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ISSN 2177-8892 1147 A EDUCAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR: PRECARIZAÇÃO DA FORMAÇÃO E TRABALHO DOCENTE Claudia Barbosa Lobo Universidade Federal de Rondônia (UNIR) [email protected] Marco Antônio de Oliveira Gomes Universidade Federal de Rondônia (UNIR) [email protected] 1. INTRODUÇÃO Este trabalho objetiva analisar o processo de intensificação das atividades docentes nas instituições de ensino superior, por meio da compreensão das transformações ocorridas no mundo do trabalho nas últimas décadas, que tem significado no âmbito das políticas públicas a redução dos gastos do Estado com as questões sociais, contribuindo simultaneamente para precarização das condições de formação e trabalho dos professores. A produção acadêmica que aborda as alterações no mundo do trabalho e da classe trabalhadora aponta que a reestruturação produtiva, em um momento de esgotamento do fordismo/taylorismo, constitui em uma das respostas da burguesia à crise de acumulação do capital. Para alcançarmos nossos propósitos, à luz da crítica marxista, tomamos como referência de nossas análises autores como Antunes (1999), Frigotto (2011), Saviani (2009), dentre outros. 2. AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO Nas últimas décadas o mundo do trabalhou passou por transformações significativas, particularmente a partir de meados da década de 1970 quando o capital passou por uma crise estrutural, efeito das transformações ocorridas no interior da produção com a introdução acelerada da robótica, microeletrônica e informática, que contribuiu para o crescimento das taxas de desemprego. Conforme a síntese de Antunes:

A EDUCAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR: PRECARIZAÇÃO DA … · Universidade Federal de Rondônia (UNIR) [email protected] ... Não por acaso, o avanço do privatismo fortaleceu

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ISSN 2177-8892

1147

A EDUCAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR: PRECARIZAÇÃO DA FORMAÇÃO

E TRABALHO DOCENTE

Claudia Barbosa Lobo

Universidade Federal de Rondônia (UNIR)

[email protected]

Marco Antônio de Oliveira Gomes

Universidade Federal de Rondônia (UNIR)

[email protected]

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho objetiva analisar o processo de intensificação das atividades

docentes nas instituições de ensino superior, por meio da compreensão das

transformações ocorridas no mundo do trabalho nas últimas décadas, que tem

significado no âmbito das políticas públicas a redução dos gastos do Estado com as

questões sociais, contribuindo simultaneamente para precarização das condições de

formação e trabalho dos professores.

A produção acadêmica que aborda as alterações no mundo do trabalho e da

classe trabalhadora aponta que a reestruturação produtiva, em um momento de

esgotamento do fordismo/taylorismo, constitui em uma das respostas da burguesia à

crise de acumulação do capital. Para alcançarmos nossos propósitos, à luz da crítica

marxista, tomamos como referência de nossas análises autores como Antunes (1999),

Frigotto (2011), Saviani (2009), dentre outros.

2. AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO

Nas últimas décadas o mundo do trabalhou passou por transformações

significativas, particularmente a partir de meados da década de 1970 quando o capital

passou por uma crise estrutural, efeito das transformações ocorridas no interior da

produção com a introdução acelerada da robótica, microeletrônica e informática, que

contribuiu para o crescimento das taxas de desemprego. Conforme a síntese de Antunes:

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Trata-se, portanto, de uma aguda destrutividade, que no fundo é a

expressão mais profunda da crise estrutural que assola a

(des)sociabilização contemporânea: destrói-se força humana que

trabalha, destroçam-se os direitos sociais; brutalizam-se enorme

contingentes de homens e mulheres que vivem do trabalho; torna-se

predatória a relação produtiva/natureza, criando-se uma monumental

“sociedade do descartável”, que joga fora tudo que serviu como

“embalagem” para as mercadorias e o seu sistema, mantendo-a,

entretanto, o circuito reprodutivo do capital. (2011, p.191)

Dessa forma, a crise acentua o caráter destrutivo do capitalismo, ficando clara a

metamorfose no processo de produção do modelo fordista/taylorista para o toyotista.

