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Roberta Ferreira Gonçalves A escola disfarçada em brincadeiras: intelectuais e ideias na criação da revista O Tico-Tico Rio de Janeiro 2011 Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

A Escola Disfarçada Em Brincadeira

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A Escola Disfarçada Em Brincadeira

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Roberta Ferreira Gonalves A escola disfarada em brincadeiras:intelectuais e ideias na criao da revista O Tico-Tico Rio de J aneiro 2011 Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Cincias Sociais Instituto de Filosofia e Cincias Humanas Roberta Ferreira Gonalves A escola disfarada em brincadeiras:intelectuais e ideias na criao da revista O Tico-Tico Dissertao apresentada como requisito parcial paraaobtenodottulodeMestre,ao ProgramadePs-graduaoemHistria,da UniversidadedoEstadodoRiodeJ aneiro. rea de concentrao: Histria Poltica. Orientadora: Prof Dr Eliane Garcindo de S Rio de J aneiro 2011 CATALOGAO NA FONTE UERJ /REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA CCS/A Autorizo, apenas para fins acadmicos e cientficos, a reproduo total ou parcial desta dissertao. ________________________________________________________________ AssinaturaData G635Gonalves, Roberta Ferreira. A escola disfarada em brincadeiras: intelectuais e ideias na criaodarevistaOTico-Tico/RobertaFerreira Gonalves. 2011. 162 f. Orientadora: Eliane Garcindo de S. Dissertao (mestrado) - Universidade do Estado do Rio de J aneiro, Instituto de Filosofia e Cincias Humanas.. Bibliografia. 1. O Tico-Tico (Revista) Histria - Teses. 2. Peridicos para crianas Teses. 3. Histrias em quadrinhos e crianas - Teses. 4. Educao de crianas Teses. I. S, Eliane Garcindo de. II. Universidade do Estado do Rio de J aneiro. Instituto de Filosofia e Cincias Humanas. III. Ttulo. CDU 981(05) Roberta Ferreira Gonalves A escola disfarada em brincadeiras:intelectuais e ideias na criao da revista O Tico-Tico Dissertao apresentada como requisito parcial paraaobtenodottulodeMestre,ao ProgramadePs-graduaoemHistria,da UniversidadedoEstadodoRiodeJ aneiro. rea de concentrao: Histria Poltica. Aprovada em 26 de abril de 2011. Banca Examinadora: _______________________________________________ Prof Dr Eliane Garcindo de S (Orientadora) Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da UERJ _______________________________________________ Prof Dr Tnia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da UERJ _______________________________________________ Prof Dr Rebeca Gontijo TeixeiraFaculdade de Histria da UFRRJ Rio de J aneiro 2011 DEDICATRIA Angelo Agostini, J . Carlos, Kalixto, Loureiro, entre tantos artistas que fizeram histria em O Tico-Tico, responsveis transformar as ilustraes, o trao, os quadrinhos e as caricaturas, em uma grande paixo. AGRADECIMENTOS Quanto maiores so as dificuldades encontradas no caminho, maior a lista de pessoas dispostasaajudardasformasmaisdiversas.Agradeoatodosquedealgumamaneira contriburam para o desenvolvimento deste trabalho. AgradeoespecialmenteprofessoraElianeGarcindodeS,pelapacincia,pela orientao sempre presente e pelas contribuies inspiradoras. sprofessorasTniaMariaBessonedaCruzFerreiraeRebeccaGontijopelas sugestes do exame de qualificao e pela grande generosidade intelectual. Ao professor Arnaldo Niskier e Andra Niskier por terem permitido a consulta ao acervo da revista O Tico-Tico, sem a qual este trabalho no teria sido possvel.J oseteArajoMoreirapelasupervisoduranteaconsultanoMemorialArnaldo Niskier e pelas boas risadas durante a pesquisa. professoraLauraNery,antdotoaobom-sensoeumpoucodecaosordemdo mestrado.sprofessorasMagaliEngeleMariaLetciaCorrapelasindicaesdeleiturase discusses do GEPISP Grupo de Estudos e Pesquisa Intelectuais, Sociedade e Poltica. CAPES pelo auxlio financeiro durante o mestrado que permitiu minha dedicao exclusiva a este trabalho. Aos amigos Vernica, Gustavo, Fernando, Samantha, Marina, Flavia Almeida, Flavia Belo e Rogrio, por dividirem comigo as dores e alegrias do mestrado. Pelas frases soltas, papos longos, noites de bebedeira e discusses na mesa de bar. Myriam e Gabriela sempre presentes e unidas. Aos meus pais e minhas irms, pela lealdade e pacincia em nem sempre me encontrar disponvel. AoAngelo,pelasideiasoriginais,pelaforaepacincia,carinhoecompreenso. Obrigada por permanecer a meu lado. RESUMO GONALVES, Roberta Ferreira. A escola disfarada em brincadeiras: intelectuais e ideias na criao da revista O Tico-Tico. 2011. 162 f. Dissertao ( Mestrado em Histria ) Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade do Estado do Rio de J aneiro, Rio de J aneiro, 2011. OTico-Tico foi uma das primeiras revistas ilustradas para crianas no Brasil. Criada em 1905 na cidade do Rio de J aneiro, circulou por mais de cinqenta anos em um mercado jornalsticoconsideradoinstvel.Pelacapacidadedecondensarmuitasdasquestese demandas caractersticas de seu tempo, OTico-Tico se configura como acontecimento. Na dissertao aqui apresentada, nos concentramos na anlise da criao da revistinha infantil e da conjuno de fatores que permitiu o nascimento de uma publicao tida por grandes nomes daintelectualidadenacionalcomoummarconainfnciadegeraesdebrasileiros. Procuramos,destaforma,recuperarocontextoemqueelafoicriadaapartirdaprpria publicao seus quadrinhos, historinhas e lies dirigidas formao dos futuros cidados da Repblica. A partir da imprensa e seu processo de modernizao, com especial foco na revista O Malho, procuramos perceber a articulao do campo intelectual carioca da Primeira Repblicaemespaosdesociabilidades,comoasredaesdejornais,naproposioe encaminhamento de projetos em que estava em jogo o enfrentamento da questo nacional. O Tico-Tico foi um desses projetos que pretendeu dar corpo a um desejo intelectual de educar ascrianas e jovens brasileiros, infantes como o prprio Brasil. Palavras-chave: Imprensa ilustrada. Intelectualidade. Educao. ABSTRACT OTico-Tico was one of the first illustrated magazines in Brazil to be conceived for children. It appeared in Rio de J aneiro in 1905, and went on circulation for the following fifty years,despitetheunstablepressindustry.Forthepowertocondensemanyofitstimes questions and demands, OTico-Ticoconstellate na event. In this thesis, our focus is on the analysis of the birth of the magazine, and the factors that allowed the birth of a magazine that defined a landmark in the childhood of generations of brazilians, as many intelectuals have called it. By following these lines, it is our intention to trace the context of the magazines creationfromwithinitsownpagesanditsillustrations,shortstoriesandlessonsto Republics future citizens. Out of press rooms and modernization, with special attention to O Malhomagazine,welookforaglimpseonhowRiodeJ aneirosintellectualcampus articulated the proposal and conduction of projects in which national problems were debated, setting sociabilites spaces such as press rooms. OTico-Tico was one of these projects that intended to embody a blazing intellectual desire to teach kids and young brazilians, as young as Brazil itself. Keywords: Illustrated magazines. Intelectuals. Education. LISTA DE ILUSTRAES Figura 1 Capadarevista O Malho.O Malho. Rio de J aneiro, 19 de agosto de 1905.N 153. Ano IV...................................................................................................... 28 Figura 2 Fotografiadasoficinas de O Malho. O Malho. Riode J aneiro, 23 de setembrode 1905. N 158. Ano IV ...................................................................................... 29 Figura 3 - Desventuras do Chiquinho. No Carnaval. O Tico-Tico. Rio de J aneiro, 28 de fevereiro de 1906. N 21, Ano II ......................................................................... 41 Figura 4 Mania de Caricatura. O Tico-Tico. Rio de J aneiro, 8 de novembro de 1905.N 8. Ano I ............................................................................................................ 43 Figura 5 -Procurandoacasa.O Malho. Rio de J aneiro, 2 de setembro de 1905. N 155. Ano IV .................................................................................................................... 44 Figura 6 A Vela Feiticeira (Conto para crianas). O Malho. Rio de J aneiro, 4 de fevereiro de 1905. N 127, Ano IV ........................................................................................ 52 Figura 7 Travessura fatal (Conto para crianas). O Malho. Rio de J aneiro, 11 de fevereiro de 1905. N 126, Ano IV ....................................................................................... 53 Figura 8 Comose tingeuma roupa. O Tico-Tico. RiodeJ aneiro, 3 de janeiro de 1906. N 13, Anno II ..................................................................................................... 67 Figura 9 A Derrota do Batalho. O Tico-Tico. Rio de J aneiro, 22 de novembro de 1905. N 7. Ano I ........................................................................................................... 77 Figura 10 A Boneca Mecnica. O Tico-Tico. Rio de J aneiro, 27 de dezembro de 1905. N12. Ano I ........................................................................................................... 77 Figura 11 Asnossasescolas.O Tico-Tico.Rio deJ aneiro,26 de dezembro de 1906.N 64. Ano II ....................................................................................................... 80 Figura 12 Aopiniodovelho. O Tico-Tico. Rio de J aneiro, 2 de maio de 1906. N 30. Ano II ................................................................................................................. 81 Figura 13 Quemcomferrofere, com ferro ferido. O Tico-Tico.Rio de J aneiro, 4 de abril de 1906. N 26. Ano II .............................................................................. 88 Figura 14 ConcursoN 30. O Tico-Tico. Rio de J aneiro, 14 de marode 1906.N 26.Ano II ................................................................................................................. 93 Figura 15 Histria do Brasil em Figuras. Mais alguns factos e costumes do tempo deD. Joo VI. O Tico-Tico. Rio de J aneiro, 18 de julho de 1906. N 41. Ano II ... 95 Figura 16 Juquinha Pretinho.O Tico-Tico.RiodeJ aneiro, 7defevereiro de 1906.N 18. Ano II ..................................................................................................... 104 Figura 17 OTalentode Juquinha. Umguarda-chuvaquevirou canoa. O Tico-Tico. Rio de J aneiro, 14 de maro de 1906. N 23. Ano II ....................................... 116 Figura 18 Ediode Natal.O Tico-Tico.Rio deJ aneiro, 27dedezembro de 1905.N 12.Ano I ....................................................................................................... 116 Figura 19 EdiodeAno Novo. OTico-Tico.Riode J aneiro, 10 de janeiro de 1906. N 14. Ano II..................................................................................................... 116 Figura 20 AnnciodoCaf Ideal. OTico-Tico.RiodeJ aneiro, 9de maiode 1906.N 31. Ano II ..................................................................................................... 118 Figura 21 -Annciodecigarros. O Tico-Tico.Rio deJ aneiro, 7defevereiro de 1906.N 18. Ano II ..................................................................................................... 