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XIV Jornada de Estudos Antigos e Medievais – Maringá-PR, 18 a 20/11/2015 1 A EDUCAÇÃO E AS RELAÇÕES DE PODER NO REINO VISIGODO A PARTIR DO BISPO ISIDORO DE SEVILHA (589-636) Ma. Pâmela Torres Michelette INTRODUÇÃO Este presente trabalho busca inserir-se nas discussões historiográficas atreladas as questões político-religiosas a partir do mote educacional no reino católico visigodo (589 a 711) 1 . No entanto, nossa proposta se centrará em sua fase de consolidação, que compreende os anos de 589 a 633. Tais marcos cronológicos correspondem, respectivamente, a conversão oficial ao catolicismo niceísta – registrado no III Concílio de Toledo (589) 2 – e a realização do IV Concílio de Toledo (633) 3 . Este último sínodo foi organizado e presidido pelo bispo Isidoro de Sevilha 4 , que foi, também, o autor de obras fundamentais para se compreender este contexto histórico: Etimologias 5 e Sentenças 6 . Além destas obras, também cotejaremos os Concílios Visigóticos. De forma a comparar os elementos que nos permitem explicitar a importância que a educação assumiu nas relações de poder. O propósito principal deste trabalho é identificar como o ambiente político- religioso do reino visigodo, no século VII, influenciou a construção das ideias educacionais de Isidoro de Sevilha. Pois, acreditamos que este bispo procurou estabelecer, em alguns de seus trabalhos, uma conduta de ensino direcionada a alguns 1 Em fins do século IV ocorreu à entrada desses povos germânicos nos territórios do Império Romano Ocidental que já se encontrava em processo de fragmentação. No caso dos visigodos esses já ingressaram nas regiões imperiais convertidos ao ar ia nismo. 2 CONCILIOS VISIGÓTICOS E HISPANO-ROMANOS. Ed. bilíngüe (latim-espanhol) de J. Vives. Bar celona Madrid: CSIC, 1963, p. 107-145. 3 CONCILIOS VISIGÓTICOS E HISPANO-ROMANOS. Ed. bilíngüe (latim-espanhol) de J. Vives. Bar celona Madrid: CSIC, 1963, p. 186-225. 4 Isidoro de Sevilha (560-636), ver sobre biografia em: LOYN, H. R. Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 212-213; QUILES, Ismael S. I. San Isidoro de Sevilla, Biografia-Escritos- Doctrina. Madrid: Espasa – Calpe, 1965; URBEL, P. San Isidoro de Sevilla. Su vida, su obra y su tiempo. León: Labor, 1995. 5 ISIDORO DE SEVILHA. Etymologiarum. Ed. Lindsay. Traducción de J. O. Reta e M. AM. Casquero. Madrid: BAC, 2v, 1982. 6 ISIDORO DE SEVILHA. Sententiarum. Ed. Bílingue (Latim-Espanhol) de J. de Campos e I. Roca. Santos Padres Españoles. 2v. Madrid: BAC, v2, 1971.

A EDUCAÇÃO E AS RELAÇÕES DE PODER NO REINO VISIGODO A ... · Historia de España Visigoda. Madrid: Cátedra, 1989. 11 FRIGHETTO, R. Cultura e Poder na Antigüidade Tardia Ocidental

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XIV Jornada de Estudos Antigos e Medievais – Maringá-PR, 18 a 20/11/2015 1

A EDUCAÇÃO E AS RELAÇÕES DE PODER NO REINO VISIGODO A PARTIR DO BISPO ISIDORO DE SEVILHA

(589-636)

Ma. Pâmela Torres Michelette INTRODUÇÃO

Este presente trabalho busca inserir-se nas discussões historiográficas atreladas

as questões polít ico-religiosas a partir do mote educacional no reino católico visigodo

(589 a 711)1. No entanto, nossa proposta se centrará em sua fase de consolidação,

que compreende os anos de 589 a 633. Tais marcos cronológicos correspondem,

respectivamente, a conversão oficial ao catolicismo niceísta – registrado no III Concílio

de Toledo (589)2 – e a realização do IV Concílio de Toledo (633)3. Este último

sínodo foi organizado e presidido pelo bispo Isidoro de Sevilha4, que foi, também, o

autor de obras fundamentais para se compreender este contexto histórico: Etimologias5 e

Sentenças6. Além destas obras, também cotejaremos os Concílios Visigóticos. De

forma a comparar os elementos que nos permitem explicitar a importância que a

educação assumiu nas relações de poder.

O propósito principal deste trabalho é identificar como o ambiente político-

religioso do reino visigodo, no século VII, influenciou a construção das ideias

educacionais de Isidoro de Sevilha. Pois, acreditamos que este bispo procurou

estabelecer, em alguns de seus trabalhos, uma conduta de ensino direcionada a alguns

1 Em fins do século IV ocorreu à entrada desses povos germânicos nos territórios do Império Romano Ocidental que já se encontrava em processo de fragmentação. No caso dos visigodos esses já ingressaram nas regiões imperiais convertidos ao arianismo. 2 CONCILIOS VISIGÓTICOS E HISPANO-ROMANOS. Ed. bilíngüe (latim-espanhol) de J. Vives. Barcelona Madrid: CSIC, 1963, p. 107-145. 3 CONCILIOS VISIGÓTICOS E HISPANO-ROMANOS. Ed. bilíngüe (latim-espanhol) de J. Vives. Barcelona Madrid: CSIC, 1963, p. 186-225. 4 Isidoro de Sevilha (560-636), ver sobre biografia em: LOYN, H. R. Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 212-213; QUILES, Ismael S. I. San Isidoro de Sevilla, Biografia-Escritos-Doctrina. Madrid: Espasa – Calpe, 1965; URBEL, P. San Isidoro de Sevilla. Su vida, su obra y su tiempo. León: Labor, 1995. 5 ISIDORO DE SEVILHA. Etymologiarum. Ed. Lindsay. Traducción de J. O. Reta e M. AM. Casquero. Madrid: BAC, 2v, 1982. 6 ISIDORO DE SEVILHA. Sententiarum. Ed. Bílingue (Latim-Espanhol) de J. de Campos e I. Roca. Santos Padres Españoles. 2v. Madrid: BAC, v2, 1971.