Ainda que esse processo não tenha ocorrido de forma homogênea, é possível verificar a

heterogeneização, complexificação e maior fragmentação do trabalho que altera a forma

de “ser” da classe que vive do trabalho, cujo desdobramento é perceptível na acentuada

forma de subproletarização e precarização do trabalho (ANTUNES, 1999).

Nesse sentido, é importante destacar que a classe que vive do trabalho hoje não

se restringe aos trabalhos manuais, mas fragmentou-se. Vejamos aos apontamentos de

Chesnais sobre o tema:

As duas últimas décadas trouxeram mudanças muito importantes

tanto nas condições de contratação e de remuneração dos assalariados

como também nas condições da sua subordinação à hierarquia nas

fábricas e no funcionalismo. Sobre todos estes aspectos, as relações

entre o capital e o trabalho foram fortemente em benefício do

primeiro. Em muitas partes do mundo, esta modificação comportou

uma degradação da situação dos assalariados, principalmente em

termos de perda de estabilidade e segurança no emprego. (2008,

p. 11-12)

Diante do quadro que se configura, a questão do desemprego ou subemprego é

um fator poderoso de “domesticação” da classe trabalhadora impelindo-a a submeter-se

à ordem do capital. Verifica-se dentro desse processo a redução do operariado industrial

e fabril, aumentando concomitantemente o subproletariado e o trabalho precário, além

da incorporação com do trabalho feminino com o rebaixamento de salários. Dito de

outra forma, trata-se de reservar aos trabalhadores e seus filhos apenas o necessário para

reprodução da mão de obra em condições de submissão aos interesses do capital, tal

qual ilustra Marx:

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O pauperismo constitui o asilo dos inválidos do exército ativo dos

trabalhadores e o peso morto do exército industrial de reserva. Sua

produção e sua necessidade se compreendem na produção e na

necessidade da superpopulação relativa, e ambos constituem condição

de existência da produção capitalista e do desenvolvimento da riqueza.

O pauperismo faz parte das despesas extras da produção capitalista,

mas o capital arranja sempre um meio para transferi-las para a classe

trabalhadora e para a classe média inferior. (2001, p.748).

Nesse cenário, fragiliza-se a condição de resistência do trabalhador, que se vê

obrigado a aceitar condições degradantes de trabalho ou buscar na informalidade as

condições de sobrevivência. Fato evidenciado por Antunes:

O mundo do trabalho viveu, como resultado das transformações e

metamorfoses em curso nas últimas décadas, particularmente nos

países capitalismo avançados, com repercussões significativas nos

países do terceiro mundo dotados de uma industrialização

intermediária, um processo múltiplo: de um lado verificou-se uma

desproletarização do trabalho industrial, fabril, nos países de

capitalismo avançado. Em outras palavras, houve uma diminuição da

classe operária industrial tradicional. Mas, paralelamente, efetivou-se

uma singularidade subproletarização do trabalho, decorrência das

formas diversas de trabalho parcial, precário, terceirizado,

subcontratado, vinculado á economia informal, ao setor de serviço etc.

Verificou-se, portanto, uma significativa heterogeneização,

complexificação e fragmentação do trabalho (2009, p.205).

Como se percebe, trata de um modelo sócio-econômico que descarta matéria

prima e mão de obra em nome do lucro. Sua base objetiva ampara-se na intensificação

da exploração do trabalhador e no desmonte dos direitos historicamente conquistados.

Com efeito, são operadas inúmeras transformações no modo de vida dos trabalhadores,

em que cada vez mais a produção material se distancia das necessidades da maioria para

se aproximar dos interesses do capital.

