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HERCULES MOREIRA A ESPECIFICIDADE DO JUÍZO ESTÉTICO DE GOSTO EM KANT Monografia de Conclusão do Curso de Filosofia da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI - Campus de Erechim- RS. Orientador: Prof. Ms. Ediovani Gaboardi

A ESPECIFICIDADE DO JUÍZO ESTÉTICO DE GOSTO EM KANT

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Sobre a possibilidade de um ajuizamento universal sobre o belo. Se podemos conceber o juízo como um princípio estético igual a todos que o provem.

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UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSES

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HERCULES MOREIRA

A ESPECIFICIDADE DO JUZO ESTTICO DE GOSTO EM KANT

Monografia de Concluso do Curso de Filosofia da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Misses URI - Campus de Erechim-RS.Orientador: Prof. Ms. Ediovani Gaboardi

Erechim, novembro de 2004

Sumrio1 INTRODUO32 A RELAO ENTRE ARTE E CONCEITO ANTES DE KANT8122.2 A RELAO ENTRE ARTE E CONCEITO EM PLATO

152.3 A RELAO ENTRE ARTE E CONCEITO EM ARISTTELES

183 O LUGAR SISTEMTICO DA CFJ

3.1 O CETICISMO DE HUME19233.2 A CRTICA DA RAZO PURA

343.3 A CRTICA DA RAZO PRTICA

3.4 A CRTICA DA FACULDADE DO JUZO39414 A ESPECIFICIDADE DO JUZO DE GOSTO NA CFJ

414.1 O JUZO DE GOSTO QUANTO QUALIDADE

454.1.1 Interesse no agradvel

474.1.2 Interesse no bom

504.1.3 Diferenciao do interesse sobre bom e agradvel em relao ao belo

534.2 QUANTO QUANTIDADE

554.2.1 A universalidade dos juzos de gosto segundo o interesse

564.2.2 A universalidade subjetiva do juzo de gosto

604.2.3 A universalidade segundo a quantidade lgica e esttica

654.2.4 A universalidade subjetiva do juzo de gosto sobre o belo

5 CONCLUSO6974REFERNCIAS

1 INTRODUO

Ao longo de toda histria humana a arte sempre teve um grande valor para as mais diferentes culturas que sempre expressaram seu modo de ser, de pensar e de devoo ao desconhecido ou a uma expressiva interiorizao que se tornou incompreensvel e que questionou os valores da prpria arte. A tendncia atribuio de valores exatos a todas as coisas que se mostrou mais fortemente no racionalismo, momento da histria qual Immanuel Kant se insere, mostrou a total adequao quantificao e explicao de modo racional a todos os acontecimentos que se sucedem. Isso implica que, uma obra de arte no foge ao crivo desse julgamento. Desse modo a tendncia olhar para a arte de uma forma puramente interessada por suas razes ou qualidades que sempre esto como que, baseadas em conceitos que se tornaram inerentes a tudo que se chama, arte. A beleza artstica est em seu prprio fundamento racional que atravs de atributos intrnsecos ao conhecimento ou ao prprio objeto institui seu valor artstico.

Emmanuel Kant usou a razo para formular toda sua filosofia puramente analtica e foi um dos grandes pensadores de sua poca. Vale agora dizer que o Iluminismo influenciou todo pensamento durante o sculo XVIII e foi durante o Sculo das Luzes (epteto pelo qual ficou sendo conhecido o sculo XVIII) que consolidou-se a separao entre a religio e as cincias. Esse fato foi de fundamental importncia, uma vez que proporcionou ao homem a possibilidade de modificar totalmente sua forma de pensar, de agir e, portanto, de encarar o mundo. Agora, o homem no mais atribua tudo o que acontecia ao seu redor vontade divina ou a algum ente superior. Ao contrrio, sua grande preocupao era descobrir o funcionamento de todas as coisas e apenas a razo era capaz de lev-lo a tanto. Era o racionalismo, que rejeitava as formas de pensar acomodadas medievais, todas as formas de autoridade e todas as formas de crena teocntrica. O homem era o centro do universo. Todo esse novo posicionamento do homem frente ao mundo levou a um espetacular avano cientfico.

Deve-se entender o Iluminismo como uma reao burguesa ao absolutismo. As idias iluministas procuravam solucionar os problemas concretos enfrentados pela classe recm-chegada ao poder e, ainda, fazer com que o mecanismo social funcionasse a seu favor. Para tanto, propunha-se a reorganizao da sociedade e a adoo de uma poltica centrada no homem, que lhe garantisse sua total liberdade. Encontrar a justificativa para esses pressupostos e imp-los a uma sociedade ainda influenciada pelos valores medievais era o grande objetivo do pensamento iluminista que, portanto, um pensamento burgus. Os iluministas foram extremamente bem-sucedidos em sua tarefa de reeducar a sociedade. Sua poderosa retrica, inclusive, chegou a seduzir muitos monarcas europeus (cuja existncia era, curiosamente, repudiada pelos iluministas). Ao adotar alguns preceitos iluministas em sua linha de governo, esses monarcas deram origem ao despotismo esclarecido. Foi a partir do pensamento racional fundamentado pelos iluministas que as sociedades contemporneas evoluram e assentaram suas bases.

Com base nisso podemos comear a argumentar sobre o que se tratar nesse trabalho monogrfico. Ou seja, com base nesse pensamento cartesiano e influenciado pela fsica newtoniana, o mundo passou a ser compreendido de uma forma mais exata. Mas exatamente nesse ponto que Kant quebra com os conceitos concretos e postula um valor arte, no que se refere beleza, de um modo inigualvel. Kant aceita que a arte possa ter como objetivo alcanar a beleza. Ele at aceita que alguns artistas, os gnios, so capazes disso. Mas uma obra de arte sempre feita com certos objetivos, intenes. Por isso, a arte muito moldada pelos conceitos. Esse seu problema. O gnio consegue ir alm de todo conceito. Ele de alguma forma capta a espontaneidade da natureza. Kant tem em mente aqui os gnios do renascimento. Assim, em primeiro lugar o ponto de partida de Kant o sujeito que observa a arte e no o artista mesmo. Em segundo lugar, por ver como ocorre o processo de ajuizamento no sujeito observador, ele conclui que os objetos mais propensos beleza no so os artsticos, feitos j com a inteno de agradar, orientada por algum conceito, mas os objetos naturais, que so espontneos, levando as faculdades do nimo no que ele chamar de um livre jogo das faculdades do conhecimento. O que importa agora no o conhecimento que temos do objeto e nem da arte pela explicao racional, mas sim pela subjetividade humana em conceber valores de forma universal baseada na pura abstrao. Mesmo sendo ele um pensador racionalista, que teve entre seus escritos vrios tratados sobre a natureza, ou obras que se referem ao conhecimento emprico, foi justamente esse fato que o levou a estabelecer as crticas s faculdades do conhecimento. A Crtica da Razo Pura, tratou de estabelecer os alicerces a todo conhecimento humano dizendo que a formulao do conhecimento algo feito a priori a experincia e que somente serve para que ns possamos conhecer as coisas que existem. Sendo que na Crtica da Faculdade do Juzo Kant foi mais longe e possibilitou a razo, no terica, de ser a formuladora do juzo de gosto esttico. Na anlise do belo que se encontra a pura subjetividade das nossas faculdades de conhecer as coisas para estimar um comprazimento. E nesse comprazimento desinteressado pelo objeto que se encontra o juzo de gosto sobre o belo.

A especificidade de um juzo esttico que comprova beleza num objeto qualquer, seja ele postulado como arte ou no. A arte no de grande interesse para Kant. O que ele quer mostrar que o sentimento de prazer independente de qualquer conceito e que a obra que contenha esse elemento desprovida de tal nominao. Kant na verdade no est muito preocupado em como fazer uma arte melhor. Sua preocupao descobrir o que o belo. Sua concluso que o belo a rigor no pode ser fruto da arte. Veja ento que aqui a questo de beleza no coincide mais com a questo artstica.Partir-se- dos filsofos gregos, Plato e Aristteles, para ilustrar melhor a viso kantiana ou, como referncias conceituais que servem para localizar melhor o carter prprio do pensamento kantiano. Ser ento analisado num primeiro momento a questo referente arte em que se mostrar de que modo o interesse pelo objeto se formula empiricamente. Plato e Aristteles se somam para atribuir valores de modo conceitual arte. baseado nesses conceitos que o interesse se faz compreensvel. Embora Plato tambm ache que a arte no alcana a beleza, mas por outros motivos. Kant acha que o belo no coincide com o conceito. Mesmo assim, ele pretende demonstrar que a arte no capaz de chegar a esse belo. Por ironia, ele acha isso porque a arte est muito ligada ao conceito terico ou prtica. J Plato acha que o belo conceitual e a arte, que ligada aos instintos, no alcana o conceito, isto , a idia.

No captulo II onde se encontram os fundamentos em que iro se apoiar toda a argumentao seguinte sobre os juzo de gosto. Um juzo de gosto no se far compreensvel se no compreendermos o que um conhecimento a priori e como se d o funcionamento das estruturas que permitem um conhecimento objetivo. Sero analisadas as obras, Crtica da Razo Pura e Crtica da Razo Prtica, juntamente com a Crtica da faculdade do Juzo. Na primeira ser exposto de que modo se formula um conhecimento a priori experincia explicando assim a estrutura que possibilita esse conhecimento atravs de conceitos. Na segunda se dir que o a priori no provm da experincia e formulado unicamente por uma reflexo racional com seus conceitos explicando a existncia de uma moral a priori e universal. E na faculdade do juzo se mostrar em que eles se distinguem de modo a entrarmos no captulo III de forma satisfatria.

O captulo III ter em sua dinmica a explicao a especificidade do juzo de gosto sobre o belo. Aqui se encontrar as bases para o comprazimento desinteressado num juzo de gosto esttico. Tratar-se- do belo em toda sua completude para a compreenso de que ele puramente um juzo esttico que no usa conceitos e nenhuma inclinao para dotar um objeto de beleza. A diferenciao entre os juzos de gosto, a saber, agradvel, bom e belo, ser de suma importncia para a definio do interesse dos sentidos ou da razo pelo conhecimento de um objeto de arte. Depois das diferenciaes o belo ser coagido a tornar-se um juzo esttico universal por ter na sua sensao subjetiva, ou, estado de nimo causado pelas representaes no entendimento, como uma referncia universal. Este estado de nimo a parte final desse captulo que investiga se o prazer precede ou no o julgamento do objeto. Esta a questo chave para o entendimento do juzo de gosto sobre o belo. Aqui explicado em que se debrua o belo para poder ser um juzo vlido para na concluso dizer que Kant no se preocupa com a arte conceitual e no atribui beleza para o que se chama arte porque a especificidade do juzo sobre o belo kantiano por vezes um diferencial que precisa ser considerado se quisermos contemplar a arte em seu real valor artstico, o prazer. 2 A RELAO ENTRE ARTE E CONCEITO ANTES DE KANT

importante partir de uma compreenso do que geralmente atribudo noo de arte e de onde surgiram as idias e teorias que, de modo geral, a explicam, para depois, por contraposio, confront-las ao modo kantiano de significar a arte com referncia ao belo. Este captulo tratar, num primeiro momento, a forma como a arte talvez compreendida no senso comum ou na forma emprica de justificar a formao de um consenso com base em conceitos a respeito do que belo. Essa a primeira questo qual Kant se contrape, afirmando que isso nada mais serve do que para pesquisas populares de antropologia emprica (TROMBETTA, 1998, p.24). Ou seja, aqui o que se tem apenas uma tentativa de achar um mtodo ou um modo de configurar a arte segundo padres especficos, dotando-a de objetividade e, portanto, por uma razo que ser completamente exposta apenas mais adiante, no admitindo lugar para a beleza de sentido kantiano. Depois disso, Plato e Aristteles, que elaboram noes extremamente influentes com relao arte e a beleza, sero comentados a fim de compreender melhor a especificidade na posio kantiana atravs da diferena que mantm em relao posio desses autores.

