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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO VEZ DO MESTRE
A EDUCAÇÃO NO MUNDO GLOBALIZADO
Octávio Torres Costa
Rio de Janeiro
Março de 2004
2OCTÁVIO TORRES COSTA
Aluno do Curso de Pós-Graduação em Docência do Ensino Superior
Matrícula 14390 TURMA 540
EDUCAÇÃO NO MUNDO GLOBALIZADO
Monografia apresentada como requisito
parcial para obtenção do título de
especialista em Docência do Ensino
Superior
Rio de Janeiro
Março de 2004
3
“O ritmo de mudança em nossa época é
tão rápido que um indivíduo, ao longo de
sua vida, é levado a enfrentar novas
situações jamais experimentadas. A
pessoa com crenças definitivas, dedicada
a tarefas imutáveis, que era
anteriormente considerada uma dádiva
divina, será um perigo público nos
tempos que virão”.
Alfred North Whitehead
4
RESUMO
A globalização trouxe para a educação uma nova visão e a
necessidade de atualizar-se nessa evolução tecnológica e social, que tem por fonte de
informação indispensável, tanto no contexto familiar como na unidade escolar, a
mídia e a Internet. Essa globalização se apresenta como um processo social atuante
na mudança da estrutura política e econômica das sociedades. Em termos
econômicos marca a relação que surge entre as economias no mundo, através do
comércio, dos fluxos financeiros, do intercâmbio de tecnologia e informação e do
movimento de pessoas.
Nesse aspecto, o presente trabalho visa apontar as principais
mudanças nas bases educacionais de modo a atender as novas demandas do mercado
globalizado. Para tanto, a questão da qualidade total no ensino e o posicionamento
das escolas em face ao novo mercado que se apresenta serão analisados como forma
de produção do saber na era da globalização.
Será considerado como modelo de qualidade total o agir de forma
planejada e sistêmica, com o objetivo de implementar um ambiente no qual o
aprimoramento seja contínuo e onde as relações existam de forma a garantir
satisfação mútua. Assim, a educação precisa adotar esse modelo para que seu papel
na formação social seja crítico e consciente, promovendo um projeto de cidadania
coerente com o mundo que hoje se apresenta.
A educação superior na sociedade globalizada tem o compromisso de
preparar um homem autônomo, para viver e participar de uma cultura que não é
apenas local, mas que amplia os espaços, tendo o mundo como sua localidade e o seu
lugar. Nesse sentido, a ampliação da consciência humana na conquista do espaço
cultural mundial depende da capacidade da escola em trabalhar pedagogicamente
essa dimensão.
5SUMÁRIO
Resumo 04 1.0 - INTRODUÇÃO 06 1.1 Apresentação do problema 06 1.2 Objetivos do estudo 08 1.3 Questões de pesquisa 09 1.4 Definição de termos 09 2.0 – A EDUCAÇÃO E A GESTÃO DA QUALIDADE 10 2.1 – A Difícil Situação da Educação no Brasil 10 2.2 – Educação: Um Problema Econômico 11 2.3 – Investimentos em Educação 12 3.0 – GLOBALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO E QUALIDADE 14 3.1 – A Crise do Estado de Bem Estar Social e o Novo Discurso Burguês 14 3.2 – Qualidade: gênese e “socialização” da palavra 17 3.3 – A Proposta da “Escola de Qualidade Total” no Brasil 21 4.0 – INFORMÁTICA E EDUCAÇÃO: NOVAS FORMAS DE PRODUÇÃO DO SABER NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO
24
4.1 – Interpretações sobre as Mudanças Tecnológicas 24 4.1.1– Tecnófobos (a visão negativa) 25 4.1.2 – Tecnófilos (a visão positiva) 30 4.2 – Escola e Novas Tecnologias: uma parceria possível? 34 5.0 – A ESCOLA EM FACE A GLOBALIZAÇÃO 42 6.0 – CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES 49 6.1 Conclusão 49 6.2 Recomendações 50 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 52
6
1.0 INTRODUÇÃO
1.1 Apresentação do Problema
Ainda neste século XXI, vivenciamos uma sociedade globalizada,
onde impera o neoliberalismo, movimento que surge no final do século passado
como uma saída para a crise estrutural vivida pelo sistema capitalista e como uma
reação contra o Estado de bem-estar social (Welfare States), modelo que admitia
certos direitos sociais, como saúde, transporte, moradia, acesso à educação e que
também exercia atividades protecionistas na economia, como incentivo ao mercado
interno e ao processo de substituição de importações. Seus críticos acreditavam que:
... o novo igualitarismo deste período, promovido pelo Estado de
bem-estar, destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da
concorrência, da qual dependia a prosperidade de todos.[...] O
remédio, então, era claro : manter um Estado forte, sim, em sua
capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do
dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções
econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema
de qualquer governo. (ANDERSON, 1995, p.10)
Visando construir uma nova ordem mundial, a elite dominante dos
países desenvolvidos adota como política estratégica a globalização da economia e a
reestruturação produtiva a partir dos avanços tecnológicos, como a robótica, a
microeletrônica, entre outras e novas formas de gerenciamento do trabalho, como a
terceirização, a gestão participativa, a flexibilização na produção, etc. O atual
processo de globalização é comandado pelas grandes corporações transnacionais que
procuram abrir novos mercados para aumentar suas taxas de lucro, utilizando, para
isso, a política neoliberal.
Os planos de estabilização monetária e a reforma do Estado são
condições impostas pelas organizações financeiras internacionais para que países em
desenvolvimento como o Brasil, México, Argentina, e outros, venham se inserir na
7nova ordem mundial, na qual a revolução tecnológica introduziu enormes
transformações nas relações sociais.
Não se trata exatamente de um programa, por mais que algumas
medidas centrais do receituário sejam bem padronizadas. Antes, é
um conjunto de princípios oriundos do pressuposto básico de que
os mecanismos de freio das energias do mercado tendem a produzir
efeitos nefastos sobre a sociedade, deteriorando sua capacidade de
seguir crescendo e tolhendo a iniciativa dos agentes econômicos,
subjugados aos procedimentos monopolísticos que o estado
necessariamente produz. (COSTA, 1995, p. 51)
Sendo assim, o caminho que passa a ser adotado é o de redução da
esfera de influência do estado, por meio da desregulamentação, privatização de
empresas públicas e de terceirização de serviços prestados.
O papel da mídia passa a ser muito importante para a difusão e
aceitação de aspectos neoliberais:
A indústria da informação, além de constituir a grande saída para
a retomada da acumulação capitalista no âmbito mundial,
forneceria a saída política para a crise, auxiliando a produzir
consenso rumo a uma nova "consciência mundial" e à diluição das
fronteiras dos Estados-Nações, pela via de uma cultura
transnacionalizada [...]. O discurso desregulacionista e privatista
também invade o campo cultural, aumentando os espaços de ação
dos grandes grupos, já que não há mão invisível que consiga
equilibrar mercados monopolizados e protegidos por poderosos
interesses políticos.(FREITAS, 1992, p. 31)
8Com certeza a educação constitui parte importante deste contexto. Nas últimas
décadas, influenciados pelo pensamento dos EUA e da Europa ocidental, a quase
totalidade de nossos economistas assumiu a posição de considerar a educação como
um instrumento do crescimento econômico e da globalização. As técnicas de custo-
benefício foram desenvolvidas e aplicadas, visando determinar qual o menor
investimento necessário na educação para atender as necessidades do neoliberalismo.
Estas modificações nas relações econômicas e sociais demandam
novas exigências no que diz respeito a participação e atuação do
trabalhador no interior da empresa e na sociedade. As relações
entre capital e trabalho assumem características específicas [...] e
a educação é chamada a produzir os comportamentos e
conhecimentos necessários a reprodução destas relações. (DEL
PINO, 1995, p. 123)
Portanto, o problema objeto do estudo é, primeiramente, caracterizar
adequadamente alguns aspectos que envolvem essa discussão, desmistificando
alguns conceitos sócio-políticos comumente utilizados e divulgados em nossa
sociedade. Após, tentaremos demonstrar como se situa a educação neste contexto que
se apresenta atualmente em países como o Brasil.
1.2 Objetivos do estudo
Objetivo Geral
Analisar as mudanças ocorridas na área educacional com o advento da
globalização.
9 Objetivos Específicos
- Abordar a questão da qualidade total no ensino.
- Analisar a introdução da informática na educação como forma de produção
do saber na era da globalização.
- Verificar o posicionamento das escolas em face ao mercado globalizado.
1.3 Questões de pesquisa
- Quais investimentos devem ser realizados no âmbito educacional numa
perspectiva globalizada?
- Quais as principais transformações advindas da globalização que interferem
na política educacional?
- O que deve ser realizado no contexto da educação de forma a adequá-la à
era globalizada?
1.4 Definição de termos
Globalização å é um processo social que atua no sentido de uma mudança na
estrutura política e econômica das sociedades, ocorrendo em ondas, com avanços e
retrocessos separados por intervalos que podem durar séculos. Em termos
econômicos significa Integração das economias no Mundo, através do comércio, dos
fluxos financeiros, do intercâmbio de tecnologia e informação e do movimento de
pessoas.
Gestão da qualidade å é agir de forma planejada e sistêmica para implantar e
implementar um ambiente no qual o aprimoramento seja contínuo e que em todas as
relações fornecedor/ cliente da organização, sejam elas internas ou externas, exista a
satisfação mútua.
102.0 - A EDUCAÇÃO E A GESTÃO DA QUALIDADE
Numa economia moderna o fator mais relevante é o capital humano.
Há evidencias de que os países que mais crescem são aqueles que a promovem de
maneira mais eficaz. A educação é um dos componentes mais importantes do capital
humano. Um outro é o treinamento no local de trabalho.
No Brasil, o capital humano é, em sua maioria (65%), formado por
empregados que não concluíram o ensino fundamental. Estes quadros avaliados em
profundidade, revelam o dramático quadro em que se encontram os resultados das
implantações de gestão de qualidade nas empresas. Gestão de qualidade não ensina
gerente a formar juízo próprio do que lêem. Não leva leitores a avaliar com
propriedade e desapaixonadamente uma ata de reunião ou um relatório, nem
tampouco ensina técnicos a compreender um texto. Isto, pura e simplesmente,
significa dizer: saber ler. E isto também que dizer ter uma educação básica. Saber ler
não é apenas decodificar símbolos. É mais, é formar espírito crítico, é formar opinião
própria sobre o que lê, é raciocinar!