Isto posto, a experiência de intensificação do trabalho em nossas terras deriva

da ofensiva do capital que se traduz materialmente no desemprego, na fragilização da

representação sindical, nas formas de contratação do trabalhador etc. Essas condições

com que se defrontam os trabalhadores em seu cotidiano são constituintes do receituário

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neoliberal, que ganhou espaço nas políticas públicas a partir dos anos 1990. Essa nova

configuração é apresentada por Alves1:

É importante salientar que, no aspecto conjuntural, o Plano Real, de

1994, imprimiu uma significativa inflexão no processo de

desenvolvimento capitalista no país, na medida em que estabilizou a

moeda corroída pela hiperinflação crônica, alterando as expectativas

dos agentes econômicos e, por conseguinte, a morfologia da economia

real. É com o sucesso do Plano Real em estabilizar a economia

brasileira que alterações estratégicas - e não mais defensivo-reativas -

ocorrem nas empresas, num cenário de intensa concorrência dos

múltiplos capitais. Nessa época, altera-se o ambiente de trabalho

nas empresas (amplia-se, por exemplo, a disseminação de novas

práticas de gestão sob o espírito do toyotismo e adotam-se novas

tecnologias de produção). Instaura-se nas grandes empresas no país,

o que denominamos de "toyotismo sistêmico" (...); além disso, como

salientamos antes, altera-se, a morfologia das lutas sindicais das

categorias de trabalhadores assalariados organizados, com a mudança

de conteúdo da pauta da negociação coletiva. Com a estabilização

monetária e a redução drástica da inflação, extingue-se a política

salarial, colocando os sindicatos de trabalhadores diante de um menu

reivindicativo centrado em demandas particularistas restritas à

empresa (como, por exemplo, as negociações da PLR - Participação

em Lucro e Resultado). É claro que o cenário de desemprego de massa

coloca imensas dificuldades para a barganha sindical. (2009, p.193,

grifo nosso).

No cenário histórico marcado pela hegemonia conservadora,

fundamentalmente a partir da década de 1990, empreendeu-se, no Brasil, um conjunto

de reformas de cunho neoliberal, que implicou no desmonte dos compromissos ético-

políticos e sociais firmados pelo Estado na Constituição Federal de 1988.

Não por acaso, o avanço do privatismo fortaleceu a acumulação de capital no

Brasil, que não significa necessariamente investimentos no setor produtivo. Na verdade,

implicou degradação de salários de diferentes categorias profissionais e de trabalhadores

do serviço público. Tal processo obedeceu às demandas para a inclusão do Brasil, de

forma associada e subalterna, no quadro das relações econômicas internacionais.

1Artigo “Trabalho e reestruturação produtiva no Brasil neoliberal - Precarização do trabalho e

redundância salarial” publicado na Revista katálysis vol.12 no.2 Florianópolis July/Dec. 2009. Disponível

em < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-49802009000200008&script=sci_arttext >. Acesso em

25/08/2014.

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Dessa forma, é nos marcos da “nova ordem econômica” e de adaptação do

Estado brasileiro à concepção de estado mínimo, que verificamos a aceleração da

precarização do trabalho docente, fruto de um amplo processo de mercantilização da

educação. Ressalte-se que a Constituição de 1988, assim como a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação, em 1996, encontra-se presente os princípios e normas para a

valorização dos professores. Mesmo sem negar o avanço nos marcos da lei no que diz

respeito ao aspecto da proteção e valorização docente, percebe-se também que os

avanços foram incapazes de garantir as condições materiais necessárias para a formação

do professor.

3. AS CONDIÇÕES MATERIAIS DE PRECARIZAÇÃO DE FORMAÇÃO

DO TRABALHO DOCENTE

Em uma breve retrospectiva histórica, podemos apontar o final dos anos de 1980

e início da década seguinte como o início da chamada “desertificação neoliberal”

(ANTUNES, 2004). Trata-se de um período histórico caracterizado pelo desmonte do

Estado para as questões sociais, privatização de estatais, planos de demissão voluntária

e violento arrocho salarial. É bem verdade que toda a maré neoliberal ganhou seu

ímpeto maior durante os oitos anos de gestão do Governo Fernando Henrique Cardoso

(1995-2001).

Na verdade, a grande imprensa e os intelectuais comprometidos com a defesa

dos interesses do capital argumentavam que ao contrário do Estado “pesado” e

ineficiente, o setor privado era dinâmico e produtivo. Dessa forma, o caminho a ser

trilhado era a retirada do Estado dos setores considerados estratégicos com a

privatização dos serviços públicos. Na medida em que se configurava a hegemonia do

neoliberalismo nas políticas públicas, a educação não ficou imune ao “canto da sereia”.

