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LARYSSA FERREIRA PAZ DE ALMEIDA A DISTINÇÃO ENTRE O DELITO DE MAUS-TRATOS E O DE TORTURA-CASTIGO NO SEIO FAMILIAR Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de bacharelado em Direito do Centro Universitário de Brasília (UniCeub). Orientadora: Professora Msc. Eneida Orbage de Britto Taquary BRASÍLIA 2011

A DISTINÇÃO ENTRE O DELITO DE MAUS-TRATOS E O DE TORTURA ... · conseqüente complicação para o aplicador da lei penal o que coloca em dúvida a eficácia da ... sejam analisadas

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LARYSSA FERREIRA PAZ DE ALMEIDA

A DISTINÇÃO ENTRE O DELITO DE MAUS-TRATOS E O

DE TORTURA-CASTIGO NO SEIO FAMILIAR

Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de bacharelado em Direito do Centro Universitário de Brasília (UniCeub).

Orientadora: Professora Msc. Eneida Orbage de Britto Taquary

BRASÍLIA 2011

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pois sem Ele nada seria possível. À professora e orientadora Eneida Taquary pela paciência na orientação, pela admirável atenção, e pelo incentivo que contribuiu para a conclusão da presente monografia.

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RESUMO

Esta monografia tem como objetivo pesquisar sobre a diferenciação entre a prática de tortura e a de maus-tratos contra crianças e adolescentes no ambiente doméstico. Visa analisar as distinções entre os meios de cometimento e os resultados provocados na vítima. O foco do estudo é a demonstração da dificuldade de comprovação do elemento subjetivo e a conseqüente complicação para o aplicador da lei penal o que coloca em dúvida a eficácia da lei nº. 9.455/97. A finalidade é contribuir para que as violências cometidas no núcleo familiar sejam analisadas minuciosamente e que as condutas mais graves sejam enquadradas na lei da tortura.

Palavras-chave: Tortura. Maus-tratos. Violência. Intrafamiliar. Criança. Adolescente.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................5 1 DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E O PODER FAMILIAR DOS PAIS.......................................................................................8 1.1 O direito da criança e do adolescente no ordenamento jurídico brasileiro.....................8 1.2 Poder Familiar e direito à correção dos pais.................................................................12 1.3 Da violência doméstica contra crianças e adolescentes................................................15 1.4 Manifestações da violência doméstica/intrafamiliar.....................................................18 1.5 Conseqüências dos atos violentos.................................................................................21 2 O CRIME DE MAUS-TRATOS E O CRIME DE TORTURA.........................................................................................................23 2.1 Abordagem histórica do crime de maus-tratos..............................................................23 2.1.1 Apreciação do delito de maus-tratos na legislação atual.............................................25 2.2 O crime de tortura.........................................................................................................28 2.2.1 Da tortura-castigo.........................................................................................................34 3 DISTINÇÕES/ COMPARAÇÃO DOS DELITOS DE MAUS-TRATOS E DE TORTURA: ANÁLISE JURISPRUDENCIAL.......................................................................................38 3.1 Comparação entre os ilícitos........................................................................................38 3.2 Análise Jurisprudencial.................................................................................................42   

CONCLUSÃO....................................................................................................46 REFERÊNCIAS................................................................................................49

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INTRODUÇÃO

Essa monografia tem como objeto principal a apresentação das diferenças e

semelhanças entre o crime de maus-tratos e o crime de tortura-castigo contra crianças e

adolescentes no próprio ambiente familiar. A grande dificuldade é a pouca aplicabilidade da

lei nº. 9.455/97 em seu artigo 1º, inciso II e a conseqüente perda de valor desse importante

marco para a sociedade brasileira que, em primeiro lugar, busca defender a dignidade da

pessoa humana.

Devido a norma penal ser do tipo aberta o complemento, que tem a função

de garantir a eficácia, tem que ser efetuado pelo juiz que aprecia de maneira valorativa e

procura verificar se a agressão foi praticada com a real intenção de causar sofrimento físico ou

mental, por mero prazer dos pais, ou se a agressão foi praticada com a finalidade de aplicar o

direito de correção (educar, ensinar, tratar e custodiar).

A problemática que leva a elaboração da presente pesquisa monográfica

consiste na necessidade de apresentar os fundamentos doutrinários e jurisprudenciais que

demonstram a vulnerabilidade da aplicação da lei ou do crime do Código Penal, pois a tarefa

cabe ao julgador da lei penal que tem o dever de desvendar qual o dolo do agente no momento

do cometimento do crime. A pesquisa tem a finalidade de apontar a questão da intensa

arbitrariedade no julgamento.

O tema “A distinção entre o delito de maus-tratos e o de tortura-castigo no

seio familiar” tem como enfoque fazer especificações de cada delito e depois uma

confrontação entre os dois na intenção de tornar mais claro o entendimento a respeito das

distinções existentes.

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O trabalho está dividido em três capítulos com a intenção de proporcionar

uma melhor compreensão acerca do tema escolhido.

O primeiro capítulo estuda os direitos das crianças e dos adolescentes em

contraposição com o poder de correção dos pais, isto é, o poder familiar. Apresenta os tipos

mais comuns da violência chamada de doméstica pelo fato de ser cometida por quem tem

poder de autoridade sobre a vítima. E as diversas formas de manifestações juntamente com as

conseqüências causadas por esses atos violentos.

De tal sorte, o segundo capítulo cuidará de esclarecer como surgiu a

tipificação do crime de maus-tratos no Brasil, no que ele consiste, quais são seus sujeitos, seu

núcleo do tipo, as formas de consumação, entre outros fatores necessários para o devido

esclarecimento a respeito das circunstâncias do tipo.

O segundo capítulo trata, também, da primeira menção do delito de tortura

no país através da Declaração Universal dos Direitos do Homem e a conseqüente previsão na

Constituição Federal do Brasil de 1988, depois houve a criação da lei própria que passou a

penalizar tais condutas mais severamente, transformando a tortura em um crime autônomo.

Busca demonstrar o dolo específico do autor da infração e a caracterização do sofrimento

físico ou mental no sujeito passivo.

Por fim, o terceiro capítulo apresenta uma confrontação dos dois delitos que

foram analisados esclarecendo as diferenças para a consumação de cada crime e a precária

aplicação da lei nº. 9.455/97 nos casos concretos. Está baseado na pesquisa da atual

jurisprudência que relata a dificuldade de enquadramento das condutas agressivas pelo

problema durante a formulação dos elementos probatórios, para logo em seguida, condenar o

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agente por crime de maus-tratos ou por crime de tortura. É neste capítulo que o objeto dessa

monografia se esgota profundamente.

Os julgados dos tribunais servem para confirmar o entendimento dos

doutrinadores de que este tema merece uma atenção especial das autoridades, pois a violência

analisada é contra crianças e adolescentes que são seres mais vulneráveis e que precisam de

um tratamento peculiar.

Pais que aplicam castigos de maneira imoderada em seus filhos não podem

mais ter suas condutas inseridas no artigo 136 do Código Penal, pois essas condutas são

extremamente violentas e provocam graves conseqüências.

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1 DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E O PODER FAMILIAR DOS PAIS

O presente capítulo tem como objetivo principal abordar os direitos

referentes à infância e à adolescência no contexto jurídico brasileiro em contraposição com a

violência no seio familiar. O alvo é analisar o direito dos pais em educar e corrigir seus filhos

e as possíveis conseqüências com o abuso desse poder.

1.1 O Direito da criança e do adolescente no Ordenamento Jurídico Brasileiro

Existem diversos diplomas legais que tratam a respeito dos direitos das

crianças e dos adolescentes na legislação interna, porém foi com base nas regulamentações

internacionais que essa proteção conseguiu uma maior efetivação. Estes direitos estão

expressos, principalmente, na Carta Magna de 1988 e no Estatuto da Criança e do

Adolescente (lei nº. 8.069 de 1990).

A Constituição Federal da República sofreu influência da Declaração dos

Direitos Humanos e da Declaração dos Direitos da Criança e por isso abraçou uma total

proteção a esses incapazes que também são seres humanos e por isso merecem respeito, o

constituinte, assim, consubstanciou o Direito da Infância e da Juventude. O foco do Estatuto é

a prevenção e repressão à violência contra as crianças e os adolescentes em ambientes intra ou

extrafamiliares.

Explica Valéria Nepomuceno:

A Doutrina de Proteção Integral surgiu com base em postulados da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, promulgada pela Organização das Nações Unidas. Essa Doutrina foi incorporada à Constituição Federal de 1988 e posteriormente, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. A Doutrina da Proteção Integral apresenta três pontos principais.

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Em primeiro lugar, as crianças são vistas como cidadãos e cidadãs completos, com os mesmos direitos que os adultos e ainda, alguns outros, referentes às peculiaridades dessa fase do desenvolvimento. Em segundo lugar, a atenção às necessidades da criança deve ser dada de uma forma integral, levando-se em conta aspectos físicos, mentais, culturais, espirituais etc. Em terceiro lugar, é colocado, que a proteção das crianças e adolescentes, bem como a garantia dos seus direitos, não é responsabilidade apenas da família, mas também do Estado e da sociedade como um todo.1

A existência de uma maior preocupação com as crianças e os adolescentes é

recente, outrora esse momento delicado na vida de qualquer ser humano não era respeitado. E

esse processo de reconhecimento tem grande contribuição da Medicina e das Ciências

Humanas, já que foi através delas que se percebeu que para formar um adulto saudável no

futuro é necessário cuidar das relações afetivas do presente.2

A proteção da criança e do adolescente é responsabilidade da família, do

Estado e da sociedade, por isso independentemente do crime ser de maus-tratos ou de tortura

é importante ressalvar que ao se consumarem importam em uma violação aos direitos sociais

e conseqüentemente aos direitos fundamentais dos jovens que são seres com uma maior

vulnerabilidade, pois ainda não concluíram sua fase de desenvolvimento (físico, emocional e

psíquico). Por essas razões é que a Constituição Federal de 1988 oferece uma proteção

especial a eles com o intuito de tentar diminuir as desigualdades existentes.3

A base da doutrina da proteção integral está consubstanciada no artigo 227

da Constituição Federal de 1988, in verbis:

Art. 227, CF. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,

                                                            1 NEPOMUCENO, Valéria. O mau-trato infantil e o estatuto da criança e do adolescente: os caminhos da

prevenção, da proteção e da responsabilização. Recife/PE: EDUPE, 2002, p.144-145. 2 FERREIRA, Kátia Maria Maia. Violência doméstica/intrafamiliar contra crianças e adolescentes - nossa

realidade. Recife/PE: EDUPE, 2002, p.25. 3 MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos

humanos. Barueri, São Paulo: Manole, 2003, p.50.