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grupos da sociedade. Ou seja, a educação no Reino Visigodo teve um realce no

fortalecimento da Igreja, da cristianização das populações e da continuidade do clero.

Os membros do episcopado, tradicionalmente os de idade mais avançada, foram os

responsáveis por fomentar a organização de caráter escolar, como forma de difundir e

afirmar uma cultura com características específicas e de inspiração religiosas, que

permitisse que o reino os reconhecesse, e mais do que isso, adotasse a sua forma de

agir, pensar e ver o mundo.

REFERENCIAL TEÓRICO

Muito já foi escrito a respeito das teorias elaboradas pelas autoridades

eclesiásticas com o objetivo de afirmar sua legitimidade no reino visigodo. Porém,

a afirmação não é válida quando pensamos na questão educacional. De toda forma,

podemos identificar algumas abordagens que servirão de suporte para este trabalho no

delineamento das principais questões a serem desenvolvidas abordadas. Como forma de

apresentação, dividiremos em duas partes, uma primeira em que trataremos sobre Reino

Visigodo e ao bispo Isidoro de Sevilha e uma segunda em que sublinharemos as

concepções sobre a educação e as relações de poder na Primeira Idade Média.

Reino Visigodo e Isidoro de Sevilha

Orlandis7 destacou, a respeito da Hispânia visigoda, que a teoria política

visigoda sofreu grande influência do bispo Isidoro de Sevilha. A legitimidade de um

monarca se perderia caso ele não agisse corretamente, ou seja, em conformidade com

os pressupostos definidos pelas autoridades eclesiásticas. Embora isso confirme um

esforço por parte dos bispos em subjugar em alguns momentos a seus poderes os reis.

Porém, considerando as crônicas do período como fontes, o autor conclui que as

propostas eclesiásticas pouco influenciaram a estrutura política visigótica.

Neste cenário, segundo J. Orlandis, o princípio que predominava era o de

orige m romana, especificamente proposta por autores do Baixo Império. Tal noção 7 ORLANDIS, J. Historia del Reino Visigodo Español. Madrid: Rialp, S. A., 1988; ORLANDIS, J. La Iglesia en la España Visigotica y Medieval. Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra, 1976; ORLANDIS, J. “El rey visigodo católico” in. AA. VV., De la Antigüedad al Medievo – Siglos IV-VIII. III Congreso de Estudios Medievales. sl.: Fundacion Sanchez Albornoz, 1993, pp.55-64.

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fundamentava-se na origem do poder, mas não em termos religiosos, e sim da maneira

como um indivíduo chegava ao trono. Os escritores romanos que pensaram a teoria

política deram um direcionamento específico ao conceito de “tirania” que significava,

para eles, uma ascensão ao poder a partir de golpes contra governantes legitimamente

eleitos. Segundo o autor, tais golpes eram frequentes no quadro político visigodo, e

diante dessa conjuntura a Igreja Hispano-visigoda adotou uma posição conciliadora,

esforçando-se evitar novas tentativas de golpes a partir dos cânones conciliares e outros

documentos, tais como sentenças, histórias, crônicas, etc. Conforme as conclusões de J.

Orlandis, a Igreja se encontrava em uma posição de pouco impacto nesse cenário

político.

Outro autor de destaque é M. Diez8, que em seu artigo a respeito dos

concílios toledanos, aponta que a partir do IV concílio as reuniões conciliares foram

mais frequentes e passaram a ocorrerem em geral a cada três anos. Para Diez a maior

incidência dos concílios foi um fator de fortalecimento da Igreja, em especial, o IV

concílio que marcou uma virada na história da Igreja hispânica, pois a partir desse

sínodo, elementos explicitamente políticos figuraram as atas conciliares pela primeira

vez. M. Diez teve por objetivo traçar as formulações ideológicas que deram origem

aos concílios de Toledo, para tanto, seu enfoque voltou-se para características político-

religiosas que infundiram caráter próprio a essas assembleias.

Além de convocar os concílios, o autor chama-nos a atenção para o aspecto de

que os monarcas tanto indicavam o que deveria ser discutido nos mesmos como muitas

vezes propunham as decisões que deveriam ser tomadas. Em muitos casos o rei recorria

aos concílios para reforçar algumas de suas decisões, ou seja, o monarca buscava

legitimidade fundamentando-se nessas reuniões eclesiásticas. Esse comportamento por

parte da Monarquia dependia da fragilidade do governante.

E. A. Thompson9, em seu livro, também faz uma análise do reino visigodo

fundamentada nos cânones conciliares que tratavam acerca de elementos seculares,

concluindo que na relação Monarquia e autoridades eclesiásticas, o rei era dominante.

Tal conclusão baseia-se na comparação entre a importância real e as decisões

8 MARTINEZ, D. G. Los Concilios de Toledo. Anales toledanos v. III – estúdios sobre la España visigoda. Toledo: Disputación provincial, 1971, pp.119-138. 9 THOMPSON, E. A. Los Godos en España. Madrid: Alianza Editorial, 1971.