119 Figura 22 Deutudoemguade barrella. O Tico-Tico. Rio de J aneiro, 16 de maio de1906. N 32, Ano II ........................................................................................... 122 Figura 23 Manda quem pode. O Tico-Tico. Rio de J aneiro, 11 de outubro de 1905. N1,Ano I ................................................................................................................. 124 Figura 24 O Tico-Tico. Rio de J aneiro, 22 de novembro de 1905. N 7, Ano I ................ 126 Figura 25 A arte de formar brazileiros. O Tico-Tico. Rio de J aneiro, 11 de julho de 1906.N 40, Ano II ..................................................................................................... 129 Figura 26 A arte de formar brazileiros. A indstria. O Tico-Tico. Rio de J aneiro, 5 deagosto de 1906. N 44. Ano II .......................................................................... 131 Figura 27 HistriadoBrazilemFiguras.OsPalmares suadestruio(1697).O Tico- Tico. Rio de J aneiro, 14 de maro de 1906. N 23. Ano II .................. 134 Figura 28 HistriadoBrasilemFiguras. A conspirao de Tiradentes.O Tico-Tico.Rio de J aneiro, 30 de maio de 1906. N 34. Ano II .......................................... 136 Figura 29 Hmalesquevmpor bemou avictriadamaldade.OTico-Tico. Rio de J aneiro, 30 de maio de 1906. N 34. Ano II ......................................... 140 Figura 30 Um sonho de ummau estudante. O Tico-Tico. Rio de J aneiro, 18 de abril de1906. N 28. Ano II ........................................................................................... 141 Figura 31 Uma victoria dO Tico-Tico. O Tico-Tico. Rio de J aneiro, 23 de maio de 1906. N 33. Ano II .................................................................................................... 142 Figura 32 AArtede FormarBrazileiros. O Tico-Tico.RiodeJ aneiro, 6 de junho de1906. N 35. Ano II ........................................................................................... 144 Figura 33 Trabalho e Preguia.O Tico-Tico. Rio de J aneiro, 11 de julho de 1906. N40..146 Figura 34 Coitado Carrazedo! O Tico-Tico.Rio de J aneiro, 21 de fevereirode 1906. N 20. Ano II ...................................................................................... 148 Figuras 35 MeninosMoleques.OTico-Tico.RiodeJ aneiro, 11dejulho de 1906.N 40. Ano II ................................................................................................... 149 SUMRIO INTRODUO .......................................................................................................... 13 1 O MALHO EA MODERNIZAOTCNICA DA IMPRENSA NA PRIMEIRA REPBLICA ........................................................................................ 26 1.1A imprensadosprimeirosanosdaRepblica: modernizaoeprogresso tcnico ...........................................................................................................................30 1.2Um mundonovo nasrevistasilustradas: aimagemcomosnteseda modernidade ............................................................................................................... 36 1.2.1A cidade caricaturada .................................................................................................. 41 1.3O humor na imprensa da Primeira Repblica ........................................................ 47 2 OSINTELECTUAISE A CIDADE: ACRIAODAREVISTAO TICO-TICO ................................................................................................................ 55 2.1Uma modernidade contraditria .............................................................................. 60 2.1.1 A cidade do Rio como palco ........................................................................................ 64 2.2Os intelectuais como smbolo da modernidade ....................................................... 67 2.2.2 Combativos e bon vivants ............................................................................................ 71 3 EDUCANDO UM PAS EM INFNCIA ................................................................ 79 3.1Aconstruodaescolarepublicanaeapedagogiadanacionalidade........... 83 3.1.1 Educao e cidadania ................................................................................................... 89 3.1.2 O mtodo intuitivo e as Lies de Coisas .................................................................... 91 3.2Um novo conceito de infncia ..................................................................................98 3.2.1 O nascimento de uma literatura infantil genuinamente nacional ............................... 101 3.3AsistematizaodeManoel Bomfimeainfluncia dessasideias nO Tico-Tico ................................................................................................................... 105 4 AREVISTAOTICO-TICO:AEDUCAOEMPRIMEIRO LUGAR ....111 4.1Os primeiros anos de O Tico-Tico: a gnese de um projeto ................................. 112 4.1.1 Personagens, brincadeiras e publicidade n O Tico-Tico ..........................................114 4.1.2 Os leitores d O Tico-Tico ......................................................................................... 120 4.2Conhecer o pas, um dever cvico ........................................................................... 127 4.3Escola e trabalho sustentculos da nao ........................................................... 137 4.3.1 O que os meninos no devem fazer ........................................................................... 146 5 CONSIDERAES FINAIS .................................................................................. 151 REFERNCIAS ....................................................................................................... 155 13INTRODUO QuemdizOTico-Ticodizumainstituiobrasileira.uma instituio brasileira que no deve ser perdida de vista no momento em que outras instituies brasileiras atravessam dias to difceis. Gilberto Freyre No ano de 1905, a revista OMalho, principal publicao humorstica e ilustrada dos primeiros anos do sculo XX, anunciava em um de seus nmeros o nascimento de uma grande novidade na imprensa carioca: a primeira revista ilustrada voltada ao pblico infantil. Em 30 de setembro, no nmero 159, publicava: J ornal das crianas Est breve o dia em que as crianas no Brasil comearo a ler o seu jornal. O Tico-Tico apparecerna2quarta-feiradeoutubroprximo,dia11.NosdousltimosnmerosdO Malho j dissemos o que vai ser O Tico-Tico O endiabrado semanrio que destinamos pequenada e que ser como ella traquinas, risonho, irriquieto, sendo-lhe ao mesmo tempo um amigo til, porquanto em muitas cousas a ensinar divertindo-a. Repleto de desenhos, muitos coloridos, cheio de histrias engraadas para meninos e meninas, O Tico-Tico leve e saltitante como indica o seu nome, tornar-se- desde que apparecer, a alegria, o prazer, a delcia das crianas de todo o Brasil1. A revista O Tico-Tico foi lanada em 11 de outubro de 1905, pela Sociedade O Malho, que se configurava na imprensa carioca como uma das maiores empresas jornalsticas, com publicaes variadas e maquinrio moderno. OTico-Tico foi um dos peridicos nascidos do processo de segmentao de impressos levado a cabo pela empresa, que naquele ano adquiria mquinas capazes de expandir consideravelmente o alcance de suas publicaes, at ento restritas revista de mesmo nome e seu almanaque anual. A revistinha infantil foi apresentada aos leitores como o preenchimento de uma grande lacuna no meio jornalstico. At ento, no havia nenhuma revista destinada s crianas nos moldesdOTico-Ticoilustrada,colorida,divertida,interativaeldica.Noeditorialdo primeiro nmero, defende-se que O Tico-Tico se configurava como uma grande revoluo no mercado de produtos para crianas, que at aquele momento viviam o mundo dos adultos 1 O Malho. Rio de J aneiro, 30 de setembro de 1905. N 159, Ano IV. 14como se fosse o seu prprio mundo. OTico-Tico, por outro lado, atravs de um esforo de compreenso do mundo infantil, seria capaz de oferecer uma nova realidade, onde as crianas poderiam folgareriremliberdade, divertindo-se com uma litteraturaespecial,simples, ingnua, ao alcance de sua inteligncia2.Antes de lanar O Tico-Tico, a revista O Malho j publicava tiras e contos destinado s crianas. Desde 1903, histrias infantis eram publicadas em O Malho por Dcio de Pontes e Madame Chrysanthme, pseudnimo de Ceclia Bandeira de Mello. Em sua maioria, eram adaptaes de textos clssicos da literatura infantil europeia Irmos Grimm, Hans Christien Andersen e Charles Perrault; por vezes, publicava tambm textos de autores nacionais, como o conto Oambicioso de Coelho Neto3. J havia, portanto, um pblico leitor formado nas prprias pginas de O Malho para o futuro empreendimento. Tambm em O Malho, a linguagem dos quadrinhos foi apresentada ao pblico infantil. Histriasseriadasnoerampropriamenteumanovidadeparaopblicobrasileiro:ngelo Agostini j tinha experimentado a narrativa quadrinizada em AsaventurasdeNhQuim e Aventuras de Z Caipora4, inclusive com a criao de personagens, fato at ento indito no Brasil. Nos Estados Unidos, no momento em que O Tico-Tico foi criado, os quadrinhos j se tornavam populares. Um dos maiores desenhistas, e considerado grande precursor do gnero, RichardFeltonOutcaultfaziasucessocomseuYellowKid(1896)ecomoarteiroBuster Brown, que em OTico-Tico ficou conhecido como Chiquinho, personagem principal de As aventuras de Chiquinho, HQ5 mais popular da revistinha. Ao lado de Jaguno, que na histria original se chamava Tiger, o menino louro to diferente da grande maioria das crianas brasileiras fazia sucesso com suas trapalhadas, punidas ao final com uma bela surra. Luiz Bartolomeu de Souza e Silva, proprietrio de O Malho, recebeu ajuda de alguns intelectuais na concepo de OTico-Tico: Manoel Bomfim, Renato de Castro e Cardoso J r. estiveram ao seu lado na criao do peridico que se tornaria uma referncia na imprensa 2 O Tico-Tico. Rio de J aneiro, 11 de outubro de 1905. N 1, Ano I. 3 O Malho. Rio de J aneiro, 6 de maio de 1905. N 138. Ano IV. 4 As duas histrias foram publicadas inicialmente na Revista Illustrada e, depois, na revista Dom Quixote. No nmero 2 da revista O Tico-Tico, de 18 de outubro de 1905, os editores anunciam a publicao das Aventuras do Z Caipora nos nmeros subsequentes, mas a continuao da histria em quadrinhos de ngelo Agostini nunca foi publicada na revista. 