Foram inúmeros os desdobramentos, incluindo a formação de professores. É importante

ressaltar que a manutenção desta condição predatória carece a todo o instante de

estratégias cada vez mais complexas para preservar a vinculação da reprodução do

capital à reprodução da vida.

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Diante da hegemonia das proposições neoliberais é importante verificarmos

sua penetração no âmbito da educação, e, especificamente na questão da formação de

professores. Do ponto de vista do capital, não interessa a socialização do conhecimento,

mas a formação de profissionais adaptados à ordem estabelecida. O mesmo pode ser

dito em relação à formação de professores nas últimas décadas, o que, aliás, traduz uma

tendência história de negação do acesso ao conhecimento para os trabalhadores.

Essa constatação pode ser verificada empiricamente por meio de obstáculos que

se apresentam atualmente:

a) Fragmentação e dispersão das iniciativas, justificadas pelas

chamadas diversificação de modelos de organização da

educação superior;

b) Descontinuidade das políticas educacionais;

c) Burocratismo da organização e funcionamento de cursos no

qual o formalismo do cumprimento das normas legais se impõe

sobre o domínio dos conhecimentos necessários ao exercício da

profissão docente;

d) Separação entre as instituições formativas e funcionamento

das escolas no âmbito dos sistemas de ensino;

e) O dilema pedagógico expresso na contraposição entre

teoria e prática, entre conteúdo e forma, entre conhecimento

disciplinar e saber pedagógico-didático. (SAVIANI, 2009,

p.73)

Os problemas apontados por Saviani (2009) reforçam a formação precária do

professor e contribuem para o esvaziamento da educação escolar. Um exemplo

emblemático desse processo foi a promulgação da LDB (Lei nº 9.394/1996), que

configurou-se em uma legislação propícia para a flexibilização das responsabilidades do

Estado:

(...) Mas a nova LDB, promulgada em 20 de dezembro de

1996, não correspondeu a essa expectativa. Introduzindo como

alternativa aos cursos de pedagogia e licenciatura os Institutos

Superiores de Educação e as Escolas Normais Superiores, a

LDB sinalizou para uma política de nivelamento por baixo: os

Institutos Superiores de Educação emergiram como instituição

de nível superior de segunda categoria, provendo uma

formação mais aligeirada, mais barata, por meio de cursos de

curta duração. (SAVIANI, 2009, p. 72)

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Assim, verifica-se que a atual legislação não atende as reais necessidades da

classe trabalhadora, mas sim aos interesses privatistas do empresariado do ramo

educacional, o que reflete diretamente na careira docente.

A evidência desses problemas materializa-se pelas políticas oficiais guiadas

pela redução de custos seguindo a lógica do receituário neoliberal. No aspecto da

formação docente, verifica-se a estratégia de formação do professor técnico e não o

professor portador de uma vasta cultura com sólida formação teórica. Não por acaso,

como já afirmou Saviani, percebe-se a existência de um dispositivo da LDB que permite

a criação de Institutos Superiores de Educação e de Escolar Normais Superiores (2009,

p. 73).

Trata-se da lógica da formação do professor tarefeiro, que possui uma

formação fragilizada que o torna incapaz de compreender os condicionantes econômico,

sociais e políticos de sua profissão. No entanto, para as necessidades do mercado, pouco

importa se os professores possuem sólida formação. O importante é que sejam

habilitados para as tarefas e projetos que lhe são designados.

Dessa rápida constatação da fragilidade da formação docente, é possível deduzir

que as condições de precariedade das escolas contribuem também para as condições de

formação docente como já alertou Saviani:

Com efeito, por um lado o entendimento de que o trabalho docente é

condicionado pela formação resulta uma evidencia lógica, assumindo

caráter consensual o enunciado de que uma boa formação se constitui

em premissa necessária para o desenvolvimento de um trabalho

docente qualitativamente satisfatório. Inversamente, é também

consensual que forma precariamente tende a repercutir negativamente

na qualidade do trabalho docente. Por outro lado, embora esse aspecto

não seja muito enfatizado, constitui também uma evidência lógica: as

condições do exercício do magistério reciprocamente determinam a

qualidade de formação docente. E isso ocorre em vários sentidos.