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além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.4

De acordo com Martha de Toledo Machado é necessário enfatizar que as

crianças e os adolescentes “[...] merecem igualdade jurídica, merecem receber da sociedade

um único e igualitário regime de direitos fundamentais, livre de tratamento discriminatório ou

opressivo”.5

Paulo Lúcio Nogueira ensina que dentre os direitos fundamentais no

Estatuto e os constitucionais garantidos à criança e ao adolescente estão o direito à vida, à

saúde e o principal que é o respeito à dignidade da pessoa humana, os quais devem ser

exercidos e direcionados a um sadio desenvolvimento dos infanto-juvenis.6

Todos os indivíduos são detentores do amparo do princípio da dignidade da

pessoa humana, inclusive os jovens, pois também estão incluídos no conceito de ser humano.7

Nesse ponto ensina Alexandre de Moraes:

A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.8

                                                            4 BRASIL, Constituição (1988). CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.> Acesso em: 01 de março de 2011.

5 MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos humanos. Barueri, São Paulo: Manole, 2003, p.49-50.

6 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. São Paulo: Saraiva, 1991. 7 CORDEIRO, Adriane Noble. A DISTINÇÃO ENTRE TORTURA E MAUS-TRATOS CONTRA

CRIANÇAS E ADOLESCENTES DENTRO DO AMBIENTE FAMILIAR. Monografia do curso de bacharelado em Direito do Centro Universitário de Brasília (UNICEUB). Ano 2007. Brasília-DF.

8 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.16.

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Cabe destacar, que o artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente,

impõe que “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a

salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.9

Portanto, as crianças e adolescentes têm que ser protegidos da violência,

principalmente dentro do ambiente familiar, para que tenham os seus direitos fundamentais

consagrados. A vulnerabilidade é o fator distintivo das crianças e dos jovens e é ele que gera

uma proteção especial pelo ordenamento jurídico brasileiro.

A proteção diferencial dada aos seres humanos que ainda estão em

desenvolvimento rompe aparentemente o princípio da igualdade, porém na prática ocorre o

contrário, pois a desigualdade encontrada na lei serve para equilibrar a relação.

Os direitos sociais de crianças e adolescentes devem ser garantidos

efetivamente, pois se isto não ocorrer conseqüentemente não terá a máxima proteção dos

direitos fundamentais. Para que haja um verdadeiro respeito aos direitos sociais é necessária a

atuação de políticas públicas, pois somente assim a proteção integral da infância e da

juventude será alcançada.

A garantia do princípio da dignidade da pessoa humana tem duplo

entendimento, pois de acordo com o posicionamento de Alexandre de Moraes:

Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes.10

                                                            9 BRASIL, LEI Nº. 8.069/90. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm.> Acesso em: 01 de março de 2011. 10 MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p.60.

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Antônio Chaves declara que os direitos positivos devem contribuir e

preservar os direitos do menor, porém sem deixar de atender o que dispõe a Lei Maior no que

diz respeito à família que é seu direito natural e fundamental.11

1.2 Poder familiar e direito à correção dos pais

É na família que a criança e o adolescente encontram suporte para torná-los

aptos a viver em sociedade, e é por isso que quando a entidade familiar se desestrutura ela

perde sua maior função que é a de garantir o pleno desenvolvimento de seus protegidos.

Antigamente o pai dispunha de absoluto poder disciplinar em relação ao

filho, mas com a evolução da civilização exigiu-se de tal poder uma moderação sendo imposta

uma sanção para quem desobedecesse e atuasse com excesso.12 Não existia a tipificação do

crime de maus-tratos, pois de acordo com Luiz Regis Prado é importante destacar que “[...]

nas relações domésticas imperava, sem qualquer restrição, o princípio da subordinação e

disciplina ao chefe de família.” 13 Não existia proporcionalidade entre a falta praticada pelo

filho e o castigo imposto por seu pai.14

O soberano da casa era o pai e por isso ele detinha autoridade sobre toda a

família, ou seja, todos os outros componentes desse grupo familiar tinham dever de

obediência a ele, essa relação era denominada de pater familias. Conforme esclarece Luiz

Regis Prado ao pater familias incumbia o poder punitivo sobre seus filhos e essa punição era

totalmente arbitrária.15

                                                            11 CHAVES. Antônio. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. 2.ed. São Paulo: LTr, 1997,

p.108. 12 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume 2: parte especial: arts. 121 a 249 / Luiz

Regis Prado – 7. ed.– São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.153. 13 Idem, p.191. 14 Ibidem, p.192. 15 Ibidem.

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Foi com a contribuição do Cristianismo que o castigo de pai para filho teve

sua limitação fixada. Esses castigos sem moderação apenas foram previstos como delituosos

no Código de Menores de 1927, todavia foi somente com o Código Penal de 1940 que essas

condutas passaram a ser punidas de forma mais rigorosa.

Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 a expressão

utilizada para se referir sobre a autoridade de um pai sobre um filho era pátrio poder

(empregada no Código Civil de 1916). Hoje a expressão correta é poder familiar que pode ser

caracterizado por um complexo de deveres visando o interesse da família, cada integrante da

comunidade familiar é respeitado na sua individualidade, isto é, seus direitos devem ser

protegidos sempre.

Maria Azinalda Neves Baptista avalia a entidade familiar:

A família é uma unidade social ou sistema formado por um grupo de pessoas não só com redes de parentesco, mas fundamentalmente com laços de afinidade, afeto e solidariedade, que vivem juntos e trabalham para satisfazerem suas necessidades comuns e solucionarem seus problemas.16

Essa mesma autora também explica que: “A importância da família, para

cada um dos seus membros, está não só nas funções que ela desempenha na sociedade, mas na

intermediação entre o indivíduo e a sociedade.” 17

Para Aníbal Bruno os costumes em relação aos métodos educativos estão

sendo abrandados fazendo com que os antigos meios brutais de corrigir os filhos diminuam,

sendo assim, qualquer excesso que venha atingir a integridade corporal ou a saúde física ou

mental da vítima, o responsável deve ser punido.18 A cultura é um meio influenciador das

                                                            16 BAPTISTA, Maria Azinalda Neves. Violência doméstica: as contribuições da terapia familiar como uma

possibilidade de tratamento. Recife/PE: EDUPE, 2002, p.183. 17 Idem, p.183. 18 BRUNO, Aníbal. Direito penal - parte geral. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 3.ed, 1978.

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relações dispostas na intimidade do lar, pois é ela que estabelece as formas de agir dos

integrantes da família e conseqüentemente a distribuição do poder.19

O dever primário dos pais e responsáveis é garantir o cumprimento dos

direitos da criança e do adolescente, ou seja, a família é a primeira responsável pelo

cumprimento das disposições constitucionais, mas vale dizer que na falha do mecanismo

familiar esse dever é transferido para o Estado que se torna competente para impedir a

violação de tais direitos que são considerados fundamentais20. A violência doméstica é uma

prática caracterizada por agressões físicas, sexuais, psicológicas ou pela omissão ou

negligência em relação à observância de direitos considerados como principais.

Não existe total autonomia dos pais dentro do ambiente familiar, pois o

Estado assumiu o papel de controlar essa relação. O Estado cumpre sua função social ao atuar

com vigilância sobre o instituto da família, pois sua maior intenção é tornar os pais cada vez

mais responsáveis e garantir um maior amparo para as crianças e adolescentes.

A sujeição dos filhos, enquanto menores, ao poder familiar é uma forma de

garantia da educação e da criação. Porém, quando os pais abusam de suas autoridades, com o

intuito de castigar determinada atitude ou até mesmo de prevenir que ela ocorra, e aplicam

meios de correção que expõem a perigo a vida ou a saúde de seu filho eles estão extrapolando

o poder disciplinar e coercitivo.

O dever de educar dos pais é elementar para seus filhos e ao lado desse

dever vem o direito de correção, entretanto esse poder-dever é limitado pelas normas legais

que possuem a finalidade de punir os exageros que são sempre desnecessários. A educação,

                                                            19 FERREIRA, Kátia Maria Maia. Violência doméstica/intrafamiliar contra crianças e adolescentes - nossa

realidade. Recife/PE: EDUPE, 2002, p.18. 20 MACHADO, Nilton João de Macedo. Da tortura: aspectos conceituais e normativos.

<http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/view/407/588.> Acesso em: 04 de abril de 2011.

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para Denise Damo Comel, “[...] é a influência que os pais exercem sobre o filho com o

objetivo de dar forma à personalidade dele, entendida aqui em sentido amplo, preparando-o

para a vida em sociedade.” 21

Os castigos são admitidos, mas devem ser aplicados de maneira moderada,

razoável ao que está sendo castigado, devem ser motivados, ou seja, de acordo com o

merecimento do filho e sempre com caráter educativo, visando uma evolução da criança e do

adolescente como ser humano. O direito de correção tem origem nos costumes, isto é, não

está previsto em normas penais. O dever de corrigir é uma função dos pais que está integrada

na educação e por isso não tem previsão legal, mas não deixa de ser relevante.22

E a prática desses atos punitivos descomunais engloba dois diferentes

crimes, quais sejam: maus-tratos (previsto no artigo 136 do Código Penal Brasileiro) e

tortura-castigo (previsto no inciso II do artigo 1º da lei nº. 9.455/97). Cabe ao aplicador da lei

penal definir qual crime foi consumado no caso concreto. A tipificação desses delitos serve

como entrave para o exercício regular de direito dos pais.

1.3 Da violência doméstica contra crianças e adolescentes

A violência doméstica é uma prática corriqueira na realidade desse país,

principalmente quando se refere a crianças e adolescentes, pois estes são mais frágeis e com

uma maior vulnerabilidade o que impossibilita a defesa contra seus agressores. A hipótese que

considerava o ambiente familiar como seguro mostra-se cada vez mais falha nos dias atuais,

pois muitos crimes são cometidos com o proveito da cumplicidade inerente entre seus

membros, ou seja, das ligações afetivas. Essa violência é caracterizada pela violação de

                                                            21 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p.102. 22 Idem, p.105.  

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direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, estes direitos são garantidos pela

Constituição Federal de 1988 em seu artigo 227.

