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Cesar Augusto Kuzma A esperança cristã Fundamentos e reflexões na teologia de Jürgen Moltmann DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DEPARTAMENTO DE TEOLOGIA Programa de Pós-graduação em Teologia Rio de Janeiro, outubro de 2007

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Cesar Augusto Kuzma

A esperança cristã Fundamentos e reflexões na teologia de

Jürgen Moltmann

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

DEPARTAMENTO DE TEOLOGIA Programa de Pós-graduação em Teologia

Rio de Janeiro, outubro de 2007

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Cesar Augusto Kuzma

A esperança cristã Fundamentos e reflexões na teologia de Jürgen Moltmann

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Teologia do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Teologia.

Orientadora: Profª. Drª. Jenura Clothilde Boff

Rio de Janeiro

Outubro de 2007

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Cesar Augusto Kuzma

A esperança cristã: fundamentos e reflexões na teologia de Jürgen Moltmann

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Teologia do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof.ª Jenura Clothilde Boff Orientadora

Departamento de Teologia – PUC-Rio

Prof. Abimar Oliveira de Moraes Departamento de Teologia – PUC-Rio

Prof. Sinivaldo Silva Tavares Instituto Teológico Franciscano

Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade Coordenador Setorial de Pós-Graduação e Pesquisa do Centro de

Teologia e Ciências Humanas – PUC-Rio

Rio de Janeiro, 26 de novembro de 2007

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho em autorização da universidade, do autor e da orientadora.

Cesar Augusto Kuzma

Concluiu o Bacharelado em Teologia pela PUCPR em 2005. Participou de diversos congressos na área de Teologia. É professor de Teologia Sistemática e Teologia Pastoral na PUCPR, desde 2007. É assessor teológico-pastoral em grupos, movimentos e comunidades eclesiais de base em Curitiba e no Rio de Janeiro.

Ficha catalográfica

CDD:200

Kuzma, Cesar Augusto A esperança cristã: fundamentos e reflexões na teologia de Jürgen Moltman / Cesar Augusto Kuzma; orientadora: Jenura Clothilde Boff. – 2007. 165 f. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Teologia) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. Inclui bibliografia 1. Teologia – Teses. 2. Esperança cristã. 3. Esperança. 4. Moltmann, Jürgen. 5. Escatologia. 6. Cristo. 7. Ressurreição. 8. Reino de Deus. 9. Realização humana. 10. Futuro. I. Boff, Lina. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Educação. III. Título.

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Com amor à minha esposa Larissa

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Agradecimentos

A Deus, fonte de nossa esperança.

À minha esposa Larissa, que comigo descobriu na esperança uma fonte

segura e íntima de relação no amor.

A todos os meus familiares, pelo amor e apoio incondicional, sem o qual

seria impossível concluir este trabalho. De modo especial aos meus pais, Silvio

Augusto e Dirce, que desde cedo me incentivaram nos caminhos da fé.

À minha orientadora, Profª. Drª. Lina Boff. Seu carinho, bondade e

amizade foram imprescindíveis para a realização deste trabalho.

Meus sinceros agradecimentos aos professores e professoras, funcionários

e funcionárias, alunos e alunas do Departamento de Teologia da PUC-Rio. A

amizade por vocês depositada é uma marca que trarei para sempre nas lembranças

de minha vida.

À PUC-Rio e a CAPES, pelos auxílios concedidos, sem os quais este

trabalho não poderia ter sido realizado.

Agradeço a Escola Superior de Teologia – EST de São Leopoldo – RS, por

permitir a pesquisa no interior de sua biblioteca. Também a PUCPR em Curitiba,

por disponibilizar fácil acesso às suas instalações para consulta e pesquisa.

Aos professores Prof. Dr. Clodovis Boff e Prof. Dr. Mário Antonio

Sanches, ambos da PUCPR, pelo incentivo e referência que em mim depositaram

para o ingresso neste curso de Mestrado.

A todos os amigos e amigas que pude fazer neste período de permanência

no Rio de Janeiro. Para estes os meus mais profundos agradecimentos.

De modo carinhoso à comunidade Santo Antonio do Quitungo do Rio de

Janeiro com quem convivi fraternalmente por um ano. Agradeço por terem feito

de sua casa a minha casa, de sua comunidade a minha comunidade.

Àqueles e Àquelas que durante toda a minha vida sempre foram

referências e exemplos, na vida, na academia e na pastoral.

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Resumo

Kuzma, Cesar Augusto. A esperança cristã: fundamentos e reflexões na teologia de Jürgen Moltmann. Rio de Janeiro, 2007, 165p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Teologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

A esperança cristã constitui algo essencial para a fé cristã, pois se trata de

uma das três virtudes teologais, ao lado da fé e da caridade. Estas virtudes são

chamadas teologais porque o ser humano não as adquire através do próprio

esforço, mas como resposta a uma força externa, que chamamos de graça, capaz

de despertar nele uma busca de sentido, uma razão para a sua própria existência.

Esta ação o direciona ao sentido último da vida, o éschaton. A nossa pesquisa

sobre a esperança cristã, apresenta o que vem a ser esperança. Este fundamento

basilar é necessário para o objetivo proposto, neste caso: fundamentá-la e refleti-la

na teologia de Jürgen Moltmann. Ele é um dos maiores teólogos cristãos da

atualidade. Em suas obras, traz um novo enfoque à escatologia, destacando a

realização da esperança escatológica através da justiça, da humanização do ser

humano, da socialização da humanidade e da paz para toda a criação. Assim, para

ele, falar de esperança é falar da força positiva que nos faz caminhar rumo a um

horizonte. É uma expectativa que aspira algo supremo, intocável, infinito. Apenas

a esperança, neste caso, a esperança cristã, nos faz desfrutar, já no presente, um

kairós vivificante e anunciador de um ainda não futuro.

Palavras-chave Esperança cristã, esperança, Moltmann, escatologia, Cristo, ressurreição,

Reino de Deus, realização humana, futuro.

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Abstract

Kuzma, Cesar Augusto. The Christian hope: foundings and reflections in Jürgen Moltmann’s theology. Rio de Janeiro, 2007, 165p. MSc Dissertation – Departamento de Teologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

The Christian hope constitutes something essential to the Christian faith,

because it is one of the three theologicals virtues, beside faith and charity. These

virtues are called theologicals because the human being doesn’t acquire them by

its own effort, but as answer to a external strength, that is called grace, capable of

awaking the search for meaning, a reason for the its own existence. This action

conducts the human being to a further meaning of life, the éschaton. Our research

about Christian hope shows what hope is. This basic founding is necessary to the

objective proposed, in this case: to found and reflect Christian hope in Jürgen

Moltmann’s theology. He is one of the most important Christian thinker in

nowadays. In his work, he brings a new focus to eschatology, bringing up the

realization of eschatological hope through justice, humanization of the human

being, socialization of humanity and peace to all creation. Therefore, for him, to

speak of hope is to speak of a positive strength that makes us walk towards an

horizon. It’s an expectative that wishes something supreme, untouchable, infinite.

Only the hope, in this case, the Christian hope, make us experience, now in the

present, a kairós vivifying and advertiser of a not yet future.

Keywords Christian hope, hope, Moltmann, eschatology, Christ, resurrection,

Kingdom of God, human accomplishment, future.

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Sumário 1. Introdução 11

2. A esperança cristã 17

2.1. O que entendemos por esperança 17

2.1.1. Noções gerais de esperança 20

2.1.2. A esperança no pensamento grego 21

2.1.3. A esperança na tradição judaico-cristã 23

2.1.4. A esperança na filosofia moderna 24

2.2. O que entendemos por esperança cristã 26

2.2.1. Fundamentos bíblicos e teológicos do Antigo Testamento 28

2.2.1.1. Fundamentos etimológicos 29

2.2.1.2. A esperança para o povo de Israel 30

2.2.1.3. A esperança para o indivíduo de Israel 32

2.2.2. Fundamentos bíblicos e teológicos do Novo Testamento 33

2.2.2.1. Fundamentos etimológicos 34

2.2.2.2. Objetos da esperança cristã 35

2.2.3. A esperança na teologia de Paulo 42

2.2.3.1. Aspectos gerais da esperança na teologia paulina 43

2.2.3.2. A esperança em Efésios 45

2.2.3.3. A esperança em Filipenses 51

2.3. Reflexões conclusivas 53

3. A esperança cristã em Moltmann 57

3.1. Moltmann e seu contexto histórico 57

3.1.1. Acenos biográficos 58

3.1.2. Falar de esperança depois de Auschwitz 63

3.1.3. A esperança no campo de concentração 68

3.1.4. A esperança atrás do arame farpado 72

3.2. Fundamentos teológicos da esperança cristã em Moltmann 75

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3.2.1. O Cristo ressuscitado 79

3.2.2. O Cristo ressuscitado é o Cristo crucificado 82

3.2.3. O Reino de Deus 87

3.2.5. O futuro de Cristo e a realização humana 93

3.3. Reflexões conclusivas 96

4. A esperança cristã a partir de Moltmann 101

4.1. A esperança cristã na Teologia da Esperança 102

4.1.1. A obra e seu contexto 102

4.1.2. Meditando a esperança 107

4.2. A Teologia da Esperança 114

4.2.1. Escatologia: a essência do cristianismo 115

4.2.1.1. Escatologia e revelação 118

4.2.1.2. As promessas 122

4.2.2. A ressurreição 126

4.2.3. Deus e a história 133

4.2.4. A sociedade 136

4.3. Reflexões conclusivas 140

5. Conclusão 145

6. Referências bibliográficas 155

6.1. Obras de Moltmann 155

6.2. Moltmann e demais autores 157

6.3. Obras sobre Moltmann 157

6.4. Demais obras 158

6.5. Demais referências 165

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A libertação dos oprimidos para a liberdade, de fato, é a experiência e a tarefa dos que têm esperança! Considero importante apontar para o movimento da igreja de comunidades, das comunidades de base e das comunidades do povo. Quem perguntar sobre a figura eclesial da esperança oriente-se nelas! Jürgen Moltmann, Prefácio à terceira edição da Teologia da Esperança. Tübigen, 8 de junho de 1977.

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1 Introdução Trazer para a discussão teológica um tema como a esperança cristã traz

consigo uma imensa responsabilidade por aquilo que o próprio nome já nos

propõe. Falar de esperança cristã é falar também do que há de mais íntimo no ser

humano na medida em que este-a1, através de sua experiência de fé, entra em

contato com Deus. Isso suscitará nele-a uma verdade que é, muitas vezes, a única

força capaz de fazê-lo-a transcender para um outro horizonte. Tal esperança,

quando fundamentada e refletida, lança para nós alguns desafios imediatos:

primeiro por ser uma virtude importante do cristianismo e, quando aliada a fé e a

caridade formam o conjunto das três virtudes teologais (cf. 1Cor 13,13); em

segundo lugar, é uma temática audaciosa para a teologia hodierna, que se depara

1 Neste trabalho, sempre que o contexto permitir, utilizaremos o-a para caracterizar masculino e feminino. Justificamos o porquê dessa nossa expressão: O debate teológico contemporâneo exige de nossa parte um comprometimento verdadeiro e real com a questão do gênero, principalmente no que responde ao feminino, que na presente sociedade merece considerável e maior atenção. A teologia atual procura em muito discutir sobre esta temática, sendo inúmeras as teólogas que decidem por trilhar este caminho audacioso e ousado. As primeiras teólogas feministas foram oriundas dos países anglo-saxões, mas logo após, tal influência percorreu toda a Europa, atingindo depois todo o mundo. No caso específico da Teologia latino-americana é importante destacarmos nomes importantes como: Ivone Gebara, Maria Clara Lucchetti Bingemer, Lina Boff, Ana Maria Tepedino, etc. Com exceção da primeira que citamos, todas as outras são professoras e teólogas da PUC-Rio. Partindo deste princípio e numa tentativa de proporcionar um pensamento teológico atual, optamos por utilizar em todo este trabalho, quando for possível, as terminações a, as, ãs, para que ambos sintam-se envolvidos pelo problema apresentado. Ver também: WACKER, M-T. Teologia feminista. In: Dicionário de conceitos fundamentais de teologia. São Paulo: Paulus, 1993, p. 870-874. Cf. tb. PINTOS, M. M. Teologia feminista. In: Dicionário de conceitos fundamentais do cristianismo. São Paulo: Paulus, 1999, p. 798-804. Cf. tb. GIBELLINI, R. A Teologia do século XX. São Paulo: Loyola, p. 415-446. Numa outra reflexão, Clodovis Boff, em sua importante obra Teoria do método teológico (1998) faz menção as inúmeras publicações da Teologia Feminista, que surgem inicialmente no final dos anos 60. Cf. BOFF, C. Teoria do método teológico. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 687. Também nesta mesma obra ele reproduz um feito histórico: “Helena Lucrecia CORNARO PISCOIA (+ 1684) obtém, depois de forte polêmica que envolveu a Igreja, povo e várias universidades, diploma de doutorado pela Universidade de Pádua, não porém em teologia, como queria e para o que tinha estudado, mas só em filosofia (por ser mulher! Foi só em 1963 que a 1ª mulher recebeu o doutorado em teologia pela Universidade de Salzburg)”. Ibid., p. 673. Outro forte motivo que nos levou a isso foi o fato de que a esposa do autor escolhido para a pesquisa, a Sra. Dra. Elizabeth Moltmann-Wendel, juntamente com seu esposo, atualmente escrevem e pesquisam sobre gênero. Dentre as várias obras, destacamos duas de mais fácil acesso: MOLTMANN-WENDEL, E. Espírito e corpo: resposta feminina. Concilium, n. 265, 1996, p. 70-78. Id. A land flowing with milk and honey: perspectives on feministy theology. New York: Crossroad, 1986.

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atualmente com uma sociedade que insiste, muitas vezes, por se sustentar sem

esperança, de maneira alienada e ofuscada diante das luzes da contemporaneidade.

Estas luzes que mencionamos respondem respectivamente aos fatores

modernos e pós-modernos da sociedade que permeiam todo mundo

contemporâneo e dificultam um discurso teológico que aponte para um futuro

novo2. Frisamos aqui futuro novo por que a teologia na sua essência ousa

especular para algo além da realidade apresentada, cujos discursos não alcançam

significativamente: “O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o

coração do homem não percebeu, tudo o que Deus preparou para os que o amam”

(1Cor 2,9). No entanto, este futuro novo não encontra espaço no futuro da

modernidade e da pós-modernidade, que de maneira contraditória não tem

praticamente nada de novo. O futuro que estes períodos propõem diz respeito

apenas à mera repetição do que já está acontecendo. Trata-se, evidentemente, de

um suceder de coisas ou um complemento para poucos-as privilegiados-as, sem

aludir com isso a uma novidade que seja ao mesmo tempo real e transformadora

da realidade. Entendemos assim que, este futuro apresentado pela modernidade e

pela pós-modernidade é falso porque o seu discurso não atinge a todos-as.

Deste modo, a esperança, sobretudo a esperança cristã, por trazer um olhar

para o futuro, não tem grande espaço nesta época, pois se trata de uma era que se

preocupa apenas com o imediato3. É um momento em que o transcendente deixa

lugar para o imanente, sem qualquer esperança, sem qualquer razão para algo

além do que é mostrado. Diante de situações assim, o discurso teológico necessita,

urgentemente, de maior solidez e firmeza naquilo que se propõe. Não pode ser

algo vazio ou sem perspectiva, nem mesmo mera repetição. Ao contrário, deve

impulsionar a fé para dentro da realidade a ponto de dar testemunho convicto da

sua esperança, mesmo que o mundo e a sociedade atuais afirmem que ela é algo

supérfluo ou desnecessário. Na verdade, solidez e firmeza no discurso são

características que pede a teologia e é para isso que ela se propõe. Como nos diz

Clodovis Boff: “A pessoa de fé quer naturalmente saber o que é mesmo aquilo

2 Um excelente confronto dos desafios da fé na modernidade e na pós-modernidade encontra-se nesta obra de J. B. Libânio: LIBÂNIO, J. B. Eu creio, nós cremos. Tratado da fé. São Paulo: Loyola, 2000, p. 41-76. Sobre as características da modernidade e da pós-modernidade indicamos: RUBIO, A. G. Unidade na pluralidade: o ser humano à luz da fé e da reflexão cristãs. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2001, p. 45-50. Tb. LYON, D. Pós-modernidade. São Paulo: Paulus, 1998. 3 Cf. RUBIO, A. G. Op. cit, p. 49-50.

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que acredita, se é verdade ou não. Quer saber também o que implica tudo aquilo

em sua vida concreta e em seu destino”4.

Perante isso, o discurso teológico não pode ser alguma coisa que fuja deste

mundo, mas ao invés disso, deve trazer sentido para ele. No mundo atual não há

espaço para uma esperança desencarnada, fora da realidade; se isso ocorre é pura

alienação e não esperança. É certo que, a esperança aspira algo novo, porém

sempre dentro do horizonte em que se encontra. Ela não se situa fora da história,

mas interage em meio a ela para que, se necessário for, venha a mudar o rumo da

própria história. Desta maneira, um estudo sobre a esperança cristã encontrará

relevância na teologia atual, principalmente por resgatar as mais profundas

aspirações que o ser humano é capaz de produzir. Por certo, afirmamos que, onde

não há esperança tampouco existe história; sem história não há esperança e, sem

esperança e sem história não existe teologia.

Em virtude disso, optamos neste trabalho de pesquisa que segue por

percorrer este caminho audacioso que se propõe numa discussão sobre a

esperança. Faremos isso na perspectiva de um grande autor, neste caso, Jürgen

MOLTMANN5. Dentre todos-as os-as teólogos-as contemporâneos é, sem dúvida,

o autor que mais se debruçou sobre o presente tema, re-ordenando toda a teologia

na perspectiva da esperança. No momento em que situamos o autor em sua

trajetória, percebemos que sua história de vida e sua carreira teológica surgiram

mediante a esperança. Ela foi a única força capaz de mantê-lo vivo durante grande

período de cativeiro num campo de concentração e, ainda hoje, num momento de

maior serenidade, ainda continua conduzindo o autor para novas aventuras dentro

do infinito universo teológico. Assim sendo, o nosso objetivo nesta pesquisa é

fundamentar e refletir a esperança cristã na teologia de MOLTMANN.

Para isso, será necessário fazer algumas opções, devido ao grande número

de obras que o autor produziu em sua carreira, todas elas decorrentes da temática

da esperança. Deste modo, os fundamentos e reflexões que apresentaremos aqui

correspondem respectivamente aos primeiros anos de carreira teológica do autor,

principalmente com base em sua obra Teologia da Esperança (Theologie der

Hoffnung) de 1964. Tendo isso claro, destacamos que, o eixo central de nosso 4 BOFF, C. Op. cit., p. 25. 5 Como Jürgen MOLTMANN é objeto de nosso estudo, nesta pesquisa sempre apresentaremos o seu sobrenome em CAIXA ALTA, para obter com isso, uma maior identificação e um maior destaque do autor. Maiores informações sobre ele serão apresentadas no decorrer do trabalho.

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trabalho e que irá perpassar por todo o corpo escrito é a esperança cristã. Nós a

aprofundaremos, primeiramente, em âmbito geral para depois aprofundá-la dentro

da teologia do autor, ou seja, como que o autor concebe a esperança em sua vida.

Depois, num segundo momento, como que ele a reproduz em sua teologia. Não

será possível aqui contemplar o todo de sua reflexão, mas destacaremos aqueles

pontos que são fundamentais e indispensáveis para se conseguir uma profunda

reflexão sobre ele.

Então, dividiremos o nosso trabalho da seguinte maneira:

Num primeiro momento (capítulo 2) nós fundamentaremos e refletiremos

a esperança cristã em âmbito geral, no qual serão apresentadas as direções e as

especulações que ela sofreu no decorrer da história. Este é um ponto importante e

fundamental para o nosso trabalho, porque o nosso autor não inicia a sua reflexão

do zero, mas ele está inserido num contexto, que por sua vez, possui a sua

concepção de esperança.

Para fazer isso, nós apresentaremos primeiramente o que vem a ser

esperança, qual é a sua essência e o seu conteúdo. Isso será feito discernindo-a

desde sua origem etimológica, na sua incidência na história e na sociedade. Ao

fazer isso, nós perceberemos que a esperança possuiu variantes interpretativas no

decorrer da história. Ter esperança significa basicamente esperar por alguém ou

por alguma coisa, na maioria das vezes é uma espera por um bem, mas num

conceito grego poderia também significar algo não tão bom. Numa perspectiva

teológica observamos que ela é essencial para a fé cristã, pois é capaz de uma

força que abre o ser humano ao transcendente, direcionando-o-a ao sentido último

da vida, o éschaton.

Após termos bem claro esses fundamentos, apresentaremos os

fundamentos teológicos da esperança cristã, nos quais serão retratados desde as as

experiências do povo do Antigo Testamento, conduzida logo após para o Novo

Testamento, onde a esperança cristã se confirma de fato, pelo mistério do Cristo

ressuscitado. Aqui serão refletidos sobre os objetos que contém esta esperança e

que serão posteriormente confrontados com a teologia de MOLTMANN. O

desfecho final deste capítulo é uma importante reflexão sobre os fundamentos

apresentados na teologia do Novo Testamento por Paulo. Escolhemos Paulo e

duas de suas cartas (Efésios e Filipenses) pelo fato de ele ser apresentado como o

primeiro teólogo da esperança e, estas duas cartas, contêm elementos

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importantíssimos para a teologia cristã, que para nós aqui, servirão de base para o

que virá a seguir.

Tendo feito isso, o nosso trabalho destinar-se-á, a partir de agora para

fundamentar e refletir a esperança cristã em MOLTMANN. Isto será apresentado

de maneira especial no capítulo 3. Neste momento, nós teremos como ponto de

partida o autor em seu contexto histórico, que é o nosso ponto de referência na

pesquisa. Perguntamos: como ele concebeu a esperança? De que maneira ela veio

fazer parte de sua vida? O que modificou em seu ser e qual são suas perspectivas

atuais? Estas e outras perguntas serão respondidas pelo próprio autor no

desenrolar deste capítulo.

Para tanto, procuraremos resgatar fatos importantes de sua vida: sua

origem, experiência de guerra, período que foi prisioneiro em campo de

concentração – momento em que o autor sempre retorna para responder seus

anseios teológicos –, pós-guerra, experiência familiar e acadêmica, etc. Tendo

feito isso, decidimos por apresentar os principais fundamentos de sua teologia, na

qual a esperança cristã possui destaque especial: O Cristo ressuscitado; O Cristo

ressuscitado é o Cristo crucificado; O Reino de Deus; O Futuro de Cristo e a

realização humana. Aí entenderemos de que modo ele vê a esperança e como ele a

destaca. Nestes fundamentos extraídos da esperança cristã em MOLTMANN

teremos a possibilidade de refletir considerando as características que foram

apresentadas no capítulo anterior. Assim, perceberemos que a esperança não se

engessa no autor e o autor também não se engessa nela, ambos partem para outros

horizontes motivados por uma experiência sempre nova.

Tal fundamentação e reflexão nos conduzem a outro capítulo: a esperança

cristã a partir de MOLTMANN. Neste capítulo 4 pretenderemos demonstrar o

resultado da esperança cristã que o autor concebeu em sua vida. A melhor maneira

para se fazer isso, a ponto de ser o mais fiel possível ao seu pensamento, é ter

como base de apoio a sua obra clássica: Teologia da Esperança. É a primeira de

suas grandes obras e é um marco importante para a teologia contemporânea. Nela

estão depositados os principais fundamentos de sua teologia e a maneira como ele

descreveu a esperança está num sentido totalmente orientado para o futuro.

Então, chega-nos agora a pergunta: como compreender a esperança cristã

na Teologia da Esperança? E de que maneira ela é confrontada na atualidade?

Inicialmente é preciso percorrer o caminho que o nosso autor fez em sua obra,

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resgatando um legado histórico e confrontando atualmente. Em sua obra são

apresentadas três teses fundamentais: 1) O cristianismo é escatologia do princípio

ao fim; 2) A fé cristã vive da ressurreição de Cristo; 3) O problema do futuro. Ele

procurou responder a estas questões em sua obra, percorrendo um caminho do

passado para o futuro, da história cumprida para a história prometida. Na teologia

da Esperança a ressurreição de Cristo ocupa um lugar de destaque, pois

fundamentada nas promessas do Antigo Testamento irrompe na história rumo à

eternidade: o eterno penetra na história e a conduz para um futuro novo.

É-nos apresentado um Deus que se revela na história, que se faz história,

para com isso, transformar a história. Um ponto importante de sua reflexão diz

respeito à revelação e o modo como ela acontece por meio de promessas. Elas

marcam totalmente a história do povo com Deus. O Deus cristão é um Deus

promitente, que ao revelar-se anuncia um futuro sempre novo e como

conseqüência ele interage na história. Isso fará com que MOLTMANN

disponibilize parte de seu trabalho para discernir sobre as conseqüências de uma

escatologia cristã. O ponto-chave que ele utiliza é o conceito de missão (missio),

pelo qual o cristianismo, inserido no mundo, faz da sua esperança algo concreto,

capaz de trazer justiça, solidariedade e libertação.

Vemos nisso tudo que a esperança cristã, fundamentada e refletida na

teologia de MOLTMANN, nunca aparece como algo passivo, mas sempre de

maneira ativa, impulsionadora e transformadora da realidade. Surge em meio às

contradições da vida, entre o futuro prometido e o presente não realizado. É o

reflexo da contradição presente no evento da cruz e da ressurreição, ponto

fundamental na sua teologia e situação corrente na vida cristã. Isso é o que

pretendemos apresentar com o nosso trabalho, que sabemos, não representa o todo

de sua teologia, mas resgata aqueles pontos essenciais por ele desenvolvidos.

Quando decidimos por falar de esperança, inserimo-nos nesse universo

encantador e desafiador, onde o ser humano se vê envolvido por mudanças e

aventuras. É o resultado de uma paixão pelo mundo, pela teologia e pela vida.

Falar disso é falar de esperança. Deste modo, resta-nos agora apresentar: A

esperança cristã: Fundamentos e reflexões na teologia de Jürgen MOLTMANN

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2 A esperança cristã Para iniciarmos a nossa pesquisa sobre a esperança cristã, é necessário,

antes de tudo, compreender, num âmbito geral, o que vem a ser esperança. É

importante, num primeiro momento, desvendar a sua essência e o seu conteúdo.

Para tanto, nos propomos a discernir, neste capítulo, a esperança, desde a sua

origem etimológica, perpassando pela sua incidência na história e na sociedade, na

qual serão destacadas algumas correntes e pensamentos filosóficos para

chegarmos enfim ao conceito teológico6. Deslocaremos, então, nosso foco de

atenção para os fundamentos bíblicos e teológicos que ela contém. Estes

fundamentos serão necessários para o que pretendemos com o nosso trabalho

posteriormente, no caso: A esperança cristã em MOLTMANN e a partir dele.

Certamente, veremos, neste capítulo que segue que o nosso estudo não abrangerá

o todo desta questão, mas, com certeza, elucidaremos aquilo que para a nossa

pesquisa se mostrou de maior relevância. 2.1. O que entendemos por esperança Em uma perspectiva geral, a definição mais simples que podemos

encontrar para esperança é o ato de esperar o que se deseja. Notamos, a partir

daqui, que se trata de um conceito dinâmico, algo de caráter propulsor. Esta

palavra está relacionada com expectativa, ou também, com fé. Isso traz consigo a

conjugação de um importante verbo, característico dela mesmo: esperar. Sua

definição significa ter esperança, ficar ou estar à espera, supor, presumir,

aguardar, ter fé, confiar, estar na expectativa. Na medida em que esta espera é

6 Neste quesito apenas elucidaremos algumas linhas sobre as quais se debruça o termo esperança, principalmente, em âmbito geral, no pensamento grego antigo, na tradição judaico-cristã e na filosofia moderna. Nesta última apenas mencionaremos alguns aspectos relevantes como também alguns autores. Trata-se apenas de uma introdução para chegarmos ao conteúdo teológico.

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aprofundada dentro do contexto esperança, categoricamente, presume-se, na

maioria das vezes, em esperar por um bem7.

Trazendo a definição para uma perspectiva teológica observamos que o

tema da esperança constitui algo essencial para a fé cristã, pois se trata de uma das

três virtudes teologais, ao lado da fé e da caridade (cf. 1Cor 13,13). Estas virtudes

são chamadas teologais porque o ser humano não as adquire através do próprio

esforço8, mas como resposta a uma força externa (graça), capaz de despertar nele

uma busca de sentido, uma razão para a sua própria existência. Isso faz do ser

humano um ser especial, pois na medida em que ele se sente envolvido pela graça

divina, descobre em si mesmo uma abertura ao transcendente. Esta ação o

direciona ao sentido último da vida (éschaton) e, a certeza que lhe é trazida pela fé

só pode ser sustentada pela esperança. Ela é a chave para o futuro.

Dentro deste contexto, para Belloso,

a esperança se abre como horizonte da existência humana no momento presente. Por isso, comunica paz e segurança ao sujeito, porque lhe testemunha que há futuro para ele. A existência certa deste futuro permite que as pessoas aceitem e assumam, de maneira positiva, o presente em que vivem9. Desta forma, ao procurar dar razões dessa sua esperança no futuro, o ser

humano descobre que ele não é apenas passado e presente, mas, como atesta

Leonardo Boff: “Ele é principalmente futuro. É projeto, prospecção, distensão

para o amanhã”10. Isto tudo, dentro de uma perspectiva cristã, não se consegue por

si só, mas por fruto e obra da graça, capaz de envolver a pessoa inteira. Sobre esta

relação humano-divina, Mário A. Sanches confirma: “o ser humano sente que

conhece e é conhecido pelo Absoluto, sente que envolve e é envolvido pelo

Transcendente, sente, enfim, que é parte consciente dessa realidade Transcendente

e Absoluta e, portanto, Eterna”11.

7 Cf. tb. ESPERAR. In: LALANDE, A. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 326-327. Um bom aprofundamento deste verbo (esperar) se torna importante pelo fato de que nos textos sagrados ele terá grandes e diferentes conotações, como demonstraremos a seguir. Neste aspecto sagrado, ele, o verbo esperar, realça a sua força e a sua posição diante da revelação de Deus na história e, fortalece o povo que caminha e espera o futuro de Deus. Demonstra, em geral, uma ação dinâmica, sempre em movimento. 8 Cf. SANTOS, M. F. Dicionário de filosofia e ciências culturais. v. IV. 4. ed. São Paulo: Matese, 1966, p. 1408. 9 BELLOSO, J. M. R. Esperança. In: Dicionário de conceitos fundamentais do cristianismo. São Paulo: Paulus, 1999, p. 227. 10 BOFF, L. Vida para além da morte. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 17. 11 SANCHES, M. A. Bioética: ciência e transcendência. São Paulo: Loyola, 2004, p. 36.

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Podemos dizer, então, que a relação entre o ser humano e a sua

transcendência desperta em seu interior uma expectativa superior em relação à

própria vida. É o desejo de algo mais, que denominamos, por fim, de esperança.

Logo, é certo afirmarmos que, esperança “é a expectação de algo superior e

perfeito”12. Assim, a pessoa que a tem “aguarda algo de maior, de melhor, de mais

perfeito, que venha a suceder”13. Isso já demonstra a sua relação com o futuro,

com o éschaton, o que faz da sua fundamentação algo de grande importância para

a escatologia atual14. Por esta razão, é válido ressaltarmos que:

A esperança não é produto de nossa vontade, mas de uma espontaneidade, cujas raízes nos escapam, porque ela não é genuinamente uma manifestação do homem,

12 SANTOS, M. F. Op. cit., p. 1408. 13 Ibid. 14 A escatologia cristã não é mais entendida hoje apenas como um discurso antecipador, referindo-se somente aos novíssimos. Trata-se de um discurso performativo, ou seja, implica-se na realidade histórica de maneira a transformá-la. A atenção não se concentra mais nas coisas últimas e, sim, no último, no futuro absoluto, no éschaton. Como atesta Von Balthasar, em Cristo, “personificação das coisas últimas”. Assim, Cristo é o sentido último da história, o que vai fazer da escatologia uma articulação também cristológica, pois Jesus Cristo é o sujeito da esperança; ou ainda, o ressuscitado é a nossa esperança (cf. Cl 1,27). Para MOLTMANN, o autor que iremos trabalhar posteriormente, a escatologia cristã fala de Cristo e de seu futuro. Logo, ele é o fundamento de todo enunciado escatológico. Para compreendermos então a esperança em toda a sua dimensão antropológica, teológica e filosófica a escatologia afundará as suas raízes no ser humano, portador da revelação de Deus, portador da esperança. Cf. TAMAYO, J-J. Escatologia cristã. In: Dicionário de conceitos fundamentais do cristianismo, p. 223. Além das obras de MOLTMANN que tratam desta questão específica e irão aparecer no decorrer do trabalho, destacamos aqui outras obras e autores, que tivemos acesso, que tratam da Escatologia no contexto atual: BARBAGLIO, G.; DIANICH, S. Nuovo dizionario di teologia. Milano: Paoline, 1985, p. 382-411. NOCKE, F-J. Escatologia. In: SCHNEIDER, T. Manual de dogmática. v. II. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. VORGRIMLER, H. Escatologia/juízo. In: Dicionário de conceitos fundamentais de teologia. São Paulo: Paulus, 1993. LIBÂNIO, J. B.; BINGEMER, M. C. L. Escatologia cristã. O Novo Céu e a Nova Terra. Petrópolis: Vozes, 1985. RAHNER, K. Curso fundamental da fé. Introdução ao conceito de cristianismo. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2004, especialmente, p. 498-516. Id. O morrer cristão. In: Mysterium salutis. v. 2. Petrópolis: Vozes, 1984, p. 233-259. RATZINGER, J. Escatologia: La muerte y la vida eterna. Barcelona: Herder, 1984. LEPARGNEUR, H. Esperança e escatologia. São Paulo: Paulinas, 1974. BLANK, R. Escatologia do mundo. O projeto cósmico de Deus. São Paulo: Paulus, 2001. Id. Escatologia da pessoa. Vida, morte e ressurreição. São Paulo: Paulus, 2000. BOFF, L. Vida para além da morte. Op. cit. Id. A nossa ressurreição na morte. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1997. Id. O destino do homem e do mundo. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1991. KEHL, M. Escatología. Salamanca: Sígueme, 1992. Id. O que vem depois do fim? Sobre o ocaso do mundo, consumação, renascimento e ressurreição. São Paulo: Loyola, 2001. SCHMAUS, M. A fé da Igreja. v. IV. Petrópolis: Vozes, 1977. Id. Le ultime relalità. Paoline, [?]. BOFF, Lina. A fé na comunhão dos santos. Atualidade teológica, ano VIII, n. 16, jan./abr., Rio de Janeiro, 2004, p. 25-47. Id. Da Protologia à Escatologia. In: MÜLLER, I. (Org.). Perspectivas para uma nova teologia da criação. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 111-129. Id. Índole escatológica da igreja peregrinante. Atualidade teológica, ano VII, n. 13, jan./abr., Rio de Janeiro, 2003, p. 9-31. TORNOS, A. Escatologia I. Madrid: UPCO, 1991. Id. Escatologia II. Madrid: UPCO, 1991. ALTOBELLI, R.; PRIVITERA, S. Speranza umana e speranza escatológica. Turin: San Paolo, 2004. LA PEÑA, J. L. R. La pascua de la creacion. 3. ed. Madrid: B.A.C., 2000. Id. La otra dimension: Escatología cristiana. 3. ed. Santander: Sal Terrae, 1986. Algumas destas obras poderão aparecer no decorrer de nosso trabalho de maneira mais precisa.

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porque não encontramos na estrutura da nossa vida biológica, nem da nossa vida intelectual, uma razão que a explique15. Falar de esperança é falar da força positiva que nos faz caminhar rumo a

um horizonte, onde apenas a alegria de estar caminhando já é de certa forma,

transformadora da realidade. É uma força que transcende toda e qualquer

experiência humana; é uma expectativa que aspira algo supremo, intocável,

infinito. Por esta razão, torna-se difícil descrevê-la, antes é preciso se deixar

envolver por ela, pois apenas a esperança nos faz desfrutar, já no presente, um

kairós vivificante e anunciador de um ainda não futuro. Por isso, as promessas

(passado), se transformam em prelúdios futuros, nos quais já é vislumbrado,

mesmo que precocemente, um ainda não (futuro), mas que preconiza, por assim

dizer, um eterno presente.

Muitas são as definições atribuídas à esperança e estas se apresentam

mediante traços culturais, sociais, filosóficos, psicológicos e religiosos. É uma

força que leva o ser humano para além de si mesmo, que destina a historia para

além da história, que propicia uma transformação, um anseio por mudança.

Por certo, ao procurarmos uma resposta concreta para aquilo que

entendemos por esperança, propomo-nos, pois, defini-la a partir de alguns

aspectos relevantes, no intuito de fundamentar sistematicamente o nosso estudo.

Para tanto, faz-se necessário conceituá-la de diferentes modos, a ponto de

confrontar as definições, ao mesmo tempo em que fazemos um resgate histórico-

filosófico de sua origem, linguagem e influência na história.

2.1.1. Noções gerais de esperança Na sua etimologia latina, esperança vem de spes, também compreendida

pelo verbo esperar: sperare. Significa: “espera aberta; que não versa sobre

resultados externos (como a expectativa), mas sobre a realização do ser pessoal

(ou sobre uma mudança radical da condição humana)”16. De uma maneira

15 SANTOS, M. F. Op. cit., p. 1408. 16 RUSS, J. Dicionário de filosofia. São Paulo: Scipione, 1994, p. 89.

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genérica pode abranger “toda a tendência para um bem futuro e possível, mas

incerto”17.

Diante de um quadro psicológico, esperança é a “tensão própria de quem

se sente privado de um bem ardentemente desejado, mas que julga poder alcançar

por si mesmo ou por outrem”18. Desse modo, ela apresenta alguns elementos

constitutivos, como por exemplo: desejo de um bem e confiança na sua futura

aquisição19. Podemos dizer, então, que, apenas ao ser humano é dada a condição

de esperar, devido a sua dimensão de transcendência. “Porque só ele, como ser

finito e inteligente que é, jamais se acomoda à sua finitude e dela constantemente

forceja por se libertar”20.

Esta esperança humana se afirma sob a ação da vontade, como virtude que

mantém intacta, através das contingências e vicissitudes da vida, a capacidade de

sempre poder esperar, mesmo contra toda a desesperança21. Como afirma o

filósofo Marcel: “ela é a mola secreta de um homem itinerante”22. Talvez por isso

desperta no olhar humano esta abertura transcendental, capaz de desvendar o

horizonte e projetar para ele a sua vida. É um impulso positivo.

2.1.2. A esperança no pensamento grego O termo esperança, em grego, elpis, designava a atitude de quem espera ou

aguarda qualquer acontecimento, alegre ou triste, feliz ou infeliz23. Pode aparecer

também através dos termos elpizen e elpidso, que significam expectativa, esperar.

Algumas vezes, a esperança é considerada como vã e ilusória, já o poeta grego

Teógnis (VI a.C.) a considerava como uma divindade amiga, sendo a única

consolação24. Outro filósofo, Heráclito (540-470 a.C.), afirmava que: “sem a

esperança não se encontrará o inesperado, que é incontestável e inacessível”25.

17 CABRAL, R. (Dir.). Logos. Enciclopédia Luso-brasileira de filosofia. V 2. Lisboa/São Paulo: Verbo, 1990, p. 227. 18 Ibid. 19 Cf. Ibid. 20 Ibid., p. 228. 21 Cf. Ibid., p. 229. 22 RUSS, J. Op. cit., p. 89. 23 Cf. CABRAL, R. Op. cit., p. 229. 24 Cf. Ibid. 25 RUSS, J. Op. cit., p. 89.

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Os gregos reconheciam a esperança, mas se preveniam contra a sua

insegurança. Para eles, o ser humano se faz dono do futuro não através da

esperança, mas por julgar o presente e, em conseqüência, agir26.

Na linguagem clássica, o termo elpis, tinha um significado ambíguo:

poderia se tratar da boa ou má esperança. Em alguns meios culturais assumia um

sentido negativo, algo pouco motivado, uma espera vã e presumida. Isto,

sobretudo no estoicismo27, onde a apatheia28 deve superar a esperança, que

aparece como incerta.

Porém, existiam tendências mais otimistas, principalmente na tradição

platônica, mas mesmo assim, aparecia como uma orientação racional. Somente

com Sófocles (496-405 a.C.) a idéia de confiança se uniu à de previsão. A partir

daí, como espera motivada, elpis dizia respeito a coisas futuras, tanto infaustas

como felizes. Esta idéia de futuro era tematizada por Platão (428/27-347 a.C.),

sobretudo em Filebo (diálogo de cunho ético) e, depois com Aristóteles (384-322

a.C.), aparecendo mais nos escritos retóricos que nos metafísicos29. Neles, a

esperança é reconhecida como estrutura fundamental da existência humana30.

26 Cf. HOFFMANN, P. Esperança. In: FRIES, H. (Dir.). Dicionário de teologia. Conceitos fundamentais da teologia atual. São Paulo: Loyola, 1970, p. 82. Baseado em: Píndaro, Nem, 11,46. 27 Estoicismo: Podemos apresentar esta definição em duas partes: 1) O estoicismo clássico: afirma que todo o universo é corpóreo e governado por um logos divino (noção que tomam de Heráclito e desenvolvem). A alma está identificada com este princípio divino, como parte de um todo ao qual pertence. Este logos (ou razão universal) ordena todas as coisas: tudo surge a partir dele e de acordo com ele, graças a ele o mundo é um kósmos (termo que em grego significa harmonia ou ordem). A partir disso surge como conseqüência ética o fato de viver conforme a natureza: sendo a natureza essencialmente o logos, essa máxima é prescrição para se viver de acordo com a razão. Sendo a razão aquilo por meio do que o ser humano torna-se livre e feliz, o ser humano sábio não apreende o seu verdadeiro bem nos objetos externos, mas usando bem estes objetos através de uma sabedoria pela qual não se deixa escravizar pelas paixões e pelas coisas externas. A última época do estoicismo, ou período romano, caracteriza-se pela sua tendência prática e religiosa. 2) A relação do estoicismo com os Padres da Igreja: A influência estóica no período da Patrística (séc. I-VIII d.C.) diz respeito à terminologia, transferida para o pensamento cristão. Assim, os conceitos podem ser adaptados e expressar verdades cristãs, que às vezes são acolhidos e inseridos no tecido da doutrina cristã. Outras vezes, aparece como orientação espiritual e o otimismo estóico. Para estas e outras maiores informações sobre o estoicismo e a sua relação com o cristianismo durante a Patrística, consultar: ESTOICISMO E OS PADRES. In: Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs. Petrópolis, São Paulo: Vozes, Paulus, 2002, p. 515-517. 28 Apatheia: Pronunciada claramente por Platão em Fédon, 82c, onde o filósofo é apresentado como totalmente livre dos prazeres do corpo e indiferente aos males da vida, sem os males das paixões, considerados como impulsos irracionais e não-naturais da alma. Tornou-se o ideal ético supremo no estoicismo mais antigo, o de Zenão, Cleantes e Crisipo. Pela influência platônica este termo irá aparecer no período patrístico, referindo-se a Deus, a alma, a morte, etc. Cf. Ibid., p. 125. 29 Cf. ESPERANÇA. In: Ibid., p. 501-502. 30 Cf. CABRAL, R. Op. cit., p. 229.

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Platão, no Fédon, traz uma sólida e comovida argumentação em favor da

grande e bela esperança, porém relacionada depois da morte. Neste caso é

ressaltada a importância da sobrevivência da alma. Ele também resgata o valor

etimológico da palavra elpis como desejo31. A atitude de Platão diante da morte é

uma atitude de esperança32. Na tradição platônica, elpis pode também significar a

espera da vida no além. Surge, agora, uma relação com o Belo e com o Bem,

através da qual a esperança (elpis) alcança o seu cumprimento máximo33.

No pensamento grego, a sua distinção enquanto memória se refere ao

passado e a sensação vê o presente; deste modo, a esperança concerne ao futuro.

2.1.3. A esperança na cultura judaico-cristã A certeza de um futuro pleno e feliz, caracterizado pela esperança, só

encontramos, de fato, com a tradição judaico-cristã. Nela, a esperança aparece

como o fim das tensões que trabalham o coração humano e encaminha à posse

gratuita do próprio Deus34. Aparece no ato de esperar (spes qua), que se funda no

objeto da esperança (spes quae) e, que aqui, é o próprio Deus35.

Dentro deste universo a esperança se alimenta da tradição judaica e dos

feitos de Deus. Esta concepção, sem dúvida, permeia também o cristianismo que

se vê envolto por esta convicção de um Deus que sempre está ao lado dos seus.

Fato caracterizado pelas promessas, ponto forte da esperança que exploraremos

mais adiante. No entanto, no caminhar para a história moderna, por muitas vezes,

esta esperança judaico-cristã se viu as margens de utopias sociais e políticas, que

surgiram tanto de um ponto de vista positivo quanto também negativo. Um

exemplo desta relação se confronta com o ateísmo europeu36.

31 Cf. Ibid., p. 230. 32 Cf. PIEPER, J. Esperança. In: FRIES, H. Op. cit., p. 83. 33 Cf. Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs, p. 502. Para maiores informações sobre o PLATONISMO, consultar este verbete neste dicionário. 34 Cf. CABRAL, R. Op. cit., p. 230. 35 Cf. Ibid. 36 Cf. CAFFARENA, J. G. Ateísmo. In: Dicionário de conceitos fundamentais do cristianismo, p. 32-39. Cf. tb. ROLFES, H. Ateísmo/Teísmo. In: Dicionário de conceitos fundamentais de teologia, p. 24-32. Cf. tb. FRAIJÓ, M. Fragmentos de esperança. São Paulo: Paulinas, 1999, p. 159-221. Cf. tb. BLOCH, E. Ateismo nel cristianesimo: Per la religione dell’Esodo e del Regno. Milano: Feltinelli, 1971.

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Neste mesmo aspecto – mais racionalista – aparecerá dentro do universo

filosófico europeu, principalmente em seu contexto moderno.

2.1.4. A esperança na filosofia moderna Na filosofia moderna, por estar centrada na exploração da subjetividade, o

tema da esperança não desperta tanto interesse, sendo lançado, geralmente, para as

reflexões relacionadas às paixões ou emoções37.

Em conseqüência do pleno domínio racionalista, a fé cristã viu-se pouco a

pouco amputada diante dos grandes objetivos da sua dimensão escatológica, a

ponto de a spes quae (esperança fundamentada em Deus) ficar totalmente

reduzida ao spes qua (simples ato de esperar). Assim, a esperança secular

alimenta as mais recentes expressões de utopia e messianismo temporal38. Surge a

partir daí a crítica da religião39.

