11
A ESCRAVIDÃO NO PARÁ: CONTEXTO, SINGULARIDADES E IMPACTOS Harlon Romariz R. Santos 1 Introdução e contexto O presente texto surge como requisito da disciplina Pensamento Político Brasileiro, ofertada pelo Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará. O ensaio busca apresentar argumentos e dados que corroboram com a proposição de que houve negros no Pará, de que houve escravidão na Amazônia e de que tal instituição/prática teve características e efeitos/impactos muito particulares nessa região. O ensaio se baseia, sobretudo, em dados históricos e em reflexões do pensamento político e social brasileiro. O texto está organizado no sentido de, primeiramente, tecer considerações gerais sobre as particularidades políticas, sociais e econômicas da região amazônica, sobretudo no Pará. A partir dessas considerações contextuais o texto caminha no sentido de apresentar a escravidão nesse Estado e de perceber seus impactos e reminiscências atuais, bem como considerações reflexivas e críticas sobre o tema, ao final. O estado do Pará é onde está a maior população que se autodeclara como Negro ou Pardo, e possui a décima primeira maior população de negros entre os vinte e sete estados da federação (COSTA, 2014). Além disso, o Pará é o estado que mais apresenta casos de escravidão no Brasil de hoje (RUTOWITEZ, 2014), e convive com esse negativo dado, aparecendo inclusive em relatórios internacionais, apresentando um número elevado de escravos que vivem em situações precárias e de servidão em fazendas mata a dentro. Contextos políticos, econômicos e sociais A distância dos grandes centros urbanos do País, bem como o vasto território geográfico já são descritores a comunicar um pouco da história e especificidade deste Estado. O Pará surge inicialmente como um grande território, chamado de Maranhão e Grão Pará pelos portugueses. O que hoje chamamos de Amazônia brasileira era o Maranhão-Grão Pará do século XVI ao XVIII, ao longo do tempo esse território vai se dividindo, diferenciando as províncias do Maranhão e Pará, bem como as províncias mais ao oeste. Um primeiro fato relevante para este ensaio está na criação da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, que fora encabeçada pelo grande reformista português, 1 Mestrando em sociologia pelo PPGS da Universidade Federal do Ceará. Contato: [email protected].

A Escravidão No Pará

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Texto histórico e sociológico sobre a presença de escravos no Pará e as particularidades desse fenômeno em relação ao Brasil, sobretudo litoral.

Citation preview

A ESCRAVIDO NO PAR: CONTEXTO, SINGULARIDADES E IMPACTOS Harlon Romariz R. Santos1 Introduo e contexto OpresentetextosurgecomorequisitodadisciplinaPensamentoPolticoBrasileiro, ofertada pelo Departamento de Cincias Sociais da Universidade Federal do Cear. Oensaio busca apresentar argumentos e dados que corroboram com a proposio de que houve negros noPar,dequehouveescravidonaAmazniaedequetalinstituio/prticateve caractersticas e efeitos/impactos muito particulares nessa regio. Oensaiosebaseia,sobretudo,emdadoshistricoseemreflexesdopensamento polticoesocialbrasileiro.Otextoestorganizadonosentidode,primeiramente,tecer consideraesgeraissobreasparticularidadespolticas,sociaiseeconmicasdaregio amaznica, sobretudo no Par. A partir dessas consideraes contextuais o texto caminha no sentido de apresentar a escravido nesse Estado e de perceber seus impactos e reminiscncias atuais, bem como consideraes reflexivas e crticas sobre o tema, ao final. OestadodoParondeestamaiorpopulaoqueseautodeclaracomoNegroou Pardo, e possui a dcima primeira maior populao de negros entre os vinte e sete estados da federao(COSTA,2014).Almdisso,oParoestadoquemaisapresentacasosde escravidonoBrasildehoje(RUTOWITEZ,2014),econvivecomessenegativodado, aparecendoinclusiveemrelatriosinternacionais,apresentandoumnmeroelevadode escravos que vivem em situaes