5 "HQ" uma das denominaes utilizadas para denominar as histrias em quadrinhos. Para Paulo Ramos, existem trs comportamentos tericos em relao aos quadrinhos: um que entende os quadrinhos como um grande rtulo que abriga diferentes gneros; outro que vincula gneros cmicos - charge, cartum, caricatura e tiras em um rtulo denominado humor grfico ou caricatura; e outro ainda que v as charges e tiras cmicas como parte da linguagem jornalstica, pelo fato de serem comumente publicadas nos jornais. No nosso trabalho buscamos diferenciar os quadrinhos histrias seriadas, geralmente apoiadas na construo de um personagem de outros gneros como a charge, a caricatura e a tira de humor. Cf. RAMOS, Paulo. Aleitura dos quadrinhos. So Paulo: Contexto, 2009. p. 20-21 15brasileira. Alm deles, um grande nmero de caricaturistas j conhecidos pelo trabalho em O MalhoeemoutrasrevistasilustradasdapocangeloAgostini,J .Carlos,Lenidas, Kalixto participaram ativamente em O Tico-Tico, colaborando eventualmente com histrias em quadrinhos, ou de forma contnua criando personagens que marcariam a infncia de um grande nmero de brasileiros. Aimprensapassavaporumagrandetransformao,comaincorporaodenovas tcnicas que possibilitaram o aumento das tiragens e a publicao de imagens. As revistas ilustradas apareciam como um grande atrativo ao pblico, cada vez mais vido por novidades. E elas no funcionavam apenas como fonte de informao, mas tambm como difusoras do estilo de vida burgus e moderno. Expressavam como nenhum outro veculo de informao as mudanas no ritmo do tempo, exercitando a linguagem veloz da crnica, a sntese na charge e na caricatura, e o novo e o extico nas fotografias. Mas se por um lado identificavam-se com os valores e modelos da classe em ascenso, no deixavam de ser tambm lugares para o exerccio da crtica, caracterstica marcante da imprensa brasileira desde o sculo XIX.nestecontextoqueaimprensaempresarialcomeaasurgir,aproveitando-sedo processo de modernizao e consolidao do capitalismo no pas e da sociedade de consumo de massa que se instaurava. Alimentava-se tambm do desejo de universalizao tpico da vivncia do moderno: j no bastava noticiar e comentar os acontecimentos da cidade e do pas,eranecessrioestarconectadoaomundoatravsdostelgrafosedasagnciasde notcias. E as classes que formavam seus grupos preferenciais de leitores pareciam vidas por consumir as recentes novidades vindas da Europa e dos Estados Unidos, o mundo civilizado no qual se espelhavam. A imprensa era tambm lugar preferencial de atuao para os intelectuais durante a PrimeiraRepblica.Estegrupocomprometidocomaquestonacional,comobemmostra Tnia Regina de Luca6, utilizava as pginas de jornais e revistas para expor suas insatisfaes e propor caminhos para a superao dos problemas nacionais. Estes homens, ento afastados da hegemonia poltica, sentiam-se os verdadeiros responsveis por questionar e encaminhar os rumos do pas. Acreditavam que a nao era a base para a construo do sentimento coletivo emtornodaRepblicaedefendiam,empublicaescomoarevistaOTico-Tico,a necessidadedesubtrairseusmalesencaminhandoprojetosderegeneraoemesmo reconstruo da identidade brasileira. 6 LUCA, Tnia Regina de Luca. A revista do Brasil: um diagnstico para a (N)ao. So Paulo: Fundao Editora da UNESP, 1999. p. 18. 16Herdeiros do carter reformista da Gerao de 18707, estes intelectuais investiam no apenas no discurso, mas na ao, atravs da criao de ligas e sociedades. Instituies que, na faltadelocaisprpriosparaadiscussolugardepoisocupadopelasuniversidadesfuncionavam como espaos para a criao de redes e atuao do campo intelectual. Em alguns casos, estes locais eram ainda menos ortodoxos: cafs, bares, redaes de jornais, se tornaram igualmente centros de produo e veiculao de discursos e tambm espaos simblicos para manifestao de seus gnios intelectuais. Para ngela de Castro Gomes, a construo destes crculos alternativos de debates e circulao de ideias est intimamente relacionada ao prprio processo de modernizao do pas, que longe de ser homogneo era plural e contraditrio. Neste sentido, estes espaos so tambm lugares de tradio, no por se relacionarem a um passado ou ao atraso, mas por sua dimensosimblicaquematerializaumabasequealavancaaorganizaodocampo intelectual8.Aautoratambmchamaatenoparaaprofundainterfernciaentrecampo intelectualecampopolticonaatuaointelectual:seporumladoeramatradose dependentes do Estado, de outro a falta de reconhecimento social e a dificuldade de ascenso acargospolticosmaisaltosfazcomqueesteshomenselegessemaruacomolcus privilegiado de sociabilidade9. O afastamento do Estado, portanto, no configura o silncio e nem mesmo a inrcia dos intelectuais em relao s questes polticas. E neste sentido que podemos dizer que O Tico-Tico foi um dos lugares que concentrou o investimento destes intelectuais. Beneficiado por uma rede intelectual previamente articulada em OMalho, a revistinha infantil absorveu um grupo de homens de letras de alguma maneira comprometidos com a questo da infncia ou da educao. Mesmo antes de OTico-Tico, a revista OMalho demonstrava preocupao com a causa da instruo, que durante a Primeira Repblica estava intimamente vinculada ao alcance da cidadania poltica, outro tpico importante da orientao de O Malho10.Desde a reforma eleitoral de 1881, a alfabetizao era condio para o exerccio da cidadania poltica. O "saber ler e escrever" foi reforado pela constituio do novo regime 7 ALONSO, Angela. Ideias em movimento: a gerao de 1870 na crise do Brasil-Imprio. So Paulo: Paz e Terra, 2002. 8 A noo de redes de sociabilidades intelectuais utilizada por ngela de Castro Gomes foi essencial para a conduo do trabalho. Para a historiadora, as redes de sociabilidades auxiliam a compreenso da dinmica entre os grupos intelectuais e a sociedade e com o campo poltico. Ela tambm chama ateno para o fato de que estas redes iluminam os projetos culturais desenvolvidos por estes intelectuais. GOMES, ngela. Essa gente do Rio...: Modernismo e Nacionalismo. Rio de J aneiro:Fundao Getlio Vargas, 1999. p. 26. 9 Id. p. 24. 10 TENRIO, Guilherme Mendes. Z povo cidado: humor e poltica nas pginas de O Malho. Rio de J aneiro, UERJ : Dissertao de mestrado, 2009. 17republicano, impedindo o acesso da imensa maioria da populao ao voto. Neste sentido, a educao se constituiu a principal sada para a ampliao do quadro de cidados da repblica, ao mesmo tempo em que funcionou como forma primordial de propaganda para a filiao de crianas e jovens ao regime republicano. Capaz de garantir a formao ideolgica necessria para criar cidados disciplinados e obedientes, a educao fornecia imagens de um futuro a ser construdo.Napequenaapresentaodestacadanaepgrafe,oseditorestornamclaroumdos objetivos maiores da nova revistinha infantil: ensinar divertindo. Ao mesmo tempo em que apresentavamumarevistaatraentescrianas,sensvelaosgostoseinteressesinfantis, O Tico-Tico realizava um propsito pedaggico. Em consonncia com as ideias educacionais da poca, motivadas pelos estudos em psicologia da aprendizagem, buscava pensar a educao para alm da transmisso de contedos descolados da realidade infantil. Procurando maneiras mais eficazes de relacionar os mecanismos de compreenso infantil do mundo, enfatizaram o conhecimentoatravsdeatividadesldicasenarrativastextuaisevisuaisqueofereciam ensinamentos morais, entendidos como parte de uma concepo ampliada de educao que envolvia pedagogia, modernizao, nao e civismo.Apresentando-se como um apoio educao infantil, complementando um trabalho realizado na famlia e na escola, a revista O Tico-Tico figurava, portanto, como um caminho possvel para realizar o desejo de um grupo de intelectuais que via a educao como sada para os males da nao. Partilhavam esses intelectuais da ideia de que somente o investimento na educao, ampliando sua qualidade e acesso a todas as camadas sociais, seria capaz de possibilitaroprogressodanao,identificadocomoalcancedonveldemodernidadee civilizao das naes europeias.Portrsdesta"miragem"daeducaocomoredentora11estavaumavisoquea colocavacomoformadoradecidados-modelo,queconcretizariamoidealrepublicanode transformar o pas em uma nao grandiosa e prspera no futuro. Estes cidados, imbudos dosvaloresmodernosedosentimentonacional,promoveriamaredenodopaspela redescobertadesuaverdadeiraidentidade,emoposioaopassadocolonialeimperial, marcado pelo escravismo, pelo atraso, pela dependncia. YvesDloyedefendequeaconstruodeumaidentidadenacionalpressupea afirmao de um sentimento de lealdade cvica12. Essa fidelidade nao reforada pela 11 BOTELHO, Andr. "A miragem da alfabetizao do povo: educao e formao da sociedade brasileira".Sade, Sexo e Educao, Rio de J aneiro, v. 13, p. 32, 1998. 12 DLOYE, Yves. Sociologia histrica do poltico. Bauru, SP: EDUSC, 1999. 18busca de elementos unificadores, como a lngua, o territrio e a cultura, mas as experincias de filiao nacional podem ser diversas. No caso do Brasil, a escola (e a educao de maneira ampliada)foiumdosmecanismosdeconstruodosentimentonacional.Aeducaose apresentava como forma de realizao da nacionalidade: atravs do conhecimento da lngua, dahistria,dageografiadopas,elementosessenciaisaosentimentocvico,oslaosde filiao a essa comunidade imaginada foram reforados.Benedict Anderson13 entende que a nao no algo concreto e atemporal, mas um produto cultural que tem origens histricas especficas que, por apelar para uma legitimidade emocional,acabamparecendoformaesespontneasesoberanas.Anaouma comunidadeimaginadaporquedsentidodecomunhoepertencimentoaumgrupoque, mesmo sem se conhecer, partilha dos mesmos cdigos de identificao. ArevistaOTico-Ticoestavaemconsonnciacomessasideiasnamedidaemque buscavaenfatizaremsuaspginasaimportnciadapreservaodesentimentoscvicose moraisqueampliassemosentidodecomunhoexistenteentreoscidadosbrasileiros. Atravs da criao de histrias, dos conselhos do "Vov" ou dos ensinamentos de "A arte de formar brasileiros", os editores defendiam a importncia do trabalho, da instruo, dos bons sentimentos e virtudes. Tambm condenavam vcios e atitudes que consideravam inadequados s crianas e neste caso, apelavam para o confronto da criana com o seu futuro: aqueles que guardavambonssentimentos,eoptavampelocaminhodoestudoedotrabalho,eram mostradosnofuturocomohomensdecondiofinanceiraestvel,felizeserealizados; aqueleslevadospelapreguiaemarcadospeladesobedincia,sempensarnofuturo, terminavam homens infelizes, doentes, solitrios e pobres.A compreenso da histria e da geografia do pas era ressaltada como essencial para a formao da criana e do jovem brasileiro. O conhecimento de sua terra e sua gente garantiria o cabedal necessrio para que estes futuros cidados superassem a herana nefasta do atraso, evidenciandoaspotencialidadeseriquezasdopas.UmdosgrandesproblemasdoBrasil estarianopoucoconhecimentodeseuterritrioque,almdeimpedirodesenvolvimento produtivo, no permitia a formao de uma identidade para o povo brasileiro. Enfatizava-se tambm a necessidade premente de interiorizar o pas, buscando tambm nos recantos mais escondidos a nacionalidade brasileira. O Brasil figurava como um pas que se concretizaria no futuro, e que pelas qualidades de sua fauna e flora tenderia a se tornar uma grande potncia,