2.1 A QUESTO DO PADRO EMPRICO DA BELEZA

Inicialmente, podemos ento citar o que Kant argumenta sobre o que ele pretende anunciar como belo na Crtica da faculdade do juzo.Para distinguir se algo belo ou no, referimos a representao, no pelo entendimento ao objeto com vista ao conhecimento, mas pela faculdade de imaginao (talvez ligada ao entendimento) ao sujeito e ao seu sentimento de prazer ou desprazer (1998, p.89).Numa primeira anlise, isso quer dizer que o conhecimento no pode estar conectado representao que se faz do belo, porque ele somente pode induzir a conceitos, o que seria ento uma forma de conduzir o sujeito a uma exteriorizao de sua complacncia interessada e conceitual. Assim, a arte sempre se refere a algum conceito. Ou seja, numa obra de arte, o artista j se prope a tratar de um tema especfico, e, portanto, ele sempre usar de suas capacidades intelectivas de modo a dar um sentido a obra. esse sentido que faz parecer uma mera representao ao nosso entendimento, que ento julgar e constituir um conceito prprio instrudo do conceito artstico.

Se faz necessrio uma exemplificao dessa modalidade do belo para uma melhor indicao das capacidades universais de ajuizamento sobre ele. Ento, poderamos fazer agora as seguintes perguntas:

1. Porque a obra Mona lisa de Leonardo Da Vinci bela?

2. Porque temos como que certos padres de beleza?

3. Qual o seu conceito de beleza?

Em relao Mona lisa, de Leonardo da Vinci, que dentre suas obras na pintura, merece especial destaque, por tratar-se de duas das pinturas mais conhecidas na histria da pintura mundial, a Mona Lisa (conhecida tambm como Gioconda, por tratar-se de um retrato da esposa de Zanobi del Giocondo), poderia algum ainda dizer: Eu no acho bela a obra, Mona lisa. Outros podem, ao contrrio, afirmar a sua beleza, mas a questo de fato por que ela bela? Se obtivermos respostas em relao a sua forma ou pela sua relao com a histria pelo fato dela ter se tornado uma obra famosa, temos ento somente fatos que nos foram dados pela sensibilidade e via entendimento. A obra no pode dar um comprazimento pela sua forma, ou seja, pela forma fsica, ou querer empiricamente dotar uma obra pelas suas qualidades ou quantificaes quanto s suas propores. Alguns filsofos empricos tentaram, ao qualificar a obra nas suas propores que julgam ento ideais, atribuir elementos sensveis para uma determinao da beleza. Cabe citar aqui um filsofo empirista que, com certa pretenso, quis dotar a obra de tal atribuio:Em suma, como qualidades meramente sensveis, as caractersticas da beleza so as seguintes. Em primeiro lugar, os objetos belos devem ser comparativamente pequenos. Em segundo, lisos. Em terceiro, a direo de suas partes deve variar; mas, em quarto, estas no devem ser angulosas, e sim como que fundidas umas as outras. Em quinto, sua estrutura deve ser delicada, sem qualquer aparncia evidente de fora. Em sexto, suas cores devem ser puras e luminosas, mas no muito fortes e brilhantes. Em stimo, caso sua cor seja vivida, ela deve ser compensada por outras. So essas, eu creio, as propriedades essenciais beleza, propriedades que atuam naturalmente e menos sujeitas a serem alteradas pelo capricho ou confundidas pela diversidade dos gostos (BURKE, 1993, p.124).No entanto, esse filsofo britnico, Edmund Burke, poderia apenas determinar certos padres para a anlise da obra supracitada, a saber, Mona lisa, dizendo que essa tem uma simetria nos seus traos, ou, segundo especialistas em obras de arte, poderia atribuir quais os elementos que so quase que ocultos para os leigos, que proporcionariam a validade obra de arte segundo qualificaes dela. Seno uma cpia dessa mesma obra poderia ser dotada da mesma complacncia emprica. de fato uma questo subjetiva, o que nos interessa saber nessa complacncia kantiana como essa obra pode nos proporcionar uma sensao de prazer ou desprazer sem interesse em qualquer aspecto da obra? Essa pretensa resposta veremos mais a diante quando tratarmos da determinao do belo para Kant.

Na segunda questo, sobre os padres de beleza que, todavia, variam de regio para regio, ou de cultura para cultura, intui-se um padro meramente conceitual e formal. No podemos conceber uma arte universal por meio das nossas prprias medidas, pois cada cultura tem seu prprio conceito de arte e so relativamente diferentes entre si. Em relao a essa idia, podemos citar uma passagem de Jorge Coli, no captulo Arte para ns, do livro O que arte.

s vezes lemos ou ouvimos referncias a uma obra de arte universal, que transcende o tempo e o espao; objetos que tiveram, continuam tendo e sempre tero valor artstico. Transcendentes, exteriores s culturas e ao tempo, as obras possuram como que uma essncia artstica, um valor em s, intrnseco e imanente, que lhes garantia o ser obra de arte, ser perene, uma das manifestaes superiores da natureza humana (COLI, 1997, p. 63-64).Agora veremos a aporia em relao a essa universalizao da arte na seqncia da mesma citao.

Ora, importante ter em mente que a idia de arte no prpria a todas as culturas e que a nossa possui uma maneira muito especifica de conceb-la. Quando nos referimos arte africana, quando dizemos arte Ekoi, Batshioko ou Wob, remetemos a esculturas, mscaras realizadas por tribos africanas da Nigria, Angola ou da Costa do Marfim: isto , selecionamos algumas manifestaes materiais dessas tribos e damos a elas uma denominao desconhecida dos homens que as produzem. Esses objetos, culturais no so para os Ekoi, Batshioko, Wobe, objetos de arte. Para eles, no teria sentido conserv-las em um museu, rastrear constantes estilsticas ou compor anlises formais, como ns fazemos, porque so instrumentos de culto, de rituais, de magia, de encantao. Para elas no so arte. Para ns sim (COLI, 1997, p.64).Em relao ltima questo, sobre qual o seu conceito de arte, podemos relacionar com essa citao acima, ou seja, como existem variantes na concepo artstica em diferentes culturas e em diferentes regies, tambm existem diferentes olhares de modo pessoal, ou, somos ns que enunciamos o em si da arte, aquilo que nos objetos , para ns, arte. (COLI, 1997, p.64). Cada sujeito carrega consigo sua bagagem de conhecimento e seus padres de beleza, levando em considerao que ns somente concebemos a arte pelo seu legado conceitual e formal, no existe um padro para todos os tipos de justificao artstica. Assim, como afirma Kant, h uma impossibilidade radical de conceber a universalidade artstica como consenso geral.

Cabe-nos agora estabelecer as bases de tudo que se pretende considerar como arte. Assim, deve-se fazer uma investigao na histria sobre os conceitos e fundamentos que alguns pensadores forneceram arte, para viabilizar a compreenso da contribuio de Kant fundamentao de uma beleza artstica vlida para todos, onde a arte e seu conceito objetivo so impossibilitados. Iremos analisar os primeiros tericos da arte, Plato e Aristteles, e sem querer aprofundar a anlise do pensamento desses pensadores, mencionar as idias gerais de cada um.

2.2 A RELAO ENTRE ARTE E CONCEITO EM PLATO

Plato, no livro X da Repblica, estabelece qual a sua pretenso para a arte. Essa deve ser afastada da polis porque no contm a verdade e, sobretudo, nos afasta dela. O carter mimtico o que Plato ir atacar e pretender recusar em toda sua argumentao.

Ele inicia sua argumentao tematizando a relao entre a multiplicidade e a unidade, a partir da qual afirma que efetivamente, estamos habituados a admitir uma certa idia (sempre uma s) em relao a cada grupo de coisas particulares, a que pomos o mesmo nome (PLATO, 1996, p.450).Corresponde a essa multiplicidade as coisas sensveis. Ou seja, as diversas formas de cama, por exemplo, que temos no mundo sensvel, so fundadas na idia supra-sensvel da mesma. Nesse sentido, cabe dizer que o artista apanha a aparncia da coisa, porque prprio de Plato essa manifestao da idia como a essncia de todas as coisas. A idia contm o real em sua incondicionalidade, ou seja, temos o objeto que est na natureza e a sua idia num plano transcendental. Vejamos o sentido nas palavras de Plato:

Vamos ento escolher, mais uma vez, um desses objetos, o que tu queiras. Por exemplo, este, se te aprouver: h por a muitas camas e mesas.

- Pois no!

- Mas as idias que correspondem a esses artefatos so duas: uma para cama e outra para mesa (PLATO, 1996, p.450, 451).Na citao acima fica claro ento que temos uma idia, que a essncia, e temos os objetos na natureza que seriam as cpias das idias. Sobretudo ele ainda afirmar que o artista est a trs passos da idia essencial porque ele apenas usa de uma imitao da imitao. Para explicar isso temos que conceber uma outra cpia da idia que est a priori, ento, podemos sintetizar esse argumento na seguinte forma; em primeiro lugar vem a idia pura, que podemos chamar de transcendental, essa idia criada por um ser superior (Deus), depois podemos colocar o arteso, ou aquela pessoa que faz da idia realidade material, em terceiro temos o artista que meramente copia tudo o que esses dois fizeram. Mas isso ser novamente citado e explicitado na seqncia desse item.

Plato segue comentando sobre a impossibilidade de um artfice chegar idia mesma (Essncia), ele somente a contempla e a executa na matria que se transforma em uma idia secundria, sendo a aparncia da essncia. Podemos recriar a aparncia de todas as coisas da seguinte forma. Segundo Plato, ... se quiser pegar num espelho e andar com ele por todo o lado. Em breve criars o Sol e os astros no cu, em breve a Terra, em breve a ti mesmo e aos demais seres animados, ou utenslios, as plantas e tudo mais (PLATO, 1996, p. 452).

