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A DINÂMICA POPULACIONAL DOS PAÍSES DESENVOLVIDOS E SUBDESENVOLVIDOS João YUNES (1) YUNES, J. — A dinâmica populacional dos países desenvolvidos e subdesen- volvidos. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 5:129-50, 1971. RESUMO Analisam-se os principais fatôres que contribuiram para a dinâ- mica populacional dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos, a política por êles adotada, bem como a aplicação da demografia em saúde pública. O ritmo de maior crescimento populacional observa-se nos países subdesenvolvidos sendo que, para o ano 2.000, a região denominada de terceiro mundo é a que apresentará o maior contingente populacional pois os países subdesenvolvidos contribuirão com 79% do total da população mundial. A primeira transição demográfica iniciou-se no século 17, na Europa, com o processo de revolução industrial enquanto que, nos países subdesenvolvidos, isto ocorreu a partir do ano de 1940, porém, com uma diferença fundamental, pois a queda de morta- lidade verificada não foi acompanhada por um declínio significativo da nata- lidade nem da modernização de suas economias. Entre os principais fatôres que afetam a mortalidade e a fertilidade analisou-se a influência do desenvol- vimento econômico e social e dos avanços no campo da medicina e da saúde pública. Está sob uma política antinatalista oficial 66% da população dos países subdesenvolvidos e os contraceptivos mais utilizados têm sido, em ordem decrescente, o dispositivo intrauterino, esterilização e pílulas. Sòmente a Índia, em 4 anos (1964-68), esterilizou 5.200.000 habitantes com uma idade média de 32,2 anos. Entre as principais aplicações da demografia em saúde pública destacam-se o planejamento de saúde, migrações, epidemiologia e hi- giene materno-infantil. UNITERMOS Dinâmica populacional*; Demografia*; Política populacio- nal*; Saúde pública. Recebido para publicação em 11-3-1971. (1) Do Centro de Estudos de Dinâmica Populacional do Departamento de Epidemiologia da Fa- culdade de Saúde Pública da USP, Av. Dr. Arnaldo, 715, São Paulo, SP - Brasil. Da Disci- plina de Pediatria Social da Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, SP - Brasil. Apre- sentado no "Seminário sôbre o Ensino da Proteção à Saúde Materna-Infantil, em função das Necessidades da Comunidade, Salvador, nov. 1970" e no "Curso Internacional sôbre Problemas Prenatais, Brasília, DF, nov. 1970". 1. INTRODUÇÃO O crescimento populacional é, no mun- do hodierno, sem dúvida, um dos temas mais debatidos e as conseqüências dêste aumento um dos mais controvertidos. No momento em que importantes deci- sões, que envolvem a política populacio- nal, são discutidas tanto em países desen- volvidos como subdesenvolvidos, o esfôrço deverá ser concentrado no estudo, análise e investigação de caráter científico que

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A DINÂMICA POPULACIONAL DOS PAÍSES DESENVOLVIDOSE SUBDESENVOLVIDOS

João YUNES (1)

YUNES, J. — A dinâmica populacional dos países desenvolvidos e subdesen-volvidos. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 5:129-50, 1971.

RESUMO — Analisam-se os principais fatôres que contribuiram para a dinâ-mica populacional dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos, a política porêles adotada, bem como a aplicação da demografia em saúde pública. O ritmode maior crescimento populacional observa-se nos países subdesenvolvidossendo que, para o ano 2.000, a região denominada de terceiro mundo é a queapresentará o maior contingente populacional pois os países subdesenvolvidoscontribuirão com 79% do total da população mundial. A primeira transiçãodemográfica iniciou-se no século 17, na Europa, com o processo de revoluçãoindustrial enquanto que, nos países subdesenvolvidos, isto ocorreu a partir doano de 1940, porém, com uma diferença fundamental, pois a queda de morta-lidade verificada não foi acompanhada por um declínio significativo da nata-lidade nem da modernização de suas economias. Entre os principais fatôresque afetam a mortalidade e a fertilidade analisou-se a influência do desenvol-vimento econômico e social e dos avanços no campo da medicina e da saúdepública. Está sob uma política antinatalista oficial 66% da população dospaíses subdesenvolvidos e os contraceptivos mais utilizados têm sido, em ordemdecrescente, o dispositivo intrauterino, esterilização e pílulas. Sòmente aÍndia, em 4 anos (1964-68), esterilizou 5.200.000 habitantes com uma idademédia de 32,2 anos. Entre as principais aplicações da demografia em saúdepública destacam-se o planejamento de saúde, migrações, epidemiologia e hi-giene materno-infantil.

UNITERMOS — Dinâmica populacional*; Demografia*; Política populacio-nal*; Saúde pública.

Recebido para publicação em 11-3-1971.(1) Do Centro de Estudos de Dinâmica Populacional do Departamento de Epidemiologia da Fa-

culdade de Saúde Pública da USP, Av. Dr. Arnaldo, 715, São Paulo, SP - Brasil. Da Disci-plina de Pediatria Social da Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, SP - Brasil. Apre-sentado no "Seminário sôbre o Ensino da Proteção à Saúde Materna-Infantil, em funçãodas Necessidades da Comunidade, Salvador, nov. 1970" e no "Curso Internacional sôbreProblemas Prenatais, Brasília, DF, nov. 1970".

1. I N T R O D U Ç Ã O

O crescimento populacional é, no mun-do hodierno, sem dúvida, um dos temasmais debatidos e as conseqüências dêsteaumento um dos mais controvertidos.

No momento em que importantes deci-

sões, que envolvem a política populacio-nal, são discutidas tanto em países desen-volvidos como subdesenvolvidos, o esfôrçodeverá ser concentrado no estudo, análisee investigação de caráter científico que

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possam superar a natureza apriorísticae o nível emocional que, freqüentemente,dominam a controvérsia. As teses pró-natalistas e teses a favor do contrôle danatalidade se opõem, sem que se elabo-rem importantes distinções a respeito defatôres como a densidade demográfica,os recursos naturais, as tendências dastaxas de natalidade, o processo de urba-nização, isto é, fatôres demográficos, eco-nômicos, sociais e culturais que determi-nam a conveniência de opções políticasconcretas, suscitando uma das mais agu-das controvérsias de nossa época.

1.2 Crescimento populacional

O presente trabalho tem por objetivo,indicar a possibilidade de adoção de umapolítica populacional para os países sub-desenvolvidos em geral e para o Brasilem particular. Para tanto, analisa-se ocrescimento populacional e a transiçãodemográfica ocorridos nos países desen-volvidos e subdesenvolvidos, bem como osprincipais fatôres econômicos e sociaisque afetaram a mortalidade e fertilidade.Considera-se a situação da política popu-lacional nos países subdesenvolvidos e adimensão que a demografia pode ter naaplicação em saúde pública.

A fonte de dados secundários mais uti-lizada foi a das Nações Unidas e, a se-guir, apresenta-se os principais resulta-dos desta análise.

Apesar da dificuldade de se obterdados estatísticos fidedignos, o conheci-mento geral do incremento populacionalno passado apresenta-se bastante claro ea sua constatação serve de valioso marcode referência para a consideração do pro-blema atual.

Durante a maior parte da história dahumanidade, a população mundial au-mentou a um rítmo lento, uma vez quetanto o coeficiente de natalidade quantoo coeficiente de mortalidade eram eleva-dos. A mortalidade em massa, devido aepidemias freqüentes, inanição periódica

e guerras, manteve baixo o crescimentopopulacional.

Para a população mundial duplicar-sea partir do comêço da Era Cristã foramnecessários 1650 anos. O primeiro cál-culo digno de confiança data dêste anoem que a população estimada era de 500milhões de habitantes. Nos dois séculosseguintes esta cifra dobrou. Em menosde um século duplicou-se novamente ecom as taxas atuais de crescimento, do-brará novamente em um têrço de século(Tabela 1) 2.

A rápida expansão populacional veri-ficada na Tabela 1, não foi devida a umcrescimento homogêneo da população. Orítmo de maior crescimento se observanos países considerados subdesenvolvidos,enquanto que as nações desenvolvidas per-manecem pràticamente estacionárias, istoé, crescem em rítmo acentuadamente me-nor, conforme se verifica nas Tabelas 2e 37.