precrias e de servido em fazendas mata a dentro. Contextos polticos, econmicos e sociais A distncia dos grandes centros urbanos do Pas, bem como o vasto territrio geogrfico j so descritores a comunicar um pouco da histria e especificidade deste Estado. O Par surge inicialmente como um grande territrio, chamado de Maranho e Gro Par pelos portugueses. OquehojechamamosdeAmazniabrasileiraeraoMaranho-GroPardosculoXVIao XVIII,aolongodotempoesseterritriovaisedividindo,diferenciandoasprovnciasdo Maranho e Par, bem como as provncias mais ao oeste. UmprimeirofatorelevanteparaesteensaioestnacriaodaCompanhiaGeralde ComrciodoGro-PareMaranho,queforaencabeadapelograndereformistaportugus,

1 Mestrando em sociologia pelo PPGS da Universidade Federal do Cear. Contato: [email protected]. 2 MarqusdePombal.DiantedaproibiodaescravidoindgenanoEstadodoGro-Pare Maranho e diante da necessidade de conter a influncia jesuta, Marqus de Pombal institui a Companhiaecoloca-asobaresponsabilidadedeseuirmo.ACompanhiapodiaexploraro Comrcio, adentrar os rios e traficar escravos. Possua recursos para investimento e monoplio no transporte Naval e podia dispor da proteo da Armada Real para cumprir com seus objetivos comerciaisedeexplorao(COELHO,2011).AideiadeumaCompanhiaparaalavancaro desenvolvimento no era nova, pois ainda em 1682 tentou se criar a Companhia de Comrcio do Maranho. Essa primeira tentativa surgiu como soluo diante do conflito entre colonos e jesutas em torno da mo escrava indgena. O historiador Vicente Salles (1971, p. 5) comenta: Oscolonosdesejavamardentementeobterescravosemcondiesvantajosasde comercializao. Logo foramatrados pelacaa aos selvagens, com afinalidadede aplicar o brao escravo como suporte de suas lavouras. Interpondo-se neste negcio os jesutas contrariavam os interesses dos colonos. Salles (1971) comenta que o objetivo inicial dessa primeira Companhia era o de trazer 10.000negrosem20anosejcomumpreoestipuladode100milriscadanegro.A Companhiaacabounosefixando.Asconsequnciasforamdeumdesenvolvimento econmico tacanho e Salles (1917, p. 6) comenta que a experincia agrcola dos portugueses noParcontinuavadesenvolvendo-semuitolentamente.Atambmoscolonospoucose interessavampelaspeasdafrica,quelheschegavamescassamenteeporumpreo elevadssimo. interessantenotarquenasduastentativasdecriaodeCompanhiascomerciais,a mo de obra escrava estava presente como soluo. A Companhia criada por Marqus acabou tendosucessoporumasriedefatores,dentreelesaaberturadotrficonegreiroparaa Amaznia.Assim,ficafcilpercebercomoodesenvolvimentomercantilcolonialnoBrasil dependia da mo de obra escrava vinda da frica. Tal relao considerada por Maria Sylvia de Carvalho Franco (1997) quando diz que o trfico de negros no era uma coisa secundria e amalhoadacomoumaprticademenorimportncia.Franco(1997)consideraqueo desenvolvimento mercantil da poca necessitou do trfico de escravos africanos e que tal prtica foi essencial para o tipo de desenvolvimento que se queria no ento Brasil colnia. H um certo consenso histrico que a regio amaznica s comea de fato a se desenvolver comercialmente e materialmente com a implantao da CGPM (Companhia Geral do Gro-Par e Maranho) pelo Alvar Rgio de 7 de junho de 1755 por D. Jos I, que inclua a vinda de negros (SALLES, 1971; COELHO, 2011). Coelho (2011, p. 26) afirma que 3 FranciscoXavierdeMendonaFurtado,emmaisumacartaenviadaaoirmo [Marqus de Pombal], reclamou da falta de atividades produtivas na regio. Ele falava dadificuldadedeconseguirtrabalhadores,denomearmilitares,deconseguir alimentos para as diversas expedies que deveriam percorrer o territrio amaznico. Tudoparaeleerapobreza,escassezefalta,emumaregioquereconheciacomo [potencialmente] rica. Coelho(2011)lembraqueasregiesbrasileirasmaisprodutivasdosculoXVII estavam no litoral da Bahia e Pernambuco. Algo precisava ser feito na regio amaznica, por isso,agrandepresenaportuguesanoPar,sobretudonaregiodeBelmedoinciomais