Com relao a essa colocao temos que admitir que o artista tambm somente representa a aparncia, e o artfice da mesma forma somente faz o que no existe, porque a existncia mesma ele incapaz de reproduzir. Assim:[...] se faz o que no existe, e no pode fazer o que existe, mas simplesmente algo de semelhante ao que existe, mas que no existe, e se algum afirmasse que o produto do trabalho do marceneiro ou de qualquer outro artfice era uma realidade completa, correria ele o risco de faltar a verdade? (PLATO, 1996, p.452).Ento presume-se que a verdade est na idia que una e est fora do mundo sensvel. Nem o artfice e muito menos o artista podem fazer com que a verdadeira forma de qualquer coisa seja essencialmente conhecida. Apenas nos remetemos a suas aparncias da essncia. Plato diz que Deus o provedor dessa essncia por ser ele o criador de tudo. Quanto a uma melhor explicitao sobre a aparncia podemos seguir nesse raciocnio: se Deus o progenitor da essncia, o marceneiro ser o artfice imitador da essncia, e em seguida o pintor ser o que representa uma imitao de algo que j foi antes imitado pelo marceneiro e est assim, a trs passos da realidade. Plato confirmar o seguinte sobre a idia:

- Uma que a forma natural, e da qual diremos, segundo entendo, Deus a confeccionou. Ou que outro ser poderia faz-lo?

- Nenhum outro julgo eu.

- Outra, a que executou o marceneiro.

- Sim.

- Outra, feita pelo pintor (PLATO, 1996, p.453).Plato faz a mesma crtica a Homero, dizendo que ele est corrompendo a polis privilegiando o irracional na razo. Isto , Homero somente escreveu suas obras baseado em iluses, sendo que jamais vivenciou qualquer fato que ele prprio escrevera. E, segundo Plato, logo tambm o tragedigrafo ser assim (se na verdade um imitador) como se fosse o terceiro, depois do rei e da verdade; o bem assim todos os outros imitadores (PLATO, 1996, p.454).Depois dessa explicao, parece clara a idia de artista como imitador em terceiro grau, e cabe-nos agora somente expressar essa imitao como uma irracionalidade e determinar o que o conceito.

Plato expulsa ento a arte da polis por ser contra a razo e por isso negativa para um bom governo e uma harmonia da mesma, pois, um desequilbrio na psique pode afetar a concordncia da razo com os princpios e leis que devem garantir o equilbrio da democracia em relao ao povo, e vice-versa. Toda a arte e a poesia em especial no contribuiriam para a formao de um bom cidado.

Enfim, se a arte negativa, o conceito puro (que a fonte ltima indireta na qual se baseia o artfice para criar uma obra de arte) que a idia, parece ser a mais positiva possvel. Porm, a arte somente usa esses conceitos primeiros j distorcidos pela representao mimtica (do arteso) que o nico modo que esse artfice tem de represent-la, havendo assim um desvio da razo pela emoo evocada na arte. O belo est na idia primeira e o seu conceito puro jamais poder ser clarificado numa obra de arte. Portanto, a obra de arte no tem beleza, porque est longe da realidade e constituda de conceitos impuros. A beleza estaria na idia supra-sensvel.

2.3 A RELAO ENTRE ARTE E CONCEITO EM ARISTTELES

Aristteles, ao contrrio de Plato, considera a obra de arte sem outra finalidade seno a busca de uma beleza que desperte prazer e tem um carter positivo na vida do cidado que vive na polis. A obra de arte une o sensvel e o essencial (verdade) sendo, portanto de carter positivo, ou seja, seu conceito pode ser positivamente genuno em relao ao objeto mesmo. Podemos, antes de entrar numa explanao maior desse autor, afirmar que ele encontra-se em contraposio a Plato. Pode-se verificar isso j quando ele trata o feio como algo vlido.

Toda esttica de origem grega tinha a sua arte marcada na beleza, o seu inverso somente servia para validar o que era repudiado na beleza, ou seja, o feio era todo o contrrio do belo que, em Plato, no participava de sua idia de belo ideal. Mas, Aristteles, quando expulsou a realidade daquele mundo ideal platnico, passou a fixar seu interesse nas coisas empricas e passa a tratar o feio como uma existncia em si. Ele ento admite a existncia de seres feios na realidade e d um sentido bem especial ao que se presume feio. Aristteles coloca o feio como concebvel de um comprazimento, ou seja, o feio passa a ser arte quando imitada em obras como, pinturas, esculturas e na poesia. uma forma realmente inusitada de conceber a arte, pois o feio sempre foi repudiado como no sendo um objeto artstico. Podemos ento expressar essa idia na prpria obra de Aristteles, a saber, a potica:

Mesmo as coisas que na natureza no poderiam olhar sem asco, se as vemos em sua reproduo artstica e particularmente quando essas reprodues so o mais realistas possvel, elas nos do prazer, como por exemplo os corpos dos mais repugnantes animais ou cadveres (VAZQUEZ, 1999, p.218).Aqui podemos fazer meno ao que veremos em Kant como uma impossibilidade, ou seja, toda a obra, tanto em Aristteles como em Plato, sempre digna de conceitos. Se refere-se obra pela sensao e tem-se como um fato conceitual a designao de feio, no se pode admitir que se teve um juzo de gosto autntico.

Aristteles concebeu maior importncia s obras de artes escritas (literria), referindo-se a Homero, aos lricos e aos trgicos, estabelecendo assim os princpios dos gneros literrios, a saber; pico, lrico e dramtico. Diferentemente de Plato, ele observou as caractersticas da arte e suas qualidades e procurou saber em que consistia um fato literrio, sem querer demonstrar como a arte deveria ser, como fez Plato. Podemos ento mencionar que Plato, que seguia um mtodo de raciocnio normativo e dedutivo, tinha carter dialtico; e Aristteles era analtico, porque seu mtodo ontolgico e indutivo.

Para Aristteles, a diferenciao entre um pintor e um poeta est no meio utilizado por ambos para fazer sua imitao, um usa a cor e a forma e o outro das palavras para expressar toda sua potencialidade. Como ele afirma,

[...] pois tal como h os que imitam muitas coisas, exprimindo-se com as cores e figuras (por arte ou por costume), assim acontece nas sobreditas artes: (artes literrias) na verdade, todas elas imitam com o ritmo, a linguagem e a harmonia, usando esses elementos separada ou juntamente (ARISTTELES, 1998, p.103).A imitao, portanto, tem agora um carter positivo, o artista age de acordo com a lei da probabilidade, ou com uma realidade possvel ou uma verdade ideal. Nesse sentido, podemos dizer que os imitadores podem representar homens melhores, piores ou iguais a ns e gerar dessa forma a Catarsis, ou seja, a purificao dos sentimentos despertada na tragdia pelo temor ou piedade que sentimos na representao, pode elevar nossas virtudes e despertar um apelo moral. A moral da histria tende a afetar nossos sentimentos e nos faz refletir sobre a ao cometida, seja por ns ou pelos governantes que so satirizados nos seus atos e isso purifica as virtudes nos homens. A partir disso podemos citar:Mas como os imitadores imitam homens que praticam algumas aes, e estes, necessariamente, so indivduos de elevada ou de baixa ndole (porque a variedade dos caracteres s se encontra nestas diferenas [e, quanto a carter, todos os homens se distinguem pelo vcio ou pela virtude]), necessariamente tambm suceder que os poetas imitam homens melhores, piores ou iguais a ns [...] (ARISTTELES, 1998, p.105).A arte, ento, tem um valor positivo, podendo elevar as virtudes dos homens pela catarsis, e o conceito est mais exatamente na sua forma, pois Aristteles define o objeto como algo que est em potncia em relao ao ato, ou seja, todo objeto de arte antes de s-lo, j continha em si a potncia, ou a capacidade de virar uma obra de arte, somente pela transformao do homem obra vira ato, ou, uma possvel obra de arte.

3 O LUGAR SISTEMTICO DA CFJ de grande importncia uma distino entre as trs formas em que Kant concebe o a priori nas trs crticas, visando no unificar os mesmos, mas relatar as diferenas bsicas entre eles. Essa parte do trabalho um passo importante para justificar o modo de deduo no que se refere ao belo, na CFJ, pois, como veremos, Kant tambm faz uma separao entre o agradvel, o bom e o belo, a fim de determinar a possibilidade de um julgamento a priori sem interesse e sem conceitos ao belo, e assim podermos analisar com mais clareza o que Kant determina como um juzo esttico subjetivo. prprio da filosofia de Kant estabelecer o a priori para pensar a possibilidade de um momento puro do uso da razo, e a isso devemos um esforo de nossa prpria faculdade de pensar sobre esse momento nico na filosofia e com alguma pretenso, justificar a necessidade desse modo distinto de conceber o conhecimento, a moral e a possibilidade de um ajuizamento universal sobre o juzo de gosto para entendermos como a arte desprovida de conceitos objetivos. Como veremos a seguir, as crticas que Kant estabelece esto fundadas em seu modo apriorstico com fundamentaes diferenciadas em cada obra. Na CRP, trataremos das seguintes partes, a saber, a esttica transcendental a analtica transcendental; sendo que, na esttica transcendental, ele investiga os princpios apriorsticos da sensibilidade, passando pela induo, que intui um objeto pela sensibilidade ao entendimento, e esses objetos do conhecimento sensvel necessitam ser conceitualizados pelo entendimento que tratado na segunda parte da obra, a saber, a analtica transcendental. Todo conhecimento assim precisa passar pelo vis da sensibilidade e chegar ao conhecimento ltimo pelas categorias do entendimento, mas a isso se soma que, o a priori nesta anlise est alm do mero conhecimento emprico sendo formulado por juzos sintticos a priori, ou um conhecimento puro que independe de sua experincia, caso contrrio seria a posteriori. No que se trata dessa investigao sobre o entendimento se faz necessrio, ao menos, explicitar sem maior pretenso, as investigaes de Hume, que foi o ponto de partida para a filosofia crtica de Kant no que diz respeito ao conhecimento e tambm moral. Podemos atravs dessa anlise, propor uma melhor explicitao na argumentao sobre o a priori para a compreenso do que se referir ao ajuizamento sobre o belo. entendendo em que se firma toda a filosofia Kantiana que podemos nos preparar para a sua crtica, por mim citada, a mais subjetiva de todas e a que mais exige esforo no sentido de contemplar toda sua argumentao, neste caso, terica.

3.1 O CETICISMO DE HUME

Na seo 4 sobre as dvidas cticas sobre as operaes do entendimento, Hume argumenta sobre as questes de fato e as relaes de idias. Todos os objetos da razo ou investigao humanas podem ser naturalmente divididos em dois tipos, a saber, relaes de idias e questes de fato (HUME, 1998, p.43).Em se tratando das relaes de idias, Hume afirma que ... so as cincias da geometria, lgebra e aritmtica, e, em suma, toda afirmao que instituda ou demonstrativamente certa (HUME, 1998, p.43). E, na seqncia, ele conclui: Proposies deste tipo podem ser descobertas pela simples operao do pensamento, independentemente do que possa existir em qualquer parte do universo (HUME, 1998, p.43).

Nesse sentido, Hume distingue as relaes de idias e as questes de fato, sendo que as questes de fato, pressupostas jamais podem implicar em contradio e sempre devem ter sua prpria confirmao na realidade. A questo aqui est posta entre o sentido da percepo e o fato em si, justamente como ele ocorre na natureza. A mente concebe com a mesma clareza o que seria uma mera oposio questo de fato, questo de fato mesmo. Vejamos a argumentao de Hume. O contrrio de toda questo de fato parece sendo possvel, porque no pode jamais implicar contradio e a mente o concebe com a mesma facilidade e clareza, como algo perfeitamente ajustvel realidade (HUME, 1998, p.44).