Conceitua a autora Maria Amélia Azevedo sobre violência intrafamiliar:

A violência doméstica contra crianças e adolescentes representa todo ato de omissão, praticados por pais, parentes ou responsáveis, contra crianças e/ou adolescentes que – sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima – implica, de um lado uma transgressão do poder/ dever de proteção do adulto e, de outro, uma coisificação da infância, isto é, uma negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.23

Com relação à infância e à adolescência, a violência estrutural atinge

particularmente aqueles indivíduos em situação de risco pessoal e social, ou seja, os

vitimados, na diferenciação feita por Maria Amélia Azevedo24, que sofrem cotidianamente a

violência das ruas, da falta de uma educação de qualidade, das precárias condições de moradia

e de saúde.

Mônica Santos Barison adverte sobre os abusos “O termo violência não

pode ser considerado como um termo global, porque ela pode caracterizar determinados

fenômenos num dado momento histórico. A violência só pode ser entendida pela formação

ideológica da sociedade em conexão com uma análise de sua conjuntura social.” 25

A agressão pode se configurar de diversas formas como física, sexual,

psicológica, e não existe hierarquia de gravidade dessas ações, ou seja, uma maneira não é

mais punida do que a outra. O que realmente será relevante é o resultado. A identificação da

violência doméstica pode ser caracterizada pela mudança de comportamento das crianças e

dos adolescentes, ou seja, observada condutas agressivas ou apáticas, hiperativas ou                                                             23 AZEVEDO, Maria Amélia e GUERRA (org). Crianças vitimizadas: a síndrome do pequeno poder. 2. ed.

São Paulo: Iglu, 2000, p.32-33. 24 Idem, p.34-35. 25 BARISON, Mônica Santos. Famílias envolvidas em situação de maus-tratos contra a criança e o

adolescente. Caderno do CBIA, Rio de Janeiro, v.1, n.4, 1992, p.39.

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depressivas, ao temor pelos seus próprios familiares, pelas justificativas sem fundamentos

com relação às lesões sofridas, e pelas dificuldades no aprendizado. As lesões físicas podem

ser exemplificadas por feridas, queimaduras, hematomas e geralmente essas crianças já

possuem histórico no hospital.26

A ação do médico é de extrema importância para que se comprove o abuso

contra a criança que foi examinada com sinais de espancamento, isto é, o diagnóstico do

profissional de saúde é o grande diferencial. Com o resultado comprometedor cabe aos

médicos a comunicação com outros profissionais, como os assistentes sociais e os membros

dos Conselhos Tutelares. Uma determinada especialidade da medicina cumpre um papel

relevante em relação à superação dessas vítimas, que é a Psicologia. Pois é com os psicólogos

que a criança tem a oportunidade de ter um desenvolvimento saudável e sem traumas ou pelo

menos tratando estes. 27

As famílias que são constantemente flagradas em situações de violência

estão ligadas a problemas com álcool/drogas, pois o efeito dessas substâncias no organismo

aumenta a possibilidade dos pais cometerem atos violentos e condutas socialmente

reprováveis. As dificuldades financeiras também representam um fator diferenciador para

essas atitudes, também podem ocorrer casos de pais com excesso de preocupação em aplicar

uma disciplina severa para que seus filhos não caiam nas perdições do mundo, todavia com

um claro exagero em relação a essa maneira de educar.

As práticas violentas no ambiente intrafamiliar têm uma dificuldade maior

de serem provadas e conseqüentemente de serem penalizadas, pois na maioria das vezes a

criança com idade escolar, e por isso com capacidade de narrar o que realmente aconteceu,

                                                            26 DESLANDES, Suely Ferreira. Prevenir a violência: Um desafio para os profissionais de saúde. Rio de

Janeiro: FIOCRUZ/ENESP/CLAVES, 1994, p.20. 27 Idem.

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fica com medo de contar a verdade para outras pessoas com receio de sofrer novas agressões

ou até mesmo de prejudicar seus parentes, pois um menor reconhece que deve respeito a seus

pais e por isso existe a possibilidade da criança se sentir, de certo modo, merecedora da

agressão.

Costuma-se dizer que na relação familiar impera o silêncio e é isso que

torna difícil as constatações a respeito do delito cometido.28 Deste modo é possível verificar

que o diagnóstico do profissional da saúde em relação às lesões físicas sofridas pela criança

ou adolescente não é difícil, porém a comprovação de que essas lesões são provenientes do

crime de maus-tratos é extremamente complicada. A violência doméstica vem acompanhada

do segredo e da negação e é isto que provoca a enorme distância entre este ato cometido e o

sistema de saúde e de justiça. Esse distanciamento é o grande causador dos impedimentos e

dificuldades relativas à atuação do Estado. Esse silêncio somente é rompido quando as

agressões já atingiram os limites da desumanidade.

1.4 Manifestações da Violência Doméstica/Intrafamiliar

Atualmente existem diversas formas de manifestações de violência, e foram

divididas em: abuso físico/violência física, abuso sexual/violência sexual, abuso

psicológico/violência psicológica, negligências e trabalho infantil.

A violência física se caracteriza por atos de agressão, ou seja, podem ir de

uma palmada até o espancamento do menor. O autor da agressão pode ser os pais ou

responsáveis. As conseqüências são fraturas, hematomas, queimaduras, esganaduras,

hemorragias internas e em casos mais graves até a morte. Os abusos físicos são repetitivos e

                                                            28 MACHADO, Nilton João de Macedo. Da tortura: aspectos conceituais e normativos.

<http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/view/407/588.> Acesso em: 04 de abril de 2011.

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tendem a ter maior severidade a cada nova investida. É a forma de violência menos aceita,

isto é, mais repudiada pelo meio social, pois suas conseqüências são mais explícitas.29

A violência sexual é embasada na confiança ou cumplicidade existente entre

o agente e a criança/adolescente. Além disso, vem acompanhada da sedução ou de atitudes

ameaçadoras para conseguir atingir seu desejo. Não precisa ocorrer a conjunção carnal para

que se configure essa agressão e nem que a criança tenha consciência que está sendo

violentada, basta atos libidinosos, como carícias ou toques íntimos. A vítima fica exposta a

doenças sexualmente transmissíveis e até mesmo a uma gravidez indesejada. Diferentemente

da violência física, a sexual muitas vezes não proporciona marcas no corpo de suas vítimas,

mas nem por isso deixam de ser mais graves já que podem ocasionar problemas emocionais

incuráveis. A denúncia nesse caso é ainda mais difícil já que existe um receio em relação a

humilhação e ao constrangimento.30

A próxima violência a ser analisada costuma passar despercebido, pois

utiliza práticas que possuem características invisíveis, isto é, afeta apenas o psicológico e o

emocional da criança. O sofrimento é mental e pode ser assinalado por humilhações e

ridicularizações que provocam sentimentos de culpa, mágoa e insegurança quanto a sua

identificação, faz com que as crianças acreditem serem inferiores as demais pessoas, ou seja,

essas atitudes atingem diretamente sua auto-estima. Muitas crianças, após serem agredidas

mentalmente, passam a ter comportamento anti-social, ficam isoladas.31

As negligências são conhecidas como violências por omissão, ocorrem

quando os pais ou responsáveis deixam de oferecer assistência aos seus filhos. Às vezes isso

pode acontecer por falta de condições, quando a família está inserida em uma camada mais                                                             29 FERREIRA, Kátia Maria Maia. Violência doméstica/intrafamiliar contra crianças e adolescentes - nossa

realidade. Recife/PE: EDUPE, 2002, p.34. 30 Idem, p.35. 31 Ibidem, p.35.

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popular do meio social. Mas, na maioria dos casos essa ausência de cuidado sobrevém como

meio de castigo e de educação. A seqüela deixada por essas negligências está na má formação

do desenvolvimento físico, moral, psicológico, afetivo e educacional.32

O trabalho infantil está relacionado diretamente com entidades familiares

que têm baixa qualidade de vida e por isso os responsáveis aproveitam-se dessa justificativa

para explorarem suas crianças e adolescentes. Eles são obrigados a trabalhar e quando não

conseguem ter um ganho razoável para o sustento da família sofrem ainda mais com o abuso

de poder.33

De acordo com a Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul: “O termo

violência doméstica é mais amplo, abrange os empregados, agregados e visitantes

esporádicos”.34 Já o termo violência intrafamiliar envolve apenas os parentes/familiares das

vítimas (crianças e adolescentes).

Em qualquer dessas hipóteses apresentadas a violência produz graves e

profundas marcas em que a recebe, principalmente em indivíduos que estão em etapa de

desenvolvimento. A violência nunca será aceita como comportamento padrão de uma

sociedade, pois é uma prática prejudicial que agride e destrói os laços de carinho entre pais e

filhos.35

                                                            32 FERREIRA, Kátia Maria Maia. Violência doméstica/intrafamiliar contra crianças e adolescentes - nossa

realidade. Recife/PE: EDUPE, 2002, p.35-36. 33 Idem, p.36. 34 SUL, Revista de Psiquiatria do Rio Grande do. Violência doméstica e suas diferentes manifestações. Abril

de 2003. P.9-21. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-81082003000400003&script=sci_arttext>. Acesso em: 26 de maio de 2011.

35LIBERATI, Wilson Donizeti. Violência contra crianças e adolescentes. Disponível em: <http://www.abmp.org.br/textos/76.htm>. Acesso em 26 de maio de 2011.

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Todas essas formas de brutalidade são repudiadas pelo ordenamento jurídico

brasileiro, mas, infelizmente, isso não impede que essas práticas continuem acontecendo no

cotidiano do país.

1.5 Conseqüências dos atos violentos

Os atos violentos sofridos pelos incapazes geram inúmeras conseqüências

que, na maior parte das vezes, necessitam de um árduo acompanhamento com psicólogos e

que mesmo após essa tentativa esforçada podem perdurar ao longo de suas vidas.

De acordo com Inalva Regina da Silva:

Uma vida marcada pela violência, com total carência de apoio afetivo, espiritual e mesmo material de um ambiente familiar, propício ao seu desenvolvimento, somada, na maioria das vezes, à falta de habitação em condições dignas e da alimentação indispensável ao seu crescimento sadio, além da absoluta falta de perspectiva de um futuro decente, contribuem para um provável direcionamento ao mundo do crime.36

A violência sofrida no passado, durante a infância e adolescência, faz com

que esse adulto se transforme de vítima em vitimizador, ou seja, tudo o que ele foi obrigado a

conviver muda seu interior e o faz assumir o papel principal: o de agressor.37

A solução desse grande problema é bastante complicada, pois ao mesmo

tempo em que a criança quer fazer cessar as agressões ela não quer se afastar de seus pais. As

duas situações provocam um intenso sofrimento para essas vítimas, é como se fosse uma

dupla penalização, além de sofrerem com a violência ainda serão separadas de sua casa e

encaminhas para um centro de proteção ou para um abrigo. Porém, é válido ressalvar que esse

afastamento somente ocorrerá em último caso.