De acôrdo com os dados apresentados,as regiões de maior contingente popula-cional por ordem decrescente são repre-sentadas pela Ásia, Europa, África, Amé-rica Latina, União Soviética, América doNorte e Oceania. Para o ano 2.000 comas taxas de crescimento previstas, ocorre-rá uma alteração nesta ordem. As re-giões que apresentarão por ordem decres-

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cente um tamanho populacional maior se-rão: Ásia, África e América Latina, se-guindo-se os outros continentes. Portan-to, para o ano 2.000, a região denomina-da do terceiro mundo é a que apresenta-rá o maior contingente populacional, poisos países subdesenvolvidos contribuirãocom 79% do total da população, sendo60% da Ásia, 9,6% da África e 9,4%da América Latina. Os países desenvol-vidos contribuirão com apenas 21% dapopulação mundial.

Esta situação está preocupando muitomais os países desenvolvidos. Estaria aía razão da política do contrôle populacio-nal e do financiamento, por parte dêstespaíses, nos programas de contrôle da na-talidade ?

Esta problemática será discutida commaiores detalhes porém, é digno de notaressaltar-se que o principal fator respon-sável pela queda de mortalidade nos paí-ses desenvolvidos ocorreu quando êstesingressaram no processo de desenvolvi-mento industrial.

1.3 Transição demográfica

A diversidade na tendência da morta-lidade e do comportamento reprodutivoentre os países desenvolvidos e subdesen-volvidos é explicável pela chamada tran-sição demográfica.

No passado, o aumento populacionalapresentou um padrão de crescimento, emgeral, semelhante, com algumas varia-

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ções locais. Foi na Europa, mais ou me-nos na metade do século 17, que se ma-nifestou a primeira transição demográfi-ca e que se repetiu em outros países, àmedida que êstes passavam por um pro-cesso de revolução industrial.

Os elevados coeficientes de natalidadee mortalidade, são características típicasdas economias agrícolas pré industriais.

À medida que uma sociedade agrícolacomeça a transformar-se em uma estru-tura econômica mais moderna, a morta-lidade começa a diminuir. À medidaque se desenvolve a economia, há umamaior oferta de trabalho, as cidades cres-cem e se urbanizam, os transportes sãomelhores e mais rápidos, eleva-se a pro-dutividade e o ingresso per capita e, con-seqüentemente, um melhor bem estar so-cial. A revolução industrial produziuenorme progresso no conhecimento cien-tífico, contribuindo para o contrôle demuitas doenças endêmicas, permitindo,em alguns casos, eliminar certas enfermi-dades. Os países atualmente desenvolvi-dos passaram por esta etapa que lhes per-mitiu beneficiar-se dêste desenvolvimento,reduzindo sua mortalidade.

No padrão histórico típico, decresce,primeiro, a mortalidade enquanto que anatalidade se mantém alta por um certotempo. Portanto, existe um período ca-racterizado por uma natalidade elevadae uma mortalidade declinante. Na atua-lidade, esta última sofreu tão rápida re-dução que levou alguns autores a deno-minarem o fenômeno de "explosão demo-gráfica". Há dúvida quanto a existên-cia da verdadeira "explosão demográfi-ca". Com o tempo inicia-se uma novaetapa de transição demográfica. As pes-soas começam a limitar deliberadamenteo número de filhos trazendo, como con-seqüência, a queda da natalidade. Êsteprocesso é o resultado de um grande nú-mero de decisões pessoais e não de umapolítica oficial de contrôle populacional,mesmo porque, durante esta fase de tran-sição demográfica, não havia contracep-tivos mecânicos, químicos ou hormonais.

Não se sabe, exatamente, qual é o prin-cipal fator que determinou a queda, po-rém, se considera que a taxa decrescentede natalidade está associada ao processode industrialização, urbanização, aumen-to do nível educacional, participação damulher na força do trabalho e do desa-parecimento da atitude fatalista em rela-ção ao nascimento e à morte infantil. Ospaíses que já efetuaram a transição deuma economia agrícola, de baixos ingres-sos, para uma urbana e industrial, comingressos mais altos, seguiram estas eta-pas. Portanto, no início, as taxas eleva-das de natalidade e mortalidade compen-sam-se entre si e o resultado é um cresci-mento demográfico lento. Numa segun-da fase começa a queda de mortalidadecom manutenção da natalidade ainda emnível alto, trazendo como conseqüência oacelerado aumento populacional. Numaterceira fase, a mortalidade e natalidadeequilibram-se a um nível muito mais bai-xo e o crescimento novamente é lento.Êste processo denomina-se transição de-mográfica.

Os países altamente desenvolvidos jápassaram por estas etapas. Em algumasáreas do mundo em que êste fenômenoocorreu, está se processando uma novamudança, em que a prosperidade econô-mica tem dado lugar a um incrementomoderado de população, que se ignorapor quanto tempo perdurará.

Por volta de 1940, as nações menosdesenvolvidas iniciaram uma mudançademográfica. Um nôvo padrão começoua aparecer que, em certos aspectos, seassemelha à antiga transição demográfi-ca mas, ao mesmo tempo, apresenta di-ferenças fundamentais porque ocorre emuma época muito diferentes da do séc. 17.

Existe, atualmente, possibilidade de re-duzir-se o coeficiente de mortalidade semmodernização da economia agrícola. Nopassado, os conhecimentos médicos desen-volveram-se a um rítmo lento, concomi-tantemente ao de transformação econô-mica. Algumas das armas mais efetivascontra a enfermidade e a morte, tais co-

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mo os quimioterápicos, antibióticos e vá-rios inseticidas, são produtos mais recen-tes dos países industrializados, inclusiveposteriores à queda das taxas de morta-lidade e natalidade e o aparecimento dopadrão de família reduzida1.

Os países menos desenvolvidos têm po-dido aproveitar-se dos conhecimentos mé-dicos e de saúde pública dos países de-senvolvidos, reduzindo sua mortalidade,sem haver modernizado suas economias.

Muitos países subdesenvolvidos têmainda índices de mortalidade e de espe-rança de vida ao nascer idênticos aos daEuropa em 1915 e os níveis econômicosbem como o padrão geral de vida, aosde 1840 a 1850.

Uma das conseqüências demográficasda estagnação ou do pequeno progressoeconômico e social nos países não indus-trializados é a manutenção de índices denatalidade elevados.

Portanto, o que caracteriza os paísessubdesenvolvidos, quanto a sua dinâmicapopulacional, é a queda brusca da mor-talidade, ocorrida, sobretudo, após a se-gunda guerra mundial sem ser acompa-nhada no declínio da fertilidade que per-manece com taxas elevadas.

2. FATÔRES ECONÔMICOS E SOCIAIS QUEAFETAM A MORTALIDADE

Mudanças no padrão de mortalidadeestão relacionadas com a mudança da es-trutura social e econômica. Alguns dosmesmos fatôres sociais e econômicos queafetam a mortalidade também afetam afertilidade e a migração.

2.1 Fatôres que contribuíram para aalta mortalidade

2.1.1 Nos países desenvolvidos

Os registros mostram que a populaçãoeuropéia teve um coeficiente de mortali-dade tão alto quanto os agora observadosna maioria dos países subdesenvolvidos.

Embora o conhecimento das condiçõesde mortalidade, nos primeiros séculos,seja precária, é evidente que a duraçãode vida, neste tempo, foi curta. Umatábua de vida, constituída a partir dosregistros de óbito na Grécia, indica umamédia, na esperança de vida, de 30 anos,no ano de, mais ou menos, 400A. C. Es-timativas na esperança de vida, em vá-rios países europeus, do séc. 13 ao 17,baseadas em dados fragmentados, varia-ram de 20 para 40 anos. No séc. 18,1755-1776, a esperança de vida ao nas-cer variou de 33 para 40 anos (Suécia33,2 anos para o homem e 35,7 anos pa-ra a mulher; França 37,5 anos para am-bos os sexos). Êstes dados podem sercomparados com a esperança de vida aonascer na Índia, durante os anos de 1921-1931, que foi de 27 anos. Êstes níveiscontrastam com a vida média européiaque é, hoje, de 65 anos ou mais, em mui-tos países europeus.