Desta maneira, a dimensão utópica do marxismo passa a absorver

elementos escatológicos da tradição cristã e procura redirecioná-los. Isto fica

evidente na filosofia de Ernst Bloch, com a sua obra Princípio Esperança, Das

Prinzip Hoffnung, publicada em 195440. Sobre ela MOLTMANN, autor cujo tema

37 Isto aparece em alguns tratados filosóficos modernos. Cf. RUSS. J. Op. cit., p. 231. Ver também a obra de Abbagnano, que lança o termo esperança no capítulo das emoções, sem qualquer referência ou maior relevância: ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 354. 38 Cf. CABRAL, R. Op. cit., p. 231. Maiores definições sobre utopia e messianismo temporal podem ser encontrados como verbetes neste mesmo dicionário. 39 A crítica da religião não é objeto de nossa pesquisa, portanto não avançaremos nesta questão. Maiores informações a este respeito podem ser encontradas nas seguintes obras: GIMBERNAT, J. A. Religião (crítica da). In: Dicionário de conceitos fundamentais do cristianismo, p. 684-688. cf. tb. SCHWAGER, R. Crítica ideológica da religião. In: Dicionário de conceitos fundamentais de teologia, p. 139-144. Cf. tb. ALVES, R. O que é religião. 7. ed. São Paulo: Loyola, 1999. Cf. tb. MONDIN, B. Quem é Deus?: Elementos de teologia filosófica. São Paulo: Paulus, 1997, p. 80-176. 40 Cf. CABRAL, R. Op. cit., p. 231. Destacamos aqui o filósofo Ernst Bloch, pois nosso objetivo para este trabalho, a partir do próximo capítulo, é descrever a esperança, neste caso, esperança cristã em MOLTMANN e a partir dele. Na sua obra Teologia da Esperança (Theologie der Hoffnung) ele obteve de Bloch sua influência filosófica. O fato de decidirmos tratar com destaque especial neste momento este autor e filósofo não significa afirmar que foi apenas ele que influenciou MOLTMANN em sua carreira teológica. Afirmar isto é desrespeitar o autor, como alerta Érico João Hammes ao dizer, por exemplo, que em O Deus Crucificado (Der gekreuzigte Gott) ele se serve da dialética negativa e da teoria crítica de Th. Adorno e M. Horkheimer. Já em O caminho de Jesus Cristo (Der Weg Jesu Christi) volta em parte a Bloch, mas recorre mais a M. Buber e W. Benjamin. Segundo Hammes o comum é a influência permanente da tradição judaica e só assim é possível ler MOLTMANN como um todo. Cf. HAMMES, E. J. A cristologia escatológica de J. Moltmann. Teo comunicação, Porto Alegre, v. 30, n. 130, p. 605-634, Dez.

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esperança queremos desvendar escreve: “A filosofia da esperança de Ernst Bloch

quer ser, em seu ápice, uma ‘meta religião’, isto é, ‘religião como legado’. Ele

pensa poder demonstrar que o substrato hereditário próprio de todas as religiões é

a ‘esperança em totalidade’”41. Portanto, na leitura que MOLTMANN faz de

Bloch ele afirma: “quem quiser ser herdeiro da religião, sobretudo do

cristianismo, deve tornar-se herdeiro de sua esperança escatológica”42.

Cabral também destaca que, Bloch define a esperança como “uma

consciência antecipativa do Ainda-Não-ser nas dimensões correspondentes do

Ainda-Não-consciente do homem e do Ainda-Não-realizado na natureza”43. Esta

expressão Ainda-Não demonstra um caminhar da esperança que está orientada

para o futuro, como algo a se confirmar. Para ele, o seu objetivo é o ser utópico,

suprimindo a alienação entre o sujeito e o objeto, a existência e o mundo, a

natureza e o ser humano. Numa perspectiva não-religiosa ele transforma a

esperança bíblica do Reino de Deus na idéia de uma futura divinização humana,

chamada a transformar este mundo numa nova terra de promissão44.

Porém, dentro da filosofia moderna, alguns autores cristãos também se

dedicam ao tema da esperança, dentre eles: Le Senne, T. de Chardin, J. Pieper, G.

Marcel; evidentemente, aqui representados num contexto europeu45. Eles

2000, espec. p. 610. No entanto, devido a sua importância ao refletir a esperança dentro da filosofia moderna gostaríamos de mencionar aqui outras obras de Bloch e sobre Bloch que merecem destaque: 1) Do autor: BLOCH, E. Das Prinzip Hoffnung. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1959. Id. Ateismo nel cristianesimo. Op. cit. Id. Derecho natural y dignidade humana. Madrid: Aguilar, 1980. 2) Sobre Bloch: FRAIJÓ, M. Fragmentos de esperança. Op. cit. Cf. tb. GÓMEZ-HERAS, J. M. G. Sociedad y utopía en Ernst Bloch: Presupuestos ontológicos y antropológicos para una filosofía social. Salamanca: Sígueme, 1977. cf. tb. MUNSTER, A. Ernst Bloch: Filosofia da práxis e utopia concreta. São Paulo: Unesp, 1993. Cf. tb. FURTER, P. Dialética da esperança: uma interpretação do pensamento utópico de Ernst Bloch. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974. 41 MOLTMANN, J. Teologia da Esperança: Estudos sobre os fundamentos e as conseqüências de uma escatologia cristã. Trad. Helmuth Alfredo Simon. 3. ed. São Paulo: Teológica, Loyola, 2005, p. 423. Título Original: Theologie der Hoffnung. Esta obra será o nosso ponto de apoio quando confrontarmos estas perspectivas levantadas sobre a esperança com a sua teologia. 42 Ibid., p. 424. 43 CABRAL, R. Op. cit., p. 231. Grifos do autor. 44 Cf. Ibid. 45 Cf. Ibid. Para uma referência latino-americana citamos como exemplo a obra de Libânio: LIBÂNIO, J. B. Utopia e esperança cristã. São Paulo: Loyola, 1989. Isso sem contar com os inúmeros escritos proporcionados pela Teologia da Libertação, que são, de fato, obras que tratam de esperança. Segundo o autor Manuel Fraijó “a teologia da libertação é, provavelmente, aquela que mais entende de esperança. Toda ela é uma teologia da esperança”. FRAIJÓ, M. Op. cit., p. 16. Dentro desses escritos achamos importante destacar uma obra clássica da teologia latino-americana, que a partir de suas perspectivas impulsionou um novo jeito de se fazer teologia: GUTIÉRREZ, G. Teologia da Libertação. Perspectivas. São Paulo: Loyola, 2000. Título original: Teología de la liberación. Perspectivas. Num contexto mais contemporâneo destacamos a obra que resultou do Fórum Mundial de Teologia da Libertação, que discutiu a partir de posições

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procuram trabalhar a questão antropológica da humanidade que espera. “Para o

homem que espera, a realidade é uma fonte inesgotável de imprevisíveis

possibilidades, capaz de responder a todas as solicitações de um coração generoso

e confiante”46.

A esperança, sob este ponto de vista, é conceituada por eles como um

apelo da criatura à plenitude dadivosa do Ser Infinito, atribuído como Criador,

através do qual ela reconhece dever ser aquilo que se é. Pelo fato de esperar, o ser

humano descobre que o fundamento de toda a realidade na qual está inserido-a

resulta de um Tu Absoluto, onde pelo diálogo, sua esperança se transforma em

profunda atitude religiosa47.

Tudo isso, só pôde resultar, como conseqüência, uma influência direta na

teologia, principalmente na segunda metade do século XX, com o surgimento de

importantes teólogos-as, tanto do lado católico quanto do lado protestante, que se

debruçaram sobre o tema da esperança. Destes-as destacamos Jürgen

MOLTMANN, que, posteriormente, será objeto de nosso estudo neste trabalho.

Por ora, será importante abordarmos aspectos relevantes da esperança cristã tendo

em vista a partir de então o conceito teológico que dela provém.

2.2. O que entendemos por esperança cristã

Falar de esperança, sobretudo de esperança cristã, é dizer o lugar que

ocupa o porvir da vida religiosa do Povo de Deus, o porvir da sua felicidade. Para

isso, as promessas de Deus revelam pouco a pouco o esplendor desse porvir. Isto

fica explícito ao citarmos um clássico autor cristão do período da escolástica48,

Pedro Lombardo:

A esperança [...] é aquela virtude, graças à qual se esperam os bens espirituais e eternos. É, portanto, a espera certa da futura felicidade, que provém da graça de Deus e dos méritos, que ou precederam a esta esperança – o amor precede-lhe na

destacadas no Fórum Mundial Social de 2005, com o slogan: “Outro mundo é possível”: SUSIN, L. C. (Org.). Teologia para outro mundo possível. São Paulo: Paulinas, 2006. 46 CABRAL, R. Op. cit., p. 232. 47 Cf. Ibid. 48 Linha de pensamento dentro da filosofia medieval que é valiosa pelos inúmeros acentos cristãos proporcionados. O seu período vai do século IX até o final do século XVI da era cristã.

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ordem da natureza [não do tempo] – ou à realidade esperada, a saber, à felicidade eterna49. Pedro Lombardo resgata em Paulo, que trata a esperança como virtude,

condicionando-a como uma espera certa. Para ele isto é obra da graça de Deus,

que culmina na felicidade eterna. Esta certeza de que ele trata aqui será por nós

retratada posteriormente, colocando esta espera certa e confiante como uma das

características marcantes da esperança cristã, que nos é proporcionada mediante a

fé na ressurreição. É a fé que garante esta realidade esperada e as exigências que

isto implica. A esperança cristã mantém a paciência e a fidelidade para com Deus,

cuja expressão maior segundo o NT é o amor50, sendo ele no sentido mais

sublime, o amor ágape51.

Para Ruiz de la Peña, importante teólogo católico atual, a esperança cristã

se posiciona no futuro e é uma convicção firme de quem crê. Esta convicção é

garantida pela palavra de Deus que contém uma promessa capaz de garantir ao ser

humano um futuro absoluto e pleno. Este futuro não é uma projeção das

frustrações humanas, mas uma garantia divina sob o desígnio salvífico de Deus52.

Diante de um quadro geral, a esperança cristã, encontrará um fundamento

teológico único: Jesus Cristo. É sobre Ele que se desdobra toda uma Teologia da

Esperança, que se desenvolve desde o início do Cristianismo com Paulo,

percorrendo períodos como a Patrística e a Escolástica até chegar ao que

queremos refletir hoje com MOLTMANN. O percurso que propomos neste

momento, para objeto de nosso estudo, tratará por distinguir inicialmente a

esperança vista no AT e no NT53. Isto nos servirá de base para fundamentação da

esperança cristã e, posteriormente, desenvolveremos um trabalho com os escritos

de Paulo, que foi o primeiro teólogo da esperança. Este é um estudo bastante

denso, portanto, limitaremos apenas aqueles pontos que para nós se demonstraram

relevantes. Após debruçarmos sobre estes estudos estaremos aptos para iniciar o

nosso estudo teológico sobre a esperança cristã em MOLTMANN. 49 PEDRO LOMBARDO. (Sent. III 26,1). Apud: ENGELHARDT, P. Esperança. In: Dicionário de conceitos fundamentais de teologia, p. 239. Grifos do autor. 50 Cf. LÉON-DUFOUR, X. Vocabulario de teología bíblica. Barcelona: Herder, 1965, p. 251. 51 Vale destacarmos também a importante Encíclica de SS. BENTO XVI sobre o amor. BENTO XVI. Deus é amor. São Paulo: Paulinas, 2005. Título original: Deus caritas est. Este amor ágape voltará posteriormente na teologia de MOLTMANN. 52 LA PEÑA, J. L. R. La otra dimensión: Escatología cristiana, p. 23. 53 Utilizaremos a partir de agora as siglas AT para Antigo Testamento e NT para Novo Testamento.

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2.2.1. Fundamentos bíblicos e teológicos do Antigo Testamento Em todo o conteúdo do AT “se respira uma atmosfera de esperança”54.

Contudo, no hebraico não parece haver uma palavra que corresponda exatamente

a ela. As palavras que mais frequentemente expressam esta esperança são: qawah

(esperar) e batah (confiar ou ter confiança)55. Também surge sob o conceito de

tiqwah, sempre na expectativa de um bem futuro, ao contrário do termo grego

elpis, que poderia significar a expectação tanto de um bem como de um mal56.

No hebraico, retratada no AT, a esperança terá um papel decisivo tanto

para o povo de Israel quanto para o indivíduo que a tem, porque neste caso, para

esse povo, a religião está fundamentada numa ótica de promessas. É uma espécie

de confiança na proteção e na benção de Javé, como cumprimento das promessas

da Aliança57. Nesse sentido bíblico sua dimensão é teológica, pois caracteriza a

expectativa de um bem que foi prometido por Deus58. Também representa algo

dinâmico, em movimento, caracterizado pelo ato de esperar59. Aqui, os feitos

passados de Javé são motivos de esperança (cf. Gn 15,7). Eles dão confiança em

seu poder de cumprir as promessas (cf. Gn 17,8; Ex 3,8.17; 6,4; Dt 1,8). Sua

fidelidade é garantida por seu amor pactual60.

Para uma melhor compreensão deste estudo optamos por especificar os

fundamentos etimológicos desta esperança, que como veremos a seguir se

expressa num campo rico e variável. Esta estruturação nos auxiliará para

compreender o modo como esta esperança é apresentada para o povo e para o

indivíduo de Israel.

54 MACKENZIE, J. L. Dicionário bíblico. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 301. 55 Cf. Ibid. 56 Cf. ESPERANÇA. In: Dicionário enciclopédico da Bíblia. Petrópolis: Vozes, 1971, p. 476-478. Ver também: HOFFMANN, P. Op. cit., p. 82. 57 Cf. Dicionário enciclopédico da Bíblia, p. 476-478. 58 Cf. Dicionário bíblico universal. Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário, 1997, p. 246-249. 59 Cf. Ibid. 60 Cf. MACKENZIE, J. L. Op. cit., p. 301.

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2.2.1.1. Fundamentos etimológicos Para caracterizarmos os sentidos em que é aplicado o conteúdo da palavra

esperança no AT, devemos partir da sua origem etimológica, para o qual, torna-se

necessário um levantamento de suas bases. Destacamos, inicialmente, que em

hebraico a palavra esperança aparece por várias raízes: qwh (estar tenso, ansear,

esperar); jhl (aguardar, esperar); hkh (estar sossegado); sbr (espreitar, esperar).

Paralelamente: bth (confiar) e hsh (procurar refúgio, ocultar-se). Portanto, de

início percebemos que, o conceito de esperança contém na sua raiz hebraica as

características de esperar, confiar e perseverar61.

Desta maneira, a esperança surgirá no AT com base num amplo campo

significativo e terminológico: batah (confiar, sentir-se seguro); garah (estar em

tensão, perseverar); yahal (aguardar, esperar); hasah (buscar amparo, refugiar-se);

hakah (esperar com); sabar (confiar, crer, esperar); aman (estar firme e

consolado, crer, confiar, esperar). Assim, Israel espera de Iahweh: benção,

misericórdia, auxílio, juízo justo, perdão, salvação. Ao mesmo tempo em que se

liberte da falsa esperança, feita pela própria ação humana: falsos ídolos, riqueza,

má prática religiosa, poder62.

Porém, é factível notarmos que no AT a esperança desempenha um papel

menos saliente que no NT. No entanto, isto nos servirá de fundamento futuro ao

tratarmos da esperança no NT, quando será proposta uma re-leitura das promessas

feitas por Deus ao seu povo, representadas por uma experiência própria, capaz de

exprimir em palavras inúmeros sentidos. Mas, no momento voltemos o nosso

olhar para o hebraico, vejamos: quando é representada mediante a raiz qwh,

notamos que esta será a mais usada para exprimir o sentido de esperar ou aguardar

alguém ou alguma coisa. Algo que ainda não aconteceu naturalmente. Neste caso,

muitas vezes, é o próprio Javé o objeto desta esperança (cf. Sl 25,3,5.21; 27,14; Is

8,17; Jr 14,22, etc). Também quando é empregado o substantivo miqweh (cf. Jr

14,8; 17,13; 50,7; Cr 29,15; Esd 10,2). Outro substantivo que apresenta a mesma

raiz é tiqwah (freqüente em Jó, Provérbios e Siracida). Relaciona-se com

61 Cf. HOFFMANN, P. Op. cit., p. 82. 62 Cf. Sacramentum mundi. Enciclopédia teológica. t. II. Barcelona: Herder, 1972, p. 794.

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felicidade, alegria de viver. Nas expressões qiweh e tiqwah, referem-se a coisas

que Deus dá nesta vida e que os justos esperam somente Dele63.

Outra palavra pouco usada é haka (cf. Is 8,17; 30,18; Dn 12,12; Sl 33,20;

106,13). Significa a espera de um acontecimento com referência a Deus, aquilo

que Deus faz. Também, sabar, quando se espera alguma coisa de alguém (cf. Sl

104,27; 119,116)64.

Quanto à linguagem religiosa se usa yahal (substantivo: tohelet), usado

com referência a Javé, destacando sua graça, seus juízos, sua palavra (cf. Sl 33,18;

119,43.74.81.114.147; 130,5). Há também um verbo estético que exprime um

estado de alma batah, que como visto acima significa ter segurança, esperar com

segurança. O verbo hasah, também já mencionado, atende por buscar refúgio,

pôr-se a salvo (cf. Sl 2,12; 5,12; 7,2; 11,1; 16,1; 17,7). Num uso freqüente:

mahaseh, que versa sobre refúgio e fortaleza, atende sobre o sentido de que Deus

salva os-as seus-uas que se refugiam junto Dele (cf. Sl 7,2; 17,7). Aman e batah

situam-se sempre na esfera da fé65.

Na tradução do AT, principalmente na Septuaginta, caracterizou-se

esperança sob o termo confiança, num intuito de agarrar-se à fidelidade de Javé.

Num contexto final, confirmamos que no hebraico a pessoa portadora da

esperança, ou seja, que espera, submete-se pela fé a misteriosa vontade divina na

sua totalidade66.

Em síntese, etimologicamente, no AT esperança se caracteriza em esperar,

perseverar e confiar. Certos de que no NT, mesmo sendo escrito em grego, a

abordagem será dentro desta perspectiva, o nosso conceito de esperança extraído

daqui, portanto, é este: esperar, confiar e perseverar.

2.2.1.2. A esperança para o Povo de Israel

Pode ser caracterizada pela esperança das bênçãos de Javé, a qual tem o

seu início marcado pela história das promessas feitas por Deus a Abraão67. Dentro

63 Cf. BAURER, J. B. dicionário de teologia bíblica. São Paulo: Loyola, 1973, p. 360-361. 64 Cf. Ibid., p. 361. 65 Cf. Ibid. 66 Cf. Ibid. 67 Cf. LÉON-DUFOUR, X. Op. cit., p.251-255.

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desta história característica do povo de Israel a esperança passará por alguns

estágios: Até Canaã o objetivo era a terra prometida (cf. Gn 15,7; 17,8; Ex 3,8;

6,4; Dt 1,8). Também será vista pela expectativa do Dia de Javé68, no qual

esperavam a libertação definitiva de todo o mal e início de uma nova era de

felicidade e prosperidade (salvação)69.

Deste modo, os profetas condenaram esta tal esperança como temerária,

pois Israel, pelos seus pecados, não recebera a benção de Javé, mas a maldição.

Os profetas ameaçavam o povo com a punição divina, contudo, não deixavam de

alimentar a esperança na restauração de uma parte deste, que não se perverteu,

sendo chamada de Remanescentes de Israel70. Nesta perspectiva anuncia o profeta

Isaías: “Naquele dia, o Senhor tornará a estender a sua mão para resgatar o resto

do seu povo” (Is 11,11).

Quando isto aconteceu, de fato, a esperança na salvação chegou a seu

ponto alto nos relatos proféticos, sobretudo com Jeremias (cf. Jr 31,31-34;

32,38s), Ezequiel (cf. Ez 16, 59-63; 36,25-28) e Isaías (cf. Is 55,3; 49,8; 61,8).

Agora, esta restauração é anunciada sob a forma de uma nova aliança, 68 Sobre o Dia de Javé dirá o profeta Amós: “Ai daqueles que desejam o dia de Iahweh!” (Am 5,18). Israel, confiante em sua prerrogativa de povo escolhido (cf. Dt 7,6), espera pela intervenção de Deus, que só pode ser favorável. Aqui, o profeta Amós opõe-se a este esperado Dia de Iahweh a concepção de dia de ira (cf. Sf 1,15; Ez 22,24; Lm 2,22) contra Israel endurecido em seu pecado: trevas, lágrimas, massacre, terror (cf. Am 5,18-20; 2,16; 8,9-10; Is 2,6-21; Jr 30,5-7; Sf 1,14-18). Todos estes textos demonstram a invasão devastadora dos assírios e caldeus. Durante o Exílio, este dia tornou-se objeto de esperança; a ira de Deus volta-se contra todos-as os-as seus-uas opressores-as. Marca, portanto, a restauração de Israel (cf. Am 9,11; Is 11,11; 12,1; 30,26). Depois do Exílio, este Dia de Iahweh torna-se grande julgamento que assegura a vitória dos-as justos-as e a ruína dos-as pecadores-as (cf. Ml 3,19-23; Jó 21,30; Pr 11,4). Cf. nota “e” de Am 5,18. In: Bíblia de Jerusalém. Nova edição revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002, p. 1620. 69 Cf. Dicionário enciclopédico da bíblia, p. 476-477. 70 Cf. Ibid. Sobre estes-as remanescentes, também chamados-as de Resto de Israel, vale destacar que se tratam dos-as “sobreviventes” chamados-as por Esdras (cf. Esd 1,4), que constituem o Resto que Deus poupou, identificado, desde Ez 6,8-10, com os-as exilados-as na Babilônia: “Mas para que entre vós haja sobreviventes da espada no meio das nações, espalhados em meio às nações, deixar-vos-ei um resto. Então os vossos sobreviventes no meio das nações por onde tiverem sido levados cativos – quando eu tiver quebrado o seu coração prostituído que me abandonara, e os seus olhos prostituídos com ídolos imundos – se lembrarão de mim...” (grifos nossos). Cf. nota “e” de Esdras 1,4. In: Bíblia de Jerusalém, p. 628. No mesmo contexto, Neemias os-as chama de “os sobreviventes do cativeiro” (Ne 1,3). Também Isaías, ao tratar do Rebento de Iahweh diz: “Então o resto de Sião e o remanescente de Jerusalém serão chamados santos, a saber, o que está inscrito para a vida em Jerusalém” (Is 4,3 – grifos nossos). Neste caso, Isaías se refere a Israel que será castigado. Contudo, porque Deus ama o seu povo, um pequeno resto escapará da espada dos invasores. Este resto, purificado e doravante fiel se tornará a nação poderosa. Após isso (+/- 587) este resto encontrará aos outros que no exílio se converteram. Deus irá reuni-los-as para a restauração messiânica, o que caracteriza uma nova esperança (cf. Is 11,11.16; Jr 23,3; 31,7; Ez 20,37; Mq 2,12-13). Depois do regresso do exílio, este Resto, novamente infiel, será ainda dizimado e purificado (cf. Zc 1,3; 8,11). Somente numa interpretação neotestamentária que podemos perceber, com efeito, que Cristo será o verdadeiro rebento do novo e santificado Israel de que fala Isaías. Cf. nota “b” de Isaías 4,3. In: Bíblia de Jerusalém, p. 1260.

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caracterizada por uma entronização definitiva de Javé na história. Com isso, a

esperança para Israel ganhou um caráter escatológico71. Ela se encontra totalmente

orientada para Deus, pois Dele recebem sua segurança e, somente Nele presente e

futuro se encontram72, conforme, também, conclui Andrés Tornos:

A esperança, tal como a viviam os judeus através destas novas intuições e descobertas religiosas, estava assim tocando os limites de toda dimensão humana. Um passo a mais e se confrontará com esses limites, chegando inclusive no Novo Testamento à certeza de poder vencê-los de todo. Tornar-se-á então escatológica73.

2.2.1.3. A esperança para o indivíduo de Israel

Como foi exposta acima, a esperança também aparece no âmbito

individual. Aquele-a (indivíduo) que espera se apóia na promessa e na fidelidade

de Deus74. O ser humano enquanto vive é portador da esperança. Ela o mantém

vivo, quando ela acaba tudo está perdido (cf. Ecl 9,4; Lm 3,18; Jó 2,6). Assim,

dentro deste contexto, uma pessoa sem esperança é alguém morto (cf. Is 38,18; Ez

37,11, Jó 17,15)75. Esta é uma das razões para alguns grupos judeus não

acreditarem na vida após a morte, ou na ressurreição; para eles-as as promessas de

Deus deveriam ser cumpridas durante o período da própria vida.

Mas, para o homem e para a mulher piedosos há um futuro, há uma

esperança (cf. Pr 23,18, 24,14), a qual não será frustrada porque se apóia em Deus

(cf. Sl 28,7; 25,2; 31,7; 119). Para estes-as Deus é a sua esperança (cf. Jr 17,7; Sl

61,4; 71,5). Também este-a piedoso-a, quando pobre ou oprimido-a, espera em

71 Cf. Dicionário enciclopédico da bíblia, p. 476-477. Vejamos aqui que esta expectativa da entrada de Deus na humanidade já era algo esperado pelo povo de Israel. A esperança cristã, que virá mais tarde, herdará esta relação, sobretudo quando analisarmos no contexto paulino e joanino que retratam a preexistência de Cristo. Trata-se de refletir o eterno que passa a fazer parte da história. É um pré-anúncio daquilo que se entenderá posteriormente como a parusia. Esta relação do futuro que vem ao presente e o transforma será trabalhado por MOLTMANN na sua teologia, que resgata pelo caráter de promissio, presente na esperança do povo de Deus. 72 Cf. HOFFMANN, P. Op. cit., p. 82-83. 73 TORNOS, A. A esperança e o além na Bíblia. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 67. 74 Cf. HOFFMANN, P. Op. cit., p. 85. 75 Cf. Dicionário enciclopédico da bíblia, p. 477.

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Deus cheio de confiança na sua ajuda e proteção (cf. Sl 13, 6; 33,18.22). Já, o-a

pecador-a espera o perdão de seus pecados (cf. Sl 51,9; 130,1-8)76.

A esperança pode também aparecer num teor escatológico (cf. Is 51,5; Jr

29,11; Sl 16,10; 17,15). Neste mesmo raciocínio, observamos que, no judaísmo

posterior o-a sábio-a, o-a piedoso-a, espera a imortalidade (cf. Sb 3,4), a

ressurreição de seu corpo (cf. 2Mc 7,11.14.20), a salvação junto de Deus. Para o-a

pecador-a não há esperança neste período (cf. Sb 3,18), ou apenas, uma esperança

vã ou enganadora (cf. Sb 3,11; 5,14; 16,29; 2Mc 7,34)77.

No entanto, é importante ressaltarmos que a Bíblia no AT não conhece

uma esperança que seja egoísta, mesmo esta, de cunho individual, atinge

consequentemente a todos-as. Neste contexto o que se espera se espera para

todos-as. Logo, “não é possível amar ao próximo sem esperar para ele e com

ele”78. É uma esperança coletiva que invadirá também a compreensão que dela se

tem no NT, consolidando a esperança cristã que, com efeito, terá Cristo como seu

horizonte último e definitivo: o éschaton.

2.2.2. Fundamentos bíblicos e teológicos do Novo Testamento

No NT voltamos a encontrar algumas das mesmas referências

terminológicas que foram apresentadas no AT, principalmente pelas palavras

esperar, confiar e perseverar. Também pode aparecer sob a forma de vigilância.

Aqui Deus cumpriu a sua promessa e mostrou o seu amor e a sua fidelidade. Por

essa razão que o fundamento da esperança neotestamentária não é apenas uma

palavra divina ou uma promessa ainda não realizada, mas a própria história

pessoal e singular de Jesus Cristo79.

Segundo a doutrina cristã, trata-se fundamentalmente da esperança

depositada em Jesus Cristo, que, por assim dizer, é do que vive a Igreja80. Ele é a

nossa esperança (cf. Cl 1,27)81. Seu aspecto fundante é o desígnio de Deus,

“mistério escondido desde os séculos e desde as gerações, mas agora manifestado 76 Cf. Ibid. 77 Cf. Ibid. 78 ALLMEN, J-J. V. (Dir.). Vocabulario bíblico. Madrid: Marova, 1968, p. 108. 79 Cf. LA PEÑA, J. L. R. La otra dimension, p. 24. 80 Cf. Dicionário bíblico universal, p. 246-247. 81 Cf. Diccionario bíblico. Barcelona: Editorial Litúrgica española, 1959, p. 194.

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aos seus santos” (Cl 1,26). Em Cristo, se realiza toda a esperança de Israel e, este

cumprimento das promessas em Jesus Cristo tem um papel fundamental na

reflexão teológica do NT, principalmente, na teologia de Paulo82. Para que isso

fique evidente demonstraremos os fundamentos etimológicos desta esperança,

para depois, com uma forte fundamentação, refletir a partir de seus objetos o que

caracteriza, especificamente, esta esperança cristã.

2.2.2.1. Fundamentos etimológicos

A esperança no NT é pronunciada através do termo grego elpis, que

também pode surgir com um sentido grego profano, ou seja, a espera tanto de um

bem quanto de um mal (prever, esperar, temer, presumir). Porém, agora, dentro da

concepção de esperança cristã, ela será sempre orientada para um bem, nunca para

um mal. Por exemplo: “Pois se nós trabalhamos e lutamos, é porque pomos a

nossa esperança no Deus vivo, Salvador de todos os homens, sobretudo dos que

têm fé” (1Tm 4,10). Não é o que se espera possuir de Deus (visio beatifica), mas

sim, pelo fato de se depositar Nele a nossa esperança, ou seja, a nossa salvação83.

A palavra esperança, com sentido religioso, encontra-se por todo o corpo

neotestamentário. Ela poderá aparecer de forma mais direta, como vimos acima,

representada pela palavra elpis (esperança) e, também, pelas palavras elpizein e

elpidso (esperar), ou indiretamente, na medida dos acontecimentos

proporcionados pela ressurreição de Cristo e pela atuação do Espírito como

fomentadores de esperança na comunidade. Evidentemente que, é encontrada de

maneira mais preponderante nos escritos paulinos e pós-paulinos como grupo

etimológico, ou seja, elpis. Existe também uma presença forte na carta aos

Hebreus e na Primeira Carta de Pedro, como também em Atos e Primeira João.

Ainda temos o livro do Apocalipse que é, por excelência, um livro de esperança.

Já nos Evangelhos Sinóticos o termo elpis não aparece diretamente,

contudo a Boa Nova de Jesus (evangelion) é com certeza uma mensagem de

esperança. Ela, a Boa Nova, é uma pregação do futuro, prefigurada nos

evangelhos como Reino de Deus, que sem deixar de ser escatológica já opera e

82 Cf. LÉON-DUFOUR, X. Op. cit., p. 251. 83 Cf. BAURER, J. B. Op. cit., p. 362.

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está presente na pessoa de Jesus de Nazaré: “o Reino de Deus já chegou a vós”

(Mt 12,28). Isto acontece também pelas promessas de Jesus a respeito do Reino

(cf. Mt 19,10s; 21,28-46; 22,1-14; Lc 13,18-30; 18,15-28; etc.) e pelas Bem-

Aventuranças (cf. Mt 5,1-12), cujo conteúdo é o anúncio da futura realização da

esperança84.

Deste modo, confirmamos que a esperança cristã no NT resgata detalhes

da esperança do AT (esperar, confiar e perseverar), mas além destas, também é

apresentada com as terminações de permanecer, praticar a paciência, estar

vigilante e de olhos abertos. Isto tudo sempre numa relação com Deus, dentro de

uma ótica escatológica85. Assim sendo, seu conteúdo orientar-se-á em diferentes

objetos que são característicos da esperança cristã no NT.

2.2.2.2. Objetos da esperança cristã

Embora esta seja apresentada (esperada) a partir de diferentes óticas,

elucidaremos aqui alguns objetos para os quais, diante de uma fundamentação

bíblica e teológica, a esperança cristã se destina86:

1) O Reino de Deus: Sem dúvida, esta é uma espera presente em toda a

vida cristã. O Reino já era algo almejado pelo povo da Antiga Aliança, que

depositava em Deus, Javé, sua esperança e fortaleza. Ele era o condutor de

suas vidas, por conseguinte, o condutor da história87. Evidentemente que,

84 Cf. Dicionário enciclopédico da Bíblia, p. 477. 85 Cf. Sacramentum mundi. Op. cit., p. 795. 86 Todos estes objetos da esperança cristã que serão agora aprofundados encontram-se nas obras: Dicionário enciclopédico da Bíblia, p. 478. Cf. tb. BAURER, J. B. Op. cit., p. 362-363. 87 Ao se usar o conceito de Reino, tanto no AT como no NT, está em jogo o agir de Deus na vida humana, muitas vezes subentendido como o agir imediato do senhorio humano sobre os mesmos humanos em nome de tal Reino. Isto demonstra a relação tensa existente entre política e religião, que aparece já indicada no conceito de Reino de Deus. No entanto, sua definição é um tanto mais profunda, sendo a sua própria formação e interpretação refletida no decorrer da história. Biblicamente, já no AT Javé impera como rei. A fórmula reinado ou senhorio régio de Deus, característica do NT (basileía toû Theoû) aparece só em 1Cr 28,5 (malkut Ihwh) e 2Cr 13,8 (mamlechet Ihwh), mas diversas expressões para dizer reinado aparecem também em Salmos, Abdias e Daniel. Isto constitui uma transformação judaico-primitiva do AT que diz: Javé é rei/foi entronizado como rei/impera como rei (Ihwh melech/malach/imloch). É possível que Israel tenha usado o título de rei para Javé muito antes da constituição de seu estado, mesmo não se tendo prova léxica quanto a isto. O Pentateuco fala somente em duas passagens: Ex 15,18 e Nm 23,21; a atribuição feita em Dt 33,5 é discutida. A obra deuteronomista introduz a concepção de Javé como rei apenas em conexão com o reinado político de Israel. Onde este termo mais aparece são nos

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na época de Jesus esta concepção de Reino era fluente, mas que encontra

nas suas pregações uma confirmação real daquilo que antes já era

esperado88. O Reino de Deus era o conteúdo principal da pregação da Boa

Nova de Jesus. Com Ele o Reino ficou próximo e ao mesmo tempo já

atuante. Após a Sua morte e ressurreição, acaba por se tornar o referencial

da pregação cristã, porém, ao invés do Reino se pregava a Cristo, como

consumação e plenitude do Reino89. Sobre isso MOLTMANN dirá: “Reino

Salmos ou nos escritos proféticos, que são do período dos reis ou são exílicos ou pós-exílicos. Neles há também uma outra concepção mais profunda deste reinado, ou por assim dizer, da concepção que se tinha dele, que coloca este senhorio não tanto ao lado do poder político e institucional. Aqui, o Javé-rei aparece do lado dos-as famintos-as, prisioneiros-as, oprimidos-as, cegos-as, estrangeiros-as, viúvas e órfãos-ãs (cf. Sl 146). Pouco tempo antes do exílio, Ezequiel revira a piedosa certeza do agir régio salvador de Javé no êxodo e na tomada da terra. Para ele, pelo fato de Israel não ter servido apenas a Javé fará agora a experiência do anti-êxodo, evidenciando o juízo do poder régio de Javé (cf. Ez 20,27s, esp. 33s). Os textos do período exílico e pós-exílico falam sobre a catástrofe do exílio e suas conseqüências, como infidelidade para com Javé. Mais tarde, com o retorno da Babilônia, o Dêutero-Isaías amplia mais este conceito de idéias: Javé é senhor e rei não só do persa Ciro (cf. Is 45, 1s), mas rei de todo o mundo que Ele criou e, sendo assim, não só rei dos deuses, mas o único Deus (cf. Is 44,6; tb os salmos de ascensão ao trono: Sl 96 e 97). Javé é o rei soberano. Em Dêutero-Isaías se estabelece um novo começo para o povo de Deus, foi lhe perdoada a culpa (cf. Is 40,2; 43,25). Agora Ele é seu criador e Rei e, ao mesmo tempo o seu libertador e salvador. A esperança deste Reino de Deus retorna a avaliação da monarquia onde o senhorio régio de Deus se encontra nas mãos dos filhos de Davi. Está preparada assim a expectativa para o messias. Cf. WACKER, M-T. O Reino de Deus. In: Dicionário de conceitos fundamentais de teologia, p. 765-767. 88 Sem dúvida, o surgimento de Jesus despertou no povo esperanças messiânicas e, também, ao mesmo tempo admiração pública e escândalo. Sua mensagem sobre o Reino de Deus esteve de acordo com o testemunho da tradição sinótica, estava presente no centro de sua vida. Para Jesus, como para os Zelotes (importante grupo revolucionário da época) este Reino não é senhorio de pessoas sobre pessoas, é antes um senhorio de serviço. Porém, Jesus não segue com os Zelotes para uma luta armada contra o poderio estrangeiro. Com isso, também radicaliza a compreensão farisaica, segundo a qual este Reino deveria se manifestar no fim dos dias. Porém, para Jesus o fim dos dias já irrompeu. Cf. Ibid., p. 767. 89 Esta proximidade imediata do Reino de Deus é proclamada por Jesus como Evangelho, Boa Nova. Jesus anuncia o Evangelho da libertação que está por irromper em todo Israel. É um senhorio de serviço enviado aos-as pobres, prisioneiros-as, cegos-as, oprimidos-as, ao lado de quem está o próprio Deus-rei. Jesus também o destina aos-as doentes, aos-as pecadores-as, as mulheres e as crianças. Mostra em Deus um rosto de alguém que é próximo: Jesus o chama de pai (abba). Após a sua morte e ressurreição a compreensão deste anúncio só pode efetuar-se mediante o anúncio de seu nome: Agora, Jesus Cristo é o Senhor. Cf. Ibid., p. 767-768. A compreensão de Reino de Deus passou por várias interpretações no decorrer da história, que não é nosso objetivo aqui apresentar. No entanto, uma boa explicação sobre a compreensão atual para a teologia parece ser de suma importância para a nossa pesquisa. Neste contexto, o teólogo J. Weiss, que o nosso autor MOLTMANN menciona em sua obra, foi o primeiro a frisar a importância fundamental do caráter escatológico da mensagem de Jesus sobre o Reino de Deus. As suas pesquisas levantam questões não só hermenêuticas e cristológicas, mas também éticas e eclesiológicas que são de grande importância para a teologia até os dias de hoje. Do lado católico é com o Concílio Vaticano II (1962-1965) que se tornam frutíferas as implicações histórico-salvíficas e eclesiológicas do conceito de Reino de Deus. A Igreja aparece novamente como povo de Deus, de modo peregrinante em comunhão com a Igreja celeste, que espera ainda a consumação por Deus somente (cf. LG 48; Cf. tb. Lina BOFF, infra n. 9). Aqui a mensagem e práxis contida despertam a esperança destinada a todas as pessoas, ansiosas pela salvação eterna. O Reino de Deus também surge como novo paradigma de uma esperança que proclama a liberdade, a igualdade e a justiça; a ponto de fazer realizar já no presente este destino futuro. É o motivo central

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de Deus significa originariamente reino em promessa, fidelidade e

cumprimentos. A vida neste reino significa, portanto, peregrinação

histórica, movimento e obediente prontidão frente ao futuro”90.

2) A vinda de Cristo: É o que chamamos de Parusia (parousia), a segunda

e definitiva vinda de Cristo. Esta vinda é aguardada na forma como se

espera o futuro do Reino de Deus. É o dia final. Mas, também, o início de

um novo éon, um novo tempo com Cristo. Na parusia, Cristo será tudo em

todos (cf. 1Cor 15,28; ver tb: 1Ts 1,10; 1Cor 1,7; Fl 3,20s; Hb 9,28; Tg

5,7s). Hans Kessler menciona a parusia de Cristo como cumprimento das

esperanças messiânicas. Para ele, os-as cristãos-ãs não só pressupõem que

Cristo esteve uma vez aqui e não contam apenas com a Sua presença no

Espírito, mas crêem também que Ele virá em glória. A este futuro é que se

direciona a nossa esperança na parusia, ou vinda de Deus. Assim, a

esperança da parusia significa o movimento do amor de Deus que ganhou

espaço na vida, morte e nova vida de Jesus; só por isso é que a criação

encontrará a sua redenção. Ela irrompe profundamente: “Eis que estou à

porta e bato” (Ap 3,20). Este bater muda totalmente a situação para quem

ouve91.

de correntes teológicas como a Teologia da Esperança, Teologia Política, Teologia da Libertação, Teologia Feminista, Teologia Negra, Teologia Indígena e outras. Neste contexto teológico, o presente se apresenta como kairós que desafia o tempo para a realização da esperança escatológica. Resgata-se a idéia de Reino de Deus atribuída por Jesus, como a opção pelos-as pobres, pelos-as mais fracos-as, excluídos-as e necessitados-as. A Igreja se torna servidora e solidária com as vítimas do passado e do presente. O Reino de Deus se torna paradigma para a salvação humana universal que – pelo Espírito de Deus – precisa da força de todos-as, mas cuja consumação é exclusivamente de Deus. Cf. BUSSMANN, M. Reino de Deus. In: Dicionário de conceitos fundamentais de teologia, p. 775. Também sobre uma definição atual do conceito de Reino de Deus, dentre várias obras, indicamos: BERNABÉ, C. Reino de Deus. In: Dicionário de conceitos fundamentais do cristianismo, p. 674-683. RUBIO, A. G. O encontro com Jesus Cristo vivo. São Paulo: Paulinas, 1994, p. 33-47. MIRANDA, M. F. A salvação de Jesus Cristo. A doutrina da graça. São Paulo: Loyola, 2004, p. 29-68. BOFF. L. Jesus Cristo Libertador. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. SOBRINO, J. Jesus o Libertador: História de Jesus de Nazaré. Petrópolis: Vozes, 1994. Id. Cristologia a partir da América Latina: esboço a partir do seguimento do Jesus histórico. Petrópolis: Vozes, 1983. MOLTMANN. Teologia da Esperança, p. 273-288. Id. Quem é Jesus Cristo para nós hoje? Petrópolis: Vozes, 1997, p. 11-32. 90 MOLTMANN, J. A teologia da Esperança, p. 273. 91 Cf. KESSLER, H. Cristologia. In: SCHNEIDER, T. Manual de dogmática. v. 1. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 389-390. Sobre a Vinda de Cristo, a Parusia, propomos aqui também uma argumentação de MOLTMANN, sobre quem trataremos mais tarde, cuja obra traz no próprio nome este enunciado (A vinda de Deus): “Com a vinda de Deus vem um ser que não mais morre, e um tempo que não mais passa. Vêm a vida eterna e o tempo eterno. Na vinda escatológica, Deus e o tempo estão ligados de tal maneira que o ser de Deus no mundo deve ser concebido

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3) A ressurreição: É o tema principal de Paulo nas suas cartas, para ele é o

objetivo da esperança cristã. É o que esperamos da nossa salvação. Aquilo

que aconteceu com Cristo, prefigura o futuro que almejamos (cf. 1Cor 15).

Em Paulo, esta ressurreição já é apresentada pelo ritual do batismo, pelo

qual o-a fiel morre para o pecado e ressuscita com Cristo para a vida

eterna. (cf. Rm 6,3-14; tb. 1Ts 4,13s). Com certeza, a compreensão cristã

da ressurreição inclui e amplia a compreensão do AT. Com a ressurreição

de Cristo percebemos a proximidade de Deus que já pode ser realizada e

experimentada nesta vida. Na época, os discípulos experimentaram o

poder desta nova vida com a ressurreição do Jesus crucificado. Neste

pensamento, Franz-Josef Nocke afirma que, “ressurreição significa relação

permanente e intensificada com este mundo e os homens que nele

vivem”92. Portanto, não significa uma nova vida que venha a esquecer o

que houve até agora, mas sim uma re-ativação da vida vivida até agora.

“A ressurreição tem a ver com o mundo, aprofunda relações, é

consumadora da história”93.

4) A vida eterna: Representa para a fé cristã o resultado da encarnação do

Filho, que assumindo a humanidade em seu ser, possibilitou que esta

escatologicamente e o futuro do tempo, teologicamente. [...] O Deus da esperança é, ele próprio, o Deus vindouro (Is 35,4; 40,5). Quando Deus vier em sua glória, ele encherá o universo com o seu resplendor, todos o verão e ele engolirá a morte por toda a eternidade. Este futuro é o modo de ser de Deus na história. O poder do futuro é o seu poder no tempo. A sua eternidade não é uma simultaneidade atemporal, mas o poder de seu futuro sobre cada tempo histórico. [...] ‘Ainda não se manifestou o que seremos; porém, quando se manifestar, seremos iguais a ele, pois o veremos como ele é’ (1Jo 3,2). Isto se refere ao Cristo da Parusia (sic). A escatologia do Deus vindouro dá vida à história do novo devir humano. Será um devir sem perecer, o devir para um ser permanente na presença vindoura de Deus. [...] Lutero traduziu-a corretamente como ‘futuro de Cristo’ e introduziu o tom messiânico da esperança nesta palavra. A tradução com ‘retorno’ é errônea, porque presume uma ausência temporária”. MOLTMANN, J. A Vinda de Deus: Escatologia cristã. Trad. Nélio Schneider. São Leopoldo: Unisinos, 2003, p. 39-43. Título original: Das Kommen Gottes: Christliche Eschatologie, 1995. Também sobre esta temática indicamos a seguinte obra, numa perspectiva da teologia cristã oriental: KOUBETCH, V. Da criação à parusia: linhas mestras da teologia cristã oriental. São Paulo: Paulinas, 2004. 92 NOCKE, J-F. Op. cit., p. 405-406. 93 Ibid., p. 406. Ver tb. p. 406-411. Sobre este assunto existe vasta bibliografia, para este momento preferimos por indicar estas: BOFF, L. Vida para além da morte. Op. cit. Id. A nossa ressurreição na morte. Op. cit. LIBÂNIO, J. B.; BINGEMER, M. C. L. Escatologia cristã. Op. cit. BLANK, R. Escatologia da pessoa. Op. cit. BETIATO, M. A. Escatologia cristã: Entre ameaças e a esperança. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 51-58. FRAIJÓ, M. Ressurreição. In: Dicionário de conceitos fundamentais do cristianismo, p. 719-730. KESSLER, H. Ressurreição. In: Dicionário de conceitos fundamentais de teologia, p. 783-792. MOLTMANN, J. A Teologia da Esperança, p. 181-288. Id. A Vinda de Deus, p. 65-146. COMISSÃO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA. A esperança cristã na ressurreição. Petrópolis: Vozes, 1994.

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tivesse acesso ao mistério divino (cf. Tt 1,2; 3,7). O ser humano que é

finito encontra na relação com Cristo a certeza da salvação, na qual dotado

pela graça transpira rumo à eternidade, num horizonte infinito de plena

realização. O eterno se torna terno para que o terno se torne eterno94. Esta

eternidade para os-as cristãos-ãs é algo que ainda não vislumbramos, mas

que já é possível sentir, como ressalta MOLTMANN: “Assim, o

verdadeiro presente nada mais é do que a eternidade imanente no tempo. É

preciso, portanto, reconhecer no brilho do temporal e do passageiro, a

substância nele imanente, ‘o eterno que está presente’”95; termina

parafraseando Hegel.