                                                            36 SILVA, Inalva Regina da. Feridas que não cicatrizam. Recife/PE: EDUPE, 2002, p.92. 37 Idem, p.91.

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Essa violação dos direitos essenciais às crianças e adolescentes pode ser

evitada basicamente em três etapas: primeiramente com a prevenção, em segundo plano com

a proteção e depois com a responsabilização.38

Disse Valéria Nepomuceno: “Os maus-tratos contra meninos e meninas, que

ocorrem no interior das famílias, só irão realmente diminuir quando as ações de prevenção,

proteção e responsabilização forem realmente eficazes. Dentre elas, a prevenção parece ser a

mais importante, através da informação.” 39

As feridas que são abertas pela violência principalmente em uma fase de

desenvolvimento, momento de aprendizagem e evolução, geralmente não cicatrizam. Conclui-

se a partir dessas verificações que a violência é uma prática que deve ser contida na sua forma

primária/inicial, esse mal deve ser eliminado ou pelo menos evitado antes mesmo que comece

a produzir efeitos.

                                                            38 NEPOMUCENO, Valéria. O mau-trato infantil e o estatuto da criança e do adolescente: os caminhos da

prevenção, da proteção e da responsabilização. Recife/PE: EDUPE, 2002, p.171. 39 Idem, p.171. 

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2 O CRIME DE MAUS-TRATOS E O CRIME DE TORTURA

Este capítulo tem como proposta analisar as conseqüências provocadas pelas

agressões em crianças e adolescentes, ou seja, a responsabilização dos agressores através das

condutas tipificadas em lei como o delito de maus-tratos e o delito de tortura de uma forma

geral e depois mais especificamente do crime denominado de tortura-castigo.

2.1 Abordagem histórica do crime de maus-tratos

A partir da abordagem histórica dos maus-tratos é possível uma melhor

compreensão dessa prática na atualidade. Aristóteles, por exemplo, advogava que o filho,

assim como o escravo, é de propriedade exclusiva de seus pais e por isso nenhuma atitude

desses pode ser considerada injusta.

Os maus-tratos sempre existiram, mas isso não serve de argumento para

tolerarmos mais um só, que seja. As formas mais comuns de violência contra as crianças na

antiguidade eram através de abusos físicos, sexuais, abandonos ou até mesmo venda direta

dessas crianças.

Felizmente foi juntamente com a história dos maus-tratos que começaram a

surgir vozes que se ergueram no sentido de defesa e proteção das crianças.40

De acordo com a lição de Paulo Canova: “a partir do séc. XV, a criança

começa a ocupar um papel de maior destaque na família e suas necessidades são consideradas

como prioridade.” 41

                                                            40 VARELA, Nazaré. “Maus tratos e protecção social de menores: Operacionalização e eficácia das

medidas de proteção”. Disponível em: <http://bdigital.unipiaget.cv:8080/jspui/bitstream/123456789/117/1/maus%20Tratos%20e%20Protecao%20social%20de%20menores.pdf>. Acesso em: 06 de junho de 2011.

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Os códigos do século XIX, na sua maioria, não cuidavam da limitação de

castigos imoderados e só puniam quando estes resultassem em lesão corporal ou morte.42O

Código de 1830 declarava justificável o castigo aplicado de pais para filhos com base no

princípio da subordinação e disciplina das relações domésticas. O Código de 1890 não

incriminou especificamente o delito de maus-tratos, porém extinguiu todas as justificativas

para os castigos. Todavia, foi com o Código de Menores que a ilicitude penal desses fatos foi

evidenciada, com uma punição a quem causasse perigo à vida ou à saúde do sujeito passivo.43

Explica Maria Regina Fay de Azambuja que:

Até o advento da Constituição Federal de 1988, a criança não era considerada sujeito de direitos, pessoa em peculiar fase de desenvolvimento e tampouco prioridade absoluta. A partir de 1988, passamos a contar com uma legislação moderna, em consonância com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, inaugurando uma nova época na defesa dos direitos daqueles que ainda não atingiram os dezoito anos de idade.44

Explica Mário Cordeiro: “Os maus-tratos atingem, assim, de forma quase

sempre indelével, o bem-estar físico e o psicológico, mas também as relações interpessoais, a

vivência da sexualidade, a responsabilidade, a confiança e a gestão do poder.” 45

Quando existe uma situação de mau-trato observa-se sempre uma quebra ou,

pelo menos, uma perturbação marcada dos laços de afeto, com humilhação, violência,

exercício de formas perversas de poder, ausência de empatia, falta de sensibilidade ao

sofrimento e, também, um comportamento pautado por fingimento, mentira e obsessão.

                                                                                                                                                                                          41CANOVA, Paulo. Maus-tratos a crianças e adolescentes.

<http://www.multiculturas.com/textos/preven_interv_maus_tratos_paulcanova.pdf>. Acesso em 25 de maio de 2011, p.11.

42 HUNGRIA, Nelson. Comentários Jurídicos, vol. V, 3. ed., Editora Forense, 1955, p. 435. 43 Idem, p.436. 44 AZAMBUJA, Maria Regina Fay de. Violência sexual intrafamiliar: é possível proteger a criança? Revista

Virtual Textos & Contextos, nº 5, nov. 2006. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/viewFile/1022/802>. Acesso em: 15 de junho de 2011.

45 CORDEIRO, Mário. Maus tratos a crianças e adolescentes. Chegou o momento de dizer basta! Revista Port Clin Geral – p.151-160, 2003, p.152.

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2.1.1 Apreciação do delito de maus-tratos na legislação atual

Para que um comportamento de um adulto em relação a uma criança seja

considerado prejudicial é necessário que a sociedade o defina dessa maneira, ou seja, ele tem

que desobedecer às normas sociais e culturais. No entanto, convém ressaltar que violência não

é sinônimo de crime, pois o crime é considerado como tal pelo ordenamento jurídico e os atos

violentos são socialmente difusos e mutáveis, dependem dos valores de cada sociedade.

Definição do Vocábulo Jurídico para a expressão maus-tratos:

Maus-tratos são os tratos que se afastam do humano e do justo, resultando em imposição descabidas ou em castigos imoderados dados às pessoas sob dependência de quem delas deverá cuidar, dando-lhes a assistência e as mantendo como é de seu dever.46

No Brasil atualmente o crime de maus-tratos é definido/tipificado no artigo

136 do Código Penal, in verbis:

Art. 136, caput, CP. Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina.47

O bem jurídico tutelado é a vida e a incolumidade pessoal. O núcleo do tipo

é expor, que significa criar uma situação de perigo à saúde ou à vida da pessoa subordinada e

por isso o dolo é de perigo. É um delito próprio, pois exige uma qualidade especial do agente,

somente aquele que tenha a vítima sobre sua guarda, vigilância ou autoridade pode ser sujeito

ativo, ou seja, exige-se como pressuposto uma relação jurídica preexistente entre os sujeitos

ativos e passivos. Exemplos de sujeitos ativos: pais, tutores, curadores, professores, diretores

de estabelecimento de ensino, enfermeiros, etc. Já o sujeito passivo é quem estiver sob a

guarda, vigilância ou autoridade do sujeito ativo, porém é importante fixar que o fim deve ser                                                             46 SILVA, De Plácido e, Vocabulário Jurídico, 14. ed., Ed. Forense, 1997. 47 BRASIL, DECRETO-LEI N.º 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. CÓDIGO PENAL. Disponível

em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/del2848.htm>. Acesso em: 09 de março de 2011. 

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de educação, ensino, tratamento ou custódia. Exemplos de sujeitos passivos: filhos, pupilos,

curatelados, aprendizes, etc. 48 Como a mulher não está mais sujeita a autoridade marital, “[...]

não podem configurar como sujeitos passivos do delito em tela a esposa ou o filho maior de

dezoito anos [...]”.49

Desse modo entende João José Caldeira Bastos:

Maiores de 18 anos seriam vítimas em outro contexto: por exemplo, como internos de instituições hospitalares ou de asilos para idosos, e também como presos ou encarcerados. Quanto a isso, parece haver unanimidade na doutrina. Desta feita, subentende-se um maior grau de fragilidade física ou psicológica, em face das circunstâncias: tratamento e custódia. O vínculo de subordinação e dependência alcança o necessário grau de importância jurídica requerido pela norma.50

Com a leitura deste mesmo doutrinador é possível uma melhor compreensão

do tema:

Que não incide nas penas do artigo 136 do Código Penal, mesmo que ‘abuse’ dos meios de correção ou disciplina, o vizinho que, a pedido dos pais, que retornariam horas depois, toma conta de uma criança. Falta-lhe o direito de corrigir ou disciplinar. Tratando de estatísticas é possível evidenciar que são os genitores os que são mais chamados a prestar contas na Justiça, ou seja, os mais acusados de cometerem maus-tratos. A paternidade por si só confere, como estabelece a Constituição Federal e a Legislação Civil, o poder-dever de guarda, sustento, assistência, criação e educação.51

O crime poderá ser cometido de diversas formas como através da privação

da alimentação e dos cuidados considerados como indispensáveis para a sobrevivência,

através da sujeição a tratamento excessivo e inadequado para a criança ou adolescente ou até

mesmo dos abusos cometidos pelos responsáveis como meios de correção, estes são derivados

da impaciência e da grosseria. A privação de alimentos pode ser relativa ou absoluta, para a

                                                            48 BASTOS, João José Caldeira. Maus-tratos: interpretação do Código Penal e confronto com o delito de

tortura. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11397>. Acesso em 28 de março de 2011, p.3.

49 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume 2: parte especial: arts. 121 a 249 / Luiz Regis Prado – 7 ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.193.