2.1 - A Difícil Situação da Educação no Brasil
Sabe-se que o sistema educacional vai mal. Mas, o que pode ser feito
a este respeito? Se a iniciativa privada não se conscientiza de sua responsabilidade
neste processo chamado educação básica, não tem como dar certo o que até a alguns
anos atrás dava certo. E o que mudou neste sentido? Nada, ou quase nada, e é por
isso mesmo que não está dando mais certo.
O mundo mudou e a globalização é um rolo compressor! Nos damos
ao luxo de saber pelos jornais o terrível resultado da avaliação nacional apresentado
pelo MEC e achar que isto não nos diz respeito, pois nossos filhos estão muito bem
colocados em uma escola particular e nossos funcionários sabem ler e escrever.
Estes são dados para pensar: No final de 1995, o MEC desenvolveu
uma pesquisa junto a escolas de ensino fundamental e médio. Os resultados foram
assustadores:
11• Após a leitura do manual de uma furadeira, 35% dos alunos das séries finais
dos cursos não conseguiram colocá-la para funcionar.
• 30% da mesma série não conseguiram preencher uma guia de depósito
bancário.
• 50% não conseguiram formar uma opinião sobre um texto lido.
• 70% não conseguiram resolver problemas com as quatro operações
fundamentais da matemática.
Como alunos de final do nível médio, ou eles vão tentar ingressar em
faculdades ou se colocarão disponíveis ao mercado de trabalho, ou ainda os dois.
Tem Gestão de Qualidade que possa dar certo com um quadro destes? Será que as
empresas irão suportar a concorrência da globalização? Será que existirá garantia de
emprego para alguém? Com as novas tecnologias, que necessitam de profissionais
capacitados, terão os empresários mão-de-obra eficiente?
A conseqüência, entre outras, é o fantasma do desemprego que deixou
de ser conjuntural e passou a ser estrutural. É certo que desemprego estrutural é, em
parte, conseqüência da automação das empresas, mas também tem a ver com a má
qualificação de mão-de-obra.
2.2 – Educação: Um Problema Econômico
Não é preciso ir longe para se fazer uma avaliação geral. Alguns
dados importantes: Do total de mão-de-obra empregada nas indústrias, 44,8%
fizeram a 4a série do primeiro grau completa, 21,15% fizeram até a 4a série
incompleta, 16,79% fizeram o ensino fundamental completo, 12,14% fizeram o nível
médio incompleto e 4,16% tem o nível superior.
Isto significa que 65,95% das vagas em indústrias são ocupadas por
profissionais com até a 4ª série do ensino fundamental e 28,93 com o nível médio. Os
números do MEC demonstram claramente a falta de preparo de nossos colaboradores
e projetam dificuldades futuras de formação de um quadro empresarial eficiente e
com competência suficiente para fazer frente ao inexorável processo de globalização.
As empresas estão preocupadas com as conseqüências práticas da
baixa escolaridade, dentre as quais destacamos:
12• Trabalhadores com pouca instrução não conseguem interpretar as ordens
corretamente e nem entender manuais de equipamentos, o que acaba
sobrecarregando a gerência.
• Falta de agilidade pela falta de autonomia na produção, gerando atrasos e
perdas de tempo.
• Agrava-se a situação com a entrada de novos equipamentos e métodos de
gestão, dificultando o aproveitamento do funcionário por falta de nível para
entender todas as técnicas.
2.3 - Investimento em Educação
A competitividade de uma empresa está em sua mão-de-obra,
equipamentos e tecnologia. Estas e outras já são boas razões para que as mesmas
trabalhem rapidamente a educação de seus funcionários, antes mesmo de qualquer
processo de QT.
Mudar este perfil de falência educacional de seus quadros de
funcionários é decisivo para que a empresa se fortaleça e seja mais agressiva no
mercado, pois investir em educação, hoje, não é mais mecenato, apadrinhamento ou
generosidade de alguns empresários, mas necessidade. É estratégia de sobrevivência
em fenômeno chamado globalização. É bom ressaltar que a maioria das empresas
multinacionais está em franco e acelerado processo de investimento na educação
básica e superior de seus funcionários.
Investimos pouco na educação e queremos um desenvolvimento
sustentado! Sonho meu, sonho meu! De acordo com Gary Becker (prêmio Nobel de
economia) países que investiram volume considerado de recursos para educar suas
populações obtiveram maior desenvolvimento econômico.
A média mundial de investimento em educação é de 3 a 5% em
relação ao faturamento bruto; o Brasil fica no patamar vexaminoso de 0,6%. E a
média mundial de horas que um trabalhador passa em sala de aula em relação às
horas trabalhadas é de 7% , contra os minguados 1,22% do Brasil.
Estudo do Departamento de Educação dos EUA mostra que a cada
10% de aumento no investimento na educação feito pelas empresas obtém-se um
13ganho de 8,6% em produtividade, e se o mesmo incremento for dado ao número de
horas trabalhadas, o aumento da produtividade é de apenas 5,6%. Por outro lado, se
estes mesmos 10% foram aplicados em investimentos tecnológicos, a produtividade
obterá um ganho de apenas 3,4%.
Semelhante ao El Niño, a globalização, este fenômeno produzido pelo
aquecimento do oceano do poder, lança suas nuvens carregadas aos céus, numa
formação poderosa de blocos econômicos de interesses comuns, acirrando a
competição mundial pela eficiência e produtividade, em que o diferencial passa a ser
a informação, o conhecimento, e não apenas a força de trabalho e o capital.
E nós, que somos colocados como um país emergente, ou vamos
formar uma força tarefa para após a tormenta procurar sobreviventes nos escombros
da avalanche global ou agimos com eficácia e precisão, dançando fora dos laços da
ignorância, para termos algum futuro.
143.0 - GLOBALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO E QUALIDADE
Discutir a relação trabalho e educação no contexto da dinâmica atual
do capitalismo é uma tarefa complexa e cheia de ardil, tendo em vista as
transformações pelas quais vem passando os processos produtivos, as relações
sociais de produção, o mundo da informação devido a introdução de novas
tecnologias. Assim, é preciso repensar as clássicas análises sociais, políticas,
econômicas e as teorias educacionais tidas como indiscutíveis.
O neoliberalismo, doutrina que procura explicar a crise da sociedade e
as formas de superá-la (a crise), torna-se ideologia dominante numa época em que a
hegemonia do planeta está em poder dos EUA. Esta ideologia procura, além de tudo,
explicar e justificar a crise do Estado Nacional ocasionado pelo processo de
globalização.
Em seu discurso, atualizado e revisado, o neoliberalismo prega a
reforma do Estado em todos os seus aspectos, pois considera a gestão pública
ineficiente causando as anomalias da sociedade. Nesta ampla reforma a educação
também é um grande alvo; ela é chamada a dar explicações dos seus "insucessos" e
da sociedade, bem como dar sua contribuição para a superação da crise, surgindo
então o discurso em prol da qualidade do Ensino; questão que é o objeto de discussão
deste ensaio e o processo que o engendrou.
3.1 - A crise do Estado de Bem Estar Social e o novo Discurso Burguês
Com ressonância mundial, a crise dos anos 70 tem origem bem
remota. Sua gênese data dos anos 30, ou seja, nas estratégias de superação da crise
ocorrida em 1929. As políticas engendradas pelo Estado de bem estar social e a
social-democracia não conseguiram suprimir o modelo de desenvolvimento social
pautado na concentração crescente de capital e exclusão social. O modelo foi
denominado de fordista ou neofordista de produção e fundamentado na teoria de
Keynes.
As características principais do fordismo ou neofordismo podem ser
assim resumidas:
15a) uma determinada forma de organização do trabalho fundada em bases tecnológicas
que se pautam por um refinamento do sistema de máquinas de caráter rígido, com
divisão específica do trabalho, um determinado patamar de conhecimento e uma
determinada composição da força-de-trabalho;
b) um determinado regime de acumulação, fundado numa estrutura de relações que
buscou compatibilizar produção em grande escala e consumo de massa num
determinado nível de lucro;
c) e, por fim, um determinado modo de regulação social que compreende a base
ideológica-política de produção de valores, normas, instituições que atuam no plano
do controle das relações sociais gerais, dos conflitos intercapitalista e nas relações
capital-trabalho. (Frigotto, 1993:64/65).
Segundo o autor este modelo sobrevive a um período de 60 anos; até
1930 consistiu no processo de refinamento do sistema de maquinaria: grandes
fábricas, decomposição de tarefas (Tayolorismo); a mão-de-obra pouco qualificada, o
trabalho com gerência científica, separação entre a concepção e a execução do
trabalho; a partir de 1930 o fordismo tem um efetivo desenvolvimento e se
caracteriza por um sistema de máquinas acoplado, aumento intenso do capital morto
e da produtividade, produção em larga escala, consumo de massa. Após a 2ª Guerra
Mundial torna-se um modo social e cultural de vida, ganhando força a idéia do bem-
estar social e os regimes sociais-democratas tornam-se uma das alternativas para
substituir o capitalismo, o socialismo e o comunismo.
Em contrapartida o sistema capitalista adota medidas de planificação
socialista, que coloca em prática objetivando sua recuperação e estabilidade. Neste
sentido,
O Estado de bem-estar social vai desenvolver políticas sociais que
visam a estabilidade no emprego, políticas de rendas com ganhos
de produtividade e de previdência social, incluindo seguro
desemprego, bem como direito à educação, subsídio no transporte,
etc. (Frigotto, 1993:66).
Porém, os limites deste modelo de desenvolvimento logo aparecem;
assim no final dos anos 60 é visível a progressiva saturação do mercado interno de
bens de consumo duráveis, a concorrência intercapitalista, crise fiscal e inflacionária
que provocou a retração dos investimentos. Neste quadro,
16Desenha-se, então, a crise do Estado de bem-estar social, dos
próprios regimes sociais-democratas e principiam-se a defesa à
volta das "leis naturais do mercado" mediante as políticas
neoliberais, que postulam o Estado mínimo, fim da estabilidade
no emprego e corte abrupto das despesas previdenciárias e dos
gastos, em geral, com as políticas sociais. (Frigotto, 1993:69).
A conseqüência dos efeitos do ajuste neoconservador para enfrentar a
crise que foi a definição do novo modelo de acumulação social, de acordo com o
novo reordenamento social, foi a crescente exclusão social. A propagada noção dos
custos sociais e humanos colocada em prática provoca o aumento da miséria
absoluta, da fome, da violência, doenças endêmicas, o desemprego, subemprego
estrutural que afeta indiscriminadamente os países do norte e sul.