Com isso, podemos verificar que ele aceita a idia de um contrrio, mas que no caia em contradio com o fato mesmo, ou seja, que o sol no nascer amanh no uma proposio menos aceitvel de que ele nascer; e seria vo, portanto, querer demonstrar sua falsidade (HUME, 1998, p.44).Uma de suas investigaes est fundada no ataque razo metafsica, quer dizer; da impossibilidade de ser constatada empiricamente, colocando a experincia sensvel como ponto inquestionvel ao conhecimento humano. somente pela experincia, e aqui cabe ressaltar que se trata de uma experincia meramente emprica, que podemos perceber a existncia e o suceder dos acontecimentos, no sendo possvel ter como base o raciocnio formal para a deduo e analogias que fazemos em relao aos efeitos de causas semelhantes nas questes de fato. Os sentidos nos fornecem, portanto, toda possibilidade no conhecimento humeano. Nesse sentido cita-se uma passagem de Hume:

[...] quando um homem no pode, por algum defeito orgnico, experimentar sensaes de uma certa espcie, sempre verificamos que ele igualmente incapaz de formar as idias correspondentes. Um cego no pode ter noo das cores, nem um surdo dos sons. Restitua-se a qualquer um deles o sentido em que deficiente e, ao se abrir esse novo canal de entrada para suas sensaes, tambm se estar abrindo um canal para as idias, e ele no ter dificuldade para conceber os objetos (HUME, 1998, p.26). Em Hume, a experincia a fonte de tudo que ns temos na nossa mente, sendo impossvel o raciocnio a priori, porque ele no pode garantir a falsidade de um contrrio de uma questo de fato ou raciocnio moral. Uma questo de fato sempre possvel desde que seja inteligvel, ou seja, compreensvel. As relaes de idias se baseiam em conceitos criados pelo homem e no podem ser contraditrias, sempre devem ter como base a experincia. Em Hume, seria impossvel saber uma coisa antes que ela acontea de fato e tambm da mesma forma impossvel ir alm dos testemunhos presente dos sentidos e registros de memria. Isso demonstra que uma experincia jamais poderia ser autntica sem antes passar pelos sentidos ou ser resgatada na memria. Nesse sentido Hume argumenta:

Tambm se admite prontamente, no caso de fenmenos que mostram pouca analogia com o curso ordinrio da natureza, que eles s podem ser conhecidos por meio da experincia, e ningum imagina que a exploso da plvora ou a atrao do magneto pudessem jamais ter sido descobertas por argumentaes a priori (HUME, 1998, p.46). importante citar que, em Hume, o pensar e o sentir esto ligados porque nunca estamos apenas pensando ou, apenas sentindo, mas sempre fazendo os dois ao mesmo tempo num processo mtuo. Estamos sempre associando idias por causa e efeito, no espao e tempo, de modo que ao ver algo (no presente), que nos similar, ligamos a experincia passada que tivemos com esse objeto (memria), e supomos que o futuro irremediavelmente criado pelo passado. O erro est em pensar alm do presente e da memria, esse erro est ligado ao que ele chama de operao da alma:

Em resumo: se no partimos de algum fato, presente a memria ou aos sentidos, nossos raciocnios sero puramente hipotticos, e por melhor que os elos individuais pudessem estar conectados uns aos outros, a cadeia de inferncias, como um todo, nada teria que lhe desse sustentao, e jamais poderamos, por meio dela, chegar ao conhecimento da existncia efetiva de qualquer coisa (HUME, 1998, p.68). importante frisar a questo que se refere crena na filosofia de Hume, que seria um forte sentimento involuntrio que nos faz preferir uma hiptese a outra, durante a conexo causal dos acontecimentos. Mas na construo dos juzos que podemos notar a diferena primordial entre os filsofos. Para Hume necessrio ver somente a sucesso de fatos e tem os juzos sintticos como a posteriori, ou seja, se d diante experincias empricas observadas e amplia assim factualmente o nosso conhecimento, sendo que, os juzos analticos se do por anlise de uma premissa maior na qual j esto previamente as concluses a que podemos chegar. Ento os juzos sintticos so a posteriori (necessitam experincia) e os analticos so a priori onde, a premissa est contida no sujeito. Podemos clarear essa explicao com um exemplo silogstico:

Premissa Maior - Todos os homens (M) so mortais (T) | M - T | Premissa Menor - Scrates (t) homem (M) | t - M| Concluso - Logo, Scrates (t) mortal (T) | t - T |A premissa maior em que: Todos os homens so mortais; aparece como um juzo sinttico a posteriori, pois, para saber que todos os homens so mortais, devo me basear na experincia e tal aumenta de fato meu conhecimento. A concluso: Scrates mortal; que um juzo analtico a priori, j estava contida anteriormente na premissa maior. baseado nesse argumento que Hume desperta o interesse de Kant no sentido de que, se os juzos analticos a priori no aumentam de fato nosso conhecimento, e se juzos sintticos, que factualmente aumentam o nosso conhecimento so, a posteriori, isto , baseados na experincia, e como no vemos na experincia nada a que possamos chamar de causa ou efeito, vivemos apoiados em crenas, sem uma base segura para o nosso conhecimento.

Kant precisa para afirmar a possibilidade de um conhecimento autntico a existncia de juzos sintticos a priori, os quais aumentam factualmente nosso conhecimento, mas no estariam sujeitos a serem observados ou comprovados pela experincia emprica. Eles se fundamentam por si mesmos. Na afirmao de juzos sintticos a priori, Kant argumenta que a possibilidade dos mesmos se d, por ser o tempo e o espao oriundos de nossa intuio pura sensvel (a priori), no estando presente no mundo fsico, estando, entretanto, como fundamentao da nossa capacidade de conhecer, sendo os mesmos colocados por ns no mundo no ato de conhecimento. No captamos o mundo tal qual ele , mas sim na forma que ns nos apercebemos do mesmo, sendo assim, no vemos o mundo como nmeno, pois s nos possvel captarmos o fenmeno. Em decorrncia de nossa capacidade cognitiva e cognoscente, nunca captamos as coisas e objetos tais como eles so realmente, a isto s podemos pensar ou nomear. O nmeno somente pode ser por ns pensado e jamais percebido factualmente. Podemos distinguir em Kant um duplo conceito do objeto que se refere ao phaenomena, e ao nmena. Os primeiros so objetos de todo conhecimento possvel, e o segundo diz respeito a coisa em si, ou, puramente pensado e no est de nenhuma forma na nossa intuio.

Agora trataremos, sem nenhuma pretenso de aprofund-los, dos momentos das crticas em separado para demonstrar os pontos chaves da argumentao kantiana a respeito do a priorismo para posteriormente adentrar na determinao do belo em que Kant pretende expor uma universalidade a esse juzo de gosto para justificar a arte como no relacionada ao conceito. Pretende-se, com isso, demonstrar que a arte est separada do conceito e contm em si uma maior possibilidade de arte desinteressada se for conduzida pelo juzo de gosto sobre o belo, porque nela no pode haver a conceitualizao que uma obra de arte criada pelo homem demonstra ter. 3.2 A CRTICA DA RAZO PURA

Tomando como base o juzo de gosto esttico (do belo), com vista ao que Kant atribui como a priori, poder-se-, ento, chegar a uma compreenso de como o belo est desvinculado da arte. Para Kant atravs de uma simples reflexo que podemos chegar a um valor esttico de beleza, diferentemente do conhecimento a priori da CRP, que atribui conceitos na razo. Vamos tratar nesse item do que Kant prope como a priori para o conhecimento e atravs do qual poderemos fazer uma diferenciao de sua terceira crtica; CFJ, a fim de chegar a uma melhor compreenso do tema desse trabalho, a saber; a especificidade do juzo esttico na arte.

Kant, como Hume, concebe a importncia da experincia como fundamento de tudo que podemos conhecer como objetos do conhecimento ao qual temos acesso atravs de nossa sensibilidade. O que diferencia, entretanto tais filsofos a maneira que eles compreendem o significado do que conhecimento a priori. Hume compreende a sucesso de fatos empricos como um postulado do conhecimento em que a fundamentao a priori j est contida na premissa anterior, ou seja, a concluso de uma experincia expe somente o fato da prpria experincia. A anlise da experincia expe a determinao da mesma e no h nada fora dela como uma construo subjetiva, o que Kant vem a revelar. Se em Hume o fato conclusivo da experincia advm de algo que j estava contido nela e somente foi revelado na sucesso dos fatos por anlise dos mesmos, Kant diz que na subjetividade de algo puramente pensado que a experincia tem sua base e que somente a intuio sensvel insuficiente para a determinao cientfica. Quer dizer, o conhecimento passa a ser pelos juzos sintticos que so a priori a sensibilidade.

Para compreendermos melhor esse significado partimos do que conhecimento emprico e conhecimento puro. O primeiro reduz-se aos dados que so fornecidos pelas experincias sensveis e de fato determinado pela sensibilidade sem a qual seria impossvel chegarmos a qualquer conhecimento dos objetos. E o conhecimento puro determinado pelas categorias do entendimento que devem ser a priori e dotados de conceitos que provm de uma organizao dos dados sensveis sintetizados. Nesse sentido Kant afirma que:

No resta dvida de que todo o nosso conhecimento comea pela experincia. Efectivamente, que outra coisa poderia despertar e por em ao a nossa capacidade de conhecer seno os objetos que afectam os sentidos e que, por um lado, originam por si mesmos as representaes e, por outro lado, pem em movimento a nossa faculdade intelectual e levam-na a compar-las, lig-las ou separ-las, transformando assim a matria bruta das impresses sensveis num conhecimento que se denomina experincia? (KANT, 1997, p.36).Aqui Kant j deixa em aberto a questo da sensibilidade como insuficiente ao conhecimento, tendo ele que passar pelas categorias do entendimento e pela formulao mediante sntese de uma deduo das intuies sensveis que sozinhas so insuficientes para um conhecimento pela experincia. Observamos esse argumento numa passagem das CRP:

Se, porm, todo o conhecimento se inicia com a experincia, isso no prova que todo ele derive da experincia. Pois bem poderia o nosso prprio conhecimento por experincia ser um composto do que recebemos atravs das impresses sensveis e daquilo que a nossa prpria capacidade de conhecer (apenas posta em ao por impresses sensveis) produz por si mesmas, acrscimo esse que no distinguimos dessa | matria prima, enquanto a nossa ateno no despertar por um longo exerccio que nos torne aptos a separ-las (KANT, 1997, p.36).Nessa citao supracitada, deixa-se claro que preciso a separao pelo entendimento do que captado pelos sentidos. No teria fundamento aceitar que as coisas nelas mesmas poderiam gerar tal complexidade dos fatos sem uma enrgica construo via intelecto do que Kant chama de deduo transcendental. O conhecimento puro seria ento o que independe de toda experincia, o que puramente pensado e no necessita ser comprovado via fatos empricos. A isso se soma que, se o conhecimento depende da experincia e, segundo Kant insuficiente e necessita das dedues a priori via entendimento, o conhecimento puro a comprovao de que possvel haver algo fora da experincia e de uma forma lgica ser perfeitamente concebvel. A exemplificao disso pode ser notada nessa proposio: A linha reta a distncia mais curta entre dois pontos, aqui se afirma que deve haver universalidade e necessidade em que, qualquer linha reta a distncia mais curta em entre dois pontos e em qualquer condio ela necessariamente mais curta afirmando assim que isso uma forma lgica que no necessita da experincia.