13 ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: reflexes sobre a origem e difuso do nacionalismo. So Paulo: Companhia das Letras, 2008. 19desde que encaminhado por cidados comprometidos com o progresso e o engrandecimento da ptria. Em Histria do Brasil em Figuras, seo permanente da revista, o conhecimento da histria do pas ressaltado como essencial ao reconhecimento do povo sua ptria. Nesta seo, pretendia-se apresentar os acontecimentos histricos de maior expressividade no pas deformadivertidaeldica.Aseleodestesacontecimentoseamaneiracomoeram retratados evidenciam o interesse de que esta histria servisse ao engrandecimento do novo regime, em oposio histria colonial, marcada pela escravido e dependncia ao portugus. Assim,procuravamdefinirherisemarcoshistricosporexemplo,Tiradentesea Inconfidncia Mineira como smbolo e origem dos valores republicanos. Tambm a lngua era elemento essencial de identificao para o brasileiro, e a revista O Tico-Tico se regozijava de auxiliar no seu aprendizado pelos pequenos atravs das histrias e contos infantis publicados em suas pginas. A publicao na revista de historinhas escritas por crianas era identificada como um incentivo produo de textos e ao exerccio da lngua. Para Lajolo & Zilberman14, a revista OTico-Tico auxiliou no desenvolvimento da literatura infantil e foi, durante os primeiros anos do sculo XX, um dos principais meios de divulgao dos livros destinados ao pblico infantil, ao lado da escola. As futuras geraes eram descritas, portanto, como as responsveis por conduzir as mudanas necessrias ao pas. Para a concretizao deste projeto, deveriam ser educadas e instrudas desde tenra infncia em temas como o respeito ptria, a geografia, a lngua e a histria do pas, zelando por valores entendidos como essenciais ao homem o estudo, o trabalho e a famlia. OTico-Ticoseconfigurounaimprensacomoumverdadeiroacontecimento,que inserido em uma conjuntura de fatores resultou em um elemento capaz de concentrar muitas dasquestescaractersticasdotempoemquefoicriada.ParaMichelFoucault,um acontecimento no algo que pode ser simplificado por causas e efeitos; filho do tempo, ele tambmsurpreendidoporacasosquepodemlevararumosinesperadosfrutoda articulao entre as coisas e no de determinaes15. A noo de acontecimento nos ajuda a compreender o processo de criao da revista O Tico-Tico no como produto de um nico elemento decisivo, mas como resultado de uma 14 LAJ OLO, Marisa ; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: histria e histrias. So Paulo: tica, 1991. 15 FOUCAULT, Michel. Microfsica do poder. Rio de J aneiro: Graal, 1999. 20conjuno de fatores que, tambm fruto de jogos, embates, consensos e disputas polticas e culturais, possibilitaram a concepo de um produto singular de grande sucesso em sua poca. Este trabalho procura buscar a trajetria da criao desta revistinha infantil, no para determinar os fatores que lhe deram origem, mas para tentar compreender como as demandas e respostas daquele tempo configuraram o nascimento de um peridico que diz tanto sobre o seu tempo, na medida em que nasce a partir de um quadro de modernizao, atravs da ao deintelectuaisnaconcretizaodeumprojetoaomesmotempoempresarial(poisquea imprensacaminhavanessadireo)eideolgico,baseadoemumacrenapropriamente poltica de que a educao seria o melhor caminho de afirmao nacional.O Tico-Tico no inovou na linguagem e na arte grfica, mas se utilizou daquilo que era maissignificativoemsuapoca:acharge,acaricaturaeahistriaemquadrinhos.No descobriu a infncia, mas foi um projeto fundamental para o desenvolvimento da literatura infantileacompanhouaafirmaodacrianadentrodafamliaedasociedade,como indivduo investido de desejos e preocupaes, e potencial consumidor na sociedade de massa que se instaurava. A hiptese que norteou nosso trabalho se baseia justamente nessa relao intelectual modernizao educao. Entendemos a criao da revista OTico-Tico como fruto de um projeto de matriz cvico-nacionalista, posto em prtica por um grupo de intelectuais que se viam portadores de um desejo de modernizao, o que inclua a expanso da educao como forma de construir cidados modelares, representantes do futuro de um pas que desejava se constituir como nao, tendo como base as ideologias do progresso e civilizao. Com este intuito, nos concentramos na anlise dos anos de 1905 e 1906 d OTico-Tico, momento em que o projeto se consolida. Dessa forma, foi possvel perceber como a orientaomoral,cvicaepedaggicavaiprogressivamentepenetrandonocontedoda revista, e j se encontra plenamente estabelecida nos ltimos nmeros de 1906.Infelizmente,aconsultaaoacervodaBibliotecaNacionalesteveimpedida.A instituio alegou o roubo das obras, passando depois a usar o eufemismo ms condies paraomanuseio.Ofatosintomticodecomoainstituio(eseumajestosoprdio, inauguradonomesmoanoemquenasciaOTico-Tico)nosfurtadodireitomemria, instrumento to importante no questionamento acerca da nacionalidade e cidadania brasileira. Os fundadores da revistinha certamente se decepcionariam em ver que o pas que desenhavam uma Repblica educada, civilizada e moderna ainda esbarra no descaso com a sua prpria histria. 21As dificuldades durante a pesquisa documental trouxeram ainda mais questes para o trabalho, abrindo novas dimenses em seu encaminhamento. Foi possvel aprofundar mais as refernciasdehistoricidade,nolugardeumaanlisedecontedopuraesimples.Neste sentido, para compreender a origem da publicao infantil (bem como identificar os fatores envolvidos em sua criao) foi necessrio consultar tambm a revista OMalho, em especial os anos de 1904 e 1905. Outra fonte de fundamental importncia foi a edio do CinquentenriodeOTico-Tico,publicadaem1956pelaSociedadeAnonymaOMalho16.Nestapublicao comemorativafoipossvelencontrardetalhessobreacriaodarevistinhainfantile depoimentos de personalidades que na infncia foram leitores da revista O Tico-Tico.Mesmo sendo O Tico-Tico um veculo destinado s crianas, no podemos incorrer em simplificaes e analis-lo apenas na dimenso de seu alcance scio-cultural, sem esquecer suaimportnciapoltica.ComoapontaYvesDloye,essencialperceberadinmica intrincada entre o social e o poltico, mesmo porque o social o espao privilegiado para a sua articulao17.Dadoocarterparcialdetodotrabalhohistoriogrfico,aindamaissetratandodas limitaesquecabemaumadissertaodemestrado,necessrioapresentarumabreve anlisedacontribuiodostrabalhosmaissignificativosacercadarevistaOTico-Tico. Apesar de bastante popular e longeva, existem poucos trabalhos de expresso sobre a revista OTico-Tico. O mais importante e reconhecido o da historiadora Zita de Paula Rosa18, que trabalha a revistinha infantil sob dois encaminhamentos o recreativo e o pedaggico. Sua hiptese que a revista OTico-Tico no foi apenas um empreendimento empresarial, mas uma manifestao cultural que respondia s necessidades infantis e a uma ao pedaggica informal.Aautorarealizauminventriodoscaricaturistaseeditoresmaisimportantesda revista,ressaltandosuacontribuiodentrod'OTico-Tico,edescreveospersonagense sees mais importantes da revista. Alm disso, procura relacionar a orientao da revista com o campo educacional da poca em questo. ComoRosatrabalhacomosmaisdecinquentaanosd'OTico-Tico,almdeseus almanaqueseediescomemorativas,questesimportantesnasuaabordagem(comoa 16 Cinquentenrio de O Tico-Tico, retrospecto da vida de O Tico-Tico, da sua fundao at os nossos dias. Noticirio e homenagens diversas a tradicional publicao. Rio de J aneiro: Sociedade Anonyma O Malho, 1956. 17 Id. 18 ROSA, Zita de Paula. O Tico-Tico: meio sculo de ao poltica e pedaggica. Bragana Paulista, SP: EDUSF, 2002. 22anlise sobre a relao da publicao com as ideias e manifestaes pedaggicas) parecem s vezes superficiais. Alm disso, a longa durao da revista impede uma anlise mais profunda, j que muitas foram as mudanas na legislao e na relao social e poltica com o tema da educao no pas. Apesar do excelente trabalho de pesquisa e de conhecimento profundo das fontes, no que se refere dimenso recreativa tambm falta maior reflexo sobre a relao entre a linguagem ldica, ilustrao e imagem no mundo infantil.Outro trabalho de flego em relao s fontes a dissertao de mestrado de Maria Cristina Merlo19. Sem nenhuma pretenso a uma anlise aprofundada sobre a revista, a autora realiza um trabalho de catalogao de desenhistas, escritores e personalidades na revista O Tico-Tico.Destacaosprincipaispersonagensesees,almespecificarcaractersticas internasdarevista,comoformato,periodicidade,preo,distribuio.Seutrabalhooferece uma importante referncia para futuros trabalhos sobre O Tico-Tico. OutrarefernciaimportanteparaestudoscomfoconarevistinhadeOMalhoa edio especial do Centenrio de O Tico-Tico, organizada por dois pesquisadores do Ncleo dePesquisaemHistriasemQuadrinhosdaEscoladeComunicaoeArtedaUSP- WaldomiroVergueiroeRobertoElsiodosSantos20.Emumasriedeartigos,osautores aprofundam o conhecimento sobre a revistinha infantil, destacando diversas relaes e uma variedade de possibilidades de trabalho com o tema: da memria sobre a revista, passando pela troca de experincias com as revistas estrangeiras, at os personagens entre ilustradores e quadrinhos mais importantes da histria d' O Tico-Tico. Alguns artigos ganham destaque pela originalidade no tratamento do tema, como o artigo de Vergueiro sobre a publicidade na revista21 e sobre o papel da mulher22; o de J os Sobral sobre a influncia da revista OTico-Tico sobre as publicaes do mesmo gnero em Portugal23; e o de Fabio Santoro, que trata somente da edio especial de So J oo, de 192724, considerada uma das mais belas capas de revista desenhada por J . Carlos. 19 MERLO, Maria Cristina. O Tico-Tico. Um marco nas histrias em quadrinhos no Brasil (1905-1962). So Paulo: USP, dissertao de mestrado, 2003. 20 SANTOS, Roberto Elsio ; VERGUEIRO, Waldomiro. O Tico-Tico: centenrio da prmeira revista em quadrinhos do Brasil. So Paulo: pera Graphica, 2005. 21 VERGUEIRO, Waldomiro. "A publicidade em O Tico-Tico". In: SANTOS, Roberto Elsio ; VERGUEIRO, Waldomiro. Op. Cit. 22 VERGUEIRO, Waldomiro. "O papel da mulher em O Tico-Tico". ". In: SANTOS, Roberto Elsio ; VERGUEIRO, Waldomiro. Op. Cit. 23 SOBRAL, J os. "O Tico-Tico de alm mar".In: SANTOS, Roberto Elsio ; VERGUEIRO, Waldomiro. Op. Cit. 23 importante citar tambm a tese de Patrcia Santos Hansen25, que apesar de no ser exclusivamentesobreOTico-Ticotemarevistacomofonteparaanalisaraproduoda literatura cvico-pedaggica na Primeira Repblica. Para a autora, esta literatura tinha como objetivo difundir um projeto nacional, que relacionava o pas criana, em analogia a uma naonova,ondetudoestariaporseconstruir.Aautoraressaltaqueaproduoparaa infncia,incluindoarevistaOTico-Tico,viaascrianascomoadultosemminiatura, indivduos precoces com o dever de construir e salvar a ptria no futuro. Hansen trabalha especialmentecoma"Artedeformarbrazileiros",pelaabordagemdecomportamentos-padro, como correo nos estudos, seriedade, civismo, etc.Hansen inclui a revista OTico-Tico no contexto da literatura infantil da poca, mas acrescenta que se trata de um empreendimento diferenciado, que no se dirige diretamente escola, mesmo que seja por ela utilizada. Para a autora, ainda que portador de uma funo pedaggica, O Tico-Tico foi antes um empreendimento comercial.Almdacontribuiodostrabalhosacimacitados,umcorpotericoajudouadar sustentao ao trabalho aqui desenvolvido. Dois conceitos foram especialmente importantes paraotrabalho:anoodecampoehabitusdePierreBourdieu26.Osocilogodefineo campo como espao social, relativamente autnomo, onde se realizam relaes objetivas. Ele est marcado por constantes lutas de diferenciao e reconhecimento que definem as relaes mantidasentreosmembrosnointeriordocampoetambmnarelaodestecomoutros campos.A posio de cada membro dentro do campo tambm depende da formao de um habitus,quedsustentaoaocampoatravsdevalores,hierarquiasemecanismosde controle que lhe garantem sentido. A introjeo deste habitusest diretamente relacionada obteno de poder simblico no interior do campo e tambm fora dele.Apartirdestesconceitosfoipossvelvercommaisclarezaasntimasrelaes mantidas entre o campo artstico, o campo jornalstico e o campo poltico no Brasil. A criao darevistaOTico-Ticoevidenciaumcomplexojogodedisputasporlegitimaoe reconhecimento, principalmente dos intelectuais entre artistas e homens de cincia em