O aprofundamento da crise econômica e a incapacidade do modelo de
desenvolvimento de enfrentá-la, pois a crise manifesta-se então, no momento em que
a ação do Estado já era regulatória, permite o ressurgimento revigorado, do ideário
liberal, agora denominado de neoliberalismo1. Este ideário explica a ascensão
política de Margareth Tatcher e Ronald Reagan, respectivamente na Grã-Bretanha e
nos EUA, na década de 80, dando início às políticas neoliberais que com o passar do
tempo tornam-se um fenômeno político de alcance mundial.
Assim, atualmente estamos presenciando um amplo processo de
redefinição global das esferas social, política, econômica e pessoal; está em jogo uma
reelaboração e redefinição das próprias formas de representação e significação social
e
A construção da política como manipulação do afeto e do
sentimento; a transformação do espaço de discussão política em
estratégias de convencimento publicitário; a celebração da suposta
eficiência e produtividade da iniciativa privada em oposição à
ineficiência e ao desperdício dos serviços públicos: a redefinição
da cidadania pela qual o agente político se transforma em agente
econômico e o cidadão em consumidor, são todos elementos
centrais importantes do projeto neoliberal global. É nesse projeto
17global que se insere a redefinição da educação em termos de
mercado. (Silva, 1997:14/15).
No Brasil, em termos de doutrina social, o neoliberalismo defende a
idéia de uma organização econômica e social harmoniosa baseada nas decisões do
indivíduo racional livre, qualidade total, modernização da escola, adequação do
ensino à competitividade do mercado internacional, novas vocações, incorporações
das técnicas e linguagens da informática e da comunicação, abertura das
universidades aos financiamentos empresariais, pesquisas práticas é utilitárias,
produtividade, etc... Essas são as palavras de ordem do discurso neoliberal para a
educação. A classe política beneficia-se destas estratégias, pois ela apresenta
mudanças ideológicas em um nível político, social e educacional.
3.2 - Qualidade: gênese e “socialização” da palavra
À época do apogeu do Estado de bem-estar social, a palavra qualidade
era usada para medir o desempenho dos serviços públicos, acreditando-se que mais
custos ou mais recursos, materiais ou humanos por usuário era o mesmo que maior
qualidade. Posteriormente é deslocado do setor de recursos para a eficiência do
processo, assim, qualidade passa a ser, conseguir o máximo resultado com o mínimo
custo. Atualmente esta não é a lógica dos serviços públicos, e sim da produção
empresarial privada.
Na linguagem educacional, dos especialistas, das administrações
educacionais e dos organismos internacionais o conceito passou por inúmeras
mudanças. Inicialmente era identificado com a dotação em recursos humanos e
materiais dos sistemas escolares e suas partes, como: proporção do produto interno
bruto ou do gasto público com a educação, custo por aluno, número de alunos por
professor, duração da formação ou nível salarial dos professores e demais
profissionais ligados à área educacional; período correspondente à época do Estado
de bem-estar.
Atualmente qualidade conceitua os resultados obtidos pelos escolares,
independente da forma de medi-los, como: taxas de retenção, taxas de promoção,
18egressos dos cursos superiores, comparações internacionais do rendimento escolar,
etc. Porém, a mudança na forma de expressar o conceito de qualidade não elimina as
outras, pois todas convivem e servem a grupos diversos com interesses distintos.
O discurso em defesa da qualidade teve início nos Estados Unidos e
tem história em vários momentos específicos, sendo que o comum a todos os
momentos tem sido a crença dos americanos de que sua hegemonia mundial é
ameaçada por um concorrente externo. Os anos são os seguintes:
1) 1920 - os americanos sentiam-se duplamente ameaçados: de um lado, pelo
crescimento econômico da Alemanha e seu poderio crescente; de outro pelo
movimento operário, representado pela Revolução de Outubro;
2) 1950/1960 - a dupla ameaça tinha o mesmo endereço: URSS e o socialismo; de
um lado, se caracteriza pela visível vitória dos russos no campo tecnológico, com a
colocação em órbita do Sputnik; de outro pela crise do Estado de bem-estar e as suas
conseqüências no Ocidente, fato que foi capitalizado e veiculado pela esquerda.
Neste período o discurso educacional focaliza a eficiência e a igualdade, porém, com
estes fatos fundem-se e é colocada em prática as teorias da estratificação social,
funcionalista, do capital humano e a da modernização.
3) 1980 – é visível a diferença entre o Leste e o Oeste industrializado e se atribui a
disparidade à superioridade da economia de livre mercado sobre a planificação
central; porém, ocorre também a ascensão veloz do Japão, da Zona do Pacífico e da
Alemanha Federal.
Excetuando o alto grau de exploração dos trabalhadores asiáticos, o
desenvolvimento dos outros países se deve à política das empresas, a suas formas de
organização interna, etc., ou seja, ao campo do privado, às exclusivas capacidades do
capital. A educação, pelo contrário, está no campo do público, porém, o discurso
oficial denuncia as altas taxas de evasão, compara-se os resultados entre os países, a
queda do nível, a crise da disciplina, o aumento das matérias optativas e diminuição
das tradicionais. Neste momento nada impede ou obstrui o discurso da qualidade; os
especialistas e autoridades elevam-na ao grau de excelência e a mesma passa a ser o
eixo norteador das políticas educacionais.
19
Na realidade, a educação carrega hoje um fardo muito pesado. Em
uma época de escasso ou nenhum crescimento líquido e
desemprego em massa, o discurso oficial responsabiliza a
educação por ambas as coisas. Ao colocar ênfase na centralidade
das reformas educacionais para continuar ou melhorar na
competição internacional, está-se afirmando que se o país não vai
melhor é por culpa de seu sistema educacional. Ao insistir
permanentemente no desgastado problema do "ajuste" entre
educação e emprego, entre o que o sistema escolar produz e o que
o mundo empresarial requer, está-se lançando a mensagem de que
o fenômeno do desemprego é culpa dos indivíduos, os quais não
souberam adquirir a educação adequada ou dos poderes públicos
que não souberam oferecê-la; mas nunca das empresas, embora
sejam essas que tomam as decisões sobre investimentos e emprego
e que organizam os processos de trabalho. (Enguita, 1997:103).
Neste sentido o sistema educacional é a vítima das mazelas da
sociedade; isto ocorre há décadas, sendo que quando o clima é de otimismo muda-se
em educação, o que permite aos demais atingirem seus objetivos e, em clima de
pessimismo, as culpas são todas da escola, quando na verdade a crise é ocasionada
por um conjunto de fatores.
O raciocínio no qual se insere o discurso sobre a qualidade e da
gerência da qualidade total atualmente é o que consiste em transformar questões
políticas e sociais em questões técnicas. Ou seja, os problemas sociais e educacionais
que são questões políticas são tratados como questões técnicas, de eficácia e
ineficácia na gerência e administração de recursos humanos e materiais. Por isso a
carência de recursos de todos os tipos nas instituições educativas públicas que é
enfrentada cotidianamente por administradores, professores e alunos é explicada
como conseqüência de má gestão e desperdício, falta de produtividade e controle de
professores e administradores; por outro lado, as questões educacionais são vistas
como conseqüência dos métodos atrasados e ineficazes de ensino e dos currículos
inadequados. Assim, o discurso neoliberal aponta como solução uma melhor gestão e
20administração, bem como a reforma de métodos de ensino e conteúdos curriculares
adequados traduzidos na proposta de Gestão da Qualidade Total (GQT).
Cabe aqui ressaltar que a situação das escolas públicas não podem ser
analisadas fora do contexto da população a qual atendem, ou seja, sua clientela está
colocada numa posição subordinada em relação às relações dominantes de poder. A
escola privada é freqüentada por um grupo privilegiado em termos de poder e
recursos com capital cultural inicial.
A qualidade já existe – qualidade de vida, qualidade de educação,
qualidade de saúde. Mas apenas para alguns. Nesse sentido,
qualidade é apenas sinônimo de riqueza e, como riqueza, trata-se
de um conceito relacional. Boa e muita qualidade para uns, pouca
e má qualidade para outros. Por isso, a gerência da qualidade
total na escola privada é redundante – ela já existe; na escola
pública é inócua se não se mexer na estrutura de distribuição de
riqueza e recursos. (Silva, 1997:20).
Os neoliberais, com o discurso da qualidade total, pretendem orientar
a educação institucionalizada para as necessidades da indústria, organizá-la em forma
de mercado e, também reorganizar as escolas e as salas de aula de acordo com
esquemas de organização do processo de trabalho.
213.3 - A Proposta da "Escola de Qualidade Total" no Brasil
No Brasil a proposta de um programa de "Escola de Qualidade Total"
é defendido por Cosete Ramos (1992), que assume as características dos programas
de "controle de Qualidade Total" colocados em prática em instituições educacionais
dos Estados Unidos. O programa de Cosete Ramos abrange as estratégias de
aplicação do "Método de 14 Pontos" de W. Edwards Deming, muito aceito no mundo
empresarial e são os que se seguem:
1) Filosofia da qualidade;
2) Constância de propósitos;
3) Avaliação do processo;
4) Transações de longo prazo;
5) Melhoria constante;
6) Treinamento em serviço;
7) Liderança;
8) Distanciamento do medo;
9) Eliminação de barreiras;
10) Comunicação produtiva;
11) Abandono das quotas numéricas;
12) Orgulho na execução;
13) Educação e aperfeiçoamento e
14) Ação para a transformação.
Gentili (1997: 124 – 125) apresenta as razões para o surgimento do
discurso da qualidade no Brasil, de caráter político, que levou ao abandono do
processo de democratização e engajamento às idéias conservadoras referentes à
qualidade, às quais uma grande parcela dos intelectuais latino-americanos aderiram.
Sintetizo as razões expostas pelo autor:
1) o fracasso das propostas sociais – democratas colocadas em prática
por governos pós-ditatoriais;
2) cooptação intelectual no final dos anos 80 e início dos 90 "conduziu
a um esmorecimento das pretensões e das demandas democratizadoras antes
defendidas";
223) falta de alternativas anti – sistêmicas de orientação progressista e
popular que levou uma grande parcela das intelectuais e se desencantarem com a
ação política.
O caso brasileiro não se inclui neste ponto. E assim,
O discurso de qualidade total, das excelências da livre iniciativa,
da "modernização", dos males da administração pública reprime e
desloca o discurso da igualdade/desigualdade, da participação
política numa esfera pública de discussão e decisão tornando
quase impossível pensar numa sociedade e numa comunidade que
transcendam os imperativos do mercado e do capital. Ao redefinir
o significado de termos como "direitos", "cidadania",
"democracia", o neoliberalismo em geral e o neoliberalismo
educacional em particular, estreitam e restringem o campo do
social e do político, obrigando-nos a viver num ambiente habitado
por competitividade, individualismo e darwinismo social. (Silva,
1997: 22).