5) A herança: Diz Paulo: “E se somos filhos, somos também herdeiros,

herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo, pois sofremos com ele para

também com ele sermos glorificados” (Rm 8,17). No fundo esta herança

de que fala Paulo só se torna possível mediante a nossa filiação divina, que

nos foi agraciada por Cristo. Cristo ao assumir a nossa humanidade,

assumiu assim inteiramente todo o nosso ser, tornando-nos, pois, partícipes

da sua eternidade. É isto que confessa o credo cristão ao afirmar que Cristo

está sentado à direita do Pai96. Paulo ainda reflete a nossa participação na

sua morte e ressurreição, da qual pelo Batismo já nos tornamos herdeiros-

as: “Porque se nos tornamos uma só coisa com ele por morte semelhante à

sua, seremos uma só coisa com ele também por ressurreição semelhante à

sua” (Rm 6,5).

94 Aqui a palavra “terno” aparece no sentido de afetuoso. Deus, na eternidade se afeiçoa para conosco, a ponto desta afeição nos envolver e pela graça nos arremessar rumo à eternidade. 95 MOLTMANN, J. A teologia da Esperança, p. 43. 96 Sobre isso Joseph Ratzinger, hoje BENTO XVI, comenta: “A encarnação de Deus em Jesus Cristo, por força da qual o Deus eterno e o homem temporal se fundem numa mesma pessoa, nada mais é do que a concretização do poder de Deus sobre o tempo. Nesse ponto da existência humana de Jesus, Deus apanhou o tempo e o puxou para dentro de si mesmo. O seu poder sobre o tempo está materializado diante de nós em Cristo, que é realmente a ‘porta’ entre Deus e o homem, como diz o evangelho de João (10,9), o seu ‘mediador’ (1Tm 2,5) no qual o eterno tem tempo. Em Jesus, nós, que somos temporais, podemos dirigir-nos àquele que é temporal e é nosso con-temporâneo; mas nele que é tempo conosco e eternidade com Deus. [...] Deus não é refém de sua eternidade: em Jesus, ele tem tempo para nós, e Jesus é realmente o ‘trono da graça’ do qual podemos ‘aproximar-nos com toda a segurança’ (Hb 4,16) em qualquer tempo”. RATZINGER, J. Introdução ao cristianismo. São Paulo: Loyola, 2005, p. 233-234. Em outra passagem ele dirá que, a esperança que o ser humano tem da vida eterna, que ele adquire por herança de Cristo, está na certeza de estar presente na memória de Deus Pai, isto só é possível pela fé que Cristo – Divino-Humano – está sentado a direita do Pai, conforme professa o credo cristão. Cf. Ibid., p. 229-234.

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6) O que nenhum olho viu: Na primeira carta de João esta esperança se

certifica pela esperança dos olhos que viram e dão testemunha (cf. 1Jo

1,1), no Evangelho joanino remete aos que não viram, Jesus declara:

“Felizes os que não viram e creram” (Jo 20,29). Aqui, a referência é

apresentada também pelo que não se vê: “o que os olhos não viram, os

ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, tudo o que

Deus preparou para os que o amam” (1Cor 2,9). Neste ponto, a esperança

deverá estar sempre acompanhada da fé, como sustenta a teologia paulina.

A esperança no futuro impulsiona os que crêem, mesmo sem verem.

Quando se trata de fé e esperança no futuro nós “não olhamos para as

coisas que se vêem, mas para as que não se vêem; pois o que se vê é

transitório, mas o que não se vê é eterno” (2Cor 4,17s).

7) A participação na glória de Cristo: Conforme já foi mencionado

quando tratamos da nossa herança em Cristo, este objeto da esperança

cristã é o resultado da nossa filiação divina, que nos possibilita participar

da glória eterna de Cristo (cf. Rm 8,17; 2Cor 3,18; Fl 3,20). Segundo

Franz-Josef Nocke esta glória definitiva só será possível na consumação

dos tempos e o alvo da esperança cristã é a consumação junto a Deus. Para

ilustrar ele enumera alguns conteúdos desta esperança: 1) Vindo das

antigas promessas proféticas: futuro para além da morte, terra, pátria,

segurança, paz, proximidade protetora, perdoadora e vivificadora de Deus;

2) Libertação do sofrimento, dor injustiça, a ressurreição dos mortos; 3) A

chegada definitiva do Reino de Deus; 4) Presença poderosa e definitiva de

Jesus Cristo97.

8) Todos os bens da Boa Nova: Céu: A carta aos Hebreus dirá que “tudo

deixamos para conseguir a esperança proposta” (Hb 6,18). E, esta

esperança apenas vem a confirmar aquilo que já fora outrora prometido

por Deus, que no evento-Cristo vem dar pleno cumprimento. Agora, tudo

já está reservado nos céus (cf. Cl 1,5), porém, desde que não nos afastemos

da esperança do Evangelho (cf. Cl 1,23). Segundo Maria Clara L.

97 Cf. NOCKE, F-J. Op. cit., p. 421.

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Bingemer, “no céu, Deus faz do velho novo, da luta vitória, da morte vida,

da solidão comunhão”98. Para ela, só assim é possível formar uma

comunidade ilimitada que é o Reino de Deus, o Corpo de Cristo99. O céu,

então, representando todos os bens da Boa Nova se transforma na utopia

maior da esperança. Algo já prefigurado por nós aqui na terra, mas que

somente será consumado na glória de Deus Pai. Por enquanto ansiamos

num ainda não e, aguardamos serenamente pela promessa feita no

Apocalipse: “um novo céu e uma nova terra” (Ap 21,1). Então teremos a

casa de Deus com toda a humanidade e com toda a criação. Deus habitará

com todos, será o Emanuel (Deus-conosco, Deus-com-eles). No céu “Ele

enxugará toda lágrima dos seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem

luto, nem clamor, e nem dor haverá mais. Sim! As coisas antigas se

foram!’” (Ap 21,4)100.

Estas são algumas direções para as quais aponta a esperança cristã e

acreditamos que a sua fundamentação era necessária para solidificar ainda mais a

nossa compreensão sobre ela. São conceitos amplos, cujas definições não cessam

por aqui. Aquilo que foi exposto acima apenas ilustra um algo a mais em nossa

reflexão teológica.

Dito isso e, após aprofundarmos e refletirmos estes objetos da esperança

cristã no NT, dedicaremos parte deste trabalho a partir de agora para desenvolver

uma reflexão apenas da esperança cristã baseada na teologia de Paulo. Optamos

por ele porque esta argumentação é imprescindível para uma verdadeira teologia

da esperança cristã. Outro motivo é porque alguns elementos nos servirão de

apoio para o que pretendemos trazer mais adiante, quando refletiremos sobre esta

temática na teologia de MOLTMANN. Neste momento, utilizando de Paulo,

tratamos por ver aqui a esperança com os olhos da fé, numa teologia profunda,

rica em elementos e em conteúdo.

98 LIBÂNIO, J. B.; BINGEMER, M. C. L. Escatologia cristã, p. 285. 99 Cf. Ibid. 100 Para maiores informações sobre este assunto, céu, verificar: RATZINGER, J. Introdução ao cristianismo, p. 229-234. LIBÂNIO, J. B.; BINGEMER, M. C. L. Escatologia cristã, p. 246-286. BOFF. L. Vida para além da morte, p. 68-83. LANG. B. Céu. In: Dicionário de conceitos fundamentais de teologia, p. 79-85.

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2.2.3. A esperança na teologia de Paulo Paulo é reconhecido como o teólogo da esperança101. Sua teologia possui

um viés essencialmente escatológico, pelo modo como centraliza a esperança na

cruz e na ressurreição. Além disso, ele foi o primeiro e o maior teólogo cristão dos

primórdios do cristianismo. Certamente, foi o primeiro cristão a articular a sua fé

por escrito e a instruir outros-as irmãos-ãs, sem com isso minimizar o trabalho

feito pela primeira comunidade apostólica102.

O estudo que faremos a seguir demonstra como a teologia atual ainda

necessita das argumentações paulinas. Ele, como apóstolo, tornou-se o portador

da mensagem principal da esperança cristã, que é a ressurreição, pois foi

testemunha do ressuscitado e se intitulou o último dos apóstolos. Muitas de suas

reflexões merecerão sempre destaque e, estes fundamentos basilares que

queremos expor e que foram por ele depositados no seio do cristianismo serão

importantes para o nosso estudo posterior. Por essa razão, daremos aqui a ênfase

necessária para tal investigação.

Para tanto, iniciaremos este estudo destacando, primeiramente, aspectos

gerais da esperança cristã na teologia paulina, perpassando de maneira sucinta por

textos já conhecidos e desenvolvidos nas suas principais cartas e que trazem a

relevância deste tema. Neles a esperança representa um papel importante,

principalmente em Romanos, Coríntios, Tessalonicenses e Timóteo, cujos textos

destacamos em partes. Logo após, propomos um estudo mais específico ao

tratarmos de duas cartas que não trazem diretamente o tema da esperança; todavia,

a abordagem implícita que dela se tem e, por serem importantes hinos da Igreja

primitiva, demonstram no seu conteúdo aspectos perceptíveis de uma esperança

viva que perpassava pela dinâmica da fé comunitária. Falamos aqui de Efésios e

Filipenses. Vejamos a seguir:

101 Cf. BELLOSO, J. M. R. Op. cit., p. 229. 102 Um profundo estudo da teologia de Paulo se encontra na obra citada a seguir. Nela se encontra uma rica bibliografia sobre ele, além de um trabalho criterioso de sua vida, escritos e teologia: DUNN, J. D. G. A teologia do apóstolo Paulo. Trad. Edwino Royer. São Paulo: Paulus, 2003. Título original: The theology of Paul apostle.

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2.2.3.1. Aspectos gerais da esperança na teologia paulina

Em Paulo, na carta aos Romanos, esperança é caracterizada pelo ato de

aguardar com confiança o que não se vê (cf. Rm 8,24s)103. Abordagem que

aparece também em outro texto do NT, a carta aos Hebreus: “A fé é garantia

antecipada do que se espera, a prova de realidades que não se vê” (Hb 11,1). Por

esta ótica, esperança abrange expectativa, confiança e paciência, correlacionadas

de forma inseparáveis104.

Já em Coríntios, podemos notar que, pela ação do Espírito Santo a

esperança dos-as cristãos-ãs, ou seja, a esperança cristã, não é a mesma da Antiga

Aliança. Vejamos: “Foi ele quem nos tornou aptos para sermos ministros de uma

Aliança nova, não da letra, e sim do Espírito, pois a letra mata, mas o Espírito

comunica a vida” (2Cor 3,6). Agora, Paulo intensifica que o-a cristão-ã vive no

Espírito, ou possui o Espírito. Conforme, também em Romanos: “Vós não estais

na carne, mas no espírito, se é verdade que o Espírito de Deus habita em vós” (Rm

8,9). Mais: “E a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado

em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5)105.

E, para os-as cristãos-ãs, esta ação do Espírito, capaz de atingir a todos-as

pela graça, só foi possível mediante a ressurreição de Cristo, como prelúdio futuro

de toda a realização humana. Pela fé no Cristo ressuscitado, o-a cristão-ã espera

para o futuro a plenificação de sua esperança, confirmada através da filiação

divina e da glória: “... por quem tivemos acesso, pela fé, a esta graça, na qual

estamos firmes e nos gloriamos na esperança da glória de Deus” (Rm 5,2).

Também: “a criação em expectativa anseia pela revelação dos filhos de Deus”

(Rm 8,19)106.

Na perspectiva da Nova Aliança, a qual se orienta o NT, quem inspira esta

esperança é Deus que é fiel às suas promessas (cf. 1Ts 5,24; 1Cor 1,9). Mas, é

Cristo que dá a firmeza necessária, portanto, Ele é “nossa esperança” (1Tm

103 Notamos aqui, mais uma vez, a palavra confiança. Ela é uma das características fundamentais da esperança no AT. Mesmo que no corpo paulino ela tenha sido escrita em grego, Paulo mantém o conteúdo da tradição bíblica. 104 Cf. Sacramentum mundi. Op. cit., p. 795 105 Cf. Dicionário enciclopédico da Bíblia, p. 478. 106 Cf. Ibid.

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1,1)107. Deste ponto, Paulo aparece como o grande teórico da esperança cristã,

cuja em sua teologia, o seu principal objeto será a ressurreição dos mortos (cf. At

23,6; 24,15; 25,6-7; 28,20; 1Cor 15,1s.). Paulo passa a desenvolver aquilo que

chamaremos de uma Teologia da Esperança, na qual, para ele, esperança é a

confiante e paciente expectativa dos bens desejados, do qual o maior é a salvação:

“Pois nossa salvação é objeto de esperança; e ver o que se espera não é esperar.

Acaso alguém espera o que vê? E se esperamos o que não vemos, é na

perseverança que o aguardamos” (Rm 8,24-25)108.

Também no pensamento de Paulo a esperança sempre estará ligada à fé e a

caridade, formando o conjunto conhecido como as três virtudes teologais (cf.

1Cor 13,13)109. Aqui a esperança nasce da fé e é reconhecida como a segunda

virtude, mas as três conjuntamente formam o constitutivo da vida cristã. Forma-se

assim, a chamada Trilogia paulina (crer, esperar e amar)110. “É a fé ‘que aguarda

esperando’. Vem unida a fé ‘que se torna eficaz no amor’”111.

107 Cf. Ibid. 108 Cf. Dicionário bíblico universal, p. 248-249. Também sobre esta passagem encontramos uma explicação na obra de James D. G. Dunn, na qual reflete a esperança numa relação com o Espírito Santo. Algo pela experiência suscitada em Paulo pelo Espírito e que é capaz de assegurar-se pela esperança. Trata-se de uma certeza salvífica ligada à filiação divina concedida também pelo Espírito: “Esta relação entre o Espírito e a Esperança repete-se com freqüência suficiente para podermos classificar a esperança como uma das bênçãos primárias do Espírito para Paulo (cf. Rm 5,2-5; 8,23-25; 15,13; Gl 5,5; Fl 1,19-20; Ef 4,4; 1Cor 13,7; 2Cor 3,12; Ef 1,17-18). Particularmente digna de nota é a ênfase em Rm 5,2-5 e 8,18-25 de que esta esperança era experimentada e mantida apesar do sofrimento e da aflição. Sem dúvida era a experiência de ser sustentado até nas circunstâncias mais adversas que permitia a Paulo continuar sua obra missionária. Atribuía essa experiência ao Espírito. Aqui, mais uma vez, devemos lembrar a diferença entre as concepções hebraica e grega, a última concebida como algo mais tentativo, a primeira como algo mais confiante e seguro. Não admira, portanto, que em Rm 8 Paulo atribua esta esperança ao Espírito, depois de ter falado da certeza da filiação também dada pelo Espírito”. DUNN, J. D. G. Op. cit., p. 499-500. 109 Isto é muito presente nas cartas paulinas, como veremos mais adiante, ao tratarmos dos fundamentos bíblicos da esperança cristã. Por ora, vale ressaltarmos que, esta menção as três virtudes teologais aparecem em outras passagens do corpo paulino. Uma das mais antigas é da Primeira Carta aos Tessalonicenses: “É o que recordamos sem cessar, aos olhos de Deus, nosso Pai, a atividade de vossa fé, o esforço da vossa caridade e a perseverança da vossa esperança em nosso Senhor Jesus Cristo” (1Ts 1,3), grifos nossos. Ainda com relação às três virtudes teologais, notamos que, a persistência da fé e da esperança mostra que Paulo não pensa (em 1Cor 13,13) na vida depois da morte. Este agrupamento das três virtudes teologais, já mencionado antes na 1Ts 1,3 lhe é, sem dúvida, anterior, surgindo de maneira freqüente nas epístolas do apóstolo, como também em outros escritos do NT, com alterações de ordem. Assim, podemos encontrá-las em: 1Ts 5,8; 1Cor 13,7.13; Gl 5,5s; Rm 5,1-5; 12,6-12; Cl 1,4-5; Ef 1,15-18; 4,2-5; 1Tm 6,11; Tt 2,2; cf. Hb 6,10-12; 10,22-24; 1Pd 1,3-9.21s. Também aparecem juntos fé e amor: 1Ts 3,6; 2Ts 1,3; Fm 5. Constância e fé: 2Ts 1,4. Caridade e constância: 2Ts 3,5; cf. 2Cor13,13. Cf. nota “d” de 1Cor 13,13. In: Bíblia de Jerusalém, p. 2010. 110 Cf. HOFFMANN, P. Op. cit., p. 84. 111 Ibid.

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Mas, em Paulo, para todo-a o-a batizado-a o objeto direto da esperança é a

glória eterna (doxa)112. Sendo que, para ele, os-as cristãos-ãs têm uma e mesma

esperança já que são um só corpo e um só espírito: “Há um só corpo e um só

Espírito, assim como é uma só a esperança da vocação a que fostes chamados” (Ef

4,4)113. A esperança “é uma âncora sólida e segura”114, mas que só se torna real

pela fé, na medida em que é edificada pelo amor. “É o amor que tudo crê, espera e

suporta”115, por isso jamais passará (cf. 1Cor 13,7).

Por fim, as características da esperança paulina são: 1) a invisibilidade,

pois, esperamos o que não vemos (cf. Rm 8,24). 2) A certeza, centralizada no

amor de Deus. 3) Uma virtude do tempo da peregrinação (cf. Rm 8,18-25; 1Cor

13,13). 4) Basea-se sobre o fundamento da fé, já que a fé é a base firme e

substancial de tudo o que esperamos (cf. Hb 11,1.10.19). 5) Está relacionada à

promessa de Deus, que se cumpre no próprio Cristo, portanto, Ele é a nossa

esperança, a esperança da glória (cf. 1Tm 1,1; Rm 5,2). Tudo isso não impede que

a esperança se expresse no Reino, na nova criação, na ressurreição e na recepção

do Espírito, porém Paulo escreve num intuito de concentrar o horizonte cristão na

fé que nasce da cruz e da ressurreição. No conceito de Paulo, pela certeza da fé, o

cristão deve sperare contra spem, ou seja, esperar contra toda desesperança (cf.

Rm 4,18)116. Acreditamos que, uma compreensão melhor aparecerá a seguir ao

analisarmos o texto de Efésios.

2.2.3.2. A esperança em Efésios

Segundo o NT a esperança cristã possui como objetivo principal a

salvação (soteria), algo que se tornou presente e concreto na pessoa de Jesus

Cristo. Isto é muito bem elucidado por Paulo, como vimos acima e, também a

seguir no hino da Epístola aos Efésios:

Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo,

112 Cf. Diccionario bíblico, p. 194. 113 Cf. MACKENZIE, J. L. Op. cit., p. 302. 114 Ibid. 115 HOFFMANN, P. Op. cit., p. 84. 116 Cf. BELLOSO, J. M. R. Op. cit., 229.

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que nos abençoou com toda a sorte de bênçãos espirituais, nos céus, em Cristo. Nele nos escolheu antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor. Ele nos predestinou para sermos seus filhos adotivos por Jesus Cristo, conforme o beneplácito da sua vontade, para louvor e glória da sua graça com a qual ele nos agraciou no Amado. E é pelo sangue deste que temos a redenção, a remissão dos pecados, segundo a riqueza de sua graça, que ele derramou profusamente sobre nós, infundindo-nos toda sabedoria e inteligência, dando-nos a conhecer o mistério da sua vontade, conforme decisão prévia que lhe aprouve tomar para levar o tempo à plenitude: a de Cristo encabeçar todas as coisas, as que estão nos céus e as que estão na terra. Nele, predestinados pelo propósito daquele que tudo opera segundo o conselho da sua vontade, fomos feitos sua herança, a fim de servirmos para seu louvor e glória, nós os que antes esperávamos em Cristo. Nele também vós, tendo ouvido a Palavra da verdade – o evangelho da vossa salvação – e nela tendo crido, fostes selados pelo Espírito da promessa, o Espírito Santo, que é o penhor da nossa herança, para a redenção do povo que ele adquiriu para seu louvor e glória (Ef 1, 3-14)117.

117 Grifos nossos. Para a Epístola aos Efésios Cristo reúne o mundo sobre sua autoridade e o conduz a Deus. Todos-as são reunidos-as em torno da mesma salvação, que provém de Deus, em Cristo. Como vemos, desde o início desta oração, Paulo se eleva ao plano celeste, do qual se manterá toda a Epístola. É do céu, da eternidade, que tudo provém e é para lá que se encaminham todas as coisas, onde se realizam os fins dos tempos, chamadas por ele de bênçãos espirituais. Dentro desta oração da Igreja primitiva, que nos revela o mistério da salvação, colocado por nós neste estudo como objetivo principal da esperança cristã, Paulo desenvolve a argumentação de algumas bênçãos, que são derramadas em decorrência da revelação deste mistério: A primeira benção que ele nos apresenta neste texto é o chamado dos-as eleitos-as à vida santa, já iniciada de maneira mística pela união dos que crêem no Cristo glorioso. É o amor primeiro de Deus por nós que nos inspira à eleição e assim, somos chamados-as à santidade. (cf. Cl 3,12; 1Ts 1,4; 2Ts 2,13; Rm 11,28). Desse amor deriva o nosso amor a Deus e a ele responde. A segunda benção demonstra o modo escolhido para essa santidade, isto é, a filiação divina, cuja fonte e modelo é Jesus Cristo, o Filho único (cf. Rm 8,29). A terceira benção resgata a obra histórica da redenção pela cruz de Cristo. A quarta benção traz a revelação do mistério (cf. Rm 16,25s). A quinta benção diz respeito à eleição de Israel, que se torna a herança de Deus e sua testemunha na expectativa messiânica. A sexta benção é o chamado aos gentios para partilharem da salvação antes reservada

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Ao analisarmos brevemente este texto, podemos observar que já há na

teologia paulina uma certeza produzida pela esperança. Dizemos aqui que já é um

reflexo da experiência espiritual do próprio Paulo118. Ele sempre utiliza o termo

grego elpis para caracterizar a sua esperança, porém a reafirma mediante os

conceitos do AT. Assim, ousamos dizer aqui que se trata de uma espera confiante

e perseverante. Algo que é sustentado pela revelação de Cristo contida na cruz e

na ressurreição. Neste hino de Efésios, Paulo sintetiza todo o mistério salvífico

contido na encarnação de Jesus, para isto, ele demonstra a vontade salvífica de

Deus atuante desde a eternidade: “nos escolheu antes da fundação do mundo”.

Esta vontade salvífica se sustenta por toda a história e culmina com Cristo, nosso

Deus e Senhor, conforme ele mesmo escreveu em outra carta: “A imagem do

Deus invisível” (Cl 1,15). Paulo reforça o destino humano para com Deus,

sustentado na esperança da salvação e, ressaltado pela filiação divina. Tudo,

porém, acontece por obra da graça, fruto do amor de Deus, “com a qual ele nos

agraciou no Amado”.

Esta encarnação, obra amorosa de Deus, encaminha a humanidade à sua

remissão completa. Tudo que foi assumido pelo Filho será redimido, dirão os

Padres da Igreja119. Assim, confirmamos que, Cristo é a Palavra viva do Pai, é o

Logos eterno, Evangelho da nossa salvação, que sela pelo Espírito Santo a

consumação de toda a criação. Cristo assume a humanidade no desejo de que a

humanidade compartilhe da sua divindade, só assim, Cristo será tudo em todos-as

(cf. 1Cor 15,28). Trata-se do mistério da verdade, escondido desde antes da

criação do mundo e revelado agora para a salvação de todos-as e para a glória de

Deus Pai. Segundo a teologia paulina a nossa esperança tem endereço certo e por

essa razão se confirma. É algo seguro capaz de nos transformar em novos seres,

portadores-as de uma nova vida. Vejamos isso de maneira mais detalhada a partir

de trechos extraídos do hino:

a Israel. Esta certeza se confirma pela posse do Espírito Santo. Pois, agora, por desígnio divino, podemos perceber a salvação em forma trinitária. Porém a plenitude dos tempos só será atingida pela Parusia de Cristo (cf. Lc 24,49s; Jo 1,33s; 14,26s). Cf. “notas de rodapé” de Ef 1, 3-14. In: Bíblia de Jerusalém, p. 2039-2040. 118 Cf. DUNN, J. D. G. Op. cit., p. 499-500. 119 É uma expressão muito usada na Patrística, porém ilustramos aqui com uma bela passagem de Gregório de Nazianzeno (329-390), uma poesia que retrata a natureza humana: “... finalmente o Cristo, que uniu a sua natureza à nossa para trazer socorro a meus sofrimentos através de seus divinos sofrimentos, para divinizar-me graças a sua condição humana”. GREGÓRIO NAZIANZENO. Poema sobre a natureza humana. In: GOMES, C. F. Antologia dos Santos Padres: Páginas seletas os antigos escritores eclesiásticos. São Paulo: Paulinas, 1973, p. 192.

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1) Filhos adotivos por Jesus Cristo: Esta adoção se concretiza pela

encarnação do Filho, para a qual Deus nos predestinou desde toda a

eternidade, a ponto de sermos seus filhos-as adotivos-as por Jesus Cristo.

Somos, desta forma, cobertos de bênçãos espirituais em que o próprio

Deus, em Cristo, decide por fazer parte da nossa humanidade. Ao assumi-

la Ele se torna igual a nós e, evidentemente, nos torna iguais a Ele120. É

uma proximidade única que nos direciona para um lugar definitivo, pois o

endereço do-a filho-a sempre será na casa do Pai. No momento que

aceitamos isso, adquirimos a confiança necessária para se comprometer

com o plano de Deus para toda a humanidade. Percebemos, então, que o

nosso futuro está com Deus e em Deus. Ele é a nossa força e a nossa

esperança.

2) Redenção e remissão pela graça: “E é pelo sangue deste que temos a

redenção, a remissão dos pecados, segundo a riqueza de sua graça” (Ef

1,7). Esperamos deste modo o perdão e a justificação de toda a falta e de

todo o pecado. Somos justificados pelo seu amor. Em Cristo todos-as

morremos, segundo Paulo. Ele assume a nossa morte em sua morte, se faz

pecado para do pecado nos libertar. Esta sua ação reflete em toda a

humanidade que foi de uma vez por todas marcada e redimida com o seu

sangue. Para Paulo a cruz possui um significado ainda maior porque reflete

a ressurreição, que é o grande sinal de salvação, o sinal da certeza. É neste

ponto que se situa a esperança paulina, no entanto ela não rejeita a cruz,

visto que o Ressuscitado é antes o Crucificado. O ponto principal da

esperança cristã aqui é a justificação do-a pecador-a, fruto da graça

divina121. E, para Paulo, esta remissão acontece de forma gratuita em

Cristo: “Mas Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que

120 Colocamos o adjetivo igual por entendermos que sua encarnação não o deixa apenas semelhante a nós, mas o fez verdadeiramente um ser humano, como atesta o credo cristão. 121 Sobre as implicações acima mencionadas e que são resultados da morte expiatória de Jesus, ponto importante da teologia paulina, indicamos: DUNN, J. D. G. Op. cit., p. 251-280. Cf. tb.: KESSLER, H. Op. cit., p. 253-257. Sobre a graça, indicamos: MIRANDA, M. F. Op. cit., p. 107-113. BOFF, L. A graça libertadora do mundo. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1977. PESCH, O. H. Graça. In: Dicionário de conceitos fundamentais de teologia, p. 327-332. LA PEÑA, J. L. R. Graça. In: Dicionário de conceitos fundamentais do cristianismo, p. 319-325. E, por fim, dois clássicos agostinianos: AGOSTINHO. A graça I. Trad. Agustinho Belmonte. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1999. Id. A graça II. Trad. Agustinho Belmonte. São Paulo: Paulus, 1999.

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nos amou, quando estávamos mortos em nossos delitos, nos vivificou

juntamente com Cristo – pela graça fostes salvos! – e com ele nos

ressuscitou...” (Ef 2,4-6).

3) Do tempo à plenitude: Deus se tornou tempo para que o tempo se

tornasse eterno. Este é o kairós responsável pela nossa salvação. A

esperança cristã se confirma na Parusia, vinda gloriosa de Cristo, que pela

sua ressurreição inaugura um novo tempo, uma nova humanidade, que

chegará à sua plenitude, onde Cristo passará a ser tudo em todos-as (cf.

1Cor 15,28) e entregará tudo ao seu Pai, para sua eterna glória. Assim se

completará a obra da salvação e a criação chegará ao seu fim, que não é

um fim-fim, mas um fim-para, para o eterno. O marco deste fato, o

momento kairós é a ressurreição de Cristo, que abre definitivamente à

história da criação o seu futuro escatológico, conforme a mesma carta

confirma mais adiante: “O que desceu é também o que subiu acima de

todos os céus, a fim de plenificar todas as coisas” (Ef 4,10). Na perspectiva

paulina Cristo é a chave deste futuro. Ele se torna o Éschaton, pois assume

em seu ser a plenitude da vida e, com isso, a plenitude do tempo, que

rompido para sempre se torna eterno.

4) A herança do Filho: Por obra da graça somos herdeiros-as de todos os

bens espirituais que Cristo deixou. Como aparece também em Romanos:

“E se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e co-

herdeiros de Cristo, pois sofremos com ele para também com ele sermos

glorificados” (Rm 8,17). Somos também os-as destinatários-as do Reino e

do seu Evangelho, que em sua mensagem nos traz a salvação eterna.

Portanto, a nossa esperança desta salvação consiste no fato de que em

Cristo, somos herdeiros-as de uma vida nova, que com Ele nos revestimos

do Homem Novo, criado segundo Deus na justiça e santidade da verdade

(cf. Ef 4,24).

5) Cristo, o Evangelho da salvação: A expressão Evangelion é uma

palavra predominantemente paulina. Das 76 ocorrências no NT 60 são

dentro do corpo de suas cartas. É uma palavra-chave da sua teologia e da

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maneira como assume a posição de apóstolo, decidindo por toda a sua vida

evangelizar. Isto significa levar a Boa Nova, a novidade que Cristo traz.

Ele enriquece o conteúdo do evangelho como força de salvação. Para

Paulo somente o evangelho de Cristo justifica e defende a fidelidade a

Deus122. Por certo, a nossa esperança se fundamenta em Cristo. Seu

Evangelho se torna uma força capaz de transformar a nossa vida e a vida

ao redor, levando à plenitude toda a obra da criação. O evangelho de

Cristo é um sinal visível de salvação, portanto, de esperança. Cristo é a

pedra angular (cf. Ef 2,20). Nele somos co-edificados-as para sermos

habitação de Deus, no Espírito (cf. Ef 2,21).

6) Selados pelo Espírito da promessa: O que solidifica a nossa certeza, que

nos impulsiona a fé, é a marca que trazemos do Espírito Santo. É

impossível haver esperança sem que haja a ação do Espírito. Foi Ele quem

falou outrora pelos profetas, que guiou a Cristo e que hoje conduz a Igreja.

Ele é que nos conduz pelo caminho verdadeiro e nos direciona a plenitude

do Reino. Para a comunidade paulina a certeza do Espírito era tão

importante quanto à certeza da ressurreição de Cristo. Estas duas coisas

estavam totalmente interligadas. É a marca do-a cristão-ã, que pela

promessa assegura-se na sua esperança, que no Espírito sempre se

renova123. Frisamos aqui a palavra promessa porque ela só pode ser

compreendida como evento de revelação de Deus à luz do Espírito Santo.

Assim, partindo deste hino cristão da Epístola de Paulo aos Efésios,

ousamos alicerçar a esperança na promessa de salvação de Deus que foi

concretizada em Jesus Cristo. Ele é a nossa esperança. Somente por meio Dele

podemos ser chamados-as de filhos-as. Temos em Cristo um irmão maior, que por

amor nos redimiu e fez cumprir em nós as primícias do Espírito (cf. Rm 8,22-24).

Somos agora herdeiros-as de uma nova vida que se inicia, é um novo tempo que

advém e transforma o que era velho em novo. Este é o Evangelho de Jesus Cristo.

Este é o Evangelho da Promessa, capaz de despertar em nós a esperança para um

122 Cf. DUNN, J. D. G. Op. cit., p. 203-207. 123 Para maiores informações sobre a compreensão do Espírito Santo e a Esperança em Paulo, consultar a seguinte obra já citada anteriormente: DUNN, J. D. G. Op. cit., p. 472-502.

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futuro que já irrompeu no Cristo ressuscitado, mas que para nós ainda não é

vislumbrado totalmente. Vivemos, então, pelo Espírito da promessa, ansiando a

libertação definitiva. Este processo pode ser confirmado pelo evento da

encarnação de Cristo que será retratado na Epístola aos Filipenses.

2.2.3.3. A esperança em Filipenses

Na teologia paulina, para que tal evento ocorra, evidencia-se o fato de que

o próprio Cristo, o Filho, assume em seu ser toda a limitariedade humana,

condição necessária para a nossa salvação. Em Cristo, Divino-Humano, nossa

esperança se confirma e, a plenitude deste sinal salvífico é marcada pelo evento da

cruz e da ressurreição. Isto aparece mais claramente no hino a seguir, que como

afirma a exegese atual não era de Paulo, mas da comunidade cristã primitiva,

porém foi por Paulo utilizado e interpretado124:

Ele, estando na forma de Deus não usou de seu direito de ser tratado como um deus mas se despojou, tomando a forma de um escravo. Tornando-se semelhante aos homens e reconhecido em seu aspecto como um homem abaixou-se, tornando-se obediente até a morte, à morte sobre uma cruz. Por isso Deus soberanamente o elevou e lhe conferiu o nome que está acima de todo o nome, a fim de que ao nome de Jesus todo joelho se dobre nos céus, sobre a terra e sob a terra, e que toda língua proclame que o Senhor é Jesus Cristo para a glória de Deus Pai (Fl 2,6-11).

124 Como já afirmamos acima este hino pertencia ao cristianismo antigo, mas foi utilizado e interpretado por Paulo na sua Epístola aos Filipenses. Algumas de suas conotações aparecem também em outros hinos antigos, citados por ele em outras cartas, como por exemplo, em Cl 1,15-20; 1Tm 3,16; 2Tm 2,11-13. Este hino foi interpretado tradicionalmente em função do esquema divino descendente-ascendente da divindade, segundo o qual a kénosis de Cristo era a entrega de sua glória (doxa) divina a fim de viver a vida humana e, consequentemente, sofrer. Sua estrutura se baseia no esquema bíblico da humilhação para depois receber a exaltação, pela qual a pessoa justa que sofre é recompensada por Deus. Jesus como o segundo Adão (cf. 1Cor 15,45) é contrastado com o primeiro Adão (cf. Gn 3,4-5). Cf. nota “f” de Fl 2,5. In: Bíblia de Jerusalém, p. 2049. Este assunto, a kénosis, não é objeto de nossa pesquisa, portanto não será por demais aprofundado, porém, indicaremos a seguir alguma bibliografia que dispomos e que trata sobre o tema: DUNN, J. D. G. Op. cit., 331-339. Cf. tb. KESSLER, H. Op. cit., p. 386-387. Cf. tb. WIEDERKEHR, D. Cruz/sofrimento. In: Dicionário de conceitos fundamentais de teologia, p. 144-148. Cf. tb. VARONE, F. Esse Deus que dizem amar o sofrimento. Aparecida: Santuário, 2001.

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Este hino cristão da Igreja primitiva é a profissão de fé essencial do

cristianismo. Trata de Cristo e de sua kénosis, onde Deus, em Cristo, esvazia-se de

si mesmo por amor a nós e para a nossa salvação. O que caracteriza aqui a nossa

esperança é o fato da disposição primeira de Deus em nosso favor. Ele vem como

um amor gratuito, tornando-se semelhante a nós para nos deixar de modo

semelhante a Ele. Nesse ponto a nossa esperança se confirma na certeza da fé,

demonstrada por Paulo neste hino cristão quando reflete a pré-existência do Filho.

Agora o eterno se fez história a ponto de eternizá-la. Deste modo, somos

marcados-as na nossa humanidade pela divindade de Cristo. E isto, seguramente,

irrompe para a eternidade.

Da fé pascal na exaltação da humanidade repleta de Deus de Jesus para a glória igual à de Deus passou-se, pois, para a confissão da encarnação do Filho eterno de Deus, que sempre está ao lado (à direita) do Pai (Fl 2,6-8; Jo 1,14.18) e que na Páscoa tornou-se também segundo sua humanidade aquilo que sempre é segundo sua divindade, de modo que a humanidade não tem um significado apenas temporário, e sim permanente (Deus quer ter o ser humano eternamente junto a si)125.

A nossa esperança se fundamenta na divindade e humanidade de Cristo;

uma humanidade assumida não de modo temporário, mas permanente, conforme

texto acima. Agora, tudo aquilo que era distante se tornou próximo, o que era

futuro se tornou presente. Rompeu-se o véu do Templo (cf. Mt 27,51) e a

eternidade, por meio de Cristo, marcou a história, a ponto de assumi-la e

transformá-la.

O hino acima demonstra também o caráter da missão de Jesus (cf. Lc 4,18-

19), que aparecerá mais especificamente nas suas pregações como conteúdo da

Boa Nova. Esta missão já nasce do interior divino, pois Ele que estava na forma

(morphe) de um deus assume a forma (morphe) de um servo, semelhante aos

homens e mulheres, sendo reconhecido como tal. Isto foi demonstrado em sua

vida como uma atitude de amor-serviço. Cristo realiza na sua missão o verdadeiro

desafio humano, assume o desejo do Pai por amor, sendo fiel até a morte, “à

morte sobre uma cruz”. Por isso, Deus o elevou, dando-lhe um nome acima de

qualquer outro. Desta maneira, a nossa esperança confirmada na certeza da fé e

fundamentada no Cristo Divino-Humano terá o seu repouso seguro. Porque esta

125 KESSLER, H. Op. cit., p. 387.

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elevação de Jesus Cristo atinge também a nós, que pela humanidade do Filho

fomos com Ele elevados-as. Agora de criaturas fomos transformados-as em

filhos-as, filhos-as de Deus.

2.3. Reflexões conclusivas No início de nosso trabalho propomos por fundamentar e refletir neste

capítulo sobre a esperança cristã. Primeiro num conceito geral, passando por

alguns conceitos filosóficos até chegarmos enfim ao conceito teológico de

esperança cristã, que era o nosso principal objetivo aqui. Ao depararmos com este

ponto, tratamos por defini-la, fundamentando o seu conteúdo a partir do AT e,

posteriormente no NT, acompanhados das definições teológicas que cada

momento nos proporcionou. Uma vez que, o eixo principal de nossa pesquisa é a

esperança cristã, acreditamos que estabelecemos nesta parte pontos concretos para

o nosso trabalho. Resta-nos agora aprofundar esta temática a partir da reflexão de

um grande autor, neste caso, Jürgen MOLTMANN.

Com efeito, após termos evidenciado detalhadamente neste capítulo vários

aspectos desta temática, concluímos que, ela é algo que supera em muito aquilo

que se define categoricamente como o ato de esperar. Refere-se a uma espera

confiante, mas que ao mesmo tempo sente a necessidade de se ver perseverante

diante dos conflitos da vida. Também não é uma espera passiva, mas incisiva pelo

futuro prometido, pois demonstra a cada instante a sua tensão escatológica.

Assim sendo, apresentamos a seguir breves reflexões de caráter conclusivo

do que nos foi acrescentado neste capítulo:

1) O ser humano procura na esperança razões para o seu futuro. Nesta

hora ele percebe que é um ser totalmente aberto ao futuro, num

horizonte ilimitado de possibilidades, capaz de envolvê-lo e aos seus-

uas. Esta tensão que ele-a carrega resulta de sua abertura ao

transcendente, na qual o Absoluto é buscado incansavelmente, no

mesmo instante em que se vê fixado na realidade. Assim, sentimos

uma expectativa superior em relação à própria vida. Experimentamos

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sensações que prefiguram algo novo, ainda não buscado totalmente,

que embora ainda não contemplado já preconize um eterno presente.

2) Em termos gerais esperança significa esperar, uma espera aberta.

Abrange uma tendência para um bem futuro e possível, mas também

incerto. Pode ser até um impulso. Para o pensamento grego esperança,

elpis, poderia ser o aguardo de um acontecimento alegre ou triste, feliz

ou infeliz. Somente com a cultura judaico-cristã esta esperança

começou a apresentar a certeza de um futuro certo e feliz, pois se

alicerçava nas promessas de Deus. Aqui se difere o simples ato de

esperar (spes qua) da esperança que se fundamenta em Deus (spes

quae). Isto se reflete na filosofia moderna, onde a esperança secular

alimenta várias expressões de utopia e messianismo. Ernst Bloch

propõe uma esperança na qual a idéia de Reino de Deus seja aplicada

na transformação deste mundo. Sobre alguns destes pontos é que se

depara MOLTMANN ao refletir sobre a esperança.

3) A esperança cristã, por sua vez, baseia-se em Cristo como futuro e

realização das promessas (promissio) de Deus. Para isso, ela resgata

conteúdos pertinentes do AT e aplica à revelação recebida no NT. Em

hebraico a esperança possui vários indicativos, mas sempre

direcionado para um bem, sempre com um olhar voltado ao futuro e,

este futuro só se realizará no cumprimento das promessas de Javé. Ao

re-interpretar esta esperança e aplicá-la no início do cristianismo,

observamos que, algumas destas variantes são re-afirmadas, como por

exemplo: esperar, confiar e perseverar. Mas, mesmo assim, notamos

uma alteração pelo fato de agora as promessas terem sido realizadas

em Cristo; nossa esperança possui uma identidade, o que gera

confiança e certeza. No entanto, ainda vivemos de perseverança, a

espera deste kairós capaz de trazer o futuro para o presente e, com isso,

transformar e eternizar a história. A base disso é que a certeza da nossa

salvação segundo o NT é alicerçada pela fé na ressurreição.

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4) O principal objetivo da esperança cristã é a salvação, porém ela se

destina categoricamente para alguns objetos concretos: o Reino de

Deus; a vinda de Cristo, que também chamamos de parusia; a

ressurreição; a vida eterna; a herança; aquilo que nenhum olho viu; a

participação na glória de Cristo e como recompensa todos os bens da

Boa Nova, céu. No momento que refletimos sobre a esperança cristã na

teologia de Paulo foi possível notar que para ele esta esperança passou

por alguns estágios em decorrência da sua experiência do Espírito. Em

sua teologia Paulo vê a esperança como um dom de Deus e a coloca ao

lado da fé e da caridade, formando o que chamamos de trilogia paulina

(crer, esperar e amar) ou as três virtudes teologais (cf. 1Cor 13,13). Em

suas cartas, Paulo caracteriza a esperança como algo que não se vê.

5) Paulo é considerado como o primeiro teólogo da esperança. Algumas

das características da esperança paulina são: a invisibilidade, a certeza,

uma virtude do tempo da peregrinação, está baseada sobre o

fundamento da fé e está relacionada à promessa de Deus. Na reflexão

que optamos por fazer de sua teologia, verificamos que em Efésios ela

está fundamentada na certeza, pois somos “agraciados no Amado” e

Cristo levará o tempo à plenitude. Já em Filipenses reflete sobre a

kénosis: o Filho aceita por amor assumir a nossa humanidade,

tornando-se igual a nós. Por este fato, a nossa esperança baseia-se

naquilo que foi conquistado por Cristo e, em virtude disso, somos

chamados-as de filhos-as de Deus.

Por fim, concluímos que, o nosso estudo neste capítulo não demonstrou o

todo da fundamentação e reflexão teológica que possibilita a esperança cristã. No

entanto, como esclarecemos no início, o nosso objetivo era apenas elucidar alguns

pontos de maior relevância para o nosso trabalho posterior. Mesmo assim,

acreditamos ter encontrado pontos muito importantes nesta explanação e que

servirão de bases futuras. Estes resultados se tornam fundamentais para o próximo

passo do trabalho: A esperança cristã em MOLTMANN.

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3 A esperança cristã em Moltmann Após aprofundarmos e refletirmos no capítulo anterior sobre a esperança

cristã, onde foram apresentados as suas bases e os seus fundamentos teológicos,

propomos a partir de agora uma reflexão mais específica, neste caso, a esperança

cristã em MOLTMANN. Trata-se de um dos teólogos que mais se debruçou sobre

o presente tema na teologia atual. Desta maneira, desenvolver uma pesquisa tendo

como base o seu pensamento passa a ser uma tarefa de imensa responsabilidade,

pelo peso teológico que este autor representa academicamente e, também,

eclesialmente. De certa forma, demonstra uma teologia aberta e promissora, em

virtude de seu caráter ecumênico, pois MOLTMANN é um teólogo protestante,

também pela forte presença de seu pensamento nas diversas correntes do

pensamento teológico contemporâneo126. Assim sendo, para caracterizar a

temática no autor decidimos por resgatar, inicialmente, fatos importantes de sua

vida, ou seja, como a esperança situa-se no seu contexto histórico. Logo após,

evidenciaremos como que o autor se encontra dentro do contexto da esperança

cristã, o modo como ele a vê e a destaca, considerando aqui as características

fundamentadas no capítulo anterior. Isso nos possibilitará uma compreensão

simples, mas ao mesmo tempo significativa do autor e do tema.

3.1. Moltmann e seu contexto histórico Trazer para a reflexão teológica o pensamento de um grande autor nunca é

uma tarefa fácil, pois se trata de uma pessoa que pensou e refletiu exaustivamente

sobre determinado assunto, o que torna praticamente impossível reduzir todo o

126 Estas correntes do pensamento teológico que mencionamos acima se referem, especificamente, à Teologia Política, Teologia da Libertação, Teologia Feminista, Teologia Negra e Teologia Asiática. Além de outros movimentos e pensadores contemporâneos que por vezes fazem referências a ele e suas obras.

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conteúdo de seu pensamento dentro de poucas palavras. Com efeito, neste

trabalho, destacamos em MOLTMANN pontos que se mostraram para nós de

maior importância e relevância para o presente momento. O que não significa que

são únicos, mas que por ora merecem especial destaque pelo objetivo proposto.

MOLTMANN é um autor que caminhou por diversos campos da teologia,

sempre destacando a esperança como elemento hermenêutico. Ele procura, por

diversas vezes, confrontá-la no seu pensamento com desafios hodiernos, sem

medo de com isso mudar o rumo de sua reflexão. Preocupa-se por produzir uma

teologia aberta. Ele afirma e confirma tudo o que escreveu, mas para ele a teologia

é dinâmica e vem da experiência, sendo sempre uma aventura nova. Portanto, para

manter a fidelidade ao conteúdo proposto neste trabalho consideraremos os

primeiros anos de sua carreira teológica. Poderemos aludir sim, se preciso, em

outros momentos, porém com um olhar fixo para aqueles que proporcionaram em

sua vida um despertar à esperança e que, segundo ele, sempre é um caminho

retornável e seguro na sua reflexão.

Deste modo, teremos como ponto de partida alguns acenos biográficos de

sua vida, com o intuito de situar o autor em seu contexto histórico, que será o

nosso ponto de referência na pesquisa. Logo após destacaremos pontos

importantes de sua vida, que retratam fatos como Auschwitz e a sua experiência

como prisioneiro de campo de concentração. Em todas estas situações a

esperança, no caso, a esperança cristã, mostrou-se imprescindível.

