A duração das cidades sustentabilidade

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/3/2019 A durao das cidades sustentabilidade

    1/311111

    RESENHAS/BOOK REVIEWS

    HELOISA S. M. COSTA *

    A temtica da gesto urbana voltou aocupar, nos ltimos anos, um lugar dedestaque tanto nas discusses acadmi-

    cas quanto nas experincias concretas dergos pblicos, ONGs e movimentos so-

    ciais. O debate, expresso nacional e in-ternacionalmente em vrios livros, arti-

    gos, teses, relatrios e acordos tem sidomarcado pela multiplicidade de tons: da

    crtica contundente a vises excessiva-mente normativas e constatao do per-

    manente descaso para com as condiesde sobrevivncia da maioria da popula-

    o; da divulgao de experinciastransformadoras iluso de frmulas f-

    ceis e adoo automtica de agendaspredeterminadas, por mais bem intenci-

    onadas que possam ser.A coletnea intitulada A durao das

    cidades, lanada pela editora DP&Ajuntamente com o CREA-RJ , tem o

    grande mrito de trazer para o debate umapostura de cautela para com os modelos

    dominantes cidades saudveis, globais,estratgicas, sustentveis, entre outras -

    ao mesmo tempo em que oferece ao leitora informao necessria para que ele

    possa compreender os meandros e oscontextos nos quais so formulados os

    discursos contemporneos sobre a cidade.Esta desconstruo dos discursos mostra

    com clareza que no h frmulas mgicasque dem conta da enormidade do passivo

    urbano-ambiental que caracteriza nossaurbanizao incompleta e excludente.

    Para tanto os autores utilizam-se da bemsucedida mesclagem de conceitos

    associados discusso ambiental com oreferencial analtico das cincias sociais,

    conforme expresso pelo prprio ttulo, para

    repensar e avaliar os potenciais desustentabilidade e risco implcitos nasprticas atuais de gesto urbana.

    A questo de fundo est associada emergncia e adoo como natural de

    um modelo nico de gesto urbana eambiental. Tal modelo tem como

    referncia pelo menos duas tendnciascontemporneas, que poderamos chamar

    de globalizao das agendas ambientaise urbanas: de um lado, a incorporao de

    padres genricos de sustentabilidadeurbana e de qualidade de vida, medidos

    por ndices internacionais e nacionais,associados a uma certa eficincia

    ecolgica das cidades. De outro lado, eno dissociado da primeira tendncia,

    situam-se as alternativas de gesto ligadas

    ao planejamento estratgico e aomarketing das cidades, que vem sendo

    caracterizado por um certo pensamentonico ou, conforme sugere o texto, por

    um ambiente nico: o dos negcios.Assim, um dos traos que unem os textos

    desta coletnea a recusa em aceitar astendncias acima mencionadas como

    nico e inevitvel caminho para o futurodas cidades e da gesto urbana.

    Alternativamente, a coletnea contrapea idia de cultura dos direitos, enfa-

    A durao das cidades: susten-tabilidade e risco nas polticas ur-banas.

    Henri Acselrad (org.); Prefcio deHenrique Rattner.

    Coleo espaos do desenvolvimen-to, Rio de Janeiro, DP&A Editora e

    CREA-RJ, 2001, 240 p.

    * Professora do Departamento de Geografia da

    UFMG.

  • 8/3/2019 A durao das cidades sustentabilidade

    2/322222

    Ambiente & Sociedade - Ano IV - No 9 - 2o Semestre de 2001

    tizando a necessidade de um olhar queresgate o acmulo de experincias e

    conhecimentos construdos pelos movi-mentos sociais em direo a parmetros

    de diversidade poltica e cultural e dejustia scio-ambiental.

    Os sentidos da sustentabilidade urbana,as diferentes representaes sociais e os

    valores a ela associados so dissecados porHenri Acselrad no artigo que inaugura a

    coletnea. Partindo das mltiplas deter-minaes entre os planos do discurso, da

    realidade e suas representaes, o traba-

    lho reexamina noes como tica,equidade, desenvolvimento, eficincia,legitimidade, dentre outras presentes nas

    formulaes e debates sobre sustenta-bilidade urbana, fornecendo ao leitor um

    amplo campo de possveis costurasconceituais para a compreenso tanto das

    leituras contemporneas sobre as cidades,quanto das polticas urbanas.