A educação, a escola é um espaço de luta; espaço este onde se dá a
disputa pela hegemonia da ideologia e, por isso, é um alvo da ofensiva neoliberal,
porque consiste numa das principais conquistas sociais e está envolvida na produção
da memória histórica e dos sujeitos sociais. O abandono do discurso sobre a
democratização e apologia da retórica da qualidade é um exemplo da ofensiva
antidemocrática que os setores neoconservadores colocam em prática contra a escola
pública e contra o direito à educação das minorias oprimidas.
... a qualidade não deve constituir, hoje, uma reivindicação a ser
recuperada por aqueles setores que lutam pela defesa e pela
transformação da educação pública. O significado da qualidade e,
conseqüentemente, a definição dos instrumentos apropriados para
avaliá-la, são espaços de poder e de conflito que não devem ser
abandonados. Então, trata-se de conquistar e impor um novo
sentido aos critérios de qualidade empregados no campo
educacional por (neo) conservadores e (neo) liberais. Devemos
23sustentar com decisão que não existe um critério universal de
qualidade (ainda que os intelectuais reconvertidos assim o
pretendam. Existem diversos critérios históricos que respondem a
diversos critérios e intencionalidades políticas. Um é o que
pretende impor os setores hegemônicos: o critério de qualidade
como mecanismo de diferenciação e dualização social. Outro, o
que devem conquistar os setores de esquerda: o da qualidade como
fator indissoluvelmente unido a uma democratização radical da
educação e a um fortalecimento progressivo da escola pública.
(Gentili, 1997: 172).
244.0 – INFORMÁTICA E EDUCAÇÃO: NOVAS FORMAS DE PRODUÇÃO
DO SABER NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO
O novo século trouxe profundas mudanças científicas e tecnológicas
cujo imperativo colocou não só questões práticas para nossa vida cotidiana, mas
também, levantou novas problemáticas. Algumas dessas problemáticas estão
relacionadas com novas linguagens tornadas operacionais pela tecnologia. Além
disso, estudiosos contemporâneos afirmam que estas transformações estão criando
uma nova cultura e modificando as formas de produção e apropriação dos saberes.
Refletindo sobre a relação linguagens, comunicação e cibercultura,
emergem algumas perguntas: que novas formas de construção e apropriação de
saberes se anunciam? O que é ser leitor e escritor nesta nova era? Qual o papel da
escola nesse processo?
4.1 - Interpretações sobre as mudanças tecnológicas
Desde o Ion de Platão (livro que trata da techné) até nossos dias, a
importância da técnica se multiplicou infinitamente, pois sua evolução científica
permitiu (ou obrigou) que ela fosse incorporada praticamente em todas as esferas da
cultura, nos corpos humanos e de outros seres vivos, no pensamento e na produção
de objetos técnicos.
São historicamente conhecidos o estranhamento e o desconforto que invenções
técnicas geraram nas pessoas, como por exemplo, o uso da eletricidade, o telefone e
o carro. Antes que uma nova tecnologia seja interiorizada pelas pessoas não é fácil
conseguir compreender de forma clara o movimento dessas mudanças e mais ainda
antever seus efeitos. Hoje temos duas grandes linhas de intelectuais que avaliam o
entrelaçamento entre as tecnologias mais recentes e a produção cultural.
Uma linha de pensamento de fundo niilista está sempre presente
nesses momentos de crises agudas. O problema principal de algumas linhas teóricas e
metodológicas das ciências humanas que fazem a crítica da técnica é que elas
sofreram um forte processo de deslegitimação por não formarem uma ciência
positiva. Isso por que interessa cada vez menos ao saber oficial tratar daquilo que é
25etéreo, obscuro e complexo, como muitas vezes ocorre com os objetos dessas
ciências. E é assim que geralmente trabalham os críticos da técnica. São na verdade
muitas vezes adversários da racionalidade instrumental e operacional que, tratando
muito mais do que seria certo, indubitável, útil, torna-se cada vez mais ubíqua. Outra
dificuldade dessa linha de pensamento é o seu afastamento do senso comum, já que o
contato constante com as novas tecnologias pelas pessoas leva a um processo de
interiorização que as transformam em entidades constitutivas das práticas culturais
cotidianas.
Uma segunda linha teórica, tenta compreender essa mudança como
uma passagem que vem trazendo mudanças culturais positivas. Mesmo percebendo
que o processo também é de destruição de princípios que já datam de alguns séculos
- o Iluminismo -, ainda parece acreditar que a sociedade humana está a caminhar em
direção a um progresso. Essa linha tende a se afirmar cada vez mais tanto por sua
aproximação do processo inexorável de absorção cultural nas novas tecnologias,
quanto pela deslegitimação e desqualificação dos discursos antagônicos à tecnologia.
4.1.1 - Tecnófobos (a visão negativa)
A argumentação contra as transformações advindas da técnica não é
privilégio do nosso tempo, mas já estava presente no pensamento de grandes
filósofos da Grécia antiga. De certa forma podemos dizer que o pensamento daqueles
personagens da história da filosofia ainda está entre nós. Heidegger foi um dos
primeiros a mostrar nesse século o que representavam as novas técnicas da
informação para a Filosofia.
O pensador alemão percebia claramente que a informática (que nos
seus primeiros momentos chamava-se cibernética) levaria às seguintes
conseqüências: determinação do homem como ser ligado à praxis; a transformação
da linguagem em troca de mensagem; o desaparecimento da necessidade de
questionar a técnica, já que ela irá marcar e irá orientar todas as manifestações do
Planeta.
Segundo Heidegger isso ocorre por que a racionalização técnico-
científica possui uma inegável eficácia. No entanto, ele via com muita preocupação o
26triunfo dessa racionalidade técnica. Ele se perguntava então qual era a tarefa do
pensamento no fim da filosofia provocado pela técnica?
Ele vai dizer que essa tarefa é um pensamento que fica entre o
racional e o irracional, Na história da filosofia esse é o pensamento que trata do
desvelamento e da presença.
Para trazer a argumentação contra a técnica para o presente,
recuperamos a seguir algumas afirmações do sociólogo francês Jean Baudrillard,
considerado hoje um dos maiores críticos das novas tecnologias, um verdadeiro
iconoclasta do virtual, um profeta do fim dos tempos. Para ele, ao transferir suas
características para as novas máquinas o homem está abrindo mão de si mesmo ou
não acredita nele mesmo. Também abdica de pensar como abdicou do poder. E assim
o homem passa a viver em um mundo que tende ao esvaziamento total da cultura
humana.
"Se os homens criam ou fantasmam máquinas inteligentes é
porque, no íntimo, descrêem da própria inteligência ou porque
sucumbem ao peso de uma inteligência monstruosa e inútil, então
eles a exorcizam em máquinas para poder jogar e rir com elas.
Confiar essa inteligência a máquinas libera-nos de toda a
pretensão ao saber, como confiar o poder a homens políticos nos
dá a possibilidade de rir de qualquer pretensão ao
poder."(Baudrillard, 1992: 59)
A conseqüência da delegação de atributos que determinam o que é o
homem para as máquinas é uma regressão evolutiva que torna todos deficientes
motores e cerebrais. Significa também o fim do pensamento (o que lembra
Heidegger).
"Não é à toa que [as máquinas inteligentes] são chamadas
virtuais: é porque mantêm as idéias num suspense indefinido,
ligado ao termo de um saber exaustivo. O ato de pensar é aí
continuamente adiado. A questão das idéias nem pode ser
colocada, assim como a da liberdade para as gerações futuras:
elas atravessarão a vida como um espaço aéreo, amarradas ao
assento. ... O Homem Virtual, imóvel diante do computador, faz
27amor pela tela e faz cursos por teleconferências. Torna-se um
deficiente motor, e provavelmente cerebral também. Esse é o preço
para que ele se torne operacional. Como se pode prever que os
óculos ou as lentes de contato serão um dia a prótese integrada de
uma espécie da qual o olhar terá desaparecido, também é de temer
que a inteligência artificial e seus suportes técnicos tornem-se a
prótese de uma espécie da qual as idéias tenham desaparecido."
(Ibid., 1992: 60)
Com relação a conhecida alegação que a rede e a Internet representa
um grande salto para o saber humano, Baudrillard alega que o que existe é apenas
um mundo de simulação de liberdade e descoberta. Na verdade tudo para ele é
preestabelecido. É uma espécie de jogo sem fim e sem finalidade.
"Há no ciberespaço a possibilidade de realmente descobrir alguma
coisa? Internet apenas simula um espaço de liberdade e de
descoberta. Não oferece, em verdade, mais do que um espaço
fragmentado, mas convencional, onde o operador interage com
elementos conhecidos, sites estabelecidos, códigos instituídos.
Nada existe para além desses parâmetros de busca. Toda pergunta
encontra-se atrelada a uma resposta preestabelecida. Encarnamos,
ao mesmo tempo, a interrogação automática e a resposta
automática da máquina." (Ibid.,1997: 148)
Mais do que um jogo, ele considera a Internet como uma nova droga
de domesticação. Além de droga, cada vez mais o computador é uma prótese cujas
falhas tornam-se as falhas do nosso corpo.
"Daí a confortável vertigem dessa interação eletrônica e
informática, como uma droga. Podemos passar aí uma vida inteira,
sem interrupção. A droga mesma nunca é mais do que o exemplo
perfeito da louca interatividade em circuito fechado. Em nome da
domesticação, dizem-nos: o computador não passa de uma
máquina de escrever mais prática e mais complexa. ... O
computador é uma verdadeira prótese. Tenho com ele uma relação
28não somente interativa, mas tátil e intersensorial. Torno-me um
ectoplasma da tela. Daí, sem dúvida, nessa incubação da imagem
virtual e do cérebro, as falhas que afetam os computadores são
como os lapsos do próprio corpo." ( Ibid., 1997: 148)
Outros grandes problemas da virtualidade são o desaparecimento do
espaço, agora impalpável; de falta de identidade e a alteridade; a falta de referência
às coisas.
"Em contrapartida, o fato de que a identidade seja a da rede, não a
dos indivíduos, e que a prioridade seja dada antes à rede do que
aos seus protagonistas, implica a possibilidade da dissimulação,
do desaparecimento no espaço impalpável do virtual, e de assim
não ser mais localizável, inclusive por si mesmo, o que resolve
todos os problemas de identidade, sem contar os problemas de
alteridade. A atração das máquinas virtuais origina-se, sem
dúvida, menos na sede de informação e de conhecimento, ou
mesmo de encontro, do que no desejo de desaparecimento e na
possibilidade da dissolução numa convivalidade fantasma.