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conciliares. Este pesquisador chama-nos a atenção para o fato de que algumas das

deliberações conciliares estavam em conformidade com as instruções dadas pelos

monarcas, assim os bispos se limitavam a sempre confirmar as decisões tomadas pelo

rei. Embora os concílios servissem também como instrumento político, tal aspecto se

restringia a legitimar uma posição previamente decidida, os bispos não desafiavam o

governante. O autor com essa conclusão não minimiza a importância política dos

concílios, embora esses nem sempre fossem relevantes para dar maior autoridade ao rei.

Seus estudos se aproximam das conclusões de M. Diez. Contudo, E. A. Thompson é,

em suas análises, incisivo ao colocar a Igreja hispano- visigoda em uma posição de

subordinação perante a Monarquia.

O pesquisador G. Moreno10 fornece-nos uma visão ímpar da dependência do

monarca com relação à Igreja. Para esse autor as limitações do poder do rei se deram

muito em função do fortalecimento da nobreza aristocrática e das autoridades

eclesiásticas. Podemos perceber que, contrariamente as ideias de J. Orlandis, G.

Moreno considerou elementos de origem germânica na construção de uma teoria

política visigoda, ressaltando que tais características sofreram um processo de

cristianização.

G. Moreno identifica, no século VII, uma crescente dependência dos monarcas

frente à Igreja. O ritual da unção seria o fator que melhor comprova essa suposição,

embora elevasse o rei a uma posição superior aos outros homens, o seu poder se

tornava limitado na medida em que eram obrigados a aceitar certas sanções. A análise

deste autor mapeia esta gradativa debilidade da Monarquia. Desta forma, esse

historiador considera que no século VI o governante secular mostrava-se mais poderoso

do que os líderes eclesiásticos, todavia no século VII, foi possível identificar uma

inversão deste cenário político-religioso.

O historiador R. Friguetto11, da mesma forma que J. Orlandis, destacou os

elementos de origem romana na construção da teoria política visigoda. Entretanto, além

de simplificar a questão indicando a ocorrência de um processo de efetiva aculturação,

explicita que é necessário levar em consideração dois aspectos que não se excluem: a

existência de elementos conservados da cultura e política romana e a emergência de 10 GARCIA MORENO, L. A. Historia de España Visigoda. Madrid: Cátedra, 1989. 11 FRIGHETTO, R. Cultura e Poder na Antigüidade Tardia Ocidental. Curitiba: Juruá, 2000.

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novos aspectos ou construídos a partir da tradição clássica, porém, sob uma nova

interpretação.

No que diz respeito à elaboração da teoria política destinada a legitimar o

monarca, R. Friguetto ressalta que tal pretensão estava diretamente relacionada ao

fortalecimento de uma aristocracia cujos poderes eram, sobretudo, regionais e, por

conseguinte questionavam as tentativas de centralização empreendidas pelos monarcas

visigodos. Tais formulações teóricas visavam equilibrar as relações de poder entre as

três principais instituições do reino visigodo: Nobreza, Monarquia e Igreja. Neste

sentido, o autor se afasta da linha seguida principalmente por E. A. Thompson, que

coloca a Igreja em uma situação de subordinação à Monarquia.

R de O. Andrade Filho 12 trabalhou com dois elementos: a religiosidade e a

Monarquia católica visigoda. Esse autor analisou as relações desses dois elementos

entre o final do século VI e início do século VIII. Esse pesquisador entende que houve a

elaboração de uma teoria política que buscava garantir legitimidade ao trono, através

de um sistema teológico, onde ganharam destaque especialmente as ideias de Isidoro

de Sevilha. Montando-se desta forma, segundo este autor, uma concepção teocrática da

realeza, com base na sanção divina atribuída à autoridade do monarca.

Para o historiador D. V. Ribeiro em seus dois artigos13, a Hispânia visigótica do

século VII, ofereceu a primeira contribuição objetiva de ideia de realeza no Ocidente

medieval. Destacando também o papel do bispo Isidoro de Sevilha na construção dessa

doutrina que recebeu forte influência do papa Gregório Magno (590-604). Na ótica

de D. V. Ribeiro, o bispo sevilhano considerava a exegese do papa Gregório Magno

mais adequada a moral política que Isidoro de Sevilha tentou implantar no reino

ibérico. O pensamento do bispo sevilhano, segundo este mesmo autor, foi dominado

por um desejo de “unificação”, que não deve confundir-se com um projeto

teocrático. Podendo-se até admitir uma negação do direito natural, mas não uma

absorção da Monarquia pela Igreja. Certamente, atribuindo ao poder temporal função

12 ANDRADE FILHO, Ruy de Oliveira. Imagem e Reflexo. Religiosidade e Monarquia no Reino Visigodo de Toledo (Séuclos VI e VII). São Paulo: Edusp, 2012; ANDRADE FILHO, R. de O. Mito e monarquia na Hispânia Visigótica Católica. In. Luzes sobre a Idade Média.(Org) Terezinha Oliveira. Eduem: Maringá. 2002. 13 RIBEIRO, D. V. A Igreja nascente em face do Estado Romano. In: Souza, José Antônio de C. R. (org.). O Reino e o Sacerdócio – O pensamento político na Alta Idade Média, s/d, pp. 91-112.

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religiosa, a doutrina eclesiástica gerou certa confusão entre os poderes, porque

Isidoro de Sevilha não queria submeter à Igreja a Monarquia. As intervenções do

poder laico, nos assuntos da Igreja, resultam dos deveres desse mesmo poder, que os

príncipes “receberam” de Deus para assegurar os interesses da Igreja e de seu povo.

