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Web-Revista SOCIODIALETO www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 Volume 5 Número 13 julho 2014 Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 13, jul. 2014 1 A ESCRITA NAS REDES SOCIAIS E SUAS IMPLICAÇÕES SUBJETIVAS Caetano da Providência Santos Diniz (DPSI UEPA) 1 [email protected] RESUMO: A internet tem possibilitado o incremento das relações interpessoais de uma forma nunca antes proporcionada por nenhuma outra tecnologia. A comunicação mediada pelo computador tem ocupado um espaço cada vez maior no cotidiano, provocando mudanças nos hábitos e nas formas de seus usuários interagirem. Entretanto, não obstante os diversos recursos como imagens, sons e vídeos, a língua escrita constitui-se na base de uma interação que possibilita, além da comunicação de ideias e da auto expressão, a abertura de um espaço para a identificação e a reflexão acerca de si. PALAVRAS-CHAVES: Internet; Língua; Comunicação. ABSTRACT: The internet has enabled the growth of interpersonal relationships in a way never before provided by any other technology. The communication by computer has occupied an increasing space in daily life, causing changes in the habits and ways of its users interact. However, despite the various resources like images, sounds and videos, the written language constitutes the basis of an interaction that allows, besides the communication of ideas and self expression, opening a space for reflection on the identification of himself. KEY WORDS: Internet; Language; Communication Introdução A língua escrita em tempos de internet tem se constituído um importante meio de comunicação e auto expressão, mesmo em tempos de multimídia como vídeo, som e imagem. Talvez nunca na história da humanidade a escrita tem sido tão utilizada para o fomento das relações interpessoais. A facilidade, a popularidade e a rapidez oferecidas pela internet sem dúvida favorecem este fenômeno e abrem espaço para uma outra utilização além da comunicação: a auto expressão em suas relações com os processos subjetivos. 1 Professor Assistente I da Universidade do Estado do Pará, mestre em Psicologia pela UFPA.

A ESCRITA NAS REDES SOCIAIS E SUAS IMPLICAÇÕES … · A língua escrita em tempos de internet tem se constituído um importante meio de comunicação e auto expressão, mesmo em

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A ESCRITA NAS REDES SOCIAIS E SUAS IMPLICAÇÕES

SUBJETIVAS

Caetano da Providência Santos Diniz (DPSI – UEPA)1

[email protected]

RESUMO: A internet tem possibilitado o incremento das relações interpessoais de uma forma nunca

antes proporcionada por nenhuma outra tecnologia. A comunicação mediada pelo computador tem

ocupado um espaço cada vez maior no cotidiano, provocando mudanças nos hábitos e nas formas de seus

usuários interagirem. Entretanto, não obstante os diversos recursos como imagens, sons e vídeos, a língua

escrita constitui-se na base de uma interação que possibilita, além da comunicação de ideias e da auto

expressão, a abertura de um espaço para a identificação e a reflexão acerca de si.

PALAVRAS-CHAVES: Internet; Língua; Comunicação.

ABSTRACT: The internet has enabled the growth of interpersonal relationships in a way never before

provided by any other technology. The communication by computer has occupied an increasing space in

daily life, causing changes in the habits and ways of its users interact. However, despite the various

resources like images, sounds and videos, the written language constitutes the basis of an interaction that

allows, besides the communication of ideas and self expression, opening a space for reflection on the

identification of himself.

KEY WORDS: Internet; Language; Communication

Introdução

A língua escrita em tempos de internet tem se constituído um importante meio

de comunicação e auto expressão, mesmo em tempos de multimídia como vídeo, som e

imagem. Talvez nunca na história da humanidade a escrita tem sido tão utilizada para o

fomento das relações interpessoais. A facilidade, a popularidade e a rapidez oferecidas

pela internet sem dúvida favorecem este fenômeno e abrem espaço para uma outra

utilização além da comunicação: a auto expressão em suas relações com os processos

subjetivos.