24 SANTORO, Fabio. "A edio especial de So J oo da revista O Tico-Tico". n: ". In: SANTOS, Roberto Elsio; VERGUEIRO, Waldomiro. Op. Cit. 25 HANSEN, Patrcia Santos. Brasil, um pas novo: literatura cvico-pedaggica e a construo de um ideal de infncia brasileira na Primeira Repblica. So Paulo: USP, Tese de doutorado, 2007. 26 Para noo de campo e habitus, ver BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gnese e estrutura do campo literrio. So Paulo: Companhia das Letras, 1996; BOURDIEU, Pierre. O poder simblico. Rio de J aneiro: Bertrand Brasil, 2006. 24relao ao campo jornalstico, onde transparecia uma insatisfao tanto com os desejos do pblico leitor, como com os limites do prprio veculo e o controle exercido pelos editores. Comocampopoltico,adisputaeraaindamaisacirradapelodesejodeparticipaona hegemonia poltica e pela postura interventora prpria da figura do intelectual que emergia naquela poca. Em apoio noo de campo e habitus de Bourdieu, utilizamos a reflexo de Eduardo Devs-Valdsacercadasredesintelectuais27.Oautordefineasredescomoformasde organizao mais ou menos espontneas, criadas a partir de afinidades construdas a partir de encontros,lugaresetemticascomuns.As redes,comoagentesdocampo,solugaresde disputa por poder e capital scio-cultural. Ainda que nosso trabalho no disponha da grande variedade de fontes necessria para traar as redes intelectuais, tal como prope o autor, sua metodologia ajuda a iluminar os caminhos possveis para pensar as relaes entre os grupos intelectuais a partir dos espaos que frequentam e dos interesses por eles partilhados. Foi neste sentido, procurando evidenciar a articulao entre os diversos fatores que possibilitaram a criao deste peridico infantil de grande longevidade, que a dissertao foi dividida em quatro partes: No primeiro captulo, apresentamos o processo de modernizao tcnica da revista O Malho, com a segmentao de suas publicaes em 1905, como questo importante para a criaodarevistaOTico-Tico.MesmotendoOMalhocomofoco,procuramostambm analisar o processo de modernizao da imprensa, ressaltando a popularizao das revistas ilustradas e sua importncia na difuso de valores burgueses, identificados com as noes de modernidade e progresso. Neste contexto, foi importante tambm uma anlise mais detida sobre o papel da caricatura e do humor na imprensa da Primeira Repblica. Nosegundocaptulo,ofocoestdirecionadoparaaquestointelectual,e especialmente na sua atuao para a formao de redes de sociabilidades que possibilitaram a criao d' O Tico-Tico. Neste captulo foi ressaltada a relao do intelectual com a cidade e a utilizao de espaos no formais para o encontro, discusso e formulao de projetos que tinham como objetivo traar diagnsticos e caminhos de ao para a superao dos problemas nacionais.Aideiadointelectualcomohomemdeao,legtimointerventornasquestes polticas,caractersticadaconcepodehomensdeletrasdapoca,tambmfoipontode anlise. 27 DVES-VALDS, Eduardo. Redes Intelectuales en Amrica Latina. Hacia da constituicin de una comunidad intlectual. Santiago do Chile: Universidade Santiago do Chile, 2007. 25Noterceirocaptulo,oobjetivofoicaracterizaraeducaonaPrimeiraRepblica, identificandoosmltiplosespaoseprojetosqueconcorreramparaadefiniodoespao educativo nacional. A partir de uma breve anlise das tentativas de organizao do sistema educacional pelo poder pblico desde o Imprio, procuramos identificar o porqu da difuso da ideia de regenerao nacional a partir da educao entre diversas camadas da sociedade.Outropontoimportanteabordadonoterceirocaptuloainflunciadasideias pedaggicasconsideradasmaismodernasnarevistaOTico-Tico.Centradasnoaluno,tais pedagogiasindicavamatividadesldicascomoomelhorcaminhonoprocessodeensino-aprendizagem infantil. Neste sentido, inclumos tambm a difuso da literatura infantil como apoio importante neste processo. Por fim, procuramos analisar brevemente a concepo de Manoel Bomfim sobre educao: Bomfim foi o nico dentre os intelectuais envolvidos na criao da revista O Tico-Tico a sistematizar muitas das ideias que observaremos na revista. No ltimo captulo, passamos anlise dos dois primeiros anos da publicao (1905 e 1906), procurando perceber algumas caractersticas bsicas, como tiragem, pblico leitor, a presenadepublicidade,principaisseesepersonagens.Ressaltamosnaanlisealgumas temticasfrequentesobservadasnosprimeirosanosdarevista,comooconhecimentoda histriaedageografiadopas,adifusodevaloresmoraiseasestratgiasparao desenvolvimento futuro do pas. Nasconsideraesfinais,buscamossistematizarnossaabordagemapontandoos caminhos escolhidos e aquilo que consideramos ter avanado nas anlises at ento existentes sobre a revista O Tico-Tico. O Tico-Tico se tornou uma revista popular, que circulou de forma regular at 1956, e ainda em edies especiais at a dcada de 1970. A longevidade desta publicao ainda hoje invejvel em um mercado jornalstico marcado por constantes mudanas. OTico-Tico sem dvida abriu caminho para uma srie de publicaes destinadas infncia e consolidou um mercado consumidor at ento pouco explorado, mas que hoje tem lugar de destaque. Ficou marcada na memria de um sem-nmero de brasileiros que tiveram a felicidade de contar com osconselhosdeVv,comasliesdeAgostiniemArtedeformarbrazileiroseas divertidashistorinhasdeLenidas,Lobo,Kalixto,J .Carlos.Paraaqueles,quecomoeu, tiveram a possibilidade de realizar este encontro mesmo depois de anos aps o seu fim, O Tico-Ticotambmdeixoumarcasporque,comoescreveuCarlosDrummonddeAndrade, parecia trazer no bico o melhor do que fomos um dia!. 261O MALHO E A MODERNIZAO TCNICA DA IMPRENSA NA PRIMEIRA REPBLICA Contos,poesias,problemas,concursos,contribuiro,naspginasdoTico-Tico,para,ao mesmo tempo, instruir e deliciar as crianas; e, de hoje em deante, ellas podero dizer, com orgulho: 28 Iconoclastadenascena,OMalhocomeaporatacaredestruirapraxe:notem programma. Assim a revista OMalho se anunciava em seu primeiro editorial, em 20 de setembrode1902.Prometiaserviraumaltodeversocialconcorrendoparao melhoramentoeprogressodaraahumana29; era, na verdade, uma revista de variedades. Como outras revistas ilustradas da Primeira Repblica, versava sobre um grande nmero de assuntos, de poltica a literatura e moda, mas seu pano de fundo era, sem dvida, um mosaico de sinais da modernizao da sociedade brasileira. EssamodernizaoestavapresentedediversasmaneirasnaspginasdarevistaO Malho, como em grande parte das publicaes destinadas ao grande pblico da Belle poque carioca.MasemOMalhoelaganhacontornoscaractersticos,pelofortecontedocrtico presenteemsuaspginaseprincipalmentepelohumormarcante.Oprprionomeda revista j sugere esse tom de crtica aliada ao humorismo: pode significar tanto o martelo utilizado para bater ferro, como a crtica mordaz. Esta dubiedade caracterstica de OMalho tambm pode ser encontrada em outras publicaes que levam o rtulo "ilustrada" ou "de variedades". Tnia Regina de Luca30 afirma que a crtica e a opinio, que em muitas revistas estava identificada com a formulao de projetos para o pas, era uma caracterstica de boa parte da imprensa da Primeira Repblica e pode ser verificada mesmo nas publicaes que a princpio sugerem a defesa irrestrita dos fetiches da vida moderna, como o caso da revista Fon-Fon!. O Malho declarava-se um semanrio humorstico, artstico e literrio. Como aponta Ana Lusa Martins31, era estratgia comum entra as publicaes da poca dizer ao leitor ao queveio.Adefiniodarevista,aliadasimbologiadoseunome,apresentaumquadro 28 O Tico-Tico. Rio de J aneiro, 11 de outubro de 1905. N 1. Ano I. 29 O Malho. Rio de J aneiro, 20 de setembro de 1902, N 1, Ano I. 30 LUCA, Tnia Regina de. A revista do Brasil: um diagnstico para a (N) ao. So Paulo: Fundao Editora da Unesp, 1990. 31 MARTINS, Ana Luiza. Revistas em revista: imprensa e prticas culturais em tempo de Repblica, So Paulo (1890-1922). So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo: Fapesp: Imprensa Oficial do Estado, 2001. 27bastante coerente do que era a revista O Malho: um peridico em que a arte seja por meio da caricatura e da charge, seja pela via literria servia como mecanismo de compreenso e exame do quadro poltico e sociocultural de um mundo em transformao.O Malho foi criado em 1902 por Luiz Bartolomeu de Souza e Silva, jornalista mineiro formado pela Escola Militar da Praia Vermelha. Em seus primeiros anos, teve como diretor artstico o caricaturista e cengrafo recifense Crispim do Amaral. Era uma revista popular, de grande circulao, como aponta Monteiro Lobato, em A caricatura no Brasil32. Em 1905, trs anos aps seu lanamento, o peridico declara a tiragem de 35.000 exemplares um bom nmerosecomparadoaodoJornaldoBrasil,folhadiriamaismodernaedemaior circulao que na poca chegava a rodar 60.000 exemplares33. O preo de venda naquele ano erade300ris,oequivalenteaopreodotransportepblico,sendo,portanto,acessvel tambm s camadas mais baixas da populao.Em julho do mesmo ano, O Malho divulga a diversificao de suas publicaes: alm darevistaOMalhoedeseuAlmanak,editadonofimdoano,promoveapublicaode Leitura Para Todos, que declara destinado s pessoas que tm pouco tempo para a leitura de jornais e livros e encontrariam ali informaes de tudo que vae pelo mundo34. Apresenta no mesmo nmero a futura publicao de PortugalContemporneo, obra vinda de Lisboa e o suplementoRioChic,semfalardeIllustraoBrasileira.Amultiplicaoderevistase suplementosdaempresaOMalhofazcomqueestaseconfigurecomoumadasmaiores empresas jornalsticas do Rio de J aneiro at a dcada de 1930. A variedade de peridicos e suplementos que so lanadas em 1905 pela empresa O Malhosignificativadeumatransformaoimportantenaimprensadapoca.A modernizao das oficinas, com o aparecimento de novas mquinas mais rpidas e eficazes, foi capaz de ampliar o nmero de publicaes disponveis no mercado editorial, assim como transformarocontedoeacaractersticavisualdosimpressos.NocasodeOMalhoa chegada da rotativa Marinoni que opera tal mudana. O nmero 148 anuncia o grande avano representado pela aquisio da novssima mquina: AsnovasmquinasdOMalhopodem tiraremtrshorasamesmaedioquetiram,trabalhandodurantequatronoitesequatro dias, as machinas das typographias em que at agora elle tem sido impresso35. 32 LOBATO, Monteiro. A caricatura no Brasil. In: ______. Ideias do Jeca Tatu. So Paulo: Globo, 2008. p. 37 33 BARBOSA, Marialva. Histria Cultural da Imprensa: Brasil, 1900-2000. Rio de J aneiro: Mauad X, 20 34 O Malho. Rio de J aneiro, 15 de julho de 1905, N148, Ano IV. 35 Ibid. 28No nmero 15336, as rotativas Marinoni so finalmente inauguradas e um novo projeto grficoparaarevistaapresentado.Nacapa(figura1),OMalhoexibeanovidadeaos leitores: a revista remodelada graas ao investimento tcnico. O pblico curioso cai, uns por cima dos outros, ansiosos por adquirir a nova revista. direita, a poderosa mquina e na extrema esquerda, ngelo Agostini observa boquiaberto a extraordinria inovao. Como no podia deixar de ser, OMalho inaugura suas rotativas em grande estilo, com homenagem de seu mais famoso ilustrador: Agostini desenha a si mesmo espantado, quem sabe at rendido, s possibilidades da mquina que ali se apresenta altiva. Figura 1Capa da revista O Malho apresentando as rotativas Marinoni. O Malho. Rio de J aneiro, 19 de agosto de 1905. N 153. Ano IV O editorial deste mesmo nmero informa que com as novas rotativas foi possvel no s reformular o material tipogrfico e aumentar o nmero de pginas, mas tambm garantir maior qualidade, nitidez e rapidez na publicao. O que antes levava quatro noites e quatro