O autor J. Fontaine14 analisa a personalidade de Isidoro de Sevilha e suas

diversas obras no espaço e tempo da Península Ibérica. Ele aborda mais concretamente

a região da Bética, desde o final do século VI aos primeiros decênios do século VII,

mostrando a manifestação da herança de uma cultura antiga e, ao mesmo tempo,

trazendo a luz a gênese e a natureza das mudanças originais que o bispo de Sevilha

adaptou as necessidades de sua época, no caso, o novo reino de Toledo na conjuntura

de uma restauração territorial, política, religiosa e cultural.

A educação e as relações de poder

J. Le Goff15 na sua abordagem sobre a formação das universidades na Idade

Média entende que a construção destas atende a uma demanda específica de uma

sociedade em transformação, mas sua estrutura está relacionada com as antigas escolas

estabelecidas nos mosteiros e sedes episcopais. Ainda que interessante, a visão do autor

pouco relaciona este processo a um movimento mais amplo na sociedade, enfocando

somente contornos específicos e voltados para a Igreja e para a análise do

estabelecimento escolar.

Em uma linha próxima, devemos salientar as obras de P. Riché16 e H. Marrou17.

Esses autores, especialistas em educação na Europa Ocidental, são bastantes críticos em

seus trabalhos e apresentam como eixo norteador a procura pelo que era ensinado nas

escolas, em especial, a origem das matérias escolares e a mudanças dos conteúdos. É

necessário sinalizar que embora estes autores possam divergir entre si o foco da

análise por eles privilegiado pouco se modifica. Em Riché e Marrou há uma grande

preocupação com as sete artes liberais e a estrutura física das escolas, quem as

organizava e onde. Riché tem como um dos elementos mais interessantes de seu

14 FONTAINE, J. Isidoro de Sevilla: Génesis y originalidad de la cultura hispánica en tiempos de los visigodos. Madrid: Encuentro, 2002. 15 LE GOFF, J. Os Intelectuais na Idade Média. São Paulo/SP: Brasiliense, 1992. 16 RICHÉ, P. Éducation et Culture dans L’Occident Barbare. Paris: Du Seuil, 1962. 17 MARROU, H. História da Educação na Idade Média. São Paulo/SP: EPU, 1975.

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trabalho a preocupação em relacionar as instituições escolares com as esferas de poder.

Este enfoque é relevante para nossa pesquisa, mas também a tradição de não abordar a

educação como algo para além das escolas, amplo e instituído em espaços diversos na

sociedade. Marrou é um dos poucos autores que destacam que a educação é muito mais

do que somente as escolas, mas finaliza afirmando que seu interesse se deteve aos

espaços formais.

Um dos maiores especialistas sobre educação no reino visigodo, e em outros

assuntos correlatos, é M. Diaz y Diaz18. Acerca deste tema contabilizamos do autor

duas obras de referência. Nestes textos, de maneira geral, estabelece o marco inicial no

Império Romano do Ocidente, destacando seu processo de desestruturação com a

chegada dos germanos como um grave problema para as escolas. No primeiro

momento, romano, o sistema escolar e descrito como amplo, com subdivisões que ele

trata por escola primária e secundária. Durante o estabelecimento dos visigodos a

educação teria sobrevivido apenas nos ambientes religiosos católicos, por meio de

famílias vinculadas as Igrejas e responsáveis pela sua reprodução. De acordo com sua

explicação, os núcleos de ensino teriam sido extirpados da sociedade e se reproduzido

de forma diminuta no interior do clero, bastião do saber clássico.

O mesmo autor ressalta que no século VII alguns núcleos escolares organizados

se estruturaram, mas atribuiu seu crescimento a iniciativas pessoais de bispos eméritos

do reino visigodo. Uma lacuna presente nos textos deste autor é a não sinalização da

função destas escolas na estrutura eclesiástica e no reino. Em grande medida, portanto,

o autor repete as explicações mais tradicionais, só que com um cuidado analítico mais

próximo à história como a tratamos hoje. Diaz y Dias utiliza a ideia de eclipse das

letras, que só começariam a retornar pelo trabalho de grandes varões, como Isidoro de

Sevilha.

Por fim, R. dos S. Rainha19. Este autor traz grandes reflexões sobre a

educação no reino visigodo a partir do epistolário do bispo Braúlio de Saragoça (631-

651). Este personagem foi um dos principais discípulos de Isidoro de Sevilha. Ele

destaca que no reino visigodo a opção da nobreza pelo arianismo obstaculizou a 18 DIAZ Y DIAZ, M. Libros y Librerias en La Rioja Altomedieval. Logroño: CSIC, 1991; DIAZ Y DIAZ, M. “La obra literaria de los obispos visigóticos toledanos: Supuestos y Circuntanciais. In: La Patrologia Toledana- Visigoda: XXVII Semana Española de Teologia. Madrid: CSIC, 1970, pp. 45-63. 19 RAINHA, R. S. A educação no Reino Visigodo. Rio de Janeiro: HP Comunicações, 2007.

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fusão entre hispano-romanos e germanos. Com a conversão dos últimos ao

catolicismo, entretanto, a aproximação estreitou- se consideravelmente. Neste contexto,

a educação, para Rainha, compreendeu-se como um tema cujo trato não deveria escapar

aos cuidados da elite episcopal. A estes se vinculava não apenas o reforço de elementos

de distinção em relação aos leigos, mas, sobretudo, o fortalecimento do grupo religioso

como tal. Desta forma, estas obras e pesquisas nos apresentam pontos de vistas

distintos, fundamentados nas diferentes abordagens das fontes produzidas no período

em questão, sobre os assuntos vinculados a transformação cultural ocorrida no século

VII na qual se insere a clericalização da sociedade, em um momento que a Igreja

assume identidade e funções próprias, portanto, nos oferecendo importantes subsídios

para se estudar, sobretudo, a relação existente entre os homens, a educação e as

instâncias de poder.

