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A Eficácia da Mediação no Tratamento de Conflitos Diante de um mundo tecnicista, no qual a cada dia os seres humanos são substituídos por máquinas, o mundo jurídico, por consequência, não poderia ficar de fora desta contaminação ideológica, assim as soluções para os conflitos humanos são cada vez mais buscadas em fórmulas gerais e acabadas, indiferentes ao mundo psíquico do ser (emoções, sentimentos, etc.), como se um preceito legal positivado conforme a técnica jurídica pudesse contemplar todos os casos de forma justa quando se deixa de lado o que mais importa: o indivíduo. Os modelos atuais, tanto legislativo, quanto judiciário, giram em torno dos fatos. As leis são produzidas para regular fatos, assim como os juízes são destinados a julgá-los. Ou seja, é desprezado o indivíduo e todo o seu mundo psíquico que dá origem ao conflito e onde estão suas verdadeiras causas. Nos fatos vemos apenas a casca que envolve o conflito, a ponta do iceberg, como é geralmente assinalado pelo senso comum. Já os estudiosos da Teoria do Conflito, identificam a dita ponta do iceberg como as posições defendidas pelas partes, diferenciando-as dos interesses (as motivações reais do conflito). Para identificar os interesses, é preciso desenvolver

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Page 1: A Eficácia Da Mediação No Tratamento de Conflitos

A Eficácia da Mediação no Tratamento de Conflitos

Diante de um mundo tecnicista, no qual a cada dia os seres humanos

são substituídos por máquinas, o mundo jurídico, por consequência, não

poderia ficar de fora desta contaminação ideológica, assim as soluções para

os conflitos humanos são cada vez mais buscadas em fórmulas gerais e

acabadas, indiferentes ao mundo psíquico do ser (emoções, sentimentos,

etc.), como se um preceito legal positivado conforme a técnica jurídica

pudesse contemplar todos os casos de forma justa quando se deixa de lado

o que mais importa: o indivíduo.

Os modelos atuais, tanto legislativo, quanto judiciário, giram em torno

dos fatos. As leis são produzidas para regular fatos, assim como os juízes

são destinados a julgá-los. Ou seja, é desprezado o indivíduo e todo o seu

mundo psíquico que dá origem ao conflito e onde estão suas verdadeiras

causas.

Nos fatos vemos apenas a casca que envolve o conflito, a ponta do

iceberg, como é geralmente assinalado pelo senso comum. Já os estudiosos

da Teoria do Conflito, identificam a dita ponta do iceberg como as posições

defendidas pelas partes, diferenciando-as dos interesses (as motivações

reais do conflito). Para identificar os interesses, é preciso desenvolver o

aprofundamento do diálogo entres as partes, o que deve ser realizado num

ambiente propício e técnicas apropriadas.

Por este motivo, a mediação vem ganhando espaço no meio jurídico

por ser reconhecida como um método adequado de tratamento de conflitos

eficaz, que comporta a facilitação do diálogo com o fito de penetrar no

conflito real entre as partes. Nesse sentido Lilia Maia assegura:

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A mediação possibilita também o conhecimento do conflito real a

partir do diálogo. Muitas vezes, os problemas que se expressam são

os aparentes, tendo em vista a dificuldade de se falar sobre real

problema. A resolução apenas do conflito aparente não tem eficácia

pois o conflito real perdura, dando ensejo a outros problemas.1

Esta nova visão sobre o tratamento adequado do conflito advém do

aporte teórico sobre diferentes concepções do discurso jurídico. De um lado

a concepção tópico-retórica e, do outro, as concepções jus-filosóficas. A

primeira de natureza argumentativa, na qual prioriza o diálogo e a

construção do direito pelas partes, e a segunda de natureza dogmática ou

axiomática, “da qual seria possível deduzir soluções concretas no quadro de

um sistema fechado de racionalidade tecno-jurídica”2, ou seja, uma fórmula

pronta e acabada seria capaz de dar cabo ao conflito apresentado.

Defendendo a concepção tópico-retórica, Boaventura de Souza

Santos aduz que esta possui:

“[...] uma natureza argumentativa, visando uma deliberação dominada pela lógica do razoável em face do circunstancialismo concreto do problema, em caso algum redutível à dedução lógica e necessária a partir de enunciados normativos gerais. O conhecimento do discurso jurídico pressupõe, assim, uma teoria da argumentação onde se dê conta, de modo global, do processo da construção cumulativa da persuasão que culmina na deliberação.”3

Nesse sentido podemos afirmar que aí reside a diferença fundamental

entre o modelo da mediação e o modelo do processo jurisdicional. O

primeiro preza pelo diálogo entre as partes na busca da construção da

solução para o conflito. O segundo preza pelo formalismo processual na

1 Lilia Maia de Morais Sales http://escola.mpu.mp.br/dicionario/tiki-index.php?page=Media%C3%A7%C3%A3o+de+conflitos2 SANTOS, Boaventura de Souza. O discurso e o poder: ensaio sobre a sociologia da retórica jurídica. Porto Alegre, Fabris, 1988. Pg. 7.3 SANTOS, Boaventura de Souza. O discurso e o poder: ensaio sobre a sociologia da retórica jurídica. Porto Alegre, Fabris, 1988. Pg. 7.

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condução do conflito, visando a aplicação de uma lei4 previamente já

positivada para o caso fático apresentado.

Pelas razões apresentadas, é que defendemos a eficácia da mediação

no tratamento de conflitos. Não foi por menos que, no ano de 2010, o

Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 125/2010 reconhecendo

a mediação como uma forma de acesso a uma ordem jurídica justa.

No entanto, para que a mediação ganhe cada vez mais espaço, é

necessária uma quebra de paradigma. Tanto da mentalidade

processualística formal que perpassa entre os profissionais da área jurídica,

quanto da cultura da própria população, habituada a resolver seus conflitos

de forma litigiosa por meio de ações judiciais.

4 Abrindo um parêntese, vale lembrar que, esta lei previamente positivada não representa, muitas

vezes, os anseios das partes em conflito, mas uma hipotética vontade geral originada de um sistema

representativo. No entanto, democracia, como bem exemplificou o Ministro Carlos Ayres Brito, “é tirar

o povo da plateia e colocá-lo no palco das decisões coletivas ou que digam respeito a ele mesmo, povo.”