Ceclia Maria Botolassi. A Hiptese de Kuznets e Mudanas Na Relao entre desigualdade e Crescimento de Renda no Brasil. pesquisa e planejamento econmico | ppe | v. 42 | n. 3 | dez. 2012.
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enfrentar na idade do monoplio. dela que derivam as formas
tpicas, e complementares, da estratgia poltico-social da burguesia: a
despolitizao surge no tratamento da questo social como objeto de
administrao tcnica e/ou campo de terapia comportamental.
Quando retomamos a questo ambiental, como instrumento de anlise,
encontramos os mesmos elementos condutores de resignao ao mercado intrnseco ao
modelo de desenvolvimento capitalista. Ademais, a sugesto de modelos de
administrao sugerida pelas chamadas cartilhas de gesto ambiental conduz mesma
despolitizao sugerida acima por Netto (2001).
O paradoxo continua: o movimento contnuo, mas em nenhum momento a tese
relacionada ao modo de produo questionada ou colocada em cheque. A ideia
desenvolvimentista capitalista ganha ares de ambiguidade. Por um lado, a necessidade
de reforma que integre o modelo nova dinmica da economia e ao progresso da
sociedade proclamada, por outro, ela conservacionista quando segue a premissa de
mais lucro e do mercado garantindo e reproduzindo seu modus operandi.
Assim, a degradao ambiental, tratada a partir da construo de um ethos
individualista alardeado por acontecimento miditico como percebemos no filme: Uma
Verdade Inconveniente do ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore. Alm disso, o
conceito de desenvolvimento sustentado apresentado prev a possibilidade da realizao
de novos negcios aferidos no primariamente na equao das questes sociais, mas sim
na possibilidade de lucro o que possibilitar a emergncia de uma Economia Verde13
.
A economia verde mais um conceito utilizado sob o que passou a ser chamado
de Desenvolvimento Sustentvel a partir dos anos de 1980. Essa ideia, no por acaso,
acompanhava a discusso sobre a crise do petrleo que aconteceu nos anos de 1970. Por
sua vez, tal crise demonstrou, mais uma vez, a debilidade da parceria Estado e Capital
gerando grande recesso nos EUA e na economia mundial.
Construdo sobre tais acontecimentos o liberalismo ressurgiu sob o signo do
prefixo neo e os ditames econmicos da escola de Chicago. Vrios governos aderiram
13
Economia verde: preservar o planeta pode dar lucro. Disponvel em: . Acesso em: 16 nov 2012.
40
perspectiva de desenvolvimento neoliberal, entretanto, os mais conhecidos so o de
Margareth Thatcher na Inglaterra e o de Ronald Reagan nos EUA.
Na Amrica Latina emblemtico o caso do Chile de Pinochet que, aps um
sangrento golpe sobre um governo popular e democrtico em 1973, estabeleceu
polticas de estabilizao econmica. As polticas econmicas de Pinochet eram
confiadas aos chamados Chicago Boys, grupos de economistas que estudaram naquela
Universidade e sofriam influncias do economista Milton Friedman.
A perspectiva neoliberal de desenvolvimento tem como caractersticas centrais:
a mnima participao do Estado na poltica econmica de um pas, a privatizao das
empresas estatais; a internacionalizao da economia a partir da livre circulao de
capitais internacionais e a abertura para as multinacionais, diminuio do Estado,
inclusive na gesto de polticas sociais, tornando-o mais eficiente e eficaz, posio
contrria aos impostos, aumento de produo e pouca interferncia do governo em
relao ao mercado de trabalho. Todos esses ditames visam, segundo seus advogados,
obter o desenvolvimento econmico no molde dos princpios econmicos do
capitalismo.
Essa concepo poltica cria os mecanismos operantes da conduo da mudana
de estratgia de dominao do capitalismo contemporneo. So criados mitos de
desenvolvimento que visam, nica e exclusivamente, a manuteno do status quo e a
eliminao de uma anlise crtica que implique na edificao social sobre outra
perspectiva. So gerados novos conceitos sobre velhos valores.