As indicações do coeficiente de morta-lidade entre os países europeus, duranteo séc. 18, também evidencia a alta mor-talidade. Nas duas primeiras décadas doséc. 19, a mortalidade, em tôda Europa,excedia a 32 óbitos por mil habitantes,cêrca de três vezes, em média, maior quea atual.

As condições de mortalidade na Euro-pa e Estados Unidos, há 150 a 200 anosatrás, são as mesmas que as apresentadashoje na maioria dos países subdesenvol-vidos.

As informações que serão apresentadasa seguir parecem sugerir que as condi-ções de vida da sociedade européia, queforam responsáveis por uma alta morta-lidade, não foram muito diferentes da-quelas prevalentes hoje nos países subde-senvolvidos.

2.1.1.1 Fome e escassez de alimentos

Na metade do séc. 19, as populaçõeseuropéias foram vítimas de inanição fre-

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qüente. A falta de transporte fazia comque cada pequena localidade dependessede sua própria colheita e uma falha des-ta, resultaria em inanição, mesmo que,em localidades relativamente perto, a co-lheita fôsse normal. Durante o séc. 18a França, o mais rico país do continente,sofreu repetidos períodos de inanição.Pelo menos 9 severas falhas da colheitaforam registradas nos países escandina-vos entre 1740 e 1800, e, cada uma de-las, resultando em um acentuado aumen-to do coeficiente de mortalidade. NaNoruega, o coeficiente de mortalidade, em1741, foi três vêzes maior que em 1736-1740, tendo morrido, no referido ano,1/15 da população, tendo sido a princi-pal causa, a falha de colheitas, que asso-lou todo o norte dos países europeus. NaSuécia, durante a severa inanição de1773, o coeficiente de mortalidade ele-vou-se para 52,5/mil habitantes8.

Todos os grupos etários parecem serafetados pela escassez de alimentos. Éna criança que o crescimento e o desen-volvimento é atrasado ou permanente-mente retardado.

2.1.1.2 Epidemias

Até recentemente, a peste, cólera, va-ríola, tifo e outras enfermidades ocorre-ram freqüentemente na Europa, agrava-das pela carência de alimentos, foram res-ponsáveis por elevada mortalidade.

Gilson estimou que a peste, no ano 543D.C., foi responsável pela morte de cemmil pessoas. Esta enfermidade exten-deu-se por tôda a Europa e permaneceupor várias décadas. Somente em 1348,a peste matou cêrca de 25 milhões dehabitantes, 1/4 da população européiadessa época 8.

Doenças, como varíola e febre tifóide,foram disseminadas durante todo o tem-po. Quando as epidemias coincidiamcom os anos de más colheitas, o aumentoda mortalidade era bem maior.

A varíola era responsável por grandesepidemias antes da introdução da vacina-

ção. Em Londres, em 10 anos (1681-1690), a mortalidade por varíola foi de3 óbitos por mil habitantes. Nos séculos17 e 18, êste coeficiente, freqüentemente,alcançava um índice de 4,5/mil, sendoresponsável por cerca de 1/10 de tôdasas mortes. A varíola foi, pràticamente,eliminada um século após a descobertada vacina, sendo a última epidemia se-vera desencadeada no continente europeu,no período de 1870-1873.

O tifo é registrado como tendo asso-lado a Europa desde o séc. 17 até finsdo séc. 19. As epidemias por tifo ocor-riam em épocas próximas a guerras e pe-ríodos de inanição, responsabilizando-sepor um enorme número de vítimas.

A tuberculose, embora não ocorressesob a forma epidêmica, foi uma das prin-cipais causas de morte na população jo-vem (crianças e adolescentes).

Estudos das causas destas calamitosasepidemias, geralmente, indicam que elasforam devidas, em grande parte, ao pre-cário saneamento do meio e higiene pes-soal, os quais, por sua vez, estavam ìnti-mamente ligados à falta de conhecimen-tos médicos e os baixos padrões de con-dições de vida.

2.1.1.3 Condições das áreas urbanas

Na Europa, antes do século 20, o coe-ficiente de mortalidade foi maior nas ci-dades do que em outras áreas. SÜSSMILCHapud UNITED NATIONS 8 estimou que, emBrandeburgo (1739-1748), o coefi-ciente de mortalidade foi ao redor de25/mil habitantes nas áreas rurais,31/mil em cidades menores e 36/mil emgrandes cidades como Berlim. Em Es-tocolmo, nos anos de 1775-1776, de acôr-do com PRICE apud UNITED NATIONS 8,a esperança de vida ao nascer era, sò-mente, de cerca de 14 anos para o ho-mem e 18 anos para a mulher, enquantoque, para a Suécia como um todo, erade 33 e 36 anos respectivamente. NosEstados Unidos, em 1830, as condiçõesde mortalidade foram bem piores nas

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grandes cidades do que nas pequenas enas áreas rurais. A maior mortalidadeurbana do que a rural persistiu em algunspaíses até mesmo no fim do séc. 19.Nesta época, WEBER apud UNITED NA-TIONS 8, reportou o excesso de mortalida-de urbana, em relação à rural, nos EUA,Rússia, Inglaterra e Holanda. Êste au-tor associou a variação da mortalidadecom o grau de aglomeração e atribuiu amaior mortalidade urbana a uma maior"negligência" e "indiferença" urbana8.

As condições da vida urbana na Euro-pa e América, nos séculos 18 e 19, é su-ficiente para indicar algumas das razõesda excessiva mortalidade urbana. As ci-dades, nesta época, encontravam-se con-gestas, insalubres, com muitos doentes eeram formadas por grandes aglomerados,habitações com precaríssimas condiçõesde higiene que se agrupavam ao redordos locais de trabalho. Dentro das in-dústrias havia precária ventilação, a tem-peratura era muitas vêzes bem elevada,a iluminação precária, as horas de tra-balhos longas e exaustivas e o risco deacidentes era maior. As ruas eram es-treitas, com precária rêde de abasteci-mento de água e esgôto e ausência deáreas para recreação. Tais condiçõespredispunham a um aumento de morta-lidade, principalmente da criança.

2.1.2 Nos países subdesenvolvidos

Tem sido assinalado em muitos estudosque a alta mortalidade é característicadas regiões econômicamente subdesenvol-vidas da África, Asia e América Latina,estabelecendo relação com os baixos ní-veis de vida, educação e dificuldades deassistência médica.

Quando os dados, para mostrar a re-lação entre os coeficientes de mortalida-de e certos índices de condições econô-micas e sociais, são disponíveis, êles indi-cam que a alta mortalidade é associadaà baixa renda per capita, elevado índicede analfabetismo, grande contingente depopulação rural e grande número de ha-bitantes por médico.

Em áreas de alta mortalidade, as doen-ças transmissíveis foram responsáveis poruma grande parte dos óbitos. Na Índia,a cólera, varíola e a peste assumiram pro-porções consideráveis e a tuberculose éelevadamente prevalente. Pelo menos, es-tima-se que cem milhões de habitantessofrem anualmente de malária e cêrca de2 milhões morrem por ano, direta ou in-diretamente, como conseqüência destadoença. Em muitos países, o coeficientede mortalidade por diarréias e enteritesé elevado, a febre tifóide e tifo são en-dêmicas e epidemias por varíola não sãoraras. Em Porto Rico, onde a mortali-dade tem caído consideràvelmente emanos recentes, a diarréia e tuberculoseparticipam com mais de 1/3 do total donúmero de óbitos nos anos próximos de1940.

Na maioria dos países africanos, asprincipais causas de morte incluem adoença do sono, malária, tuberculose, es-quistossomose, ancilostomíase, lepra, doen-ças venéreas, varíola, pneumonia e desnu-trição. O coeficiente de mortalidade ge-ral foi estimado para o período de 1939-1946, na África do Sul entre 21 e 25/milhabitantes comparado com 9/mil para apopulação européia.

Os fatôres sociais e econômicos respon-sáveis pelo baixo nível de saúde são seme-lhantes em tôdas as áreas dos países sub-desenvolvidos. O saneamento do meio éprecário; a deficiência nutricional é ele-vada, tornando a população mais suscep-tível às doenças; os serviços de saúdeexistentes são inadequados e uma grandeparte da população tem baixo poder aqui-sitivo para manter sua saúde protegida.