OBJETIVOS

A grande discussão historiográfica gira em torno do papel preponderante ou não

da Igreja hispano-visigoda nesse quadro político, ou seja, qual seria o impacto de suas

proposições na sustentação do episcopado visigodo que almejava uma coesão

eclesiástica, assim como o reconhecimento de seu poder frente à sociedade por meio da

afirmação de uma educação cristianizada, que permitiu o incremento de sua capacidade

de argumentação dentro desse cenário do reino. A partir desses posicionamentos nos

colocaremos algumas das principais questões que nortearam nossa proposta: A tentativa

por parte da Igreja de legitimar- se através da educação obteve sucesso? Qual poder

mais influenciava o outro, a Igreja à Monarquia ou a nobreza? E mais, quais eram as

efetivas bases sociais que sustentavam a Igreja católica? Qual seria o papel e o lugar

desempenhado pelo episcopado visigodo nesse contexto político-educacional? E, por

fim, quais são os elementos educacionais da doutrina isidoriana que sustentava seu

projeto? Qual seria o público alvo das escolas eclesiásticas visigodas?

A partir dos questionamentos que a presente pesquisa nos levantou e que

foram expostos anteriormente colocamos como objetivo central deste trabalho analisar

a complexa realidade da sociedade visigoda, para obtenção de uma visão global do que

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foi a realidade do poder eclesiástico entre os visigodos. Assim, cotejaremos com as

fontes principais, que neste caso serão os cânones do III e IV Concílios de Toledo e as

obras Etimologias e Sentenças, uma vez que esses trabalhos formam uma rede de

interinfluências e continuidade de sua produção intelectual.

Para tanto, procuramos aqui ver como se materializou as relações de poder.

Avaliando como se produziu o monopólio de funções por parte dos mestres

visigodos e, descobrir os condicionantes que limitaram a execução das atribuições da

administração eclesiástica. Por outro lado, examinaremos como se transformaram as

concepções político-educacionais no universo cultural visigodo, tendo em vista, o

desenvolvimento ideológico que culminou com a formulação de um nítido conceito de

poder no reino de Toledo. Por fim, observaremos como eram as manifestações

simbólicas inseridas na sociedade, via formação escolar, que reforçavam o status da

Igreja e de seus membros.

METODOLOGIA

Propomos-nos realizar um processo analítico dos documentos, ou seja, um

método que leva em conta primeiramente, um aprofundamento do contexto em que os

registros se encontram inseridos enfocando questões de fundo que enquadrem as fontes

em seus limites geográficos, cronológicos e temáticos. Buscando as circunstâncias que

marcaram os motivos da redação das obras em questão.

Devido à própria natureza documental, isto é, fonte de cunho eclesiástica,

portanto, reveladora do lado mais institucionalizado da Igreja no seu respectivo período,

evidencia-se possíveis projetos e embates presentes no seio eclesiástico e social. Ao

mesmo tempo, este corpus não fica restrito, em seu conteúdo, apenas a matérias

meramente religiosas apresentando uma característica incipiente neste período, que seria

a busca de uma intervenção, principalmente, no âmbito político-educacional. Como

forma de análise das fontes, optaremos por uma observação que evidencie o contexto

de elaboração, bem como sua estrutura e recursos retóricos.

Desta maneira, procuraremos ressaltar que nestas fontes de natureza jurídico-

religiosa as temáticas não se restringiam a tal, apresentam também uma grande

XIV Jornada de Estudos Antigos e Medievais – Maringá-PR, 18 a 20/11/2015 10

preocupação com as diretrizes jurídicas. Revelaremos assim que apesar de tudo as

fontes, o s documentos, não se encerram em suas palavras, mas que contém uma

multiplicidade de discursos presentes, que demonstram lutas intestinas bem como a

existência de vontades alheias aos próprios autores, no caso advindo dos quadros

eclesiásticos.

E mais, para A. Coutrot, “as forças religiosas são levadas em consideração como

fator de explicação política em numerosos domínios”20. Dessa forma, esse será o

caminho que traçaremos nesta proposta, relacionando as ligações íntimas e de

interdependência que existe entre religião, política e educação. Dessa maneira, nosso

trabalho seguirá a perspectiva da Nova História francesa e a sua herdeira mais em voga

na atualidade, a Nova História Cultural que possui especial apreço e atenção nesta

pesquisa.

Por fim, surge como via fundamental para analisarmos a Igreja e suas relações

com o reino visigodo o conceito de Ideologia. Dada a gama de significados que possa

apreender o termo “ideologia” seguiremos a perspectiva de G. Duby que entende

como “um sistema (possuindo sua lógica e rigor próprios) de representações (imagens,

mitos, ideias ou conceitos, segundo a ocasião) dotado de uma existência e de um papel

histórico no seio de uma dada sociedade”21. Dentro deste entendimento, podemos

perceber os propósitos educativos do bispo Isidoro de Sevilha que desempenhou um

papel preponderante no reino, em razão das ideologias serem sistemas de representação

que tem como finalidade tranquilizar e fornecer uma justificativa as condutas das

pessoas.