A virtualidade aproxima-se da felicidade somente por eliminar
sub-repticiamente a referência às coisas. Dá tudo, mas sutilmente.
Ao mesmo tempo, tudo esconde. O sujeito realiza-se perfeitamente
aí, mas quando está perfeitamente realizado, torna-se, de modo
automático, objeto; instala-se o pânico." ( Ibid.,1997: 149)
O terceiro autor que apresentamos é o cientista político francês Lucian
Sfez, cujo livro de crítica da tecnologia analisa mais o aspecto da comunicação. A
linha de Sfez é muito próxima de Baudrillard, mas ele é muito mais consistente, com
estudos sobre o tema. Baudrillard trabalha mais com o jogo da linguagem e retórica.
Em seus argumentos ele usa as metáforas de Frankenstein e Creatura para expor sua
crítica à ameaça representada pela tecnologia. A tecnologia é muito mais do que a
técnica. Esta abandonou sua posição de instrumento para se tornar logos, ou seja, um
discurso sobre o mundo (techné + logos) que pretende dominar a sociedade e avaliar
com seu parâmetro técnico todas as atividades. Com isso, de sujeito o homem passa a
29objeto das máquinas. Para ele a característica principal da tecnologia é o tautismo
(tautologia + autismo).
"Frankeistein, um Frankenstein tecnológico nos ameaça. Pelo
menos, nós o cremos. Fazem-nos crer nisso. Passamos a viver num
mundo de máquinas de transportar, de fabricar, de pensar,
Frankenstein, nosso duplo, aquele que criamos, assume sua
autonomia e em seguida o poder. Evidência intuitiva
imediatamente compensada por outra crença: graças à
comunicação, podemos agora estabelecer um melhor contato com
as nações, os grupos, os indivíduos, até com nós mesmos, já que as
máquinas de pensar nos esclarecem acerca do nosso próprio
espírito." ...
"Frankentein é uma metáfora, e o "tautismo" é seu conceito.
Metáfora e conceito que correspondem a uma terceira atitude: a
constatação tecnológica prevalece. Ela rege a visão de mundo. O
sujeito só existe através do objeto técnico que lhe atribui seus
limites e determina suas qualidades. A tecnologia é discurso da
essência. Ela diz tudo sobre o homem e seu vir-a-ser." ...
"Num universo em que tudo se comunica, sem que se saiba a
origem da emissão, sem que se possa determinar quem fala, o
mundo técnico ou nós mesmos, nesse universo sem hierarquias,
salvo emaranhadas, em que a base é o cume, a comunicação morre
por excesso de comunicação e se acaba numa interminável agonia
de espirais. E a isso que dou o nome de "tautismo", neologismo
que une autismo e tautologia, embora evocando a totalidade, o
totalitarismo." (Sfez, 1994:19,32,33)
304.1.2 - Tecnófilos (a visão positiva)
Walter Ong, professor norte americano de estudos humanísicos, recuperou
várias pesquisas sobre o processo de interiorização da escrita entre os gregos, para
estudar as diferenças entre as culturas orais e as culturas escritas. Ele relembra que
nos textos de Platão foram apresentados vários argumentos contra a escrita, que se
sedimentava naquele momento da história grega. Platão escreve o que sai na boca de
Sócrates, personagem que não deixou nenhum escrito conhecido. O problema
principal dos argumentos de Platão contra a escrita é que ele teve que usá-la para
estabelecê-los. Ong observa que os argumentos contra a escrita por Platão são os
mesmos usados hoje contra os computadores:
"A maioria das pessoas fica surpresa, e muitas ficam angustiadas,
ao saber que, fundamentalmente, as mesmas objeções feitas em
geral aos computadores hoje foram feitas por Platão no Fedro e na
sétima Carta em relação a escrita. Primeiro, a escrita, diz Platão
através de Sócrates, no Fedro, é inumana, pois pretende
estabelecer fora da mente o que na realidade só pode estar na
mente. É uma coisa, um produto manufaturado. O mesmo, é claro,
é dito dos computadores. Em segundo lugar, objeta o Sócrates de
Platão, a escrita destrói a memória. Aqueles que usam a escrita se
tornarão desmemoriados e se apoiarão apenas em um recurso
externo para aquilo de que carecem internamente. A escrita
enfraquece a mente. Atualmente, os pais, assim como outras
pessoas, temem que as calculadoras de bolso forneçam um recurso
externo para o que deveria ser o recurso interno de tabuadas
memorizadas. As calculadoras enfraquecem a mente, aliviam a
mente, aliviam-na do trabalho que a mantém forte. Em terceiro
lugar, um texto escrito é basicamente inerte. Se pedirmos a um
indivíduo para explicar esta ou aquela afirmação, podemos obter
uma explicação; se o fizermos a um texto, não obteremos nada,
exceto as mesmas , muitas vezes tolas, palavras às quais fizemos a
pergunta inicialmente. Na crítica moderna ao computador, faz-se a
mesma objeção: "Lixo entra, lixo sai". Em quarto lugar, em
31compasso com a mentalidade agonística das culturas orais, o
Sócrates de Platão também defende contra a escrita que a palavra
escrita não pode se defender contra a palavra natural falada: o
discurso e o pensamento reais sempre existem em um contexto de
toma-lá-dá-cá entre indivíduos reais. Fora dele, a escrita é
passiva, fora de contexto, em um mundo irreal. Como os
computadores." (Ong, 1998:94)
A passagem da cultura oral para a cultura escrita foi bem estudada
neste século (Milman Parry; Eric Havelock) e permitiu identificar na Grécia Clássica
um momento de interiorizacão da escrita. Ong considera que faz parte da escrita os
mais variados instrumentos utilizados nos registros, como também as transformações
que ela causou e causa na consciência humana. Para ele estas transformações foram e
são condicionantes para o desenvolvimento dos potenciais humanos mais elevados.
Ele define a escrita como uma tecnologia.
"Platão estava pensando na escrita como uma tecnologia eterna,
hostil, como muitas pessoas atualmente fazem com relação ao
computador. Em virtude de termos hoje interiorizado a escrita,
absorvendo-a tão completamente em nós mesmos, de uma forma
que a era de Platão ainda não fizera, julgamos difícil considerá-la
uma tecnologia como aceitamos fazer com o computador. No
entanto, a escrita (e especialmente a alfabética) é uma tecnologia,
exige o uso de ferramentas e de outros equipamentos: estiletes,
pincéis e canetas, superfícies cuidadosamente preparadas, pele de
animais, tiras de madeira, assim como tintas e tudo mais. A escrita
é de certo modo a mais drástica das três tecnologias. Ela iniciou o
que a impressão e os computadores apenas continuam, a redução
do som dinâmico a um espaço mudo, o afastamento da palavra em
relação ao presente vivo, único lugar que as palavras podem
existir." ( Ibid.,1998:97)
32Ao contrário de autores que citamos anteriormente, Ong vê as
tecnologias não apenas como aparatos auxiliares externos, mas transformações que
atingem o interior da consciência, desenvolvendo-a.
"Dizer que a escrita é artificial não é condená-la, mas elogiá-la.
Como em outras criações artificiais e, na verdade, mais do que
qualquer outra, ela é inestimável e de fato fundamental para a
realização de potenciais humanos mais elevados, interiores. As
tecnologias não constituem meros auxílios exteriores, mas, sim,
transformações interiores da consciência, e mais ainda quando
afetas à palavra. Tais transformações podem ser enaltecedoras. A
escrita aumenta a consciência. A alienação de um meio natural
pode ser boa para nós e, na verdade, é em muitos aspectos
fundamental para a vida humana plena. Para viver e compreender
plenamente, necessitamos não apenas de proximidade, mas
também de distância. Essa escrita alimenta a consciência como
nenhuma outra ferramenta." (Ong, 1998:98)
O filósofo francês Pierre Lévy desenvolveu a articulação de Walter
Ong de forma ainda mais radical, chamando os recursos cognitivos de tecnologia
intelectual. Ao contrário dos autores pessimistas citados, ele é tão otimista com as
transformações tecnológicas, que escreveu um obra utópica onde defende que está
surgindo um novo espaço sociológico onde poderá se realizar uma nova cultura e a
verdadeira democracia. Os sujeitos deste espaço "do saber" (Ciberespaço) formam
também uma inteligência coletiva (Cibercultura).
"O ciberespaço (que também chamarei de "rede") é o novo meio de
comunicação que surge da interconexão mundial dos
computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura
material da comunicação digital, mas também o universo oceânico
de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que
navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo
"cibercultura", especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e
intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e
33de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do
ciberespaço. (LévyA, 1999:17)
Para Lévy o espaço do saber é a essência da produtividade semiótica.
Antes de chegar ao espaço do saber existiram três outras semióticas correspondentes
ao que ele chama de quatros espaços sociológicos: A Terra, O Território, A
Mercadoria e o Saber. A origem dessa topologia pode ser localizada no Anti-Édipo
de Gilles Deleuze e Felix Guattari. Para Lévy, na semiótica da terra não há separação
entre o signo e o ser. Na semiótica do território (depois da invenção da escrita) os
signos passam a representar as coisas, a tornar presente os ausentes.
"A semiótica do Território distinguia a coisa de sua representação.
No Espaço das mercadorias, ou midiático, já não existe coisa,
referente, original. A moeda continua a circular, na ausência do
padrão-ouro. A melodia ouvida no rádio ou gravada no disco
jamais foi cantada como a ouço: trata-se apenas de um efeito de
estúdio, só existe na esfera do espetáculo. A imprensa e a televisão
criam o acontecimento, produzem a realidade midiática, evoluem
em seu próprio espaço em vez de nos enviar os sinais das próprias
coisas. A referência só remete à midiasfera. A grande loja do
signo, ou o Espetáculo, torna-se uma espécie de super-realidade
pela qual toda fala, ou toda imagem, deve passar, caso pretenda
ter alguma eficácia. A passagem nos circuitos midiáticos destrona
a representação: "Visto na TV".(LévyB, 1999:144)
A semiótica do saber é condicionada à concretização do Ciberespaço.
O Ciberespaço é a infraestrutura que permite o que Lévy chama de Inteligência
Coletiva: "É uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente
valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das
competências.”
Várias das críticas aos novos sistemas de comunicação são avaliadas
por Pierre Lévy na última parte do livro Cibercultura. Ele responde às questões sobre
exclusão, diversidade de línguas e culturas, caos e excesso de informação, ruptura
34com valores da modernidade. Como exemplo apresentamos uma passagem contra o
argumento da exclusão.