sistemticodavindademodeobranegra.Salles(1971)apresentadadoshistricosque mostramquenos22anosdeCGPMforamintroduzidos14.749escravossnoPar,vindo diretamente da frica. Salles (1971) afirma que haviam tambm, outros movimentos internos de escravos vindo para o Par, muitos da Bahia e Mato Grosso, e que acabavam por no aparecer nas contagens navais. Essasconsideraeshistricasjmostramcertassingularidadesnoprocessode ocupaoedesenvolvimentonaAmaznia.BelmestarianoladoespanholdoTratadode Tordesilhas, e a presena portuguesa na regio precisou ser forte para garantir a integridade do territrio.Belmtorna-seumpostodecontroleeproteodetodooterritrioamaznico (COELHO, 2011; GUZMN, 2012). Outrosfatosinteressantessobrearegioestorelacionadosaumacertainclinao noodeautonomiaeindependnciaemrelaoaorestantedoterritriobrasileiro.Essa inclinaosemostrouforteem1823,quandodepoisdemaisdeumanooParaceitaa independnciadoBrasilemrelaoPortugaleconcordandofazerpartedanovaNao.O Par foi o ltimo Estado a aceitar a Independncia do Brasil e s o fez diante das esquadras do almirante John Grenfell, que a mando de Pedro I, estacionou seus navios na entrada de Belm e ameaou ataque. Quatro dias depois a elite paraense assina a adeso e institui o feriado de 15 de Agosto de 1823, quando o Par resistentemente aceita fazer parte do Brasil (RICCI, 2014). A Revolta Popular do Cabanos no perodo regencial tambm trazia, entre outras demandas, a independncia do territrio. O pensador poltico Tavares Bastos um dos autores queridos e lidos no Par. Vrios logradouros em Belm e no interior recebem seu nome em homenagem ao seu pensamento. As bibliotecas universitrias paraenses trazem colees significativas de exemplares de suas obras. Bastos (1975) autor do livro A Provncia, nessa obra ele defende a descentralizao poltica doImprioebuscaenalteceraautonomiaprovincianasparaquestesdecunhopolticoe econmico. Bastos acredita em solues locais para problemas locais. Esse pensamento foi do agradodaeliteparaenseeoseulivrooValedoAmazonasmostraseuinteressepelaregio. 4 Essa aproximao com esse tipo de pensamento (descentralizador), corrobora com a ideia de que o Par possuiu uma certa inclinao autonomia e independncia, que acabou por nunca se realizar. Essa, entre outras consideraes demonstram certas especificidades polticas, sociais e econmicas que marcam a regio amaznica, sobretudo o Par, a unidade administrativa mais antigadaregio.Suaparticularidadehistricaeinflunciaportuguesamarcaramdeforma diferentearegioedesembocandoemcaractersticasespecficas.Essasespecificidades tambm se fazem na escravido, que acabou por ser diferente daquela que aconteceu no litoral brasileiro e mesmo no interior central do Brasil. A singularidade da escravido no Par A escravido no Par assim como no resto do Brasil, acabou sendo necessria para o desenvolvimento mercantil colonial. No entanto, a escravido no Brasil, sobretudo no litoral, sedeunaformadoplantation,comgrandeslatifndios,comasCasasGrandes,comoas relatadasporFreyre,comaplantaodecana-de-acaroualgodo,monoculturasfortese voltadasparaaexportao.NoParaescravidofoifortementedirecionadaparapequenas propriedades, para servios urbanos e para o extrativismo (ACEVEDO, CASTRO, 1993). Dados histricos Aquisoapresentadosalgunsdadoshistricosquedemonstramapresenadenegros em Belm e na ento Provncia do Par. Essa presena se deu em propores diversas ao longo dotempo,masquechegouaumarepresentatividadesingular.Em1791oentogovernador Francisco de Sousa Coutinho enviou para Lisboa um mapa da populao de Belm (SALLES, 1971, p. 69). Tabela 01 Mapa da Populao de Belm (1791) Brancos4.42351,6% Pretos (escravos)3.05135,6% Pretos, ndios e mestios (libertos)1.09912,8% Quando da Independncia do Brasil, o Major Baena ficou incumbido de organizar um censo estatstico da populao da provncia. O levantamento ficou incompleto, mas houveram dados coletados emBelm,especificamente nasduas principais freguesias (grandes bairros), 5 que entraram na contagem (SALLES, 1971, p. 71). interessante