3.1.1. Acenos biográficos

Jürgen MOLTMANN é um dos teólogos mais respeitados e influentes do

mundo contemporâneo, possui uma teologia expressiva127. Como ressalta Battista

Mondin, talvez seja a figura mais representativa da teologia protestante

contemporânea, depois de grandes líderes anteriores como: Barth, Cullmann,

Tillich e Bonhoeffer128. É de confissão cristã reformada, nascido em 18 de abril de

1926 na cidade de Hamburgo, Alemanha. Logo cedo, aos dezessete anos, após ver

127 Cf. BOFF, C. Teoria do método teológico, p. 686. 128 Cf. MONDIN, B. Os grandes teólogos do Século Vinte. São Paulo: Teológica, Paulus, 2003, p. 283.

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a sua cidade destruída em julho de 1943 e, também, por ser soldado recém-

incorporado, foi convocado para o front do exército alemão, no qual, depois de

seis meses, foi feito prisioneiro e levado ao campo de concentração de Northon

Camp, na Inglaterra129.

Dentre os prisioneiros deste campo destacavam-se alguns professores de

teologia, através dos quais, depois de forte experiência, teve a possibilidade de

iniciar seus estudos teológicos, cujas esperanças foram se manifestando e se

construindo, conforme relataremos mais adiante. Já em 1948 voltou à Alemanha e

decidiu por prosseguir seus estudos em Göttingen até 1952, ano em que os

concluiu. Durante o período de 1953 a 1958, desenvolveu atividades pastorais na

cidade de Bremen, na qualidade de pastor e assistente dos estudantes130.

Neste período de estudo sua influência acadêmica perpassa por alguns

expoentes: em Göttingen estudou sob as orientações de Otto Weber (1902-1966),

Hans Joachim Iwand (1899-1960) e Ernest Wolf (1902-1971), conseguindo

formar-se em teologia em 1952 com uma dissertação sobre a graça (Gnadenbund

und Gnadenwahl – Pacto da graça e eleição da graça). Entre os anos de 1956 e

1957, ainda com a orientação de Otto Weber, vai atrás da sua Habilitationschrift,

na mesma universidade conseguindo a livre docência em Teologia Dogmática e

Sistemática (Dogmengeschichte und systematische Theologie), na qual retrata

sobre o movimento calvinista histórico e a teologia reformada131. A influência

calvinista sobre o seu pensamento já aparece de imediato em suas obras, fato

129 Cf. Ibid. 130 Cf. Ibid. 131 Cf. GIBELINI, R. La teologia di Jürgen Moltmann. Brescia: Queriniana, 1975, p. 13-14. Sobre Otto Weber além de orientador foi também um grande amigo de MOLTMANN. Após uma morte prematura em 1966 MOLTMANN dedicou uma obra comemorativa em sua memória cheia de afeto e respeito pela figura do teólogo, amigo e homem da Igreja. Esta obra intitula-se: Otto Weber. In: Kirche in der Zeit, de novembro de 1966. Cf. GIBELINI. Op. cit., p. 14, n. 2. Em relação a sua tese sobre o Calvinismo encontramos maiores informações na mesma obra citada acima na nota 3, p. 14-16. Também Mondin reproduz que nesta obra ele estuda a doutrina da perseverança de Agostinho-Calvino até Schleiermacher, segundo a qual, através de reconstrução histórica evidencia uma tese que ficará como ponto firme e central de seu pensamento: “a tese segundo a qual a doutrina tradicional da perseverança foi telecomandada, por um lado, pelo esquecimento da escatologia e, por outro, por uma concepção grega, ou, mais precisamente, ‘parmenídia’ da divindade”. MONDIN, B. Os grandes teólogos do século vinte, p. 284.

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importante que merece ser destacado132. Outro grande expoente cuja influência se

faz notar em sua teologia é Dietrich Bonhoefer133.

Academicamente, ensinou História dos Dogmas e Teologia Sistemática na

Kirchiliche Hochschule de Wuppertal, onde foi colega de Wolfhart

Pannenberg134. Ali permaneceu de 1958 até 1963, ano em que foi chamado para a

Universidade de Bonn. Mais tarde, desde 1967, tornou-se professor na

Universidade de Tübingen, da qual hoje permanece como professor emérito.

Também no período de 1967-1968 foi convidado na condição de professor

visitante à Due University, EUA. Jürgen MOLTMANN é casado com Elizabeth

Moltmann-Wendel, também doutora em teologia e professora. Eles têm quatro

filhos135.

É considerado o fundador da Teologia da Esperança (movimento

contemporâneo que surgiu na Alemanha durante a segunda metade do século XX)

e, também, o seu principal expoente. Outro movimento teológico que lhe é

atribuída à origem é a Teologia da Cruz, desenvolvida em período posterior,

assim como a Teologia Política que, juntamente com J. Metz se tornou um

movimento teológico de grande repercussão136. O ponto inicial de sua carreira

132 No próximo capítulo destacaremos alguns pontos dessa influência calvinista em seu pensamento ao situarmos a esperança cristã a partir de sua primeira grande obra, a Teologia da Esperança. 133 Dietrich Bonhoeffer foi pastor, teólogo luterano e mártir alemão. Nasceu em Breslau em 4 de fevereiro de 1906. Desde jovem seguiu para o ministério na Igreja luterana, doutorou-se em teologia na Universidade de Berlim e fez um ano de estudos no Union Theological Seminary em Nova York, retornando à Alemanha em 1931. Rejeitou fortemente o nazismo, sendo um dos mentores da Declaração de Bremen. Após ajudar judeus a fugirem para a Suíça foi capturado e levado a várias prisões até que em 9 de abril de 1945, exatamente três semanas antes que as tropas libertassem o campo, foi enforcado junto com seu irmão Klaus e cunhados. De suas obras destaca-se a mais famosa intitulada Nachfolge, na qual se fundamentando em Lutero trata sobre a graça, dando ênfase a justificação. Um outro tratado que escreveu quando estava sendo perseguido pelos nazistas e que é considerado como uma das obras primas do protestantismo denomina-se Ética. Suas cartas da prisão são até hoje um exemplo de martírio e também um tesouro para a teologia cristã do século XX. Maiores informações sobre Bonhoeffer podem ser encontradas na seguinte obra: GIBELLINI, R. A teologia do século XX. p. 106-109. Um bom estudo da sua influência no pensamento de MOLTMANN e as reflexões que ele fez a partir dele se encontram em: GIBELLINI. R. La teologia di Jürgen Moltmann, p. 16-30. 134 Para maiores informações sobre Pannenberg, também considerado um dos maiores teólogos do século XX, e que também ingressou no movimento inaugurado pela Teologia da Esperança, consultar: ACCORDINI, G. Wolfhart Pannenberg. Col. Teólogos do século XX. São Paulo: Loyola, 2006. Cf. tb. GIBELLINI, R. A teologia do século XX, p. 270-279. 135 Cf. MONDIN, B. Os grandes teólogos do século vinte, p. 283-284. Cf. tb. GIBELINI, R. La teologia di Jürgen Moltmann, p. 10. 136 Cf. MONDIN, B. As teologias do nosso tempo. São Paulo: Paulinas, 1979, p. 69-176. cf. tb. GIBELINI, R. A teologia do século XX, p. 279-322. Com destaque a Teologia Política e sua ligação com Metz, indicamos: Primeiramente MOLTMANN: MOLTMANN, J. Progresso y precipício. Recuerdos del futuro del mundo moderno. Revista latinoamericana de teologia, San Salvador, n. 54, p. 235-253, sep./dic. 2001. Id. La critica como deber. In: ARNDT, A.;

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teológica e que marca a sua ligação com a corrente teológica citada acima é com a

publicação de sua obra Teologia da Esperança (Theologie der Hoffnung), em

1964. Nela o tema da esperança aparece como elemento hermenêutico, levando-a,

assim, ao centro da teologia, conforme suas palavras: “já não mais teorizava sobre

a esperança, mas a partir dela”137. Ou também: “O todo da teologia em um único

enfoque”138.

O detalhe desta teologia é que tudo ocorre ao retratar os textos sagrados

como sendo um livro de esperança, com base, por exemplo, na experiência do

povo do Êxodo que viu nas promessas de Deus uma atitude salvífica. Este se torna

um marco interessante para a sua teologia que procurará resgatar para o

cristianismo aspectos preponderantes do judaísmo e, que por razões diversas,

foram deixados de lado. Um exemplo fundamental são as promessas. Estas

ressaltam a importância do conceito de esperança cristã que destacamos no

capítulo anterior, ao sistematizarmos os seus fundamentos bíblicos e teológicos da

esperança no AT. MOLTMANN afirma que, “as promessas de Deus abrem os

horizontes da história”139. E mais: “Aquilo que era experimentado como ‘história’,

como possibilidade de transformação da realidade, coincidia com as promessas de

Deus, abrangendo sua lembrança e sua esperança”140.

Ao lado disso, para fortalecer os seus argumentos na obra Teologia da

Esperança, MOLTMANN utiliza elementos da filosofia de Ernst Bloch, através

do livro O princípio esperança (Das Prinzip Hoffnung, 1959)141. Este livro

naquele momento exercia na Alemanha grande influência por trazer toda a

revelação bíblica em forma proléptica (antecipação do futuro) em vez de epifânica

(manifestação do divino). No centro desta revelação se encontrava Jesus Cristo,

MOLTMANN, J. Hacia una sociedad critica. Salamanca: Sígueme, p. 21-25. Id. Cristo, fin de la tortura. Selecciones de teologia, Barcelona, v. 31, n. 124, p. 311-316, oct./dic. 1992. Obras de Metz: METZ, J. B. Teologia política. Caxias do Sul, Porto Alegre: UCS, EST, 1976. Id. Para além de uma religião burguesa: sobre o futuro do cristianismo. São Paulo: Paulinas, 1984. 137 MOLTMANN, J. My theological career, 1991, p. 170. Apud: MUELLER, E. R. Apresentação da 3ª edição. São Leopoldo, 2005. In: MOLTMANN, J. Teologia da Esperança, p. 14-15. 138 MOLTMANN, J. Teologia da esperança, p. 24. 139 MOLTMANN, J. Op. cit., p. 143. 140 Ibid. 141 Todas as informações sobre Ernst Bloch que depositamos neste trabalho se encontram no capítulo anterior, de maneira detalhada na nota 35. Porém, é interessante destacar que MOLTMANN vai além de Bloch, pois seu horizonte último é a esperança cristã. No final de sua obra Teologia da Esperança ele insere um apêndice, no qual reflete a partir do Princípio Esperança de Bloch: “O Princípio Esperança” e a “Teologia da Esperança”, p. 423-454.

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que antecipava o futuro de Deus, sobretudo com o evento da ressurreição142. Desta

forma, MOLTMANN desenvolvia uma reflexão profunda entre esperança e

ressurreição.

Podemos reafirmar então que, MOLTMANN é um dos maiores pensadores

cristãos da atualidade. Mais do que o volume de suas obras, o que o destaca,

segundo Enio R. Muller “é a fantasia aliada à erudição, a ousadia aliada à

preocupação com a verdade cristã, a amplitude do pensamento aliada à grande

capacidade de focalização temática”143. Também é um pensador ecumênico, fato

registrado pela sua influência no meio católico e em outras confissões

protestantes, além de constante diálogo com a Teologia da Libertação, caso

específico da América Latina144. Em sua teologia MOLTMANN traz um novo

enfoque à escatologia, destacando “a realização da esperança escatológica por

justiça, a humanização do ser humano, a socialização da humanidade, paz para

toda a criação”145.

Com o surgimento da Teologia da Esperança, inicialmente, ele foi alvo de

inúmeras críticas, das quais, algumas, ele respondeu prontamente e, com isso,

acabou por desenvolver um outro caráter da sua teologia146. Aceitou a observação

de que a esperança exige a práxis e tornou-se promotor da Teologia Política, da

Teologia da Libertação, Teologia Negra e outras. Reflete, agora, a esperança de

maneira estaurológica (assumindo como forma de leitura a cruz e a paixão). Por

seu diálogo com outras teologias é um teólogo muito estudado na atualidade e sua

teologia influenciou inúmeros pensadores contemporâneos em várias partes do

mundo147.

142 Cf. MONDIN, B. As teologias do nosso tempo, p. 77-82. 143 MUELLER, E. R. Op. cit., p. 16. 144 Cf. Ibid., p. 11-16. Cf. também em MOLTMANN, J. In: SUSIN, L. C. O mar se abriu: Trinta anos de teologia na América Latina. São Paulo: Loyola, 2000. Vale ressaltarmos que há aqui um diálogo. Sem dúvida a teologia alemã influenciou em muito a teologia latino-americana, haja vista o número grande de expoentes da Teologia da Libertação que passaram por academias alemãs. Mas, destaca-se também uma influência desta teologia no pensamento alemão, neste caso de MOLTMANN, fazendo-o, inclusive, rever alguns conceitos. Isto reforça o caráter fontal da teologia latino-americana que conseguiu situar-se em características próprias, sem que com isso abandonasse aspectos importantes da tradição eclesial. Um confronto aproximativo destas duas teologias demonstra-se relevante em vista dos novos desafios que a atual sociedade enfrenta. Vale perguntarmos: que respostas estas duas teologias podem oferecer aos problemas hodiernos da sociedade? 145 Cf. MOLTMANN, J. A teologia da esperança, p. 17. 146 Sobre estas críticas e as defesas de MOLTMANN, Ver: MARSCH, W.-D.; MOLTMANN, J. Discusión sobre teologia de la esperança. Salamanca: Sígueme, 1972. 147 Cf. MONDIN, B. Op. cit., p. 158-174.

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Na sua reflexão a teologia é sempre contextual, embora um pouco

diferente do que faz a Teologia da Libertação latino-americana, que surgiu por

volta da mesma época. Mas, sua obra é inovadora em âmbito europeu por

valorizar mais a história e, talvez, por esta razão alcançou afinidade com as

teologias do assim chamado terceiro mundo. Quando surgiu a sua obra Teologia

da Esperança, disse que, o tema da esperança estava meio que no ar, tanto do

lado protestante quanto do lado católico com o Concílio Vaticano II (1962-

1965)148. A Europa vivia uma situação de crise após a II Grande Guerra Mundial

(1939-1945). Com isso, esta teologia vem como um sinal positivo para a

superação da estagnação do período pós-guerra. “Os anos sessenta realmente

foram anos de pôr-se em marcha e de voltar-se para o futuro, anos de

renascimento das esperanças”149.

No entanto, alguns elementos marcam profundamente a sua teologia. Algo

que ele traz de uma triste experiência de guerra que fez desmoronar sonhos e

esperanças. Aliado a isso, massacres de vidas humanas realizados em Auschwitz

durante o holocausto questionam profundamente a nossa fé, não apenas em Deus,

mas também no ser humano, que é portador e destinatário da revelação de Deus.

Outro ponto é a sua experiência como prisioneiro de campo de concentração, onde

o isolamento do mundo se dá através de muros e arames farpados, que podem

tanto arremessar para a esperança quanto arremeter-se dela. Isto tudo repercutiu e

ainda repercute no seu pensamento. Por esta razão que, estudar MOLTMANN é

descobrir com ele um universo teológico sempre novo. Usando expressões suas:

teologizar é uma aventura.

3.1.2. Falar de esperança depois de Auschwitz

Este é um ponto extremamente importante para compreendermos como se

situa a esperança cristã em MOLTMANN. Sua reflexão teológica que foi aos

poucos ganhando espaço é alicerçada pela sua experiência de cativeiro num

campo de concentração, onde pôde ver juntamente com seus colegas a verdade

sobre as práticas de extermínio que ocorriam dentro de certos campos nazistas,

148 Cf. MOLTMANN, J. Teologia da esperança, p. 21. 149 Ibid., p. 22.

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como, no caso, um dos seus maiores: Auschwitz150. O início de sua teologia

acontece, segundo ele, no fundo dessas experiências. Naquele momento histórico

a grande pergunta que se fazia, originaria de Emanuel Lévinas (1906-1995) era:

“Como falar de Deus depois de Auschwitz?”

Como se pode falar de Deus depois de Auschwitz? Este é o seu [de quem precisou gritar por Deus] problema. Mais ainda, porém, é seu problema como depois de Auschwitz não se pode falar de Deus. De que então é para falar depois de Auschwitz, se não de Deus?! [...] Este não-mais-poder-falar-de-Deus e contudo-ter-que-falar-de-Deus, em face da experiência esmagante do peso da culpa na minha geração, é possivelmente a raiz de meus esforços teológicos, pois o pensar sobre Deus sempre de novo me leva de volta àquela aporia151. Para justificar esta dificuldade, colocada por ele como algo sem saída

racional, ele ainda continua parafraseando um outro autor, Wiesel (sobrevivente

de Auschwitz III), ao dizer: “Não se pode entender [Auschwitz] com Deus. E não

se compreende sem Ele”152. No fundo ele tem razão, pois não há uma explicação

plausível para a crueldade exercida contra a vida humana neste campo e em

outros. Não há como imaginar Deus lá, mas também não se compreende sem Ele.

MOLTMANN alude que sempre que tenta falar de Deus ou sobre Ele se vê

150 Auschwitz-Birkenau (ou em polonês Oswiecin e Brzeinka) é o nome que recebe um grupo de campos de concentração que está localizado no sul da Polônia, tido como um símbolo do Holocausto nazista. A partir de 1940, com a Polônia ocupada pelos nazistas, o governo alemão comandado por Adolf Hitler construiu vários campos de concentração e um campo de extermínio nesta área. Eram três campos principais e trinta e nove campos auxiliares. Estes campos localizavam-se nos territórios de Auschwitz e Birkenau, em torno de sessenta quilômetros da cidade polonesa de Cracóvia. Nos campos principais, destacamos primeiramente o Auschwitz I, que servia de centro administrativo para os demais. Neste campo morreram cerca de 70 mil intelectuais poloneses-as e prisioneiros-as de guerra soviéticos. Em sua entrada encontra-se até os dias de hoje a frase: Arbeit macht frei (O trabalho liberta). Já Auschwitz II, que ficava em Birkenau, era um campo de extermínio onde morreram cerca de um milhão de judeus e perto de 19 mil ciganos-as. Este é o campo que a maioria das pessoas entende por Auschwitz. O objetivo deste campo não era obter força trabalhista como nos campos I e III, mas o extermínio. Desta forma, ele possuía quatro crematórios com câmaras de gás, que tinha a capacidade de receber até 2.500 prisioneiros-as por turno. Por fim, o Auschwitz III, situado em (Monowitz) era um campo de trabalho escravo para a empresa IG Farbem. Dentre os-as vários-as prisioneiros-as que passaram por estes três campos e merecem nosso total respeito, destacamos alguns-mas: Anne Frank, Edith Stein, Elie Wiesel (citado por MOLTMANN), Maximillian Kolbe, Simone Weil, Viktor Frankl. Estas e outras informações encontram-se de maneira mais detalhada nos seguintes sites: <http://pt.wikipedia.org/wiki/campo_de_concentração_de_auschiwitz/>. Acesso em: 21 de agosto de 2007. <http://www.auschwitz-muzeum.oswiecin.pl/>. Acesso em 21 de agosto de 2007. <http://www.auschwitz.org.pl/>. Acesso em 21 de agosto de 2007. Indicamos também o documentário presente no filme A lista de Schindler, de Steven Spielberg, que retrata fatos, testemunhos e experiências reais do campo. 151 MOLTMANN, J. Geschichte des dreieinigen Gottes, p. 222. Apud: HAMMES, E. J. Op. cit., p. 606. 152 Ibid.

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novamente as voltas com a questão de Auschwitz153. Por quê? Talvez porque ele

também gritou por Deus como tantos-as outros-as igualmente gritaram e se

sentiram, devido à circunstância, abandonados-as por Deus, supostamente

silencioso. Mas não! A compreensão que ele adquiriu com o tempo e com a

reflexão teológica, mostrou-lhe que não se trata de um Deus silencioso, mas

solidário e, ao mesmo tempo, sofredor154.

Como ele próprio diz, esta experiência é a raiz de seus esforços teológicos.

Porém, como será possível atribuir uma ligação do que aconteceu neste lugar com

uma experiência divina, capaz inclusive de suscitar esperança? Para responder a

este questionamento precisamos percorrer o caminho que MOLTMANN fez para

teologizar o sofrimento divino e sua relação na amplitude humana.

Vejamos isso teologicamente, a partir de seu pensamento:

Se o preço do pecado é a morte e, neste caso, a morte vem com violência,

por que, então, Cristo morreu? Este pensamento, infelizmente é comum. Um Deus

que não se move contra o sofrimento humano, aparentemente, é um Deus que

quer o sofrimento. E, este pensamento é mais comum do que se imagina. Mas não

pode ser esta a compreensão cristã. Pelo ensinamento, prática, vida e obra de

Jesus de Nazaré, sabemos que, a consistência do Deus anunciado por Ele se

concentra no amor. “Deus é amor”, dirá a primeira epistola de João (1Jo 4,16). É

o conteúdo da Boa Nova, como dom gratuito da abertura de Deus em relação à

humanidade, porém, esta se recusa a aceitá-la, rejeitando, com isso, o amor de

Deus. Contudo, a eternidade de Deus consiste no amor que é eterno, ele não

muda. Por isso Jesus, que é a visibilidade concreta deste amor, assume a decisão

153 Vale ressaltarmos que MOLTMANN não passou por ele, o que descobriu das atrocidades do campo veio depois quando era prisioneiro em Northon Camp. 154 Temos aqui um artigo de MOLTMANN que reproduz este aspecto do sofrimento humano relacionado ao sofrimento de Deus, a ponto, segundo ele, de alguns perguntarem: Como pode Deus permitir isto? Neste texto ele relaciona questões atuais como as conseqüências do primeiro ataque dos norte-americanos ao Iraque na década na década de 90 do século XX, na qual ele reflete sobre as crianças iraquianas vítimas da guerra. Chega até o momento de sua experiência, ao ver sua cidade bombardeada e invadida, fato que presenciou em 1943 e que causou a morte de 80 mil pessoas. Ele encontrará respostas a esta pergunta acima refletindo a partir da Paixão de Cristo. Ele provoca um questionamento: Será que aqueles-as que têm essa impressão de Deus silencioso se tornariam também alheios frente ao sofrimento? Talvez do ponto de vista do expectador, mas nunca de quem já foi afetado por isso. Ver: MOLTMANN, J. La pasión de Cristo y el dolor de Dios. Selecciones de teologia, Barcelona, v. 33, n. 129, p. 17-24, ene./mar. 1994. Outra obra que demonstra uma profunda reflexão sobre estes eventos e que traz uma contribuição, além de MOLTMANN, de outros influentes autores é a seguinte: BLOCH, E., FACKENHEIM, E. L., MOLTMANN, J., CAPPS, W.H. El futuro de la esperança. Salamanca: Sígueme, 1973. Com destaque ao diálogo moderado por Walter Capps e que foi realizado por Emil L. Fackenheim, Johannes B. Metz e Jürgen MOLTMANN: Esperanza, despues de Auschwitz e Hiroshima?

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de caminhar até as últimas conseqüências, chegando inclusive a ser morto, morto

por causa do amor.

MOLTMANN para explicar este estranho amor que decide sofrer

menciona a novela Demônios, de Dostoyeviski, que diz: um Deus que não pode

sofrer é mais desgraçado do que qualquer homem. Um Deus incapaz de

sofrimento é um ser indolente, pois a injustiça e o sofrimento não o afetam. Seria

carente de afetos, portanto nada o pode afetar nada o comove. Não pode chorar

porque não tem lágrimas; se não pode sofrer, tampouco pode amar. Um Deus

assim poderia ser o Deus de Aristóteles, mas não o Deus de Jesus Cristo155.

Portanto, essa concepção de Deus silencioso em Auschwitz mostra um

Deus encurvado sobre si mesmo (Deus incurvatus in se) e não é isto o que atesta a

doutrina da Trindade, da qual o ser humano é a imagem e semelhança (cf. Gn

1,26). Assim, dirá MOLTMANN: “Mas um homem pode sofrer, porque pode

amar. [...] Finalmente um Deus exclusivamente onipotente é em si um ser

imperfeito”156. Vemos que, assim, segundo a doutrina cristã e, assistida aqui, pela

teologia de MOLTMANN, que a encarnação de Jesus é algo realizado por Deus

no intuito de revelar a essência de seu Ser que é amor. Algo já prometido ao

antigo Israel, que padecia na escravidão do Egito: “Eu vi, Eu vi a miséria do meu

povo que está no Egito. Ouvi seu grito por causa dos seus opressores; pois Eu

conheço as suas angústias. Por isso desci a fim de libertá-lo...” (Ex 3,7-8).

Este sentimento capaz de sofrer é resultado de um amor que se solidariza

com quem é amado-a e pelo qual faz tudo para libertar. Agora, em Jesus, Deus vai

mais longe nesse amor. Ele, pelo qual foi criada a história, decide fazer-se

história. Assume a humanidade por inteira no Ser de Deus, pois agora, Deus-

Homem sente na própria carne, sarx, o que sente um ser humano, com todas as

limitações provenientes dessa situação, até mesmo a íntima relação entre o ser

humano e Deus157. Notamos aqui a importância do que refletimos no capítulo

anterior em Fl 2,6-11, no qual se destaca a kénosis do Filho. Esta kénosis atinge

155 Cf. MOLTMANN, J. El Dios crucificado. Salamanca: Sígueme, 1975, p. 311. 156 Ibid., p. 312. Grifos nossos. 157 Encontramos aqui um outro relato de MOLTMANN sobre esta relação do Filho com aqueles-as que sofrem: “O filho de Deus, abandonado por Deus, carrega em si a eterna morte dos abandonados e condenados a fim de se tornar o Deus dos abandonados, e o irmão dos condenados. Todos os condenados e abandonados por Deus podem agora, no crucificado, experimentar a comunhão com Deus. O Deus encarnado faz-se agora presente e acessível à humanidade de cada ser humano. Não é necessário transformar-se ou assumir algum papel especial a fim de viver a humanidade, em Cristo”. MOLTMANN, J. Paixão pela vida. São Paulo: ASTE, 1978, p. 60.

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todo o mistério trinitário e por fim, a nós, destinatários-as deste evento salvífico.

Esta íntima ligação divina-humana, que nos assegura a fé, é o que sustenta a nossa

esperança.

Novamente MOLTMANN:

Um homem que experimenta a impotência, um homem que sofre porque ama, um homem que pode morrer, é, portanto, um ser mais rico que um Deus onipotente, incapaz de sofrer e de amar, imortal. Por isso, para um homem consciente da riqueza de seu próprio ser em seu amor, sofrimento, protesto e liberdade, um Deus assim não lhe é um ser necessário e supremo, até porque se pode passar muito bem sem Ele, é algo supérfluo158.

Portanto, para compreender um Deus que seja solidário com o sofrimento

humano MOLTMANN nos convida a observar a atitude que era depositada pelo

homem de Nazaré. Jesus (Deus-Homem) não olhava o-a outro-a como outro-a,

mas sim, como próximo-a (cf. Lc 10,25-37). Nisto consiste a atitude cristã. É uma

atitude que foi por muitas vezes desempenhada por Ele e, portanto, sinal de

salvação para todos nós. Assim Ele (Cristo) a destina explicitamente em outra

passagem:

Vinde benditos de meu Pai, recebei por herança o Reino preparado para vós desde a fundação do mundo. Pois tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber. Era forasteiro e me acolhestes. Estive nu e me vestistes, doente e me visitastes, preso e viestes ver-me (Mt 25,34-36). É esta a esperança de que falamos e que foi aos poucos extirpada em

Auschwitz. Deste modo, MOLTMANN descobre que o caráter da esperança está

em se fazer também solidário com quem está sofrendo, mas pelo ponto de vista

do-a sofredor-a, a partir dele-a. Ele aos poucos descobre esta esperança escondida

dos muros, mas revelada na fé do Cristo ressuscitado e crucificado. Ao ver em si

mesmo e nas demais vítimas traços semelhantes com Aquele que outrora, por nós,

fora crucificado e morto à esperança passou a ter um outro significado. Por isso

que, para ele, falar de Deus depois de Auschwitz é fundamental, pois a esperança

neste Deus foi a única coisa capaz de fazer alguém sobreviver a esses tormentos,

ou, talvez, a única coisa que esperavam os-as que morreram por causa desses.

Quando ele diz que precisou gritar por Deus e, ainda destaca para nós esta

frase, notamos quando aparece a esperança cristã, que segundo fundamentamos no 158 MOLTMANN, J. El Dios crucificado, p. 312.

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NT anteriormente, espera mesmo contra toda desesperança. O fato de gritar por

Deus demonstra um clamor de busca, que espera por ser ouvido e, portanto, salvo.

Para MOLTMANN a fé cristã está ligada às experiências de uma situação

existencial particular que transcende para uma situação social. Para ele, somente

quem já esteve face a face com a morte e teve de clamar a Deus sabe que não

poderá fazer uma teologia reservada e individual. O que valia, daquele momento

em diante, não era perguntar: como falar de Deus depois de Auschwitz, mas como

não falar de Deus depois de Auschwitz159? No fundo esta angústia reproduz algo

vivido interiormente por ele ao se confrontar na mesma situação, quando era

prisioneiro no campo de concentração.

3.1.3. A esperança no campo de concentração

Acima reproduzimos um pensar teológico com base em MOLTMANN de

experiência de campo de concentração, porém agora retratamos aqui a experiência

que foi dele. Este foi um fato marcante em sua vida pessoal, vivido

principalmente em Northon Camp. Fato que ele sempre retorna para legitimar

suas argumentações teológicas. É como se depois de fortes tribulações aqui fosse

um marco importante, um constante retorno, um re-início vital, onde após forte

sofrimento ele encontrou força e desejo de viver. Ele mesmo assim relata:

Na Guerra Mundial fui soldado e, ao final, estive três anos e meio como prisioneiro de guerra. Meu mundo interior, que estava formado por Goethe, Schiller e Nietzsche, se quebrou. Em nosso campo de prisioneiros nos mostraram imagens de Belsenbergen, Buchenwald e Auschwitz. Ali li a Bíblia pela primeira vez. E me chegou a leitura dos salmos de lamentação. Li o Evangelho de Marcos e me encontrei com o grito de Jesus: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” Soube prontamente: Aí há alguém que te compreende porque passou pela mesma situação sua e ainda pior. E quando, lentamente, fui entendendo isto, pude exclamar em meu coração: “Senhor meu e Deus meu!” E por isso creio no Deus que compartilha nossa dor e sofre por nós e, desta maneira, nos dá nova certeza para viver...160

159 MUELLER, E. R. Op. cit., p. 13. 160 MOLTMANN, J; METZ J. B. El dolor de Dios: una discussion teológica. Apud: CORMENZANA, F. J. V. Jürgen Moltmann. El fin de la indiferencia. Sal terrae: revista de teologia pastoral, t. 86/10, n. 1006, p. 852-853, nov./1997.

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Com certeza, foi esta experiência primeira de sofrimento que antecedeu o

seu pensar teológico. Foi uma experiência de fé que teve entre os-as prisioneiros-

as e que lhe causou grande inquietação, uma busca de sentido para a própria vida

e uma resposta para o que acontecia ao seu redor. Numa situação como essa

qualquer pessoa se sentiria também abandonada por Deus. Toda uma vida parece

estar desmoronada e entregue ao acaso para quem se encontra nesta condição. A

vida se encerrou no passado, o presente já não existe e o futuro parece incerto e

perigoso. Alguns ideais de vida que pareciam intocáveis e inabaláveis se

demonstram frágeis diante de tal fato. Sem dúvida, é um momento crucial, que

nós – que graças a Deus nunca passamos por isso – nunca saberemos e

compreenderemos interiormente. O que ocorreu e o que estas pessoas sentiram

são marcas indeléveis que mancham e ferem a história da humanidade.

Ao relatar que se identificou com o sofrimento de Jesus na cruz, a ponto de

poder exclamar em seu coração “Senhor meu e Deus meu!” representa aspectos

sensíveis de uma esperança que foi semeada neste campo de concentração.

Anterior a isso, este sentimento de abandono que ele sentiu e que é comum no ser

humano, o foi, também, por vezes, enfrentado pelo próprio Jesus em sua vida, de

sobremaneira, quando sentiu o abandono na cruz, como ele o menciona: “Deus

meu, Deus meu, por que me abandonaste?”

Como então MOLTMANN relaciona o seu sentimento de abandono com o

sentimento de abandono sentido por Cristo na cruz? Ele provocará uma indagação

teológica: “Pode dizer que, a pessoa total humano-divina de Cristo padeceu e

morreu no abandono por parte de Deus?”161.

Partindo disto, já que, queremos confrontar Deus e o sofrimento humano,

MOLTMANN questiona sobre esta suposta passividade por parte de Deus. Ele

nos alerta que, não se pode pensar Deus-Trindade e entender a sua ação, sem que

se leve em conta o acontecimento da cruz. Pois, Jesus sofre verdadeiramente a

morte em meio ao sentimento de abandono, sofre a morte com dor infinita de

amor; mas, também, o Pai sofreu esta morte. Assim sendo, é necessário falar

trinitariamente para compreender o que ocorreu na cruz entre Jesus e seu Pai162:

“O Filho sofre ao morrer, o Pai sofre a morte do Filho. A orfandade do Filho

corresponde à carência de Filho por parte do Pai, e se Deus se constitui em Pai de

161 MOLTMANN, J. El Dios crucificado, p. 327. 162 Cf. Ibid., p. 344.

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Jesus Cristo, então sofre na morte do Filho também a morte de sua

paternidade”163.

Nesta entrega de Jesus à morte existe uma ação do Pai e uma ação do

Filho. O Pai entrega o Filho que ama a humanidade e, por sua vez, o Filho se

entrega a humanidade e ao Pai por amor. “O filho sofre a causa de seu amor o

abandono do Pai em sua morte. O Pai sofre a causa de seu amor e da morte do

Filho”164. Por conseguinte, “se trata de um amor incondicional e, portanto,

infinito, que sai da dor do Pai e da morte do Filho e que vem sobre os

abandonados para dar-lhes a possibilidade e força de uma nova vida”165.

Notamos aqui que MOLTMANN reconhece nesta ação um ato solidário

de Deus capaz de atingir a toda a humanidade. Toda a dor, a angústia, o

sofrimento e a fraqueza humana se encontram atingidos e representados na cruz

de Jesus, que transfigura em sua morte todos os limites humanos. Em seu

sofrimento Cristo converte todo o sofrimento para si. Sendo solidário torna-se

também igual, sendo igual torna-se caminho e, sendo caminho torna-se esperança.

Dessa forma MOLTMANN reflete:

A morte de Jesus na cruz sobre o Gólgota contém em si mesma todas as profundidades e abismos da história humana, podendo, por certo, ser interpretada como a história da história. Toda história humana, por muito determinada que esteja pela culpa e pela morte, está assumida nesta história de Deus, ou seja, na Trindade, integrando-se no futuro da história de Deus. Não há sofrimento que na história não se tenha convertido em sofrimento de Deus, não há morte que não se tenha convertido em morte de Deus na história sobre o Gólgota. Por isso, tampouco há vida, nem felicidade, nem alegria que não se integrem por sua história na vida eterna, na eterna alegria de Deus166.

Por conseguinte, não é correto afirmarmos que Deus esteja passivo frente

ao sofrimento, ao contrário, Ele está diretamente envolvido, pois sentiu em seu

próprio ser o mesmo sofrimento. E mais. Por ser amor, vê-se impotente diante do

mal. Deus sofre porque ama e ama a todos os que padecem, da mesma forma

como Deus-Pai amou Cristo em sua miséria (kénosis)167.

É importante se ter claro uma coisa: a solidariedade não está com o

sofrimento, e sim, com aqueles que sofrem. Há nisto uma enorme diferença. É um

163 Ibid., p. 345. 164 Ibid., p. 347. 165 Ibid. 166 Ibid., p. 349. 167 Cf. Id. La pasión de Cristo y el dolor de Dios, Op. cit., p. 20-24.

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amor que não pode proibir a escravidão e nem a inimizade, mas que sofre a causa

desta contradição, podendo carregar apenas a dor e o protesto contra o sofrimento,

revelando-se nesta dor. É o que ocorre na cruz de Jesus. Deus deixa que o

desprezem, Deus sofre, deixa que o crucifiquem para dar prova do seu amor

incondicional e cheio de esperança. O Pai que ama se corresponde no Filho que

ama igualmente, criando, no Espírito, uma correspondência de amor entre Deus e

a humanidade que recusa este amor. Isto gera uma libertação representando algo

novo, uma novidade que nasce do amor incondicional de Deus no coração do

homem Jesus168.

Portanto, ao perguntarmos onde está Deus diante do sofrimento, ou mais

precisamente, onde estava Deus nos campos de concentração, em Auschwitz e em

outros. Onde estava Deus quando aquelas pessoas foram arrancadas de suas casas,

violentadas, acorrentadas e jogadas naquele lugar, com fome, sede e frio? Esta

pergunta, segundo MOLTMANN só pode ter uma única resposta. Ele estava lá

sofrendo com eles-as. Ele era cada uma daquelas pessoas que sofriam naquele

campo. Para MOLTMANN, que em seu livro faz uma comparação semelhante169,

qualquer outra resposta seria blasfêmia contra Deus. Pois, um Deus impassível, o

converteria em um demônio. Um Deus absoluto se converteria em nada e um

Deus indiferente condenaria a humanidade à indiferença170. Esta experiência

vivida por ele o liga de maneira também solidária para com aqueles que sofreram

em Auschwitz. “É Deus em Auschiwitz e Auschiwitz em Deus crucificado” 171,

aludindo ao nome de sua obra.

Este é o fundamento de uma esperança real, tanto transformadora como superadora do mundo e a base para um amor que é mais forte que a morte e que pode sujeitar o morto. É a razão de viver com os medos da história e de seu final e, ainda, permanecer no amor e contemplar o vindouro aberto ao futuro de Deus172.

168 Cf. Id. El Dios crucificado, p. 352-353. 169 MOLTMANN relata a história contada por E. Wiesel, já citado anteriormente e que é sobrevivente de Auschwitz, que oferece em seu livro Night, uma expressão comovente para a teologia: “A SS enforcou a dois homens judeus e a um jovem diante de todos os internos no campo. Os homens morreram rapidamente, a agonia do jovem durou meia hora. ‘Onde está Deus? Onde está?’, perguntou um atrás de mim. Quando depois de longo tempo o jovem continuava sofrendo, enforcado no laço, ouvi outra vez o homem dizer: ‘Onde está Deus agora?’. E em mim mesmo escutei a resposta: Onde está? Aqui... Está ali enforcado no madeiro”. Ibid., p. 393. 170 Cf. Ibid. 171 Ibid., p. 399. 172 Ibid.

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Em outra passagem ele relata novamente esta experiência, que citamos no

início, pela qual a questão de Deus e sobre Deus é tocada em sua vida:

Debati-me com a questão de Deus, não só individualmente, mas sempre também coletivamente: minha biografia foi dolorosamente marcada pela biografia coletiva do povo alemão durante os últimos anos da segunda guerra mundial e durante um longo período de aprisionamento depois. A experiência individual de minha fé e Teologia está imersa nas experiências de culpa e sofrimento coletivos de minha geração. A “questão de Deus” por primeira vez se me colocou durante uma tempestade de fogo a qual, em julho de 1943, reduziu Hamburgo, minha cidade natal, a pedras e cinzas: “por que sobrevivi eu?” E com as descobertas dos crimes alemães em Auschwitz e Maidanek então: como pode alguém viver com isso?173 Por que sobrevivi eu? Como pode alguém viver com isso? De fato, trata-se

ainda de uma culpa imensurável que o percorreu desde o incidente em Hamburgo.

Esta libertação que foi proporcionada pela esperança e, no caso, a esperança

cristã, só foi sendo consolidada lentamente, como ele mesmo falou. Neste mesmo

texto acima é demonstrado que esta experiência vivida por MOLTMANN não se

deu de maneira isolada, mas foi percebida, compartilhada e enriquecida

juntamente com outras pessoas que compartilhavam da mesma situação. Tudo o

que se espera se espera coletivamente, conforme apresentamos no capítulo

anterior174.

Era um período difícil em que todos-as procuravam se libertar da sensação

de culpa que os-as aprisionava em seus medos. Parece-nos que, neste momento,

muito antes da esperança se manifestar o grande desafio era se sentir perdoado,

acolhido e aceito. A culpabilidade, mais que o próprio muro, os-as aprisionava a

ponto de questionarem a própria vida e indagarem: “como pode alguém viver com

isso?” Aqui confirmamos aquilo que já havíamos afirmado ao tratarmos da

esperança no AT, que ressaltava a importância da espera coletiva: o que se espera

se espera para todos-as, e com todos-as.

3.1.4. A esperança atrás do arame farpado

173 Id. Messianic Theology in the Making VIII. Apud: HAMES, E. J. Op. cit., p. 605-606. 174 Cf. 2.2.1.2. A esperança para o povo de Israel.

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Por certo, ao relembrar aquele momento hostil, ele consegue refletir que,

naqueles anos, a esperança foi a sua única companheira e, também, o motivo de

sua vida e de sua liberdade futura. Neste período, passou a refletir sobre a

condição humana, a liberdade e a sua relação com Deus. Isto virá futuramente

transparecer em sua teologia175. Prova disso é uma confissão de sua experiência –

sem liberdade – atrás do arame enfarpado, maneira como ele a relata:

Da experiência de um longo período como prisioneiro de guerra, entre 1945 e 1948, menciono dois perigos da falta de liberdade: A gente experimenta uma hostilidade de fora, contra a qual não tem mais como se defender, e por isso nos recolhemos à nossa concha interior para proteger-nos contra o mundo exterior hostil através da indiferença e da passividade. Mas com isto nossas energias vitais ficam bloqueadas. A gente não tem mais respeito por si mesmo. Deixamos de ter confiança em nós mesmos. Além disso a gente aprende a conviver com o arame farpado e com a vida sem liberdade. A gente procura apagar-se, para não ter dificuldades. Mas isto significa que a gente se submete interiormente. Esta submissão passa a ser dependência e esta dependência tira a capacidade de se tomar decisões. A fraqueza de impulsos evolui para uma apatia geral. A gente não vive mais, apenas se deixa levar. Quando então tudo passou a ser indiferente, a gente não sente mais o arame farpado176. Ao relatar estes dois perigos (autodesprezo e acomodação) MOLTMANN

nos faz perceber que a linha que separa a esperança da desesperança é muito

tênue. Isso faz com que quem esteja em cima dela possa facilmente enveredar-se

de um lado para outro. Ou nos revoltamos com a situação e partimos para cima,

superando os obstáculos e as adversidades, rompendo de uma vez por todas com o

arame farpado, ou nos conformamos com a situação. Ao se conformar nos

recolhemos e perdemos a confiança em nós mesmos. Quando a esperança dá lugar

à desesperança tendemos a nos apagar e a nos submeter à dependência alheia. O

pathos dá lugar à a-patia. Por essa razão que a esperança cristã alicerça-se sempre

na fé. Elas são companheiras inseparáveis em meio às turbulências decorrentes da

fraqueza humana. Sem elas ficamos volúveis e tudo passa a ser indiferente, não se

sente mais o arame farpado, como ele mesmo diz.

MOLTMANN prossegue: Nestes dois perigos, o do autodesprezo e o da acomodação, perdemos a vida e nos entregamos. Mas no momento em que nossa vontade de viver se reacende e em

175 Dentre as várias obras que ele relata esta temática, destacamos aqui a seguinte: MOLTMANN, J. La dignidad humana. Salamanca: Sígueme, 1983. 176 Id., O Espírito da vida. Uma pneumatologia integral. Trad. Carlos Almeida Pereira. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 106. Grifos nossos.

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que determinadas experiências, que chamamos de experiências de Deus, despertam em nós a esperança de viver, começamos a nos revoltar contra a apatia dentro de nós e contra o arame farpado ao redor de nós. Nos arranhamos, nos ferimos. Começamos a sofrer conscientemente e a chorar. Os gemidos e o choro dos prisioneiros sempre são os primeiros sintomas de vida neles, não são de forma alguma sinais de morte177. Para compreender a esperança atrás do arame farpado ele nos lança um

desafio. Este desafio, segundo MOLTMANN, é reacender em nós a chama da

ressurreição e buscar nas promessas de Deus uma justificação para o mundo, de

forma a transformá-lo pela força da presença de Deus em nós. “Dessa forma, a fé

em Cristo transforma a esperança em confiança e certeza; e a esperança torna a fé

em Cristo ampla e dá-lhe vida”178. Diante da vida que a ressurreição nos traz,

calcada pela esperança da cruz, não podemos deixar que a apatia venha a tomar

conta de nosso ser. Precisamos superá-la, desafiá-la, vencê-la e conquistá-la.

Aliás, este é o objetivo da esperança cristã, sustentada na vida que vence a morte,

numa certeza pela promessa na vinda do Senhor que vem. É o que desperta em

nós a esperança de viver, que nos impulsiona para frente, a ponto de nos

lançarmos definitivamente frente ao arame farpado e rompê-lo.

Refletindo a partir desta confissão, o autor nos remete a algumas

indagações: Estamos hoje também atrás de um arame farpado? Será que,

enquanto cristãos-ãs portadores-as da verdade da fé e da ressurreição, não estamos

encurvados-as numa concha, de maneira passiva, indiferentes, protegidos de um

mundo hostil? Será esta a missio cristã? Onde está a nossa esperança? Será a

esperança passiva, ou embasada numa pro-missio?

Ora, a promissio cristã fundamenta-se na fidelidade ao Deus da promessa,

que por sua vez mantém-se fiel. Diante da miséria e da crueldade presente no

mundo, onde choro e gemido passam a fazer parte de um cotidiano corrupto e

injusto, é lícito descobrir nestes sentimentos sinais de vida em meio à morte e a

destruição. São os sintomas de vida que nos fala o autor, que alicerçados na

esperança procuram romper todos os paradigmas dominantes em busca da

libertação plena e final. Nessas horas o grito, os choros e os gemidos clamam por

177 Ibid. 178 Id. Teologia da esperança. Op. cit., p. 35.

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uma libertação definitiva, capaz de germinar num lugar hostil fragmentos de

esperança179.

Vemos assim que estas situações continuam e ainda persistem no

pensamento de MOLTMANN. Ao retornar a elas, ele alinha-se ao Deus solidário

e promitente e se sente assegurado por isso. Portanto, falar de MOLTMANN é

falar de alguém que precisou da esperança para se manter vivo e para

compreender a falta daqueles-as que não estão. Em sua teologia a esperança

aparece como elemento que liga o presente ao futuro e traz este como realidade

última (éschaton). Neste caso o futuro, garantido por um passado de promessas,

assume o presente e o transforma. Não é o presente que vai ao futuro, mas o

futuro que vem ao presente, como advento que está alicerçado no Cristo

ressuscitado. Logo, compreender como a esperança cristã passou a fazer parte de

sua vida nos proporciona um caminhar seguro para fundamentá-la e refleti-la em

sua teologia.