"Cada novo sistema de comunicação fabrica seus excluídos. Não
havia iletrados antes da invenção da escrita. A impressão e a
televisão introduziram a divisão entre aqueles que publicam ou
estão na mídia e os outros. Como já observei, estima-se que apenas
pouco mais de 20% dos seres humanos possui um telefone.
Nenhum desses fatos constitui um argumento sério contra a escrita,
a impressão, a televisão ou o telefone. O fato de que haja
analfabetos ou pessoas sem telefone não nos leva a condenar a
escrita ou as telecomunicações - pelo contrário, somos estimulados
a desenvolver a educação primária e a estender as redes
telefônicas. Deveria ocorrer o mesmo com o ciberespaço." (LévyA,
1999:237)
4.2 Escola e novas tecnologias : uma parceria possível?
O saber fluxo, o trabalho-transação de conhecimentos, as novas
tecnologias de inteligência individual e coletiva modificam
profundamente os dados do problema de educação e de formação.
(Pierre Lévy, 1999)
Sabemos que o espaço escolar é na atualidade excessivamente
baseado na cultura oral e no texto impresso (Sancho:1998), de modo que incorporar
ao seu cotidiano outras linguagens como a linguagem plástica, a gestual, a televisiva,
a cinestésica, a teatral, a musical, a das novas tecnologias, e outras, tem sido um
desafio. É como se a escola não olhasse para o seu entorno e "desconhecesse" que
vivemos em um universo de linguagens. Linguagens que nos constituem enquanto
sujeitos históricos imersos na cultura do nosso tempo. Um tempo marcado pelas
novas formas de comunicação e acesso a uma vasta gama de informações de forma
rápida, múltipla, em rede, alterando a nossa relação com o próprio tempo e espaço.
35É impossível ignorarmos a produção cultural moderna, com todos
os avanços tecnológicos existentes. Seja pelas qualidades positivas
que possui e que oferecem inúmeras possibilidades pedagógicas
interessantes. Seja pela necessidade de lutar-se pela sua
democratização, estabelecendo com ela uma relação mais crítica,
que se reverta em maior qualidade de vida e de bens culturais para
a população. Manter-se distante da produção cultural
contemporânea seria um erro, já que não há como subestimar sua
concreta existência em nossas vidas. (Pinto, 1996)
Torna-se urgente que a escola incorpore ao seu fazer pedagógico as
diferentes linguagens que estão postas no mundo, pois quanto mais abre para o aluno
a possibilidade do acesso a essas linguagens, mais o seu universo cultural se
ampliará. Quanto mais amplo for o seu entendimento do real, menos ameaçado ficará
diante dos desafios provocados pelas novas formas de comunicação.
A vida das crianças, neste final de século, está marcada, cada vez
mais, pela leitura de imagens e palavras que têm como suporte a mídia eletrônica
(televisão, vídeo, cinema, computador, etc), provocando novas maneiras de ser leitor
e escritor e novas formas de estar, compreender e interferir neste mundo marcado
pela cultura tecnológica. O mundo nos convida a realizar um tipo de leitura e de
escrita que se torna impossível no suporte do papel. Bignotto (1998) nos diz:
O leitor pode saltar de um trecho para outro de uma obra, por
meio do recurso do hipertexto, sem necessariamente seguir a
ordem determinada pelo autor; pode pular páginas, fazer aparecer
notas (ou o seu desaparecimento) no mesmo plano do texto
principal. Quebra-se a noção de princípio e fim que a
materialidade do livro impresso sugere. Pode ler trechos de várias
fontes, quase que simultaneamente; abrir diferentes obras, em uma
mesma tela (...) criando a possibilidade de "navegar" por diversos
textos e fragmentos de textos, escolhendo os rumos da leitura.
(Bignotto, 1998: 08)
36Com relação à produção escrita, aquele que escreve, pode escrever e
reescrever um texto a partir de qualquer ponto: do fim para o começo, do meio para o
fim, do meio para o início do texto ou criar um novo começo, etc, etc. A linearidade
da escrita, tão marcada pelo suporte do papel, se altera completamente. Pode-se,
rapidamente, alterar o tamanho e estilo das letras, sombrear, colorir, sublinhar
trechos ou todo o texto, rearranjar parágrafos ou mesmo escrever sem digitar,
bastando apenas falar para que o computador, que disponha de reconhecimento de
voz, vá registrando o que é falado. As possibilidades se apresentam como viáveis...
Quem sabe, gerações futuras, tendo a tecnologia da informática como mediadora,
registrem sua história sem precisar escrever com a mão uma única letra?
Porém, no interior da escola, hegemonicamente, as crianças
continuam sendo ensinadas a aprender a ler e a escrever por um processo mecânico
que tem o treino, a repetição e a memorização como eixos norteadores. Com todas as
informações a que têm acesso fora da escola, através dos mais variados meios de
comunicação, as crianças aprendem que só podem escrever o que foi "ensinado" pela
professora e terminam por produzir uma escrita "escolarizada", impossível de ser
encontrada fora do espaço escolar.
Ferrés (1998), na discussão que realiza sobre "pedagogia com os
meios audiovisuais" nos traz informações de que nas sociedades ocidentais, assistir
à televisão tornou-se a terceira atividade à qual os adultos dedicam mais tempo,
depois de trabalhar e de dormir, e a segunda à qual as crianças dedicam mais
tempo, depois de dormir. ( Ferrés,1998:150)
Podemos afirmar, concordando com Ferrés, que os alunos têm saído
das salas de aulas sem estar preparados para realizar, de uma maneira reflexiva e
crítica, aquela atividade à qual dedicam a maioria do seu tempo (Ibid., 1998).
Muitas escolas têm utilizado a televisão e o vídeo como um modo de
ocupar o tempo, na substituição de professores ou como um "adereço" novo às aulas.
Perde-se a oportunidade de se garantir, na escola, espaços para que os alunos e
professores aprendam a apreciar, analisar e criticar as imagens e informações a que
têm acesso através do uso das linguagens das tecnologias, ampliando as suas
competências comunicativas, conforme vem denunciando Umberto Eco.
Torna-se relevante trazer para essa discussão o que nos diz Barthes, na
reflexão que realiza sobre a imagem:
37(...) toda imagem é polissêmica e pressupõe, subjacentes a seus
significantes, uma "cadeia flutuante" de significados, podendo o
leitor escolher alguns e ignorar outros. A polissemia leva a uma
interrogação sobre o sentido(...) (Barthes, 1990:32)
A "interrogação sobre o sentido" pressupõe a incorporação de um
diálogo polifônico e polissêmico, do confronto das diferentes leituras realizadas a
partir de um "mesmo" texto/contexto, do reconhecimento da diferença à prática
pedagógica realizada, cotidianamente, na escola. No processo de troca das diferentes
formas de ler, dizer, fazer, compreender, aprender e ensinar que circulam entre os
alunos e professores é que a singularidade dos sujeitos vai se constituindo. Sujeitos
que avançam na construção e apropriação de novos saberes a partir da troca, da
relação e da interação com os outros e com o mundo, no espaço da
intersubjetividade. O papel do outro na construção do conhecimento é da maior
relevância, pois o que o outro diz ou deixa de dizer é constitutivo do conhecimento
(Vygotsky, 1989).
Não se trata apenas de utilizar a qualquer custo as tecnologias. Várias
escolas já as utilizam sem alteração significativa da relação ensino/aprendizagem que
baseada na transmissão de conhecimentos, permanece linear e impositiva, apesar do
advento da tecnologia.
(...) Cabe à escola preparar cidadãos para a "leitura" e "escrita"
dos elementos que constituem a linguagem audiovisual, não só
numa perspectiva técnica, como também em seu aspecto ético de
divulgação de mensagens. É preciso educar para uma interação
crítica com a mídia audiovisual, onde desmistifique-se e se
relativize sua estética ilusionistas (...) (Pinto, 1996:10)
É necessário saber selecionar o que usar, como usar e para que usar,
principalmente quando se utiliza o computador, face a escassez de bons softwares
educativos disponíveis. Cysneiros (1999) nos diz ser muito fácil utilizar o que chama
de inovações conservadoras, colocando-se no computador conteúdos com didáticas
pobres e até mesmo erros de conteúdos. Incorporar ao dia a dia da escola as
linguagens da tecnologia é muito mais do que alterar apenas os recursos utilizados.
38Lévy, novamente, nos ajuda a compreender que:
se faz urgente o acompanhamento consciente de uma mudança de
civilização que coloca profundamente em discussão as formas
institucionais, as mentalidades e a cultura dos sistemas
educacionais tradicionais e notadamente os papéis de professor e
de aluno. O que está em discussão na cibercultura, tanto no plano
das baixas dos custos quanto do acesso de todos à educação não é
tanto a passagem do "presencial" à "distância", nem do escrito e
do oral tradicionais à "multimídia". É, sim, a transição entre a
educação e uma formação estritamente institucionalizada (a
escola, a universidade) e uma situação de intercâmbio
generalizado dos saberes, de instrução da sociedade por si mesma,
de reconhecimento autogerido, móvel e contextual das
competências.(Lévy,1999)
O mundo do ciberespaço nos aponta para novos atores na produção e
no tratamento dos conhecimentos, além de novas formas de apropriação dos saberes.
O papel daquele que ensina, denominado por Lévy (1999) de "ensinante" não pode
mais ser uma "difusão dos conhecimentos" doravante assegurada mais eficazmente
por outros meios. Com a Internet, por exemplo, indivíduos e grupos podem navegar
no oceano da informação e de conhecimentos disponíveis em rede. Com o CD-ROM,
as bases de dados multimídias interativos on-line pode-se ter acesso, de modo rápido
e atraente, a vastos conjuntos de informação, estando fora ou dentro da escola.
O convite é desafiador face ao paradigma que ainda nortea o processo
ensino-aprendizagem em nossas escolas: o professor é colocado na posição daquele
que "possui" o conhecimento e sua tarefa é "transmiti-lo" aos alunos. Embora já faça
parte do discurso escolar de que não se aprende apenas na escola, a prática
pedagógica revela a crença presente no interior das instituições escolares de que o
estatuto do conhecimento passa pela escolaridade.