Como a nossa pretenso demonstrar o a priori dentro dessa primeira crtica kantiana, para a posteriori termos um ajuizamento do belo e por assim possibilitar o entendimento da arte como subjetividade, entraremos numa pequena anlise do que trata a primeira parte na CRP, a saber; Esttica Transcendental onde feito a investigao dos princpios apriorstico da sensibilidade. Nessa parte da obra importante ressaltar que no se trata de uma teoria sobre o belo, mas sim sobre uma teoria da sensibilidade. Kant denomina transcendental todo o conhecimento que em geral se ocupa no tanto com objetos, mas com o modo de conhec-los de modo que esse conhecimento seja possvel a priori.

Designo por esttica transcendental uma cincia de todos os princpios da sensibilidade a priori. Tem que haver, pois, uma tal cincia, que constitui a primeira parte da teoria transcendental dos elementos, em contraposio que contm os princpios do pensamento puro e que se denominar lgica transcendental (KANT, 1997, p.62).Nessa passagem Kant afirma que deve haver uma cincia que constitua o modo de se apreender a priori pela sensibilidade. A existncia de uma teoria dos princpios a priori da sensibilidade o que vamos tentar consumar nessa passagem seguinte, em que Kant coloca os passos para que seja possvel uma transcendentalidade na sensibilidade:

Na esttica transcendental, por conseguinte, isolaremos primeiramente a sensibilidade, abstraindo de tudo o que o entendimento pensa com seus conceitos, para que apenas reste intuio empricas. Em segundo lugar, apartaremos ainda desta intuio tudo o que pertence sensao para restar somente a intuio pura e simples, forma dos fenmenos, que a nica que a sensibilidade a priori pode fornecer (KANT, 1997, p.63).Kant comea a investigao fazendo uma sucesso de limitaes sensibilidade para chegar intuio pura. Ele demonstrar que existem princpios do conhecimento a priori na sensibilidade a qual desistituda de todos os conceitos do entendimento e sensaes. Essas intuies puras so: espao e tempo, que so as formas apriorsticas da sensibilidade, existindo tambm um outro elemento constitutivo da sensibilidade que chamado de material e receptivo, que so as impresses que o sujeito cognoscente recebe dos objetos exteriores formando assim a matria do conhecimento. Mas o que queremos confirmar o que Kant chama de formas da sensibilidade (espao e tempo), que so a priori e exprimem a ordem na qual as impresses so colocadas. No espao entende-se que, o sujeito cognoscente percebe as coisas como exteriores a si e exteriores umas as outras, e no por esse fato que ele forma a noo de espao. O espao uma estrutura inerente a sensibilidade do sujeito cognoscente e por causa disso ele pode perceber os objetos como relacionados espacialmente. Kant expe o conceito de espao ao qual ele supe que:

O espao no um conceito emprico, extrado de experincias externas. Efetivamente, para que determinadas sensaes sejam relacionadas com algo exterior a mim (isto , como algo situado num outro lugar do espao, diferente daquele em que me encontro) e igualmente para que as possa representar como exteriores [e a par] umas das outras, por conseguinte no s distintas, mas em distintos lugares, requer-se j o fundamento da noo de espao (KANT, 1997, p.64).A noo de espao antecede as prprias representaes e o fundamento delas. Com isso possvel conjecturar que, se todas as coisas dentro do espao fossem abstradas (tiradas), mesmo assim a noo de espao ainda existiria. O espao independe da matria que a constitui, porque a priori a qualquer forma de intuio cognoscvel material externa, por fim seu prprio fundamento de possibilidade.

Sobre a noo de tempo, podemos notar a mesma linha de argumentao, ou seja, a simultaneidade das coisas e sua sucesso no poderiam ser percebidas se a representao do tempo no lhe servisse de fundamento. No sendo um conceito emprico que derive de experincias poderamos ento dizer que as coisas dentro do tempo poderiam desaparecer, mas o tempo mesmo jamais seria suprimido. Kant tambm afirma que os conceitos de tempo e de espao no so conceitos discursivos ou, nas palavras de Kant, ... o tempo no um conceito discursivo ou, como se diz, um conceito universal, mas uma forma pura da intuio sensvel (KANT, 1997, p.71).No h diferena no tempo, pois os tempos diferentes so partes de um mesmo tempo e esto todos sintetizados como proposies sintticas sem conceitos. O tempo no uma coisa em si que est inerente as coisas como determinao delas. Ele um fundamento de uma condio subjetiva indispensvel para que tenham lugar em nos as intuies. Pois:

O tempo no mais do que a forma do sentido interno, isto , da intuio de ns mesmos e do nosso estado interior. Realmente, o tempo no pode ser uma determinao de fenmenos externos, no pertence a uma figura ou a uma posio, etc., antes determina a relao das representaes no nosso estado interior (KANT, 1997, p.73).O tempo a condio formal a priori de todos os fenmenos e no pode ser fundado como um em si e nem como determinante das coisas enquanto existentes dentro do tempo. Ele fundamento que possibilita o sujeito conhecer, mas ele prprio somente sentido pela intuio interna do indivduo. Sendo ele impossibilitado de ser conceitualizado, ento fica fora do entendimento que o que trataremos na Analtica transcendental. Fica ento exposto que o tempo e espao so a priori ao conhecimento, porque so somente formas da intuio sensvel e:

[...] todos os fenmenos exteriores so determinados a priori no espao e segundo as relaes do espao, posso igualmente dizer com inteira generalidade, a partir do principio do sentido interno, que todos os fenmenos em geral, isto , todos os objetos dos sentidos, esto no tempo e necessariamente sujeitos s relaes do tempo (KANT, 1997, p.73).Enfim, sem espao e tempo no podemos conhecer as coisas em geral pelo ato da sensibilidade, mas o conhecimento universal e necessrio no se esgota neles. preciso ento adentrarmos na segunda parte da CRP e explorarmos de que forma esses elementos que so captados pela intuio sensvel espao temporal so organizados pelo entendimento e enfim podem ser concebidos como um conhecimento vlido segundo os juzos e categorias para uma deduo a priori.

Logo no incio da analtica transcendental, Kant deixa claro o que tratar nessa parte da obra e ressalta a importncia de uma constituio de um conhecimento a priori puro e conceitual deixando a sensibilidade como uma maneira de o entendimento ter acesso ao mundo exterior. Vejamos a citao de Kant:

Esta analtica a decomposio de todo o nosso entendimento a priori nos elementos do conhecimento puro do entendimento. Dever nela atender-se ao seguinte: 1. Que os conceitos sejam puros e no empricos. 2. Que no pertenam intuio nem sensibilidade, mas ao pensamento e ao entendimento. 3. Que sejam conceitos elementares e sejam bem distintos dos derivados ou dos compostos de conceitos elementares. 4. Que a sua tbua seja completa e abranja totalmente o campo do conhecimento puro (KANT, 1997, p.97).Na analtica onde se encontrar a tbua dos juzos e categorias do entendimento humano, que so responsveis pela adequao segundo suas leis, dos elementos que tiveram sido captados pela sensibilidade e que so agora submetidos a um julgamento da razo pelas formas do entendimento categorial. No temos a pretenso de adentrar nessa complexa parte da obra, sendo-nos somente necessrio por enquanto dar uma idia geral de como se fundamenta a questo do a priori que possibilitado pela deduo transcendental, portanto o fator que legitima esse ncleo na analtica transcendental a deduo. Deduo essa que ser tambm utilizada na questo do belo, ou, uma possibilidade da universalidade do juzo de gosto sobre o belo na sua deduo dos juzos estticos puros. Alertando desde j, que, essa deduo ser tratado de modo diferente nas duas crticas, sendo uma baseada na induo dos fatos empricos que passam pela sensibilidade chegando a um conhecimento pelos veis das categorias do entendimento que enfim se deduz um conhecimento a priori e sem a necessidade da experincia do mesmo, mas esse sempre baseado em conceitos. E o segundo a deduo simplesmente de uma sensao de prazer ou desprazer que subjetiva e com pretenso de universalidade pela possibilidade de que, cada indivduo possua em si essa potencialidade a priori e sem conceitos. O que diverge nas dedues so os conceitos, no qual, a primeira crtica, a saber, CRP, se baseia em conceitos do entendimento para formular uma deduo a priori, e na CFJ, essa deduo deve ser desconectada aos conceitos e ser apenas uma forma a priori de comprazimento desinteressado. Vejamos a tbua das categorias de um modo simples e sem loquacidade. Para Kant:

Se nos abstrairmos de todo o contedo de um juzo em geral e atendermos apenas simples forma do entendimento, encontraremos que nela a funo do pensamento pode reduzir-se a quatro rbricas, cada uma das quais contm trs momentos. Podem comodamente apresentar-se na seguinte tbua:

Qualidade dos juzos: universais, particulares e singulares.

Qualidade dos juzos: afirmativos, negativos e infinitos.

Relao dos juzos: categricos, hipotticos e disjuntivos.

Modalidade dos juzos: problemticos, assertrios e apodcticos (KANT, 1997, p.104).Esses juzos so os que possibilitam ao entendimento o acesso ao conhecimento puro, atravs do julgamento de todos os dados captados pela sensibilidade e organizados via entendimento pelas categorias e ajuizamento desses dados. Em outras palavras, compem-se de uma deduo de conceitos e de categorias que efetivam a capacidade de silogizar do intelecto humano. Esta deduo categorial comea pelo entendimento puro, evidencia as oposies entre juzos e leva a uma sntese que integra as duas categorias anteriores. Por sntese, Kant entende, ... na percepo mais geral da palavra, o ato de juntar, umas s outras, diversas representaes e conceber a sua diversidade num conhecimento(KANT, 1997, p.109).O conhecimento humano, que se d via entendimento, conceitual e discursivo e de maneira nenhuma intuitivo. Isso porque o entendimento humano no pode fazer outro uso desses conceitos a no ser formular juzos, que por sua vez so somente aceitos segundo argumentos da razo (discurso) que passaram pela sntese das categorias para enfim, de forma dedutiva conceber um a priori. Os conceitos so intrnsecos ao entendimento, de modo que o entendimento pensa de acordo com a deduo lgica desses conceitos. Assim o conhecimento do entendimento forma uma totalidade que permite a exposio do conjunto dos conceitos num sistema ordenado, interconectado e coerentemente articulado.