50 BASTOS, idem, p.4. 51 Ibidem, p.3-4.

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configuração da infração penal é suficiente que ocorra a privação relativa, é uma modalidade

permanente. A privação absoluta pode constituir até meio de execução do crime de

homicídio.52

A diferenciação das relações jurídicas é feita pelo autor João José Caldeira

Bastos:

Fala-se em relação jurídica de cuidado quando alguém tem o encargo de zelar, nas circunstâncias, pela saúde e integridade física de outrem; de guarda, quando a obrigação é mais envolvente, diante da incapacidade natural ou relativa da outra parte; de vigilância, quando a obrigação se restringe a um compromisso ocasional de observação e proteção acautelatória; de autoridade, na hipótese de um poder-dever de mando e orientação, vinculado a normas de direito público ou direito privado.53

Caso haja um uso excessivo do jus corrigendi ou jus disciplinandi o dolo

será de dano e por isso o delito poderá ser caracterizado como lesões corporais (previsto no

artigo 129 do Código Penal Brasileiro) ou pode se transformar em crime de tortura. Conforme

estabelece Luiz Regis Prado “[...] não foi vontade de a lei excluir o exercício regular do

direito de correção. O que se permite, porém, é o exercício moderado do poder disciplinar

[...]”.54 Fica ao livre arbítrio do juiz decidir se em determinado caso concreto o castigo

corporal aplicado respeitou os limites considerados como lícitos ou não.

É um ilícito de ação múltipla ou de conteúdo variado, tem na formulação

típica as várias formas de sua realização. Diante disso, a prática de mais de uma não leva ao

concurso de crimes, mas o delito único. Assim, responde por um só crime o sujeito que,

abusando do meio de correção de pessoa sob sua guarda, para fim de educação, nega-lhe

cuidados indispensáveis.

                                                            52 MIRABETE, Júlio Fabrini, Manual de Direito Penal 2, 13. ed., Ed. Atlas, 1997. 53 BASTOS, João José Caldeira. Maus-tratos: interpretação do Código Penal e confronto com o delito de

tortura. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11397>. Acesso em 28 de março de 2011, p.2.

54 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume 2: parte especial: arts. 121 a 249 / Luiz Regis Prado – 7. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.195.

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Para que o delito de maus-tratos se configure é necessária a demonstração

da existência da exposição a perigo, ou seja, não existe a presunção de perigo, este deve ser

devidamente comprovado. A consumação ocorre, de acordo com Rogério Sanches Cunha,

“[...] no momento em que o agente cria o perigo real.” 55 A ação penal é pública

incondicionada, isto é, não depende de representação da vítima e nem de seu representante

legal.

Poderá ocorrer a exclusão da criminalidade pela existência do estado de

necessidade, o que levou a absolvição de uma mãe que não tinha ninguém para cuidar de seu

filho, enquanto trabalhava para garantir o sustento do lar, e encontrou uma solução para

manter seu filho em casa, acorrentando-o ao pé da cama. Por outro lado não foi reconhecida

nenhuma excludente para o caso de uma tia que amarrava os pés de sua sobrinha para que ela

não saísse de casa, isto é, para evitar a fuga da vítima.56

2.2 O crime de tortura

A história do Direito Penal demonstra que desde a origem dos tempos

existem e foram usadas várias formas de tortura para finalidades diversas, tendo quase sempre

os mesmos métodos.57 A Igreja, durante a Idade Média, tornou-se um poder opressor com

realização de tortura, dirigindo todas as relações jurídicas existentes nessa época. Com a

interferência canônica, surgiu a confusão entre crime e pecado e, assim, era impossível o

acusado escapar da tortura.58

Cecília Maria Bouças Coimbra leciona que:

                                                            55 CUNHA, Rogério Sanches. Direito Penal: parte especial / Rogério Sanches Cunha; coordenação Luiz Flávio

Gomes e Rogério Sanches Cunha. 2ª tiragem – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.72. 56 MIRABETE, Júlio Fabrini, Manual de Direito Penal 2, 13. ed., Ed. Atlas, 1997. 57 SILVA, Cleuton Barrachi. A Pouca Aplicação da Lei 9455/97 (Lei de Tortura). In: "A priori", Internet.

Disponível em <http://www.apriori.com.br/cgi/for/doutrina-juridica-f22/lei-da-tortura-cleuton-barrachi-silva-t223.html>. Acesso em 12 de agosto de 2011.

58 BEZERRA, Jarbas Antônio da Silva. Tortura: mecanismo arbitrário de negação da cidadania. Natal (RN): Lidador, 2001, p.24.

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Neste diapasão, pode-se dizer que, na maioria dos casos, a finalidade da tortura era a de adquirir a confissão de determinado crime imputado àquela pessoa. Todavia, nem sempre ocorria por este motivo, em outras vezes não se tinha esse caráter, já que se buscava através deste meio uma maneira de infligir maior sofrimento ao condenado.59

Acerca da prática da tortura é importante ressaltar que:

Antes da entrada em vigor da lei nº. 9.455/97, não havia que se falar em prática do crime de tortura no Brasil, pois de acordo com o princípio da legalidade, basilar no direito, "não há crime sem lei que o defina" (nullum crimen, nulla poena sine lege praevia). Diante deste princípio, tortura existia, mas não era considerada como um ilícito já que não estava tipificada no ordenamento jurídico. A prática de tortura era enquadrada em outras infrações penais como: lesão corporal, ameaça, constrangimento ilegal ou até maus-tratos.60

A criminalização da prática da tortura no âmbito global foi um importante

acontecimento histórico e o ponto de partida foi a Declaração Universal dos Direitos do

Homem em 1948, apesar de teoricamente não ter força vinculante. Pode-se entender a partir

disso que a tortura teve sua progressiva incorporação no Ordenamento Jurídico

Internacional.61

Como explica o doutrinador Antonio Augusto Cançado Trindade:

Confirmam este corpus iuris (Declaração Universal dos Direito Humanos) de salvaguarda da pessoa humana, no plano substantivo, normas, princípios e conceitos elaborados e definidos em tratados e convenções, e resoluções de organismos internacionais, consagrando direitos e garantias para a proteção do ser humano em todos e quaisquer circunstâncias, sobretudo em suas relações com o poder público.62

A proibição de atos torturantes também foi mencionada no Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1976, que foi ratificado pelo Brasil em 1992,

                                                            59 COIMBRA, Cecília Maria Bouças. Tortura no Brasil como Herança Cultural dos Períodos Autoritários.

Trabalho apresentado no Seminário Nacional sobre a Eficácia da Lei da Tortura. Brasília, 2000. 60 COSTANZE, Bueno Advogados. (Crime de Tortura). Bueno e Costanze Advogados, Guarulhos,

29.03.2008.Disponível em : <http:// buenoecostanze.adv.br/index.php?option=com_content&view=article&id=665:do-crime-de-tortura&catid=15&Itemid=543 >. Acesso em : 06 de junho de 2011.  

61 TEIXEIRA, Flávia Camello. Da Tortura. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.35-36. 62 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direitos Humanos. Volume I, Porto Alegre: Sérgio

Antonio Fabris, 2003, p.49.

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com cunho convencional e plenamente vinculante, que diz em seu artigo 7º, in verbis:

“ninguém será submetido a tortura, nem a penas ou tratamento cruéis, desumanos ou

degradantes. Será proibido, sobretudo, submeter uma pessoa sem seu livre consentimento, a

experiências médicas ou científicas".

Em 1975 foi elaborado o primeiro texto que tratava a tortura de uma

maneira mais específica que foi a Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra a

Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, porém era destituída de

força obrigacional, ou seja, era tida como uma norma que servia como orientação.63

Em um momento posterior a Assembléia-Geral da Organização das Nações

Unidas (ONU) adotou a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis,

Desumanos ou Degradantes (1984) e foi ratificada pelo Brasil no ano de 1989 e por mais

aproximadamente 123 países que se comprometeram a cumprir as determinações desse

documento. Diferentemente da Declaração a Convenção tem cunho obrigatório e classificou a

tortura como um dos delitos internacionais.64 O conceito de tortura presente no artigo

primeiro dessa Convenção diz, in verbis:

Art. 1.º - O termo “tortura” designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência.

O presente artigo não será interpretado de maneira a restringir qualquer

instrumento internacional ou legislação nacional que contenha ou possa conter dispositivos de

alcance mais amplo, conforme preceito de Direitos Humanos. E ainda deve-se estabelecer a                                                             63 TEIXEIRA, Flávia Camello. Da Tortura. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.37. 64 Idem, p.38.

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unidade do sistema de proteção de Direito Humanos independente da soberania nacional,

busca-se a sua aplicação em atenção a norma mais favorável à vítima.

Houve uma penetração do Direito Internacional na seara dos direitos

humanos, isto é, ocorreu uma mitigação da competência exclusiva dos Estados, tudo isso para

evitar uma violação dos direitos do homem.65

Flávia Piovesan instrui sobre a violação desse tratado:

De todo modo, considerando o processo de formação dos tratados e reiterando a concepção de que apresentam força jurídica obrigatória e vinculante, resta frisar que a violação de um tratado implica em violação de obrigações assumidas no âmbito internacional. O descumprimento de tais deveres implica, portanto, em responsabilização internacional do Estado violador.66

Outro ponto importante da Convenção contra a Tortura e Outros

Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes está previsto no artigo 4º, in verbis:

Artigo 4º - Cada Estado Parte assegurará que todos os atos de tortura sejam considerados crimes segundo a sua legislação penal. O mesmo aplicar-se-á à tentativa de tortura e a todo ato de qualquer pessoa que constitua cumplicidade ou participação na tortura.

Esse artigo ressalta que os Estados-membros ficarão encarregados de

tipificar a conduta da tortura como infração penal e de conseqüentemente aplicar a punição

cabível. Não poderá haver restrição sobre o que foi estipulado na norma internacional, mas

poderá e deverá existir uma ampliação em relação a abrangência desse delito, ou seja, na

Convenção exige-se uma particularidade do sujeito ativo, isto é, somente o agente público ou

outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu

consentimento ou aquiescência poderá cometer esse crime já na legislação brasileira o

                                                            65 TEIXEIRA, Flávia Camello. Da Tortura. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.39. 66 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Ed. Maxlimonad, 2002,

p.74.