Sua competência (a do ensinante) deve se deslocar para o lado da
provocação do aprender e do pensar. O "ensinante" se torna um
animador da inteligência coletiva dos grupos que tem sob seu
encargo. Sua atividade centrar-se-á sobre o acompanhamento e a
39gestão das aprendizagens: incitação ao intercâmbio dos saberes,
mediação relacional e simbólica, pilotagem personalizada dos
percursos de aprendizagem, etc. (Ibid.,1999)
Torna-se importante destacar que nas discussões que realiza, Lévy
(1999) ressalta, também, o papel dos poderes públicos em garantir a cada um uma
formação elementar de qualidade; acesso aberto e gratuito à midiatecas, a centros
de orientação, a pontos de entrada no ciberespaço, etc. Instigados por Lévy, nos
perguntamos: o que tem sido feito em nosso país pelos poderes públicos e diante das
opções realizadas, quais as conseqüências para a escola?
Cysneiros (1999), com o seu artigo" Informática na Educação
Brasileira", disponibilizado na Internet, contribuiu para que tomássemos
conhecimento da atual política do MEC em "informatizar" as escolas públicas do
país, através do projeto PROINFO. As críticas tecidas por ele ao programa
confirmam o que temos presenciado no interior das escolas, enquanto profissionais e
pesquisadores.
Através do PROINFO, 100 mil computadores chegarão às escolas
públicas, enquanto 25 mil professores serão treinados, no espaço de dois anos. Ao
contrário de políticas passadas e bastante conhecidas nossas, como o vídeo escola, a
ênfase será dada à formação de recursos humanos e não, apenas, na colocação de
equipamentos nas escolas.
Não dá para negar que 100 mil computadores é um número razoável. Mas, como nos
diz Cysneiros(1999):
Serão beneficiadas cerca de seis mil escolas, que representam
apenas 13,4% do universo de 44,8 mil estabelecimentos, que
receberão 15 ou 20 computadores, muito pouco para 800 ou mais
alunos por escola. (Cysneiros, 1999: 03)
O autor nos aponta ainda que a falta de articulação deste programa
com os demais programas de tecnologia educativa do MEC (o vídeo escola, por
exemplo), a desconsideração das significativas diferenças regionais existentes em
nosso país (estados como S.Paulo e Rio Grande do Sul já usam computadores nas
escolas há algum tempo enquanto outros estados/e ou municípios têm escolas que
sequer dispõem de energia elétrica) e das escolas de formação de professores (em
40nível de 2º grau ou universidade) que não foram contempladas com o Programa,
revelando-nos falhas desta política.
Conhecendo a histórica descontinuidade das políticas públicas em
nosso país e a falta de manutenção dos prédios e mobiliários escolares, nos
perguntamos: como se dará a manutenção dos computadores? (em muitas escolas a
televisão e o vídeo não funcionam mais). Como atualizar programas que se tornam
obsoletos em um tempo bastante curto?
Conforme já foi colocado, muitas escolas já utilizam em seu cotidiano
o computador. Algumas tentam garantir que os alunos interajam com as diferentes
linguagens que as novas tecnologias possibilitam, provocando novas formas de
aprender, de conhecer, de pensar. O projeto "da escola virtual" que está sendo
desenvolvido em uma escola da rede particular de ensino do estado do Rio de
Janeiro, caminha nesta direção.
A idéia principal é modificar a estrutura fechada da sala de aula. Os alunos
são instigados a pesquisar, buscar informações que ampliem e resignifiquem as
discussões realizadas com os colegas e professores, utilizando o recurso da Internet e
um software próprio para aplicações de ensino à distância. Alunos passam a perceber
que podem lidar com o espaço e o tempo de outra forma, visitando lugares não mais
existentes e/ou distantes. Podem "conhecer", por exemplo, o Egito antigo e visitar
bibliotecas de outros países, sem sair da escola. Utilizam o computador como mais
um instrumento capaz de ampliar os interlocutores com os quais podem interagir no
instigante processo de apropriação de saberes socialmente construídos. Uma
ferramenta capaz de gerar conhecimento.
É papel da escola formar indivíduos- crianças e professores - que
saibam usar crítica e criativamente o computador-tecnologia
social e histórica como o cinema, a fotografia, a pena, a impressão
e a escrita. É papel da escola democratizar o acesso a mais um
instrumento de criação (humana). (Nogueira, 1998:124)
Reafirmamos o desafio para o qual a escola se defronta nesse final de
século e acreditamos que se de fato a incorporação, ao cotidiano escolar, das
linguagens da tecnologia que se apresentam hoje como possíveis, não ocorressem
apenas como mais um "instrumento pedagógico", um meio facilitador de ensinar e
41aprender, quem sabe "empurraria" nossas escolas para, de fato, repensar e re-
significar o processo de construção e apropriação dos saberes?
425.0 - A ESCOLA EM FACE A GLOBALIZAÇÃO
Já faz parte do senso comum a noção de que a globalização é um
processo crescente de mudanças que tende a unificar os mercados, as finanças, a
informação, a comunicação, os valores culturais, superando barreiras naturais e
limites geográficos.
No entanto, a leitura de obras e artigos escritos com o propósito de estudar as raízes,
bem como discutir os efeitos desse fenômeno, nos levam a perceber duas tendências
entre os intelectuais: uma que procura identificar o processo de globalização com a
idéia de rompimento de todas as fronteiras e de uma nova ordem mundial com
relações independentes e oportunidades iguais para todos os países; e outra que
estabelece relações entre a globalização e o processo de concentração do poder
econômico e financeiro, aumentando as disparidades de renda entre o Norte e o Sul,
bem como entre globalização e universalização de valores, com a imposição de
modelos culturais por parte das nações dominantes.
Por acreditar que ela é um fato real e que exerce forte influência sobre
a história da humanidade, penso que não pode ser tratada como um fenômeno a ser
exorcizado (o que, na prática, significaria ser evitado, o que já não é possível), e nem
ser aceita nas condições em que nos é apresentada. A questão é saber se há
possibilidade de uma inserção não subordinada e com maior poder de barganha por
parte das nações subdesenvolvidas.
A escola, tida como lugar essencial de universalização do saber, de
preparação para pessoas adequadas à sociedade moderna, está sendo posta em
questão. Surgem novas tecnologias que produzem novos conhecimentos e ampliam
sua espetacular difusão.
"Não é fortuito que, nesse contexto, o Banco Mundial tenha se
tornado um agente privilegiado na área educacional e venha
induzindo reformas que mudam os objetivos, a organização e as
relações ensino-aprendizagem nos sistemas educativos. (...) suas
propostas adquirem um viés de modelo universal (há um
conhecimento pronto sobre a educação, pacotes para aplicar,
assessorias adrede preparadas), mesmo que alguns documentos
43reconheçam a necessidade de políticas diferentes para cada país"
(WANDERLEY, p.6).
As condições exigidas pelos programas de "qualidade total"
ultrapassam o âmbito da produção e atingem todas as esferas da sociedade.
Requerem-se novas formas de qualificação, de requalificação que exercem efeitos
sobre a desqualificação. Nesse sentido, o Banco Mundial vai defender reformas
educacionais que concentrem o processo de ensino-aprendizagem em disciplinas
básicas como ciências, matemática e línguas, e que procurem adaptar os currículos a
um ensino profissionalizante.
A simplificação das grades curriculares com o intuito de se incorporar
matérias profissionalizantes é a expressão mais clara daquilo que MARTIN e
SCHUMANN, ao recuperar as explicações de Barber, chamaram de "concorrência
entre difícil e fácil, lento e rápido, complexo e simples" (p.27). Essa é, na verdade,
uma proposta educacional inspirada no modelo de ensino norte-americano: "Disney,
McDonald's e MTV apelam a tudo que é fácil, rápido e simples".
É claro que não poderíamos cair no erro de desconsiderar ou de
simplesmente negar o caráter democrático da sociedade norte-americana e de seu
sistema de ensino, mas, como escreve LASCH,
"falar de pluralismo e diversidade não tranqüiliza quando os
jovens não parecem estar aprendendo a ler e escrever", quando
"muitos jovens estão moralmente confusos. Eles se ressentem com
as exigências éticas da 'sociedade' como se elas estivessem
infringindo os limites de sua liberdade pessoal."(p.208).
Seria esse o modelo de ensino almejado por nós? E mais: seria esse o
modelo de democracia almejado por nós?
"Pessoas comuns, ao que parece - especialmente se pertencerem
ao grupo étnico ou raça errada - não podem ler e compreender os
clássicos, se forem mesmo capazes de ler alguma coisa. Portanto, é
preciso reestruturar os currículos para enfatizar filmes, fotografias
e livros que não exija muito do leitor - tudo em nome da cultura
democratizante" (LASCH, p. 213).
44De fato, "estamos confusos quanto ao significado da democracia (...).
A palavra acabou simplesmente servindo para descrever um estado terapêutico"
(LASCH, p. 15).
A crescente preocupação entre os educadores em se utilizar dos
modernos meios de comunicação de massa em sala de aula, ainda que de forma
crítica, deve ser reavaliada frente a essas reflexões. Não há dúvida de que hoje
lidamos com gerações muito mais visuais e que esse fato deve ser levado em
consideração no processo de ensino-aprendizagem. Porém, não estaríamos dando
uma importância exagerada à utilização das imagens e, com isso, comprometendo a
conquista de uma verdadeira educação democrática? As imagens, quando muito,
tocam, sensibilizam o ser humano em relação aos problemas que afligem a
humanidade. Mas é o debate político e filosófico, a intensa troca de idéias e opiniões
que caracterizam uma sociedade democrática e, portanto, um ensino democratizante.
"A visão é espectadora; a audição é participante" (LASCH, p.200).
"Vivemos desta maneira ao abrigo dos signos e na recusa do real.
Segurança miraculosa: ao contemplarmos as imagens do mundo,
quem distinguirá esta breve irrupção da realidade do prazer
profundo de nela não participar. A imagem, o signo, a mensagem,
tudo o que 'consumimos', é a própria tranqüilidade selada pela
distância ao mundo e que ilude, mais do que compromete, a alusão
violenta ao real" (BAUDRILLARD, p.15).
Segundo Frei Betto:
"uma das características da pós-modernidade é a redução da
cultura a mero entretenimento, com a exacerbação dos sentidos,
em detrimento da razão e do espírito. Para estimular o
consumismo, utilizam-se como isca recursos capazes de nos fazer
sentir mais e pensar menos. Isso vale para a publicidade, para
certos programas televisivos e até para rituais religiosos" (Folha
de S. Paulo de 4/4/1999).
Com a educação, acredito não ser diferente. Hoje nos preocupamos
em tornar o ambiente escolar um espaço muito mais prazeroso do que reflexivo;
45"estes meios eletrônicos que fizeram irromper as massas populares na esfera pública
foram deslocando o desempenho da cidadania em direção às práticas de consumo"
(CANCLINI, p. 26), embora muitas vezes nem nos demos conta disso.