A sntese, em geral, segundo Kant ... um simples efeito da imaginao, funo cega, embora imprescindvel, da alma, sem a qual nunca teramos conhecimento algum, mas da qual muito raramente temos conscincia (KANT, 1997, p.109). A sntese ento seria de competncia do entendimento humano, que proporciona o conhecimento via resumo das snteses num conceito no entendimento, e que seu processo mesmo, inacessvel a conscincia humana. O conceito puro do entendimento dado pela sntese pura, que se assenta sobre um fundamento na unidade sinttica a priori, sendo assim, o a priori, uma deduo das snteses em geral. A deduo legitima as categorias do entendimento via juzos analticos dos objetos sensveis. Os conceitos que so formulados pelo entendimento atravs do resumo das representaes em uma sntese pura, so o que, pode-se chamar, de uma deduo mediante as snteses de todas as representaes. A favor disso, basta lembrar que, para Kant, diversas representaes so reduzidas, analiticamente, a um conceito. Mas a lgica transcendental ensina-nos a reduzir a conceitos, no as representaes, mas a sntese pura das representaes (KANT, 1997, p.109). Alm disso, segundo a lgica transcendental:O nosso conhecimento provm de duas fontes fundamentais do esprito, das quais a primeira consiste em receber as representaes (a receptividade das impresses) e a segunda a capacidade de conhecer um objeto mediante estas representaes (espontaneidade dos conceitos); pela primeira nos dado um objeto, pela segunda pensado em relao com aquela representao (como simples determinao do esprito (KANT, 1997, p.88).O conhecimento numa anlise primria como est supracitada, ou seja, as fontes do conhecimento humano consistem na utilizao dos sentidos para receber as representaes atravs das impresses que temos dos objetos e por fim serem sintetizadas pelo entendimento. Assim o entendimento o que pensa o objeto e segundo as categorias e juzos, ele fundamenta nosso conhecimento pela relao que faz com as representaes. Em suma: intuies sem conceitos so cegos, sensibilidade sem o entendimento no vlido e representao sem uma sntese no constitui conhecimento. Mas, o a priori, que o que nos propomos a esclarecer, encontra-se na deduo transcendental.

Tendo visto o processo pelo qual o conhecimento formulado pelo homem em toda sua complexidade, vamos adentrar na deduo dos conceitos a priori que por fim o elemento chave nessa construo kantiana.

No captulo II da CRP, que se trata da: Deduo dos Conceitos Puros do Entendimento, Kant faz a primeira aluso deduo, explicando segundo um termo que ele toma emprestado da linguagem jurdica para, no contexto crtico, dar-lhe um significado analogicamente semelhante:

Quando os jurisconsultos falam de direitos e usurpaes, distinguem num litgio a questo de direito (quid juris) e, ao exigir provas de ambas, do o nome de deduo primeira, que dever demonstrar o direito ou legitimidade da pretenso (KANT, 1997, p.119).Com isso Kant quer justificar a deduo, que estaria ligada a questo de direito, pois somente um fato emprico, no pode servir como comprovao de uma causa. Ao analisar a questo em que, um litgio advm de uma ao por parte do sujeito que a comete, tambm deve ser analisado a questo que est subjetiva a essa anlise jurdica. nessa questo subjetiva que Kant demonstra a legitimidade de um conceito puro a priori. A questo de direito ser tambm explicitada nesse trabalho quando analisarmos a questo do ajuizamento sobre o belo, onde a deduo, como a questo de direito, tem a competncia de validar e legitimar uma pretenso, seja ela da questo de direito sobre o fato ou da deduo sobre a experincia. No momento iremos demonstrar a deduo que se d atravs de conceitos que foram organizados pelo entendimento, mas que por fim, independem de sua experincia, so ento, dedues puramente conceituais intelectivas. Nas palavras de Kant:

Entre os diversos conceitos, porm, que constituem o tecido muito mesclado do conhecimento humano, alguns h que se destinarem tambm a um uso puro a priori (totalmente independente de qualquer experincia); e este direito requer sempre uma deduo, porque no bastam as provas da experincia para legitimar a sua aplicao, preciso saber como se podem reportar a objetos que no so extrados de nenhuma experincia (KANT, 1997, p.119, 120). Para explicar o modo como se podem referir conceitos a priori a objetos que no so extrados de uma experincia, Kant usa o termo, deduo transcendental. nela que fao uso dos conceitos que foram categoricamente formulados pelo entendimento, e atravs de uma sntese de todos os conceitos chegar a uma deduo conceitual que independente da experincia. Podemos distinguir deduo emprica de uma deduo transcendental por meio da seguinte argumentao:

[...] deduo emprica mostra como se adquire um conceito mediante a experincia e a reflexo sobre esta, pelo que se no refere legitimidade, mas s ao facto de onde resulta a sua posse. [...] deduo transcendental a explicao do modo pelo qual os conceitos podem se referir a priori aos objetos (KANT, 1997, p.120).Para clarear essa explicao, podemos dizer que, na deduo transcendental o que importante o conceito que foi proclamado a priori via deduo pelo intelecto, sendo assim uma pura forma de pensamento que foi criada a partir dos conceitos e que independente de experincias para a sua comprovao. E a deduo emprica o modo como se adquire um conceito mediante a experincia atravs das formas da sensibilidade que so a priori a prpria representao do conceito. Podemos conceber esses dois tipos de conceitos como diferentes entre si, mas que coincidem na referncia totalmente a priori aos objetos. Na deduo emprica podemos conceber os conceitos de tempo e espao como formas da sensibilidade que so a priori a representao, e na deduo transcendental temos as categorias como conceitos a priori no entendimento. Por fim, podemos fazer uma comparao entre o a priori da CRP, e o que Kant tem como a priori na CFJ, a saber, no primeiro a questo do a priori deriva de uma sntese dos conceitos no entendimento via uma deduo pelas categorias apriorsticas do entendimento. E, no segundo, a questo do ajuizamento sobre o belo est na justificao de uma eliminao da antinomia do gosto, ou seja, na tese se diria que o juzo de gosto no se fundamenta sobre conceitos determinados, e na sua anttese, afirma-se o juzo de gosto contudo se funda sobre um conceito, mas esse indeterminado. Conclui-se ento que, para o conhecimento, o a priori se fundamenta em conceitos e no ajuizamento do belo ele desnecessrio, ou invlido.

3.3 A CRTICA DA RAZO PRTICA

Primeiramente, devemos esboar qual o sentido da moral e em que ela se fundamenta para depois determinarmos o a priori por meio das diferentes dedues nas trs obras crticas. Nesse sentido, vlido frisar que, se na CRP, ele remete como base para o nosso conhecimento a experincia, na CRPr, ele inverte o sentido e d primazia razo que no pode se basear na experincia sensvel para uma moral pura, pois nela existem interesses de nossas inclinaes, vontades e desejos que, desobedecendo a lei moral, podem afetar a prpria noo de felicidade. Para uma melhor compreenso desse fato, podemos citar uma passagem no que diz respeito ao uso terico da razo e ao uso prtico, para em seguida argumentar a favor delas.

Ocupava-se o uso teortico da razo de objetivos da mera faculdade de conhecer, sendo que uma crtica da razo, no que concerne a esse uso, apenas se referia propriamente faculdade pura do conhecimento, porquanto esta faculdade despertava suspeitas, as quais tambm logo se confirmavam, de que a mesma se perdia facilmente, para alm dos seus limites, em objetos inacessveis, ou at em conceitos contraditrios entre si mesmos (1969, p.37).Kant crtica a sua prpria faculdade da razo terica contida na CRP. Ou seja, ele denuncia que a razo terica sendo fundada em uma faculdade de conhecer por meio de fenmenos e conceitos pode com facilidade perder-se na compreenso de objetos que no so acessveis a percepo sensvel e tambm na prpria conceitualizao dos objetos no entendimento, que podem ento conter contradio. Parece que a crtica direciona-se na impossibilidade da razo em fundar conceitos exatos baseando-se na sensibilidade. Mesmo com toda a construo da CRP, ele ainda teme que a validade do conhecimento possa ser anulada pela ao da razo prtica, que pensa o imperativo totalmente desconectado das determinaes empricas. A favor de uma razo que se fundamenta a si mesma, Kant argumenta:

Com o uso prtico da razo ocorre coisa bem diversa, nele vemos a razo se ocupar com fundamentos da determinao da vontade, que resulta em faculdade de produzir objetos que correspondam s representaes ou, pelo menos, determinantes a si prprios na realizao de tais objetos, seja ou no suficiente para isso a faculdade fsica, isto , a de determinar a sua causalidade (1969, p.76.).Por essa causa, podemos dizer que a razo prtica tem primazia sobre a razo pura. Essa razo prtica determina-se por si mesma, porque ao deduzir um imperativo que seja categrico ela no usa as determinaes do mundo sensvel para fundament-lo. Podemos notar, porm, que a razo pratica no tem primazia sobre a faculdade de ajuizar sobre a questo do belo, sendo esta mais fortemente determinada pelo uso da razo sem a necessidade de uma experincia. Alm disso, no pode ser legitimada por aquilo em que se fundamenta. Ou seja, a razo prtica tem seu fundamento na lei moral que deve ser universal e necessria para a constituio de uma moral pura. Mas, no ajuizamento sobre o belo, esse fundamento no pode existir, seno ele seria a determinao da prpria questo do gosto universal baseado em um fundamento conceitual.

Podemos aqui fazer uma rpida exemplificao dos imperativos, a saber, categricos e hipotticos, para que se use esses termos com maior clareza no decorrer do trabalho.

1. Imperativo categrico: uma proposio sinttica a priori, ou seja, ele no contm nenhum elemento emprico para a sua comprovao e algo que a razo pode ter como base para sua utilizao na prpria realidade. O imperativo categrico criado pela razo com intuito de afastar de si toda pretenso dos sentidos darem uma validade moral a uma ao. Vamos ver agora os imperativos hipotticos que se fundam nessa experincia dos sentidos e no entendimento de conceitos para justificar sua validade.

2. Imperativos hipotticos: so as mximas materiais obtidas pela experincia, so as determinaes dos meios para chegar a um fim desejado. So tambm chamadas de aes heternomas, sua ao baseada em um modo condicional e subjetivo, s agimos segundo essas mximas se temos desejos que elas ajudam a satisfazer, caso contrrio podem ser ignoradas.

Sabemos, ento, que as regras fornecidas pela razo so radicalmente opostas s mximas. O imperativo categrico fornecido pela razo e unicamente pela razo que pode ser pensado e possibilita assim um agir autnomo, ou, uma ao por amor a lei moral sem nenhuma inteno exterior a ela, se contrapondo aos imperativos hipotticos que so heternomos e que condicionam o pensamento por regras prticas subjetivas, ou, o mbil de uma ao no se encontra na representao do dever e da lei moral, no sendo, portanto fundado pela razo pura prtica que se denomina, a priori.

Kant toma a objetividade da moral da mesma forma que na CRP tomado o a priori como possibilidade de conhecermos objetivamente a ordem do mundo sensvel. A moral kantiana diferente das morais que at ento haviam sido postas, ou seja, no se limita produo de uma teoria moral internamente consistente e que concorde o mximo possvel com as nossas intuies morais. Distante disso, Kant quer colocar a moral em fundamentos inteiramente racionais. Para tanto, Kant deve conceber o homem como um ser racional e livre, dotado de conscincia de um dever moral superior moralidade dos impulsos e desejos. Nisso Kant refuta Hume. Esse pretendia colocar a moral a servio dos sentimentos e desejos dizendo que a moral e deve ser escrava das paixes. Para Kant, o agir moral est ligado racionalidade. Sendo assim um sujeito que age somente pelo instinto ou pela necessidade dos sentidos, seguindo seus desejos primrios, est agindo irracionalmente, pois um ser racional deve encontrar princpios universais de moralidade seguindo sempre o que a razo impe como um fundamento a priori a toda ao moral, a saber, o imperativo categrico. Kant afirma que isso o que fundamenta a nossa liberdade, ou seja, a possibilidade que ns temos de agir conforme uma lei objetiva que unicamente baseada na razo.

