MARIO PINTO SERVA

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A Dinamica da Educação Nacional

Os grandes genios que têm produzido e que continuará a produ-zir a humanidade são como forças da natureza que brotam quasi espon-taneas das camadas obscuras e, rompendo a crosta do anonimato, seafirmam esplendidamente á luz solar, por força quasi que se diria deum mandato providencial.

E' o que se observa com relação aos maiores espiritos que têmaparecido no mundo. Um Shakespeare surge de uma aldeia miserrimaonde não havia senão as escolas mais desaparelhadas que em compara-ção das atuais nada valiam.

E assim nós vemos no passado inteiro da humanidade essa ga-leria de genios profundos, que iluminaram a humanidade e lhe consti-tuiram o Ianal luminoso com que ela tem prosseguido a sua jornadaatravés os seculos e seculos.

Alguns espiritos no momento atual, em o nosso país, se arreceamdas escolas insuficientemente dotadas, de que temem sáiam espiritosincompletos. Mas sem essas escolas da atualidade, sem nenhuma noçãoda pedagogia moderna, sem o mínimo vislumbre dessas noções educati-vas da éra presente nós vemos na historia esses .seculos esplendorosos,verdadeiras auroras do genio humano, nós assistimos, por exemplo,aquele esplendido seculo de Pericles, que viu brilhar os maiores geniosem todas as mais elevadas manifestações do espírito do homem, comofossem Pindaro e Anacreonte, na poesia lirica ; Eschylo, Sophocles eEuripedes, na poesia dramatica ; Arístophanes na comedia; Herodoto,Xenophonte e Thucydides na historia ; Demosthenes e Eschines na elo-quencia; 'I'hales, Pythagoras, Socrates, Platão, Arístotelcs, na philoso-fia; Hipocrates na medicina; Phidias e Praxiteles na escultura; Zeuxisna pintura.

No inicio da éra moderna nós vimos aquele movimento assom-bram da Renascença, que foi a renovação literaria, artistica e cientifi-ca, que se operou na Europa nos seculos XV e XVI, determinada peladescoberta da imprensa, que vulgarizou as obras dos grandes genios daantiguidade, pela invenção da gravura, que vulgarizou as obras de arte.E' tempo de Ariosto, Macbiavel, Bempo, Tasso, Tissino, Gioto, Or-cagna, Bruneleschi, Donatello, Ducca della Robbia, Cimabué, Fra An-

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gelico, Leonardo da Vinci, Rafael, Miguel Angelo, Bramante e tantosoutros.

Os grandes genios são como a terra fertil em que qualquer se-mente medra e produê messes assombrosas.

Assim as escolas, quaisquer que sejam, embora não as possamosdesde logo aparelhar como o exigem a tecnica e o progresso modernos,são sempre sementeiras de que surgem por vezes frutos opimos.

Felizmente no momento atual da historia nacional a mentalida-de brasileira, de Norte a Sul, já recebe simpaticamente quaisquer inicia-tivas tendentes ao desenvolvimento da educação coletiva.

R' o primeiro passo decisivo para a grande transformação dopaís pela difusão intensa e extensa do ensino, a atingir todos os espi-ritos.

Mas o grande gesto decisivo para um impulso dinamico a dar-seá educação no Brasil seria a transformação das nossas municipalidadesem focos de disseminação de ensino, em centros de bibliotecas, de uni-versidades populares, de combate ao analfabetismo, de expansão dos co-nhecimentos humanos . Porque nós temos, atualmente, no Brasil, jácerca de mil e quinhentas municipalidades. Por ora ainda têm o feitiocolonial, primitivo, talvez, que lhe provêm da nossa herança ancestral.Mas quem no Brasil fizesse uma sumula de todas as iniciativas que, emmateria de expansão educativa, poderiam ser tomadas pelas nossas mile quinhentas municipalidades através do Brasil inteiro, esse teria en-contrado a formula dinamica de realizarmos o maior progresso em todaa nossa historia. Aliás, toda a ação educativa das municipalidades pre-cisa evidentemente ficar sob o controle tecnico-pedagogico dos governosestaduais.

E paralelamente á ação educativa intensa das municipalidadesbrasileiras, de acordo com um codigo a organizar-se e que lhes institui-ria o roteiro de sua ação em materia de instrução, haveria tambem acrear-se em Lodosos mil e quinhentos municipios do Brasil outras tantascomissões compostas de maiores personalidades neles existentes, na la-voura, na industria, no comercio, nas classes liberais, para o objetivo es-pecial-de estudar e propor tambem todas as iniciativas visando a extin-ção do analfabetismo, a ampliação dos cursos escolares, a creação detodos os cursos post-escolares, afim de dotarmos a nossa gente de todoo aparelhamento de conhecimentos necessaríos para o amplo progressonacional.

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A propria ação intensa de todos os mumcipios nesse sentido pro-vocaria por sua vez a preocupação mais desvelada dos governos estaduaiscom respeito á difusão do ensino nacional. O influxo das municipalida-des estimularia a ação das administrações estaduais.