(2009, p.67)

Na verdade, as políticas de redução de custos, conforme o princípio do máximo

de resultados com o mínimo de dispêndio (investimentos) contribui para a fragilidade

formativa do professor. Para Kuenzer:

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A principal mudança, com profundos impactos sobre a atuação e

formação de professores, diz respeito à autonomia didática no ensino

superior. Até a LDB, havia estreita articulação entre formação e

emprego, assumindo o Estado, segundo o modelo de bem-estar

social, a regulação da relação entre instituições formadoras e mercado

de trabalho pelo controle no processo, dos currículos, da

centralização e da qualidade da oferta, estabelecendo critérios

rigorosos de qualidade que se constituíam em condições para

autorização de funcionamento e reconhecimento de cursos.Segundo o

entendimento do Banco Mundial, a transferência das atribuições do

estado para esfera privada exige duas ordens de providências: a

articulação dos cursos de formação ás demandas do mercado e a

“flexibilização” do modelo tradicional de universidade,que articula

ensino e pesquisa, acompanhada do rebaixamento do produto, de

modo a estimular a iniciativa privada pela redução dos custos de

formação. Desnecessário fazer referência para os leitores destes

artigos á organicidade das reformas que vêm se processando no

ensino superior e ás políticas do Banco (Banco Mundial 1995).

(1999, p.179).

Dessa forma, cabe destacar aqui, dois casos emblemáticos que simbolizam a

precariedade da formação do professor.

Em primeiro lugar, o REUNI - Programa de apoio a planos de reestruturação e

expansão das universidades federais – Decreto presidencial nº 6.096/2007 – que é

pautado na expansão de cursos noturnos, “inovações pedagógicas” e combate à evasão.

O discurso legitimador pautava-se pela diminuição das desigualdades sociais com a

ampliação da oferta de vagas nas instituições federais de ensino superior. Segundo

Frigotto:

O REUNI, por sua vez, representa uma inversão substantiva de

recursos de custeio para projetos e programas, quase duplicando as

vagas e sendo aplaudida fortemente pelo Manifesto dos Reitores das

Universidades Públicas durante o atual governo. Em contrapartida,

estabelece a desestruturação da carreira docente, conquistada

duramente, aumenta o trabalho precário e, sobretudo, impõe uma

brutal e, em muitos casos, insuportável intensificação da carga de

trabalho. Além disso, especialmente pelo crescimento do enclave da

educação à distância, em alguns casos com a defesa de sua crescente

expansão em substituição ao ensino superior presencial, produz-se

mais uma forma de dualidade. O fetiche da tecnologia opera aqui

como um argumento ideológico. (2011, p. 247).

Nesses termos, é inegável que a expansão ocorreu sem a garantia mínima de

estrutura física e de pessoal necessário para o atendimento das demandas crescentes. O

resultado se traduziu na intensificação do trabalho docente, que teve como uma das

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características a contratação de professores substitutos que seria apenas um suporte

acaba virando um profissional permanente dentro das IES, uma vez que as

universidades não pagam a mesma remuneração, portanto não possuem os mesmos

direitos de seus pares efetivos. Vejamos os apontamentos de Lima:

A precarização das condições de trabalho dos substitutos atinge não

apenas os próprios docentes, mas também os professores do quadro

efetivo, que ficam sobrecarregados com orientações de bolsistas de

pesquisa e extensão, como as tarefas administrativas, entre outras, que

não podem ser assumidas pelos professores substitutos (2011, p.

154).