O bom em si na ao moral seria o imperativo categrico, que se distingue do bom como utilidade que tratado na CFJ. Ambos so dotados de conceitos, mas o primeiro um conceito puro da razo e tem fim em si mesmo, e o outro apenas um meio para se chegar a um fim. Enquanto um tem como base a razo, o outro empiricamente satisfatrio para algo meramente usual. Podemos citar em comparao um imediatamente bom (bom em si), o imperativo categrico, e um mediatamente bom (se til), um automvel que tem sua determinao na utilidade. Todo o conceito de bom, portanto, provem de seu uso como fim ou como meio, sendo sempre baseado em conceitos puros ou prticos. Podemos ento definir um bom em si na CRPr, a saber, imperativo categrico, que mais tarde ser novamente citado quando analisarmos a questo do bom e do agradvel dentro da CFJ, onde ser exposto com mais propriedade a questo do bom e do agradvel com suas devidas diferenas.

necessrio diferenciar as trs obras crticas no que se refere ao modo de conceber a deduo. Constituindo a nossa pretenso de analisar o a priori dentro delas.

Na CRP, a possibilidade de uma experincia cognitiva se fundamenta na deduo dos conceitos a priori, ou seja, eles so necessrios para que o sujeito possa conhecer de fato as coisas e, sem essa deduo, o sujeito estaria limitado ao sensvel. As coisas, para serem percebidas, necessitam das formas da sensibilidade como fundamento de toda representao emprica, assim como, para serem julgadas e finalmente constiturem conhecimento, precisam passar pela complexa sintetizao dos dados da sensibilidade. A deduo, ento, a possibilidade de que algo seja pensado a priori a experincia e seja, portanto, a fundamentao de toda a experincia possvel. Cita-se:

A deduo de todos os conceitos a priori tem, pois, um princpio a que deve obedecer toda a subseqente investigao e que o seguinte: esses conceitos tem de ser reconhecidos como condies a priori da possibilidade da experincia (quer ela seja intuitiva que nela se encontra, quer do pensamento). So, por isso, necessrios os conceitos que concebem o fundamento objetivo da possibilidade da experincia (1969, p.125).Na CRPr, a lei moral no um conceito natural (provenientes das leis heternomas). mas sim um conceito da liberdade. E, sendo a liberdade a razo de ser da vida moral, em que o sujeito deve agir segundo uma lei prtica, isto , seguir a razo no ato da ao, fica fora do contexto terico, pois o que ir validar a ao do sujeito ser sua comprovao a priori de uma lei moral independente de qualquer motivao externa, ou uma investigao da natureza. A lei moral (imperativo categrico), ento, seria a possibilidade do princpio na deduo da liberdade, porque a conscincia da lei moral no tem necessidade de ser justificada ou provada. A lei moral se impe conscincia como um fato da razo e s pode ser explicada se for admitida a liberdade. Ou seja, esse fato da razo no a priori a liberdade, porque antes dela temos a conscincia do dever que fundamenta a liberdade. O a priori est ento na deduo de uma lei prtica fundamentada num dever que deve anteceder qualquer ao moral. O sujeito s tem a liberdade na lei moral e no dever. Para Kant, todos os princpios prticos que supem um objeto (matria) da faculdade de desejar como fundamento de determinao da vontade, so, todos eles, empricos e no podem proporcionar qualquer lei prtica (1969, p.48).

Na CFJ, a deduo dos juzos estticos so colocados em bases bem diferentes dos contidos na CRP e na CRPr. Ele pode ter alguma ligao, em primeiro momento com os conceitos morais da CRPr, mas por causa desses conceitos que eles se diferem radicalmente. A aproximao com a deduo dos conceitos morais so vlidos na medida que os dois se afastam da experincia para poder possibilitar uma construo de um princpio a priori na razo. Mas no juzo de gosto sobre o belo, alm dele se afastar tambm no contm o fundamento de possibilidade daquilo que legitima sua existncia, a saber, o conceito. Na CRPr temos o conceito do imperativo categrico que deve ser concebido na deduo a priori no meu dever. E, na CFJ, no h nenhum fundamento legitimador da sensao de prazer ou desprazer. Quanto a uma diferenciao entre a CRP e a CFJ, podemos dizer que, na primeira o conhecimento se d atravs de uma sntese das representaes que entraram em jogo na imaginao e no entendimento num conceito que foi formulado atravs desse jogo entre as representaes. O a priori na CFJ se d de modo indeterminado, ele apenas participa da sensao no livre jogo das representaes e no constitui nenhum conhecimento.

3.4 A CRTICA DA FACULDADE DO JUZO

Aps analisarmos as dedues e assim ter uma idia do que Kant pretendeu estabelecer como a priori em cada obra, podemos, ento, conceber a deduo transcendental como um fundamento das proposies a priori, e dar seguimento ao nosso terceiro captulo sobre a possibilidade de uma universalidade do juzo de gosto para estabelecer o lugar do belo na arte. No cabe agora adentrarmos na universalidade do juzo de gosto, que ser tratada num captulo parte. Somente vamos aqui resumir novamente essas diferenas entre as dedues e apresentar o conceito de belo e sua relao com a arte.

Em relao s dedues, que o modo de conceber o a priori em todas as crticas, o que precisa ser destacado so as suas diferenas, a fim de termos a qualificao de uma deduo do juzo de gosto sobre o belo totalmente claro em nossa anlise. Como j foi elucidado anteriormente, a questo dos conceitos o ponto chave na diferenciao, sobretudo na CFJ, das duas diferentes formas de se formular um conceito e de uma forma que totalmente sem conceito. Na razo pura, o entendimento, com a ajuda da tbua das categorias, sintetiza todas as representaes que so dadas pelas intuies, gerando fenmenos que, por fim, se tornam conceitos. O a priori, desta maneira, est na possibilidade de um conhecimento inteiramente formulado pelos conceitos e que no precisam da experincia emprica para obter sua validade como validade universal e necessria. J na razo prtica, que no faz uso das categorias (condies subjetivas do pensamento para podermos conhecer os objetos da experincia), o a priori se baseia em um conceito da razo e deve ser estabelecido pela lei moral. Esse a priori o imperativo categrico que tem de ser pressuposto para haver liberdade. Denota-se que essa liberdade no uma mera liberdade de escolha, mas uma liberdade apoiada no dever da razo. Cabe tambm esclarecer que, para Kant, no h liberdade na natureza, onde todos somos condicionados pelas leis heternomas. Com base nisso, podemos afirmar a autonomia da vontade como um princpio totalmente distinto de toda filosofia moral precedente. E, por fim, no ajuizamento do belo, Kant demonstra toda a subjetividade da razo em querer determinar um princpio vlido de gosto universal baseado na pura sensao a priori do sentimento de prazer ou desprazer na relao com o objeto, seja ele um objeto que afecta nossa sensibilidade ou uma pura forma intelectiva que apraz sem conceitos. 4 A ESPECIFICIDADE DO JUZO DE GOSTO NA CFJ

Pudemos, atravs do captulo anterior sobre o a priori nas obras kantianas e do primeiro captulo sobre a concepo de arte em alguns filsofos, ter mais liberdade para tratar do terceiro captulo. Agora o momento de penetrar no cerne da CFJ, fazendo a distino dos juzos de gosto, a saber, sobre o bom, sobre o agradvel e sobre belo, e tambm dar uma explicao mais detalhada a respeito da universalidade que compete ao belo, para num prximo momento fazer a distino do que Kant julgar como arte sem conceito com base na formulao de uma beleza desinteressada. Ser apresentado, nessa parte do trabalho sobre os juzos segundo a qualidade e posteriormente segundo a quantidade, o julgamento do gosto que Kant chamar de peculiar porque somente mantm a representao dada no sujeito em relao com sua inteira faculdade de representao. Ou seja, a representao simplesmente desvinculada de qualquer determinante ou conceito a que caber ao juzo de gosto desinteressado.

4.1 O JUZO DE GOSTO QUANTO QUALIDADE

No primeiro momento do juzo de gosto segundo a qualidade (1998, p.89), Kant demonstra que o juzo de gosto esttico. importante ter claro que a representao que no baseada no conhecimento pelo entendimento do objeto a representao livre (faculdade da imaginao) que est prssuposta em cada sujeito nas suas faculdades. Em outras palavras, segundo Kant, Para distinguir se algo belo ou no, referimos a representao, no pelo entendimento ao objeto com vista ao conhecimento, mas pela faculdade de imaginao (talvez ligada ao entendimento) ao sujeito e ao seu sentimento de prazer ou desprazer (1998, p.89).Para distinguir se algo puramente belo, necessrio separ-lo do uso das nossas faculdades que compe o conhecimento e introduz-lo na simples forma livre da imaginao e no seu livre jogo. Esse livre jogo ser mais bem explicitado no 9, mas podemos agora defini-lo da seguinte forma. Quando o sujeito est sendo afectado pela complacncia no objeto, as nossas faculdades da imaginao e, como diz Kant, talvez ligada ao entendimento, ficam jogando com as representaes sem chegar a nenhum conceito definitivo. Se o conceito fosse possibilitado, ele seria ento um conhecimento e no um juzo de gosto. Kant classifica os juzos estticos como subjetivos e os lgicos como objetivos e distingue o juzo de gosto como esttico da seguinte maneira. O juzo de gosto no , pois, nenhum juzo de conhecimento, por conseguinte no lgico e sim esttico, pelo qual se entende aquilo cujo fundamento de determinao no pode ser seno subjetivo (1998, p.89).Ao ajuizarmos uma coisa, no podemos nos referir ao conhecimento desse objeto que temos atravs de conceitos ou afins. O juzo de gosto somente esttico (se refere somente ao sujeito na representao), no lgico (que se refere ao objeto no sujeito) e seu fundamento subjetivo. O sentimento de prazer e desprazer se reduz s representaes, mas no s representaes objetivas das sensaes, o que segundo Kant ... significa ento o real de uma representao emprica (1998, p.89), mas s representaes que apenas esto subjetivas em cada sujeito na complacncia do belo.Toda a referncia das representaes, mesmo a das sensaes, pode porm ser objetiva (e ela significa ento o real de uma representao emprica); somente no pode s-lo a referncia ao sentimento de prazer ou desprazer, pelo qual no designado absolutamente nada no objeto, mas no qual o sujeito se sente a si prprio do modo como ele afetado pela sensao (1998, p.89).Essas representaes que conduzem ao juzo esttico so referidas somente ao sujeito no juzo, ou se referem somente s representaes sem levar em conta nenhum conceito, porm podem ser lgicas se forem somente referidas ao objeto no juzo, ou, so estticas se forem somente ligadas ao sentimento de prazer ou desprazer e lgicas se conduzidas ao conhecimento. Logo no 1 na analtica do belo, Kant demonstra a possibilidade dos juzos e como um juzo de gosto em sua formulao. Toda representao, mesmo as das sensaes, pode ser objetiva, exceto as sensaes de prazer e de desprazer, pois aquelas esto ligadas ao que analisamos no captulo anterior como a priori, ou seja, esto ligadas ao conhecimento e essas que somente aprazem, so subjetivas porque no se referem nem a objetos, nem a conceitos. Portanto, a sensao de prazer ou desprazer no est ligada ao conhecimento. Se no est ligada ao conhecimento e, por isso, no pode ser um juzo lgico, porque esses sempre contm em si uma determinao por conceitos das coisas, a sensao esttica e, por conseqncia, subjetiva.