notar, na Tabela 01 e 02, a considervelproporodenegrosescravosnacidadedeBelm.Essapresenachegaa proporessemelhantesadeoutrascidadesmaisreconhecidamentecomocidadescomalto fluxo de negros escravos. Em meados do sculo XVIII e incio do sculo XIX a proporo de negrosemBelmchegoua45%dapopulaototal(ACEVEDO,CASTRO,1993).Salles (1971) indica que em Belm houve uma grande concentrao de negro em relao ao interior da provncia do Par. Isso pode ser explicado pela centralizao do desenvolvimento poltico e econmico na regio norte-nordeste do Par. Tabela 02 Levantamento estatstico da populao de Belm em 1822. Freguesias (Bairros) BrancosLibertos*Escravos**% de EscravosTotal S2.5744502.94249,31%5.966 Campina3.0696592.77742,69%6.505 Total5.6431.1095.71945,85%12.471 * Inclui: indianos pretos e mestios. ** Inclui: africanos e crioulos. Tavares Bastos cita, em seu livro O Vale do Amazonas, dados extrados do relatrio do PresidentedaAssembleiaFranciscoCarlosdeArajoBrusqueem1862.Relatrioesse apresentado na Assembleia Legislativa da Provncia do Par na 2 sesso da XII Legislatura em 01desetembrode1862(SALLES,1971,p.75).Oquadromostraumaproporomenorde escravos em relao Belm, mas ainda uma proporo considervel. Tabela 03 Quadro da populao da provncia do Par AnosPopulao livrePopulao escrava% populao escravaTotal 1854167.90930.84715,52%198.756 1862185.30030.62314,18%215.923 Singularidades preciso reconhecer que a principal mo de obra na regio foi de fato a mo de obra nativa, no entanto 6 [...]apresenaafricananaregionopodeserdesconsiderada.[...]Emprimeiro lugar,no se repensar a idiade que amo-de-obra africana teria sido inexpressiva porque o ciclo das drogas do serto teria se valido exclusivamente da mo-de-obra indgena.Emsegundolugar,noseaprofundarareflexosobreosdiferentes empreendimentosagrriosnaregio,quedependiamdamo-de-obraescrava.E, finalmente, o fato de se tentar explicar a Amaznia a partir do modelo da plantation daregioaucareira.JustamentecomoaAmaznianoteriaseenquadradonesse modelo,onegrosetornouumelementoausentenaconstruodasociedade amaznica. (CHAMBOULEYRON, 2006, p. 79, grifo do autor). A tradio anterior de desconsiderar a presena do negro na Amaznia se deu pela direta associaoqueseteveentrenegroeplantation.Essatradio,originadaemManuelNunes Pereira e Arthur Cezar, tentava pintar uma ausncia do negro no processo de colonizao da Amaznia (CHAMBOULEYRON, 2006).Essa tradio desconheciaestudos histricos mais profundos e no concebiam a atividade no escravo negro em atividades que no fossem o grande latifndio.Aquestoquesecolocahoje,adequeosnegrosdesenvolveramdiversas atividades,ligadasaodesenvolvimentoeconmicodaregio.Asespecificidadesdotrabalho negronaAmaznia,esobretudonoPar,secaracterizaramporatividadesrelacionadasa agricultura de pequeno porte, pecuria, ao extrativismo e tambm por servios urbanos. Algo de interessante, est no fato de que houve um tipo de integrao diferente entre nativos e negros, fazendodosnegrosaprendizesdossegredosdanatureza,sendobemaproveitados,em determinadas regies, para o extrativismo (ACEVEDO, CASTRO, 1993). Na prpria literatura hregistrosdessassingularidades.OescritorparaenseInglsdeSouza,emseusContos Amaznicos (1893), retrata negros na pecuria e no extrativismo. A presena de Quilombos na Amazniaeaintegraodessesnegroscomanatureza,sabereseusos,tambmcorroboram comanoodeumaatividadenegranaAmaznia,quesedeudeformamuitoespecficae diferente daquilo que se viu em outras regies do Brasil colnia (ACEVEDO, CASTRO, 1993). Salles (1971) fala da fora de trabalho escravo negra no Par e indica a prevalncia de escravos de proprietrios particulares. Muitos desempenhavam funes especficas, profisses artfices,sobretudonasreasurbanas.Salles(1971)faladesapateiros,ferreiros,pedreirose escultores negros antes mesmo da abolio. Salles (1971) faz a diferena entre escravos urbanos e escravos rurais, fala de escravos para aluguel e os domsticos. Nas cidades existiam negros para trabalhos braais, como