1 Professor Assistente I da Universidade do Estado do Pará, mestre em Psicologia pela UFPA.

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Um novo espaço para relacionamentos

O ciberespaço tem características próprias das comunidades em geral

(MATEUS-SILVA, ABREU e NICOLACI-DA-COSTA, 2012). Nele criam-se redes

sociais, estruturando uma ―matriz de laços múltiplos‖ baseada na comunicação,

reunindo três aspectos que constituem uma cibercultura: informação, comunicação e

tecnologia. Segundo Wellman e Boase (2004), Nicolaci-da-Costa (1998), Rheingold

(1996) e Castells (2003). É um espaço imersivo, um ambiente que envolve seus usuários

fazendo com que se sintam compartilhando um espaço diferente daquele de suas vidas

offline (ARAÚJO, 2005). Para Lévy (1999, p.32): ―A Internet é, na sua essência, um

meio de comunicação‖.

E este ciberespaço, cada vez maior, tem alcançado atividades que

tradicionalmente tem sido realizadas no modelo face a face. Hoje já se fala, por

exemplo, em psicoterapia online, o E-setting. Seja com o objetivo de facilitar a relação

terapêutica quando não é possível para o cliente se deslocar até o consultório seja por

simples opção por este tipo de mediação, a tecnologia tem ocupado espaço maior no

campo de trabalho dos psicólogos. Existem aí uma série de questões éticas, de

segurança, de comodidade, de eficiência etc, que precisam ser discutidas, mas a verdade

é que é possível observar cada vez mais esta tendência da psicologia a se adaptar aos

novos tempos, refletindo e remodelando o seu fazer de forma que seria possível

perguntar se as novas ferramentas estariam se tornando uma extensão do próprio

consultório. De acordo com Mendes (2014) já existem diversas experiências de

terapeutas que tem utilizado a internet como instrumento para iniciar ou dar

continuidade ao acompanhamento psicológico, o que, por ser algo novo e ainda

experimental, merece certamente bastante estudo e pesquisa a fim de se avaliar os seus

prós e contras.

A tendência que podemos observar, portanto, é a de que cada vez mais a rede

fará parte das vidas das pessoas no que se refere à comunicação, e isto não se restringe

ao computador. O celular com seus aplicativos segue a mesma linha e dinamiza ainda

mais esta função. O WhatsApp, por exemplo, tem conquistado um espaço cada vez

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maior de interação com o diferencial de ser um aplicativo disponível nos celulares e

que, da mesma forma que o pc (personal computer), utiliza a ferramenta internet. Seu

sucesso, inclusive, despertou o interesse do próprio Facebook o qual em 2014 anunciou

a compra do aplicativo, de forma que temos presenciado a união das duas grandes

tecnologias da comunicação pós-moderna, o telefone e a internet.

O celular individualizou de maneira bastante marcante o uso da telefonia. Os

telefones particulares passaram a ser acessório quase indispensável no dia-dia,

proporcionando maior independência na comunicação à distância. O uso dos

computadores pessoais conectados à internet proporcionou a interação sem fronteiras,

dando-nos a sensação de que fica difícil viver desconectados uns dos outros.

Com ferramentas como o WhatsApp, as redes sociais, a formação de grupos, o

compartilhamento de informações em diversos formatos, têm elevado a sociabilidade

em rede a um nível jamais alcançado. Possuir este aplicativo no celular agrega-lhe um

significado que extrapola a possibilidade de realizar uma chamada mais facilmente ou a

um custo menor. Ele representa também a possibilidade de estar sempre conectado,

sempre online, independentemente de ter que ligar um computador e acionar um

modem. Imprime em seu uso um elemento de caráter fortemente afetivo que é o receber

atenção dos seus pares através do recebimento de mensagens. Estamos além das redes

sociais em processadores e modens, estamos entrando na era das redes sociais

ambulantes das quais fica difícil se desligar. Afinal, qual é a maior sensação do

WhatsApp senão a de que nunca se desligou a chamada? Ou a de que nem seria preciso

começá-la e mesmo assim já estar em contato?