3.2. Fundamentos teológicos da esperança cristã em Moltmann

O nosso primeiro objetivo, ao fundamentar a esperança cristã em

MOLTMANN é chamar a atenção para quatro fundamentos, que refletidos a partir

de sua teologia refletem o conteúdo da esperança cristã: O Cristo ressuscitado; O

ressuscitado é o Crucificado; O Reino de Deus e O futuro de Cristo e a realização

humana. Estes fundamentos que decidimos destacar aqui neste trabalho

perpassam em meio a toda a sua teologia e são confirmados também por toda a

tradição eclesial. Sabemos que não são os únicos, no entanto, acreditamos que

estes pontos aqui destacados, de certa forma, representam aquilo que todos nós

pela fé esperamos180.

179 Encontramos uma boa reflexão sobre estas indagações em outra de suas obras, confrontadas evidentemente com situações mais atuais e cotidianas. Ver: Id. A alegria de ser livre. São Paulo: Paulinas, p. 113-135. 180 Vários pontos que são específicos sobre a esperança na teologia de MOLTMANN apresentam-se em algumas de suas obras, propondo uma reflexão mais atual. Temos as obras clássicas que compõem a sua trilogia: Teologia da Esperança (Theologie der Hoffnung), em 1964; O Deus crucificado (Der gekreuzigte Gott), em 1972; A Igreja no poder do Espírito (Kirche in der Kraft des Geistes), em 1975. E além destas indicamos aqui outras duas, ambas de MOLTMANN: Temas

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Esta indagação sobre o que esperamos é uma pergunta que, segundo

MOLTMANN, também já foi levantada à religião anteriormente por Kant, na sua

Crítica da razão pura ao indagar: “O que me é dado esperar?”181. No fundo, numa

perspectiva cristã, a resposta para este questionamento, segundo Gibellini, é “o

fato histórico da ressurreição de Cristo, que revela as intenções de Deus a respeito

do futuro da humanidade e descortina um futuro de vida e ressurreição para a

humanidade”182. Notamos aqui que esta resposta já engloba praticamente os

quatro pontos que nos destinamos a desenvolver.

Partindo deste princípio e, por ressaltarmos aqui os alicerces da

escatologia cristã, é lícito aprofundarmos alguns questionamentos que justificam a

nossa fé na glória de Deus, pela qual no Cristo da fé depositamos toda a nossa

esperança. É, como nos diz Paulo na carta aos Romanos: “a nossa esperança não

decepciona porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo

Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5). Sendo assim, toda essa espera terá a

sua origem numa ação divina, vinculada a promessa de Deus, que por graça nos

envolve com o seu dom de amor. Ela é confirmada pelo Filho Ressuscitado e

restaurada na força do Espírito Santo.

Utilizando a teologia de MOLTMANN para fundamentar este momento

devemos tentar enquadrar toda a nossa vida diante do mistério de Cristo, pois Ele

é a nossa esperança, na qual esperamos e depositamos a nossa fé. Logicamente,

pela sua ressurreição, temos acesso a uma antecipação da glória futura, prometida

desde os profetas, já consumada em Cristo, fonte de toda a esperança. Seguindo

este raciocínio, quem espera, espera por alguém ou por alguma coisa. Temos,

neste ponto, a certeza do Reino de Deus, que enquanto promessa é alicerce

intransponível para a fé. Não há fé sem esperança e não há esperança sem

promessa. Elas são dependências mútuas, que antecedem a algo maior, neste caso,

a vinda do Reino de Deus. Vejamos:

Na cruz e ressurreição de Cristo, pôs-se em movimento, na direção da humanidade, a revelação de Deus que implica a glória de seu reino, justiça, vida e

para una teología de la esperanza. Buenos Aires: La aurora. Tb. El experimento esperanza. Introduciones. Salamanca: Sígueme, 1977. 181 Cf. MOLTMANN, J. El experimento esperanza, p. 10. Citado também em: BELLOSO, J. M. R. ESPERANÇA. In: Dicionário de conceitos fundamentais do cristianismo, p. 227. Segundo Belloso, Kant situa a esperança no campo do conhecimento racional, como quem põe ordem na mente, sem excluir que a esperança seja um dom. 182 GIBELLINI, R. A teologia do século XX, p. 284.

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liberdade. No evangelho do evento de Cristo, esse futuro já se tornou presente nas promessas de Cristo183.

Pois bem, o centro de toda a nossa esperança é Cristo. Ele é o sinal por

excelência, o sacramento do Pai, o Éschaton. Nele, vemos (já) de maneira

antecipada o nosso futuro (ainda não), o que nos traz um anseio cada vez maior

pelo transcendente – totalmente novo –, que é alimentado pela fé. Assim, “o

evangelho anuncia a irrupção presente desse futuro e vice-versa”184. Tocado,

então, pelo Espírito, o ser humano vive numa contradição entre a cruz e a

ressurreição, daquilo que já foi realizado no Cristo – agora ressuscitado – com o

mundo que ainda espera por transformação. Deste modo, o ser humano

impulsionado pela esperança não se contenta com a realidade que é apresentada,

pois a esperança cristã questiona esse futuro e o contradiz. Por isso, existem o

choque e o espanto de quem, num olhar, descobre as inúmeras misérias presentes

no mundo causadas pela própria arrogância humana, que insiste em sentir-se

separada do mundo real. Quando vislumbramos a ressurreição não anula o que

antecedeu a ela, mas o dá pleno cumprimento e significado. É uma ligação que

contradiz, mas que fortalece, pois une passado e futuro, tempo e eternidade, morte

e vida. Tudo isso num único objetivo: a realização humana futura consiste na

plenitude presente de Deus.

Sobre isso, MOLTMANN diz: “o aguilhão do futuro prometido arde

implacavelmente na carne de todo presente não realizado”185. Este fato a se

consumar está diretamente em sintonia com a práxis de vida adotada por Jesus,

que por causa do Reino e da promessa, decide ir até as últimas conseqüências. Ele

experimenta em seu ser todo o desprezo humano num sentido de associar a sua

vida a vida daqueles-as que eram excluídos-as. Mantém-se fiel ao plano de

salvação de Deus. Tem em si a sua kénosis, despojando até a própria vida como

sinal de amor e de solidariedade a todos. Este sinal deve ser espelho para todos-as

nós. Só assim, se pode entender o Cristo como sendo centro e vértice da esperança

cristã. Ou seja, para MOLTMANN ela não pára apenas no Ressuscitado, mas

precisamente por causa do Crucificado: “Todas as manifestações cristãs sobre

Deus, a criação, pecado e morte estão assinalando o Crucificado. Todas as

183 MOLTMANN, J. A teologia da esperança, p. 181. 184 Ibid. 185 Ibid., p. 37.

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afirmações cristãs sobre a história, igreja, fé e santificação, o futuro e a esperança

vêm do Crucificado”186.

Por isso, que, ao se querer ter um olhar cristão diante da realidade e

confrontar com a nossa esperança, faz-se necessário passar pelo caminho da cruz.

Não pelo significado da cruz em si, mas pelo motivo no qual ela se tornou sinal de

salvação. A cruz, que era sinal de abandono, foi transformada por Aquele que nela

morreu em um lugar que agora não admite mais abandonos. Por ela sabemos que

Cristo ressuscitado é o Crucificado. Esta é a contradição que deve enfrentar o-a

cristão-ã, seguindo este caminho proposto por Cristo e se colocar ao lado dos-as

que sofrem, transformando-os-as pela fé, que vive da esperança na ressurreição.

Esta é a esperança cristã.

Esta ação trará como conseqüência o Reino de Deus, onde justiça, vida e

liberdade serão prêmios para aqueles-as que Nele esperaram. Isso é o que foi

prometido e o que se espera. Nossa espera não é vã porque pela fé sabemos que é

fiel quem fez a promessa (cf. Hb 10,22). Somente assim a realidade humana

tornar-se-á completa e a consumação do mundo será plena. Isto implica uma ação

direta na sociedade que insiste em negar o conteúdo da Boa Nova trazida a nós

por Jesus, que é esperança.

Para tanto, fundamentar a esperança cristã em MOLTMANN é

estabelecer, para a teologia, um passo a mais. Isso é o que ele faz ao procurar

estabelecer um novo fundamento além do tradicional princípio de Anselmo de

Cantuária: fides quaerens intellectum – credo ut intelligam (fé que examina o

intelecto – creio para que entenda). Com certeza, é um princípio fundamental para

a teologia, no entanto, o nosso autor acredita ser importante e decisivo estabelecer

como princípio básico: spes quaerens intellectum – spero ut intelligam (esperança

que examina o intelecto – espero para que entenda)187. Por certo, queremos

fundamentar a esperança cristã em MOLTAMNN tendo como base este princípio,

que em sua reflexão teológica tornou-se imprescindível. É nele que se sustenta o

nosso autor para conhecer aquilo que se espera. Para tanto, optamos por destacar

o texto a seguir que irá levantar elementos que são pertinentes para cada um dos

quatro pontos que decidimos por fundamentar.

186 MOLTMANN, J. El Dios crucificado, p. 283. 187 Cf. Ibid., p. 50.

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Não é a esperança que conserva a fé em vida, a sustenta e impele para frente? Não é a esperança que introduz o crente na vida de amor? Portanto, também deve ser a esperança que mobiliza e impulsiona o pensamento da fé – o conhecimento e a reflexão sobre o ser do ser humano –, da história e da sociedade. O crente espera conhecer o que crê. Por isso, todo seu conhecimento, como conhecimento antecipatório, fragmentário, que preludia o futuro prometido, apóia-se na esperança. Por isso, a esperança, por sua vez, abrindo a fé às promessas de Deus, torna-se interlocutora do pensamento – impulso, inquietude e tormento de reflexão. Por meio da esperança, que é impulsionada sempre para frente pela promessa de Deus, descobre-se a provisoriedade escatológica de qualquer pensamento na história. [...] A esperança cristã se orienta para o novum ultimum, à nova criação de todas as coisas pelo Deus da ressurreição de Cristo. Com isso ela abre um horizonte futuro, vasto e amplo, que inclui até mesmo a morte, e no qual pode e deve inserir também as esperanças e renovações limitadas da vida, suscitando-as, relativando-as e dando-lhes a verdadeira perspectiva. [...] A esperança cristã, ao se opor àquelas orientações na história da humanidade, tampouco pode endurecer-se no passado e no presente dado e assim aliar-se à utopia do status quo. É chamada e capacitada para a transformação criadora da realidade, pois possui uma perspectiva que se refere a toda a realidade. Tudo considerado, a esperança da fé pode tornar-se uma fonte inesgotável para a imaginação criadora e inventora do amor. Ela provoca e produz perenemente ideais antecipatórios de amor em favor do ser humano e da terra, modelando ao mesmo tempo as novas possibilidades emergentes à luz do futuro prometido, e procurando, à medida do possível, porque o que está prometido é possibilidade total. Ela, por conseguinte, sempre desperta a “paixão do possível”, os dons inventivos, a elasticidade nas transformações, a irrupção da novidade depois do velho, o engajamento do novo. A esperança cristã, neste sentido, sempre foi revolucionariamente ativa no decurso da história das idéias nas sociedades que por ela foram impregnadas. Só que muitas vezes, não foi na cristandade eclesiástica que esses impulsos se tornaram eficazes, mas no cristianismo dos conventículos de entusiastas. E isto trouxe graves prejuízos para ambos. [...]. “Spes quaerens intellectum [A esperança examina o intelecto]” é, desse modo, o ponto de partida para a escatologia e, quando ela é assim vivida, torna-se docta spes [esperança douta]188.

3.2.1. O Cristo ressuscitado A esperança cristã tem no Cristo ressuscitado o seu fundamento. Este é o

primeiro ponto, a primazia de toda e qualquer reflexão teológica. Cristo é o

primeiro e o último, o alfa e o ômega (cf. Ap 21,6). Ele é o Eschaton! Nele se

encontram o passado e o futuro num presente eterno, absorvendo todas as alegrias

e as tristezas humanas. Ele é o senhor da história, que se fez história para, com

isso, transformar a história.

188 MOLTAMANN, J. Teologia da Esperança, p. 50-53. Grifos do autor.

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Afirmar a nossa esperança é ter certeza do Cristo ressuscitado. Por essa

razão que, ao tratar sobre isso especificamente partir da teologia de

MOLTMANN, queremos compreender este caminho novo e vivo proposto por

Jesus Cristo para a humanidade, na tentativa de afirmar com fé a nossa esperança.

Por conseguinte, quando teologizamos sobre o Cristo ressuscitado –

fundamento da fé e da esperança cristãs – pretendemos abranger tanto aquilo que

se espera como também o ato de esperar. Desta forma, o cristianismo terá na

escatologia algo que lhe é intrínseco, que mobiliza toda a fé cristã, como uma

tendência para frente e, por isso mesmo, renovação e transformação do

presente189. Isto só acontece, segundo o nosso autor, porque “a fé cristã vive da

ressurreição do Cristo crucificado e se estende em direção às promessas do

retorno universal e glorioso de Cristo”190, sua Parusia. Desta forma, a esperança

cristã estará fundamentada pela fé, mas é a esperança que faz a fé permanecer e a

solidifica. “Na vida cristã, a prioridade pertence à fé, mas o primado, à

esperança”191.

Assim, a esperança cristã falará de Jesus Cristo e de seu futuro, pois

conhece a realidade histórica da ressurreição e anuncia o futuro do ressuscitado.

Este futuro vem de encontro ao nosso presente, é o advento: suas afirmações “não

pretendem iluminar uma realidade que aí está, mas a realidade que virá”192.

Deste modo, Cristo é a nossa esperança (cf. Cl 1,27), é o protagonista de

toda a história. Sua ressurreição se torna algo forte, incompreensível aos olhos

humanos, alcançada apenas pela fé. Por isso afirmamos que, Ele é o fundamento

da esperança cristã. No entanto, a esperança no Cristo ressuscitado não é, para

MOLTMANN, uma fuga da realidade do mundo. Para ele, O ressuscitado é o

crucificado e essa identidade é o que dá sustentação à nossa esperança, abrindo

horizonte para a nossa ressurreição. Neste instante, cumprem-se todas as

189 Cf. Ibid., p. 30. 190 Ibid. 191 Cf. Ibid. MOLTMANN dirá que “a fé une o ser humano a Cristo, a esperança abre essa fé para o vasto futuro de Cristo. Por isso, a esperança é a ‘companheira inseparável’ da fé”. Na verdade, ele se baseia num texto de Calvino, que diz: “A fé é o fundamento sobre o qual descansa a esperança, e a esperança alimenta e sustenta a fé”. Com isso, MOLTMANN confirma: “Na vida cristã, como se pode ver, a fé é o prius, mas a esperança detém o primado”. Cf. Ibid., p. 35. 192 Ibid., p. 32.

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promessas de Deus, irrompe-se o Reino e o futuro de Cristo acaba por iluminar

toda a realidade humana193.

Pela sua identidade Cristo ressuscitado traz até nós o seu futuro. Aquilo

que transcende na sua glória nos remete a algo maior, que ainda não realizamos,

mas que já podemos esperar. Nesta ação em Cristo, Deus cumpre a sua promessa

e se mostra fiel. Agora, a nossa esperança tem uma sustentação: o Cristo

ressuscitado. Sendo Ele o fundamento de toda esperança cristã, é também o

fundamento de toda a fé. Por conseguinte, MOLTMANN afirma: “uma fé que não

é fé na ressurreição não pode por isso ser chamada nem cristã e nem de fé”194.

Cristo traz em seu ser o cumprimento das promessas feitas por Deus ao seu

povo, que são retratadas no AT, e, faz da Antiga Aliança uma Nova Aliança (cf.

Lc 22,20). Com a ressurreição o eterno penetra na humanidade para que esta

transcenda à eternidade. “Deus não está em alguma parte no além, mas ele vem e

está presente, como aquele que vem e promete um novo mundo de vida plena, de

justiça e de verdade, e com essa promessa põe novamente em questão este

mundo”195.

Ainda refletindo sobre o evento do Ressuscitado ele diz: O evangelho anuncia a irrupção presente desse futuro e vice-versa, o futuro é anunciado nas palavras empenhadas pelo evangelho. Por conseguinte, a pregação de Cristo está contida em uma revelação que encerra a proximidade do Senhor que vem. Dessa forma, ela torna “histórica” a realidade do ser humano e o engaja na história196. Ao anunciar o futuro que se torna presente e vice-versa, o evangelho se

torna concreto na história da humanidade. Não se torna um discurso distante, mas

próximo, pois está impregnado de história, a ponto de assumi-la, mudá-la e

transformá-la. Portanto, ao confirmarmos, segundo o pensamento de

MOLTMANN, que o Cristo ressuscitado é o fundamento da nossa esperança, nós

193 Uma boa reflexão sobre a ressurreição de Cristo e a maneira como nós a esperamos encontra-se na presente obra de MOLTMANN: Quem é Jesus Cristo para nós hoje?, p. 73-89. 194 Id. Teologia da esperança, p. 213. Sobre a ressurreição de Cristo como fundamento de toda a fé cristã é importante destacarmos também o que diz o documento da Comissão Internacional de Teologia: “Cristo é o fim e a meta da nossa existência; para Ele nos devemos encaminhar com o auxílio da sua graça nesta breve vida terrena. A séria responsabilidade deste caminho pode ser reconhecida pela infinita grandeza d’Aquele para quem nos dirigimos. Não é outra existência terrena semelhante a esta que aguardamos, mas é a Cristo que esperamos, supremo cumprimento de todos os nossos desejos”. COMISSÃO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA. Op. cit., p. 14. 195 MOLTMANN, J. Teologia da Esperança, p. 211. 196 Ibid., p. 181-182.

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levamos em conta todo o mistério salvífico que se desvela durante o evento

pascal. Isto relaciona a ressurreição enquanto realidade e o testemunho que surgiu

a partir dela, que pela fé fundamentou a esperança cristã. Ou seja, “a realidade da

ressurreição, o testemunho e a esperança escatológica estão ligados entre si no

querigma pascal”197.

Em sua teologia a ressurreição de Jesus não anula o caráter da sua

crucificação, mas a enche de conteúdo escatológico. Por assim dizer, o Cristo

ressuscitado será sempre o crucificado e, vice-versa198. No entanto, em seu

método teológico, ele sempre enfatiza a sua reflexão teológica à luz da

ressurreição de Cristo que é a antecipação do futuro de Deus dentro da realidade

humana. Por esta razão que, como vimos acima, ele tratará a ressurreição como

elemento histórico. É Deus que vem e passa pela história e, ao mesmo tempo a

transforma. Como conseqüência desta afirmação, a ressurreição de Cristo “é

histórica porque constitui história, dentro da qual se pode e se deve viver, pelo

fato de mostrar o caminho para eventos futuros. Ela é histórica porque abre o

futuro escatológico”199.

O evento Cristo nos anuncia o futuro e vem ao nosso encontro como

realidade escatológica que irrompe a história e a assume. É o novum ultimum.

Assim, o ser humano vê em Cristo o seu futuro, na cruz a sua promessa e na vida

a sua esperança.

3.2.2. O Cristo ressuscitado é o Cristo crucificado

Esta afirmação de fé cristã que queremos aqui fundamentar recebe de

MOLTMANN uma atenção especial ao reproduzir o caráter escatológico que

emana da cruz de Jesus. Este evento marca uma descontinuidade entre o Jesus

Cristo histórico, que pregava o Reino de Deus, com a cristologia que surgiu do

cristianismo primitivo, que passou a pregar o Cristo e quem Ele é. Mesmo sendo

197 Ibid. 198 Sobre a cristologia de MOLTMANN indicamos a seguinte obra: GARCÍA, B. F. Cristo de esperanza: la cristologia escatológica de J. Moltmann. Salamanca: Bibiotheca Salmanticensis, 1988. 199 MOLTMANN, J. Teologia da esperança, p. 231. Para maiores informações sobre a questão histórica da ressurreição, refletida por MOLTMANN, encontra-se especificamente na mesma obra citada, p. 221-233.

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uma descontinuidade ela tem uma razão de ser e não rompe com o passado, pois a

identidade do Cristo permanece a mesma e é única. Além disso, somente ela é

capaz de fazer a recordação histórica da mensagem e atividade de Jesus. Assim,

MOLTMANN sintetiza: “aquele que apareceu como ressuscitado não é outro

senão o crucificado”200.

Para compreender melhor o que queremos a partir disso faremos nossa a

pergunta que ele faz no intuito de buscar a identidade do ressuscitado no

crucificado: “De que forma estão relacionadas entre si, na pregação pascal, a cruz

e a ressurreição de Jesus, isto é, o histórico e o escatológico?”201.

Respondendo a esta pergunta, ele dirá que, o que conhecemos do

ressuscitado provém das narrativas de suas aparições pascais, apenas isto. Aquilo

que ocorreu entre elas e a morte e sepultamento permanece na obscuridade de

Deus, desconhecido e oculto. A este evento se chamou de ressuscitação dentre os

mortos202. É algo forte que transcende a compreensão daqueles que a isto

200 Ibid., p. 276. 201 Ibid., p. 250. 202 O tema da ressurreição – que já tratamos aqui anteriormente referindo-se a Cristo – possui uma compreensão tardia no AT, praticamente em torno dos séculos III – II a.C.. A tradição judaica antiga não contava com a vida após a morte, contudo a fé de Israel estava aberta para ela e a caminho dela. Quando chegou esta compreensão veio em decorrência da fé depositada em Javé e não absolutamente na vontade de viver de tais indivíduos. A idéia da ressurreição encontra-se em dois textos apocalípticos: Is 26,7-11 (cerca de 300 anos a.C.) no qual o justo clama por Javé e imagina-se a ressurreição como retorno a vida terrena; Em Dn 12,1-4, anuncia que os mártires acordarão para a vida eterna, saindo do Sheol. Com o passar do tempo e com a expectativa da vinda de Javé, visualizava-se o Dia final, ou o Dia de Javé (já mencionamos no capítulo anterior), nele os mortos (justos) voltariam à vida. É um dos pontos que caracterizava a esperança do indivíduo de Israel que já aludimos anteriormente. Não era uma compreensão que permeava a todos-as, mas grande parte deles-as se viu as voltas com a questão da ressurreição. A partir do evento-Cristo, que ressuscitou, o cristianismo antigo viu-se, também diante de tal fato, porém com algo novo. Pregava-se a Cristo que havia ressuscitado dentre os mortos. Como na compreensão do Antigo Israel este era um evento reservado para o fim dos tempos, pôs-se a crer que o fim já estava eminente e havia sido inaugurado por Jesus. No entanto, a compreensão não era tão simples e se via confrontada com diversas situações, tanto que, inúmeras vezes, Paulo utilizava-se dela para justificar sua teologia, confirmando um novo tempo, que ainda não podemos visualizar totalmente, mas que existe e já está presente. Agora, porém, vemos como que em espelho e de maneira confusa (cf. 1Cor 13,12). Surge de tal modo, a espera pela Parusia e a ressurreição de todos-as os-as que morreram. Isto continua com a Patrística que já adiciona à compreensão bíblico-judaica a filosofia grega. Uma definição que surge dessa época diz que a ressurreição é um evento salvífico que se dará no último dia, proveniente da segunda vinda de Cristo. Aqui a ressurreição é vista no sentido de universal, no sentido que todos-as ressuscitarão. Discute-se, também, sobre a identidade do corpo e a novidade deste. Cf. RESSURREIÇÃO DOS MORTOS. In: Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs, p. 1216-1217. Cf. tb. KESSLER, H. Ressurreição. In: Dicionário de conceitos fundamentais de teologia, p. 783-792. Cf. tb. FRAIJÓ, M. Ressurreição. In: Dicionário de conceitos fundamentais do cristianismo, p. 719-730.

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presenciaram. Para eles, não foi algo que aconteceu apenas em Jesus, mas que

perpassa por toda a realidade humana203.

Por certo, o que ocorreu com Jesus na crucificação e depois com a

ressurreição marcou profundamente a experiência dos discípulos. No fundo é uma

relação de contraste, como nos atesta MOLTMANN:

A experiência da cruz de Jesus significava para eles a experiência do abandono por Deus do enviado de Deus, isto é, um nihil absoluto que inclui o próprio Deus. A experiência das aparições do crucificado como alguém que vive significou assim para eles a experiência da proximidade de Deus junto do abandonado por Deus, a proximidade do poder de Deus junto ao Cristo crucificado e morto, isto é, um totum novo que aniquila o nihil total204.

O acontecimento da cruz abalou toda a expectativa que os discípulos

depositaram em seu mestre. Aquele que pregava o amor, a justiça, a libertação

estava agora suspenso, imóvel e morto numa cruz. Era o sinal da vergonha, do

fracasso e do abandono. Este abandono é sentido também da parte de Deus, com o

grito de Jesus: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”, “Eli, Eli, lamá

sabachtháni?” (Mt 27,46). É um grito de sofrimento, de uma angústia

inexplicável, pois, o próprio Cristo sente em seu ser o abandono por parte de

Deus, seu Pai (Abba). Na sua morte Deus se torna silencioso, escondido, um nihil

absoluto205. Com certeza, esta foi a primeira impressão que os seguidores de Jesus

tiveram ao presenciarem sua morte violenta.

203 Sobre a ressurreição de Jesus, Bonifacio Fernández Garcia possui uma interessante argumentação ao tratar da ressurreição como novidade: “Ressurreição implica vida apesar da morte. ‘É o protesto de Deus contra a morte, contra a humilhação humana pela miséria’. Ressuscitando a Jesus dentre os mortos Deus se declara inimigo da morte. [...]. A ressurreição do crucificado representa rebelião de Deus contra o mundo que produz a morte. Constitui a apaixonada paixão de Deus em favor da vida. Ressuscitando a Jesus dentre os mortos, Deus faz possível o impossível, chama a ser o que não é. A ressurreição de Jesus é obra do poder criador de Deus”. GARCIA, B. F. Op. cit., p. 174. 204 MOLTMANN, J. Teologia da esperança, p. 251. Grifos do autor. 205 Sobre o acontecimento da morte de Cristo na cruz, MOLTMANN interage a respeito da teologia da morte de Deus. Todavia, convida a fazer uma teologia que possa escutar o grito de morte de Jesus na cruz. Para isso, argumenta que, praticamente todas as tradições teológicas trataram a cruz e a ressurreição num horizonte soteriológico. No entanto, pode-se cair no erro de ver a morte de Jesus na cruz apenas de maneira expiatória, não levando em conta o que antecedeu a ela e qual é a relação desta morte para o plano salvífico de Deus. Para ele, antes de compreender o significado soteriológico da cruz a nosso favor, é necessário perguntar: o que significa a cruz de Jesus para Deus mesmo? Ele, inicialmente, baseia-se em P. Althaus, que diz: “Jesus morreu por Deus antes que por nós”. Cf. MOLTMANN, J. El Dios crucificado, p. 277. Para maiores informações sobre a morte de Jesus na cruz e a morte de Deus consultar a mesma obra: p. 277-288. Ver também: KESSLER, H. Cristologia. In: SCHNEIDER, T. Manual de dogmática. v1. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 253-256 e 372-386. PANNEMBERG. W. Fundamentos de

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No entanto, esta compreensão do evento da cruz vai se transformando

numa esperança escatológica na medida em que o véu do templo se rasga (cf. Mt

27,51), deixando transcender o mistério salvífico escondido na cruz. A cruz passa

a ser o centro de toda a teologia cristã, pois como escreve MOLTMANN, tudo se

inclina para ela: “Todas as manifestações cristãs sobre Deus, a criação, pecado e

morte estão assinalando o Crucificado. Todas as afirmações cristãs sobre a

história, igreja, fé e santificação, o futuro e a esperança vivem do Crucificado”206.

Não se trata mais de imaginar um Deus passivo e conformado com a cruz e

o sofrimento, mas um Deus fiel e solidário que entrega o seu Filho à humanidade

por amor a ponto de respeitar todas as conseqüências de sua entrega. Do mesmo

modo, o Filho se entrega por amor profundamente ao plano do Pai e vai até as

últimas conseqüências para confirmá-lo. Há uma separação de pessoas, mas existe

uma união pela entrega, proporcionada pelo Espírito Santo. Esta teologia da

entrega já aparece em Paulo, na carta aos Romanos, relacionada ao Pai: “o

entregou por nós” (Rm 8,32); e, em Gálatas, relacionada ao Filho: “que me amou

e se entregou a si mesmo por mim” (Gl 2,20). Também em João: “Pois Deus

amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único” (Jo 3,16). Segundo

MOLTMANN, o que aconteceu na cruz de Jesus deve ser entendido

trinitariamente, pois o Filho sofre ao morrer e o Pai sofre a morte do Filho e,

também, o Espírito está presente como amor vivificante207.

Isto demonstra na maneira mais concreta o conteúdo do amor ágape, um

amor comprometido e libertador, por isso, cheio de esperança. Somente por esta

razão é que o mistério da vida de Jesus se torna um mistério salvífico. Só assim,

sentindo o mais profundo da fraqueza humana é que Deus se torna igual e

realmente humano.

Por isso que, a esperança cristã, que na teologia de MOLTMANN é vista

num horizonte escatológico se fundamenta também na cruz do Cristo. A morte de

Jesus na cruz sobre o Gólgota contém por si mesma, todas as profundidades e

abismos da história humana, podendo deste modo ser interpretada como a história

Cristologia. Salamanca: Spigueme, 1974. VARONE, F. Esse Deus que dizem amar o sofrimento, p. 264-279. 206 MOLTMANN, J. El Dios crucificado, p. 283. 207 Cf. Ibid., p. 347-348. Também sobre a questão da entrega e sobre a ação do Espírito Santo no momento da Paixão indicamos esta obra, também de MOLTMANN: A fonte da vida: o Espírito Santo e a teologia da vida. São Paulo: Loyola, 2002, p. 23-26.

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da história. Este evento faz com que toda a história humana seja assumida na

história de Deus, ou seja, na Trindade208.

Logo, ao aprofundarmos sobre o Cristo ressuscitado e crucificado prova a

nós que, o sentido maior da cruz é que ela não é o fim, mas um sinal, um kairós

que remete ao futuro. A cruz é caminho para a ressurreição: grande sinal revelador

de Deus. Por fidelidade às suas promessas o Pai ressuscita o Filho pela força do

Espírito Santo. Agora, o homo absconditus se torna o homo revelatus209, pois

revela a ação trinitária do amor de Deus na ressurreição de Jesus. O Pai não

abandona o Filho na cruz, mas sofre com Ele, sente as suas dores e as suas

aflições. Assim, o que esperamos – e queremos aqui fundamentar – é que o Pai

também não nos abandone em meio às turbulências da vida. Ao olharmos para a

cruz, sinal da esperança cristã, podemos ver e sentir que Deus estava lá com

Cristo, sentiu o seu grito e gritou juntamente com Ele. Segundo MOLTMANN é o

que faz a diferença da revelação de Deus em Jesus como prova do seu amor,

porque um Deus que não fosse capaz de sofrer também não teria a capacidade de

amar210.

E é essa a impressão que traz para os discípulos o evento da ressurreição.

Aquele que apareceu ressurrecto, glorioso, é o mesmo que foi antes crucificado. O

ressuscitado é o crucificado e, para isso, traz as marcas da paixão (cf. Lc 24,39-

40). “Na páscoa os discípulos não viram qualquer novo ser celeste, mas a Jesus

em pessoa”211.

Não há separação entre a cruz e a ressurreição e, o que as une é um evento

escatológico inaugurado por Deus que cumpre a sua promessa. A cruz não foi

algo passageiro, mas algo assumido. Portanto, não há como separar a cruz da

ressurreição, uma vez que a cruz foi motivo da entrega do Filho ao plano do Pai. 208 Cf. Id. El Dios crucificado, p. 349. Esta compreensão da Trindade MOLTMANN adquire posteriormente, embora ela sempre fizesse parte de sua teologia. Porém, não daremos maiores informações sobre esta parte da sua teologia, que devido a riqueza de informações merece uma reflexão a parte. Indicamos, porém dele próprio a seguinte obra: Trindade e Reino de Deus: uma contribuição para a teologia. Petrópolis: Vozes, 2000. 209 Sobre o homo absconditus, MOLTMANN reflete a partir do Princípio esperança de Bloch, onde este absconditus (oculto), o totalmente outro, próprio de Deus, na sua filosofia aparece como o totalmente outro da profundidade do ser humano e do mundo que ainda não realizou. Esta reflexão feita por ele encontra-se em MOLTMANN, J. Teologia da esperança, p. 429-441. No entanto, o que aludimos aqui diz respeito à revelação contida no evento da cruz, que ao absorver em si toda a miséria e fraqueza presentes na condição humana revelou à humanidade a sua plenitude. Agora o que era escondido foi revelado, em Cristo o homo absconditus se torna o homo revelatus. 210 Cf. MOLTMANN, J. El Dios crucificado, p. 325. 211 Id., Teologia da esperança, p. 252.

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O Pai foi fiel em sua promessa de salvação da mesma forma que Jesus foi fiel em

seu amor por aquilo que pôde sentir, como humano, no próprio ser. Frente a isso

MOLTMANN defende a sua tese sobre a identidade do ressuscitado no

crucificado, afirmando que:

A identidade de Jesus só pode ser entendida como identidade na cruz e na ressurreição, o que quer dizer que ela deve continuar ligada à dialética da cruz e da ressurreição. Assim as contradições de cruz e ressurreição pertencem a mesma identidade. Nesse caso, não se pode reduzir nem a ressurreição à cruz, como seu significado, nem a cruz à ressurreição, como seu prelúdio. Do ponto de vista formal, trata-se de uma identidade dialética que só existe por meio da contradição, e de uma dialética que subsiste na identidade212.

Podemos perceber então que, desde o início das pregações pós-pascais,

Jesus é identificado como o crucificado que foi ressuscitado por Deus (cf. At

2,23-24). E, esta identificação – ressusitado-crucificado – sempre aparecerá de

forma ativa, pois se trata de uma ação de Deus, que confirma a sua promessa.

Assim, este evento que é revelado na cruz e nas aparições pascais aponta tanto

para trás, onde se encontram as promessas de Deus, quanto para frente, em

direção ao éschaton, no qual Deus revelará o seu poder em todas as coisas213.

Mesmo que persista esta contradição entre a cruz e a ressurreição, a ação

de Deus que envolve o mistério pascal sempre será um evento escatológico

orientado para o futuro e para a consumação universal. Aquele que aparece como

o ressuscitado é a luz prévia da prometida glória de Deus, que irrompe no mundo

através da sua vitória sobre a morte. No Cristo ressuscitado e crucificado o Deus

da promessa se revela como o Deus do futuro que vem. Deste modo, “Deus

confessa ser Deus e revela a sua fidelidade”214. Por esta razão Ele – ressuscitado-

crucificado – é o fundamento da nossa esperança cristã.

3.2.3. O Reino de Deus Quando procuramos fundamentar o Reino de Deus percebemos que ele

não se separa do evento Cristo, mas irrompe com Ele. Este Reino, com base na

212 Ibid., p. 254. 213 Cf. Ibid. 214 Ibid., p. 256-257.

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definição do nosso autor, é o que é prometido e esperado, portanto, é o núcleo

propriamente dito e o sentido básico da escatologia, portanto da esperança

cristã215. Esta e toda a reflexão decorrente deste tema ficaram evidentes quando

apresentamos anteriormente os seus fundamentos teológicos, pelos quais foi

destacado o Reino de Deus como sendo um dos objetos da esperança cristã216.

Partindo disto, verificamos que na concepção de Reino, que o cristianismo

herda dos tempos antigos de Israel, Javé manifesta a sua glória num domínio real

e histórico. Ele cumpre suas promessas e mostra-se como Deus e Senhor217. Neste

domínio encontra-se “a esperança de que seu povo, os seres humanos e tudo o que

ele criou, cheguem à salvação, à paz, à felicidade, à vida, ou, em uma palavra: ao

seu verdadeiro destino”218. Dentro desta perspectiva que se fundamenta no

cumprimento das promessas, que são “eventos únicos, infreqüentes, repentinos,

novos e orientados para um fim”219, MOLTMANN o define:

Reino de Deus significa originariamente reino em promessa, fidelidade e cumprimentos. A vida neste reino significa, portanto, peregrinação histórica, movimento e obediente prontidão frente ao futuro. Trata-se de uma vida que é recebida por promessa e está aberta para a promessa220.

Notamos aqui que para ele a questão da promessa está completamente

ligada à questão do Reino. Elas não se separam, ao contrário, fundem-se e se

interagem mutuamente. O Reino é o cumprimento das antigas promessas, que

perpassou por toda a história de Israel e que em Jesus irrompe como um fim,

porém um fim-não-fim, mas projetado ao futuro. O conteúdo deste Reino provém

da promessa e ao mesmo tempo permanece aberto para ela. Isto consagra as

representações do Senhorio de Deus sobre a criação, sobre todas as coisas, sobre a

vida humana; como também, o que acarreta este Senhorio: “sua vinda, sua justiça

215 Cf. Ibid., p. 273. Em outro momento ele diz: “Dessa forma, a escatologia cristã, usando a linguagem da promessa, se constituirá como chave capital para a libertação da verdade cristã”. Ibid., p. 60. 216 Inserimos uma completa fundamentação bíblico-teológica do tema no item 2.2.2.2., notas: 82, 83, 84 e 85. 217 Cf. MOLTMANN, J. Teologia da esperança, p. 273. 218 Ibid. 219 Ibid. 220 Ibid. Também mencionamos parte desta citação ao fundamentar teologicamente sobre o Reino de Deus no item 2.2.2.2.

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e seu julgamento na terra estão relacionados com o Deus que está a caminho com

Israel, o Deus da promessa e do êxodo”221.

Assim sendo, para MOLTMANN, nesta idéia de Reino (Reich) e Senhorio

(Herrschaft) existem dois instantes relacionados entre si: a lembrança que o povo

tem de seu reino histórico e, isso suscita a esperança; e a espera do Senhorio

universal, no qual todo o mundo, povos e coisas pertencem a seu universo e estão

sob seu domínio e lhe prestam louvor222. Por essa razão que, “o futuro do reino de

Deus está diretamente relacionado com o mistério de sua presença”223.

No instante em que esta concepção foi sendo identificada com a pessoa de

Jesus, passou-se a ter a idéia da real e histórica instauração do reino, agora de

maneira definitiva. O sentido escatológico ainda não ocupava um lugar central, a

idéia de um domínio que fosse totalmente terreno e presente não deixava lugar a

uma percepção futura. Fato consumado pela frustração desta concepção que foi

notória em alguns-mas dos-as seguidores-as de Jesus, pois, viam a sua missão

apenas num horizonte libertador-político e mais nada. Jesus não nega esta idéia e

também a assumiu em parte, mas a transcende, pois coloca o Reino numa direção

mais ampla e num horizonte escatológico. Para Jesus o Reino era algo já presente

e que irrompia na sua pessoa: “os cegos recuperam a vista, os coxos andam, os

leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é

anunciado o Evangelho” (Lc 7,22). Toda esta realização que se projetava para um

horizonte futuro veio a realizar-se por Ele e Nele em tempo presente,

cotidianamente com aqueles-as que se acercavam deste jovem Galileu. Com essa

definição o futuro esperado do Reino já é inaugurado com o presente realizado por

Jesus224.

Por isso que quando a comunidade primitiva decide por levar adiante esta

mensagem encontra motivo e justificativa na própria vida de seu mestre e Senhor.

Pela ação do Espírito eles-as recordam suas palavras, seus atos e anunciam Jesus

Cristo como o Senhor de todo o mundo, compreendem pelas aparições que o

ressuscitado é o crucificado e o seu fim transforma o presente, agora envolvido

221 Ibid., p. 274. 222 Cf. Ibid. 223 Ibid., p. 275. 224 A respeito do Reino de Deus outras obras de MOLTMANN denotam interesse: A Trindade e o Reino de Deus: uma contribuição para a teologia. Op. cit. Tb. Id. Primero el Reino de Dios. Selecciones de teologia, Barcelona, v. 30, n. 117, p. 3-12, ene./mar.

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pela graça da ressurreição225. “O caráter escatológico de decisão próprio de sua

pregação sobre a proximidade do reino de Deus foi naturalmente aplicado ao

caráter de decisão da mensagem sobre o Senhor crucificado e ressuscitado”226. O

Reino agora não é apenas algo lembrado ou esperado, mas é uma situação-ato,

dinâmica, ele acontece.

Para MOLTMANN a ressurreição do crucificado permanece sempre como

ponto decisivo para a compreensão da promessa do Reino de Deus227. Com efeito,

das diferentes compreensões que resultam deste tema, ele destaca duas

especificamente. Assim, seguiremos o seu caminho para com isso discorrer com

total fidelidade ao seu pensamento.

Primeiramente, ele trata sobre as experiências da cruz e das aparições do

ressuscitado, que trazem uma nova característica à mensagem do Reino de

Deus228. Ele diz:

Sua cruz e ressurreição “deslocam”, em certo sentido, o futuro mantido em aberto por ele, bem como a vinda do Reino de Deus. Mas, ao mesmo tempo, o senhorio de Deus assume assim a forma concreta do evento da ressuscitação do crucificado229. Nesta primeira concepção, apresentada por ele, a compreensão de Reino

que esta experiência traz o coloca num sentido concretamente apresentado. Com a

ressurreição de Jesus tem-se início uma nova creatio (nova criação). Se o

ressuscitado é o crucificado, como atesta a fé, então o futuro Senhorio de Deus se

caracteriza pelo sofrimento dos-as cristãos-as neste mundo. Pela missão e pelo

amor de Cristo, estes-as se verem introduzidos-as também nos sofrimentos Dele.

Nesta conexão da ressurreição com a cruz evidenciamos um Reino que não é algo

apenas espiritualizado, nem numa realidade de outro mundo, mas que penetra

neste mundo e o assume ao mesmo tempo em que o contradiz e se opõe a ele. A

Cruz de Cristo está fixada num mundo, aparentemente, sem Deus e, por isso, se

torna sinal para aqueles-as que Nele se identificam e vêem Nele a superação de

225 Cf. Id. Teologia da esperança, p. 275. 226 Ibid., p. 276. 227 Cf. Id. Ressurreição – fundamento, força e meta da nossa esperança. Concilium, n. 283, p. 110-120, 1999/5. Esta obra apresenta elementos da ressurreição de Jesus, relacionando-os com momentos históricos da vida do autor e, também, com questões hodiernas da sociedade. 228 Cf. Id. Teologia da esperança, p. 279. 229 Ibid.

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todo e qualquer sofrimento causado pela injustiça. Na cruz vemos o que

transcende a ela: a ressurreição. E na ressurreição o que a precedeu: a Cruz.

Estes dois eventos não se encontram de modo separados, mas estão

intimamente ligados entre si e é isso que produz o kairós que resulta do evento

cruz-ressurreição. Sua ação contempla no mundo o que se espera do Reino, que é

prometido por Deus porque sai do coração de Deus. Uma ação como essa só pode

trazer paz, justiça e liberdade para aqueles-as que esperam. E mais: é uma ação

superior capaz de pela graça envolver a todos-as. É o que escreveu MOLTMANN:

“A ressurreição de Cristo não significa uma possibilidade do mundo e de sua

história, mas uma nova possibilidade de mundo, de existência e de história em sua

totalidade”230. Por essa razão o autor diz que essa experiência produzida nesta

concepção de Reino transforma este evento (cruz-ressurreição) em nova creatio.

Num segundo ponto, ele dirá que a compreensão para o Reino de Deus

proveniente da cruz e ressurreição não é apenas entendida cristologicamente, mas,

sobretudo, escatologicamente231. Evidencia-se este fato ao analisarmos

primeiramente as comunidades primitivas que não viviam em razão do tempo

cumprido pela cruz e ressurreição, mas na expectativa do futuro232. Este

sentimento pode também ser verificado atualmente em algumas comunidades

cristãs. Vejamos: nesta linha de raciocínio proporcionada pela compreensão

escatológica este evento produz algo maior que ele próprio, visto que, o que

percebemos da cruz e da ressurreição vai além de nossa razão. Se no primeiro

ponto havia a possibilidade de se solidarizar com a cruz a ponto de se sentir

redimido por ela. Este ponto, mesmo não rejeitando este dado, vai mais longe. Se

cristologicamente, com MOLTMANN, vimos uma ligação entre a cruz e a

ressurreição, aqui, além disso, também se verifica que existe um contraste

resultante desta ligação.

Na cruz se torna visível o abandono, por parte de Deus, das coisas do

mundo e, se percebe uma real ausência do Reino. Logo, o Reino não significa

menos que a ressurreição, uma vez que somente pela cruz o Reino não acontece.

De outro lado, apenas a ressurreição não é completa sem o que antecedeu a ela233.

230 Ibid., p. 230. 231 Cf. Ibid., p. 279. 232 Cf. Ibid., p. 279-280. 233 Cf. Ibid., p. 280-281.

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Como então acontece o Reino de Deus neste contraste e qual é a ação humana

diante disso?

Prosseguimos com MOLTMANN:

Dessa forma, o reino de Deus está presente como promessa e esperança dentro do horizonte de futuro para todas as coisas, as quais são apreendidas em sua historicidade porque ainda não têm em si sua verdade. Se ele está presente como promessa e esperança, a realidade presente é caracterizada pela contradição com o futuro, o possível, o prometido para uma realidade má. Os reformadores diziam que o reino de Deus estava tectum sub cruce et sub contrario. Com isso se queria dizer que neste mundo o reino de Deus estava oculto sob seu contrário: sua liberdade sob sua contradição, sua felicidade sob os sofrimentos, sua justiça sob as injustiças, sua onipotência sob a fraqueza, sua glória sob a ignomínia. Assim o reino de Deus era reconhecido sob a forma do crucificado234. Para ele esta é uma idéia certa e irrecusável, assim como dissemos

anteriormente ao tratar do ressuscitado como o crucificado: tudo aponta para a

cruz, para o crucificado. Isto é um fato. Porém, não completo, a compreensão

escatológica dirá que a ação de Deus e a mensagem do Reino não terminam neste

aspecto paradoxal235. Esta não é a sua forma eterna. Para MOLTMANN, o sentido

do Reino de Deus é exatamente o que transcende a tudo isso, sendo essa a

esperança cristã.

Ele completa:

Com efeito, é a esperança da ressurreição, a missão de Cristo, a fome pela justiça em todas as coisas e a sede pela verdadeira vida que nos introduzem no sofrimento, na fraqueza, na injustiça e na ignomínia. A contradição que o cristão sente, não resulta por si mesma de suas experiências com a história, com a culpa e com a morte, mas resulta da promessa e da esperança que contradizem essas experiências e não mais podem concordar com elas. Se a promessa do reino de Deus faz entrever um horizonte universal escatológico no futuro para todas as coisas – “para que Deus seja tudo em tudo” – então é impossível para aquele que espera a resignação religiosa ou cultual na terra. Antes, sente-se impelido a ir misericordiosamente ao encontro da terra, sujeita à morte, e dos poderes do nada para levar todas as coisas ao encontro de seu novo ser. Torna-se apátrida com os apátridas, por causa da pátria da reconciliação; fica um sem-paz com os sem-paz por causa da paz de Deus; torna-se injustiçado com os injustiçados por causa da justiça de Deus que virá236. Percebemos que a oferta do Reino não é exclusiva, mas inclusiva, da

mesma forma que toda a ação divina que se volta à nossa salvação. Isto incidirá

234 Ibid., p. 281. 235 Cf. Ibid. 236 Ibid., p. 281-282.

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sobre cada um de nós, destinatários-as e promotores-as deste Reino. Corresponde

exatamente a missio cristã que mencionamos no começo do capítulo, referindo-se

a situação ocorrida com MOLTMANN quando se viu atrás do arame farpado e

aquilo o suscitou esperança. Esta missio se sujeita a promissio de Deus, que em

paradoxo com a cruz e ressurreição insere-se no mundo e usa de nós para

transformá-lo. Esta é uma ligação que permeia o pensamento de MOLTMANN

sobre o Reino e que se desdobrará em outras reflexões futuras, enraizadas num

comprometimento social e político da teologia.