36 O Malho. Rio de J aneiro, 19 de agosto de 1905, n 153, Ano IV. 29dias, com a nova tecnologia no levaria mais de trs horas. Os editores tambm informam queacompradasrotativasofereceriaapossibilidadededobraratiragemdarevista, demonstrando o potencial para a impresso tambm de novas publicaes pela empresa. A chegada da rotativa e outros aparatos tcnicos nas oficinas de OMalho mobilizou uma srie de publicaes na revista sobre o tema. Alm do nmero comemorativo, os editores orgulhosos publicaram fotografias das oficinas, charges e caricaturas da rotativa. O nmero 159 traz uma caricatura de Max Yantok37, que de Minas Gerais, teria enviado redao um desenhoemhomenagemaaquisiodamquina.Emfelicitao,Yantokdesenhao personagem smbolo de OMalho comandando a rotativa. Em seu bilhete, publicado como legenda l-se: Graasaestainveno,OMalhopodermalharnoprximomalcriadopor meios mecnicos e sem cansao...38. Figura 2 Fotografia da rotativa Marinoni e do impressor J olly na oficina da revista O Malho. O Malho. Rio de J aneiro, 23 de setembro de 1905. N 158. Ano IV. FoinestecontextoquenasceuOTico-Tico,umarevistinhainteiramenteconcebida para o pblico infantil. Com a aquisio das novas mquinas, as publicaes destinadas a pblicosespecficosmulheres,crianas,setoresmaisintelectualizadosdapopulaoganhamespaoeautonomiaantesrestritosacolunasouseesnointeriordarevistaO Malho.Aastciadodonoeeditor,quesoubeperceberquehaviaumgrandepblico 37 Max Yantok foi caricaturista de O Malho e em 1908 comea a trabalhar tambm na revista O Tico-Tico, onde criou de um dos personagens mais clebres da revistinha, o Kaximbown. Tambm foi criador de outros personagens importantes, como O Baro de Rapap e Pandareco, Parachoque e Viralata, na dcada de 1930. 38 Correspondncia de MinasO Malho. Rio de Janeiro, 30 de setembro de 1905. N159. Ano IV. 30disponvelesedentopornovidades,somadaspossibilidadestcnicasentodisponveis, operou a grande transformao que representou a entrada de O Malho no escol das empresas jornalsticas mais modernas do pas. 1.1 A imprensa dos primeiros anos da Repblica: modernizao e progresso tcnico As rotativas Marinoni foram festejadas pela redao de OMalhoe responsveis por umagrandetransformaonaempresa.MarialvaBarbosacitaagrandeeuforiaque representou a aquisio darotativaMarinonipela GazetadeNotcias,em10dejunhode 188039. Chamada pela redao de rotativa Cames, em homenagem ao terceiro centenrio do poeta portugus, a mquina apresentada ao pblico com a expectativa de um aumento significativo na tiragem. Porm, como informa a autora, esta expectativa s se cumpriria no inciodosculoXX,quandooutrosjornaiserevistasprocuravamigualmenteoavano tcnico possibilitado pela introduo das novas mquinas nas redaes. Mas as rotativas no eram as nicas marcas tecnolgicas que causavam impacto em jornalistas e editores na virada dosculoXIXparaosculoXX.Osdaguerretipos,ofongrafo,ogramofone,o cinematgrafo, tambm penetravam na cena urbana e modificavam a percepo de mundo e o imaginrio social daqueles que viviam nas grandes cidades. Asnovastecnologiasinvadiamprogressivamenteavidaprivada,ditandooritmo, muito mais acelerado, do dia a dia daqueles que circulavam no espao urbano. Bondes e trens cruzavam diversas localidades, a iluminao eltricacortavaocentro:acidadedoRiode J aneiro,capitaldoregimerepublicanorecm-instaurado,erapalcodessasmudanas.A cidade,comoreflexododesejodemudana,ditavaoritmofrenticodamodernidade:as obras de embelezamento, que faziam do centro da capital um grande canteiro de obras, foram elemento essencial deste movimento em direo ao to sonhado progresso. conedessamodernidade,aimprensatevedeassimilaroprogressotcnico, acompanhando as ltimas novidades em impresso e linguagem grfica. Mas as mudanas noestavamapenasnaaparnciadosjornaiserevistas:eramperceptveistambmno contedo, com a utilizao de uma linguagem mais gil, a publicao de uma quantidade cada vez maior de informaes, e a impresso de fotografias e ilustraes que se tornavam a cada momentomaisessenciaisparagarantirapoioeveracidadeaotexto.Fazerjornalismodos 39 BARBOSA, Marialva. Op. Cit. p. 29. 31ltimos anos do sculo XIX para os primeiros do sculo XX era uma experincia totalmente nova e diferente daquela experimentada no incio dos oitocentos. Issonoquerdizerquemuitascaractersticastradicionaisnaimprensabrasileira tenham desaparecido a partir da. O estilo panfletrio dos redatores, caracterizado pelo ataque, pelatentativadeconvencimentoatravsdaretrica,oespritocrticoemordaz,epela veiculao livre das posies polticas e ideolgicas de seus escritores, no foi abandonado: a atividade jornalstica no Brasil sempre teve forte cunho poltico. Era atravs da imprensa que homensegruposmanifestavamsuasideias,aspiraesedesejos,utilizando-sedelacomo instrumentoparadivulgarposiesideolgicasepolticaseatrairaliadosemtornoda discusso pblica destas questes.MarcoMorelenfatizaquetalestilo,marcadonosjornaispelapresenadeuma intelectualidade que se via portadora de uma misso poltica e pedaggica, foi preponderante naimprensaatasegundametadedosculoXX40.Aindaqueestivessesetornandouma mercadoria,osimpressospermaneciamcomoveculospreferenciaisparaapropagaode valoreseideais.Notexto,porm,asornamentaesretricascaractersticasdesteestilo panfletrio caem gradativamente em desuso, sendo substitudas pela escrita rpida e precisa tpica das crnicas e das reportagens das folhas dirias.Acrnicafoioestilopreferencialdotextojornalstico41dasrevistasdoinciodo sculo, e tornaram clebres os nomes de J oo do Rio e Lima Barreto, entre outros. Para Flora Sussekind,aparticularidadedacrnicaqueelasecaaprprialinguagemepassaa trabalharcomumaconcisomaioreconscinciaprecisadaurgnciaedoespao jornalstico42. A autora salienta que naquele contexto imprensa e literatura dialogavam entre si, ao mesmo tempo em que se deixavam penetrar pelas novas linguagens instauradas com a modernidade. As imagens tcnicas, os movimentos sonoros e mecnicos ultrapassavam seu carter meramente tecnolgico, influenciando a forma literria43.A colaborao de escritores na imprensa era algo contraditrio: se por um lado era o lugar preferencial para onde convergia a elite intelectual desde os tempos do Imprio, por 40 MOREL, Marco. Os primeiros passos da palavra impressa. In: MARTINS, Ana Luiza ; LUCA, Tnia Regina de. Histria da imprensa no Brasil. Rio de J aneiro:Contexto, 2008. p. 37. 41 Adoto aqui a noo de crnica como um gnero literrio caracterstico do texto jornalstico que tem a particularidade de, segundo o Dicionrio de Comunicao de Barbosa & Rabaa, ser um meio-termo entre jornalismo e literatura. BARBOSA, Gustavo ; RABAA, Carlos Alberto. Dicionrio de Comunicao. Rio de J aneiro: Elsevier, 2001. p. 201. 42 SUSSEKIND, Flora. Cinematgrafo de letras: literatura, tcnica e modernizao no Brasil. So Paulo: Companhia das Letras, 1987. P. 38. 43 Ibid, p. 18. 32outrocolocavaempautaadiscussosobreanaturezadaliteratura.Sendoanica possibilidade de profissionalizao para os literatos, alm de garantir boa remunerao era espaoimportantedesociabilidades,lugarondeseasseguravaprestgioeinfluncia.Ao analisar os elementos da linguagem jornalstica nas obras dos principais escritores da poca, Sussekind observa, que no caso de Coelho Neto e Olavo Bilac, a utilizao do palavreado rico e de superornamentaes nos textos literrios era resultado desse embate entre o estilo do textojornalsticoobjetivo,coloquialesucintoedotextoliterrioafetado, grandiloquente. Ampliando a questo, percebemos que a contradio que se acirrava neste momento entreaarteeotrabalhojornalsticofrutodetensesencerradasnointeriordoprprio campo. Se por um lado colaborar na grande imprensa, escrever para jornais, feria a ideia da arte pura, da arte pela arte, j que subordinada aos interesses dos editores, ao gosto de um pblico variado, com desejos e opinies diversas, por outro garantia capital simblico aos artistas dentro e fora do campo. O mesmo acontecia quanto participao destes literatos nos quadrospolticosdoEstado.PierreBourdieu44lembraqueaobtenodeprestgioe reconhecimento dentro de um campo depende da relao que se mantm internamente e na articulao com outros campos fundamentalmente, o campo poltico e o campo econmico. A formao de um habitus, a articulao destes interesses e o domnio das regras e estratgias simblicas que regem estes campos, fundamental para o equilbrio destas tenses. Produzindo arte ou empregando tcnicas literrias no texto jornalstico, o importante para os capitalistas donos dos jornais e revistas de grande circulao era ter grandes nomes em suas publicaes. Personalidades como Medeiros de Albuquerque, Olavo Bilac, Coelho Neto, Arthur Azevedo, eram nomes de peso para as folhas impressas que, cada vez mais numerosas, enfrentavam disputas de pblico e grande competitividade.A presena destes personagens era essencial tambm para a aquisio de anunciantes, fundamentaisparaofuncionamentoeexpansodaimprensamoderna.Sussekindexpea ntima relao entre alguns literatos e anunciantes na criao de propagandas. Caso clebre o de Bastos Tigre que cria o slogan at hoje utilizado pela marca: Se Bayer bom. Bastos Tigre chegou a se sustentar com a criao destes anncios, o que demonstra a rentabilidade do trabalho j naquela poca. Diz a autora que a esperteza da propaganda estava na exibio de 44 Sobre a noo de campo e habitus ver BOURDIEU, Pierre. O poder simblico. Rio de J aneiro: Bertrand Brasil, 2006 e sobre as tenses entre campo artstico e campo poltico e econmico, BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gnese e estrutura do campo literrio. So Paulo: Companhia das Letras, 1996. 33artesanato potico por parte do escritor, o que parecia enobrecer o prprio anncio45. Era comum tambm que alm de poetas e prosadores, caricaturistas trabalhassem na divulgao de produtos. Muitos anncios publicitrios, publicados nas pginas de OMalho e de outros peridicos da empresa, eram assinados por J . Carlos, Lobo e Agostini. Ter nomes de peso associados ao produto j era, portanto, uma grande estratgia de promoo. Ainda que conservasse muito das caractersticas artesanais de outrora, a imprensa na viradadosculomigravaparaumafaseindustrial.Diferentedoquesevianaimprensa duranteosculoXIXumaprofusodepublicaescomcaractersticasvariadas,que geralmenteduravampoucosnmerosaimprensadosprimeirosanosdarepblica empenhava-separagarantirumalongadurao.justamentenestapocaquesurgemas publicaes que so smbolos desta durabilidade: OTico-Tico, de 1905 a 1956, Careta, de 1908 a 1960, O Jornal do Brasil, em verso impressa de 1891 at 2010, s para citar alguns exemplos. O que interessante no caso destas revistas e do JornaldoBrasil que todos foram criados em plena fase de modernizao. Isto quer dizer que passaram por modificaes tcnicas e de contedo considerveis, inclusive na definio de pblico, e sobreviveram mais de cinquenta anos. O caso de OTico-Tico simblico: foi a primeira revistinha infantil de consumo do pas, detinha grande popularidade e pblico, mas teve que mudar muitas de suas caractersticashistricascomaentradadosquadrinhosnorte-americanosnoBrasil.Foi classificada como antiquada e ingnua entre as dcadas de 1930 e 1950, quando sem conseguir acompanhar um mundo cada vez mais seduzido pelos super-heris e seus poderes sobre-humanos encerra a publicao da revista e passa a editar o almanaque de maneira irregular.Asredaescresciamcomomaiornmerodetipgrafos,maquinriomaispesado paraimpresso(rotativas)elinotipos46.Otelgrafo,aoladodotelefone,agilizavaa transmisso de dados para as redaes, encurtando as distncias entre o acontecimento, que poderia estar na mesma cidade ou em qualquer parte do mundo, e a produo da notcia pelos jornalistas.A prpria noo de notcia se transformava. Alm de estarem cada vez mais situadas no presente, nos acontecimentos da vida cotidiana, a entrada das agncias de notcias no pas 45 SUSSEKIND, Flora. Op. Cit. P. 63. 