Parece ser preciso estar em contato. Comunicar-se é preciso. Ainda que as trocas

ocorridas nestes ambientes estejam em geral baseadas nas identificações mútuas, nos

interesses comuns, na formação de laços afetivos, a comunicação pode se tornar a

própria meta Castells (2006). Rheingold (1996) e Diniz (2008), da mesma forma,

afirmam que na vida online as pessoas utilizam o computador como uma forma de estar

em contato, de se comunicar. Para eles, algumas pessoas não objetivam fazer negócios

ou estudar e sim estar em contato umas com as outras, dedicando algumas horas do seu

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dia e, em alguns casos, muitas horas, para se comunicar com quem está longe ou mesmo

perto e assim saber de suas vidas, compartilhar suas experiências, pedir conselhos,

solicitar ajuda para resolver problemas, entre outros. Tem-se, muitas vezes, a impressão

de que não há nenhuma necessidade de enviar recados, mas envia-se pela simples

necessidade de se comunicar num verdadeiro exercício de sociabilidade. As

experiências afetivas são em geral alimentadas através do envio e recebimento de

recados, mensagens, imagens, vídeos etc. Observa-se nestes uma intensa demonstração

de afeto que resulta na ―elevação da auto-estima‖, no sentimento de bem-estar e de ser

querido. Como escreve Perez (2007, p. 20):

O espaço virtual tem o poder de aproximar pessoas, apesar de se encontrarem

geograficamente distantes. Essa aproximação parece legitimada a partir da

troca de conversas, nas quais os internautas expõem afinidades, trocam

elogios, sonham com o par ideal, fantasiam, intermediam sexo, suspiram ao

pensar na idealização construída e ainda obtém disso uma atividade

considerada prazerosa e de lazer.

A escrita e a auto expressão na rede

A comunicação à distância possui peculiaridades. Ela pode ser sincrônica ou

assincrônica. A sincrônica ocorre predominantemente quando os interlocutores estão

conectados ao mesmo tempo, como no Skype. Na assincrônica, apenas um está

conectado e aguarda a resposta do outro, como via de regra ocorre nos emails. Com o

avanço da nova tecnologia, atualmente dispõe-se de recursos multimídia como texto,

som, imagem e vídeo, mas, tradicionalmente, a comunicação mediada pelo computador

tem sido baseada na escrita. Este tipo de comunicação talvez nunca fora tão valorizado

antes do advento da internet, daí a necessidade de conseguir se expressar utilizando

basicamente a língua escrita em vez da fala. Nesta ênfase na comunicação escrita

observa-se a criação de uma linguagem particular (NICOLACI-DA-COSTA, 1998),

sendo que algumas de suas formas têm penetrado no cotidiano. De acordo com

Nicolaci-da-Costa (2002, P. 199):

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O advento dos computadores pessoais e, principalmente, da internet fez com

que novos significados fossem atribuídos a antigos vocábulos e enxurradas de

novos termos e expressões — como, por exemplo, www, rede, ciberespaço,

realidade virtual, tempo real, e-mail, listas de discussão, navegadores,

mecanismos de busca, hats, spam, windows, menus, deletar, formatar,

configurar e uma infinidade de outros — invadissem o linguajar

contemporâneo em ritmo extremamente acelerado.

Pode-se dizer que uma das peculiaridades da Comunicação Mediada pelo

Computador (CMC) é a criatividade no uso da língua. De fato, a escrita pode ser mais

ambivalente e por isso requer uma certa habilidade da parte do escritor para se fazer

entender. Como afirma Zacharias (2005, p. 10):

Quando dispomos apenas de um texto escrito, é mais difícil percebermos qual

emoção está sendo expressa pelo seu remetente. Se não dispomos de dados

suficientes, na própria escrita, que nos deem indicações a respeito, é possível

que interpretemos a frase emprestando-lhe um ―tom de voz‖ que desejarmos,

ou escolhermos, o que não necessariamente corresponde à intenção do

redator. A mesma frase pode ser ―dita‖ (ou ―lida‖) de forma agressiva,

amorosa, desesperada, cínica, etc.