Em síntese, estes fundamentos apresentados por sua teologia culminam

num seguinte: o futuro do Reino pré-figurado por Cristo sujeita também a nós. Por

certo, a esperança cristã caracteriza-se em uma profunda realização humana,

herdada da ação salvífica de Jesus Cristo. O Reino de Deus, fundamentado no

Cristo ressuscitado e crucificado, só se torna pleno à medida que atinge a toda a

criação. É uma obra do amor capaz de fazer o futuro de Cristo completar toda a

realização humana.

3.2.4. O futuro de Cristo e a realização humana Tudo o que fundamentamos anteriormente só encontra real sentido se for

apresentado diante da possibilidade da realização humana. O que caracteriza a

esperança e, aqui para nós, a esperança cristã, é uma ação que resulta num bem

futuro, para o qual nos destinamos. Logo, nos baseando em Paulo, podemos

confirmar que o que acontece com Cristo acontecerá também a nós. Somos

herdeiros-as da promessa e fomos assim, assumidos-as pela sua humanidade na

divindade de Deus.

Deste modo, procuraremos fundamentar este ponto importante, também

característico na teologia de MOLTMANN.

O futuro de Cristo a ser esperado só é exprimível por promessas, que antecipam e manifestam aquilo que está oculto e apenas iniciado como prelúdio e amostra prévia nele e em sua história. Também aqui, a promessa está entre o conhecer e o não conhecer, entre necessidade e possibilidade, entre aquilo que ainda não é e aquilo que já é. O conhecimento oriundo da promessa sobre o futuro é um conhecimento em esperança e por isso é prospectivo e antecipatório, e por isso

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também é provisório e fragmentário, mas aberto, e tende para além de si mesmo. Conhece o futuro pelo fato de procurar descobrir as tendências e as latências do evento de Cristo na crucificação e na ressurreição e procurar medir as possibilidades abertas por este evento237. Segundo este raciocínio o futuro de Cristo só é pré-figurado para nós

através de promessas. É um mistério que ainda permanece oculto e, portanto

aberto às possibilidades de Deus. Isto não quer dizer que este futuro venha a se

manifestar de maneira diferente daquilo que nos foi revelado até então. Deste

modo, Deus estaria negando o próprio Deus e, como atesta a doutrina da

Trindade, Deus se revela exatamente como Ele é na essência. É o que diz Karl

Rahner, que como MOLTMANN também é da escola alemã: “A Trindade

‘econômica’ é a Trindade ‘imanente’ e vice-versa”238. Assim, o futuro de Deus

apresentado por promessas em Jesus Cristo não pode ser diferente do que é, caso

contrário, nossa esperança não teria sustentação.

Porém, pelo fato deste futuro manter-se ainda em promessas vivemos em

um constante contraste entre o conhecer e o não conhecer, entre a necessidade e a

possibilidade, entre o que já é e o que ainda não é, conforme nosso autor relata

acima. Por isso a nossa esperança situa-se no Cristo – ressuscitado-crucificado – e

visualiza Nele o seu futuro. É algo prometido e que a fé nos permite entrever,

mesmo num ainda não, algo que já existe e que foi realizado no Cristo. Esta

primícia é a ressurreição, compreensível apenas pela fé. É como afirma Paulo em

Coríntios: “Se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa pregação, vazia também é a

vossa fé” (1Cor 15,14).

Para Paulo esta esperança não é somente para esta vida, mas para a vida

eterna com Deus. Se fosse apenas para esta seríamos os mais dignos de

compaixão (cf. 1Cor 15,19)239. Frisamos aqui que ao enfatizar a palavra apenas,

237 Ibid., p. 257. 238 Cf. WERBICK, J. Doutrina da Trindade. In: SCHNEIDER, T. Op. cit., p. 471. Sobre a tese de Rahner e a discussão teológica a partir dela verificar esta mesma obra, especialmente, p. 471-475. 239 Vale demonstrarmos aqui o belíssimo texto de Paulo sobre a ressurreição: “a carne e o sangue não podem herdar o Reino de Deus, nem a corrupção herdar a incorruptibilidade. Eis que vos dou a conhecer um mistério: nem todos morreremos, mas todos seremos transformados, num instante, num abrir e fechar de olhos, ao som da trombeta final; sim, a trombeta tocará, e os mortos ressurgirão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Com efeito, é necessário que este ser corruptível revista a incorruptibilidade e que este ser mortal revista a imortalidade” (1Cor 15,50-53). Refletindo a partir deste texto e se colocando na situação de MOLTMANN naquele campo, e também com outros tantos que por lá ou em outros campos passaram, gera uma certeza: Esta trombeta de que fala Paulo nada mais é do que a esperança que aqui, humildemente tentamos teologizar. A esperança é a única força capaz de fazer quem está morto levantar e voltar a viver. É

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Paulo não nega sua realização também nesta vida, como em grande parte deste

trabalho fizemos questão de enaltecer. A esperança cristã é algo visto no futuro

que irrompe já no presente, transformando-o, a ponto de abrir novos caminhos e

infinitos horizontes. Como diz MOLTMANN é algo “prospectivo e

antecipatório”, portanto é também “provisório e fragmentário”, mas transcende

para além de si mesmo. Baseado no evento da cruz e da ressurreição este futuro se

torna sempre aberto e receptivo.

Voltamos aqui com aquilo que está absconditum (oculto) em Deus e,

também no ser humano. O que há de abscontitum sub cruce (oculto sob a cruz) e

que foi revelatum in ressurrectione (revelado na ressurreição)240. Para

MOLTMANN o que foi prometido anteriormente e já está realizado em Cristo,

tornar-se-á possível na realidade humana com a intenção da missio de Jesus. E

esta missio só se torna compreensível na promissio. Só assim o futuro de Cristo se

torna cognoscível com o que ele é realmente, incidindo diretamente na vida

humana: promessa da justiça de Deus; promessa da vida a partir da ressurreição e

pela promessa do Reino de Deus, causando uma nova totalidade do ser241.

Agora temos uma compreensão daquilo que é verdadeiro na esperança

cristã e onde ela se aplica diretamente. Fundamentada e refletida no AT e no NT

ela abrange uma esfera tanto individual quanto coletiva, de modo que estejam

sempre interligadas. O que apenas uma pessoa espera atinge igualmente a todos-

as, do modo como aquilo que todos-as esperam atinge a cada um-a. Da mesma

forma ocorreu com Jesus, que sendo um entre vários de seu tempo fez da sua

espera do Reino um futuro para todos-as nós.

Isto é o que queremos dizer ao refletirmos sobre o futuro de Cristo e a

realização humana. Nesta perspectiva a esperança cristã não nos coloca livre de

contradições, mas nos fortalece para enfrentá-las, pois pelas promessas e pela fé

no ressuscitado temos a certeza do nosso futuro. Também aqui a esperança cristã

precisa envolver-se em ações como os atos de esperar, confiar e perseverar.

Todas estas ações dizem respeito ao futuro da vida, na qual tudo está

estreitamente relacionado no amor. Neste momento, percebemos a seguinte a esperança capaz de transformar a sociedade de morte numa sociedade de vida. Onde há vida é porque há esperança. Isto vem de uma certeza já conquistada para nós por Cristo, que se tornou o alicerce intransponível de toda e qualquer esperança. Toda esperança capaz de produzir vida, legitima-se em apenas uma, a esperança cristã. 240 Cf. MOLTMANN, J. Teologia da esperança, p. 257. 241 Cf. Ibid., p. 257-258.

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questão: não é o tempo que traz o futuro e nem a atividade humana que o faz, mas

é a necessidade interna do evento de Cristo que o realiza, depositando em nós

aquilo que já é latente Nele242.

Completamos com MOLTMANN:

A compreensão integral da esperança deve abranger estas duas verdades: a verdade pessoal e a verdade histórica concreta. A certeza da esperança provém da fidedignidade e da fidelidade do Deus da promessa. O saber da esperança lembra a fidelidade desse Deus na história e antecipa o cumprimento total dela em muitas antecipações e utopias no presente, mas sem ferir a liberdade do Deus promitente. Uma esperança sem tal ciência concreta seria uma aventura no escuro. Uma ciência sem aquela certeza seria especulação histórica, mera utopia243.

3.3. Reflexões conclusivas

Procuramos seguir neste capítulo com aquilo que por ora se mostrou mais

relevante para nós a respeito da esperança cristã, fundamentada e refletida na

teologia de MOLTMANN. Como vimos, trata-se de um autor que muito se

debruçou sobre o presente tema e é, talvez, a maior referência para ele na teologia

atual. Sua obra é muito vasta, cujos assuntos se apresentam de maneira, direta ou

indireta, oriundos desta temática. Ele a tem como elemento hermenêutico, sua

teologia é feita sempre a partir dela, aponta para ela e fala sobre ela.

Decidimos, primeiramente, iniciar pelo seu contexto histórico que é o local

onde nos debruçamos para compreender o seu conceito de esperança, que é muito

vasto, contudo com uma raiz peculiar, que ele sempre se vê as voltas: Auschwitz.

Aliás, este é um ponto que o autor sempre retorna para compreender e, também,

empreender os seus esforços teológicos como procuramos aqui sistematizar na

primeira parte deste capítulo. Esta relação com Auschwitz proporciona uma

lembrança pesada e jamais esquecida de seu tempo de cativeiro como prisioneiro

242 Cf. Ibid. Sobre esta dimensão antropológica indicamos: Id. El hombre: Antropologia cristiana en los conflictos del presente. Salamanca: Sígueme, 1973, p. 143-157. 243 Id. Teologia da esperança, p. 159-160.

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– atrás de um arame farpado – num campo de concentração, principalmente em

Northon Camp, na Inglaterra. Nesse momento, ele descobre a esperança em meio

a um lugar que aparentemente não poderia haver esperança. Isto se torna claro na

medida em que ele reflete a sua situação e na medida em que lhe é apresentado o

Evangelho, no qual ele vê em Cristo uma sintonia, uma identificação capaz de

libertá-lo. Notamos, porém, juntamente com o autor, que a linha que separa a

esperança da desesperança é muito tênue, podendo facilmente cair de um lado

para outro. Nessas circunstâncias a teologia começa a fazer parte de sua vida,

como algo que o manteve vivo, que lhe trouxe algo novo, incomparável.

Logo em seguida seguimos o objetivo proposto e procuramos apresentar os

fundamentos da esperança cristã, agora confrontados na sua teologia. Para ele,

surge um novo princípio, diferente de Anselmo de Cantuária: fides quaerens

intellectum – credo ut intelligam (fé que examina o intelecto – creio para que

entenda). Utiliza-se de um outro princípio, no qual a esperança repousa como

douta spes: spes quaerens intellectum – spero ut intelligam (esperança que

examina o intelecto – espero para que entenda). Nessa sua argumentação o ponto

principal sempre vem do Cristo ressuscitado, Ele é o fundamento de toda a fé.

Depois, fundamenta-se que o Cristo ressuscitado é o Cristo crucificado. Após nos

dirigimos para a questão do Reino de Deus que culmina na fundamentação e

reflexão sobre o futuro de Cristo e a realização humana.

Do modo como fizemos no capítulo anterior, destacaremos aqui alguns

pontos importantes daquilo que foi sistematizado:

1) É importante se ter claro que toda a reflexão que MOLTMANN faz

sobre a esperança tem a sua origem numa experiência totalmente

pessoal. Trata-se de algo vivenciado por ele em seu longo período de

prisioneiro de campo de concentração. Esta sua experiência vai aos

poucos ganhando espaço e dando-lhe respostas, sendo assim capaz de

direcioná-lo para um futuro, que até então, para ele, parecia incerto. Ao

mesmo tempo em que sente na própria pele os efeitos da guerra e na

medida em que toma conhecimento das atrocidades nazistas,

solidariza-se também com aqueles-as, que assim como ele são vítimas

da falta de compaixão humana. Num ambiente assim a esperança foi a

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sua companheira e o seu refúgio, foi o que o manteve vivo e, por esta

razão é até hoje a sua companheira inseparável.

2) Também neste momento a sua ligação com o mistério de Cristo parece

indispensável, pois reflete a partir de seu sofrimento. Vê na cruz e

ressurreição de Jesus algo capaz de penetrar em todo o horizonte

humano. Não é algo passageiro, mas algo que o transforma, algo que é

assumido e também assume o que está ao redor. MOLTMANN se

sente, enquanto está na prisão, assumido por este mistério insondável,

que demonstra entender os gritos de quem clamou por salvação. Há

aqui uma profunda identificação.

3) Para MOLTMANN, assim como para toda a fé cristã, o Cristo

ressuscitado é o seu principal fundamento. É o primeiro ponto, a

primazia de toda e qualquer reflexão teológica. Quando afirmamos a

nossa esperança temos a certeza do Cristo ressuscitado. Ele é um

caminho novo e vivo proposto por Jesus à humanidade. Nele, por se

apresentar de modo escatológico, vivenciamos tanto aquilo que se

espera como o ato de esperar. Nele a escatologia fala de nosso futuro, é

o advento que esperamos e que ilumina uma realidade presente que

ainda precisa de transformação. Por isso, se considera também a cruz:

o ressuscitado será sempre o crucificado. Ao afirmar isso levamos em

conta todo o mistério salvífico que se desvela durante o evento pascal.

É um evento que vem a nosso encontro como realidade escatológica,

que irrompe a história e a assume. Assim, para o ser humano Cristo

será o seu futuro, a cruz a sua promessa e a vida que possui a sua

esperança.

4) MOLTMANN dirá que o que aconteceu na ressurreição de Jesus não

anula a sua crucificação, ao contrário a enche de conteúdo

escatológico. Para ele o ressuscitado é o crucificado e vice-versa. O

evento da cruz se transforma numa esperança escatológica na medida

em que o véu do templo se rasga (cf. Mt 27,51) e transcende para nós o

mistério salvífico contido na cruz. Deste momento em diante a cruz

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passa a ser o centro da teologia cristã, pois tudo aponta e inclina-se

para ela. Logicamente que, esta reflexão não proporciona um Deus

passivo diante do sofrimento. MOLTMANN reflete sobre isso,

colocando que Deus Pai também sofre na morte do Filho na cruz. Para

ele, é um evento que toda a Trindade encontra-se envolvida: O Filho

sofre ao morrer, o Pai sofre a morte do Filho e o Espírito está presente

nesta relação como o amor que se doa e é doado infinitamente. Este

evento do ressuscitado-crucificado também se apresenta como

esperança segura diante do sofrimento, pois apresenta um Deus que

não é passivo ou silencioso, mas solidário, que se compadece conosco.

Portanto, neste ponto a esperança se direciona Aquele que passou pela

cruz, assumindo-a e vencendo-a. A esperança cristã aqui é algo

concreto e libertador.

5) Outro ponto importante que apresentamos é a questão do Reino

(Reich) ou Senhorio (Herrschaft) de Deus. Dentre as várias

concepções que podem ser apresentadas ele destaca duas de maneira

específica: Primeiramente, numa dimensão cristológica, ele destaca

que as experiências da cruz e das aparições de Jesus trazem uma nova

característica à mensagem do Reino de Deus. Pela ressurreição

inaugura-se uma nova creatio (nova criação). Na cruz e ressurreição

evidenciamos um Reino que não é algo apenas espiritualizado, nem

mesmo uma realidade de outro mundo, mas que penetra neste mundo e

o assume ao mesmo tempo em que o contradiz e se opõe a ele. A Cruz

de Cristo fixada no mundo, torna-se sinal para aqueles-as que Nele se

identificam e vêem Nele a superação de todo e qualquer sofrimento

que pode ser causado pela injustiça. Um ponto forte é que na cruz

vemos o que transcende a ela: a ressurreição; e na ressurreição o que a

precedeu: a cruz. Num segundo ponto, ele afirma que a experiência da

cruz e da ressurreição apresenta o Reino de Deus dentro de um

horizonte escatológico. Esta também é projetada para o futuro, porém

gera uma contradição. O Reino não anula este evento que lhe é

fundamental, mas é visto para além dele, pois o contradiz. Provoca em

nós uma atitude de confronto com o mundo, pois a realização deste

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Reino implica na luta pela justiça, pelo direito dos-as oprimidos-as, é

também uma ação que se faz solidária com todos-as aqueles-as que

sofrem e precisam ser libertados-as de suas prisões. Esta é uma

definição de Reino que remonta na vida de Jesus e que procura atender

os anseios da esperança atualmente.

6) Por fim, temos a questão relacionada ao futuro de Deus e a plena

realização humana. Como vimos tudo o que antecede a isso aponta

para esta direção. Enfatiza-se aqui a questão das promessas que

antecipam e manifestam aquilo que está oculto. Cristo se mostra como

o grande mistério, como prelúdio e amostra do que virá. E este evento

futuro se tornará concreto na história. No entanto, ainda não é algo

concretamente visualizado. A dimensão de promessa nos traz a

impressão dualista caracterizada pelo conhecer e pelo não conhecer,

entre aquilo que é e aquilo que não é. O futuro sempre é uma

possibilidade e se apresenta de modo aberto, transcendendo para além

de si mesmo. Vemos aqui uma tensão escatológica entre o já e o ainda

não. O nosso futuro, decorrente do futuro de Cristo, nós adquirimos

por meio da herança, na qual pela graça, fomos predestinados no

Amado, conforme desenvolveu a Igreja primitiva e se encontra nos

textos paulinos (cf. Ef 1,6). Isso apenas será confirmado mediante a

missio de Jesus e que é sustentada pela promissio, instaurada no Reino

de Deus. Só assim o futuro de Cristo se revela como ele é realmente, o

que incide diretamente na vida humana, conforme relatamos, segundo

o autor: promessa da justiça de Deus; promessa da vida a partir da

ressurreição e pela promessa do Reino de Deus, em uma nova

totalidade do ser.

Acreditamos assim que, fundamentar e refletir a esperança cristã em

MOLTMANN mostra-se como um grande desafio, pela qualidade de autor que ele

representa e pelo peso teológico que dele provém, tanto academicamente quanto

eclesialmente. No entanto, este estudo se torna ao mesmo tempo apaixonante na

medida em que nos deixamos envolver por este mistério e fazemos – como ele fez

– da teologia uma aventura. Em sua reflexão a esperança sempre desperta algo

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novo, sem que com isso se anule o passado ou se fuja do presente. Para ele a

esperança acontece na história porque ela constitui a história, portanto somente ela

tem o poder de transformá-la, quando exatamente ao lado da fé e do amor revelam

a nós as primícias da salvação. Neste capítulo desenvolvemos o conceito de

esperança cristã em MOLTMANN, resta-nos agora fazer um caminho para o que

surgiu em decorrência dele: A esperança cristã a partir de MOLTMANN.

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4 A esperança cristã a partir de Moltmann Depois de aprofundarmos nos dois capítulos anteriores os fundamentos e

reflexões da esperança cristã, na teologia em geral e em MOLTMANN,

propomos, neste capítulo que segue, por apresentar a esperança cristã a partir de

MOLTMANN. Isso será feito porque a esperança que ele fundamentou e refletiu

na sua teologia traçou também um caminho próprio e deixou marcas e influências

em várias partes do mundo. Assim, teremos por base e ponto de partida a sua obra

Teologia da Esperança (Theologie der Hoffnung), de 1964244. Optamos por

escolhê-la porque ela é a primeira de suas grandes obras e, com certeza, foi um

marco para a teologia do século XX. Além do mais, ela é um ponto essencial e

obrigatório para quem quer aprofundar e conhecer mais a respeito de sua teologia.

Nela foram colocados os principais alicerces de sua reflexão teológica, que mais

tarde sofreram críticas e provocaram inúmeras discussões245. Tudo isso fez com

que o autor reafirmasse os seus conceitos ou, em alguns casos, mudasse de

direção, sem que com isso o foco da esperança, no caso a esperança cristã, fosse

deixada de lado. Na Teologia da Esperança o autor apresenta a sua esperança

cristã, que livremente, caminha a partir dele. Partindo deste princípio,

apresentaremos nesta parte do trabalho aspectos que para nós, neste momento, se

mostraram preponderantes com respeito a sua obra e podem, evidentemente,

servir de apoio teológico para uma reflexão futura.

244 Para obtermos um contato mais próximo com o autor nesta obra, as citações e reflexões trazidas neste capítulo foram acompanhadas com a sua obra original, que aqui indicamos: Theologie der Hoffnung: Untersuchungen zur Begründung und zu den Konsequenzen einer christlichen Eschatologie. Kaiser Verlag München, 1968. Obra dedicada a sua esposa Elizabeth Moltmann-Wendel: Meiner Frau. 245 Como o interesse de nossa pesquisa é a esperança cristã, fundamentada e refletida na teologia de MOLTMANN, não entraremos em maiores detalhes a respeito das críticas e discussões resultantes da Teologia da Esperança porque estas não são o foco principal de nosso estudo. Para tais questões indicamos a seguinte obra: MARSCH, W-D; MOLTMANN, J. Discusión sobre la teología de la esperanza. Op. cit.

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4.1. A esperança cristã na Teologia da Esperança Falar da esperança cristã em MOLTMANN e a partir dele, com certeza, é

falar sobre a sua obra Teologia da Esperança. Esta obra que surgiu em 1964 ainda

hoje se mostra atual e apresenta-se com um caminho próprio em cada lugar onde é

apresentada. Ela foi também um ponto de partida para o movimento teológico,

com o mesmo nome, que surgiu nos anos sessenta do século XX246. Para o nosso

autor esta obra – Teologia da Esperança – aparece como uma aventura sempre

nova, disposta a trilhar novos caminhos e a abrir novos horizontes. Vejamos então

o contexto em que surge esta obra e os seus principais fundamentos.

4.1.1. A obra e seu contexto

Ao escrever o prefácio para os 33 anos de sua obra, em maio de 1997, ele

descreve isso como “algo arriscado”, pois, para ele, os livros também têm um

tempo bem próprio, seguem um caminho só deles.

É o que ocorreu com a Teologia da esperança. Eu a publiquei em 1964. Em 1967, foi lançada a tradução inglesa. Depois disso, porém, ela escapou ao meu controle e fez sua própria história; uma história que eu não havia pretendido nem previsto, mas que reverteu para mim de muitas formas diferentes. Eu sou o autor do livro, reconheço e sustento tudo o que escrevi naquela época. No entanto, algo bem diferente é a história que foi influenciada pela Teologia da esperança. Nela eu sou apenas uma pessoa entre tantas outras. Nela, sou apenas o primeiro leitor do livro mais do que seu autor247.

Ao dizer isso, MOLTMANN nos insere dentro do contexto de sua obra.

Como ele mesmo diz, ele não é apenas o único autor, mas como todos nós, ele foi

influenciado por ela. Em algumas vezes, mudou de posturas em relação à

246 Sobre o movimento teológico da Teologia da Esperança, que se tornou referência para a teologia contemporânea, podemos encontrar maiores informações nas seguintes obras, além de excelente fundamentação: MONDIN, B. As teologias do nosso tempo, p. 69-100. Id. Os grandes teólogos do século vinte, p. 283-303. GIBELLINI, R. A teologia do século XX, p. 279-299. Id. La teologia di Jürgen Moltmann. MOLTMANN, J. Temas para una teología de la esperanza, p. 63-123. MARSCH, W-D.; MOLTMANN, J. Op. cit. Além de outras obras do próprio autor em destaque que procuram retratar aspectos significativos desta teologia. 247 MOLTMANN, J. Prefácio do autor: Trinta e três anos de Teologia da esperança. In: MOLTMANN, J. Teologia da esperança, p. 19. Grifos do autor.

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esperança, fato que ocorre pelo retorno que sua obra lhe traz quando entra em

contato com outros horizontes e com outras visões hodiernas da teologia248. Sobre

essas questões, ele as descreve como algo positivo, o que demonstra uma teologia

aberta aos novos descobrimentos, além de um constante diálogo com o mundo

contemporâneo.

Ao querer resgatar a origem desta obra, verificamos que a esperança

sempre fez parte da vida do autor, sobretudo no período guerra e pós-guerra,

conforme foi detalhado no capítulo anterior249. No entanto, o surgimento da

Teologia da Esperança, de maneira mais sistemática, ocorre entre os anos de 1958

e 1964, quando se discutia entre os editores do periódico Evangelische Theologie

as controvérsias existentes entre a Teologia do Antigo Testamento, de Gerhard

von Rad e, a Teologia do Novo Testamento, de Rudolf Bultmann, com o objetivo

de chegar a uma teologia sistemática que fosse biblicamente fundamentada. A

questão central da discussão era a compreensão da história250. “O que estava em

jogo era nada menos do que a superação do existencialismo generalizado do

período pós-guerra, visando à obtenção de perspectivas de futuro para um mundo

mais justo, mais pacífico e mais humano”251.

Este é um momento em que se volta a discutir as promessas de Deus

dentro de um horizonte judeu-cristão, no qual MOLTMANN se vê influenciado

pela filosofia de Ernst Bloch com a obra O Princípio Esperança (Das Prinzip

Hoffnung), de 1959. Perguntava-se, pois, de que modo a história representava um

todo e, de que maneira, as promessas de Deus despertavam esperanças humanas?

Com isso, a reflexão teológica se direciona para o sentido do êxodo de Israel e,

também, a compreensão de Reino de Deus passa a ganhar um sentido de

248 Por estas visões hodiernas da teologia entendemos os movimentos e correntes teológicas que o autor manteve diálogo ao longo de sua vida, conforme ele mesmo destaca várias vezes: a Teologia da Libertação, a Teologia Política, a Teologia Negra, a Teologia Feminista, etc. Além das constantes mudanças no cenário político mundial, que provoca por parte da Igreja e por parte da teologia uma postura de atitudes concreta. 249 Isto está destacado principalmente nos itens: 3.1.2; 3.1.3; 3.1.4; que reproduz sua experiência de prisioneiro de campo de concentração. 250 Cf. MOLTMANN, J. Op. cit., p. 19. Essa busca pela compreensão da história fez com que o autor disponibilizasse parte de sua obra para confrontá-la com as promessas de Deus. O Deus da esperança, apresentado por ele, é um Deus que se insere na história, que se faz história, que a assume e a transforma. Na Teologia da Esperança encontramos um bom ensaio que retrata as promessas feitas por Deus na história de Israel no capítulo II, mas ela é estudada com mais magnitude no capítulo IV de sua obra. Vale destacarmos também que esta insistência pela história perpassa toda a sua teologia, desde a discussão para esta obra até as sua obras mais recentes. 251 Ibid., p. 20.

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orientação para o futuro, totalmente escatológico252. Assim, a base e o motivo da

esperança se encontram no êxodo e na ressurreição de Cristo253. Vemos aqui a

importância de termos aprofundado anteriormente sobre a esperança no AT e no

NT.

Porém, neste instante, faz-se necessário perguntar: como era a situação à

qual nos referimos e que fez surgir então a Teologia da Esperança? Sobre isso nos

utilizaremos de trechos do próprio autor, pelos quais nos descreve aspectos

importantes de seu contexto histórico:

Em 1964, a Teologia da esperança, evidentemente, ainda que não intencionalmente, acertou o seu kairós. O tema, por assim dizer, estava no ar. No Concílio Vaticano II, a Igreja Católica Romana estava mesmo se abrindo para as questões do mundo moderno. Nos Estados Unidos da América, o Movimento pelos Direitos Civis teve os seus pontos altos na luta contra o racismo. Na Europa oriental, assistimos ao surgimento de um marxismo reformista, que em Praga foi chamado de “socialismo da face humana”. Na América Latina, a revolução bem sucedida em Cuba despertou, em toda parte, as esperanças dos pobres e dos intelectuais. Na Alemanha Ocidental, superamos a estagnação do período pós-guerra com a bandeira: “Nada de experimentos!”, por meio da vontade de ter “mais democracia” e uma justiça social melhor e por meio da “luta contra a morte atômica”. Os anos sessenta realmente foram anos de pôr-se em marcha e de voltar-se para o futuro, anos do renascimento das esperanças254. Percebemos aqui que o contexto era propício para tal formulação, uma vez

que, como diz o autor, o tema da esperança “estava no ar”. Um aspecto positivo

que ele destaca é sobre a abertura da Igreja Católica. Isso resulta dos reflexos

provocados pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), sobretudo pela sua

Constituição Gaudium et spes, que como o próprio nome diz trata sobre as

alegrias e as esperanças que germinam do coração da Igreja. É um documento

totalmente voltado para a ação da Igreja no mundo, sua missio255. Ele também

enumera outras situações onde a esperança motivou forças e abriu novos

caminhos. Mas, segundo MOLTMANN, esse kairós ao qual se refere no início

dos anos 60 e que, como ele relatou antes, suscitou tantas esperanças não

252 Cf. Ibid. 253 Cf. Ibid., p. 21. 254 Ibid., p. 21-22. Grifos do autor. 255 Para maiores informações sobre este documento consultar o compêndio do Vaticano II: VATICANO II: mensagens, discursos e documentos. São Paulo: Paulinas, 1998. Sobre as discussões que resultaram neste documento consultar: BARAÚNA, G. (Dir.). A Igreja do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1965.

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permaneceu de maneira completa ao seu final. De imediato, por ordens diversas, o

mundo é cercado por frustrações, como ele mesmo relata:

Contudo, os anos sessenta terminaram com frustrações amargas em relação às referidas esperanças: no outono de 1968, em Praga, os tanques e as tropas do Pacto de Varsóvia demoliram o “socialismo de face humana”. A guerra do Vietnã fez com que os EUA entrassem em um conflito trágico consigo mesmos. Em 1968, foi publicada a Encíclica Humanae vitae que pôs um fim à abertura da Igreja Católica para o mundo de hoje. No mesmo ano, as esperanças ecumênicas atingiram seu ponto alto na Conferência Mundial das Igrejas em Uppsala, com o lema: “Eis que faço nova todas as coisas!”, entrando em seguida em conflito com os evangélicos e conservadores. A crise econômica de 1972 – a crise do petróleo – deixou claro para todos que não vivemos na “terra das possibilidades irrestritas” e que o futuro tampouco é ilimitado, mas que temos que contentar-nos com esta terra e seus recursos limitados. Em vista disso, para muitos, a esperança de um futuro melhor reverteu em resistência ativa contra as destruições reais da vida neste planeta. A grande esperança, que naquela época, porém, ainda era de cunho muito geral, tornou-se concreta em muitas ações pequenas e restritas: nos movimentos ecológicos, no movimento pela paz, no movimento feminista e em outros movimentos256. Evidentemente que, não foram períodos marcados apenas por frustrações,

pois vale destacar aqui que, para a Igreja Católica da América Latina, o ano de

1968 passou a ser um marco referencial histórico com a Conferência Episcopal de

Medellín257. Contudo, não se anula o que foi mencionado por ele sobre o impacto

que se teve com a Encíclica Humanae vitae do mesmo ano258. Mas, para o seu

256 MOLTMANN, J. Op. cit., p. 22. Grifos do autor. 257 A Conferência de Medellín em 1968 tornou-se um marco da Igreja na América Latina e, posteriormente, um marco de toda a Igreja universal. Nela se levanta a bandeira da Igreja em favor dos pobres e com um caráter totalmente libertador. É um momento de esperança que atinge todo o continente. Sobre a conferência indicamos a seguinte obra por apresentar todas as conclusões da Conferência com o texto oficial e, como anexo, ter no seu final, comentários de Dom Candido Padin, OSB; Gustavo Gutiérrez e Francisco Catão. Tais autores discutem sobre a atualidade deste documento: CELAM. Conclusões da Conferência de Medellín, 1968: Trinta anos depois, Medellín ainda é atual? São Paulo: Paulinas, 1998. 258 Uma das maiores críticas que sofreu esta Encíclica foi o fato de fechar-se ao diálogo moderno e inserir novamente barreiras que anteriormente foram retiradas no diálogo com a ciência. Diz a história que o próprio Paulo VI viu-se estranhamente dentro dela, gerando em si mesmo um certo desconforto. Ver: PAULO VI. Humanae vitae. 10. ed. São Paulo: Paulinas, 2004. Isto não inibe o fato de que ao tratar com reverência à vida humana, você não possa simultaneamente manter certo diálogo com a modernidade, foi o que pretendeu mais tarde o Papa João Paulo II com a Encíclica Evangelium vitae. Ainda mais hoje em dia quando observamos que a vida humana sofre um novo paradigma, em virtude da descoberta do código genético e de novas especulações científicas. Tal discussão permeia toda a nova teologia, pois espera respostas quanto à nova compreensão de ser humano e, principalmente pelo seu chamado à vida. Aqui também a escatologia, que aqui tratamos, volta a ser tocada de maneira singular. Sobre estas questões, que são importantes para a teologia atual, mas que, no entanto, não fazem parte de nossa pesquisa, indicamos a seguinte bibliografia: JOÃO PAULO II. Evangelium vitae. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 2004. SANCHES, M. Bioética: ciência e transcendência, op. cit. Id. Brincando de Deus: Bioética e as marcas sociais

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contexto, basicamente europeu, todas essas frustrações começam a terminar

exatamente vinte anos depois, quando a partir de 1989 surgem sinais e milagres,

os quais, segundo o autor, ninguém mais esperava259. Por pertencer à história a

esperança abre novos caminhos e redireciona novamente a própria história.

Além disso, neste momento sua obra e teologia percorrem parte do mundo,

deixando nesses lugares a sua influência. Esta influência o autor não a assume

como pessoal, mas como estritamente da obra, que fez um caminho próprio, como

já foi detalhado aqui e ele disse tempos atrás no prefácio da terceira edição em

1977. Ali o autor afirma que este livro fez o seu próprio caminho pelo mundo: “A

Teologia da esperança foi discutida em numerosos periódicos teológicos e não

teológicos, cristãos e não cristãos. Ela deu sua contribuição para que o labor

teológico se orientasse para a história do Deus da esperança”260.

Nesta influência da Teologia da Esperança em outras teologias o autor diz

que tal experiência retornou para ele de modo diferente, o que contribuiu para que

ele tivesse uma abertura maior dentro do horizonte teológico. Em muitos lugares

em que a Teologia da Esperança foi apresentada sua esperança foi traduzida por

ação, pelo fato de sua efetividade se confrontar com o contexto atual. Sobre o que

fez surgir esta influência ele supõe duas hipóteses: primeiramente, a perspectiva

coerente da libertação histórica e, depois, a redenção escatológica que dela

provém261.

Sobre as críticas que MOLTMANN recebeu de sua obra, por muitas vezes,

elas serviram de abertura ao diálogo teológico e ele nunca as viu como problema,

nem mesmo quando o acusaram de ter uma visão unilateral. Aliás, como ele

mesmo relata, essa foi a crítica mais freqüente a respeito de seus primeiros livros.

Todavia, isto não o assusta, ao contrário, o honra e vem confirmar aquilo que foi

dito. Para ele, “quem toma a palavra em uma discussão importante e estimulante,

quando quer alcançar alguma coisa, sempre se torna unilateral”262. A teologia não

tem e nunca terá uma visão total de Deus e de seu mistério, ela parte antes de uma

experiência de fé, logo toda ela é unilateral. da genética. São Paulo: Ave Maria, 2007. RIBEIRO, H. Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Petrópolis: Vozes, 2007. 259 Cf. MOLTMANN, J. Op. cit., p. 23. Esses supostos sinais e milagres que o autor deduz, tratam-se especificamente de mudanças na política mundial: A queda do regime soviético, o fim do apartheid na África do Sul, mudanças de paradigmas políticos mundiais, entre outros. 260 MOLTMANN, J. Prefácio à terceira edição. In: MOLTMANN, J. A teologia da esperança, 27. 261 Cf. MOLTMANN, J. Prefácio do autor: Trinta e três anos de Teologia da esperança, p. 23. 262 Ibid., p. 24.

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Com efeito, após identificarmos o que provocou a origem desta obra,

propomo-nos, a partir de agora, meditar com o autor sobre o que concerne a sua

esperança. Faremos isto sistematicamente para sustentar aqui os conceitos que

foram apresentados neste trabalho anteriormente que tratam sobre a esperança

cristã em sua teologia. Somente a partir disso é que podemos ameaçar percorrer

um caminho que surge a partir dele.

4.1.2. Meditando a esperança MOLTMANN inicia a sua obra – Theologie der Hoffnung – meditando

sobre a esperança (Meditation über die hoffnung). Trata-se de uma introdução

(einleitung) na qual ele questiona, inicialmente, sobre o lugar que ocupa a

escatologia cristã (christliche eschatologie) na reflexão teológica de seu tempo.

Para ele, ela não pode mais ser direcionada apenas ao final, como era apresentada

no passado, como um apêndice da teologia. Ela deve envolver o todo, pois faz

parte do todo. Vejamos isso com suas palavras:

Na realidade, a escatologia é idêntica à doutrina da esperança cristã, que abrange tanto aquilo que se espera como o ato de esperar, suscitado por esse objeto. O cristianismo é total e visceralmente escatologia, e não só como apêndice; ele é perspectiva, e tendência para frente, e, por isso mesmo, renovação, e transformação do presente. O escatológico não é algo que se adiciona ao cristianismo, mas é simplesmente o meio em que se move a fé cristã, aquilo que dá o tom a tudo que há nele, as cores da aurora de um novo dia esperado que tingem tudo o que existe. De fato, a fé cristã vive da ressurreição do Cristo crucificado e se estende em direção às promessas do retorno universal e glorioso de Cristo. Escatologia é “paixão” em dois sentidos, o de sofrimento e o de tendência apaixonada, que têm sua fonte no Messias. Por isso mesmo, a escatologia não pode ser simplesmente parte da doutrina cristã. Ao contrário, toda pregação e mensagem cristãs têm uma orientação escatológica, a qual é também essencial à existência cristã e à totalidade da igreja263.

Ao comparar esta mesma passagem Hans-Georg Geyer, que fez uma

relevante discussão desta obra, indicará que MOLTMANN nos apresenta nesta

introdução três teses básicas de sua teologia: 1) O Cristianismo é escatologia do

princípio ao fim; 2) O fundamento cristológico da escatologia cristã: a fé cristã

263 MOLTMANN, J. Teologia da esperança, p. 30.

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vive da ressurreição de Cristo; 3) O problema do futuro264. Se olharmos

novamente para o texto poderemos facilmente verificar estas três teses totalmente

sobrepostas. E, também, com um olhar mais atento para toda a obra, observamos

que nestas três teses resume-se o objetivo principal de sua reflexão. Gibellini

chama a isso de Teorema da Teologia da Esperança265. No fundo ele quer afirmar

que toda a essência desta escatologia encontra-se na definição de esperança. É

uma esperança que interage no meio em que está; é dinâmica e ao mesmo tempo

crítica da realidade. Por se fundamentar no Cristo ressuscitado como alicerce

intransponível da fé ela se projeta totalmente ao futuro, mas de maneira bem

enraizada nas promessas do passado. Ela não serve como fuga da história, mas

como orientação a existência da mesma. Essa nova compreensão de escatologia,

que o autor nos traz, nós já apresentamos anteriormente: “implica-se na realidade

histórica a ponto de transformá-la”266.

Para MOLTMANN todo o conteúdo da verdade cristã possui uma

orientação escatológica. Somos movidos pela esperança, pelo ato de esperar. A

verdade cristã está totalmente projetada para o futuro e anseia por ele, portanto,

toda a teologia é escatologia. A partir deste enfoque o único problema que existe

na teologia cristã, segundo nosso autor, diz respeito ao seu futuro (zukunft). Este

futuro apresenta-se como um Outro (Andere)267, o qual a partir de nossas

experiências, nós não podemos nem ousar pensar, pois ele está além daquilo que

nos é dado. Transcende sempre como algo Novo (Neuen), portanto, o verdadeiro

objeto da esperança cristã, que já demonstramos anteriormente, encontra-se

definitivamente no futuro de Deus (Zukunft aus Gott)268. “O Deus, de que aí se

fala, não é o Deus intramundano ou extramundano, mas o ‘Deus da

Esperança’”269.

Por essa razão que, para o nosso autor, a palavra escatologia (doutrina das

coisas últimas) não é o termo mais apropriado para designar o futuro de Deus.

Para ele este termo é falso, pois uma doutrina sobre as coisas últimas não pode

existir. O termo escatologia remete teoricamente a um fim, mas não, a partir do 264 Cf. GEYER, H-G. Acotaciones a la Teología de la esperanza de Jürgen Moltmann. In: MARSCH, W-D., MOLTMANN, J. Op. cit., p. 41-81. 265 Cf. GIBELLINI, R. La teologia di Jürgen Moltmann, p. 80. 266 Cf. sub-capítulo 2.1, nota de referência 9. 267 O sentido em que é colocado o termo Outro (Andere) pelo autor, remete a um Outro novo, que traz novidade. 268 Cf. MOLTMANN, J. Op. cit., p. 30. 269 Ibid.

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enfoque que é conferido pela esperança ela não é o seu fim, mas o seu

princípio270.

No entanto, este futuro que o autor apresenta acima não é algo fácil de

expressar racionalmente e, certamente, gera uma indagação: como a escatologia

cristã pode falar do futuro? No que ela se fundamenta? Vale ressaltarmos aqui

aquelas características da esperança cristã apresentadas no NT, alicerçadas na

esperança do AT: esperar, confiar e perseverar. Elas também podem ser

utilizadas aqui, porém ganham um sentido mais amplo, conforme será

demonstrado. Sendo assim, MOLTMANN, ao afirmar a escatologia como

esperança, diz que, “ela toma seu ponto de partida em uma determinada realidade

histórica e prediz o futuro da mesma, suas possibilidades futuras e sua eficácia

futura”271.

Essa determinada realidade histórica de que nos fala o autor é algo

fundamental para compreender a esperança como novo enfoque da escatologia

cristã. Com isso retornamos à discussão que assistia ao grupo teológico

Evangelische Theologie, do qual MOLTMANN participava e, cuja discussão

culminou com a publicação dessa respectiva obra. Essa nova visão que é

proporcionada pela escatologia busca na história uma base forte de compreensão e

de identificação. O nosso futuro é projetado na história e, mais que isso, se projeta

para além da história. Trazendo para uma definição cristã: “A escatologia cristã

fala de Jesus e de seu futuro. Conhece a realidade da ressurreição de Jesus e

anuncia o futuro do ressuscitado”272.

Essas novas questões que foram suscitadas a partir da nova compreensão

da escatologia dizem que, se o Cristo ressuscitado e crucificado tem um futuro,

existe, por certo, algo Novo que podemos esperar. Com esta nova definição a

esperança cristã passará a se identificar com aquilo que aconteceu com Cristo e

passará a ansear para si mesma esse futuro. No entanto, o futuro de Cristo também

apresenta certas contradições. Aquilo que afirmamos nos capítulos anteriores

sobre a esperança, que se apresentam sob as características de esperar, confiar e

perseverar se contradiz significativamente com a realidade presente, apresenta-se

em contradição. Isso ocorre porque o futuro ainda não se apresenta de modo

270 Cf. Ibid., p. 31. 271 Ibid. Grifos nossos. 272 Ibid., p. 31-32.

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visível no presente, mas como um contraste. Porém, nesta nova compreensão, ela,

a esperança cristã, não ilumina a realidade que aí está, mas a que virá273. Para

MOLTMANN, “a contradição, em meio à qual a esperança coloca o ser humano

frente à realidade de si mesmo e do mundo, é a contradição entre a ressurreição e

a cruz”274.

Ela coloca o ser humano numa contradição entre o real e o irreal, entre o

visível e o invisível. Isto se identifica na contradição existente entre a cruz e a

ressurreição, que só é exprimível pela fé. Para tal posição, ele se fundamenta em

Calvino, que reflete a partir de Hebreus (cf. Hb 11,1)275 sobre a fé e a esperança e,

por MOLTMANN ser da tradição cristã reformada o pensamento calvinista exerce

grande influência sobre a sua teologia. Segue abaixo o texto de Calvino:

É-nos prometida a vida eterna – a nós, que estamos mortos; é-nos anunciada uma feliz ressurreição, mas, enquanto isso, estamos cercados de corrupção; somos chamados justos e, não obstante, reside em nós o pecado; ouvimos falar de uma felicidade indivisível e, enquanto isso, somos aqui oprimidos por uma miséria sem fim; abundância de todos os bens nos é prometida, mas só somos ricos de fome e sede. O que seria de nós se não nos apoiássemos na esperança, e se nossos sentidos não se dirigissem para fora deste mundo, no caminho iluminado pela palavra e pelo Espírito de Deus em meio a essas trevas?276 Como demonstra no texto citado acima esta contradição entre a cruz e a

ressurreição é uma constante da vida cristã. Isto reforça a tese de que o-a cristão-ã

vive neste mundo, mas com um olhar para além deste mundo (esperar), a ponto de

confiante (confiar) na esperança futura decide por transformar o presente.

Seguindo o pensamento de Calvino citado acima: “O que seria de nós se não nos

apoiássemos na esperança” (perseverar). Vemos aqui novamente as três

características muito bem representadas.

Utilizando-se deste texto que destacamos acima, o qual ele cita em sua

obra, MOLTMANN dirá que é na contradição que a esperança deve mostrar sua

força. Assim sendo, o verdadeiro significado da escatologia cristã é apresentar a

esperança como fundamento e mola mestra de toda a teologia. Isto incidirá nas

273 Cf. Ibid., p. 32. 274 Ibid., p. 33. 275 “A fé é garantia antecipada do que se espera, a prova de realidades que não se vêem” (Hb 11,1). 276 CALVINO. Comentário sobre Hebreus 11,1. Apud: MOLTMANN, J. Op. cit., p. 33.

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perspectivas que tratam a revelação de Deus, a ressurreição de Cristo, a missão da

fé e a história277.

Mas, como aquelas características podem ganhar um sentido mais amplo?

Seguindo o pensamento de Calvino, ele afirma que, a fé se apóia na esperança e se

lança para fora deste mundo. Não como fuga, mas como quem busca o futuro278.

Isto significa: “transpor fronteiras, transcender, estar em êxodo”279. Não se trata

mais de uma espera passiva, mas de uma espera ativa, que decide por ir atrás

daquilo que outrora fora prometido. Aqui consiste a diferença e amplitude do

conceito. Do mesmo modo, também com base calvinista, MOLTMANN

confirma: “A fé une o ser humano a Cristo, a esperança abre essa fé para o vasto

futuro de Cristo. Por isso, a esperança é a ‘companheira inseparável’ da fé”280. É

somente por meio dela que o ser humano entra no caminho da verdadeira vida e,

somente a esperança o conserva nesse caminho281. Concluindo este raciocínio

teológico: “A fé é o prius, mas a esperança detém o primado”282.