Para G. Duby, os documentos elucidam as ideologias que respondem aos

interesses das camadas dirigentes, em virtude destes grupos deterem os meios de

edificar objetos culturais que não sejam efêmeros e cujos vestígios demonstram-se a

análise histórica, em virtude de nos momentos críticos o movimento das estruturas

materiais e políticas acabarem repercutindo no plano dos sistemas ideológicos22.

20 COUTROUT, A. Religião e Política. In RÉMOND, R. Por uma História Política. Rio de Janeiro: UFRJ/Fundação Gétulio Vargas, 1996, pp. 331-363, p. 331. 21 DUBY, G. História social e ideologia das sociedades. In LE GOFF, J; NORA, P. (Dir) História: Novos Problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979, pp.130-145, p.132. 22 DUBY, G. História social e ideologia das sociedades. In LE GOFF, J; NORA, P. (Dir) História: Novos Problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979, pp.130-145, p.136-137.

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Por fim, utilizaremos o método de análise do discurso23 em que buscaremos

através deste suporte metodológico compreender questões como: o poder e a persuasão

no discurso religioso isidoriano, demonstrando que através de recursos retóricos, certos

grupos dotam os discursos de mecanismos persuasivos, porque o discurso e o poder se

contemplam e podem coexistir.

DESENVOLVIMENTO

No decorrer do século V, um lento processo de enfraquecimento do poder

imperial diante dos poderes regionais que estavam estabelecidos nas diversas regiões

do Império Romano Ocidental. Em outras palavras, percebe-se, nesta fase, uma

gradual substituição da prioridade política e ideológica do imperador pelo rei

germânico, tanto em termos jurídicos como religiosos, que possibilitou a fragmentação

do Império supracitado em novas unidades políticas e religiosas. Não obstante, a

mudança de fato do poder político, ocorrida em um contexto geral, tornou-se

completa em aspectos ideológicos após a conversão desses reis ao catolicismo de

Nicéia e, com a consequente, oficialização desta religião no interior dos respectivos

reinos.

No caso visigodo percebemos que sua história política esteve vinculada a sua

história religiosa bem como as suas relações com o Império Romano. Visto que, uma

vez estabelecidos no interior das fronteiras romanas conseguiram manter certa

independência política e social, muito em virtude de terem-se convertido ao

arianismo 24. Este fato os possibilitou na manutenção de certa autonomia, subtraindo

mais facilmente a ação unificadora e centralizadora dos imperadores romanos e da

Igreja oficial. Posteriormente, com o “desaparecimento” do Império Romano do

Ocidente e a consolidação dos visigodos como povo independente, desenvolveu-se a 23 Entre as obras de referências destacamos: ANDRADE, M. L. C. V. O. Poder e persuasão no discurso religioso medieval. In: Domínios de Língu@gem – Revista Eletrônica de Lingüística. Ano 1, n° 1, 2007, pp.01-10; RESENDE, V. de M.; RAMALHO, V. Análise de Discurso Crítica. São Paulo/SP: Contexto, 2009; IÑIGUEZ, L (Coord). Manual de Análise do Discurso em Ciências Sociais. Petrópolis/RJ: Vozes, 2004; CHARAUDEUA, P.; MAINGUENEAU, D. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo/SP: Contexto, 2008. 24 AGUILERA, Abilio Barbero. El pensamiento político visigodo y las primeras unciones regias en la Europa medieval. In: La sociedad visigoda y su entorno histórico. Madrid: XXI siglo veintiuno de España, 1992, pp. 01-77, p. 13.

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última fase da conversão oficial. Esta se concretizou devido à necessidade de unidade do

respectivo reino25.

A educação no reino visigodo alcançou no século VII destaque especial, tanto

em virtude das definições isidorianas neste âmbito como da obra legislativa levada

a término pelos grandes concílios gerais de Toledo26. Como apontamos anteriormente,

todo esse processo se iniciou com o III Concílio de Toledo (589) – que foi uma

iniciativa do rei Recaredo (568-601) e da Igreja –, episódio de fundamental importância

para a compreensão dessas mudanças.

Deste modo, quando ocorreu tal mudança na direção política, a Igreja Católica

assumiu um papel de representação religiosa frente a todo o reino. Neste contexto

assistiu-se a diversificação dos quadros eclesiásticos com a entrada dos visigodos na

instituição. Assim, ao mesmo tempo em que a Igreja Católica alcançava sua

legitimidade e autonomia ela se deparava com a necessidade de manter a coesão de

seus membros e se fazer presente na sociedade.

A asserção acima se deve, entre outros fatores, à ambição da nobreza em

tomar o poder, pois apesar dos reis serem considerados a cabeça da organização

judicial, financeira, administrativa, militar e inclusive religiosa, do reino visigodo,

foram forçados, devido às necessidades de governar, a delegar parte de suas

competências organizacionais com os nobres, que exerceram funções administrativas,

judiciais, financeiras e militares do reino.

Contudo, o que verdadeiramente determinava a importância política da nobreza

era a sua força econômica e social, que gradualmente foi aumentando à medida que os

monarcas a recompensavam pelos serviços prestados com a entrega de terras, homens e

bens móveis, na tentativa de criar vínculos de dependência pessoal que assegurassem a

fidelidade desse grupo ao soberano. Entretanto, tendo em mãos a possessão de extensos

domínios e muitos homens que neles habitavam, a nobreza dispunha de poder

25 VALVERDE CASTRO, M. R. Ideologia, simbolismo y ejercicio del poder real en la monarquía visigoda: un proceso de cambio. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2000, p. 17-68. 26 CONCILIOS VISIGÓTICOS E HISPANO-ROMANOS. Ed. bilíngüe (latim-espanhol) de J. Vives. Barcelona Madrid: CSIC, 1963.