A criatividade entra em cena quando surgem formas diversas de expressar ideias

e sentimentos. Segundo Silva (2005) assiste-se a inúmeras maneiras de se comunicar ao

outro nosso tom de voz, expressão facial, ritmo. Os emoticons ou smileys, por exemplo,

costumam ser usados para expressar emoções nem sempre tão fáceis de serem expressas

por meio de palavras escritas, assim como para transmitir expressões faciais que não

podem ser percebidas pelo interlocutor. Trata-se do ―internetês‖. Uma de suas

características é facilitar a comunicação não verbal seja através da utilização de imagens

seja através de atitudes como, por exemplo, o ato de ―curtir‖ determinada postagem ou

opinião. Assim, é possível expressar o pensamento sem precisar escrever e sem precisar

usar imagens, basta ter um ato, ―curtir‖, e já fica claro o que se pensa acerca de algo.

Aprova-se ou desaprova-se pessoas e fatos sem precisar discorrer sobre tal como, por

exemplo, os casos de violência simbólica. É possível praticá-la através do discurso em

sites de rede social como o Facebook. Posta-se uma opinião e logo agrega-se a ela

diversos ―curtir‖, colocando a vítima da violência numa situação de constrangimento e

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exposição provocada por uma poderosa arma de exposição muito mais rápida que a

tradicional fofoca (RECUERO e SOARES, 2013).

Outra vantagem, além de facilitar a auto expressão, é a rapidez. Falar é mais

rápido do que escrever, por isso são comuns as abreviaturas: vc (você), blz (beleza), abc

(abraço), tdb (tudo de bom), bj (beijo), t+ (até mais) e assim por diante, com o objetivo

de agilizar a escrita. Estes recursos são bastante utilizados em conversas online e

constituem parte do conjunto de expressões que um usuário frequente precisa aprender

para facilitar sua comunicação.

O ciberespaço, portanto, constitui-se um espaço rico para perceber a dinâmica da

língua, sua plasticidade e a variedade de recursos que ela oferece para a expressão de

sentidos. Pode-se, por exemplo, gritar com alguém usando ―!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!‖, já que

a escrita não oferece o som. Pode-se rir de diversas formas, e cada uma delas nos parece

como uma risada de diferente, exatamente como ocorre na língua oral: ―Rsrsrsrsrsrs‖ ou

―Kkkkkkkkkkkkkk‖, causando no interlocutor sensações semelhantes às que ele estaria

tendo se estivesse face a face com a pessoa. A fim de otimizar a conversa, os

interlocutores fazem uso intensivo destes recursos da língua escrita a fim de reproduzir

o mais fielmente possível suas emoções e seus pensamentos, como numa tentativa de

superar as limitações da comunicação à distância. E os chats são alguns dos espaços de

conversas online mais utilizados. São ―espaços construídos a partir da Internet, com o

objetivo de reunir usuários em torno de assuntos de comum interesse‖ (MAIORINO,

2002, p. 29). Os chats associados ao FaceBook, por exemplo, têm se constituído

alternativas interessantes para os que apreciem este tipo de interação.

A escrita e a reflexão acerca de si na rede

A rapidez e a praticidade da comunicação mediada pelo computador levaram as

pessoas a usarem frequentemente a escrita a fim de se comunicar. Ela tem se estendido

não apenas à troca de informações com um interlocutor tal como acontece nos chats ou

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nos sites de relacionamento, mas também à auto exposição, à escrita acerca de si como

ocorre nos blogs, o que tem alcançado proporções nunca antes dimensionadas. Os

usuários das redes sociais tendem a se expor frequentemente. Expõe-se pensamentos,

sentimentos, experiências de vida, expõe-se até o prato bonito que foi servido na mesa

do restaurante. Em cada um destes gestos se percebe a necessidade de tornar público as

experiências pessoais, mesmo as mais corriqueiras. O privado tem se tornado cada vez

mais público e isto não seria só mais uma manifestação da tendência pós-moderna de

proporcionar a cada um os seus 15 minutos de fama, ou uma variação simplificada do