Na ótica de sua teologia Cristo se torna o éschaton, o fundamento

teológico por excelência e, é Nele que se encontra toda a contradição. No evento

da cruz e ressurreição encontramos o consolo, mas também o protesto. Por isso a

fé aliada à esperança “não traz quietude, mas inquietude; não traz paciência, mas

impaciência”283. Sabemos que o nosso futuro é o Cristo ressuscitado, mas

vivemos numa constante contradição em meio à dor e o sofrimento do mundo.

MOLTMANN até se utiliza de Agostinho refletindo a partir do coração inquieto

(cor inquietum): Fizeste-nos para Ti, e nosso coração inquieta-se, enquanto não

277 Cf. MOLTMANN, J. Op. cit., p. 34. 278 Cf. Ibid. 279 Ibid. 280 Ibid., p. 35. Sobre essa relação entre a fé e a esperança é importante apresentarmos um outro texto de Calvino que trata de maneira poética e considerável esse tema: “Se faltar a esperança, por mais que falemos da fé de forma genial e eloqüente, podemos estar certos de que não temos nenhuma! A esperança nada mais é do que a espera das coisas que, conforme a convicção da fé, foram por Deus realmente prometidas. Assim, a fé está convencida de que Deus é veraz; e a esperança espera que ele, a seu tempo, revele sua verdade; a fé tem certeza de que ele é nosso Pai, e a esperança espera que ele sempre se mostrará como tal a nós; a fé está persuadida de que nos é dada a vida eterna, a esperança espera que ela um dia nos será manifestada; a fé é o fundamento sobre o qual descansa a esperança, e a esperança alimenta e sustenta a fé. Ninguém pode esperar qualquer coisa de Deus, se antes não crer em suas promessas; mas, ao mesmo tempo, nossa fraca fé, para não desfalecer pelo cansaço, deve ser sustentada e conservada, a fim de que pacientemente esperemos e aguardemos. A esperança renova e vivifica a fé sempre de novo e cuida para que sempre de novo se levante mais forte; para perseverar até o fim”. CALVINO. Institutio, III2, 42. Apud: MOLTMANN, J. Op. cit., p. 35. 281 Cf. MOLTMANN, J. Op. cit., p. 35. 282 Ibid. 283 Ibid., p. 36.

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repousar em Ti. (Tu nos fecisti ad Te, et cor nostrum inquietum est, donec

requiescat in Te)284. Para ele a esperança não acalma o cor inquietum, mas ela é,

com toda certeza, esse cor inquietum:

Quem espera em Cristo não pode mais se contentar com a realidade dada, mas começa a sofrer devido a ela, começa a contradizê-la. Paz com Deus significa inimizade com o mundo, pois o aguilhão do futuro prometido arde implacavelmente na carne de todo presente não realizado. Se diante dos olhos tivéssemos só o que enxergamos, certamente nos satisfaríamos, por bem ou por mal, com as coisas presentes, tais como são. Mas o fato de não nos satisfazer, o fato de entre nós e as coisas da realidade não existir harmonia amigável é fruto de uma esperança inextinguível. Esta mantém o ser humano insatisfeito até o grande cumprimento de todas as promessas de Deus. Ela o mantém no status viatoris, naquela abertura para o mundo futuro, a qual, pelo fato de ter sido produzida pela promessa de Deus na ressurreição de Cristo, não pode cessar por nada, a não ser pelo cumprimento por parte do mesmo Deus285.

Por essa razão que a inquietude faz parte da esperança cristã. Ela não se

conforma com o que é apresentado quando este contradiz o que foi prometido. O

cor inquietum, proporcionado pela esperança cristã, sai em busca do seu futuro e

não se contenta enquanto não conseguir realizá-lo. É essa esperança confiante de

transformação que torna, segundo MOLTMANN, a Igreja cristã inquieta diante da

sociedade. Ela continua peregrina, pois vê naquilo que lhe é apresentado pela

sociedade como permanente algo que para ela é temporário286. Seu destino é o

futuro, que ela ainda não vê, mas sente, pois confia no que foi prometido. A

esperança faz com que essa comunidade viva de impulsos sempre novos e, através

de sua ação encontre a sua verdade e testemunhe o futuro de Cristo287.

Mas, o próprio autor coloca nesta sua meditation que a falta da esperança

também existe no atual cristianismo e esta falta produz o desespero (sem

esperança). Isto ocorre como resultado da liberdade humana que se vê dividida. É

a dualidade presente no ser humano, já testemunhada por Paulo em sua missão e 284 Cf. Ibid. Para uma orientação teológica da escatologia presente em Agostinho, indicamos: KUZMA, C. A. Da experiência à razão. A compreensão pneumatológica em Santo Agostinho. In: TEPEDINO, A. M. (org.). Amor e discernimento: Experiência e razão no horizonte pneumatológico das Igrejas. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 73-100. 285 MOLTMANN, J. Op. cit., p. 36-37. 286 Podemos encontrar neste trecho algo presente também na eclesiologia católica, sobretudo naquilo que foi apresentado no Concílio Vaticano II, pela Constituição Lumen gentium, ao tratar no capítulo VII sobre: “A índole escatológica da Igreja peregrina e sua união com a Igreja do céu”. Ver: VATICANO II. Lumen gentium, cap. VII, n. 48-51. Cf. tb. MARTINI, N. L'indole escatologica della chiesa peregrinante e sua unione con la chiesa celeste nella costituzione conciliare “Lumen gentium”. Brescia: Morcelliana, 1972. Cf. tb. BOFF, Lina. Índole escatológica da igreja peregrinante. Op. cit. 287 Cf. MOLTMANN, J. Op. cit., p. 37.

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vivida também por MOLTMANN quando prisioneiro no campo de

concentração288. Diante de certas situações nos defrontamos com duas posições:

avançar e romper em direção ao futuro ou parar e fixar a nossa vida no passado. A

esperança cristã, que aqui ele nos apresenta, utiliza-se do passado, mas como

recordação das promessas e como impulso a um futuro. MOLTMANN nos diz

que a falta desta ação transforma-se no pecado que mais ameaça a vida do-a

crente: a omissão. “Não o mal que ele faz, mas o bem que deixa de fazer; não são

as suas más ações que o acusam, mas as suas omissões. Elas o acusam de falta de

esperança”289.

Se a esperança não trouxer essa inquietude, a esperança que se produz será

uma falsa esperança e frustrará o ser humano já no seu presente. Isto ocorre ao se

tornar prisioneiro de um passado sem qualquer projeção de futuro. Você lembra

que viveu, mas esquece de viver; lembra que amou, mas esquece de amar. Ou de

forma alienada, a pessoa espera que um dia tornar-se-á feliz, mas essa felicidade

passa longe de sua vida cotidiana. Essa é uma falsa esperança, muito adaptada à

elpis (esperança) dos gregos, mas certamente não é o que produz a esperança

cristã. A esperança cristã não pode frustrar o ser humano no presente porque ela é

a verdadeira felicidade do presente. Ela provoca o ser humano a viver

intensamente a sua vida. Sua vida se projeta para o futuro do mundo, que se

realiza juntamente com o futuro de Cristo.

Essa espera futura, colocada pela escatologia cristã como a Parusia,

arranca-nos do tempo e nos arremessa rumo à eternidade. Quando isto acontece o

ser humano começa a viver em harmonia já no seu presente, sua

contemporaneidade se transforma em eternidade. Tudo aquilo que foi prometido,

através da esperança cristã, abre-se como realidade histórica. O escatológico

penetra na história e a transforma. Nesse momento, o amor que é filia, converte-se

em amor ágape; o que era desigual se torna igual; o que era distante se torna

próximo. A esperança cristã chama a si aqueles-as que foram excluídos-as e

abandonados-as, os-as fatigados-as e sobrecarregados-as, os-as rebaixados-as e

atormentados-as, os-as famintos-as e moribundos-as, porque sabe que para esses-

288 Conforme foi detalhado no sub-capítulo: 3.1.4 A esperança atrás do arame farpado. No caso de Paulo, trata-se do momento em que se vê diante desta dualidade: “Com efeito, não faço o bem que quero, mas pratico o mal que não quero” (Rm 7,19). 289 MOLTMANN, J. Op. cit., p. 38.

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as existe a parusia e a realidade do Reino de Deus290. “Pela esperança, o amor

mede as possibilidades que lhe foram abertas na história. Pelo amor, a esperança

tudo encaminha para as promessas de Deus”291. Aqui não temos apenas a fé e a

esperança, mas as três virtudes teologais cristãs concomitantemente: fé, esperança

e caridade.

Assim, após meditarmos a esperança com o autor, nós confirmamos que a

escatologia cristã adquire um novo horizonte, um novo enfoque ao se enquadrar

com a esperança cristã. E é justamente isso que MOLTMANN procura trazer de

modo acentuado na sua obra Teologia da Esperança.

4.2. A Teologia da Esperança

Ao apresentar um breve estudo sobre a Teologia da Esperança Wolf-

Dieter Marsch, que teve a felicidade de ler a obra ainda como um manuscrito, diz:

“Os livros têm os seus destinos”292. É uma frase pertinente, sobretudo para nós

que queremos fundamentar e refletir neste capítulo a esperança a partir de

MOLTMANN. Sem dúvida, alguns livros possuem a capacidade de conquistar um

destino que muitas vezes não foi projetado pelo seu autor e, podemos dizer que,

com a Teologia da Esperança isso ocorreu de fato.

MOLTMANN não tem a pretensão de percorrer um caminho novo.

Segundo J. M. Jong, o que ele faz é uma reordenação da teologia, desde o ponto

de vista da esperança293. Partindo deste ponto, ele apresenta problemas específicos

dentro de sua obra, sob os quais pretenderemos desenvolver a partir de agora o

nosso estudo. Desse modo, a concepção da esperança cristã dentro da Teologia da

Esperança e o que se suscitou conseqüentemente em seu pensamento ganha mais

clarividência. Vejamos:

O primeiro problema que é apresentado na sua obra trata a questão da

escatologia. Ao refletir sobre a esperança cristã MOLTMANN se pergunta sobre 290 Cf. Ibid., p. 48-49. 291 Ibid. 292 MARSCH, W-D. Para introducir: A donde? Hacia más allá de las alternativas. In: MARSCH, W.-D.; MOLTMANN, J. Op. cit., p. 9. 293 Cf. JONG, J. M. Teologia de la esperanza. In: MARSCH, W-D.; MOLTMANN, J. Op. cit., p. 34.

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a essência do cristianismo. Para isso ele parte do pressuposto que o cristianismo é

escatologia do princípio ao fim. Para tal, ele precisa relacionar a escatologia com a

revelação. Isto será desenvolvido por ele inicialmente no capítulo I, tendo como

conseqüência o capítulo II que trata das promessas como fundamento desta

esperança. Seu segundo problema parte do fundamento cristológico da escatologia

cristã e é, sem dúvida, o ponto central da Teologia da Esperança, pois trata da

ressurreição de Cristo e de todos nós, de maneira explícita no capítulo III. Aqui

ele traz o Cristo ressuscitado como o crucificado e, para ele este é o tema central

de toda a fé cristã. O terceiro problema que será desenvolvido diz respeito à

relação entre Deus e a história, bem fundamentado no capítulo IV. Por fim,

servindo-se do capítulo V seu quarto problema, refere-se ao problema do futuro,

destacando as conseqüências da escatologia cristã na sociedade: somos um povo

em êxodo. Aqui se destacam aspectos pertinentes da modernidade e, no confronto

disso, no intuito de lançar a obra também para um futuro ele perguntará: qual o

papel da missio cristã, já que nossa esperança se sustenta numa promissio de

futuro?

A partir disso iremos aprofundar esses quatro momentos de sua teologia e

que são oferecidos nesta obra. Não iremos aqui abordar o todo, apenas aqueles

aspectos que para este momento se mostraram de maior relevância e podem

contribuir para o objetivo proposto por este trabalho que é: fundamentar e refletir

a esperança cristã na teologia de MOLTMANN. Será, portanto, um estudo

sistemático na tentativa de confrontar esta obra específica com aquilo que já

demonstramos sobre o autor e sobre a esperança cristã.

4.2.1. Escatologia: a essência do cristianismo Como já foi apresentada acima a essência do cristianismo para

MOLTMANN consiste em ver toda a tradição cristã, todo o conjunto de suas

verdades dogmáticas dentro de uma esfera escatológica. Para ele, a essência é

puramente escatologia, ou nesta nova perspectiva, podemos dizer que, sua

essência é puramente esperança. Porém, para fazer-se entender em seu caminho

ele remonta a questões levantadas desde o século XIX, sobretudo na teologia

protestante.

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Logo no primeiro capítulo que trata sobre escatologia e revelação

(Eschatologie und Offenbarung) ele procura trazer aspectos especiais das obras de

Johannes Weiss e Albert Schweitzer, perpassando por outros pilares da teologia

até chegar a Pannenberg, num contexto mais recente294. A ênfase que aqui é

proporcionada encontra-se na novidade trazida pela descoberta da dimensão

escatológica presente na mensagem cristã. Isso nem sempre gera uma fácil

compreensão, mas como vimos acima, apresenta-se em contradição, que esses

autores – Weiss e Schweitzer – chamarão de crise. Para eles, esta crise deveria

ser dominada e superada295. Mesmo aqui, a escatologia, sendo absorvida já em

partes, continua sendo colocada de modo separada da história e da realidade.

Weiss chega a afirmar que “O Reino de Deus na concepção de Jesus é uma

realidade simplesmente supramundana, que está em oposição total a este

mundo”296. Mas, este termo supramundano não necessariamente tem o mesmo

sentido de escatológico. Sob esse prisma Jesus aparece mais como um visionário

apocalíptico, como se nada tivesse a ver com este mundo. Em seus argumentos

Weiss quer eliminar esta questão de Reino de Deus. Isto, segundo ele, se torna um

limite escatológico e, como conseqüência, uma barreira histórica para a verdadeira

compreensão da teologia do NT297. O mesmo aconteceu com Schweitzer, ao

valorizar aspectos que ele achava estranho em Jesus e que eram trazidos por

imagens liberais produzidas no século XIX. De certa forma, ele mesmo confirma

que, quando isso é inserido na teologia não volta da mesma maneira como foi

depositado. Tal ênfase fez com que em sua teologia se perdesse totalmente o

caráter escatológico298.

Este quadro escatológico volta a ser modificado após a Primeira Guerra

Mundial (1914-1918) quando alguns expoentes da Teologia dialética e da

Teologia existencial inseriram a escatologia no centro de seus estudos teológicos.

Isto ocorre de maneira mais expressiva com Barth e Bultmann299. Barth chega a

294 O nosso interesse aqui não é aprofundar e nem apresentar sistematicamente aspectos das reflexões feitas por esses teólogos. Logo, não serão apresentadas maiores informações sobre eles. O intuito aqui é apenas percorrer com MOLTMANN o caminho que ele fez para chegar a sua fundamentação da esperança cristã. 295 Cf. MOLTMANN, J. Op. cit., p. 55-56. 296 WEISS, J. Die Predigt Jesu vom Reiche Gottes, 1892, p. 49s. Apud: MOLTMANN, op. cit., p. 56. 297 Cf. MOLTMANN, J. Op. cit., p. 56. 298 Cf. Ibid., p. 57. 299 Para maiores informações sobre a Teologia dialética e sobre a Teologia existencial, assim como Barth e Bultmann, indicamos a seguinte obra: GIBELLINI, R. A teologia do século XX, p. 13-56.

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dizer: “O cristianismo que não for inteira e totalmente escatologia, não tem nada a

ver com Cristo”300. Embora estes dois autores, que são contemporâneos, tivessem

divergências teológicas, isto não foi um problema para MOLTMANN, que se

serviu por alguns momentos de ambos. Alguns estudiosos chegam a dizer que,

para MOLTMANN os pontos cujos autores se uniam eram mais importantes do

que aqueles que os separavam301. Isto não significa que ele aderiu as suas idéias,

ao contrário, tentou superá-las e confrontá-las, do mesmo modo que procura

superar o pós-kantismo muito presente na teologia de seu tempo. Temos aqui um

primeiro esboço do que denominamos de escatologia transcendental, que também

encontra suas bases filosóficas no pensamento de Kant302.

O ponto em destaque que podemos subtrair deste confronto está na

revelação de Deus como evento escatológico. Aqui, a revelação divina assume a

forma de auto-revelação. Deus mesmo se revela como éschaton e assume o seu

futuro. O que Ele é na origem designa o seu fim303, dirá a Teologia liberal. Desse

modo, a escatologia, assegurando-se na revelação destinar-se-á a Ele. Mas,

mesmo assim, esta concepção transcendentalista da escatologia impediu que na

dogmática entrassem as dimensões escatológicas304. Ou era colocada como um

apêndice da teologia ou totalmente separada do mundo, como em Bultmann.

Porém, MOLTMANN não poderia esquivar-se delas, uma vez que a revelação

divina é essencial para a teologia. Mas, precisava de algo a mais: uma concepção

de revelação em que Deus se mostrasse como quem, de fato, Ele é; mas, que ao

300 BARTH, K. Comentário a carta aos Romanos, 1922. Apud: MOLTMANN, J. Op. cit., p. 58. 301 Cf. JONG, J. M. Op. cit, p. 39. 302 Vale mencionar as considerações feitas por Kant ao tratar sobre a esperança em sua Crítica da razão pura: “O que me é dado esperar?”. Conforme mencionamos antes no sub-capítulo 3.2 ao refletir sobre os fundamentos da esperança na teologia de MOLTMANN. 303 Sobre isso MOLTMANN escreve: “No quadro da escatologia transcendental, a questão do futuro e da finalidade da revelação é respondida com a seguinte reflexão: o ‘para onde’ é o mesmo que o ‘de onde’; o fim da revelação é idêntico a sua origem. Se Deus não revela outra coisa senão a ‘si mesmo’, então a finalidade e o futuro da revelação se identificam com ele. Se a revelação acontece no ser humano mesmo, sua finalidade consiste em que o ser humano chegue à sua especificidade e originalidade, isto é, volte a si mesmo. Com isso, revelação e éschaton coincidem sempre naquele ponto designado como o ‘ele mesmo (selbst)’ de Deus ou do ser humano. Nesse caso a revelação não abre nem promete qualquer futuro novo, nem mesmo tem um futuro, que seria algo mais do que ela mesma. A revelação de Deus é, portanto, a vinda do eterno para o ser humano, ou a entrada do ser humano em si mesmo. Por meio dessa reflexão sobre ‘ele mesmo’ transcendente, a escatologia se torna transcendental. Como conseqüência, a ‘revelação’ se torna ‘apocalipse’ da subjetividade transcendente de Deus ou do ser humano”. MOLTMANN, J. Op. cit., p. 66. Grifos do autor. Este termo selbst, que será utilizado frequentemente por esses autores e que MOLTMANN também utiliza em alguma parte de sua obra tem a sua origem no filósofo W. Herrmann – de herança kantiana –, de quem Bultmann tem a sua origem filosófica. 304 Cf. Ibid., p. 59.

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mesmo tempo, suscitasse uma esperança no futuro, como um despertar para o

Novo. Eis a questão: como conceber a revelação que acontece na história numa

dimensão escatológica?

4.2.1.1. Escatologia e revelação

Precisava-se, pois, encontrar um outro caminho, alguma coisa que fizesse

superar apenas uma concepção histórico-salvífica da revelação e, que viesse

também, a dialogar concretamente com o mundo moderno. Surge a questão:

Como que a realidade da revelação se torna historicamente experenciável?

Compreender isso refletindo a partir do momento exato que se deu tal revelação

pode ser uma pista para a noção que almejamos hoje, pois se trata de uma

experiência que mudou o rumo da história, ou seja, trouxe novidade.

Essa novidade ao ser encontrada trará outro grande questionamento, mais

pertinente: O que faz a mensagem escatológica do cristianismo perdurar por tanto

tempo, tanto para a teologia quanto para a existência da Igreja, sem que com isso

se perca a sua singularidade? A busca por esta resposta provoca a teologia a

mergulhar no universo que se deu tal mensagem e, procurar assim, entender o

kerygma presente nesta revelação. O que MOLTMANN percebe neste momento é

que a linguagem própria da escatologia cristã não é o logos grego, mas a

promessa305. E para ele é aqui que se encontra toda a diferença. Isso responde o

fato de se buscar uma nova visão da escatologia que estivesse biblicamente

fundamentada, como vimos anteriormente e que acentuava a discussão no período

da publicação desta obra.

Não bastava apenas acreditar que Deus revela aquilo que Ele é, mas de que

modo Ele se revela e como esta revelação atinge o ser humano na sua totalidade?

E mais: Ao atingir o ser humano no íntimo de seu ser, isso provoca uma mudança

em Deus? Se considerarmos Deus no âmbito da filosofia grega, como nos diz

MOLTMANN, tal suposição seria impossível e até uma aberração, mas o Deus

que aqui falamos, o Deus das promessas e o Deus de Jesus Cristo, apresenta-se

sempre com um futuro novo. Com efeito, de alguma forma esse evento atinge-O

305 Cf. Ibid., p. 59-60.

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também. Assim sendo, Deus se revela como Ele de fato é, todavia, esta revelação

atinge obrigatoriamente o seu futuro. Vemos aqui já um distanciamento da

teologia de MOLTMANN com as teologias de Barth e Bultmann.

Para encontrar estas respostas tornaram-se necessário situar as discussões

no horizonte das promessas. Obrigatoriamente, por causa disso, voltamos à

compreensão da história de Israel. Ali Deus revelou-se a si mesmo (selbst), como

assegurava Barth, mas não só isso. É observado que, a partir desta perspectiva,

Israel não encontrou a sua verdade no logos, como algo fechado, mas na promessa

de Deus, de maneira aberta, como fundamento da esperança306. Para isso,

MOLTMANN se assegura dizendo: “Para chegar a uma verdadeira compreensão

da mensagem escatológica é, portanto, necessário chegar à compreensão e à

elaboração daquilo que se entende por ‘promessa” no Antigo e no Novo

Testamento”307. E mais: “Dessa forma, a escatologia cristã, usando a linguagem

da promessa, se constituirá como chave capital para a libertação da verdade

cristã”308.

A partir deste momento MOLTMANN encontra a chave para a sua

teologia e para a fundamentação do que ele constitui como esperança. Ele utiliza

sim da compreensão que se tinha na teologia, com Barth, Bultmann e outros sobre

a revelação de Deus: “Quando Deus se revela a ‘si mesmo’ significa que ele se

revela ‘como Deus e Senhor’”309. Este é, portanto, um ponto de início, mas não

representa o todo, porque a novidade está no futuro que se abre através das

promessas que foram anunciadas nesta revelação. Uma compreensão da nossa

parte sobre à auto-revelação de Deus de maneira fechada pode cair num erro

considerável de subtendermos todo o mistério eterno presente na revelação de

Deus como algo já pronto. Essa foi a crítica que fizeram G. Gloege e W.

Pannenberg, na qual se suspeitava, se assim fosse, mais numa compreensão

gnóstica desta revelação. Não podemos ter um discurso que venha abranger todo o

mistério, conforme já dizia Lutero: “é um erro completo e pura vaidade”310.

306 Cf. Ibid. 307 Ibid., p. 60. 308 Ibid. 309 Ibid., p. 79. Grifos do autor. 310 LUTERO. M. WA 40, II, 327s. Apud: MOLTMANN, J. Op. cit., p. 88.

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Mais tarde o próprio Barth revisa a sua escatologia transcendental, ao fazer

uma nova leitura de Rm 13,12311, referindo-se ao conceito de éschaton312. O

mesmo não acontece com Bultmann que ainda persiste numa separação entre o

humano e o divino. De fato, Bultmann contribuiu em muito para a novidade desta

teologia ao procurar retratar a existência histórica do homem de Nazaré, mas

mesmo assim, seu esquema é acusado de não ter esperança313. Por outro lado,

Pannenberg procura fazer uma leitura da história de Jesus de Nazaré a partir de

sua ressurreição, neste caso, a escatologia é o ponto de partida314.

Voltando a discussão anterior sobre a teologia transcendental, Bultmann

também acusa o modelo de revelação que trazia a Teologia liberal, ao comunicar

que ela esqueceu-se de falar de Deus como seu objeto, falou apenas do ser

humano. Para ele, a teologia fala de Deus ao ser humano, que o conhece apenas

do ponto de vista da fé. Bultmann utilizará à mesma expressão selbst (a si

mesmo), para dizer que é estreita a relação que existe entre Deus e o ser humano.

O ser humano, por ser criado, está destinado a ser apenas ele mesmo. Assim,

quando ele-a procura compreender a revelação de Deus, no fundo busca uma

resposta existencial para compreender, de fato, a si mesmo-a (selbst)315. “Por isso,

o ser humano só se conquista a si mesmo em Deus, e só quando se torna dono de

si mesmo conquista a Deus”316.

Sobre esta mudança no pensamento de Barth que mencionamos acima e, a

novidade que aí se encontra em visualizar a revelação de Deus como evento

escatológico, MOLTMANN nos explica:

311 “A noite avançou e o dia se aproxima. Portanto, deixemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz”. 312 Cf. MOLTMANN, J. Op. cit., p. 79-81. 313 Cf. JONG, J. M. Op. cit., p. 33. Segundo J. Ratzinger, a escatologia formal por parte de Bultmann havia fascinado, porque unia mutuamente uma piedade radical com uma entrega do mundo à razão profana. Mas, ao mesmo tempo, privou a fé de todo conteúdo, prescindindo da questão do sentido para o mundo e para a história. Cf. RATZINGER, J. Escatología: La muerte e la vida eterna, p. 64. 314 J. M. Jong chega a dizer que Pannenberg chega a fazer uma autêntica teologia da história. Cf. JONG, J. M. Op. cit., p. 33. Ver também: PANNENBERG. W. Fundamentos de cristologia. Op. cit. Cf. tb. ACCORDINI, G. Op. cit., p. 22-30. 315 Cf. MOLTMANN, J. Op. cit., p. 82-84. 316 Ibid., p. 85. No fundo nos deparamos com a antiga dualidade que perpassa por toda a existência humana em busca do sentido do ser. Ao falarmos de Deus e do ser humano estamos diante de um mistério insondável e infinito, como atesta a doutrina agostiniana. Agostinho dirá: “é no interior do ser humano que habita a verdade (in interiore homine habitat veritas)”. Para MOLTMANN, também se encontra uma resposta na doutrina calvinista: “sem conhecimento de Deus, nada de conhecimento próprio; sem conhecimento próprio, nada de conhecimento de Deus”. Cf. Ibid., p. 88.

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Se assim fosse, o evento da ressurreição de Cristo já seria em si mesmo o cumprimento escatológico, e não apontaria para além de si, para algo ausente, o objeto de esperança e de espera. A compreensão da revelação de Cristo como auto-revelação de Deus responde, por meio de uma reflexão sobre a origem da revelação e sobre Deus mesmo, à pergunta sobre o futuro e o fim apresentados pela revelação. Ora, com tal reflexão torna-se quase impossível falar de um futuro de Jesus Cristo em perspectiva, sobre a base da revelação do ressuscitado. Se não se quer que a idéia da auto-revelação de Deus se transforme em outra expressão para designar o Deus de Parmênides, ela deve estar aberta às promessas contidas na terceira parte do Credo. Não no sentido de que a salvação futura, prometida na revelação de Cristo, seja simples apêndice ou a revelação intelectual da reconciliação em Cristo, mas no sentido de que ela promete uma verdadeira meta, demonstra uma verdadeira tendência, um futuro realmente vindouro, que ainda não foi alcançado nem realizado. Assim, a palavra de Deus – Deus dixit – não se transforma em mera autodemonstração da eterna presença, mas, como promessa, manifestará e garantirá um futuro ainda ausente. Portanto, por intermédio dessa revelação em promessa, manifestar-se-á uma nova abertura da história para frente317. Deste modo, essa mudança que ocorreu no pensamento de Barth era

fundamental para tal mudança de postura na teologia. MOLTMANN enxerga isso

claramente: o Deus cristão é um Deus que se revela verdadeiramente como meta

de futuro e, esse futuro, confirma-se pelo evento do ressuscitado. A palavra de

Deus – Deus dixit – não é apenas uma autodemonstração da presença eterna de

Deus, mas ela é a antecipação da promessa que irá se manifestar num futuro ainda

ausente.

Confirma-se então que na revelação é Deus que revela a si mesmo (selbst),

mas não só isso: a novidade trazida por essa concepção se fundamenta agora nas

promessas de Deus. Nelas Deus mostra ser Deus e confirma sua fidelidade.

Também na revelação o ser humano encontra-se consigo mesmo, tem também o

seu selbst e descobre quem é e o que será. O futuro humano encontra esperança no

futuro de Cristo que se demonstra aberto. É um evento escatológico cujo futuro

ainda permanece no mistério, que a fé cristã permanece por esperar.

O ser humano, alcançado pela revelação de Deus na promessa, é, ao mesmo tempo, identificado (como aquilo que ele é) e diferenciado (como aquilo que ele há de ser); ele “entra em si mesmo”, mas em esperança, pois ainda não foi tirado do meio da contradição e da morte. Ele possui a vida, mas escondida no futuro de Cristo, prometido e ainda não manifestado. Dessa forma, o crente se torna basicamente “alguém que espera”. Ele é ainda futuro para “si mesmo” e está

317 Ibid., p. 81-82.

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prometido a si mesmo. Seu futuro depende inteiramente do resultado do futuro do ressuscitado, pois colocou seu futuro no futuro de Cristo318. Assim, verificamos até aqui que a essência do cristianismo retrata uma

íntima ligação entre escatologia e revelação e que, como queremos também

demonstrar, sua novidade está na descoberta das promessas que elas contêm.

4.2.1.2. As promessas

Promessas (verheissung). Este é um ponto importantíssimo para se

compreender os fundamentos que MOLTMANN utiliza em sua teologia. Como

vimos, ele faz uma nova leitura das promessas do AT, projetando-as ao evento da

ressurreição de Cristo e para o futuro que ela traz. Essa fundamentação o nosso

autor herda do judaísmo antigo, que começa a sua história em Canaã e, a partir de

então, sustentado por uma promessa, vive em migração até a terra prometida. Para

eles-as, o seu futuro também seria o futuro de Deus.

Para fazer isso, MOLTMANN não se preocupa excessivamente com a

exegese do AT e tão pouco com o fenômeno religioso que se fazia perceber. Ele

procura algo mais concreto na história daquele povo, que mesmo migrando de

terras em terras e se vendo cercado por outras culturas, mantinha uma fidelidade

naquilo que foi outrora prometido. Esta situação se transformava numa espera

vigilante, conforme já foi detalhado em capítulo antecedente319.

A relação de convivência com outros povos e tribos não fez com que

renunciassem ao seu Deus promitente para se apegarem a deuses epifânicos que

eram cultuados nestas regiões. Diferente de outros povos e tribos, o que os fez

guardar essa verdade revelada era a maneira como esse Deus se manifestava e

mostrava o seu poder. Num conceito comum de revelação, diz-se que, a divindade

se mostra. Quando isso acontecia, de um modo geral, o lugar em que tal

manifestação ocorria teria a partir de então um sentido cultico reverencial (cf. Ex

3.2: sarça ardente)320. Esse mesmo ato de mostrar-se, aparecer e revelar era

usado por esses outros povos, mas num sentido epifânico voltado apenas em si

318 Ibid., p. 123. 319 Cf. Ibid., p. 130-138. Ver também sub-capítulos: 2.2.1.2 e 2.2.1.3 320 Cf. Ibid., p. 132.

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mesmo, sem uma transcendência321. Já no processo do povo hebreu esse mostrar-

se era envolvido por algo diferente.

Quando Javé “aparece”, claramente não se trata, em primeira linha, de cultuar o lugar e o tempo de sua aparição. O sentido das aparições a determinados seres humanos em determinadas situações está na promessa. Ora, a promessa aponta para além das aparições, em direção ao futuro anunciado e ainda não real. Por conseguinte, o sentido da aparição não está nela mesma, mas na promessa que nela se torna perceptível, e no futuro para o qual ela aponta322. O principal ponto que extraímos desta passagem é quando diz que, a

promessa aponta para além das aparições de Javé, ou seja, apontam para além de

si mesmas. Isso nos remete obrigatoriamente ao futuro. Aqui se fundamenta

aquela inquietude que já retratamos anteriormente, que não admite a reconciliação

com um presente ainda não cumprido. MOLTMANN confirma dizendo que, a

promessa é “como história em andamento, que deixa as coisas para trás e irrompe

rumo às coisas novas, rumo a horizontes ainda não vistos”323. É certo que esse

lançar-se para frente e deixar o passado para trás não resulta de uma anulação do

que já foi, mas o coloca como alicerce, como prova do que ainda virá.

Sobre os conteúdos presentes na palavra promessa o autor nos assegura

alguns pontos324:

- Uma promessa é a palavra dada que anuncia uma realidade ainda não

existente. Assim, abre ao ser humano à história futura, onde se deve

esperar o cumprimento dessa promessa.

- Essa promessa liga o ser humano ao futuro e lhe abre o sentido da

história, o liga em sua própria história.

- A história que é determinada e orientada pela promessa não consiste em

retornar para as mesmas coisas, mas apresenta uma tendência ao

cumprimento de um futuro prometido, mesmo ainda ausente.

321 Cf. Ibid., p. 134. 322 Ibid., p. p. 135. 323 Ibid., p. 138. 324 Todas essas colocações a seguir se encontram em: Cf. Ibid., p. 138-142.

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- Se uma palavra ainda é promessa é porque não encontrou ainda

correspondência com a realidade, está em contradição. O futuro, que ela se

destina, compreende-se aquela realidade onde a palavra da promessa

encontra e recebe a sua correspondência. Ela propicia então uma nova

realidade.

- A palavra promessa sempre cria um termo intermediário, carregado de

tensão e contradição, que vai do evento até a realização da promessa. Por

isso não se confunde esperança com conformismo.

- Por ser promessa divina não pode estar separada do Deus que prometeu,

mas espera a realização da mesma, garantida pela fidelidade de Deus. Isso

não resulta em obrigações fixas, ao contrário por se tratar de um futuro

podem surgir novidades. Por serem promessas divinas, Deus é o autor de

seu cumprimento, não cabendo ao ser humano conquistá-la. Em outras

palavras, ela é fruto da graça e não mérito.

- As promessas veterotestamentárias de Israel não são liquidadas nem por

frustrações e nem por realizações, ao invés disso recebem explicações

novas que amplificam o seu horizonte. O ainda não da esperança supera

todo e qualquer já de cumprimento.

Em virtude disso, a escatologia ganha um sentido mais amplo e a

esperança dá-lhe plena sustentação. MOLTMANN confirma: “As promessas de

Deus abrem os horizontes da história”325. E esses horizontes não possuem limites.

Os horizontes que se apresentavam diante do povo de Israel eram móveis pelas

promessas. Desse modo, cada instante da história era reverenciado como uma

experiência nova, capaz de abranger as lembranças e as esperanças.

Os acontecimentos recordados como “históricos” não têm, portanto, sua verdade última em si, mas a recebem somente da meta da promessa, feita por Deus, e que só dele deve ser esperada. Acontecimentos conhecidos assim como “históricos” têm a característica de ser prenúncios do futuro prometido. Em face da promessa que sempre os excede, eles têm caráter provisório. Encontra-se neles o elemento

325 Ibid., p. 143.

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da pro-visio, isto é, anunciam e prenunciam algo que neles está, mas ainda não se realizou plenamente326. Isto pode algumas vezes aparecer na história de Israel como um

continuum, melhor dizendo, elas não se consomem nos fatos acontecidos, mas

abrem-se a algo ainda maior. Tal situação faz com que as promessas não se

engessem dentro da história e, como conseqüência, mantenham-se firmes e fiéis.

MOLTMANN dirá que tal fato só se torna possível dentro do tradendum, como

processo de tradição e de transmissão, que recorda a história, a ponto de se

fazerem novas experiências327.

Mas, mesmo nas promessas não se pode perder o caráter escatológico da

revelação. Eis que surge à questão: “De que forma Deus se torna conhecido,

quando suas revelações são essencialmente promessas que abrem novos

horizontes históricos e escatológicos no futuro?”328. Será que a revelação de Deus,

a aliança, a eleição de Israel, a promessa e a missão pertencem a essencialmente

ao evento da revelação?329

Para responder a estas questões MOLTMANN chega a três resultados

específicos:

1. Deus se revela como Deus. Ele mostra ser o mesmo e é reconhecido

como o mesmo. Ele se torna identificável quando se identifica no ato

histórico de sua fidelidade. Logo, a esperança humana suscitada pelo

reconhecimento de Deus é uma ação de resposta330.

2. A história esperada por meio da promessa e da aliança revela a

fidelidade de Deus, enquanto Ele mesmo mantém a fidelidade consigo.

Deus não se revela no início e nem no fim da história, mas em meio a

326 Ibid., p. 145. Grifos do autor. 327 Cf. Ibid., p. 150. 328 Ibid. 329 Cf. Ibid. 330 Cf. Ibid., p. 155. “Deus se revela em seu nome, manifesta o mistério de sua personalidade à medida que manifesta o mistério de sua fidelidade. O nome de Deus é uma promessa, que promete sua presença no caminho da promessa e da vocação. O nome de Deus e as promessas no nome de Deus não são, portanto, simples fórmulas de auto-apresentação, mas comunicam algo ‘além de Deus’, pois nelas Ele se compromete em favor deles para o futuro. Elas nos comunicam o que ele será, anunciam que ele será encontrado e onde será encontrado, sê-lo-á no caminho que a promessa aponta para o futuro”. Ibid., p. 156.

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ela, enquanto ela acontece, de maneira aberta e orientada para o

processo das promessas331.

3. A correspondência entre a promessa e a realização consiste na

fidedignidade e na fidelidade daquele que a faz. Assim, a compreensão

integral da esperança abrange a verdade pessoal e a verdade histórica

concreta. A certeza disso provém do Deus da promessa. Essa

fidelidade antecipa o seu cumprimento através de utopias do presente,

mas sem ferir a liberdade e o futuro do Deus promitente332.

Desta maneira acreditamos ter demonstrado o caráter escatológico que

subjaz nas promessas do AT e que se tornam importantes para a escatologia de

MOLTMANN. Elas suscitam esperança porque vivem dela e isto é o que quer

dizer a Teologia da Esperança, quando passa a interpretar, no evento da

ressurreição de Cristo no NT, o cumprimento dessas promessas. Isso ficará mais

evidente ao tratarmos a seguir do problema da ressurreição.

4.2.2. A ressurreição A ressurreição (auferstehung) é o ponto central da Teologia da Esperança,

que poderia muito bem se chamar de Teologia da Ressurreição, como atesta, por

exemplo, W-D. Marsch, uma vez que toda a nova compreensão da escatologia se

dirige a ela e a partir dela333. A novidade que aqui encontramos é o fato de que as

promessas, antes vistas apenas no horizonte do AT, agora se apresentam num

caráter especial também no NT. O ponto central é demonstrado pelo cumprimento

destas em Cristo com a questão da sua ressurreição. O autor procura enquadrá-la

primeiramente Nele e depois, por conseqüência, a todos nós. Na teologia de

MOLTMANN a ressurreição já realizada em Cristo ainda subsiste para nós em

promessas num ainda não, arremessando toda a esperança humana para o futuro

de Cristo. Sem dúvida, é uma novidade que a escatologia traz para a teologia,

331 Cf. Ibid., p. 157-158. 332 Cf. Ibid., p. 158-160. 333 Cf. MARSCH, W-D. Op. cit., p. 13-14.

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como diz B. Mondin: “Enquanto a teologia tradicional colocava a manifestação da

sua divindade, antes de mais, no passado (no primeiro advento de Cristo); a

teologia da esperança desvia-se para o futuro (no segundo advento de Cristo)”334.

Para chegar a tal compreensão escatológica MOLTMANN utiliza-se de

elementos característicos das promessas do AT e que são agora absorvidos num

caráter novo por Cristo. Este é o Evangelho da Boa Nova, o Evangélion, que

conterá neste mistério toda a tendência da revelação escatológica. Ou seja, o que

ocorre com Cristo, que aparece de forma nova e ainda aponta para um futuro

(zukunft), remonta à história prometida por Deus, na qual Ele agora se revela nela

e a constitui. Mas, para fundamentar esta argumentação, MOLTMANN, de início,

esbarra em conceitos cristológicos muito bem postos na teologia.

Assim sendo, esta cristologia por ele questionada pode ser abordada de

duas maneiras diferentes: A primeira abordagem será aquela originária da

compreensão da formula grega da dogmática cristã, que compreende o mistério de

Jesus por meio da idéia geral de Deus da metafísica grega: o único Deus, a quem

todos buscam, a idéia suprema, a verdade, o eterno, a origem de todas as coisas,

apareceu em Jesus de Nazaré. O mistério de Jesus consiste na encarnação do Deus

único, eterno e imutável. As características atribuídas a Deus passaram a integrar

a pessoa de Jesus, o que deixa impossível exprimir nessa compreensão uma

dimensão escatológica, principalmente pelo evento da cruz e da ressurreição.

Numa segunda abordagem, já em tempos modernos, buscou-se acesso ao mistério

de Jesus partindo da sua existência humana. Pela sua palavra e pela sua ação foi

trazida uma mudança radical, é algo que veio ao mundo com Ele. Ao invés de

uma busca de uma idéia universal de Deus, pressupõe-se um conceito universal de

ser humano, revelado e vivido por Jesus de Nazaré335.

A crítica que MOLTMANN faz a estas duas abordagens é que elas não

atingem o ponto escatológico, o kairós, pois estes dois modos expostos acima,

partem do universal para depois encontrar-se no concreto e na história. Desta

maneira, esses dois procedimentos não passam ao lado do AT e não o encontram

necessariamente. Para MOLTMANN, a via correta para chegar ao mistério de

Cristo deve passar antes por uma via histórica (histórico-indutiva), a qual

334 MONDIN, B. As teologias de nosso tempo, p. 87. 335 Cf. MOLTMANN, J. Op. cit., p. 182-183.

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necessariamente parte do AT336. Aqui ela encontra o seu kairós. Estamos aqui

diante de um princípio metodológico-chave da Teologia da Esperança e da

Teologia de MOLTMANN em geral337.

Por isso, para compreender todo o mistério salvífico constituído na

cristologia, a qual para ele obrigatoriamente aponta para um horizonte

escatológico, ele parte das seguintes constatações: 1) Foi Javé, o Deus de Abraão,

Isaak e Jacó, o Deus da promessa, que ressuscitou Jesus dos mortos. O Deus que

se revela em Jesus resulta daquilo que se difere ou se identifica com o Deus do

AT. 2) Jesus era um judeu. Jesus e o ser humano que nele se revelou era alguém

em confronto com a Lei e a promessa do AT338. Ao contrário do que antes era

visto na cristologia com uma passagem do universal para o particular, há aqui uma

passagem do particular para o universal e do histórico para o escatológico-

universal339. Assim ele resume, a modo de resgatar para a cristologia a dimensão

de promessas contidas já no AT:

A primeira afirmação significa que o Deus que se revela em Jesus deve ser pensado como o Deus do Antigo Testamento; isto é, como o Deus do êxodo e da promessa, o Deus que tem o “futuro como propriedade do ser”, o qual, portanto, mesmo em suas qualidades, não pode ser identificado com a idéia grega de Deus, nem com a “eterna presença” do ser de Parmênides, nem com a idéia suprema de Platão, nem com o motor imóvel de Aristóteles. O que quer que seja, não é o mundo como um todo que o indica, mas a história da promessa em Israel. Suas propriedades não podem ser expressas pela negação da esfera do que é terreno, humano, mortal e transitório, mas tão somente por meio da memória e da narração da história de sua promessa. Em Jesus Cristo, o Deus de Israel revelou-se como o Deus de todos os seres humanos. O caminho vai assim do concretum para o concretum universale, e não vice-versa. É nessa linha que a teologia cristã tem de refletir. Em Jesus, não se tornou concreta uma verdade universal, mas o evento concreto, único, histórico, da crucifixão e ressurreição de Jesus por Javé, o Deus da promessa, que do nada cria o ser, torna-se universal por meio do horizonte universal e escatológico que anuncia340.

Assim, para o nosso autor, quando Deus se revela em Jesus Cristo como o

Deus da promessa do AT, ao mesmo tempo, Ele se revela para nós como o Deus

de todos os seres humanos que esperam e vivem dessas promessas. Entendemos

aí, também que, o nosso Deus é um Deus que existe na eternidade e, em Cristo,

336 Cf. Ibid., p. 183. 337 Cf. GIBELLINI, R. Op. cit., p. 97. 338 Cf. MOLTMANN, J. Op. cit., p. 183-184. 339 Cf. Ibid., p. 184. 340 Ibid. Grifos do autor.

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despojou-se (cf. Fl 2,6-11)341, mas o fato é: a revelação pela qual Ele se deu a

conhecer foi algo presente na história e, que, por isso constitui a história como

algo que se projeta para o futuro. O eterno permeia a história e a transforma, mas

a sua projeção, a sua esperança é eficaz no concretum, pois ali ela é sustentada

pela força das promessas. E, MOLTMANN é bem claro ao frisar que “é nessa

linha que a teologia cristã tem de refletir”. Portanto, a cristologia presente na

Teologia da Esperança é totalmente orientada para o futuro, é totalmente

escatologia, é totalmente esperança342.

Isto fica claro ao entendermos que, é somente numa compreensão de Jesus

Cristo como um ser humano concreto, que também viveu a sua esperança na

história, é que o ser humano atual pode encontrar na fé a sua esperança. Somente

no evento Cristo – ressuscitado-crucificado – é que se compreende o sentido da

vida humana, que se compreende o verdadeiro ser humano e a verdadeira

humanidade343. Conseqüentemente, a compreensão de humanitas (humanidade)

presente na verdade cristã não é a mesma de outras antropologias fundamentadas

no logos e na linguagem. Dentro do mistério de Cristo, a humanitas possui um

conteúdo escatológico, pois se orienta para uma justificação e para uma vocação,

capazes de responder ao ser humano o sentido do próprio ser humano344.

Para isso, MOLTMANN procura responder suas questões apoiando-se nas

promessas do AT, realizadas em Cristo no NT, como uma chave de leitura para a

sua teologia. Na ressurreição de Cristo essas promessas não se encerram, mas se

abrem para um novo futuro, algo que ainda deve ser esperado. Ele procurará nesta

parte de sua obra trazer uma rica fundamentação da revelação divina contida

nessas promessas, passando desde Abraão, fundamentando nos textos paulinos,

reafirmando Cristo como o Éschaton para o qual se dirige toda a história humana

e toda a criação. Isso o conduz a um ponto importante: as promessas podem

apresentar uma situação de continuidade e uma situação de descontinuidade.

341 Cf. sub-capítulo 2.2.3.3: A esperança em Filipenses. Vemos aqui a importância de termos refletido sobre a kénosis de Jesus, trabalhada por Paulo e pela Igreja primitiva. Esta kénosis não anula o caráter de envio do Filho de junto do Pai, mas também, aponta para um horizonte visto a partir do humano que, despojado espera em Deus a sua glória futura. 342 Cf. MONDIN, B. Op. cit., p. 88. 343 Cf. MOLTMANN, J. Op. cit., p. 185. 344 Cf. Ibid.