Geralmente dentro dos países subdesen-volvidos de hoje, a má nutrição é crôni-ca, as doenças infecciosas são endêmicas,as quais, periòdicamente tornam-se epidê-micas, contribuindo como causa mais ime-diata pelo excesso de mortalidade nestasáreas. Estas causas são sintomas de po-breza, estando envolvidos fatôres políti-cos, culturais, religiosos e geo-físicos.

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2.2 Fatôres que contribuiram para a re-dução da mortalidade

2.2.1 Nos países desenvolvidos

O comêço do séc. 19, especialmente apartir de 1850, constata-se o grande pro-gresso que se começou a alcançar nocombate a enfermidades e mortes e noprolongamento da vida humana. Estudosda redução da mortalidade que ocorreunêste período e as mudanças econômicase sociais que a acompanharam, mostrama maior evidência da relação entre mor-talidade e fatôres econômicos e sociais.

A redução do coeficiente de mortalida-de não foi uniforme para os diferentesgrupos etários. Nos países europeus, aredução da mortalidade, a partir do séc.20, tem sido, geralmente, mais acentuadanos casos de crianças e adolescentes. Pa-ra o grupo etário acima de 75 anos odecréscimo registrado tem sido discreto.Na Suécia, entre 1751-1800 e 1901-1945,a mortalidade para o grupo etário menorde 15 anos foi reduzida de 72 a 84%.Esta redução para o grupo etário commais de 65 anos, para o período de 1901-1945, foi de 32%. Na Suécia, a redu-ção ocorreu, primeiro, entre crianças me-nores de um ano, depois, para o grupoetário de 1- 5 anos e, finalmente, parao grupo de 5 - 14 anos. Na Inglaterra,no entretanto, na segunda metade do séc.19, a mortalidade foi maior para o grupoetário de 5-14 anos que para criançasmenores de 5 anos.

2.2.1.1 Influência do desenvolvimentoeconômico

Indubitàvelmente, a redução acentuadada mortalidade na Europa, a partir doséc. 18, tem sido devida, principalmente,à grande melhoria da situação econômi-ca da população, através da industrializa-ção, desenvolvimento comercial e agríco-la e ao avanço, da medicina e saúde pú-blica que se verificou nestes países. Ou-tros fatôres contribuintes foram a meca-nização da agricultura, inovações técnicas,

disponibilidade de fertilizantes artificiais,meios de transporte e comunicações. Ainanição foi eliminada, habitações maisadequadas foram construídas, roupas me-lhores foram viáveis, houve um aumentoda renda familiar. Todos êstes fatôrescontribuiram para a melhoria da saúdeda população.

2.2.1.2 Influência das legislações so-ciais

A elaboração de uma legislação sani-tária e o estabelecimento de agências desaúde estatais, principalmente na Ingla-terra e Estados Unidos, contribuíram pa-ra a redução da mortalidade. Outro fa-tor importante foi o aumento da idademínima para o trabalho da criança e damulher e a melhoria do meio ambientede trabalho. Isto se verificou para aInglaterra, Alemanha e outros países eu-ropeus. Na França e Inglaterra, umalei estabelecida em 1850 e 1851, respec-tivamente, autorizou a condenação dashabitações insalubres.

2.2.1.3 Influência do desenvolvimentodo saneamento do meio

Foi no séc. 19, também, que ocorreuuma grande expansão dos serviços públi-cos e, entre êles, houve uma melhoriaconsiderável do saneamento do meio.Estabelecimentos públicos para remoçãodos dejetos começaram a operar, emLondres, em 1848 e, em 1865, se instaloua rêde de esgôto. A purificação do su-primento de água iniciou-se no comêçodo séc. 19 com a instalação de filtros deareia em Paris. Em Londres, contou-secom êste recurso em ampla escala a par-tir de 1829 mas foi sòmente ao redor de1875 que o uso de filtro espalhou-se atra-vés da Europa. O tratamento de águaatravés da cloração começou a ser prati-cado no início do séc. 20. Nesta época,a maioria dos países do mundo ocidentale a Rússia já tinham introduzido siste-mas de abastecimento de água e remo-ção dos dejetos, contribuindo para a me-lhoria das condições gerais de saúde.

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Como resultado da melhoria das con-dições de saneamento a mortalidade portifo, cólera, peste e as doenças do apa-relho digestivo declinaram consideràvel-mente. Houve, também, um interêssecrescente na higiene pessoal. O uso dosabão, que até então era considerado lu-xo, tornou-se de uso mais comum no séc.19.

2.2.1.4 Influência do desenvolvimentodas ciências e dos programasde saúde pública

Antes do séc. 19, a redução da morta-lidade foi resultado, primeiramente, damelhoria dos fatôres não médicos pois,era pouco conhecido, neste tempo, o pa-pel que desempenhavam os organismospatogênicos na etiologia das enfermida-des. Desde então, importantes descober-tas no campo médico e de saúde públicatêm sido associadas a mudanças bruscasna mortalidade. Por exemplo, a vacina-ção contra a varíola foi uma medida sim-ples e bastante eficaz para o contrôle daenfermidade considerada até então, tal-vez, de maior letalidade.

A mortalidade decorrente de doençasinfecciosas e de epidemias foi reduzidasubstancialmente a partir do último sé-culo como resultado dos progressos so-ciais, econômicos e médicos. Incluídasnesta categoria encontram-se as doençascomo: febre tifóide, escarlatina, coque-luche, malária, varíola e tifo.

A redução das doenças infecciosas foiresponsável pela redução da mortalidade,principalmente, nas crianças e no grupoetário jovem. Estas doenças reduziram-se de 87%, na Inglaterra, entre os anospróximos de 1850 e o ano de 1947. Nes-te período, a diarréia e enterites, princi-pal causa de morte na infância, foi re-duzida de 86% e a pneumonia em 53%.Nos Estados Unidos, no período de 1900-1946, o coeficiente de mortalidade porpneumonia foi reduzido em cêrca de80% e de tuberculose acima de 80%. Amortalidade por diarréia e enterites e pordoenças transmissíveis da criança foi re-

duzida em mais de 95%. Na Checoslo-váquia em 1919, a mortalidade por tu-berculose e doenças da infância decres-ceram marcadamente. Comparativamen-te, pouco avanço tem sido feito no con-trôle às doenças degenerativas, as quais,primariamente, afetam pessoas idosas.

2.2.2 Nos países subdesenvolvidos

Na maioria dos países da América La-tina, Ásia e África, uma longa série his-tórica de dados de mortalidade apresen-tam-se bastante precários e falhos. Éevidente, no entretanto, que a mortalida-de nestas regiões do mundo, quase queuniversalmente permaneceu muito alto atérelativamente anos recentes.

Em relação às causas responsáveis pelaqueda da mortalidade nos países subde-senvolvidos, três importantes fatôres me-recem ser mencionados:

a) Enquanto nos países europeus o de-clínio de mortalidade foi dependentedo desenvolvimento econômico e cien-tífico, os países subdesenvolvidos be-neficiaram-se da importação destastécnicas e conhecimentos.

b) É possível alcançar a redução damortalidade nos países subdesenvol-vidos a um preço relativamente bai-xo. Como a mortalidade nestes paí-ses foi extremamente alta, uma gran-de redução foi possível com a apli-cação de técnicas simples e relativa-mente baratas.

c) O declínio da mortalidade não podeser sempre atribuído ao melhoramen-to das condições econômicas da po-pulação. A saúde pública e as téc-nicas médicas têm contribuído paraa manutenção e o aumento da vidamédia do homem, sem um acompa-nhamento na melhoria das condi-ções econômicas. Portanto, os paí-ses subdesenvolvidos têm podidoaproveitar-se dos conhecimentos mé-dicos e de saúde pública sem ter ha-vido modernização de suas econo-mias.

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A rápida queda na redução da morta-lidade pelo qual muitos países da Améri-ca Latina, Ásia e África passaram duran-te as décadas mais recentes, é ilustradaatravés da queda da mortalidade geralque se verificou em 9 dêstes países (1) emque o seu coeficiente foi de 21/mil em1932; 15/mil em 1947 e 13,5/mil em1949.