carregadores, mas tambm negros tipgrafos e pintores. obvio que a escravido nunca se deu de forma homognea em todo o vasto territrio brasileiro.importantereconhecerqueemtodasasregieshouverampeculiaridadese particularidades interessantes. Esse avano no trato histrico da escravido ajuda a pensar como os processos e instituies acabam por ganhar formatos e caractersticas prprias, e que anlises mais generalizantes podem fazer-nos perder de vista a riqueza dos fatos em suas localidades e 7 particularidades. A escravido na Amaznia e no Par se deram de maneira diferente daquela queocorrianolitorallestebrasileiro.Asgrandesmatas,aimpossibilidadedegrandes monoculturas, a presena de rios, a densa floresta, a existncia singular de nativos indgenas, o interesse de Portugal em proteger o territrio, entre outras caractersticas ajudam a pensar essas particularidades. Reminiscncias da escravido hoje A escravido nos dias atuais parece no ter terminado como prtica. Obviamente que a instituio escravido no figura como um elemento importante na sociedade de mercado, pelo contrrio,umelementodoatraso.Aquestoque,mesmocomtodososavanosdo capitalismo e dos direitos humanos, ainda temoscerca de 27 milhes deescravosem todo o mundo (COCKBURN, 2003). Essa prtica ainda persiste no Brasil e o Par o lder entre os estados brasileiros (SIQUEIRA, 2010). A densidade da mata, o atraso no desenvolvimento e a fraca presena do Estado fazem dosrincesparaensesumlugarfrtilparaaprticadaescravido.Acaractersticadeuma escravido mais particularizada parece ainda permanecer nesse territrio. A escravido no Par, sobretudo no interior, parece ser anacrnica. Como se fosse uma prtica isolada e desconexa da realidadeedesenvolvimentoexterno.EsseafastamentodaAmazniadosgrandescentros urbanos brasileiros e o difcil acesso regio, faz com que processos muito diferentes se deem, e no caso, prticas negativas e desumanas. NessesentidopodemosfazerrefernciaaopensamentodeJoaquimNabuco,que brilhantementedefendiaofimdaescravidonoBrasil.Nabuco(2003)consideraquea escravidoeraumentraveparaodesenvolvimentoplenodanao,dopas.Umasociedade moderna, de mercado nunca poderia se instituir de forma plena tendo que conviver com uma instituio retrgada e detratora da ordem moral e cvica. Assim, vivel fazer uma anlise da situao em que se encontram muitos territrios onde a escravido latente, como no caso do Par. coerente dizer que a modernidade ainda no chegou em toda a sua plenitude em regies como o Oeste do Par, onde a Lei e a postura liberal ainda permanecem submetida uma lgica de expropriao, autoritarismo e mando tradicional. JoaquimNabuco(2003)consideravaimportanteaintegraodonegrosociedade nacional.Essaintegraodeveriasedardeformaplena,pormeiodaeducao.Eleainda defendia ser o Estado Brasileiro o principal autor de interferncia nesse processo, trabalhando para que a grande massa de negros libertos pudessem agora adentrar de forma mais firme ao mercadoeanovalgicaprodutiva.IssonoaconteceunoBrasil,muitomenosnoPar. 8 possvel dizer que a integrao do negro no Par se deu mais fortemente do ponto de vista da cultura(ACEVEDO,CASTRO,1993),comincorporaodasprticasnativasporpartedos negros e do contrrio, nativos e brancos incorporando as prticas e contedos dos negros. TalvezaquihalgodesemelhantenaescravidodoParemrelaoaoBrasil.A integraodonegronosedeudeformaplena,masfoimarginalizadoelocalizadonolado pobre da sociedade. Imagem e metfora como consideraes finais Paratermosdeconsideraesfinais,segueaFigura01,queapresenta-secomo representativa dessa no integrao do negro na sociedade brasileira, e na sociedade paraense. Figura 01 Praa da Repblica e jovem negro descalo Afigura01umafoto,deumautordesconhecido,fazpartedeumricolbumde Belm,apresentadopeloIntendenteAntnioLemosCmaraMunicipal,em1906.So dezenas de fotografias,artisticamente trabalhadas, cuja impressoestevea cargo de Philippe Renouard, Rue de Saint-Peres, 19, Paris. O jovem negro retratado de forma paralela