46 O linotipo era um aparelho mecnico utilizado para a fundio e composio de caracteres em linhas inteiras. Segundo Marialva Barbosa foi introduzido nos jornais cariocas em 1892 e revolucionou o mercado de impressos. A tcnica da linotipia possibilitou mais rapidez na composio do texto, a ampliao dos nmero de pginas e a atualizao rpida das informaes. Ver verbete sobre linotipo em BARBOSA, G. ; RABAA, J . C. Op. Cit., p. 434 e BARBOSA, Marialva. Op. Cit., P. 26. 34tambm ajuda a definir o que notcia, pelo menos no que diz respeito aos fatos de mbito internacional. Para o jornalista Luiz Costa Pereira J unior47, dois aspectos as agncias de notciaseapopularizaodotelgrafoforamessenciaisparaodesenvolvimentodo jornalismo industrial. Aincorporaodestastecnologiasfoifundamentalparaaconstruodeumanova identidade para o jornalismo, como um lugar de informao neutra e atual48. A opinio parece gradativamente se separar desta nova noo de imprensa, ainda que ela no deixe de estar presente: pelo contrrio, aparece escamoteada na escolha das pautas e reportagens que cada vez mais precisam tambm dar conta de interesses empresariais. importantesalientartambmqueaincorporaodestasnovastecnologiasfoi diferente em jornais e revistas. Como vimos mais acima, apesar das rotativas j existirem no Brasil desde o sculo XIX, o alto custo das mquinas impedia sua ampla incorporao na imprensaempublicaesperidicas.Semdvida,ojornalismodirioeramuitomais dinmico e recebeu uma interferncia mais slida destas inovaes. Geralmente as revistas de variedades acompanhavam o noticirio internacional pelas folhas dirias e no precisavam do telgrafo, nem das agncias de notcias. Mas quando fatos de grande apelo opinio pblica, como guerras e revolues, se tornavam comentados e objeto de amplo interesse, viravam notciaemtodaaimprensa.Asrevistasilustradasprocuravam,ento,formasvariadase criativas de propagar essas notcias sem ferir os preceitos internos de suas publicaes. A guerra Russo-J aponesa, por exemplo, foi noticiada em exausto nas pginas de OMalho, e chegou a virar enredo de uma histria em quadrinhos na revista O Tico-Tico49.Asmudanasestticasedecontedonosjornaisdoperodoemanliseesto intimamente vinculadas ao processo de evoluo tecnolgica e ao deslocamento na percepo do tempo. Com o crescente nmero de novidades e o potencial de invenes e descobertas no futuro, o que estava em pauta era sempre o novo. Enquanto o passado obliterado, o que importa a marcha evolutiva em funo do progresso. Os fetiches do novo sculo, as ltimas novidades vindas das maiores capitais do mundo se tornavam assunto de destaque nos dirios e semanrios. A corrida por notcias quentes, algo que no figurava como preocupao para os jornalistas de outrora, se torna parte do dia a dia de trabalho dos reprteres. 47 PEREIRA J UNIOR, Luiz Costa. A aventura da pirmide. In: A apurao da notcia: mtodos de investigao na imprensa. Petrpolis, Rio de J aneiro: Vozes, 2006. 48 BARBOSA, Marialva. Op. Cit., P. 24. 49 A referida historinha chamava-se O Couraado Cachimbomanoff (O peior cego aquele que no quer ver), publicada sem assinatura na edio de O Tico-Tico. Rio de J aneiro, 15 de novembro de 1905, N 6, Ano I. 35Esta perspectiva do novo, da marcha evolutiva do tempo e do progresso da histria assimilada de diferentes formas pela sociedade. At o novo regime republicano buscou no discursodonovo,dopasqueprojetavaparaofuturo,asustentaodesualegitimidade. Apoiava-sejustamentenaquiloqueodiferenciavadoanterior:amonarquia,enquanto representante de valores obsoletos, deveria ser esquecida ou lembrada como retrgrada, um obstculo s renovaes que o novo sculo impunha. Enquanto o regime recm-instaurado se fundamentava na possibilidade de ampliao dos direitos sociais e polticos, na superao do quadroracialqueimpossibilitavaacivilizaonostrpicos,namodernizaocrescente,o passado era tido como entrave reconstruo da identidade nacional. Como salienta Rebeca Gontijo50,aformaodanacionalidadebrasileirasempreestevesujeitaareelaboraes, invenes e disputas; e no caso do regime republicano, passava pela negao da presena do elemento portugus, smbolo das mazelas do passado colonial. Ilustrativo da posio progressista assumida pelo regime republicano em comparao ao anterior o grande nmero de projetos de nao que surgem, particularmente neste incio de sculo, e que encontram na imprensa seu principal meio de divulgao. Lucia Lippi de Oliveirarealizaumbominventrioquemostracomoosintelectuaisaglutinavam-seem diversos grupos, cada qual com propostas diferentes para a superao do atraso51. Este atraso estava no passado colonial, nas instituies monrquicas, nas altas taxas de analfabetismo, na carnciadeinfraestruturaindustrialeurbana.Emtodososprojetosprocuram-seafirmar conquistas e reformas pelo enfrentamento e superao do passado: a palavra de ordem era o progresso da civilizao, uma revoluo no sentido moderno do conceito52. EmFuturoPassado,Koselleckobservaquenohevidncialingsticadequea expressotemposmodernosfosseutilizadaparadesignarumtempodeterminado.A expressosadquiriasentidoemcontrasteemesmoemoposiocomotempoanterior. Sendoassim,omodernoestavarelacionadoideiadetransformao,deaceleraoedo novo,sempresecontrapondoaoantigo.Notrabalhocitado,oautorprocuracompreender 50GONTIJ O,Rebeca."Identidadenacionaleensinodehistria:adiversidadecomopatrimniocultural".In:ABREU, Martha ; SOIHET, Rachel. Ensino de Histria: conceitos, temticas e metodologia. Rio de J aneiro: Casa da Palavra, 2003. p. 55-79. 51 Em seu livro, a autora procura compreender como diversos grupos de intelectuais procuraram tratar do tema da nao, propondo diferentes interpretaes e projetos para a constituio dessa nacionalidade durante a Primeira Repblica. Cf. OLIVEIRA, Lucia Lippi. A Questo Nacional na Primeira Repblica. So Paulo: Brasiliense, 1990. 52 A palavra revoluo aqui utilizada no sentido de mudana, que adquire o conceito com o advento da modernidade. Como aponta Reinhart Koselleck, a perspectiva de revoluo como um processo de transformao na estrutura social e poltica comeou a ser cunhado a partir da Revoluo Francesa, em sintonia com a ideia de evoluo. Em seu sentido tradicional, a palavra revoluo era utilizada para designar o movimento cclico relacionado natureza e a ordenao dos astros. KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuio semntica dos tempos histricos. Rio de J aneiro: Contraponto:PUC-Rio, 2006. 36como a acelerao do tempo, caracterstica da modernidade, modifica a ideia de passado e futuro e, consequentemente, transforma tambm a noo de tempo histrico.O futuro para Koselleck uma categoria mvel, que se modifica de acordo com as necessidadeseexignciasdotempo.Aideiadefuturo,sobainflunciadareligio,era acompanhado da noo de catstrofe at o sculo XVIII. Na medida em que a religio crist perdia o monoplio sobre o futuro, que ficava a cargo dos Estados Modernos, e a acelerao do tempo trazia consigo a noo de progresso, o futuro passou a ser lugar de mudana. Para o historiador alemo, os acontecimentos histricos s so possveis a partir de atosdelinguagem,esuasexperinciasspodemseradquiridasetransmitidasapartirda linguagem53.Porisso,areflexosobrealinguagemparteessencialdotrabalhodo historiador, e no contexto da modernidade ganha uma importncia ainda mais destacada. Em nenhum outro momento histrico a linguagem foi to explorada quanto no sculo XX e o advento da imprensa empresarial, assim como,ocinema,ofongrafoeafotografiaesto intimamente ligados a este processo. 1.2Um mundo novo nas revistas ilustradas: a imagem como sntese da modernidade Koselleckseconcentranalinguagemfontica;paraestetrabalho,porm, consideramosautilizaoexpressivadesignosesmbolosgrficos(enounicamente fonemas e sons) tambm uma forma da linguagem - no-verbal, mas nem por isso menos comunicativa. A modernidade, acompanhada da noo de futuro, marcada pela construo e veiculao de uma profuso de imagens estticas ou em movimento, caracterstica da era da reprodutibilidade tcnica. Para Walter Benjamin, em sua essncia, a obra de arte sempre foi reprodutvel. Porm, osavanostcnicospossibilitaramacriaodeummercadodeproduoemmassade imagens. Com a litografia, observa o autor, as artes grficas adquiriram um meio de ilustrar a vida cotidiana. Com a fotografia, essa possibilidade se expande - amofoiliberadadas responsabilidadesartsticasmaisimportantes54ecomosolhos,muitomaisrpidos,a reproduo de imagens sofreu uma grande acelerao. 53 Ibid, p. 267. 54 BENJ AMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade tcnica. In: ______. Magia e tcnica, arte e poltica: ensaios sobre literatura e histria da cultura. So Paulo: Brasiliense, 1994. p. 167. 37Com a capacidade de reproduo, a obra de arte perde o sentido ritual que sempre tivera.Benjaminlembradasesculturasquerepresentavamdeusesesantos,muitasvezes escondidas dos olhos dos homens comuns. A existncia nica da obra de arte, que carregava o seusentidodetradio,substitudaporumaexistnciaserial.Aobradearteperdesua aura55com a tendncia difuso de imagens e a tentativa de torn-las produto de massa. A aura, como aquilo que garante unicidade e autenticidade a obra de arte, ao ser abandonada, peemquestoanaturezadaarteeseestasimagensinauguradasnamodernidadea fotografia, o cinema, a ilustrao e a caricatura seriam tambm obras de arte, ainda que reprodutveis.PeterBurke,naintroduodolivroemquetrabalhaasimagenscomoindcios histricos56, critica a anlise de Benjamin, questionando se uma imagem individual teria mais valor do que imagens reprodutveis. Para ele, a aura nada tem a ver com a unicidade de uma obra, mas com seu valor simblico. Ele exemplifica, afirmando que uma srie de fotos de um astrodecinemapodecorroborarparaoaumentodeseuencanto,aoinvsdediminu-lo. Mesmotendoanlisesdiscordantes,ambossocategricosemafirmaranaturezaritual historicamente atribuda imagem. Martine J oly57 tambm ressalta que os diferentes usos e significaesdaimagemnosoinerentessociedadecontempornea,elembraquea imagem est na base do conhecimento humano do mundo, tendo sido a primeira forma de comunicao entre os indivduos. Areflexodestesautoresnospareceaquifundamental,poisevidenciaanatureza comunicantedaimagem.Noquadrodamodernizaotecnolgica,comnovossuportese tcnicasdeimpresso,umagrandequantidadedeimagenspassaafazerpartedavida cotidiana dos habitantes do espao urbano. Se a relao com o sagrado se modifica, tambm a relao com o cotidiano afetada: a percepo da vida comum se modifica, ela descrita, fotografadaeilustradacomonunca.Esuaveiculaomacianaimprensamodifica decididamente as formas de ler e perceber a imagem.A relao imagem/texto ajuda na compreenso de como se estrutura a comunicao e se constroem as memrias coletivas. comum tentar relacionar palavra e imagem como se a segundaestivessesempreemrefernciaprimeira.Omodeloestruturalistatendeavera 55 A noo de aura para Walter Benjamin se refere a condio singular, nica de uma coisa. Composta por elementos espaciais e temporais, a aura o que garante a autenticidade e o sentido de tradio, de origem e de sentido histrico de algo. A aura no est apenas na obra de arte, Benjamin define resumidamente como a apario nica de uma coisa distante por mais perto que ela esteja. Ibid, p. 170. 