Durante a década de 1935-1944, amortalidade no México por varíola de-cresceu de 35,4% e por difteria em25,3%. O uso de inseticidas (DDT)que desempenhou um importante papelna campanha antimalárica, também con-tribuiu, consideràvelmente, para a redu-ção da mortalidade por várias outrasdoenças transmissíveis veiculadas por in-setos (febre amarela, doença do sono, ti-fo exantemático). Em Porto Rico, amortalidade por malária decresceu de125/cem mil habitantes, em 1941, para32/cem mil, em 1946.

A introdução de métodos preventivosatravés do saneamento do meio, especial-mente em relação à água e deposição dedejetos, produziu melhora no estado desaúde da população. Na Região da Ba-cia Amazônica no Perú, por exemplo,antes do programa de saneamento domeio 99% das crianças em idade esco-lar foi considerada portadora de infec-ção ou infestação parasitária. Após apli-cação do programa, 4 anos mais tarde,esta taxa baixou para 58%. O custo dasmedidas preventivas em saúde, emboraseja inicialmente alta, pode ser, ràpida-mente, compensada por uma redução nosgastos que as doenças teòricamente evitá-veis custariam. GIGLIOLI apud UNITEDNATIONS 8, colculou o custo do tratamen-to hospitalar por malária, nas GuianasInglêsas, em 1943, em US$ 1.47/hab.O uso de DDT, com um custo de US$0.63/hab., reduziu o gasto do tratamentohospitalar desta moléstia para US$ 0.32/hab. em 1947.

Concluindo, as sulfas, antibióticos, in-seticidas, assim como o saneamento domeio foram as armas mais efetivas nocombate às enfermidades e a mortalida-de. Êstes produtos são recentes e foramimportados dos países industrializados aoredor de 1940. Em muitos países emvia de desenvolvimento a esperança devida já se situa ao redor dos 60 anos enos industrializados, em cêrca de 70 anos.

3. FATÔRES ECONÔMICOS E SOCIAIS QUEAFETAM A FERTILIDADE

3.1 Tendência da fertilidade nos paísesdesenvolvidos

O declínio da natalidade é um dos fe-nômenos mais discutidos no campo dademografia. Na Europa, o coeficiente denatalidade, para o período compreendidoentre 1735-1800, variou de 31-41 nasci-mentos vivos por mil habitantes. Comflutuações muito pequenas, a natalidadefoi mantida nestes níveis até o início deseu declínio que se verificou no últimoperíodo do séc. 19. Entre os anos de1841-1845 e 1876-1880 houve uma va-riação pequena da natalidade (30-32/milhab.) para um período relativamentegrande. Nesta época, a França tinhauma natalidade de 25,8/mil e a Alema-nha de 39/mil habitantes 9.

Uma vez iniciada a queda da natali-dade ela continuou, quase que ininter-ruptamente, em quase tôda a Europa, até1933-1935, quando o valor mínimo foiatingido. Esta tendência não foi pràti-camente alterada pela primeira guerramundial, com exceção da França, Irlan-da e Bélgica em que a natalidade, entre1921-1930, foi maior do que de 1911-1920.

A natalidade nos Estados Unidos, as-sim como na França, declinou depois doano de 1800. O coeficiente de natalida-de de 55/mil, em 1800, foi maior quenos países europeus. Em 1933, êste coe-

(1) Egito, Guiana Britânica, Chile, Costa Rica, El Salvador, Jamaica, México, Porto Rico,Ceilão.

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ficiente atingiu o valor de 18/mil e em1970, 17,6/mil.

A queda da natalidade na Europa va-riou de acôrdo com a região considerada.Para a natalidade cair de 30/mil para20/mil decorreram mais de 70 anos paraa França, 40 para a Suécia e Suíça e 30para a Inglaterra e Dinamarca.

O Japão é o único país que não é ha-bitado por pessoas predominantementedescendentes de europeus e que experi-mentou um declínio da natalidade similaraos Estados Unidos e países europeus. Anatalidade no Japão de 35/mil (1921-5)declinou para 27 (1938) e 19 (1970).

3.1.1 Fatôres econômicos e sociais

Vários estudos mostram que os ricossão "menos férteis" que os pobres.

Os opositores de Malthus (na épocade sua controvertida declaração, no fimdo séc. 18), afirmaram que um aumentoda prosperidade econômica seria sempreseguida por um declínio da fertilidade.

Na França, a explicação da reduçãoda fertilidade para a classe alta foi atri-buída ao amor à luxuria, avanço na es-cala social e desejo de evitar a subdivi-são de propriedades para herdeiros.

Vários autores citam diversos fatôresda vida moderna que podem contribuirpara a redução da capacidade reproduti-va, tais como: aumento do alcoolismo edas doenças venéreas, maior participaçãoda mulher na fôrça de trabalho, decrés-cimo das relações sexuais devido ao maior"stress" emocional na vida urbana mo-derna. Alguns dêstes fatôres têm sidosugeridos como contribuintes e não comoagente causal direto no declínio da ferti-lidade. Não há prova também de que afreqüência do alcoolismo e de doenças ve-néreas tenha aumentado durante o pe-ríodo em que a natalidade decresceu.

Há concordância quase universal deque o declínio no tamanho da família temsido devido a prática da limitação danatalidade. A queda da natalidade ocor-reu bem antes do desenvolvimento mo-derno das técnicas contraceptivas. Inves-

tigações em diversos países sugerem queo método mais largamente utilizado temsido a interrupção do coito, técnica co-nhecida por muitos séculos.

Na maioria dos países, a prática doabôrto tem sido menos importante que ouso de contraceptivos na redução do ta-manho da família, embora haja algu-mas evidências de que a prática do abôr-to está aumentando em alguns países. Emum número reduzido de países, a práticado abôrto tem sido permitida legalmentepor motivos médicos, engênicos, crimi-nais ou sócio-econômicos.

a) Mudança de atitude em relação aotamanho da família

Os autores mais recentes acreditam queo declínio da fertilidade é devido a umcomplexo de causas interrelacionadas,atuando uma sôbre a outra, trazendo co-mo conseqüência a sua queda. Algunstentam explicar que a idéia de limitaro número de filhos e espaçar os nasci-mentos tem sido adotada, generalizada-mente em países industrializados, em tro-ca da tradicional idéia de ter o númerode filhos que a "natureza" forneceu.

Tem sido atribuídas diferenças de ati-tudes em relação ao declínio da mortali-dade infantil. Se as pessoas planejamum número definido de filhos, a reduçãoda mortalidade infantil causará, certa-mente, a redução do número de nasci-mentos.

Entre as principais razões dadas paranão ter filhos ou muitos filhos, as mães,em geral, apontam o mêdo ao desemprê-go, razões econômicas e acomodações ha-bitacionais.

A origem da atitude da limitação dotamanho da família foi aceito, primei-ramente, pela classe alta depois pelosdemais segmentos da sociedade. Porexemplo, a queda da fertilidade mais rá-pida em cidades pode ser devida ao ínti-mo contato das classes sociais mais baixascom as classes que primeiro praticarama limitação do tamanho da família.

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Eventos históricos, tais como a Revo-lução Francesa, Crises Econômicas, De-pressão na Inglaterra em 1875, influên-cia da opinião pública, etc., são consi-derados como tendo sido favoráveis à ati-tude de limitação do tamanho da famí-lia.

A libertação do tradicionalismo, comconseqüente mudança dos valores e pa-drões de comportamento, é também cita-do como fator contribuinte para o declí-nio da fertilidade.

b) Urbanização

O declínio da fertilidade tem sido pre-cedido e acompanhado, em todos os paí-ses, pela urbanização. É comum os au-tores afirmarem que a população urbanaé "menos" fértil que a rural.

A relação entre o processo de urbani-zação e queda da fertilidade é complexa.A maioria dos autores acredita que asgrandes cidades modernas favorecem odesenvolvimento de atitudes motivando alimitação do tamanho da família. Al-guns autores chegaram a afirmar que omeio urbano é uma condição essencialpara o desenvolvimento desta atitude("mentalidade urbana").