Para LIPOVETSKY "a publicidade não tem a força (...) de aniquilar
a reflexão, a busca da verdade, a comparação e a interrogação pessoal" pois "ela só
tem poder no tempo efêmero da moda" (p.196), admitir que ela é "uma peça no
avanço do Estado social democrático" (p.197) seria um tanto demais, já que "a
publicidade quer menos convencer do que fazer sorrir, surpreender, divertir" (p.187).
Nesse sentido, ao invés de "despertar uma tomada de consciência dos cidadãos
diante dos grandes problemas do momento" (p.194), ela estaria contribuindo para o
esvaziamento do debate político à medida que transforma tudo em espetáculo e
objeto de consumo.
Essa face da sociedade contemporânea é bastante perceptível no
exercício da sala de aula. Os debates são cada vez menos atraentes para as novas
gerações que não assumem mais nenhum tipo de compromisso com a coletividade.
Ao invés disso, tratam assuntos sérios com humor e transformam as mais graves
tragédias humanas em motivo de brincadeira.
Talvez isso seja expressão daquilo que LASCH chamou de
"preocupação com a sobrevivência psíquica. Perdeu-se a
confiança no futuro. Face à escalada armamentista, à expansão da
criminalidade e do terrorismo, à deterioração do meio ambiente e
à perspectiva de um prolongado declínio econômico, as pessoas
passaram a preparar-se para o pior, (...) executando uma espécie
de recuo emocional frente aos compromissos a longo prazo"
(p.9/10).
Não sei se esses jovens teriam a consciência disso, mas parece ser
verdade que essa exagerada valorização de tudo que é lúdico, e que encontra
ressonância no meio publicitário, não passa de um forte sentimento de insegurança
em relação ao amanhã.
Embora extremamente prejudicial à democracia, não se restaria outra
alternativa às novas gerações diante de uma sociedade tão competitiva e de um
mercado de trabalho cada vez mais exigente e, ao mesmo tempo, mais restrito. O
46sentimento de impotência foi transformado pela publicidade em irreverência e
descaso, o que criou uma condição mais cômoda para o ser humano num mundo cada
vez mais hostil; tão cômoda que será difícil para ele reconquistar a sua condição de
sujeito histórico.
Assim, os avanços técnicos nas telecomunicações, que geram o
potencial de democratização da comunicação, cada vez mais globalizados e
concentrados, não apenas informam sobre os acontecimentos, mas também
contribuem para determinar o seu curso. Globaliza-se a cultura do capital, que é, por
natureza, centralizadora, homogeneizadora e massificadora, e que reduz o sentido da
vida humana a acumular e a consumir.
Para CANCLINI,
"há duas maneiras de interpretar o descontentamento
contemporâneo provocado pela globalização. Alguns autores pós-
modernos se concentram nos setores em que o problema não é
tanto a falta, mas o fato de o que possuem tornar-se a cada
instante obsoleto e fugaz. (...) Uma visão mais integral, porém,
deve dirigir o olhar aos grupos em que se multiplicam as
carências. (...) nesses vastos 'subúrbios' que são os centros
históricos das grandes cidades, há poucas razões para se ficar
contente enquanto o que chega de toda a parte se oferece e se
espalha para que alguns possuam e imediatamente esqueçam".
(p.18/19)
Sendo a educação algo essencialmente ligado à vida societária,
repensá-la é repensar as relações sociais e as ações individuais e coletivas. A
educação deve procurar desenvolver uma práxis ecossocial que tenha como
paradigma não o crescimento econômico e o consumo ilimitado, mas a disposição de
limitar a acumulação e o consumo de bens materiais ao suficiente - seja pelo respeito
aos limites da natureza, seja pela consciência de que quanto mais excessivos forem
os bens materiais dos indivíduos e nações, menor sua capacidade de
desenvolvimento mental, ético e espiritual.
47Deve aproveitar os avanços da informática para desenvolver sistemas
de informação e comunicação participativos, ao alcance das comunidades e
articulados horizontalmente em todos os sentidos.
"A informatização das empresas, a criação da rede telemática, ou
a 'introdução' dos computadores nas escolas podem muito bem
prestar-se a debates de orientação, dar margem a múltiplos
conflitos e negociações onde técnica, política e projetos culturais
misturam-se de forma inextrincável" (Lévy, p.8).
Deve-se ressaltar que a luta pela humanização do mundo não se
resume apenas à ação para transformar exteriormente as estruturas e as instituições,
mas envolve simultaneamente o desafio da transformação cultural e ética de nós
próprios: dos valores, comportamentos, atitudes, aspirações e modos de relação de
cada um de nós consigo mesmo, com a natureza e com a sociedade.
Os educadores devem se transformar em educadores de si próprios e
dos outros, adequando as instituições educativas ao projeto maior que é transformar
cada pessoa, comunidade e povo em sujeito de sua própria história e do seu próprio
desenvolvimento.
486-0 CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES
6.1 Conclusão
O modelo de política educacional adotado no Brasil ainda é aquele da
década de 70, que exclui a educação de qualquer iniciativa de transformação nos
parâmetros das sociedades globalizadas. A nossa educação formal enfraquece as
atitudes que promovem a autonomia, contrariando os valores da modernidade
reflexiva e abstendo-se de qualquer iniciativa de concepção de liberdade e decisão
livre.
A educação deve ser repensada segundo as exigências do mundo
atual, que são colocadas segundo os princípios da modernidade reflexiva. Isto
significa que, nesse contexto, a educação precisa assumir seu verdadeiro papel na
formação da consciência crítica, disseminando a autonomia como valor central na
defesa de um projeto de cidadania moderno que promova a liberdade do homem.
Somente tendo como princípio norteador a autonomia, a escola “(...)
permitirá que os poderes humanos de organização e reorganização criativa da
experiência, sejam operativos no contexto educacional (...)” (DOLL, 1977). Esse
sistema aberto permitirá que professores, alunos, coordenadores e diretores
estabeleçam uma comunicação dialógica, propícia à criação de estruturas
metodológicas mais flexíveis para reinventar sempre que for preciso. A confirmação
desse contexto só poderá ser dada numa escola autônoma, onde as relações
pedagógicas são humanizadas.
A educação na sociedade globalizada tem o compromisso de preparar
um homem autônomo, para viver e participar de uma cultura que não é apenas local,
mas que amplia os espaços, tendo o mundo como sua localidade e o seu lugar. Nesse
sentido, a ampliação da consciência humana na conquista do espaço cultural mundial
depende da capacidade da escola em trabalhar pedagogicamente essa dimensão.
Transformar a escola nessa nova direção depende de uma política do
Estado em assumir a educação numa perspectiva moderna, que, no nosso entender,
não se pode dar pelo viés conservador do pensamento neoliberal. Com isso, vale
dizer que a produção do saber escolar não pode restringir-se apenas ao conhecimento
49instrumental, o qual tem sido utilizado na competitividade do mercado e repassado
pela qualidade total. Na verdade, o conhecimento na era da globalização tem sido
utilizado na prática mais para inovar as condições de lucro do que para humanizar as
condições de trabalho e promover a autonomia do indivíduo.
Nesse sentido, requer-se do indivíduo apenas o domínio do
conhecimento técnico-instrumental; portanto, é imperativo que a escola trabalhe
também a dimensão ética-política através das Ciências Humanas. Uma educação para
a autonomia deve buscar desenvolver o "homem omnilateral" (GRAMSCI), ou seja,
o homem em sua totalidade, e, para isso, não privilegia esta ou aquela dimensão, mas
trabalha relacionalmente as dimensões técnica e política.
Como se pode perceber, o conhecimento além do instrumental é a
problemática crucial das inovações modernas. Qualquer atividade, na sociedade
atual, requer qualidades intelectuais, estéticas, conduta moral, concepção ampliada
de mundo, domínio instrumental de línguas, habilidades de comunicação e
capacidades de gerar novos modos de pensar. Nesse sentido, vale ressaltar o
pensamento gramsciano que afirma que a força de trabalho não se pode pautar
apenas na concentração do esforço muscular do homem, porque a atividade humana
resulta principalmente do esforço intelectual.
Assim, uma educação para a autonomia tem que atender às
necessidades de saberes em cada setor da vida cotidiana e dar conta da totalidade
histórica vivida.
6.2 Recomendações
- Promover uma reforma do ensino, partindo da valorização do professor, tanto no
aspecto remuneratório quanto na sua qualificação. Sem professores preparados para o
exercício da autonomia, torna-se impossível viabilizar um projeto pedagógico no
qual o conhecimento produzido na escola possibilite ao indivíduo sua inserção
técnico-política nas transformações em curso.
- Desenvolver um projeto educacional de qualidade principalmente nas regiões mais
pobres, onde o analfabetismo, a mão-de-obra desqualificada e o alto nível de
desemprego definem o lugar onde deveremos estar na escala da globalidade mundial.
50- Formular uma política nacional de educação, levando-se em consideração dois
pontos fundamentais: primeiro, que a situação peculiar das nações pobres exige do
Estado uma posição de investimentos; trata-se, portanto, de desprivatizar e converter
em "público" toda a função da educação; segundo, que a escola e principalmente os
professores devem ser instrumentalizados para lidarem com um conhecimento
voltado para a construção da autonomia (da escola, dos professores, dos alunos, da
sociedade).
Essa é a prioridade para que o sistema educacional não sirva apenas
para atender às exigências das inovações, mas também para apresentar alternativas às
ameaças, amenizando assim as graves conseqüências que sempre acompanharam as
ondas de mudanças na História.
O desencontro do nosso modelo de formação educacional com as
mudanças que ora se processam poderá muito em breve constituir-se num obstáculo
à chegada do país ao nível básico necessário para a sua integração no processo de
globalização. As nações pobres têm que repensar suas estratégias com urgência,
envolvendo a participação do Estado e demais áreas de responsabilidades do poder
local estatal e privado, no sentido de estabelecer programas culturais e educativos
que abracem a multiplicidade de possibilidades colocadas pelo mundo globalizado.
A ausência de políticas sociais do Estado e de seu compromisso com a
educação deixa os países mais pobres à margem do processo de globalização em
curso. Se esse processo comporta ameaças e possibilidades, essa situação favorece
mais um contexto de ameaças e, com isso, pontos de vista dogmáticos com relação
ao mundo globalizado. Também torna mais complexa a atitude de canalização das
possibilidades a nosso favor. Constitui-se, assim, desafio para o Estado, a Escola, e a
Sociedade no contexto atual.
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