56 BURKE, Peter. Testemunha ocular: histria e imagem. Bauru, SP: EDUC, 2004. 57 J OLY, Martine. Introduo anlise da imagem. Campinas, SP: Papirus, 1996. 38linguagem verbal e escrita como condies estruturantes do sujeito. As imagens, portanto, seriamdependentesdapalavraeestariamsujeitasssuasregras.Ainterpretaoe decodificao de imagens s fariam sentido na sua traduo imediata para a linguagem verbal.Entretanto, os trabalhos mais recentes em semitica da imagem tm evidenciado que imagens e palavras so processos que obedecem a regras e funes diferentes. Ana Maria Mauad defende que hqueserompercomalgicadedependnciaepensaremambasas formascomunicativascomotextosautnomosqueseentrecruzamnaconstruoda textualidadedeumapoca58. Devemos tomar como pressuposto que ambas so formas de discurso e acompanham a subjetivao do sujeito na histria. A euforia por imagens uma caracterstica marcante da imprensa desde fins do sculo XIX. A incorporao de imagens em apoio ao texto nas revistas e jornais data do incio do XIXcomatcnicadaxilografia.Porm,aproliferaodeimpressosilustradosfoimais sensvel com a introduo da litografia59. No Brasil, esta tcnica se tornou conhecida por volta da dcada de 1820, e a partir de 1850 j era adotada em diversas revistas60. As revistas ilustradas se notabilizaram, segundo Flora Sussekind, por uma verdadeira subservinciadotextoimagem61.Almdapublicaodefotografiasqueaproximavao pblico leitor de tipos e civilizaes distantes e desconhecidas, e mostrava a cidade e seus tipos de forma nunca vista antes (o que certamente aguava a curiosidade e dava certo sentido pedaggico imagem fotogrfica), as revistas ilustradas se distinguiam pela importncia que garantiam charge e a caricatura. Monteiro Lobato afirmava que a caricatura era gnero de primeira necessidade, indispensvel ao fgado da civilizao62.As caricaturas publicadas pela imprensa geralmente se prestavam stira e ao humor,forma preferencial de crtica poltica e social. ngelo Agostini se notabilizou pela utilizao de seus desenhos na RevistaIllustrada na crtica ordem imperial, nos ataques figura do imperadorenadefesadacampanhapelaaboliodaescravido.Muitasvezeserapelo intermdio da caricatura que se expressava a posio poltica dos editores. 58 MAUAD, Ana Maria. Poses e flagrantes: ensaios sobre histria e fotografias. Niteri: UFF, 2008. p. 49. 59 A tcnica foi descoberta em 1796 por Aloys Senefelder, que percebeu ser possvel desenhar com tinta oleosa diretamente sobre as pedras calcrias de Solenhofen ou em papel de transporte para ser impresso na pedra, e depois impresso em papel definitivo. 60 AZEVEDO, Dnya. A evoluo tcnica e as transformaes grficas nos jornais brasileiros.Mediao, Belo Horizonte, v.. 9, n.9, J ul/Dez de 2009. p. 81-97. 61 SUSSEKIND, Flora. Op. Cit. p. 36. 62 LOBATO, Monteiro. Op. Cit. p. 28. 39Raul Pederneiras foi outro caricaturista que se notabilizou por usar a pena e o lpis parasatirizaremesmocriticardiretamenteasociedadedaPrimeiraRepblica.Bastante crtico em relao ao processo de modernizao no pas, Pederneiras atribua o esquecimento dastradiespopularesaoindividualismodaordemburguesa.Descrevianaschargese caricaturas os vrios tipos da cidade, suas acomodaes, seu estilo de vida. Seu trabalho na Revistada Semana e, posteriormente, em O Malho, era marcado por certa nostalgia, por um contedo moralista e certamente pedaggico. Teixeira defende a charge como um instrumento de interveno poltica que, por este motivo, encontra na imprensa o veculo ideal de expresso63. O caricaturista era o homem moderno por excelncia, com certo ar de flneur por um lado, e esprito crtico por outro. O sentidodachargeedacaricaturadependejustamentedarelaoprodutor-leitor,ouseja, dependequeamensagemrefletidaemumaimagemsejapartilhadapelasduaspartes. Necessita, portanto, da aceitao e do consentimento daquele que l. por isto tambm, que mesmoutilizando-sedacrtica,ohumorcondioessencialdestetipodelinguagem.O humor cria identificao imediata com o leitor, facilitando a recepo da mensagem. Paraumapopulaocomaltastaxasdeanalfabetismo,aimprensailustradaeraa maneiraidealtantodetravarcontatocomoambientecotidianodacidadequantopara compreenderafeiopolticadapoca.Porvalorizaramensagematravsdaimagem,as revistas ilustradas eram, alm de bastante atraentes, tambm de mais fcil compreenso. Eram capazes de atingir um pblico vasto que no estava restrito apenas elite letrada: chegava tambm ao homem comum, ao trabalhador da cidade.Tal aspecto foi fundamental para o sucesso desse gnero at meados do sculo XX, quando a fotografia se torna preponderante na imprensa brasileira64.Para Maria Teresa Chaves de Mello65, a imprensa ilustrada teve papel fundamental no processo de politizao da sociedade brasileira que teria se iniciado por volta de 1880. Ela se tornavaprodutoacessvelaumagrandemassadeindivduos,entreelesanalfabetosque 63 TEIXEIRA, Luiz Guilherme Sodr. Sentidos do humor, trapaas da razo: a charge. Rio de J aneiro: Fundao Casa de Rui Barbosa, 2005. 64 Segundo Ana Maria Mauad, a fotografia introduzida no jornalismo dirio somente em 1904 no jornal ingls Daily Mirror, mas as revistas ilustradas j a publicavam h pelo menos vinte anos. No Brasil, Careta, Fon-Fon, Revista da Semana, O Malho, Illustrao Brasileira, entre outras, foram os principais veculos de propagao da fotografia na imprensa. Nas revistas ilustradas, a fotografia no servia apenas como evidncia ou suporte de informao, mas tambm criava modos, gostos e disseminava a esttica burguesa como a melhor forma de representao do mundo. Cf. MAUAD, Ana Maria. O olho da histria: fotojornalismo e a inveno do Brasil contemporneo. In: FERREIRA, Tnia Maria Bessone da C.; MOREL, Marco ; NEVES, Lucia Maria Bastos Pererira. Histria e Imprensa: representaes culturais e prticas de poder. Rio de J aneiro: DP&A: FAPERJ , 2006. P. 366. 65 MELLO, Maria Tereza Chaves de. A Repblica consentida: cultura democrtica e cientfica do final do Imprio. Rio de J aneiro: FGV: Universidade Federal Rural do Rio de J aneiro, 2007. 40tambm estavam descontentes com o regime imperial e suas instituies. Segundo a autora, essa populao expressava seu desagravo em relao ao governo atravs de manifestaes urbanasmuitasvezesesquecidaspelahistoriografia.Mellocontestaaideiadequea populao ainda nutria grande afeio pelo imperador D. Pedro II na ocasio da Proclamao da Repblica, indicando um enfraquecimento progressivo de sua figura na imprensa. Ainda que a imprensa ilustrada apresentasse a particularidade de ampliar seu consumo pelascamadasmaispopulares,noeramelasqueestavamrepresentadasnasrevistas. Smbolos de uma cultura letrada e burguesa, nestes peridicos o povo raramente aparecia em posiodedestaque,equandoapareciaeracomoumamassadisforme,oudemaneira estereotipadaemtiposcomoopopulacho,ouozpovinho.Asrevistasespelhavama sociedade branca, civilizada e moderna, ainda que passvel de crtica e troa, que se pretendia construir no pas. Eram reflexo de como se viam as classes dominantes, atores principais do processo de modernizao em curso. As revistas ilustradas eram os principais veculos de disseminao dos modos de ver e viver burgueses. Ali estavam descritos os comportamentos tidos como indispensveis ao bom cidado,modelosaseremcopiadosportodosquedesejavamsersmartouestarupto date.Criavamedisseminavamaestticadeumaclassequeconcorriaparasetornar hegemnica,equeparatal,deveriapropagarseuestilodevidacomoomelhor,mais civilizado, em concordncia com as mudanas do novo tempo. A articulao destes valores e ideais burgueses na imprensa era a garantia da manuteno desta classe na dinmica social. Adisseminaodeumaestticaburguesadeorigemeuropeiaounorte-americana tambm era uma forma de identificao da classe com a cultura burguesa ocidental. Por isso, asrevistasilustradasveiculavamoestilodevidaedeconsumotipicamentefrancesesou americanos, padres altamente valorizados em oposio nossa esttica tropical. E isto no era exclusividade das revistas de variedades, cinema e moda: tambm a revistinha infantil aqui analisada apresenta um fato curioso. O personagem mais importante da revista OTico-Tico,omeninoChiquinho,eraumdecalquedeumquadrinhonorte-americano,portanto retrata um menino de uma tpica famlia burguesa norte-americana loiro, branco, geralmente vestido de marinheiro, bastante diferente de boa parte dos meninos brasileiros leitores de O Tico-Tico. Era o personagem smbolo do direcionamento pedaggico da revista depois de se meteremvriasconfuses,geralmentedesobedecendoapaiseavs,Chiquinhosempre termina sendo punido, geralmente com uma surra, ao final da histria. 41 Figura 3Um dos quadros da srie Desventuras do Chiquinho. No Carnaval. O Tico-Tico. Rio de J aneiro, 28 de fevereiro de 1906. N 21, Ano II. Mais tarde, as histrias de Chiquinho ganham um carter mais nacional, inclusive com a entrada de um personagem negro. Mas a identificao com o modelo de uma tpica famlia burguesa permaneceu preponderante. Os valores tpicos da classe mdia em ascenso tambm podiam ser encontrados nas propagandas,quesetornamcadavezmaisconstantesnosimpressos.Vestidos,sapatos, elixires,livrosecigarroseramanunciadosnarevistacombelosquadroseslogansmuitas vezes ilustrados. Eles adquiriam uma importncia progressiva na imprensa que necessitava cadavezmaisdoespaopublicitrioparasemanter.Porissomesmo,eraconstantever desenhosefotografiasempginainteiradeprodutosqueprometiammilagresougrandes revolues na vida daqueles que os adquirissem. Alm do prprio produto, o que estava em questoeraoconsumo:estasociedadeemprocessodemodernizaopassavaporuma mudana nos padres de consumo e havia, claro, uma classe mdia disposta e vida por experimentar as novidades apresentadas nestes impressos. 1.2.1 A cidade caricaturada A caricatura se tornou um gnero to difundido na imprensa que, durante os primeiros anos do sculo XX, foi a principal forma no verbal de comentrio e crtica. No eram meras ilustraesqueembelezavamaspginasdasrevistas,eramprotagonistasdaimprensa ilustrada. Em OMalho, a importncia da caricatura manifesta, tanto que logo no primeiro 42nmero publicam um poema de Valrio Mendes, chamado Odecaricatura, onde se l em uma das estrofes: O que as palavras exprimir no podem, O que s pennas e as linguas a lei veda, Pode o lapis dizel o impunemente No papel branco saracoteando... Reputaes que o Tempo, cauteloso, Morosamente solidificara Num momento desfazes com dous traos! Pes verrugas sacrilegas nos santos, Zarolhos fazes os imperadores. Nos ministros penduras rabo-levas, E at do proprio Deus brincas com as barbas!Ave, Caricatura!66 A homenagem de OMalho nobre arte da caricatura, feita em diversas ocasies nos tantos anos de vida da publicao, tinha razo de ser: a caricatura seria a principal linguagem da revis