Entre os principais fatôres que favore-ceram a limitação da natalidade em ci-dades citam-se: Vida famliar menos coe-sa; crianças não são consideradas umavantagem econômica; aspiração de me-lhor status social e econômico; prevalecemaior racionalização e libertação de tra-dições.

É importante chamar a atenção que,em geral, a diferença entre fertilidadeurbana e rural existiu em muitos paísesantes do início da queda da natalidade(séc. 17 e 18 na Europa e América doNorte). No séc. 19, a fertilidade urbanae rural começou a decrescer em algunspaíses, sendo que a queda da urbana foimais rápida. Em geral, tem sido encon-trado que quanto maior é a cidade maisbaixa é a fertilidade9.

c) Mobilidade social

O desejo de melhorar a posição na es-cala social tem sido apontado como ummotivo importante para a limitação dotamanho da família.

O efeito da mobilidade social sôbre afertilidade parece ser atribuída, em ge-ral, ao fato de que criar uma criançasignifica gastar dinheiro, tempo e esfôr-ço, os quais poderiam ser utilizados parasubir na escala social. Desta maneira, amobilidade social é mais factível com umnúmero pequeno de crianças do que comum grande.

d) Status da mulher e organização fa-miliar

A mudança no status e no papel damulher tem sido uma das razoes para adiminuição do tamanho familiar.

Fatores freqüentemente mencionadoscomo contribuintes para a mudança deatitude da mulher são:

— Aumento do nível educacional.— Igualdade para a mulher em muitas

esferas da vida pública.— Igualdade do papel da mulher no ca-

samento.— Oportunidade para um maior desen-

volvimento da personalidade e inde-pendência.

— Maior grau de participação da mu-lher na fôrça do trabalho. Tal fatortem sido freqüentemente relacionadoao grau de urbanização e industriali-zação. Diversos censos têm mostra-do que o número de filhos de mulhe-res casadas que trabalham é menorque o das que não trabalham.

— Com a industrialização, as atividadeseconômicas exigem que a mulher fi-que fora do lar, competindo com oseu trabalho caseiro e com as ativi-dades de cuidar de crianças. Hojeé largamente aceito que nas socieda-des industrializadas as mulheres evi-tam criar crianças ou restringe seunúmero a fim de manter o emprêgofora de casa.

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— A mudança no padrão da organiza-ção familiar tem sido responsável pe-lo declínio da natalidade e do tama-nho familiar. Um importante fator,responsável pela queda da fertilidade,foi a transição de família tradicional-mente estável para instável.Autores mais recentes enfatizam quea família não é mais a unidade eco-nômicamente produtiva e que a suafunção na criação da criança tem si-do favorecer principalmente um maiornível educacional e vida associativa.Conseqüentemente, um aumento daconcentração emocional sôbre a crian-ça tem paradoxalmente sido a razãopara a limitação do tamanho da fa-mília.

e) Nível de vida e custo na criação decrianças

As famílias são menores nos paísesonde os níveis de vida são mais altos.Dentro do período da queda da natali-dade os ricos têm, geralmente, menos cri-anças do que os pobres, o que tem sidosugerido que um aumento na riqueza di-minui a fertilidade. Tem sido notadoque, acompanhando a queda da natali-dade entre os ricos, o declínio tem sidoapresentado também nos grupos pobres.Particularmente isto tem sido verdadeiropara as grandes cidades.

O aumento do ingresso econômico tor-na possível uma maior seleção das ativi-dades no lazer e no tempo. O cuidadoà criança pode ser considerado uma in-terferência na satisfação de outros dese-jos.

O custo econômico na criação de cri-anças aumentou consideràvelmente du-rante o período de declínio da natalida-de. O emprêgo de crianças em agricul-tura e indústrias tem sido cada vez maisrestringido. A influência da legislação,proibindo o emprêgo de crianças, obriga-toriedade no atendimento escolar e a ex-tensão do período educacional, tem sido,muitas vêzes, responsabilizado pela dimi-

nuição do número ideal de filhos. Comoresultado, as crianças têm que ser man-tidas por seus pais por um período maislongo. O melhor padrão da assistênciamédica, o maior cuidado dedicado à cri-ança e o aumento do padrão geral devida, aumentaram substancialmente ocusto da criação da criança.

f) Ocupação

Censos em diversos países fornecemdados do número de filhos de mulherescasadas, classificadas pela atividade eco-nômica de seus esposos. Geralmente,quanto mais diferenciada é a ocupaçãoe melhor a qualificação da mão de obra,menor é a fertilidade.

g) Educação

Estudos sôbre fertilidade, relacionadosao nível educacional do marido e da mu-lher, têm geralmente mostrado que quan-to maior escolaridade, menor é o númerode filhos. Em geral, as mulheres de ní-vel colegial e universitário têm baixa fer-tilidade, casam menos do que a popula-ção em geral e o fazem em idade maisavançada (principalmente as universitá-rias) .

h) Religião e padrões de casamento

Tem sido, muitas vêzes, admitido queo declínio do interêsse religioso tem con-tribuido para a limitação do tamanho dafamília. É inferido que o interêsse re-ligioso tem diminuído, como valor tradi-cional, à medida que o pensamento ra-cionalista tem lugar.

Em geral, quando há praticidade dareligião, a prática do uso de contracepti-vos é menor e a fertilidade é maior, com-parativamente com os não praticantes.

Grandes diferenças têm sido observa-das na fertilidade diferencial dos diversosgrupos religiosos. Numerosos estudos sô-bre Católicos, Protestantes e Judeus, emvários países Europeus e nos EUA, Ca-

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nadá e Austrália, têm demonstrado quea fertilidade é geralmente maior entre oscatólicos e menor entre os judeus. Con-tudo, mesmo a fertilidade entre católicostem declinado enormemente em todos ospaíses europeus e nos EUA. As diferen-ças de fertilidade entre os grupos religio-sos, tomados como um todo, parecem es-tar ìntimamente relacionadas às diferen-ças econômicas e ocupacionais discutidasanteriormente. Entre membros da mes-ma ocupação e nível econômico, os cató-licos, em média, são mais férteis que osprotestantes. No entretanto, as diferen-ças de fertilidade entre pessoas da mesmareligião mas de diferentes graus de ocupa-ção, ingresso per capita, nível educacio-nal, etc., são muito grandes.

A proporção da dissolução de casamen-tos ou da viuvez tem sido consideradacomo menos importante na mudança defertilidade a longo prazo.

i) Outros fatôres

A queda da mortalidade entre criançase jovens tem sido um dos fatôres respon-sáveis para o declínio do tamanho da fa-mília. A proporção de crianças que so-brevivem tem aumentado, o que indicaráuma carga maior para o seu sustento.

Deficit habitacional, pobreza, insegu-rança econômica, desemprêgo e mêdo deguerra têm sido outras causas que suge-rem a explicação do declínio da natali-dade.

3.2 Tendência da fertilidade nos paísessubdesenvolvidos

Para êstes países, a estatística de nata-lidade, quando existe, é de qualidade bas-tante precária. As populações da Áfri-ca, Ásia, América Latina e da Oceania(fazem exceção os europeus ou seus des-cendentes) apresentam alta fertilidade.Possìvelmente, na maioria dos casos, anatalidade foi mais alta do que na Eu-ropa Ocidental antes do início da grandequeda que começou nos meados do séc.19.

Para a América Latina a natalidadenos anos de 1932-1938, variou de 30 nas-cimentos vivos por mil habitantes (Ve-nezuela) para 47,7/mil (Guatemala).Para o período de 1946-1950, êste coefi-ciente variou de 33,1/mil (Chile) até48,0/mil (Brasil) e 50,5/mil (Guatema-la). Para 1970, êste coeficiente varioude 22/mil (Argentina) para 49/mil (Hon-ras) 5. Êste aumento de fertilidade que severificou para anos mais recentes, temtido diversas interpretações, entre elas, amelhoria do registro de dados. Para ospaíses da África, Ásia e Oceania a na-talidade alcançou, para o período de1946-1950, o valor de 43,0/mil no Egito,43,4/mil em Singapura e 46,0/mil emNova Zelândia e para 1970 a natalidadeoscilou de 22,6 (Nova Zelândia) para 50(Nigéria).