Grande Irmão ou Big Brother. Como afirma Bauman (2001, p. 49): ―Não é mais

verdade que o ‗público‘ tente colonizar o ‗privado‘. O que se dá é o contrário: é o

privado que coloniza o espaço público [...] o espaço público é onde se faz a confissão

dos segredos e intimidades privadas‖. Trata-se também de uma necessidade de refletir

sobre si, de elaborar e reelaborar conteúdos internos, identificando e retocando a auto

imagem, escrevendo e olhando depois, como num espelho, para se reconhecer. Escreve-

se para ver o que os outros ―dirão‖, escreve-se para ―causar‖, para receber o feedback,

escreve-se mesmo já com a expectativa de receber determinados comentários, seja de

afago, seja de repulsa, seja de concordância seja de discordância.

Através da escrita nas redes sociais, passamos a enxergar melhor o que se passa

com nossos contatos, pois eles estão frequentemente postando comentários, revelando

suas disposições de humor, suas atitudes, seus afazeres, como num diário no qual se

conversa consigo, compreendendo-se melhor, só que desta vez em público. Esta auto

expressão, portanto, constitui-se um exercício de identificação, um exercício no qual o

outro ocupa lugar fundamental, pois é aquele que nos confirma, fazendo-nos enxergar a

nós próprios por prismas diferentes, descobrindo e construindo nuances, tecendo

maneiras de ser, de expressar, de reagir, de acolher ou repudiar, as quais não

costumávamos perceber. Nicolaci-da-Costa (1998, p. 223) escreve: ―Ao nos revelarmos

para o outro, estamos, também, nos revelando para nós mesmos. E, ao observarmos,

nesse outro, as reações àquilo que revelamos ser, somos informados do quanto vale

aquilo que somos‖. A expressão de si talvez seja um dos pontos marcantes das

influências da informática sobre o íntimo. A internet oferece diversas ferramentas que

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possibilitam ao usuário deparar-se consigo, olhar-se através de vários ângulos. Para

Carvalho (2000, p. 131): ―Essa interação entre humanos e computadores resulta em uma

produção de subjetividade, que é multiplicidade por excelência, emerge como indivíduo

e como coletivo, expressa-se no humano e na máquina‖. De acordo com Nicolaci-da-

Costa (2002, p.193), há uma estreita relação entre tecnologia e subjetivação:

[...] embora seja fácil detectar que novas tecnologias têm o poder de alterar

nossos hábitos e nossas formas de agir, é bem mais difícil registrar que

algumas tecnologias também podem alterar radicalmente nossos modos de

ser (como pensamos, como percebemos e organizamos o mundo externo e

interno, como nos relacionamos com os outros e com nós mesmos, como

sentimos, etc).

Tem-se também uma facilidade para ser sincero, pois a língua escrita, uma vez

que dispensa a necessidade do olho no olho, diminui a pressão gerada pela

autenticidade. As reações contam com um tempo para respirar, escolher as palavras e

tentar mais facilmente dissimular emoções que talvez não passassem despercebidas num

contato face a face (DINIZ, 2008). As emoções são mais susceptíveis de serem

controladas quando a comunicação tem por base apenas a escrita. Os emissores de

mensagem selecionam e expressam comportamentos comunicativos avaliados como

mais desejáveis para conseguir metas sociais, e isto pode ser útil na hora de expressar

tanto desagrados quanto contentamentos. Esta facilidade, se por um lado dá mais

coragem para expressar-se com aqueles que fazem parte do círculo de amigos

conhecidos, por outro encoraja ainda mais os usuários que optam pelo anonimato.

Segundo Diniz (2008), o anonimato possui implicações como o sentimento de

liberdade com relação à auto expressão. Longe dos olhos do outro, pode-se mostrar

nuances que não se mostraria de outra forma com a mesma facilidade. De acordo com

Nicolaci-da-Costa (1998, p. 229) no ―mundo ‗virtual‘, onde podemos ser anônimos e

nos locomover de um lado para o outro, com facilidade e rapidez, em busca daqueles

com quem possamos entrar em sintonia, tudo se torna mais fácil‖. Anônimos podem se

sentir mais livres para agir de forma genuína sem se preocupar tanto com o que os

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outros vão pensar. Se ocorrer um problema sempre haverá como fechar uma janela ou

excluir um contato.