Vejamos o que Kant, no 2, estabelece como interesse: Chama-se interesse ao comprazimento que ligamos representao da existncia de um objeto (1998, p.90). Sendo a representao ligada existncia do objeto no comprazimento, este meramente um comprazimento objetivo ligado ao conhecimento. Se a representao no estiver ligada existncia do objeto, ou, em nada se basear para estabelecer o comprazimento, ele desinteressado e subjetivo.

Kant pressupe que o nimo seria como que a conscincia do sentimento no seu estado. Podemos agora estabelecer como regulador do comprazimento no sujeito na representao do objeto o nimo". Portanto, podemos dizer que o nimo determina que o mais importante o simples ajuizamento na contemplao. As coisas feitas para serem belas no podem ter esse simples ajuizamento na contemplao, porque elas contm em si uma determinao prpria e somente servem para quem as possui e se vangloria delas com um sentimento egosta e pretensioso. Para melhor entender essa argumentao sobre as coisas feitas para dar prazer, podemos apresentar a seguinte citao.

Se algum me pergunta se acho belo o palcio que vejo ante mim, ento posso dizer: no gosto dessa espcie de coisa que so feitas simplesmente para embasbacar, ou, como aquele chefe iroqus, a quem em Paris nada lhe agrada mais do que as tabernas; posso alm disso em bom estilo rousseauniano recriminar a vaidade dos grandes, que se servem do suor do povo para coisas to suprfluas (1998, p.91).

A simples representao em mim deve dar comprazimento e sempre com indiferena em relao ao objeto. A representao deve causar complacncia em mim e nada pode depender da existncia desse objeto. Portanto, um juzo com interesse no um juzo de gosto puro. Para um juzo de gosto puro, devemos ser completamente indiferentes existncia das coisas. Como afirma Kant, ... no se tem que simpatizar minimamente com a existncia da coisa, mas pelo contrrio ser a esse respeito completamente indiferente, para em matria de gosto desempenhar o papel de juiz (1998, p.92).

Trataremos, a partir da anlise do 3, dos juzos sobre a quantidade, em que Kant estabelece uma diferenciao entre os juzos sobre o agradvel, sobre o bom e sobre o belo. Fazendo a distino do interesse dos juzos para poder chegar a uma melhor compreenso do que ser atribudo ao juzo sobre o belo no final desse trabalho. De modo introdutrio, podemos dizer o seguinte. O agradvel est ligado sensao e o que apraz aos sentidos na sensao. O bom est ligado ao conceito que o fundamenta. E o belo desinteressado e no se liga a nada, ou, nem na sensao nem ao conceito. Ou seja, eles se distinguem em relao ao interesse. O agradvel demonstra ter interesse nos sentidos que o possibilita. O bom tem um interesse direto com o objeto para fundamentar o conceito que o fundamenta e o belo no pode, para ser um juzo de gosto esttico, demonstrar interesse por nada no objeto e tambm na sua representao conforme afins, ou, que tenha por fim um conceito definido. Pode-se ter um prazer pelos sentidos e outro pelo que apraz somente na representao. Aqui est a diferena entre os trs juzos quanto a sua constituio. Na afeco de uma representao pelos sentidos e posteriormente no entendimento do mesmo pelas categorias do conhecimento que formulam o conceito sobre o objeto, representa a possibilidade do ajuizamento esttico de gosto sobre o bom. Diferentemente do belo e do agradvel que no se baseiam em nada do objeto e no utilizam conceitos fundamentados no entendimento via conhecimento para serem formulados. Portanto, o interesse do bom de fcil entendimento por ele estar ligado diretamente com o objeto pelo seu conceito, portanto, o que apraz, apraz na representao, pois o bom sempre depende do julgamento da prpria representao para ser um juzo vlido. O belo o que apraz na representao, mas tal representao somente se torna consciente de seu estado na sensao de um livre jogo das nossas faculdades que subjetivo e no formula conhecimento. O agradvel, porm, est legitimamente ligado sensao dos sentidos e depende dos sentidos assim como o bom do conceito e o belo do julgamento subjetivo de um livre jogo que possibilita o sentimento de prazer ou desprazer.

4.1.1 Interesse no agradvel Quanto ao interesse do comprazimento no agradvel, relata-se que ele apraz sem conceitos e se diferencia do bom por essa razo. O agradvel est condicionado pela sensao e no determinado por nada do objeto assim como o belo. Ele apraz somente na sensao. O prazer pode ser tanto no seu simples agrado nos sentidos ou na representao. Sendo que, o agrado pelos sentidos o que compete ao agradvel e na representao se liga tanto ao bom quanto ao belo. Um se refere ao conceito formulado pelo entendimento o outro no se refere ao conceito, mas somente ao simples comprazimento dessa representao.

Segundo Kant, o modo como a sensao consegue esse agrado no importa, afinal todas buscam o deleite e em cada um diferente o modo de conceb-lo. A sensao refere-se somente ao sujeito enquanto o conhecimento se refere sempre ao objeto, assim podemos dizer que o agradvel a sensao dos sentidos no sujeito. Kant define sensao de dois modos, a saber, a objetiva e a simplesmente subjetiva. A primeira diz respeito ao objeto em relao ao seu entendimento ou conhecimento e a segunda refere-se unicamente ao agrado na sensao. A sensao que se associa ao agradvel , portanto, simplesmente subjetiva. Podemos melhor compreender essa idia num exemplo de Kant:

A cor verde dos prados pertence sensao objetiva, como a percepo de um objeto dos sentidos; o seu agrado, porm, pertence sensao subjetiva, pela qual nenhum objeto representado: isto , ao sentimento pelo qual o objeto considerado como objeto do comprazimento (o qual no nenhum conhecimento do mesmo) (1998, p.93-94).Quanto ao interesse, ele sempre suscita um desejo pelo objeto, e o comprazimento deste pressupe somente referncia da sua existncia ao estado do sujeito. Podemos dizer que o agradvel apraz e deleita. Conforme as palavras de Kant,

No uma simples aprovao que lhe dedico, mas atravs dele gerado inclinao; e ao que agradvel do modo mais vivo, no pertence a tal ponto nenhum juzo sobre a natureza do objeto, que at aqueles que sempre tm em vista o gozar (pois esta a palavra com que se designa o ntimo do deleite) de bom grado se dispensam de todo o julgar (1998, p.94).Essa inclinao dispensa o julgar e o que agrada no se refere em nada natureza do objeto, sendo que o agrado de modo mais vivo, como diz Kant, afasta-se do juzo sobre o objeto. Portanto, podemos afirmar que o agradvel apraz e deleita, porque ele se d diante aprovao e inclinao e sua forma mais ativa se d sem aprovao do conceito, mas somente na inclinao dos sentidos. O que faz ser o agradvel um juzo interessado pela inclinao que os sentidos tem pelo objeto.

4.1.2 Interesse no bomSobre o bom, no 4 Kant inicia afirmando o seguinte: Bom o que apraz mediante a razo pelo simples conceito (1998, p.94). feita, ento, a diferenciao entre o bom como til e o bom em si. Como vimos anteriormente, o bom em si est relacionado com o imperativo categrico, e esse no depende de um objeto emprico, mas do simples uso da razo para formul-lo. O bom em si se fixa na ao que fundamentada pela razo. Uma lei autnoma que deve ser universalizada e vlida para qualquer um uma lei boa em si e distingue-se do bom como til por no ter um interesse individual sobre um objeto. O bom sempre nomeado pelo conceito, seja ele somente racional ou dependente da existncia do objeto. Vejamos essa importante citao que explica mais sobre a diferena entre o bom, o belo e agradvel:

Para considerar algo bom preciso saber que tipo de coisas o objeto deva ser, isto , ter um conceito do mesmo. Para encontrar nele beleza, no o necessito. Flores, desenhos livres, linhas entrelaadas sem inteno sob o nome de folhagem, no significam nada, no dependem de nenhum conceito determinado e contudo aprazem. O comprazimento no belo tem que depender da reflexo sobre um objeto, que conduz a um conceito qualquer (sem determinar qual), e desta maneira distingue-se tambm do agradvel, que assenta inteiramente na sensao (1998, p.94).

Podemos dizer assim que o bom necessita do objeto para formular conceito, o agradvel necessita do objeto, mas no formula conceitos e o belo depende da reflexo sobre o objeto e conduz a um conceito qualquer sem determinar qual (1998, p.94). Em outras palavras, o bom necessita da experincia para ser um conceito vlido, diferente do agradvel que somente determinado pelos sentidos e, portanto, desprovido de um conceito. E diferente do belo que se refere somente representao no entendimento no seu livre jogo das faculdades do entendimento que induz ao comprazimento desinteressado, por isso, conduz a um conceito qualquer sem determinar qual, e esse livre jogo ser melhor comentado no 9, onde ser feita a investigao sobre o juzo de gosto. O bom no parecido com o agradvel, pois ao bom se pergunta se imediatamente bom (bom em si), ou mediatamente bom (bom como til) e ao agradvel no podemos fazer essa questo. O agradvel se d mediante a inclinao dos sentidos, e somente mediante o julgamento da razo que pode tornar-se bom. Podemos, atravs disso, citar uma passagem contida na CFJ para explicar melhor esse argumento sobre a diferena do agradvel e do bom.

Mesmo no julgamento da sade pode-se ainda notar essa diferena. Ele imediatamente agradvel para todo aquele que a possui (pelo menos negativamente, isto , enquanto afastamento de todas as dores corporais). Mas para dizer que ela boa, temos que ainda dirig-la a fins pela razo, ou seja como um estado que nos dispe para todas as nossas ocupaes (1998, p.95).Que me agrada ter sade por no sentir dor, mas o bom est no conceito final que avalia o meu estado realmente e no no simples agrado dos sentidos. O que me agradvel, como um cheiro que me apraz os sentidos, pode no ser bom por conter uma substncia nociva minha sade. Assim, podemos afirmar que o que somente apraz mediante a sensao pode enganar a razo pela no formulao do conceito mediante a experincia que fundamenta o bom. O que me agrada destitudo de conceito e no h reflexo sobre a ao. Assim, podemos demonstrar que a felicidade, que uma forma agradvel de viver a vida, no boa se for baseada somente no agrado que proporciona, porque se fosse assim nada me impediria de fazer qualquer coisa para obter a vida plena de felicidade. A questo aqui saber que a soma das mximas da felicidade no suficiente para constituir uma vida feliz se