Embora os dados para países com altafertilidade sejam fragmentados, a natali-dade parece estar geralmente em tôrnoou acima de 40/mil.

3.2.1 Fatôres que afetam a alta fertili-dade

3.2.1.1 Padrões de casamento

Onde os dados existem, êles geralmen-te mostram que, em países de alta ferti-lidade, o casamento de mulheres ocorreem idades mais precoces. No Ceilão(1946) 71% das mulheres no grupo etá-rio de 20-24 anos foram ou estavam ca-sadas; na Índia (1931) esta proporçãofoi de 95%. No Egito (1946) 88%;Trinidade (1946) 62%; Peru (1940)52%; Brasil (1940) 46%. Esta propor-ção menor de casamentos para a AméricaLatina em relação aos da Ásia e Áfricafoi atribuída a um grande número decasamento consensual.

3.2.1.2 Fatôres sociais e econômicos

— Menor prática da limitação da nata-lidade.

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— Casamento em idade precoce: algunsautores acreditam que a reprodução,nestes países, está perto do limite dacapacidade biológica.

— Baixo nível educacional.

— Grande dependência das atividadesagrícolas.

— Baixo nível econômico.

— Atitude fatalista em relação ao nas-cimento e morte.

— Injunções religiosas.

— Forma de organização familiar.

— Alta mortalidade resultando em pe-queno número de crianças com sobre-vida.

3.2.1.3 Fertilidade diferencial

As diferenças de fertilidade urbano-ru-ral, por tipo de ocupação, religião e edu-cação apresentam, em linhas gerais, omesmo grau de interpretação da análisefeita para os países que apresentam ferti-lidade baixa.

4. POLÍTICA POPULACIONAL

Como foi descrito na análise do cres-cimento populacional, os continentes quecompõem o assim chamado terceiro mun-do são os que apresentarão o maior con-tingente populacional quando comparadocom os países que formam o mundo de-senvolvido.

Esta situação preocupa, cada vez mais,os países, principalmente os desenvolvi-dos. Recentemente, o Presidente do Ban-co Mundial (Robert Mac Namara (1)) de-clarou que um bilhão de nascimentos de-vem ser "evitados" no Terceiro Mundo,nos próximos 30 anos, para conter a ex-plosão demográfica. De 68 países sub-desenvolvidos, 20 têm política oficial decontrôle populacional e programas deplanejamento familiar, 20 não têm po-lítica definida mas desenvolvem progra-mas de planejamento familiar e 28 nãotêm nem política oficial e nem progra-mas, conforme Tabela 5.

De acôrdo com a posição governamen-tal, 66% da população de todos os paísessubdesenvolvidos está sob uma política

(1) A Folha de São Paulo, 22 set. 1970. p. 19.

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antinatalista oficial. O continente quemais contribui com esta política é o asiá-tico, pois 98% da população da ÁsiaOriental e 81% da Ocidental estão sobuma política oficial de contrôle popula-cional. A distribuição populacional porregião sob os diferentes tipos de políticaspopulacionais a que estão submetidas, éapresentada na Tabela 6.

Nos países subdesenvolvidos, os con-traceptivos mais utilizados pelos progra-mas de planejamento familiar são, emordem decrescente: Dispositivo Intra Ute-rino (DIU), Esterilização e Pílulas. Sò-mente a Índia, durante um período de 4anos (1964-68), esterilizou 5.200.000habitantes, com uma idade média de 32,2anos; o Paquistão 597.000, a Tailândia

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123.000 pessoas. A seguir, apresentamos,por país, o número acumulado de recep-tores por tipo de contraceptivo utilizadoem alguns países.

Pode-se afirmar, no entretanto, que ataxa de natalidade, na maioria dêstes paí-ses, não foi reduzida. Não estaria aqueda da fertilidade relacionada ao de-senvolvimento social e econômico, comoocorreu nos países desenvolvidos com arevolução industrial? É o desenvolvimen-to demográfico acelerado a verdadeiracausa do subdesenvolvimento? Qual anatureza do problema? Trata-se de pro-blema médico? Será a explosão demo-gráfica uma doença a merecer tratamen-to médico urgente ou será uma crise so-cial a exigir medidas de âmbito e natu-reza diferentes?

O problema demográfico é diferente acada país, porém, as generalizações deabordá-lo não correspondem à realidadebrasileira e nem de muitas outras na-ções. No que se refere ao importante

e controvertido problema da relação en-tre tamanho da população, índice de cres-cimento populacional e desenvolvimentoeconômico deve-se, em cada caso parti-cular, estudar as condições concretas derelação entre recursos naturais e popula-ção e a capacidade de assimilação de mão-de-obra pelo processo de desenvolvimentode cada sistema econômico. As relaçõesentre desenvolvimento econômico e popu-lação, bem como as motivações econômi-cas, sociais e culturais tendentes a con-dicionar índices diferenciais da fertilida-de, são de natureza complexa merecendo,certamente, estudos complementares.

O que não se pode aceitar de modopacífico é o ponto de partida de muitosautores neo-malthusianos que reduzem odesenvolvimento econômico ao crescimen-to de renda per capita, atribuindo a di-visão do Produto Nacional Bruto, pelosnovos indivíduos que nascem, como umfator de atraso social e estagnação eco-nômica.

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"O tamanho, a estrutura e o crescimen-to da população têm um efeito duplo sô-bre o funcionamento da economia: êlessão os principais determinantes da ofertade fôrça de trabalho e, ao mesmo tempo,influem fortemente no consumo. Os efei-tos da dinâmica populacional são, por-tanto, sentidas simultâneamente tanto dolado da oferta como do lado da procurade bens e serviços" 6.

"É fora de dúvida que população e ní-vel de renda são os principais determi-nantes do tamanho do mercado; do pontode vista das economias da escola, a po-pulação é o fator mais significativo. Em-bora a proposição de que o crescimentodemográfico amplia o mercado não possaser generalizada irrestritamente, continua,não obstante, a ser verdade que, para,pràticamente, qualquer país capaz de de-senvolver sua economia, uma populaçãomaior significa um mercado maior e, con-seqüentemente, uma maior latitude de in-dustrialização. Ao contrário da integra-ção econômica, o crescimento populacio-nal não depende de acôrdos com outrospaíses e representa, por isso, uma "solu-ção" de mais fácil aplicação para um pro-blema vital. Daí se concluir que, excetono caso de alguns países com populaçãobem grande, a expansão populacional éum fator positivo, a longo prazo, para odesenvolvimento. Portanto, a avaliaçãodo efeito do crescimento populacional pa-ra o desenvolvimento deve ser feito à luzdas condições específicas em que cadapaís se encontra" 6.

Assim sendo, podemos considerar, deinício, que a demografia desempenha emsaúde pública as seguintes funções pri-mordiais :

a) Em planejamento de saúde. Éatravés das combinações das variaçõesdemográficas, tais como: natalidade, mor-talidade e tamanho da população segundoa composição por sexo e idade, que sepermite calcular os coeficientes compo-nentes dos indicadores globais e específi-cos que medem o estado de saúde da po-

pulação, etapa importante para o planeja-mento. Os estudos de mortalidade e mor-bidade representam, também, uma con-tribuição relevante para o planejamentode saúde. Para se determinar o padrãoquantitativo ou necessidades dos recursosde saúde, torna-se necessário o dado de-mográfico população, a fim de se anali-sar a proporção de habitantes por tipode equipamento existente, tais como, po-pulação teòricamente coberta por unida-de sanitária, número de leitos por milhabitantes, população atingida pela rêdede abastecimento de água e esgoto, nú-mero de habitantes por médico e pessoalparamédico, assim como muitas outrascorrelações.

Tendo em vista o progresso nas análi-ses e projeções demográficas, a demogra-fia deverá desenvolver um papel mais im-portante no planejamento dos serviços desaúde.