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econômico, social e militar suficiente para poder defender seus interesses frente à

Monarquia27.

Portanto, essa contestação das facções nobiliárquias com relação às tentativas de

centralização empreendidas pelos monarcas pode ser apontada como um dos fatores

que refletiram essa necessidade de afirmação da Monarquia visigoda, na primeira

metade do século VII28. Em termos práticos, podemos afirmar que, a posição de uma

família aristocrática laica dependia de sua capacidade de inserção na corte régia. A

insubmissão da nobreza visigótica desestabilizou, em alguns momentos, a capacidade

centralizadora do poder real debilitando a posição do rei. E mais, não podemos nos

esquecer que, a instituição da realeza não se fundamentava teoricamente sobre o direito

de sangue, mas sim sobre a eleição que era realizada pela nobreza e os bispos que

designavam, em comum acordo, o sucessor ao trono.

O episcopado visigodo teve um comportamento paradoxo que, por um lado,

fortalecia a Monarquia com a formulação da doutrina teocrática e, por outro, junto à

nobreza laica, constituía um poder limitador da autoridade real. Na abjuração do

arianismo no III Concílio de Toledo não foi apenas uma mera mudança de crenças

religiosas, provocou também uma radical alteração nas relações que mantinham Igreja

e Monarquia, que teve importantes conseqüências para ambas. No terreno econômico, a

conversão provocou um notável aumento do patrimônio eclesiástico. No âmbito político

abriu-se caminho para a intervenção do poder eclesiástico em assuntos civis, obtendo o

clero paulatinamente uma maior participação na vida política do reino29.

Desta forma, revela-se uma situação de dependência entre os poderes da Igreja,

da Nobreza e da Monarquia. A Igreja dominava o espaço social, educacional e o

sobrenatural que gravitava em torno da religião, conquistando uma posição de

comando que submetia o rei. Enquanto que a nobreza dominava, fundamentalmente, o

campo econômico e administrativo do reino. Por outro lado, o monarca, cujo poder era

autenticado por sua origem familiar e pela liderança militar que movimentava,

dominava o campo político nos quais os clérigos e a aristocracia, apesar de suas

27 VALVERDE CASTRO, M. R. Ideologia, simbolismo y ejercicio del poder real en la monarquía visigoda: un proceso de cambio. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2000, p. 255-275. 28 FRIGHETTO, R. Cultura e Poder na Antigüidade Tardia Ocidental. Curitiba: Juruá, 2000, p. 30-32. 29 VALVERDE CASTRO, M. R. Ideologia, simbolismo y ejercicio del poder real en la monarquía visigoda: un proceso de cambio. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2000, p. 256.

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inserções, estavam subordinados. O que este fator demonstra, em certa medida, não foi

à primazia de um poder sobre outro, entretanto o equilíbrio e cooperação existentes

entre eles30. A partir destas circunstâncias, a Igreja sentiu a necessidade de elaborar

teorias e práticas político-educacionais que começaram a se desenvolver diretamente

com a conversão dos visigodos ao catolicismo, que foram se aperfeiçoando até o fim do

reino visigodo em 71131.

Acreditamos que Isidoro de Sevilha, através de alguns de seus trabalhos foi

um dos principais responsáveis pela construção de princípios educacionais, bem como

a solidificação e normatização dessa instância de poder. Como vimos, o sevilhano

viveu durante um período de transformações no qual se buscava a unidade religiosa,

política, legal, administrativa e de identidade do reino. Esse ambiente teve forte

influência na construção de suas ideias. Em razão de sua força e de sua riqueza

intelectual e episcopal exerceu uma preeminência sobre o reino visigodo32.

Antes de se tornar bispo de Sevilha, Isidoro foi abade de um monastério onde

empreendeu uma reforma que exerceu influência durante alguns séculos na Península.

Essa reforma esteve vinculada com a produção de uma “Regra” em que chamava a

atenção para o espírito metódico e ordenador, tendo como mentores as antigas regras

de Pacômio, Bento, Jerônimo, Agostinho, Cassiano e Cesário de Arles33.

I. Quiles ressalta que Isidoro, em sua gestão de abade, teve grande preocupação

com a escola de Sevilha. Esse centro de ensino teve como alunos jovens de várias

regiões da Hispânia, mas não era voltado apenas para clérigos, mas também para a elite

e para príncipes visigodos. Teve como alunos, por exemplo, Bráulio de Saragoça, que

foi um dos discípulos de Isidoro e que organizou a famosa obra do bispo sevilhano, as

30 VALVERDE CASTRO, M. R. Ideologia, simbolismo y ejercicio del poder real en la monarquía visigoda: un proceso de cambio. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2000, p. 17-68. 31 AGUILERA, A. B. El pensamiento político visigodo y las primeras unciones regias en la Europa medieval. In: IDEM. La sociedad visigoda y su entorno histórico. Madrid: XXI siglo veintiuno de España, 1992, pp.01-77, p. 15-16. 32 FONTAINE, J. Isidoro de Sevilla: Génesis y originalidad de la cultura hispánica en tiempos de los visigodos. Madrid: Encuentro, 2002, p. 99. 33 Mais sobre a Regra de Isidoro de Sevilha, ver em: QUILES, I. S. I. San Isidoro de Sevilla, Biografia-Escritos-Doctrina. Madrid: Espasa – Calpe, 1965, p. 29-32.

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Etimologias; e Ildefonso de Toledo. Já com relação aos príncipes, teve como

personalidades Sisebuto e Sisenando que posteriormente chegaram ao trono visigodo34.