O arsenal do neoliberalismo inclui o farto uso de neologismos que
procuram destruir a perspectiva histrica dando novos nomes a velhos
processos ou conferir respeito a pseudos conceitos Surgem, assim, o
ps-moderno, o desenvolvimento sustentvel, os movimentos sociais
urbanos, a excluso social, os atores (sociais), as ONG-s, a
globalizao, o planejamento estratgico..., que procuram encobrir, ao
invs de revelar, a natureza do capitalismo contemporneo.
(Neoliberalismo14
)
14
Neoliberalismo. Disponvel em: acesso em: 18 jul 2013.
41
Voltamos ao cerne de nossa reflexo: macroscopicamente o eixo estrutural
continua intocvel e exposto como nica e universal perspectiva de modelo de
progresso e desenvolvimento. Assim composta a ideia de desenvolvimento sustentvel
na atualidade. Ideia essa que estabelecida, na esfera micro, sob uma premissa maior
representada pelo lucro capitalista.
O interessante que os pseudos conceitos elaborados na esfera micro do sistema
pouco dialogam entre si. Essa falta de sistematizao torna-se cada vez mais precria
quando os pases envolvidos esto em posio mais subalterna no cenrio internacional.
As polticas ambientais conversam pouco com as polticas econmicas, por sua vez as
polticas econmicas no interagem com as polticas sociais e, to pouco, as sociais com
as ambientais. A fragmentao e individualizao de tais polticas tornam o ambiente
mais fcil de ser explorado j que essa falta de interao acentua a antinomia entre regra
e ao (veja o exemplo da constituio brasileira que garante, na teoria, vrios direitos e
que na pratica so to pouco aplicados.).
Tomemos quando, por exemplo, se estabelece o programa de incentivos fiscais
e/ou de crescimento econmico pelo estado de Pernambuco. A contrapartida social das
empresas que se beneficiam da iseno de tributos muito pouco controlada. Por outro
lado, as diversas secretarias responsveis pelo desenvolvimento do Estado no
estabelecem instrumentos e indicadores que possam aferir, eficientemente, o impacto
ambiental, social e econmico do determinado programa.
A lgica utilizada acima, para refletir sobre Pernambuco, capaz de explicar a
razo do insucesso de programas, no mbito nacional de desenvolvimento, elaborados
por instituies como a SUDAM e a SUDENE. As duas organizaes no conseguiram
eliminar as grandes diferenas regionais no Brasil e, ademais, a misria social no foi
mitigada e muito menos eliminada.
Em todos esses programas de desenvolvimento, percebe-se o tratamento
fragmentado das polticas pblicas. Esta desintegrao age de duas maneiras nos
chamados pases perifricos. Primeiro, torna-o mais propcio s aes itinerantes e
exploradoras do capital. E, em segundo lugar, acentua o sentimento de incapacidade
estatal sobre a gesto de polticas pblicas deste pas. Por sua vez, este sentimento de
incapacidade abre espao para ideias de privatizao, internacionalizao e governana
global, ou seja, naquilo que os pases subalternos no so capazes de executar e se
42
propem aes de empresas privadas, organizaes internacionais e/ou da parceria
desses dois.
Novamente, a causa central dos problemas acometidos no questionada. Ao
contrrio, o modelo de produo e desenvolvimento dominante exaltado como o
melhor possvel, necessitando, somente, de alguns ajustes para que ele funcione de
forma eficiente. A funcionalidade obtida pela construo e internalizao de conceitos
de eficincia e eficcia conduzidas pela disciplina individual. Portanto, a falha est na
maneira pela qual est sendo conduzido o processo e no na estrutura sobre a qual ele
foi montado.
A internacionalizao da ideia de eficincia, a partir das premissas
individualistas, institui um modo de ser classificado como vencedor submetendo ao
inferno das subclasses os dbeis e os refratrios (GRAMSCI, 1978, p. 393).