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agressor privado também está compreendido, também pode ser sujeito ativo. Explica José

Ribeiro Borges:

Ou seja, para nós a tortura não é só a institucional, qual seja a praticada em nome do Estado ou a pretexo de servir aos seus interesses, mas também a perpetrada pelo particular e sob outros pretextos que não sejam os contemplados nos diplomas internacionais.67

Ensina Flávia Camello Teixeira, “O Estatuto de Roma, prova contumaz do

avanço do Direito Internacional na seara da tutela penal dos direitos humanos, afirma, em seu

artigo 7º, a tortura como crime contra a humanidade.” 68 Com isso o delito de tortura

posiciona-se em uma das categorias delitivas julgadas pelo Tribunal de Nüremberg.69

Conforme exposição feita no artigo Do crime de tortura - Bueno e Costanze

Advogados:

A Constituição de 1988, sensível aos postulados do Direito Internacional, erigiu como um dos princípios reitores nas suas relações internacionais, a prevalência dos direito humanos (art. 4º, II), enfocando, ainda, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Ao tratar dos direitos e garantias fundamentais, a Constituição inseriu, no art. 5º, § 2º, o permissivo de que outros direitos e garantias constantes de tratados internacionais, subscritos pelo Estado brasileiro, integrem as normas protetivas do mencionado preceito constitucional.70

Na legislação brasileira está prevista no artigo 5º, inciso III da Constituição

da República de 1988. O crime de tortura foi tipificado pela primeira vez no artigo 233 do

Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069/90), in verbis: “Submeter criança ou

adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a tortura”.71 No entanto recebeu

                                                            67 BORGES, José Ribeiro. Tortura: aspectos históricos e jurídicos: o crime da tortura na legislação

brasileira – análise da lei nº. 9.455/97. Campinas: Romana, 2004, p.170. 68 TEIXEIRA, Flávia Camello. Da Tortura. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.44. 69 Idem, p.44. 70 COSTANZE, Bueno Advogados. (Crime de Tortura). Bueno e Costanze Advogados, Guarulhos,

29.03.2008.Disponível em : <http:// buenoecostanze.adv.br/index.php?option=com_content&view=article&id=665:do-crime-de-tortura&catid=15&Itemid=543>. Acesso em: 06 de junho de 2011.

71 BRASIL, LEI Nº. 8.069/90. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 01 de março de 2011.  

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inúmeras críticas por ser um tipo penal impreciso já que não apresentava uma delimitação da

conduta delitiva.72

A constitucionalidade desse dispositivo era duvidosa e por isso esse assunto

chegou ao Supremo Tribunal Federal que decidiu de maneira favorável a esse artigo, isto é,

considerava que o Estatuto da Criança e do Adolescente trazia a tipificação do delito de

tortura. A doutrina, em geral, foi contra esta tese disposta pela Corte Suprema. O

entendimento majoritário é que este tipo penal apresentava uma real violação ao princípio da

legalidade.73

José Ribeiro Borges ressalta alguns pontos importantes sobre o artigo 233

do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Tipos penais que se caracterizam pela indeterminação ou vacuidade de seus termos; que não permitem captar o que realmente é proibido ou ordenado; que não estabelecem fronteiras, possuindo uma enorme capacidade de expansão; que são dotados de cláusulas gerais; que necessitam de uma atividade de preenchimento de seus elementos de composição, por parte do Juiz ou do intérprete, lesionam, sem dúvida, o princípio constitucional da legalidade.74

Apesar disso, o Direito brasileiro não conhecia a definição legal deste crime

e nem sua criminalização, como figura autônoma, pois antes era uma simples agravante

genérica de ilícitos penais, até a vigência da atual lei da tortura, lei nº. 9.455/97, que revogou

expressamente o artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente.

                                                            72 CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial: lei de imprensa, crimes hediondos, abuso de autoridade,

sonegação fiscal, tortura e terrorismo: volume 1 / Fernando Capez. 2. ed. – São Paulo: Editora Damásio de Jesus, 2003.

73 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. A definição do crime de tortura no ordenamento jurídico penal brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1789, 25 maio 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/11304>. Acesso em: 20 de maio de 2011.

74 BORGES, José Ribeiro. Tortura: aspectos históricos e jurídicos: o crime da tortura na legislação brasileira – análise da lei nº. 9.455/97. Campinas: Romana, 2004, p.141.

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A lei vigente tem poucos artigos, mas é abrangente, pois engloba várias

condutas com o objetivo de puni-las com maior severidade. Porém, essa lei está repleta de

lacunas e defeitos que são objetos de inúmeras críticas e análises doutrinárias pelos juristas.

No Código Penal encontra-se menção à tortura como forma de qualificar o homicídio, destarte

a expressão “tortura” não encontra preenchimento no delito criado pela lei nº. 9.455/97, pois

tem um significado vulgar, ou seja, não jurídico.75

No artigo Do crime de tortura - Bueno e Costanze Advogados há uma

conceituação de tortura: “A tortura, em sentido amplo, representa a imposição de dor física ou

psicológica por crueldade, intimidação, punição, para obtenção de uma confissão, informação

ou simplesmente por prazer da pessoa que tortura.” 76 Porém, no presente trabalho de

monografia a tortura-castigo cumpre um papel mais importante, ou seja, é o foco do estudo.

2.2.1 Da tortura-castigo

O crime de tortura-castigo está elencado no art.1º, inciso II da lei nº.

9.455/97, in verbis: “Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de

violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar

castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.” 77

Sobre a tortura-castigo ou tortura-pena Mário Coimbra ensina:

No tocante à quarta modalidade de tortura, inserida no art. 1º, inciso II, da lei em exame, o núcleo reitor do tipo está representado pelo verbo submeter, que, no sentido do texto, denota a ação de sujeitar, de subjugar a vítima a intenso sofrimento físico ou mental. Tal modalidade de tortura é conhecida

                                                            75 MACHADO, Nilton João de Macedo. Da tortura: aspectos conceituais e normativos.

<http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/view/407/588.> Acesso em: 04 de abril de 2011. 76 COSTANZE, Bueno Advogados. (Crime de Tortura). Bueno e Costanze Advogados, Guarulhos,

29.03.2008.Disponível em : <http:// buenoecostanze.adv.br/index.php?option=com_content&view=article&id=665:do-crime-de-tortura&catid=15&Itemid=543 >. Acesso em : 06 de junho de 2011.

77 BRASIL, LEI Nº 9.455, DE 7 DE ABRIL DE 1997. LEI DA TORTURA. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9455.htm>. Acesso em: 19 de março de 2011.

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por punitiva/vingativa e intimidatória, por ser aplicada, com a finalidade de castigar a vítima ou mesmo para prevenir a prática de eventual indisciplina, nos casos em que o torturador detém a sua guarda ou tenha, sobre ela, poder ou autoridade.78

Diferentemente do crime de maus-tratos na tortura-castigo o dolo é

específico, ou seja, de infligir intenso sofrimento físico ou mental como forma de aplicar

castigo pessoal ou de medida de caráter preventivo. O sofrimento físico está intimamente

ligado ao conceito de dor, ao passo que o sofrimento mental relaciona-se com a angústia, com

o temor e com a violação moral e psicológica. Como salienta Flávia Camello Teixeira, “A

classificação de uma dor ou sofrimento como intenso é altamente subjetiva, porque dependerá

não só da tolerância individual como também do contexto sociocultural em que ocorre.” 79 A

objetividade jurídica está justamente na integridade corporal ou saúde física e psicológica da

pessoa sujeita a relação jurídica de subordinação.80

Normalmente dividi-se a tortura em física e psíquica. Leciona Flávia

Camello Teixeira:

A primeira é aplicada por meios físicos (golpes, técnicas de sufocamento, de imersão, de esgotamento físico, de suspensão, tortura elétrica e queimaduras), trazendo dores físicas e uma expectativa imediata de morte ou esgotamento físico. Na segunda, o torturador lança mão de métodos psicológicos (técnicas de privação – de sono, de visão, de higiene, de percepção; métodos coercitivos – ameaças de dano físico, de morte, contra familiares e humilhações; tortura sexual) capazes de causar na vítima um stress mental intenso.81

É um crime próprio, pois exige uma especialidade do sujeito ativo que é a

autoridade, guarda ou poder sobre a vítima. O sujeito passivo é quem estiver sob essa relação

jurídica. Exige-se uma relação de dependência, não necessariamente no exercício de uma

                                                            78 COIMBRA, Mário. Tratamento do injusto penal da tortura / Mario Coimbra. São Paulo : Editora Revista

dos Tribunais, 2002, p.186. 79 TEIXEIRA, Flávia Camello. Da Tortura. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.73. 80 CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial: lei de imprensa, crimes hediondos, abuso de autoridade,

sonegação fiscal, tortura e terrorismo: volume 1 / Fernando Capez. 2. ed. – São Paulo: Editora Damásio de Jesus, 2003.

81 TEIXEIRA, idem, p.74-75.

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função pública.82 O doutrinador José Ribeiro Borges define essas modalidades

correspondentes as relações de subordinação:

Guarda significa responsabilidade pelo cuidado e zelo com que deve ser tratada a vítima, como ocorre no pátrio-poder, na tutela, na guarda provisória etc. Poder importa a idéia de exercício de função pública, quando o agente detém a disponibilidade, embora regrada, sobre a capacidade de ação da vítima. Autoridade significa a ascendência que tem o agente para com a vítima, alcançando-se aqui as relações de natureza privada, como as ocorrentes na tutela, na curatela, na hierarquia religiosa, etc. 83

As finalidades da prática da tortura são: aplicar castigo e como medida de

caráter preventivo. O castigo, segundo José Ribeiro Borges, “é punição, penalidade,

provocação com objetivo de correção ou emenda. Não precisa ser lesivo à pessoa no sentido

de causar-lhe lesões, muito menos revestir-se de natureza cruel.” 84

Esse mesmo autor também conceitua a medida de caráter preventivo, disse

José Ribeiro Borges, “[...] não obstante o caráter vago do termo pode ser entendida como

expediente de que se valha para coibir a prática de ações consideradas danosas sob o ponto de

vista penal, ligando-se assim à idéia de prevenção criminal.” 85

Para que o crime de tortura seja caracterizado três elementos são

necessários: o meio empregado (violência ou grave ameaça), as conseqüências sofridas pela

vítima (constrangimento e o sofrimento físico/mental) e a finalidade pretendida. Caso não

haja o preenchimento desses requisitos ou o processo será arquivado ou o crime será

desclassificado para um delito mais leve previsto no Código Penal.

A consumação está no momento em que a vítima é submetida ao intenso

sofrimento. Existe a figura tentada que ocorre quando o agente não consegue efetuar o                                                             82 BORGES, José Ribeiro. Tortura: aspectos históricos e jurídicos: o crime da tortura na legislação

brasileira – análise da lei nº. 9.455/97. Campinas: Romana, 2004, p.178. 83 Idem, p.178. 84 Ibidem, p.179. 85 Ibidem, p.179.