Exige o planejamento moderno de saú-de características mais completas e exa-tas da população. Torna-se fundamental,neste planejamento, levar-se em conta asvariáveis demográficas e a composiçãosocial da população para se construir mo-dêlos mais realistas, possibilitando pro-gramar efetivamente as necessidades desaúde, tais como: unidades sanitárias,leitos hospitalares, pessoal médico e auxi-liar de saúde, etc. A análise da distri-buição da população e de sua migraçãotorna-se elemento fundamental para ca-racterizar o tipo e a organização da as-sistência médico sanitária. O conheci-mento da natalidade, fertilidade e nup-cialidade permite avaliar a necessidadede leitos maternidades e infantis, assimcomo de serviços pré-natais.

Estudos relativos à estrutura e à dinâ-mica populacional, assim como a sua ten-dência, são bastante necessários para con-tribuir na formulação de uma política desaúde.

O desenvolvimento futuro dos meiostécnicos e da estatística enriquecerão ain-da mais a informação acêrca dos progres-

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sos demográficos e irá, portanto, contri-buir para o aperfeiçoamento da planifica-ção da assistência médica.

b) O correlacionamento entre migra-ção e saúde constitui também uma im-portante aplicação da demografia em saú-de pública, embora esta dimensão da de-mografía em saúde tenha sido ainda pre-cária, necessitando maiores estudos e in-vestigações.

c) Estudos sôbre a erradicação dasdoenças de massa e o seu efeito sôbre aredução da mortalidade, trazendo comoconseqüência, o crescimento populacional,merece, também, atenção especial da saú-de pública a fim de fornecer subsídiospara os programas e planejamento de de-senvolvimento social e econômico.

d) Nos programas de higiene mater-no infantil, o estudo das correlações en-tre variáveis demográficas e saúde forne-cem importantes informações para inte-grar o planejamento familiar aos progra-mas de saúde. Para isto, tornam-se im-portantes investigações que mostrem co-mo se comporta, por exemplo, a natimor-talidade e mortalidade infantil de acôrdocom a paridade, idade materna e espaça-mento entre os nascimentos; que benefí-cios traz o aumento do espaçamento nasaúde materna; qual a relação encontra-da entre idade materna e incidência deprematuridade e malformações congêni-tas; que correlações existem entre pari-dade, perdas fetais e prematuridade; pa-ridade e câncer genital; qual o efeito dalactação na fertilidade; e o do casamentoconsanguíneo nas malformações congêni-tas.

A par do tamanho da família deve serde livre escolha do casal, as condiçõesmédicas e biológicas constituem um im-portante fator para o aconselhamento doplanejamento familiar. Esta prática,acompanhada de um programa de educa-ção sexual, representa uma importantemedida de higiene materno infantil e,portanto, de saúde pública. A esterili-

dade deve ser também uma importantepreocupação nas pesquisas biológicas emédicas. Portanto, constitui o planeja-mento familiar parte de um serviço or-ganizado de saúde, sem impedir, no en-tretanto, sua função preventiva e curati-va mas sim integrando-a. Esta posiçãofoi definida também pela 19.a Assembléiada OMS (1966). Sendo assim, não épreciso justificativas econômicas, sociais edemográficas, para incluir o planejamen-to familiar como um dos muitos progra-mas de assistência materno infantil. Têmsido os médicos e outros profissionais desaúde os que mais se utilizam dêste ar-gumento, apesar de faltar-lhes, em geral,conhecimentos básicos de economia, ciên-cias sociais e demografia.

Tem sido também a incidência do abôr-to induzido superestimada para justificara implantação do Planejamento Familiar.Com exceção do trabalho de HUTCHIN-SON3 (1964) e MILANESI4 (1968), (aincidência de abôrto provocado encontra-do foi de 9,2% e 10,7% respectivamen-te), os dados que existem no Brasil refe-rem-se a dados hospitalares, o que impe-de o conhecimento da magnitude real doproblema e das variáveis nêle implicadas,uma vez que tais dados são, por natureza,selecionados, não refletindo o que se pas-sa na população, não permitindo, portan-to, a sua extrapolação para tôda a popu-lação feminina, como tem sido feito poralguns autores. De acôrdo com a inves-tigação realizada sôbre o Ensino do Con-trôle da Fertilidade nas Escolas MédicasBrasileiras (YUNES10, 1970), o abôrtoprovocado não se apresentou como indi-cação prioritária para o planejamento fa-miliar, tendo ocupado o quarto lugar,precedido das indicações por motivos dedoenças e problemas psiquiátricos; retar-damento mental; limitação do tamanhoda família e problema sócio-econômico;defeito genético e aumento de espaçamen-to.

e) Os países subdesenvolvidos indi-cam, em geral, como prioritários os pro-blemas ligados ao saneamento básico, nu-

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trição, educação, assistência médica hos-pitalar, combate às moléstias transmissí-veis, problemas diretamente ligados à es-trutura econômica e social da nação eque só podem ser resolvidos com as trans-formações sociais necessárias ao processode desenvolvimento.

f) Não cabe ao setor saúde, isolada-mente, definir uma política de população,cabendo esta tarefa à esfera federal, deacôrdo com a política de desenvolvimentosocial e econômico definida pelo govêrno.

Em resumo, é o Brasil um país de ex-tensa área geográfica, com um grandecontingente populacional e imensos re-cursos naturais. Não cremos que umpaís com estas características necessite deuma política de contrôle populacional pa-ra resolver o problema de seu subdesen-volvimento. Mas sim, de reformas es-truturais e políticas que o conduzam aum desenvolvimento social e econômicointegrado e harmônico. Isto não impe-de, no entretanto, que se desenvolva oplanejamento familiar, a nível de indi-víduos e famílias, através dos serviços deassistência materno-infantil, proporcionan-do, portanto, uma assistência médica glo-bal e integrada. É competência exclusi-va de cada nação soberana decidir sôbreêstes assuntos e não devem ser impostosprogramas de planejamento familiar pornenhum organismo internacional em suaprogramação regional ou subregional.

5 . C O N C L U S Õ E S

— O crescimento populacional acele-rado ("explosão demográfica") éconseqüência e não causa do sub-desenvolvimento e como tal não éproblema médico.

— Sòmente o ingresso dos países sub-desenvolvidos no processo de desen-volvimento econômico e social re-duzirá substancialmente a mortali-dade e fertilidade. Històricamente

pela análise feita por êste estudo,isto ocorreu para os países conside-rados hoje desenvolvidos.

— A demografia tem aplicações im-portantes em saúde pública, princi-palmente em planejamento de saú-de.

— O planejamento familiar deve serparte integrante da assistência ma-terno-infantil, respeitando sempreas prioridades de um programa desaúde.

— Não é preciso justificativas demo-gráficas, econômicas e sociais parase incluir o planejamento familiarem programas de saúde, uma vezque a causa de pobreza e de subde-senvolvimento não reside no tama-nho da família.

— A política populacional deve ser de-finida pelo govêrno federal de acôr-do com a política de desenvolvi-mento social e econômico do país.

YUNES, J. — [Population dynamics on thedeveloped and underdeveloped countries].Rev. Saúde públ., S. Paulo, 5:129-50, 1971.

SUMMARY — The main factors that con-tributed to the population dynamic indeveloped and underdeveloped countries andthe policies of these countries used, eventhe aplication of demography in PublicHealth, are analysed. The greater popula-tion growth in under developed countriesis observed. Thus, by the year 2000, theregion called "third world" will present thehigger population contingent, for the un-derdeveloped countries will contribute with79% from the total world population. Thefirst demographic transition began in 17thcentury in Europe with the process of in-dustrial revolution while in underdevelopedcountries this occurred in the beginning of1940 with a deep difference since the declineof mortality rate presented was not followedeither by a significative decline of birthrate, or even by the modernization of theireconomics. Among the main factors thatinfluenced mortality and fertility factors arethe influence of economic and social develop-ment, and also the progress in medical

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and public health fields. 66% of underde-veloped countries population is under birthrate control and in a decrescent order themost used contraceptive has been the in-trauterine device (IUD), sterilization andpills. India, in four years (1964-68), steri-lized 5,200.000 inhabitants with an averageage of 32 years old. The health planning,migration, epidemiology and maternal andchild health are mentioned among the mainapplications of demography on PublicHealth.

UNITERMS — Demography control*; Po-pulation growth*; Public Health*.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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