Assim, multiplicam-se os manuais de autoajuda, os livros de gesto eficiente, os
mtodos de crescimento empresarial e cartilhas de administrao pblica. Todos eles
divulgadores de modelos microscpicos de desenvolvimento que propem tornar aptos
os funcionrios, as empresas e os governos, submetendo-os a uma lgica de poder,
sucesso e felicidade, conduzida pelo macro modelo de mercado capitalista.
Espao e tempo so tambm capitalizados e aferidos quantitativamente. So
proclamados o cio e o envelhecimento produtivo. Os negcios sociais so apregoados
como solues hibridas que conjugam a eficincia empresarial com o altrusmo. Os
mecanismos de controle ambientais so medidos por sua viabilidade econmica. Todas
as aes constitudas exploram como objetivo central a necessidade de impactar e
transformar a vida das pessoas contribuindo para um mundo melhor.
Incute-se a ideia de um futuro promissor, possibilidade de usufruir das benesses
do sistema. Produz e reproduz, no indivduo, a ideia de que se adequando ele poder
desfrutar e consumir de tudo que a modernidade oferece. Todas as coisas esto
disponveis basta, portanto, saber como usufru-las.
Entretanto, no mesmo ritmo e velocidade que se multiplicam os instrumentos de
poder aumentam os males nas reas onde so implantados os grandes empreendimentos
industriais e de desenvolvimento. A incontrolabilidade do capital demonstrada pelos
danos comuns causados pelos preceitos de sustentabilidade capitalista. A estagnao
43
viria, o aumento de consumo de drogas, precarizao e informalizao do trabalho,
explorao de crianas, velhos e adolescentes, favelizao, explorao sexual e
prostituio so alguns exemplos das mazelas que se encontram no entorno dos grandes
centros de desenvolvimento nos pases perifricos e que constituem nos mais
emblemticos produtos do modelo universal de desenvolvimento produzido pelo
capitalismo.
44
CAPTULO 3 - GOVERNANA INTERNACIONAL
No incio do sculo XXI, a ideia sobre governana emergiu da obscuridade para
obter lugar central nos debates contemporneos das cincias sociais. A governana
apareceu como instrumento catalisador de eficincia e projeto solucionador de
problemas no campo do desenvolvimento social e econmico mundial. Trata-se de uma
ferramenta que, em sua implementao, reduz, em mbito internacional, o poder dos
Estados Nacionais, transferindo o processo de gesto para os diversos atores. Segundo
Peters e Pierre (2000, p. 1) Uma das principais razes para a crescente popularidade
deste conceito sua capacidade diferente do termo governo de cobrir o grande
nmero de instituies e relaes envolvidas no processo de governar15
. Entretanto, a
popularidade deste termo tem como papel principal gerar, ideologicamente, a concepo
de que outros atores so mais capacitados a gerenciar polticas que, tradicionalmente,
seriam de responsabilidade do Estado.
Nesse sentido, a governana seria mais uma ferramenta para concretizar o
processo liberalizante que transfere a autonomia e soberania do Estado para entidades
como o Banco Mundial, a OMC. o Fundo Monetrio Internacional, a ONU e seus
programas. Alm disso, visa o fortalecimento dos blocos econmicos sobre a chamada
debilidade de gesto dos Estados Nacionais.
Entretanto, vale ressaltar que h outra maneira de conceber o conceito de
governana. Nesse outro modelo de governana, o Estado visto como ator central no
processo de governar (Peter e Pierre 2000). Contudo, estamos utilizando aqui o conceito
elaborado e/ou utilizado de forma hegemnica pelos advogados do Estado mnimo.
A maneira hegemnica contempornea de governana internacional comeou a
se estabelecer a partir dos anos 1970 atravs da tese da burocracia, paternalismo e da
crise de governana do Estado (Montao, 2007). Essa ideia neoliberal proclama as
instituies, como as ONGs e o terceiro setor, como atores centrais no processo de
governar. Ou melhor, como instituies protagonistas no processo de deciso
relacionado s polticas pblicas. Essas organizaes teriam o papel de fomentar
polticas, programas e projetos ocupando, deste modo, o papel do Estado.
15
Traduo nossa.
45
Ademais, o papel dos projetos oriundos dessa governana teria como elemento
norteado