A partir desse quadro, é possível verificar a nova face do trabalho docente e a

forma como o Estado organiza as relações de trabalho dentro das instituições superiores

de ensino. Não bastassem as condições de contratação precárias, a precarização das

atividades docentes limitam as práticas da pesquisa, extensão e ensino dentro da

universidade. Observa-se em diferentes instituições de ensino superior as condições

estruturais deficientes como se verifica na denúncia no Portal do Sindicato Nacional dos

Docentes das Instituições de Ensino Superior - ANDES-SN2 (2011):

As condições existentes são tão precárias que chegamos a trazer água

e papel higiênico de casa e a usar, para fins institucionais, nossos

próprios meios de comunicação (celular, notebook, internet móvel

etc.); não há salas de trabalhos para docentes; não há espaço para

convivência ou mesmo acervo bibliográfico suficiente para a demanda

atual.

Ora, não há como negar aqui a omissão do Estado em manter adequadamente as

instituições públicas, afetando dessa forma a formação dos futuros professores. No

entanto, é interessante notar que, ao mesmo tempo que se percebe o “Estado mínimo”

2 Texto “SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR

- ANDES-SN: Situação precária da UNIR leva professores e alunos a deflagrarem greve”. Disponível

em: < http://portal.andes.org.br:8080/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=4890 >. Acesso em:

08/08/2014.

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para atender as demandas das IES públicas, verifica-se a sua presença no socorro às

empresas privadas de educação por meio de programas com o verniz da inclusão.

Nesse sentido, uma medida que merece destaque para a compreensão da

temática da formação docente é o PROUNI – Programa de Universidades Para Todos -

que oferece bolsa de estudos em instituições de ensino superior privadas. Nesse caso, o

Estado também utiliza o discurso da “justiça social” como legitimador de uma política

privatizante. Vejamos os apontamentos Frigotto:

O PROUNI criou mais de 700 mil vagas para jovens e isso seria

fantástico se tal inclusão não fosse incorporando, ainda que de forma

enviesada, a tese conservadora de Milton Friedman que, no final da

década de 1950, defendia que o estado desse aos mais pobres, um

VOUCHER ou uma carta de crédito para escolher onde queriam

estudar. (2011, p. 247).

Como se vê, trata-se de um modelo de política pública que possibilita as

empresas do ensino superior um contingente de alunos/consumidores no mercado

educacional. Não se trata necessariamente de um programa comprometido com a

formação sólida dos futuros professores, mas em atender os interesses de um segmento

do mercado educacional.

É importante ressaltar, conforme dados divulgados pelo INEP, que das 2.416

instituições de ensino superior no Brasil, 2.112 são privadas. Segundo o censo realizado

em 2012, haviam 7.037.688 alunos matriculados em cursos de graduação no Brasil,

distribuídos em 31.866 cursos, ofertados por 2.416 instituições — 304 públicas e 2.112

particulares. No caso específico de Rondônia, das 31 instituições existentes, apenas 02

são públicas.

Em linhas gerais, isso significa que o sistema de educação superior brasileiro

cresce no sentido da iniciativa privada, sendo apresentado como serviço e não direito

num cenário em que dominam as atividades vinculadas ao ensino de graduação, sem o

compromisso de pesquisa e extensão.

Na verdade, ao observarmos a história da educação superior em nossas terras,

verificaremos que a privatização não é novidade, nem exclusividade dos últimos

governos marcados pela agenda neoliberal; mas, sem dúvida, não há como negar o

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avanço das proposições conservadoras e privatistas que transformam cada vez mais o

ensino superior em mercadoria.

Se analisarmos as condições materiais de trabalho nas instituições privadas, os

dados apresentados levam-nos a inferir que a precarização e esvaziamento de trabalho

do professor ampliou extraordinariamente, no mesmo ritmo que se perdeu em qualidade

do ensino. Gramani (2008) abordou em artigo a construção de indicadores de

"qualidade" para a orientação de instituições de ensino superior com capital aberto. É

interessante notar que a própria "consultora" aconselha os acionistas:

[...] quando se trata uma instituição de ensino com valores comerciais

ou princípios de mercado podem ocorrer situações como: contratação

e demissão de colaboradores da instituição baseados em necessidades

de mercado, recrutamento de estudantes com a finalidade de maior

lucratividade, criação de programas rápidos a fim de maximizar o

ganho, julgamento do desempenho de professores de acordo com a

demanda dos consumidores, padronização dos currículos objetivando

a eficiência econômica, entre outros (2008, p.441).