Porque a inteligencia dos brasileiros é solerte, naturalmente Ier-til. As escolas nasceriam ainda imperfeitas. Mas para se aperfeiçoaremmister ha em primeiro logar que nasçam, que tenham vida. O tempotudo aperfeiçoa e encaminha ao progresso. O essencial é que se crêemtodos os milhares de escolas que ora fazem falta para esses milhões depequenos brasileiros a crescerem por toda parte ao abandono por essesdescampados infindos, por esses montes e vales, por esses reconcavos, so-lidões, quebradas, sertões e rincões remotos e longínquos do nosso vastoterritorio ,

Estude-se o progresso da educação nesses países que, no assunto,mais se avantajarn a todos do mundo. São a Inglaterra, os Estado:'!Unidos, a 'Alemanha e os mais do Norte da Europa. Em todos eles osorgãos administrativos que mais se ocupam com a educação do povo sãoos locais, são os municipios, burgos, cidades e vilas. Naturalmente queas escolas por eles fundadas no inicio eram imperfeitas, incompletas,cheias de defeitos. Mas assim mesmo disseminaram o ensino, crearampopulações de espirito aberto, e com o tempo foram se aperfeiçoandoaté atingirem á situação atual.

O essencial é que fundemos todas as escolas precisas. Porque-sendo a inteligencia natural dos brasileiros evidente, é claro que todosesses professores improvisados, aplicando-se ao estudo dos melhores pe-dagogos, em pouco tempo assimilarão todo o saber moderno e serão ca-pazes de exercer cabalmente os seus misteres.

Aliás, para uma inteligencia aberta, basta um compendi o qual-quer de boa orientação pedagogica, para que ela- se adapte a todos osprogressos modernos na materia ,

Assim, seria benemerito para o Brasil quem organizasse esse eo-digo de ação dos municípios em materia educativa, sumariando todasas iniciativas que por eles podem ser tomadas para o progresso e desen-volvimento da educação do povo. Porque em tudo neste mundo é preci-so fixar o roteiro a se prosseguir.

Somos dos que pensam que a simples af'albetiação, só por si, éo maior beneficio que se pode prestar a um individuo. Porque o SIm··ples saber ler e escrever é na sociedade moderna o sexto sentido, tão ou,

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mais indispensavel que os outros cinco. Sabendo ler e escrev er apenas,qualquer individuo fica habilitado á leitura dos grandes jornais moder-nos, que são enciclopedias diarias de todos os acontecimentos, de todasas ciencias, de todos os progressos da humanidade. Sabendo Ier apenas,os indivíduos podem atingir a todos os mais conhecimentos humanos,desde que tenham sorte de se lhes deparar qualquer livro de noções subs-tanciais sobre o mundo e o homem.

Porque si a inteligencia brasileira é naturalmente desperta e viva,precisamos por toda parte dar-lhe-o instrumento que a possa dinamisare que a faça desentranhar-se em frutos de toda especie.

De toda a atuação da geração atual no Brasil a unica cousa querestará definitivamente são as iniciativas em materia de ensino. Tudoo que os nossos politicos fizeram em todo o nosso passado quasi que seperdeu inutilmente, pois as gerações atuais quasi nada lhes aproveita.A unica cousa que fica em definitivo como legado permanente para asgerações porvindouras é o que fizermos em prol da educação do povo.

Desde que todo o povo brasileiro saiba ler e escrever, tudo maisse poderá dele conseguir através da publicidade, da propaganda, da ir-radiação moderna do pensamento pelos diferentes veículos hoje emvoga.

Dada essa base da alfabetização geral, em todo o povo poder-se-ia fazer o que mostrava Condorcet sob a Revolução de 1789 na França:

"Nós faremos ver que por uma escolha feliz, não SÓ dos propriosconhecimentos, como dos metodos a ensiná-los, pode instruir-se a massainteira do povo com relação a tudo que cada homem tem necessidade desaber para a economia domestica, para a administração dos seus nego-cios, para o livre desenvolvimento de sua industria e de suas faculda-des; para conhecer seus direitos, saber defendê-los e exercê-los; parasaber quais são os seus deveres e bem desempenhá-los ; para julgar seusátos e os dos outros, segundo as proprias luzes, para não ser estranho anenhum dos sentimentos elevados ou delicados que honram a natureza.humana; para não depender cegamente daqueles a quem é obrigado aconfiar o cuidado dos seus negocios ou o exercicio dos' seus direitos;para "ficar em estado de os escolher e de os controlar; para não ser maisvitima dos erros populares que atormentam a vida com receios supersti-ciosos e esperanças quimericas; para se defender contra os preconceitossó com as forças da razão; emfim, par fugir ao prestigio do charlatanis-mo, que prepara armadilha á saude, á liberdade de opiniões, de consci-

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encia, sob o pretexto de enriquecer os homens, eurá-los ou salvá-los."O problema da educação nacional é assim um problema .de orga-

nização. Precisamos começar pelo principio, isto é, dinamísar todos osnossos poderes publicos para a função educativa. Porque os metodosse aperfeiçoarão simplesmente com o tempo, aplicando-se todos os es-piritos ao seu estudb . O pedagogo inteligente, que não seja preparado

'suficiente, simplesmente lendo um bom livro" de pedagogia, teráo seu espirito iluminado e posto na vereda exata. O essencial é crearos pedagogos, as/escolas, os estabelecimentos, pô-los em função, em ação,fazê-Ios trabalhar. "C'est en forgeant qu'on devient forgeron."

Dizem os americanos que para se ficar milionario a primeiracondição é não ter um vintem . E de feito todos os maiores mílionariosda America do Norte vieram das camadas mais obscuras da populaçãoe se fizeram por si mesmos.