A comunicação ocorrida no ambiente virtual permite ainda a vivência de papéis

no sentido de atuar, revestir-se de uma atitude, de modos, de comportamentos não

usuais. De acordo com Dias e De La Taille (2004, p. 191): ―A proteção do anonimato

oferecida por este tipo de comunicação permite ainda a experimentação de papéis e a

realização ‗virtual‘ de fantasias que não seriam admissíveis ou possíveis para a maioria

das pessoas na vida real [...]‖. Um arquiteto pode agir como uma colegial, uma idosa

como um jovem escoteiro, um adolescente como um homem de 40 anos. Envolvido

pelo ambiente virtual, o internauta pode dar asas à imaginação, criar personagens que

lhe pareçam interessantes e vivenciá-los de tal forma que para quem está do outro lado

pareça autêntico, sendo os perfis fakes, nestes casos, frequentemente utilizados.

Considerações finais

Interessante é perceber que, se por um lado as redes sociais aproximam, por

outro afastam. Parece que tudo depende do referencial. Tomemos por exemplo uma

cena muito comum nos dias de hoje: um grupo de amigos reunidos num bar, sendo que

cada um possui em mãos o seu celular e interage nas redes sociais. Eles alternam sua

atenção, portanto, entre os amigos que estão presentes à mesa e os amigos que estão

conectados pela internet. Num primeiro olhar, parece fácil perceber que esta tecnologia

se por um lado ajuda a aproximar os que estão distantes, ajuda a afastar os que estão

próximos. É claro que isto depende não apenas da ferramenta em si, mas do uso que se

faz dela, daí a necessidade de educar para a sua adequada utilização. Da mesma forma

que não se deve deixar que o celular atrapalhe uma reunião em um auditório, deve-se

atentar para os incômodos que o uso inconveniente do WhatsApp ou do FaceBook, por

exemplo, podem provocar nos encontros sociais. Trata-se, portanto, de bom senso. Mas

mesmo isto dependeria das disposições dos próprios usuários, não se pode considerar

tais situações como sendo necessariamente incômodas, pois pode ser que os presentes

não se importem, de maneira nenhuma, com esta divisão da atenção e convivam

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harmoniosamente com seus contatos online e seus contatos off-line. Tendência

comportamental do mundo pós moderno?

De qualquer forma, vemos claramente que as novas tecnologias têm

intensificado o hábito de escrever de maneira geral, e de escrever sobre si de maneira

particular. Observa-se mesmo uma certa preferência pela escrita. No caso do WhatsApp,

por exemplo, em meu círculo de amizades tenho percebido uma tendência a escrever

aquilo que se poderia comunicar oralmente em uma ligação telefônica. O advento dos

celulares intensificou a utilização da escrita para a comunicação móvel a qual passou a

ser ainda mais utilizada com o surgimento de aplicativos como o WhatsApp, os quais

tornaram esta opção mais interessante ao disponibilizar uma interface mais completa ao

disponibilizar recursos audiovisuais e maior interatividade aos seus usuários. Segundo

Matos-Silva, Abreu e Nicolaci-da-Costa (2012, p. 219): ―A possibilidade de publicar

textos, fotos, vídeos e outros tipos de conteúdo, gerou ambientes que favorecem a união

de pessoas‖.

Enfim, com esta intensificação da utilização da escrita no cotidiano dos usuários

da rede, pode-se esperar um exercício da habilidade de se expressar, de forma bastante

peculiar, e da construção de sujeitos que se pensam, solicitam-se mutuamente,

retroalimentam-se e reforçam os laços de sociabilidade.

Referências

ARAÚJO, Y. R. G. Telepresença: interação e interfaces. São Paulo: EDUC/Fapesp,

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