Como se vê, não é exatamente o compromisso com a formação de profissionais

de alto nível que está em questão. Em outras palavras, trata-se de negócios. Isso posto,

não há como negar que a precarização se inicia na formação aligeirada. Isso trará

consequências para o futuro professor, transformado em um tarefeiro que mal domina

os conteúdos e os fundamentos pedagógicos para o ensino. Como nos indica Frigotto:

Finalmente, a educação, uma prática social, política e técnica que se

define no bojo do movimento histórico das relações sociais de

produção da existência, e com elas se articula, reduz-se a uma

dimensão técnica assepticamente separada do político e do social. A

função precípua – enquanto uma técnica social – é formada recursos

humanos, produzir capital humano. Uma maneira inversa de

apresentar a relação entre mundo de trabalho, da produção e mundo

da escola, da qualificação.

Ora, essa redução histórica da concepção de educação – capital

humano, que decorre da própria forma de metamorfosear o conceito

de classe, trabalho, capital e homem – não é fortuita. Também não é

resultado de uma idéia de um economista iluminado. Pelo contrário,

trata-se da produção de uma forma de conceber a educação que não

só tem bases históricas objetivas, como também tem função real no

interior das relações capitalista de onde emerge (2010, p. 243).

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Dentro desta linha de raciocínio, “Marx tem toda razão quando postula que sem

a superação da propriedade privada não será possível ir além do capital e, portanto, da

forma histórico-contemporânea predominante das misérias que os homens se

impuseram” (LESSA, 1998, p.12). O perfil do trabalhador, a identidade do trabalhador é

então formada numa maneira antidemocrática, sem nenhuma propensão a reclamações

ou solicitação de mudança.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A luta por uma educação diferente, e, em especial, de uma universidade

qualitativamente superior aos propósitos do capital têm sido difícil. Em primeiro lugar,

porque a mercantilização das relações institucionais dentro das universidades tem

contribuído para a amortização das lutas em defesa da universidade pública.

Acrescente-se, ainda, que destacados frações do movimento docente dentro das

universidades, aderiram de forma pragmática à tese de que não há alternativas possíveis,

o que significa, em poucas palavras, uma adesão à ordem estabelecida.

O diagnóstico apresentado implica em uma responsabilidade maior para aqueles

que se colocam em defesa da universidade pública e de uma formação sólida do futuro

professor: a da ampliação de categorias teóricas, sínteses explicativas sólidas, críticas,

que potencializem a ação coletiva de contestação e a mudança radical.

Pelo que foi dito até aqui, ganha sentido a defesa da escola pública e a luta pela

não abdicação do Estado de seu papel de provedor de bens públicos. Educação não é um

serviço prestado, mas um direito que deve ser assegurado. Como indivíduos, seremos

incapazes de transformar profundamente as estruturas vigentes. Portanto, é necessário

fortalecer os agentes comprometidos com a escola popular no âmbito da sociedade civil,

com o objetivo de exercer/ampliar o controle sobre o Estado. O fortalecimento das

organizações de professores, dos movimentos estudantis e outras entidades afins, são

fundamentais para a construção de uma nova sociedade. Assim, em lugar da defesa da

privatização, o que se torna imprescindível é a necessidade de denunciar as práticas que

ajudam a manter os privilégios presentes em nossa sociedade, sem nos esquecermos que

a instituição escolar é reflexo das relações materiais de produção.

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Nesse sentido, uma transformação revolucionária é impossível sem a

contribuição mais efetiva da educação em seu sentido amplo. Entendemos que a

educação pode e deve ser articulada com as lutas mais amplas dos trabalhadores em

busca de sua real emancipação.

Por fim, entendemos que o quadro delineado é uma construção história.

Portanto, uma dedução lógica implica em reconhecer a possibilidade de construção de

uma alternativa diferente daquelas colocadas pelo capital.

REFERÊNCIAS

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<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-9802009000200008&script=sci_arttext>.

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