    Buscando compreender os novossentidos da urbanizao contempornea,

    destacam-se dois instigantes textos: Oprimeiro, desenvolvido por Pierre Veltz,

    argumenta estarmos diante de umamomento em que as cidades retornam ao

    primeiro plano da economia, a partir deuma nova forma competitiva, redefinindo

    mas no eliminando o papel dos Estados

    nacionais. Novas lgicas de organizaoterritorial e de localizao dos indivduos

    e das atividades face s transformaestecnolgicas e econmicas, por um lado,

    recolocam em novas bases as possibi-lidades de acesso ao poder por parte dos

    atores sociais. Por outro lado, tais lgicasvm acentuando as concentraes

    metropolitanas a partir de racionalidadesdiferentes daquelas que informaram o

    planejamento e a interveno em dcadasanteriores, evidenciando como desafio a

    construo de formas inovadoras degesto. Definindo a cidade como coisa

    hbrida, um cyborg, simultaneamentenatural e social, real e fictcia, o artigo

    de Eric Swyngedouw chama ateno paraaqueles objetos intermedirios, elementos

    de transio, de mediao entre processosnos quais natureza e sociedade se

    confundem e se transformam dialetica-mente. A partir da perspectiva de uma

    Ecologia Poltica da cidade, o textoexplora teoricamente a contribuio de

    alguns autores anlise do processo de

    urbanizao concebido como essencial-mente hbrido, utilizando o caso dacirculao da gua como fio condutor

    explicativo de uma intrincada teia derelaes sociais, polticas, ecolgicas e

    espaciais.A discusso sobre as implicaes da

    adoo de agendas, particularmenteaquelas definidas globalmente, compa-

    rece em trs trabalhos que se comple-mentam: Fabrcio Oliveira analisa o

    contedo dos discursos sobre asustentabilidade urbana, integrantes da

    Agenda 21 brasileira e produzidos poragncias multilaterais. Apesar dos

    indiscutveis avanos inerentes aoreconhecimento da necessidade de

    adoo de critrios de sustentabilidade

    scio-ambiental na gesto urbana, ficapatente uma perigosa inverso da lgica

    que orienta muitos destes discursos: asustentabilidade como uma condio para

    a competitividade entre cidades, ou seja,como um diferencial positivo na

    supostamente natural competio porrecursos e investimentos, e no como um

    direito fundamental e bsico de todos.Esta temtica da competitividade entre

    cidades tambm desenvolvida por RoseCompans por meio de uma elucidativa

  • 8/3/2019 A durao das cidades sustentabilidade

    3/333333

    RESENHAS/BOOK REVIEWS

    investigao sobre a aparente contradioentre dois modelos conflitantes - cidades

    sustentveis e cidades globais - a partirde diferentes interpretaes sobre o

    contedo de tais rtulos, deixandopatente a impreciso e a multiplicidade

    de leituras possveis e at mesmosimultneas que tornam o conceito de

    sustentabilidade incuo enquantoelemento norteador de polticas pblicas.

    A possibilidade de um projetointernacional alternativo calcado na

    justia ambiental contrapondo-se s

    desigualdades do desenvolvimentismoconstitui o pano de fundo sobre o qualBarbara Deutsch Lynch avalia alguns

    discursos e prticas ambientais deorganismos internacionais no Terceiro

    Mundo e particularmente na AmricaLatina. O fortalecimento de uma agenda

    marrom, relativa ao saneamento bsico,a minimizao dos riscos naturais, a

    nova sade pblica calcada tanto nosefeitos perversos da modernidade (como

    riscos qumicos) quanto em necessidadesbsicas de gua e esgoto, as propostas de

    cidades saudveis e as crescentescertificaes de produtos e processos

    produtivos so alguns dos aspectosassociados aos mecanismos de tomada de

    decises ambientais, que crescentemente

    oscilam, com diferentes graus de controlee autonomia entre as escalas global e

    local.A construo simblica de cidades-

    modelo e os tipos de intervenocomumente associadas a tais modelos so

    debatidos em duas importantescontribuies. Fernanda Snchez alerta

    para a crescente pasteurizao esimplificao das identidades urbanas

    implcitas em muitas experinciasbrasileiras e internacionais de renovao

    e revitalizao de reas centraisdegradadas. Apoiados no trip

    preservao-turismo-consumo e numvigoroso marketing, esses espaos,

    progressivamente artificializados eelitizados, tornam-se cada vez mais

    desvinculados de seus contextos scio-culturais originais. Curitiba, nossa

    cidade-modelo mais famosa desnudadana contundente crtica de Rosa Moura

    que aponta algumas das contradies quecercam a cuidadosa construo da

    imagem da cidade, fortemente amparada

    no discurso da qualidade ambiental,como fruto de um conjunto deintervenes tecnicamente inovadoras e

    ambientalmente educativas. Odescompasso entre a imagem

    internacionalmente aclamada da Curitibacentral e seu entorno, depositrio das

    mesmas carncias scio-ambientaisexistentes nas demais reas

    metropolitanas brasileiras, interpela aprogressiva extenso a estas reas do

    discurso da eficcia e da inserocompetitiva. O carter de seduo

    implcito no projeto, constantementerenovado por novas intervenes,

    apontado como uma das razes de seuaparente sucesso, deixa no ar a indagao

    quanto durabilidade das bases polticas

    e materiais que o vem sustentando atento.