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resultado por circunstâncias alheias à sua vontade, todavia é difícil de ocorrer na prática. A

ação penal é pública incondicionada.

Ocorrerá uma absorção, pela figura típica e autônoma da tortura, dos delitos

de lesão corporal de natureza leve, constrangimento ilegal e ameaça se o alvo do agressor for

realmente torturar.86

                                                            86 TEIXEIRA, Flávia Camello. Da Tortura. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.100-101.  

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3 DISTINÇÕES/ COMPARAÇÃO DOS DELITOS DE MAUS-TRATOS E DE TORTURA: ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

Este capítulo tem o escopo de abordar o tema de uma maneira mais

conclusiva, visto que adentra completamente ao objeto da presente monografia. No primeiro

momento o estudo é sobre as semelhanças e diferenças entre os crimes em questão. Após os

devidos esclarecimentos a análise de casos jurisprudenciais servirá para que fique evidenciada

a necessidade da apreciação pessoal do juiz no momento de proferir a sentença.

3.1 Comparação entre os ilícitos

A prática de atos violentos contra crianças e adolescentes, sob forma de

agressão física, sexual, psicológica, podem ser enquadradas como crime de maus-tratos

previsto no artigo 136, do Código Penal, ou crime de tortura-castigo, inserida no inciso II, do

artigo 1º, da lei nº. 9.455/97.

Dessa forma, em primeira análise, observa-se que o crime de tortura e o

crime de maus-tratos são semelhantes em vários aspectos, ambos tendo como objetividade

jurídica a vida e a dignidade da pessoa humana, e ambos enquadrados como crimes próprios,

tendo como sujeito ativo a pessoa que exerce a guarda, a vigilância ou autoridade sobre a

outra (sujeito passivo).87

O crime de tortura é equiparado aos crimes hediondos, como prevê o artigo

2º da lei nº. 8.072/90, e por isso o tratamento é mais severo, sendo insuscetível de anistia,

graça, indulto e fiança. A pena deverá ser cumprida inicialmente em regime fechado. A

progressão de regime só poderá ocorrer após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se

o condenado for primário, e 3/5 (três quintos) se for reincidente.

                                                            87 ABADE, Rosa Maria. Tortura: distinção lógico-sistemática com o crime de maus tratos. Artigos e ensaios

Prolegis. Disponível em: <http://www.prolegis.com.br/index.php?cont=12&id=155>. Acesso em 08 de setembro de 2011.

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A distinção entre os crimes de maus-tratos e tortura-castigo deve ser

encontrada no elemento volitivo do agente e no resultado provocado na vítima. Basicamente o

abuso no direito de corrigir para fins de educação caracteriza maus-tratos. Já quando o abuso

ocorre com o objetivo de castigar a pessoa subordinada fazendo-a sofrer por mero prazer fica

caracterizado o crime de tortura que possui uma pena maior por ser um crime com maior

seriedade.

Uma diferença importante está nos meios de cometimento do crime que no

artigo 136 do Código Penal são: privação de alimentação, privação de cuidados

indispensáveis, sujeição a trabalho excessivo ou inadequado, e abuso dos meios de correção e

disciplina. Já no delito de tortura os meios são mais graves: mediante violência e grave

ameaça.88

Não houve a revogação do artigo 136 do Código Penal Brasileiro com o

advento da lei nº. 9.455/97 em seu artigo 1º, inciso II, pois são modalidades diferentes,

segundo Valdir Sznick:

[...] um exame mais atento demonstra, não só pela pena, mas pelos conceitos, acima expostos, que o crime de maus-tratos, agora com o crime de tortura, é um crime subsidiário: inexistindo o crime de tortura, que é mais grave, pode ocorrer o crime subsidiário de maus-tratos que funciona como um soldado de reserva.89

Com a lição de Gustavo Octaviano Diniz Junqueira é possível ter uma

melhor compreensão sobre o assunto:

A princípio, a tortura afasta a ocorrência de maus-tratos, pela especialidade. A distinção com crime de maus-tratos se dá aspecto objetivo e subjetivo. No objetivo, porque nos maus-tratos não há imposição de grave sofrimento. No

                                                            88 SZNICK, Valdir. Tortura: histórico, evolução, crime, tipos e espécies, vítima especial e seqüestro. 1. ed. –

São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito LTDA, 1998, p.290. 89 Idem, p.290.  

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subjetivo, porque na tortura se exige dolo de dano, enquanto no crime de maus-tratos o dolo é de perigo.90

É importante conceituar dolo de dano e dolo de perigo para um melhor

esclarecimento. Segundo Valdir Sznick, “Dolo de dano é a vontade que objetiva um resultado

danoso, sendo o dano previsto e querido” 91. Já o dolo de perigo “Consiste na vontade

consciente de expor a perigo um bem ou interesse humano”.92

Ana Paula Nogueira Franco ensina que:

Assim, haveria tortura quando o elemento fosse de dano à integridade física, e maus-tratos quando a consciência e aceitação se dirigisse, no máximo, a gerar perigo. Outra diferença apontada pela doutrina e pela jurisprudência, embora nem sempre seja fácil a distinção, é que no crime de maus-tratos o sofrimento é imposto com fins de educação, tratamento, ensino ou custódia. Na tortura, o fim é impor castigo pessoal, por ódio, vingança ou outro sentimento vil. Já se decidiu que, na tortura, a intenção é o padecimento da vítima, enquanto no crime de maus-tratos o que se busca é a correção. É claro que, nesse caso, a intensidade do sofrimento causado é sempre levada em consideração.93

Maria Helena Diniz em seu Dicionário Jurídico afirma que tortura: “É o

suplício do condenado; sofrimento físico e moral infligido ao acusado para obter confissão ou

alguma informação; ato criminoso de submeter a vítima a um grande e angustioso sofrimento

provocado por maus-tatos físicos e morais.” 94 Fernando Capez explica que no delito de

tortura o elemento subjetivo “[...] é o sadismo, o ódio, a vontade de ver a vítima sofrer

desnecessariamente.” 95

A expressão intenso sofrimento é a grande causadora da tipificação de uma

conduta como sendo crime de tortura, como afirma Nilton João de Macedo Machado: “[...]

                                                            90 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Legislação penal especial, volume 2, 2008, p.422. 91 SZNICK, Valdir. Tortura: histórico, evolução, crime, tipos e espécies, vítima especial e seqüestro. 1. ed. –

São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito LTDA, 1998p.328. 92 Idem, p.328. 93 FRANCO, Ana Paula Nogueira. Distinção entre maus-tratos e tortura e o art.1º, da lei de tortura, in

Boletim do IBCCrim, n. 62/Jan-98, p.11. 94 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. Ed. Saraiva, 1998, p.46. 95 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, volume 4: legislação especial. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007,

p.665.

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podemos entender o “intenso sofrimento”, como aquele sofrimento excessivo, extremamente

rude e que excede os limites do suportável tendo em vista o fim perseguido pelo agente e as

condições pessoais da vítima.” 96

Com a dificuldade de comprovação do elemento subjetivo, que diferencia os

dois delitos, a tarefa do aplicador da lei penal se complica ainda mais e por isso as condutas

são, na maioria das vezes, classificadas apenas como maus-tratos o que conseqüentemente

coloca em dúvida a eficácia da Lei da Tortura.

Fausto Rodrigues de Lima completa dizendo que:

É patente que atos violentos podem atingir terrivelmente uma criança, causando sofrimentos incalculáveis e danos irreversíveis à sua personalidade. Tratados apenas como maus-tratos, são na verdade crimes de tortura, física e/ou psicológica, e assim deveriam ser enquadrados.97

Em vários autores pode-se encontrar o que deve ser o ponto de partida para

o julgador, o senso comum, a moral, os valores, os costumes, a história da população, do

brasileiro em si, entre outros. Por mais que seja impossível saber a opinião geral e que essa

seja unânime, o julgador deve reconhecer os valores cultivados por parte da população, e não

distanciar-se dela, como muitos fazem, ao sentar-se na cadeira mais alta.

A atividade legislativa revelou-se, mais uma vez inepta, pois a norma

limitou excessivamente quem poderia ser o agente do delito. Daí o expressivo número de

recursos perante os tribunais, os quais, na maioria das vezes, implicaram na desclassificação

do delito de tortura, adotando-se tratamento penal mais benéfico ao agente.

                                                            96 MACHADO, Nilton João de Macedo. Da tortura: aspectos conceituais e normativos.

<http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/view/407/588.>. Acesso em: 04 de abril de 2011, p.27. 97 LIMA, Fausto Rodrigues de. Maus-tratos ou tortura? Artigo disponível em:

<http://www.mpdft.gov.br/portal/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=718>. Acesso em: 24 de agosto de 2011. 

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Segundo Fausto Rodrigues de Lima geralmente “Quando ocorre uma

denúncia, os fatos são enquadrados como crime de maus-tratos (excesso na correção), que não

cabe prisão e nem processo. Os casos acabam encerrados sem qualquer providência.” 98

Normalmente com a tipificação da conduta como crime de maus-tratos

ocorre uma falsa resolução do problema e conseqüentemente um agravamento da violência

contra as crianças e os adolescentes. Explica o Promotor de Justiça do Ministério Público do

Distrito Federal e Territórios, Fausto Rodrigues de Lima, que “Essa omissão social e estatal

faz com que as primeiras agressões evoluam para atos incontroláveis.” 99

A tipificação de uma conduta como sendo crime de tortura enfrenta diversos

entraves, pois a dificuldade tem início a partir da denúncia e vai até o momento da aplicação

da pena pelo Poder Judiciário. Isto ocorre, muitas vezes, pelo problema presente durante a

produção de provas em cada caso concreto. E é essa limitação que gera impunidade para os

agentes desse delito.

3.2 Análise Jurisprudencial

Após o entendimento doutrinário, necessária é a apreciação dos julgados

para a ilustração da diferenciação entre o crime de maus-tratos e o crime de tortura-castigo

contra crianças e adolescentes no âmbito familiar. A análise jurisprudencial é relevante para

que fique comprovada a problemática enfrentada diariamente pelos magistrados durante a

aplicação da lei penal.

Sobre o assunto já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que:

                                                            98 LIMA, Fausto Rodrigues de. Maus-tratos ou tortura? Artigo disponível em:

<http://www.mpdft.gov.br/portal/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=718>. Acesso em: 24 de agosto de 2011.