viveu numa 9 cidaderica,a4maiordopasnaqueleperodo.AriquezadaBelle-poqueestportoda parte,inclusivenochodapraaqueessesps,descalos,pisam.Ariquezaeaopulncia daqueles dias da era de ouro da borracha estavam erguidas bem ali, em palcios de mrmore importadadaEuropa.Mas,essesps,repito,viveramemorreramsemjamaisentrarnesses colossos que, no obstante, estavam to perto e, ao mesmo tempo, to inacessveis. No se sabe nenhum detalhe acerca desse habitante de Belm. Ele passou pela histria invisvel, sem face, semidentidadeprpria,porqueoqueinteressouaelitefoitosomentesuaenergia para trabalhar, o seu suor derramado de sol a sol a troco de quase nada. Um ser sem histria, eis um sonho acalentado pelas elites. A figura 02, mostra com mais detalhe esse jovem negro, filho ou neto de escravo (talvez) e que anda pela Praa da Repblica, posando para a foto de algum que queria registrar a opulncia da cidade, na poca. O jovem est descalo, mostrando sua condio social: de algum que dificilmente pudesse conseguir um sapato, ou que estava alheioaesseusoculturalmente.Essafoto(Figura01)parecevigorarcomometforada integrao do negro e anuncia sobre as dificuldades que o negro teve e ainda tem para se integrar asociedade,masseintegrarporcima,detendobensdeproduo,capitalcultural,rendae prestgio. Figura 02 Jovem negro descalo e Teatro da Paz ao fundo. 10 As singularidades da escravido no Par parecem no ter contribudo para uma melhor situaodessenegro.Pelocontrrio,oretardodesenvolvimentonaregiocontribuiuparao acirramentodapobrezadessaclassedepessoas,quevieramdocontinenteafricanoequese miscigenaram. Que se misturaram culturalmente ao novo territrio e a novos grupos, mas que foramexpropriados,subjugadosemarginalizadosgeograficamenteeemtermosde classificaes sociais. Uma relao de escravido ainda se faz presente no Par e os contextos sociais, polticos eeconmicosquemarcamaregiomostramquemuitotempoaindasernecessrioparaa modernizao e a liberalizao dessas pessoas e grupos que se fecham nos rinces da floresta. A forte presena da escravido um elemento importante para pensarmos essa prtica dentro de uma lgica maior de funcionamento econmico, e dentro de uma percepo mais estrutural e histrica, que marcam a regio. Marcas essas que fazem sobressair suas dificuldades em se integrar falando de forma macro na sociedade nacional e nos fluxos internacionais, fluxos esses de economia, mas tambm de pensamentos e ideias modernas. 11 REFERNCIAS ACEVEDO, Rosa; CASTRO, Edna. Negros do Trombetas: guardies de matas e rios. Belm: UFPA/NAEA, 1993. BASTOS, Tavares. A provncia. 3. ed. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975. CHAMBOULEYRON, Rafael. Escravos do Atlntico equatorial: trfico negreiro para o Estado do Maranho e Par (sculo XVII e incio do sculo XVIII). Revista Brasileira de Histria, v. 26, n. 52, p. 79-114. 2006. COCKBURN, Andrew. Escravos do sculo 21. National Geographic, 41, So Paulo: set. 2003. COELHO, Mauro Cezar. Fundao de Belm. Belm: Estudos Amaznicos, 2011. COSTA, Fabiano. Par tem maior percentual dos que se declaram pretos ou pardos, diz estudo. G1 Brasil, Braslia, 05 nov. 2014. Disponvel em: . Acesso em: 20 nov. 2014. FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. 4 ed. So Paulo: Editora Unesp, 1997. GUZMN, Dcio de Alencar. Guerras na Amaznia do sculo XVII: resistncia indgena colonizao. Belm: Estudos Amaznicos, 2012. NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Braslia: Senado Federal, 2003. RICCI, Magda. Adeso do Par Independncia do Brasil completa 191 anos. Portal UFPA, Belm, 14 ago. 2014. Disponvel em: . Acesso em: 15 ago. 2014. RUTOWITEZ, Ruy. Par lder em casos de trabalho escravo. TV Brasil EBC, Belm, 2014. Disponvel em: . Acesso em 20 nov. 2014. SALLES, Vicente. O negro no Par. Rio de Janeiro: FGV e UFPA, 1971. SIQUEIRA, Tlio Manoel Leles. O trabalho escravo perdura no Brasil do sculo XXI. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3 Regio, v. 52, n. 82, p. 127-147. 2010.