Assim podemos perceber um triplo papel da educação na estrutura eclesiástica

da Igreja católica visigoda. São eles: garantir ao corpo eclesiástico uma identificação

própria, afastada dos referenciais anteriores; possibilitar a interação com outros campos

de poder da sociedade, permitindo a atuação política, com auxílio da influência obtida

junto aos monarcas; e, por fim, atuar como um modelo para o todo social, numa espécie

de ação catequizante por parte do clero, indicando a ideia de que para que fosse

alcançado o caminho da glória e salvação junto a Deus, eram necessários mestres. Neste

sentido, a Igreja teve o Cristo e os membros da Patrística, os clérigos seus mestres nas

escolas, e o povo teve a Igreja para lhes guiar.

Notamos que no discurso eclesiástico foi sublinhado o caráter peculiar do

entendimento da educação pautado nas relações de mestre-discípulo. Esta aparece como

uma representação retórica sobre a função da Igreja na sociedade visigoda, uma vez que

o caminho do sucesso dependia de um bom mestre, posição que o episcopado difundiu

como sendo a sua missão máxima nesse mundo sempre valorizando seu principal bem.

Uma da preocupações mais primárias, também presentes em Isidoro, para

perpetuação de qualquer instituição foi a necessidade de manter-se atrativa. Com a

Igreja o processo não foi diferente a maior missão de seus membros, principalmente e

m uma organização que pressupõe crença e fé, foi garantir a continuidade de sua própria

existência.

Devido a sua posição no seio da hierarquia eclesiástica, o bispo sevilhano foi

um expectador privilegiado da sociedade visigótica, visto que conviveu com muitos

dos personagens35 descritos em suas obras, exercendo uma espécie de “tutela” no

34 QUILES, I. S. I. San Isidoro de Sevilla, Biografia-Escritos-Doctrina. Madrid: Espasa – Calpe, 1965, p. 31-32. 35 Recaredo (568-601); Liuva II (601-603); Witérico (603-610); Gundemaro (610-612); Sisebuto (612-621); Recaredo II (612); Suintila (621-631); Sisenando (631-636).

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reino36. Não há dúvida, de que a doutrina político-educacional de Isidoro resultou

de seu contato com a realidade política e social do reino visigodo37.

O reconhecimento da relevância de uma formação qualificada dos membros da

Igreja, em especial no século VII com o afluxo de visigodos para seus quadros, foi

fundamental para legitimidade alcançada por este grupo religioso. A educação formal,

então, passou a atuar como elemento de coesão e de identificação dos clérigos. Esta faz

parte do próprio projeto de valorização do grupo, estabelecendo regras em torno da

especialização. Dessa forma, também tentavam evitar a intervenção nobiliárquica, em

especial dos monarcas.

No que tange aos concílios, não podemos deixar de mencionar que, a

frequência desses sínodos acabou por construir a imagem do que fora o catolicismo

visigodo na Hispânia: uma prática religiosa fortemente amparada em uma tradição

jurídico -canônica. Realizados com o objetivo de discutir questões pertinentes ao âmbito

da fé ou do político; as atividades conciliares acabaram apresentando-se como o espaço

de produção ideológica decorrente da interação entre interesses monárquicos e

eclesiásticos.

Nessa perspectiva deve-se destacar o IV Concílio de Toledo (633), presidido e

organizado por Isidoro de Sevilha e natureza essencialmente normativa, foi de

fundamental importância para se assimilar a importância da educação nas relações de

poder.

CONCLUSÕES

Com base no que foi discutido por essa sucinta apresentação, podemos concluir

que o bispo Isidoro de Sevilha como forte representante da Igreja visigoda tinha

objetivos bastante claros com relação ao fortalecimento da Igreja, perante as demais

instâncias de poder, no caso, Monarquia e Nobreza, que andavam juntas dentro deste

contexto hispânico.

36 REYDELLET, M. La royauté dans la litterature latine de Sidonio Apollinaire à Isidore de Séville. Roma: École Française de Rome – Palais Farnése, 1981, p. 554. 37 RIBEIRO, D. V. A sacralização do Poder Temporal: Gregório Magno, e Isidoro de Sevilha. In: Souza, José Antônio de C. R. (org.). O Reino e o Sacerdócio – O pensamento político na Alta Idade Média, s/d. pp. 91-112, p. 104.

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A formação educacional de muitos jovens, principalmente daqueles que faziam

parte desses grupos mencionados, não estavam descontextualizados das conjunturas

políticas e econômicas deste reino, mesmo porque, um dos principais objetivos com

esses alunos era formar grupos dirigentes desse novo momento que a Hispânia estava

vivendo pós conversão ao catolicismo niceísta.

Assim o papel do sevilhano foi fundamental, já que uma das principais

preocupações do bispo era o projeto da salvação, quem seriam os homens que levariam

o povo visigodo a essa conquista futura? Destacamos também o papel preponderante da

Igreja para serem alcançados esses propósitos, era ela que fazia esse papel de

intermediadora entre os assuntos divinos e os terrenos, só pensarmos na própria

preocupação que Isidoro teve com relação ao fortalecimento da figura do rei no IV

Concílio de Toledo, no cânone 75, ou mesmo o papel de tutor, como a historiografia o

classificou, perante figuras que posteriormente assumiriam cargos importantes dentro do

reino, como bispos e até reis.

Desta forma, esse breve exposo do nosso trabalho, ainda têm muito a

problematizar e analisar desse quadro, que as obras do bispo Isidoro de Sevilha e o

momento em que elas são produzidas nos trazem para nos aproximarmos dos projetos

de fortalecimento da Igreja pelo vies da formação e educação.