99 Idem. 

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I. A figura do inc. II do art. 1.º, da Lei n.º 9.455/97 implica na existência de vontade livre e consciente do detentor da guarda, do poder ou da autoridade sobre a vítima de causar sofrimento de ordem física ou moral, como forma de castigo ou prevenção.

II. O tipo do art. 136, do Código Penal, por sua vez, se aperfeiçoa com a simples exposição a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, em razão de excesso nos meios de correção ou disciplina.

III. Enquanto na hipótese de maus-tratos, a finalidade da conduta é a repreensão de uma indisciplina, na tortura, o propósito é causar o padecimento da vítima.

IV. Para a configuração da segunda figura do crime de tortura é indispensável a prova cabal da intenção deliberada de causar o sofrimento físico ou moral, desvinculada do objetivo de educação.

V. Evidenciado ter o Tribunal a quo desclassificado a conduta de tortura para a de maus-tratos por entender pela inexistência provas capazes a conduzir a certeza do propósito de causar sofrimento físico ou moral à vítima, inviável a desconstituição da decisão pela via do recurso especial. 100

No julgamento da Apelação Criminal nº. 2005.020453-1, pela Primeira

Câmara Criminal, a afirmação do Desembargador Amaral e Silva deixa claro o receio

presente na jurisprudência em aplicar a lei da tortura:

Antes de correr o risco de condenar a acusada pelo excesso no crime de tortura (Lei 9.455/97), por serem ainda indefinidas as reais intenções que alavancaram a reprovável conduta, melhor que se desclassifique o crime para o delito de maus-tratos (art. 136 CP) com a causa de aumento prevista no § 3º.101

Apesar da aplicação da lei da tortura ainda sofrer inúmeras críticas já houve

um aperfeiçoamento jurisprudencial, isto é, já existem casos em que a condenação foi pelo

                                                            100 BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp n. 610395/SC, Quinta Turma, DJ de 02/08/2004.

Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 13 de setembro de 2011. 101 BRASIL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Apelação Criminal nº. 2005.020453-1, da

Capital/Fórum Distrital do Estreito, DJ 14/09/2005. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5369637/apelacao-criminal-apr-204531-sc-2005020453-1-tjsc/inteiro-teor>. Acesso em: 13 de setembro de 2011.

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delito de tortura, conduta mais grave e que exige provas de alcance mais complicado, que

podem ser aproveitados como um parâmetro para os magistrados.

APELAÇÃO CRIMINAL. TORTURA (ART. 1°, INC. II, DA LEI N. 9.455/97). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.

PLEITO ABSOLUTÓRIO. DESCABIMENTO. AGRESSÕES PRATICADAS PELO PAI CONTRA FILHAS DE 5 (CINCO) E 11 (ONZE) ANOS DE IDADE, SENDO A PRIMEIRA PORTADORA DE SÍNDROME DE DOWN. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS PELO CONJUNTO PROBATÓRIO COLACIONADO AOS AUTOS.

PRETENDIDA DESCLASSIFICAÇÃO PARA CRIME DE MAUS TRATOS. IMPOSSIBILIDADE. VIOLÊNCIA FÍSICA E PSÍQUICA PRATICADA COM O FIM DE CAUSAR INTENSO SOFRIMENTO ÀS VÍTIMAS.

"O que distingue os maus-tratos da tortura é principalmente o propósito do agente. Nos maus-tratos o objetivo é a simples correção ou a disciplina. Na tortura é o castigo pessoal ou a medida de caráter preventivo. O intenso sofrimento da vítima, físico ou mental, caracteriza tortura quando imposto como castigo pessoal". (AC n. 2006.043117-9, de Urussanga, rel. Des. Amaral e Silva, j. 03/03/09)

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.102

Este julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios

representa a significativa evolução no que diz respeito à aplicação da lei nº. 9.455/97:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TORTURA. ART. 1º, II, e §4º, II, da Lei n.º 9455/97. SITUAÇÃO FÁTICA COMPROVADA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA MAUS-TRATOS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Os depoimentos colhidos na instrução, bem como a prova técnica, comprovam que a vítima, criança então com quatro anos de idade, era sistematicamente agredida, de forma cruel, e submetida a tratamento degradante, sendo inclusive obrigada a comer fezes. 2. Tal conduta, por causar à criança intenso sofrimento físico e mental, configura o crime de tortura e não de maus-tratos ou lesão corporal 3. Recurso improvido.103

                                                            102 BRASIL, Apelação Criminal n. 2009.015359-7, de Campos Novos, Relatora: Desa. Marli Mosimann

Vargas. Acesso em 13 de setembro de 2011. 103 BRASIL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, Apelação Criminal

do processo n. 2001.02.10.01847-2, Acórdão de n. 320376, Apelante Ednamar Palhares de Oliveira, Desembargador Relator César Loyola, Revisor Donizeti. Aparecido, publicado no DJU no dia 08/09/2008. Disponível em:< http://www.tjdft.jus.br/>. Acesso em: 27 de setembro de 2011.

 

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É incomensurável a capacidade que o ser humano tem de ser cruel, ainda

mais quando se torna capaz de agir contra seus próprios descendentes. E é por isso que essa

violência originada na esfera familiar deve ser reprimida pelo Estado desde o início. O direito

de correção é inerente aos pais e responsáveis, mas isso não quer dizer que ele seja ilimitado e

esta fronteira está na diferença entre corrigir e agredir. A ultrapassagem desse exercício

regular do direito acarreta uma punição, prevista na legislação brasileira, ao agressor. A

grande dificuldade, presente na atualidade, está no momento da tipificação da conduta do

sujeito ativo do abuso.

O crime de maus-tratos e o crime de tortura-doméstica são comuns no

cotidiano do país, porém a condenação pela prática da tortura é mais complexa já que exige

um conjunto probatório mais eficiente e o tipo depende de uma complementação por parte do

aplicador da lei penal.

A problemática considerada nesta monografia é justamente a omissão do

legislador no que se refere a expressão “intenso sofrimento” contida no artigo 1º, inciso II da

lei nº. 9.455/97 que exige, conseqüentemente, uma razoabilidade, um olhar subjetivo do

julgador para que a lei da tortura não tenha sua eficácia mitigada.

Para que a descrença no sistema penal brasileiro não aumente a cada dia e

para que seu desígnio seja desempenhado é extremamente importante que a atividade do

legislador se cumpra e que o magistrado exerça a função somente de aplicador.

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CONCLUSÃO

Ao fim do trabalho monográfico é importante apreciar os pontos principais

que foram abordados sobre o tema atinente, com suas respectivas indagações, buscando, ao

menos, o entendimento do propósito inicial oferecido com esta pesquisa.

Inicialmente, o estudo foi direcionado aos direitos inerentes às crianças e

adolescentes em contraponto ao poder familiar dos pais e responsáveis. O ordenamento

jurídico brasileiro resguarda tais direitos, mas também autoriza o poder de correção. Em

hipótese alguma poderá ocorrer violação em relação a garantia da dignidade da pessoa

humana, e isto ocorre muitas vezes através da violência produzida dentro do ambiente

familiar, sendo esta física, sexual ou psicológica.

Segundo diversos diplomas legais, como a Constituição Federal de 1988, o

Estatuto da Criança e do Adolescente (lei nº. 8.069/90), e algumas Convenções

Internacionais, os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes devem ser respeitados

de maneira integral, pois são pessoas em pleno desenvolvimento. É tarefa da família, em

primeiro lugar, e do Estado, de forma subsidiária, fazer com que as garantias constitucionais

sejam exercidas.

Os atos violentos provocados em crianças e adolescentes geram grande

reflexo no futuro e é exatamente por isso que essas agressões devem ser evitadas ao máximo

já que as conseqüências, muitas vezes, são irreversíveis.

Após a implementação da Doutrina da Proteção Integral, os castigos

permitidos são somente aqueles considerados como moderados, isto é, os que não atuam com

excesso, que são aceitos pela sociedade. Esta Doutrina surgiu com o objetivo de combater a

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violência contra esses seres humanos que se encontrão em situações especiais e por isso

necessitam de condições saudáveis para se desenvolverem.

A punição estabelecida pelo Estado se apresenta quando há um excesso no

direito de corrigir, ou seja, quando a violência contra crianças e adolescentes for causada por

quem tem o dever de proteção. E essa conduta encontra tipificação, basicamente, em dois

crimes: maus-tratos (previsto no artigo 136 do Código Penal Brasileiro) e tortura-castigo

(previsto na lei nº. 9.455/97, em seu artigo 1º, inciso II).

A discussão da violência intrafamiliar é necessária para que ocorra a correta

identificação, no caso concreto, sobre qual delito se configurou. Quando o agente cria uma

situação de perigo à saúde ou à vida da pessoa subordinada o crime é de maus-tratos. As

formas de cometimento são: privação da alimentação e dos cuidados considerados como

indispensáveis para a sobrevivência, através da sujeição a tratamento excessivo e inadequado

para o sujeito passivo ou até mesmo dos abusos cometidos pelos responsáveis como meios de

correção.

Já no crime de tortura o dolo é específico, infligir intenso sofrimento físico

ou mental, com emprego de violência ou grave ameaça, como forma de aplicar castigo

pessoal ou de medida de caráter preventivo.

Os dois delitos são próprios, pois exigem a condição de autoridade, guarda

ou poder do sujeito ativo em relação ao sujeito passivo (vítima). A objetividade jurídica

também é a mesma: a vida e a dignidade da pessoa humana.

A distinção entre o crime de maus-tratos e o crime de tortura-castigo está na

vontade do autor do tipo penal e no resultado provocado na criança ou no adolescente. O

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abuso com relação ao direito de correção visando a educação caracteriza o delito do artigo

136 do Código Penal, já a violência provocada por mero prazer, por sadismo, ódio, caracteriza

a conduta presente no artigo 1º, inciso II da lei nº. 9.455/97 denominada de tortura.

O grande problema da diferenciação na prática dessas condutas está na

intensidade do sofrimento causado à vítima, seja ele físico ou mental. Essa expressão da lei é

equiparada a um tipo penal aberto já que exige uma complementação por parte do magistrado

no momento da aplicação da lei.

Apesar de muitas vezes ficar claro que a conduta encontra tipicidade na lei

da tortura, na maioria das vezes, estas são classificadas apenas como crime de maus-tratos,

que tem uma pena muito inferior, justamente pela dificuldade probatória para a configuração

da prática do delito mais grave. Isso ocorre por uma falha do legislador que complica a

atuação do julgador e conseqüentemente coloca em dúvida a eficácia da lei da tortura (lei nº.

9.455/97).

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