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Como continuidade compreende-se o evangelho como cumprimento da

história anterior345. “A fé cristã se fundamenta na história, está em meio à história

e confia na história”346. Na descontinuidade a história é retirada do horizonte

iluminado pela promessa para que seja levada ao horizonte da lei. Dessa forma, fé

e história não se pertencem347. Para MOLTMANN não se trata de uma questão de

continuidade ou descontinuidade, uma vez que o NT não interpreta a história

passada e nem se emancipa dela, mas engloba as promessas passadas no horizonte

escatológico descrito pelo Evangelho, abrindo-as a algo novo. De Abraão a Jesus

Cristo desenvolve-se não apenas uma história de salvação, mas uma história de

promessas348. MOLTMANN dirá: “A promessa encontra no evangelho seu futuro

escatológico, enquanto que a lei encontra seu fim. O ‘novo’ do evangelho não é,

portanto, inteiramente novo”349. E mais: “As promessas passadas são assumidas

no próprio futuro escatológico aberto pelo evangelho, que as amplia”350.

Em sua reflexão teológica MOLTMANN fundamenta a escatologia tanto

nas promessas quanto na revelação. Isto o leva de modo imediato a uma

compreensão de mistério sobre o cumprimento das promessas e, por

conseqüência, a uma definição das arras escatológicas do Espírito. Ou seja, se ele

trata aqui da ressurreição e, primeiramente da ressurreição de Cristo como

primícias, fala-se também, obrigatoriamente, de uma ação do Espírito. Outro

ponto, por ele levantado, é o fato de que o-a crente, ou o-a cristão-ã vive em

constante contradição entre o futuro prometido e o presente ainda não realizado e

é, justamente esta, a contradição da cruz, conforme já elucidamos antes.

Tal questionamento nos leva por fim, ao ponto decisivo desta problemática

levantada por ele na Teologia da Esperança, que é a questão da ressurreição de

Cristo como realidade histórica. Ele ainda diz: “O cristianismo fica de pé ou cai

com a realidade da ressurreição de Jesus dentre os mortos por obra de Deus”351.

Ele dirá e, todos nós podemos afirmar com ele que, no NT não existe fé que não

se baseie na ressurreição de Cristo. Caso não seja fé na ressurreição não é, de fato,

fé cristã. Na teologia de MOLTMANN o conceito de ressurreição não se encerra

345 Cf. Ibid., p. 192. 346 Ibid., p. 193. 347 Cf. Ibid., p. 194. 348 Cf. GIBELLINI, R. Op. cit., p. 98-99. 349 MOLTMANN, J. Op. cit., p. 196. 350 Ibid., p. 199. 351 Ibid., p. 212.

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por aqui, como algo apenas já realizado e consumado. Trata-se de algo maior: é

um evento capaz de gerar a missão (missio) dos apóstolos e, por assim dizer,

missio de toda a Igreja. Surgem com isso as questões do ponto de vista da

ressurreição de Cristo na história: O que posso saber? O que devo fazer? O que

posso esperar?352

MOLTMANN escreve que, somente no inter-relacionamento dessas três

questões é que se manifesta toda a realidade da ressurreição. Para se perguntar se

Ele de fato ressuscitou? Devemos perguntar também de que modo essa realidade

da ressurreição deve ser compreendida? E também: É uma realidade

historicamente acessível? De que forma isso atinge o ser humano na sua

existência? Dito isso, partiremos, então, da compreensão histórica do evento da

ressurreição353.

Para se chegar a isso, o nosso ponto de partida é sempre o objeto narrado e

anunciado pelas testemunhas pascais. Estes eventos nos obrigam a perguntar

sobre a realidade do evento que falam e, mais ainda, o que está por trás do

kerygma que envolve esses relatos354. Pois, “a questão histórica sobre a realidade

da ressurreição de Jesus não é apresentada nos textos bíblicos unicamente como

os realia históricos, mas dentro de um horizonte de experiência e sentido de

história...”355. São nessas experiências que os acontecimentos narrados recebem

uma luz diferente. Deste modo, a questão a cerca da historicidade da ressurreição

de Jesus questiona também aquele que estava envolvido neste relato, porque a

história dessa ressurreição está envolvida diretamente na sua história particular.

Não há como separar o fato (ressurreição) de quem presenciou o fato

(testemunha). Por isso MOLTMANN resolve partir do kerygma como pressuposto

fundante desta experiência. Para ele, “a ressurreição de Cristo não significa uma

possibilidade do mundo e de sua história, mas uma nova possibilidade de mundo,

de existência e de história em sua totalidade”356. Isto só pode ser inaugurado por

uma experiência nova, na qual a ressurreição pode tornar-se inteligível como nova

creatio.

352 Cf. Ibid., p. 212-213. 353 Cf. Ibid., p. 213. 354 Cf. Ibid., p. 221-222. 355 Ibid., p. 224. 356 Ibid., p. 230. Grifos nossos.

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A ressurreição se torna um marco incomparável dentro da existência cristã,

capaz de romper de uma vez por todas todos os limites da vida humana. Portanto,

a ressurreição de Jesus não é histórica apenas porque aconteceu na história, mas

porque ela abre o futuro escatológico357. “Nesse caso, a ressurreição de Cristo não

deve ser chamada de “histórica” pelo fato de que se deu dentro da história e é

representada por muitos tipos diferentes de categorias históricas, mas é história

por que constitui história”358.

Dito isso a respeito da ressurreição de Cristo, MOLTMANN não encerra

aqui a questão, mais que isso, ele a tem como uma abertura para algo sempre

novo. Este evento atinge igualmente a toda a humanidade. “A ressurreição de

Cristo é promissio inquieta até que encontre sua quietas na ressurreição dos

mortos e na plenitude do novo ser”359. Na ressurreição de Cristo o ser humano

consegue ver aquilo que estava absconditum sub cruce (oculto sob a cruz). Este

evento prolonga a promissio para um horizonte ainda maior, resultante da missio

de Jesus, que agora é missio de toda a Igreja. Neste evento se torna latente a

promessa da justiça de Deus, a promessa da vida a partir da ressurreição dentre os

mortos e a promessa do Reino de Deus em uma nova totalidade do ser. Em Cristo,

“a promissio do reino fundamenta a missio do amor no mundo”360.

A esperança cristã espera do futuro de Cristo não só a manifestação e o descobrimento, mas também o cumprimento final e perfeito. Aquilo que através da cruz e da ressurreição de Cristo foi prometido para os seus e para o mundo deve ser finalmente cumprido. O que traz, portanto, o futuro de Cristo? Não simples repetição nem simples manifestação de sua história, mas alguma coisa que até agora não aconteceu com Cristo. A esperança cristã não se orienta para outro a não ser para o Cristo já vindo, mas dele ela espera algo de novo, algo que até agora não aconteceu; espera o cumprimento e a realização da justiça de Deus prometida em todas as coisas; espera o cumprimento e a realização da ressurreição dos mortos, prometida em sua própria ressurreição; espera o cumprimento e a realização do senhorio do crucificado sobre tudo e que foi prometido em sua exaltação. [...] Portanto, é necessário esperar do futuro algo de novo. Entretanto, se este futuro é esperado como “o futuro de Jesus Cristo”, ele não é esperado de alguém novo ou diferente. Aquilo que o futuro traz se tornou, por meio do evento crístico da ressurreição do crucificado, “de uma vez para sempre” possível de ser esperado com confiança. A fé em Jesus como o Cristo não é o fim da esperança, mas é a certeza da esperança (Hb 11,1). A fé em Cristo é o prius, mas nessa fé a esperança detém a primazia361.

357 Cf. Ibid., p. 231. 358 Ibid. Grifos do autor. 359 Ibid., p. 250. Grifos do autor. 360 Ibid., p. 282. Grifos do autor. 361 Ibid., p. 287-288. Grifos do autor.

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4.2.3. Deus e a história Este também é um tema-chave para a sua teologia e, consequentemente,

para o seu conceito de esperança cristã. A relação entre Deus e a história é um

elemento que nosso autor por inúmeras vezes tenta resgatar para a teologia. Para

ele não se compreende a escatologia sem a história. Tal reflexão apresenta-se de

maneira mais acentuada no capítulo IV de sua obra, com o título Escatologia e

História (Eschatologie und Geschichte), pela qual apresentaremos alguns pontos

que se tornam relevantes para o nosso trabalho.

Para seguir com este raciocínio teológico vale ressaltarmos que,

MOLTMANN não se contenta com um conceito de revelação como algo preso ao

passado, mas considera a história do ser humano com Deus de maneira aberta,

como um suceder de estágios promitentes e reveladores. Ao fundamentar a sua

teologia, a partir do conceito de esperança cristã, MOLTMANN procurou

entender que o Deus que se revela na história desde Abraão até Jesus Cristo é o

mesmo. Este Deus não cessa sua ação diante da ressurreição, ao contrário se

revela sempre como um futuro aberto e novo. Logo, na sua reflexão existe

também uma revelação de Deus post Cristum362.

Para W-D. Marsch, que confirma esta idéia acima, a intenção de sua

teologia consistia em abordar toda a escatologia de uma forma nova e, nela, a

esperança se torna o sustento da relação entre Deus e a história363. Por essa razão

que MOLTMANN, a partir deste capítulo IV, procura enquadrar a sua Teologia

da Esperança diante de um contexto mais próximo da sua realidade, abrindo-se ao

diálogo com o mundo moderno. Nessa situação específica, a história da

modernidade apresenta-se em constante crise364. Isso não modifica o seu foco,

362 Cf. MARSCH, W-D. Op. cit., p. 16. 363 Cf. Ibid. 364 Essa crise constante que o autor aponta refere-se ao fenômeno natural da modernidade, que consiste em mudanças freqüentes de direções e costumes: “A vivência histórica própria do ser humano moderno se baseia na experiência de possibilidades totalmente novas, angustiantes e não mais assimiláveis pelos meios costumeiros fornecidos pelas tradições. Trata-se de novas possibilidades para o bem e para o mal, para o progresso e para a perdição final. Essas possibilidades de um futuro novo são, entretanto, sentidas inicialmente sempre como crise e

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pois “o interesse na história e a necessidade de compreender a história sempre

surgem em tempos críticos e inquietos”365.

Isso, para MOLTMANN refletirá na história automaticamente na forma de

uma missio, que é decorrente da promissio contida na revelação. Vemos aqui

novamente a contradição que ele muitas vezes chama a atenção na sua teologia.

Esta contradição que existe na história gera uma tensão constante entre passado e

futuro, entre o que foi prometido e a realidade que é apresentada. “O futuro de

missão confere à tarefa presente e à decisão do dia de hoje o real possível, mostra

no real as possibilidades abertas e no possível as tendências que devem ser

aproveitadas”366.

Na realidade o grande desafio que consiste na relação entre Deus e a

história, ou como o próprio capítulo sugere na relação entre escatologia e história

é: como se concebe a revelação de Deus para o ser humano na história?

Defrontamo-nos aqui com a questão primária da existência de Deus, ou no

conhecimento do Deus que se revela para a humanidade na história. Tratando isso

em dimensão escatológica: “Deus só pode ser compreendido quando o ser

humano o escolhe em si mesmo como sua possibilidade”367. Em outras palavras, o

ser humano objetiva Deus como seu futuro e faz de tudo para destinar-se a Ele. Na

busca de compreender Deus e seu mistério o ser humano encontra-se a si mesmo

dentro do mistério de Deus e, o que faz isso acontecer é a consciência que tem da

sua existência histórica368.

Sua existência transcende para algo novo e maior, que não se revela ainda

totalmente, mas como “antecipação da realidade escatológica na qual Deus será

manifesto a todos e em tudo”369. O ponto de referência segundo MOLTMANN

encontra-se nos testemunhos bíblicos neotestamentários que apontam para a

missão do cristianismo e para o futuro universal de Deus em relação ao mundo. O

ruptura das instituições recebidas, da maneira de viver e das formas de assimilação e das possibilidades conhecidas e familiares até agora”. Ibid., p. 289. Sobre isso indicamos também: LIBANIO, J. B. Eu creio, nós cremos, p. 41-76. RUBIO, A. G. Unidade na pluralidade, p. 28-45. 365 MOLTMANN, J. Op. cit., p. 292. 366 Ibid., p. 326. 367 Ibid., p. 343. 368 Cf. Ibid. Nesse momento MOLTMANN aponta para três questões que refletem sobre a existência de Deus e se confrontam com a questão humana: 1) A existência de Deus a partir da existência humana; 2) A existência de Deus a partir do mundo; 3) A existência de Deus a partir de Deus. Cf. Ibid., p. 342-353. 369 Ibid., p. 353.

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centro desses escritos é o futuro de Cristo ressuscitado que eles anunciam,

prenunciam e prometem. Ele dirá que se trata do Futuro da Escritura370.

Nessa compreensão, a esperança cristã e a missão escatológica tornam,

portanto, histórica a realidade de todos os seres humanos, destinatários da

revelação. Para isso, MOLTMANN acentua algumas conclusões: 1) A condição

humana do ser humano se torna histórica à medida que o seu destino se manifesta

na missão histórica. 2) A realidade do mundo também se torna histórica à medida

que ele se manifesta na missão como campo de provas e é interrogado pelas

possibilidades de a esperança transformá-lo. 3) Na missão Deus se manifesta

como Aquele que chama e promete371.

Vejamos como MOLTMANN compreende isso mais detalhadamente:

O mistério próprio do ser humano, o ser humano o descobre na história que lhe abre o futuro. É precisamente nessa história de possibilidades, ainda desconhecidas e ilimitadas, da missão que aparece o fato de que o ser humano não é um “ser fixo”, mas que está aberto às novas possibilidades de ser que lhe são prometidas. Precisamente no chamamento para as possibilidades ainda obscuras do futuro, o ser humano parece estar oculto para si mesmo, que é homo absconditus, e que será revelado nas perspectivas que lhe abrem os horizontes da missão. O chamamento e a missão revelam o ser humano não somente a si mesmo, de modo que ele sempre se possa compreender como aquele que ele é; ela lhe revela e abre também novas possibilidades, de modo a poder tornar-se aquele que ainda não é e ainda não era372. Ao afirmar que, o ser humano descobre-se a si mesmo na medida em que

lhe é aberto o horizonte como perspectiva de seu futuro, nós confirmamos aquilo

que já apontamos como esperança no início deste trabalho. Naquele momento

inicial nos utilizamos de Leonardo Boff, ao tratar sobre o ser humano movido pela

esperança: “Ele é principalmente futuro. É projeto, prospecção, distensão para o

amanhã”373. Do mesmo modo que Mário Sanches ao confirmar: “o ser humano

sente que conhece e é conhecido pelo Absoluto, sente que envolve e é envolvido

pelo Transcendente, sente, enfim, que é parte consciente dessa realidade

Transcendente e Absoluta e, portanto, Eterna”374.

Deste modo, observamos que somente a esperança cristã que se concentra

na história é capaz de desvelar o homo absconditus e trazer à realidade aquilo que 370 Cf. Ibid., p. 354. 371 Cf. Ibid., p. 356. 372 Ibid., p. 358. Grifos do autor. 373 BOFF, L. Vida para além da morte, p. 17. 374 SANCHES, M. A. Op. cit., p. 36.

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o ser humano de fato é. “O ser humano não tem consistência em si mesmo, mas

está sempre a caminho, em direção a algo, e se realiza a partir de uma totalidade

futura e esperada. O ser humano não é sub-sistente, mas ex-sistente”375.

Concluindo: ele-a é aberto ao futuro.

Isso conduz o ser humano que está em constante missão para uma práxis

histórica correspondente, já que o mundo moderno aparece muitas vezes como

questionável em sua forma histórica. Nesta perspectiva de missão não apenas o

ser humano está aberto a novas possibilidades, mas também o mundo está aberto

ao novo. A esperança cristã, em qualquer momento, exige responsabilidade e

decisão para com o mundo e a história, pois não temos aqui uma cidade

permanente, mas buscamos incessantemente a cidade futura de Deus376. Enquanto

caminhamos na índole escatológica da Igreja peregrinante estamos sempre em

êxodo na história e na sociedade377.

4.2.4. A sociedade

Neste quarto e último problema que traz a Teologia da Esperança,

discute-se sobre a Comunidade do êxodo (Exodusgemeinde). Ou seja, a Igreja

(comunidade) permanece em constante caminho (êxodo) na sociedade atual.

MOLTMANN procurou retratar aqui sobre a compreensão escatológica do

cristianismo na sociedade moderna, confrontando o seu papel diante desse quadro.

Também poderíamos introduzir esta discussão com a pergunta que fizemos no

início do enunciado deste sub-capítulo 4.2: Qual o papel da missio cristã, já que

nossa esperança se sustenta numa promissio de futuro?

Parece-nos oportuno iniciar com a missio, pois foi com ela que terminamos

o item anterior, o que demonstra uma continuidade no processo sistemático do

autor. E, de fato, o real ponto de apoio para uma compreensão escatológica dentro

da sociedade só pode partir do conceito de missio. Este é o ponto que se apóia o

autor e também é onde se apóia a Igreja que tem na sua missão diante do mundo a

375 MOLTMANN, J. Op. cit., p. 360. Grifos do autor. 376 Cf. Ibid., p. 362. 377 Cf. BOFF, Lina. A índole escatológica da Igreja peregrinante. Op. cit.

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sua fundamentação378. Entendemos assim que, a Igreja, portadora do Espírito de

Cristo tem algo a dizer ao mundo e isso atinge completamente as dimensões

sociais, sejam elas políticas, familiares, etc.

O fato é que, não há dentro da sociedade moderna um espaço reservado

para um cultus privatus como se tinha antigamente na Igreja. Hoje em dia, o

cristianismo sustenta uma vocação pública, com o intuito de dizer ao mundo

aquilo que é essencial na sua dimensão de ser. Não se pode na atualidade conceber

uma imagem do cristianismo que esteja totalmente apartada do mundo, como uma

societas perfecta. O chamamento que se faz na atualidade e que o autor frisa

demasiadamente é de se sentir incluído dentro da história real, a ponto de, estando

com o olhar focado para o futuro, transformar de imediato a realidade presente.

Isso desafia o fato de ser cristão-ã no mundo de hoje379. Desafia-nos na

questão de olhar para o-a outro-a, tido como desconhecido-a, visto agora como

próximo-a e ver nele-a a dimensão do Eu e do Tu. É uma comunicação

indispensável para o confronto que vive a esperança cristã380. Entendemos por

este confronto toda a contradição que existe entre a cruz e a ressurreição, entre

aquilo que já foi prometido e o presente ainda não realizado. Trata-se do

conteúdo do amor ágape, que faz o cristianismo agir, em qualquer época,

conforme a vontade de Cristo.

Se o cristianismo quer e deve ser outra coisa, segundo a vontade de Cristo, em quem crê e a quem espera, deve tentar nada menos do que irromper para fora desses papéis sociais fixados. Deverá mostrar um comportamento não conforme os papéis que lhe são designados. Eis o conflito que é imposto a cada cristão e a cada pastor. Se o Deus, que os chamou à vida, espera deles outra coisa do que a sociedade industrial espera e exige, então o cristianismo deve ousar enfrentar o êxodo e ver os seus papéis sociais como um novo cativeiro babilônico. Somente quando ele aparecer como grupo que, do ponto de vista social, não se adapta perfeitamente e é incapaz de se adaptar; somente quando a integração moderna de todos em todos fracassar perante ele, só assim se defrontará com esta sociedade, em uma rivalidade carregada de conflito, mas frutuosa381.

378 O Concílio Vaticano II fundamentou isso de maneira específica: “A Igreja peregrina é por natureza missionária. Nasce, segundo o desígnio divino, da própria missão do Filho e do Espírito Santo” (Decreto Ad gentes n. 2). Também: “Como toda a Igreja é missionária e o povo de Deus tem por função fundamental evangelizar” (Decreto Ad gentes n. 35). A partir deste ponto, observamos que qualquer diálogo aproximativo com a Teologia da Esperança pode ser feito a partir do conceito de missão (missio), que é pelo qual a Igreja, comunidade de fé e esperança, projeta-se para o futuro, para o éschaton absoluto. 379 Sobre os desafios de ser cristão-ã hoje, indicamos aqui uma obra de Hans Küng, que como MOLTMANN também pertenceu a Universidade de Tübingen na Alemanha: KÜNG, H. Por que ainda ser cristão hoje? Campinas: Verus, 2004. 380 Cf. MOLTMANN, J. Op. cit., p. 392. 381 Ibid., p. 403.

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Se olharmos juntamente com o autor por esse prisma, podemos acreditar

que a única força capaz de manter a vida de forma livre e em andamento é a

esperança. Ela procurará dar respostas àquilo que é a essência do cristianismo, que

como vimos acima, é puramente escatologia, logo, esperança. Com efeito, toda

essa espera e projeção terão como horizonte último, éschaton, a espera pelo Reino

de Deus.

O “cristianismo” tem sua essência e seu fim não em si mesmo e na própria existência, mas vive de alguma coisa, e existe para alguma coisa, que alcança muito além dele. Caso se queira compreender o mistério de sua existência e de suas formas de comportamento, necessário se faz perguntar pela sua missão. Caso se queira descobrir sua essência, é preciso perguntar pelo futuro em que ele coloca suas esperanças e expectativas. E se o cristianismo se tornou inseguro e sem orientação em meio às novas relações sociais, é preciso perguntar, mais uma vez, sobre a razão por que existe e o fim para o qual caminha382.

Certamente a razão para qual o cristianismo caminha não deve ser algo

distante da sociedade em que ele está inserido. Ao contrário toda a sua força

encontra-se em ser fermento no meio da massa, em ser contradição diante daquilo

que é apresentado como definitivo e concreto. O olhar do-a cristão-ã pertence ao

mundo, mas projeta-se para fora do mundo, à procura do éschaton. MOLTMANN

dirá que, “os cristãos que seguem a missão de Cristo, seguem igualmente a Cristo

no serviço do mundo”383. Isso é o que caracteriza a missão da Igreja e por isso ela

é uma comunidade do êxodo. “Ela é comunidade de Deus quando é comunidade

para o mundo”384.

Isso não significa outra coisa a não ser uma Igreja orientada para o Reino

de Deus. Esse Reino acontece quando a Igreja, na esperança do seu futuro com

Cristo, transmite concretamente na sociedade uma prática de justiça, vida,

humanidade e sociabilidade e, em suas decisões históricas evoca o futuro

prometido. Ela não é em si mesma a salvação do mundo, mas está a serviço desta

salvação, pois indica ao mundo o seu futuro385.

382 Ibid., p. 404. Grifos do autor. 383 Ibid., p. 407. 384 Ibid. 385 Cf. Ibid., p. 408. Do lado Católico o Concílio Vaticano II, na Constituição Lumen gentium, apresenta a Igreja como Sacramento de Salvação, a ponto desta ser sinal permanente, enquanto peregrina rumo à consumação escatológica. Cf. LG 1.

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É o que MOLTMANN chama de vocação do cristianismo na sociedade386,

quando este não se conforma com este mundo e procura transformá-lo através da

resistência, baseado na imagem que crê, espera e ama. Isto resulta do chamamento

no qual todos-as os-as cristãos-as são chamados-as, que conforme o NT é único,

irrevogável e imutável. É Deus que nos chama à santidade e nos convoca para

uma missão (missio) no mundo387. Trata-se da missão da esperança cristã.

Portanto, aceitar essa missão é ter esperança em algo melhor para a própria

a vida e externar isso para abranger a todos-as. É não se conformar, mas se

inconformar. É viver inquieto na espera que um dia, o éschaton prometido venha

e permeie toda a existência. Tal atitude nos leva, segundo o autor, a um

seguimento criativo e a um amor criativo388. Estas expressões trazem comunhão e

correspondem significativamente a todas as esperanças humanas, pois não se trata

de uma expectativa passiva, mas de uma esperança cristã, uma esperança ativa. “A

vida humana deve ser engajada caso queira ganhá-la. É preciso que ela se

exteriorize se quiser consistência e futuro”389.

Assim, o caminho da esperança cristã que MOLTMANN apresenta nos faz

ter um olhar para o futuro, mas, de certa forma, fixo na certeza revelada por Deus

no passado. É certo que toda a ação da Igreja projeta-se hoje numa missio futura, a

ponto de inserida na sociedade ela seja de tal modo um sinal concreto e vivo do

amor de Deus por toda a humanidade. Isso é o que aponta a promessa e é o que

deve fazer a comunidade do êxodo (Igreja). “A tarefa da comunidade cristã é

abrir-lhe o horizonte do futuro do Cristo crucificado”390.

Por essa razão que, todo o conjunto desta obra é apresentado para nós

neste trabalho como a esperança cristã a partir de MOLTMANN. Nos seus

fundamentos e reflexões, que nós humildemente apresentamos, o autor nos remete

às conseqüências de uma escatologia cristã (Konsequenzen einer christlichen

Eschatologie), que conforme suas palavras destinam-se a missio de toda a Igreja

presente na sociedade.

Por fim, é necessário concordarmos com W-D. Marsch, que ao escrever

sobre a Teologia da Esperança disse: “Os livros têm os seus destinos”.

386 Cf. Ibid., p. 410. 387 Cf. Ibid., p. 414. 388 Cf. Ibid., p. 416. 389 Ibid., p. 419. 390 Ibid., p. 421.

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4.3. Reflexões conclusivas No momento em que iniciamos este capítulo nós já havíamos

fundamentado e refletido nos capítulos anteriores a esperança cristã em âmbito

geral e em MOLTMANN. Porém, o modo como o autor a concebe ultrapassa a

sua própria reflexão e, como vimos, ganha um caminho bem próprio. Por essa

razão, entendemos que a melhor maneira de pesquisar sobre a esperança cristã a

partir de MOLTMANN seria utilizando de sua primeira grande obra: Teologia da

Esperança (Theologie der Hoffnung).

Assim sendo, procuramos inicialmente resgatar o contexto em que tal obra

foi escrita para com isso confrontar com o pensamento do autor. Percebemos aí,

que o momento era propício para tal realização, como ele mesmo diz: o tema da

esperança “estava no ar”. Neste contexto, as mudanças no âmbito político mundial

eram latentes, o que suscitava que a Igreja e a teologia procurassem de imediato

uma resposta concreta e, ao mesmo tempo, convincente para a sociedade. Não

havia mais espaço para um discurso longínquo, ou supramundano. O discurso

teológico que se pretendia desenvolver deveria ser confirmado na história

concreta e real. Para isso, os debates em torno das obras de Bultmann e Von Rad,

tornaram-se freqüentes.

Questionava-se a respeito da revelação de Deus na história e a maneira

como essa revelação culminou na pessoa de Jesus de Nazaré: Como conceber a

revelação que acontece na história numa dimensão escatológica? Se colocarmos o

fato da ressurreição de Cristo como elemento fundante do cristianismo é porque

ele não representará um fim, mas um começo diante de uma nova promessa. Por

isso, todo o cristianismo nasce da experiência pascal da ressurreição de Cristo e,

por conseguinte, ele é escatologia do começo ao fim. Esta promessa confirmada

pelo evento de Cristo, encontra no povo cristão uma base forte de esperança, pois

se sustenta também num passado de promessas. Nestas Deus revelava-se como

Deus e, na medida em que se aproximava do universo humano essa promessa se

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direcionava para um evento maior. A ressurreição de Cristo é primícias da nossa

ressurreição. O futuro de Cristo é o nosso futuro, ou seja, o futuro de Deus se

encontra e se realiza com o futuro humano. É Deus que vem a nosso encontro e

nos transforma.

Assim, a esperança cristã que se encontra na Teologia da Esperança

orienta-se por um kairós em direção ao éschaton, no qual objetiva o seu futuro

para algo sempre novo. O nosso futuro é o éschaton, que é o Cristo ressuscitado.

E este futuro vem de encontro à realidade humana e a transforma, trazendo para o

presente a justiça divina como ponto fundamental da justiça humana. Tal reflexão

não provoca para uma ação fora do mundo, ao contrário, desperta nos-as cristãos-

ãs uma ação a ser realizada já neste mundo. Na medida em que esta obra passa a

interagir com outras teologias e outras culturas, a esperança de MOLTMANN se

traduz por ação. O objetivo proposto pelo autor ganha um horizonte maior, pois o

livro trilha um caminho bem próprio, sendo capaz de suscitar novas experiências

em diversas partes do mundo. O kerygma da ressurreição sempre é capaz de trazer

algo novo. Tais experiências retornam para o autor de maneira positiva, uma vez

que elas o ajudam a alargar o seu horizonte teológico e confirmar aquilo que, de

fato, ele escreveu. Isso traz para ele novidades, nunca imaginadas ou planejadas.

Deste modo, de maneira semelhante como fizemos nos capítulos

anteriores, nós apresentaremos algumas reflexões conclusivas, no intuito de

fortalecer e dar maior amplitude naquilo que foi refletido neste capítulo:

1) O primeiro ponto que MOLTMANN procura trazer para a reflexão diz

respeito ao lugar que ocupa a escatologia dentro do debate teológico.

Ela não pode mais aparecer como um apêndice, mas como um tratado

que perpassa toda a teologia. Ele a redireciona, trazendo a esperança

como elemento hermenêutico para uma nova visão teologal. Para

confirmar isso, em sua obra ele apresenta três teses básicas: 1) O

cristianismo é escatologia do princípio ao fim; 2) O fundamento

cristológico da escatologia cristã: a fé cristã vive da ressurreição de

Cristo; 3) O problema do futuro. Nestas três teses resume-se o objetivo

principal de toda a sua reflexão, sendo chamada de Teorema da

Teologia da Esperança. Para ele, trata-se de uma esperança que

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interage no meio em que está; é dinâmica e ao mesmo tempo crítica da

realidade.

2) Para o nosso autor todo o conteúdo da verdade cristã possui uma

dimensão escatológica. Nós somos movidos pela esperança, pelo ato de

esperar. O problema teológico para ele é o problema do futuro

(zukunft) e, o verdadeiro objeto da esperança cristã, encontra-se no

futuro de Deus (Zukunft aus Gott). Para isso, ressalta as três

características da esperança cristã: esperar, confiar e perseverar. Elas

se projetam no futuro, mas estão alicerçadas numa determinada

realidade histórica, que é fundamental para compreender o novo

enfoque dado à escatologia. Esta situação do futuro já prometido e o

presente ainda não realizado deixarão o ser humano numa contradição

entre o real e o irreal, entre o visível e o invisível. É a contradição

existente entre a cruz e a ressurreição, só exprimível pela fé.

3) Ao procurar compreender em que consiste a revelação de Deus,

MOLTMANN conclui que, ela não revela algo pronto e já realizado,

mas algo que ainda é futuro também para Deus. O Deus dos cristãos-ãs

não é um Deus imóvel e imutável como era compreendido pelos

gregos, mas é um Deus que interage com o seu povo e se manifesta no

presente em direção a um futuro sempre novo e maior. Isso faz com

que a mensagem da Igreja e da teologia não perca a sua singularidade e

procure sempre uma novidade trazida pelo kerygma pascal.

MOLTMANN afirma que para compreender tal revelação é necessário

entrar no horizonte das promessas divinas e compreendê-las a partir da

história.

4) A ressurreição de Cristo é o ponto central de toda a Teologia da

Esperança e, com efeito, é o objeto principal de toda a esperança cristã.

Ela é primícias de toda a ressurreição. É um momento kairológico que

impulsiona a vida humana e toda a criação ao éschaton absoluto, que é

com certeza o futuro do Cristo ressuscitado. O ponto-chave que o autor

apresenta é a compreensão deste mistério pela via histórica, a qual

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parte necessariamente das promessas feitas por Deus no AT. Através

do evento da ressurreição o eterno penetra no mundo e o transforma,

mas a sua projeção, a sua esperança só é eficaz no concretum, pois ali a

esperança é sustentada pela força das promessas que agora invadem

também o NT. Para MOLTMANN, o Cristo ressuscitado será sempre o

crucificado e, com as marcas que Ele traz da Paixão, demonstra uma

íntima ligação com a humanidade, sob a qual o ser humano

compreenderá a si mesmo dentro deste mistério. Toda essa novidade

que o autor nos coloca só se torna verdadeira pelas arras escatológicas

do Espírito Santo, que é quem age na ressurreição de Cristo e, que

agora continua a agir na missão da Igreja. Somente o Espírito pode

trazer compreensão para a contradição existente entre a cruz e a

ressurreição. Só pela fé, resultado da ação do Espírito, é que nós

podemos compreender a ressurreição de Cristo como realidade

histórica. E é essa realidade que impulsionou os apóstolos e hoje

impulsiona a toda a Igreja a viver em missão (missio).

5) Se MOLTMANN compreendeu que Deus age na história e se revela

nela por meio de promessas, temos aqui também um tema-chave para a

sua teologia. Essa revelação que ele nos mostra não é algo preso ao

passado, mas algo que é presente ainda hoje na vida humana e em sua

história. O Deus que se revelou no AT e que trouxe uma novidade com

Cristo no NT continua ainda hoje a se revelar e a se comunicar por

promessas. Em sua reflexão teológica há espaço para uma revelação

post Cristum. Nessa compreensão, a esperança cristã e a missão

escatológica tornam, portanto, histórica a realidade de todos os seres

humanos, destinatários da revelação. Para isso, são acentuadas por ele

algumas conclusões: 1) A condição humana do ser humano se torna

histórica à medida que o seu destino se manifesta na missão histórica;

2) A realidade do mundo também se torna histórica à medida que ele se

manifesta na missão como campo de provas e é interrogado pelas

possibilidades da esperança transformá-lo; 3) Na missão Deus se

manifesta como Aquele que chama e promete. Como conseqüência

destas conclusões, o ser humano é conduzido para uma práxis histórica

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correspondente, já que o mundo moderno se apresenta como

contradição e como um desafio para a esperança cristã. Aqui, vemos

que a esperança cristã exige responsabilidade e decisão para com o

mundo e para com a história.

6) Por fim, os fundamentos e reflexões que o nosso autor apresenta em

seu livro, remetem-nos para as conseqüências de uma escatologia

cristã, que na realidade é uma ação prática da nossa fé diante da

sociedade atual. Somos um povo em êxodo, dirá o autor, para

confirmar que o nosso futuro se encontra para além deste mundo, mas

que, no entanto deve viver para transformar este mundo. Fortalece-se

aqui o conceito de missio, no qual o autor entende que a Igreja e a

teologia têm algo a dizer na atualidade. Na atual sociedade não há mais

espaço para um cultus privatus. Ao invés disso, o cristianismo nos

chama para uma vocação pública, no intuito de dizer ao mundo aquilo

que é essencial na sua dimensão de ser. Trata-se do chamamento que

Deus nos faz nas suas promessas, a ponto de que por meio de nosso

seguimento criativo e amor criativo, possamos atender ao que pede a

vocação do cristianismo na sociedade. É Deus que nos chama à

santidade e nos convoca para uma missão (missio) no mundo. Esta é a

missão da esperança cristã.

Por isso que, ao aprofundarmos esta obra de MOLTMANN para

fundamentar e refletir sobre a esperança cristã a partir dele, percebemos que a

esperança que ele apresenta não permanece fechada no tempo de modo passiva,

mas irrompe no mundo em direção ao futuro como algo novo e dinâmico. É uma

novidade capaz de despertar no mais íntimo do coração humano um desejo de

viver e de lutar pela liberdade e pela justiça. A esperança cristã que o autor nos

apresenta produz em nós uma sensação de inquietude, defrontando-nos na

contradição existente entre a cruz e a ressurreição. Como ela se projeta sempre

para um futuro e esse futuro sempre é algo totalmente novo, é praticamente

impossível compreender o todo que está absconditum em sua definição. O próprio

autor trata-a como uma experiência sempre nova, um kerygma infinito, no qual

toda e qualquer reflexão que se queira fazer, sempre será incompleta e unilateral.

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Falar de esperança cristã a partir de MOLTMANN é percorrer com ele um

caminho sempre novo, como ele próprio diz: uma nova aventura.

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5 Conclusão Chegamos ao momento final de nossa pesquisa teológica. Nela decidimos

por elaborar um estudo aprofundado da esperança cristã, fundamentada e

refletida na teologia de Jürgen MOLTMANN. Embora o nosso foco de estudo

neste trabalho tenha situado a esperança no contexto do autor, acreditamos que

esta investigação, apresentada aqui de maneira sistemática, mostrou-se relevante e

pertinente, pois trouxe elementos teológicos que são indispensáveis para um

pensar e para um agir da teologia contemporânea. Percebemos também que, a

influência que a temática da esperança suscita na atualidade ainda é algo

constante, mesmo que hoje em dia a sociedade moderna e pós-moderna insista

muitas vezes em viver sem ela.

Deste modo, compreendemos que esta pesquisa permanece ainda aberta a

novos estudos e, diante desta possibilidade, abre-se a perspectivas mais atuais.

Temos a consciência de que nenhuma teologia é definitiva e, também, nenhum

estudo teológico tem a capacidade de contemplar a totalidade da verdade revelada.

Toda a reflexão teológica que venha a surgir está inserida em um determinado

contexto histórico e cultural e, em virtude disso, ela sempre procurará fomentar

discussões na procura de respostas para os problemas de seu tempo. Foi

exatamente isso que aconteceu com a esperança no decorrer da história. A

esperança está impregnada no tempo, fixa-se nele e só assim, pode olhar além

dele. A esperança projeta-se para além da história porque ela constitui a história.

Outro ponto importante que nos faz acreditar que esta pesquisa ainda não

está perto do seu fim, diz respeito aos muitos elementos aqui apresentados que são

de relevância para a teologia atual e, por isso, tornam-se factíveis de discussões

futuras. Pelo fato da história da humanidade ser dinâmica a esperança, situada

nela, surgirá sempre com um rosto novo. Isto é o que faz da teologia uma

disciplina apaixonante, pois ela sempre nos arremessa para um novo momento,

maior e mais abrangente.

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Por certo, quando resolvemos propor para esta dissertação um tema

pertinente como a esperança cristã, sabíamos da complexidade que o envolve.

Isto ocorre devido às inúmeras interpretações e projeções que foram feitas sobre

tal temática no decorrer da história. Em torno disso, numa análise também

antropológica, notamos que o ser humano é um ser que vive e sobrevive de

esperança, a ponto de sua vida ser completamente contemplada por ela. Tal

virtude o faz viver sempre numa projeção para o amanhã. Assim entendemos que,

falar de esperança é falar do que está no íntimo do ser humano, quando este

decide por dar pleno sentido a sua vida.

Este trabalho mostrou-se de modo audacioso e, para responder a isso,

fomos obrigados primeiramente a fazer um levantamento deste tema em várias

vertentes: filosóficas, bíblicas e teológicas. Somente depois de ter-se obtido uma

compreensão geral, apropriamo-nos daquilo que é essencial para confrontar

posteriormente com o pensamento do autor que escolhemos como referência.

O motivo que levou-nos a escolher Jürgen MOLTMANN como o nosso

autor deu-se pelo fato deste ter sido um dos teólogos que mais se debruçou sobre

o presente tema na teologia atual. Ressaltamos também o fato de que ele é um dos

teólogos mais influentes da teologia contemporânea, tendo suas obras discutidas

em várias partes do mundo, confrontadas com várias teologias e com o

pensamento de vários teólogos e teólogas. Esta influência que ele exerce

globalmente acontece em diversos meios, sejam eles Igrejas, universidades,

comunidades, grupos, movimentos, pastorais, etc. Seu pensamento aparece em

ambientes cristãos e não-cristãos, acadêmicos e não acadêmicos; contudo, sempre

de modo disposto e encarnado na sociedade.

A esperança que este autor nos propõe em sua teologia possui sempre o

caráter ad extra e nunca ad intra. Isto quer dizer que ela está sempre a serviço de

e nunca apenas em torno de. É uma novidade que ele propõe ao apresentar a

esperança como elemento hermenêutico de toda a teologia. É o todo da teologia

sob um novo enfoque: a esperança. Portanto, fundamentar e refletir a esperança na

teologia de MOLTMANN é com toda a certeza encontrar-se com ela. Falar de

esperança na sua teologia é falar de esperança cristã. Isto se resume para nós numa

experiência-ato, caracterizada pela missão (missio) que dessa esperança provém.

Confirmamos então que, a esperança cristã é uma temática que perpassa

por todo o seu labor teológico e, com toda reverência, segundo o autor ela deve

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ser vista de maneira provocativa. Entendemos assim – provocativa – porque o

autor a apresenta de maneira encarnada na história, servindo-se também como

elemento de transformação social e, mais que isso, como projeção para um futuro

novo e, por sua vez, eterno. Ela não se encerra em utopias e ideologias, mas

destina-se ao horizonte escatológico, em vista de um kairós definitivo. Isto faz

com que sua reflexão não se perca na obscuridade do discurso, mas que se

instrumentalize no cotidiano, em torno de uma práxis correspondente. Na sua

teologia MOLTMANN utiliza a esperança como elemento teológico fundamental.

Só a esperança é capaz de trazer à realidade presente o éschaton prometido à

realidade futura.

Outro ponto que a nosso ver torna-a provocativa é que em várias partes do

mundo, onde suas obras foram traduzidas, sua esperança traduziu-se por ação.

Destacamos aqui a Teologia Política, a Teologia da Libertação, a Teologia Negra,

a Teologia Feminista, etc. Isso de certa forma acentua-se de maneira positiva,

caracterizando sobremaneira a missão da esperança cristã. MOLTMANN

enfatiza isso claramente ao refletir sobre as conseqüências de uma escatologia

cristã, ponto destacado no final de sua obra, Teologia da Esperança.

Vejamos agora qual foi o percurso que fizemos nesta pesquisa para

chegarmos à compreensão dos fundamentos e reflexões da esperança cristã na

teologia de MOLTMANN.

Optamos logo de início em partir de uma noção geral do termo esperança.

Acreditamos que isso se fez necessário para uma melhor contextualização do tema

proposto. Para fazer isso, elencamos alguns momentos da história, perpassando

pela cultura grega, pela tradição judaico-cristã, por tratados filosóficos até chegar

enfim ao conteúdo teológico da esperança cristã. Chegando aqui, percebemos que

o conteúdo que ela contém não é algo totalmente novo, pois recorda elementos

importantes da teologia do AT, agora revestidos com uma nova roupagem, através

da novidade trazida pela pessoa de Jesus de Nazaré.

Compreendemos que, esta novidade é caracterizada já no início de sua

vida pública por uma nova compreensão de Reino de Deus, já atuante e que

irrompe com a sua pessoa. Após a morte e a ressurreição de Jesus esta dimensão

do Reino é transferida para a sua pessoa. Agora o que esperamos é a sua vinda

(parusia) e a nossa ressurreição. Vale destacarmos que, na compreensão de Reino

que Jesus traz, e que depois MOLTMANN utiliza, o futuro prometido assume o

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presente a ponto de transformá-lo. Não é, portanto, algo prometido apenas para

um futuro distante, mas algo já vivenciado no cotidiano. O presente é

transformado, prefigurando a consumação de todo o mundo: “os cegos recuperam

a vista, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos

ressuscitam e aos pobres é anunciado o Evangelho” (Lc 7,22).

Um ponto específico do conteúdo dessa esperança, que conseguimos

resgatar, é trazer novamente as palavras esperar, confiar e perseverar. São

características típicas da esperança do AT. Outra noção que deve ser evidenciada

é que esta esperança, mesmo quando aparece individualmente, projeta-se sempre

para o coletivo. Basta um olhar sutil para o AT para percebemos que Deus ao

chamar Abraão decide por formar um povo e é por esse povo que ele decide salvar

a todos. O povo é mais importante do que o indivíduo isolado. Assim, concluímos

este ponto afirmando que, segundo a tradição bíblica tudo o que se espera se

espera coletivamente. Trata-se de uma espera confiante e perseverante, sustentada

por promessas.

Ao entrarmos na definição que surge com o NT, numa esperança

propriamente cristã, percebemos a importância da esperança que agora é

fortalecida em virtude do kerygma pascal. Os-as primeiros-as cristãos-ãs viviam

da experiência desse momento e isto os-as fazia transcender para um futuro novo

com Cristo. Refletindo com os elementos neotestamentários surgem os objetos da

esperança cristã391: 1) O Reino de Deus; 2) A vinda de Cristo (a Parusia); 3) A

ressurreição; 4) A vida eterna; 5) A herança; 6) O que nenhum olho viu; 7) A

participação na glória de Cristo; 8) Todos os bens da Boa Nova: Céu. Estes são

alguns elementos importantíssimos para a definição de esperança e são também

conteúdos fundamentais para a esperança cristã. Neste caso, fizemos questão de

explicitá-los e aprofundá-los.

A partir daí tivemos que fazer uma escolha, pois não poderíamos

contemplar tudo o que diz respeito à esperança cristã, que nos proporciona o NT.

Pensando assim, optamos por escolher Paulo, o último dos apóstolos e que foi

também o primeiro teólogo cristão, ou seja, o primeiro que formulou a sua fé em

palavras escritas, a fim de orientar aos demais irmãos da comunidade. Como o

391 Estes objetos que aqui apresentamos rapidamente e que foram aprofundados no sub-ítem 2.2.2.2., encontram-se nas obras: Dicionário enciclopédico da Bíblia, p. 478. Cf. tb. BAURER, J. B. Dicionário de teologia bíblica, p. 362-363.

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grande foco de sua pregação é a salvação que o evento Cristo traz, sobretudo pela

sua morte e ressurreição, Paulo é reconhecido como o teólogo da esperança.

Após uma breve passagem pelo que de mais importante se acentua em seus

escritos, destacamos duas de suas cartas, no intuito de oferecer um melhor

embasamento e uma maior profundidade. Destacamos a sua Epístola aos Efésios e

a sua Epístola aos Filipenses. Nestas duas cartas utilizamo-nos de hinos cristãos

do primeiro século da Igreja e frisamos alguns pontos. No fundo, o objeto central

que transparece nestas cartas é o mistério que envolve a pessoa de Cristo, pois

para nós Ele é o éschaton por excelência. É o nosso destino e o nosso futuro. Por

Ele somos herdeiros-as e por isso somos também filhos-as, filhos-as de Deus.

A esperança que aí encontramos aparece de modo implícito: Em Efésios

acentua-se a certeza da esperança, pois somos agraciados-as no Amado e, ao

mesmo tempo, somos selados-as pelo Espírito da promessa, para a nossa salvação.

Paulo ressalta a esperança na salvação através da filiação divina, obra da graça de

Deus. Em Filipenses é acentuado a kénosis do Filho: Cristo despoja-se de si

mesmo e assume em seu ser o mais íntimo da condição humana, assume inclusive

toda a miséria que nos envolve. Tornando-se semelhante a nós, abaixou-se, sendo

obediente ao Pai até a sua morte sobre uma cruz. Agora o Pai o elevou e nessa

elevação todos-as foram elevados-as. A nossa humanidade está amplamente

representada no seio da Trindade por Jesus Cristo – Divino e Humano – e, graças

a isso, por esse amor gratuito que seguramente, sentimo-nos salvos-as. A

esperança também aqui aparece como uma certeza. Vale ressaltarmos que tal

cristologia impulsiona a comunidade de fé a viver um amor-serviço. A esperança

cristã não é algo fora do mundo, mas sim uma força que está inserida no mundo.

Observamos também que em Paulo valorizou-se muito a questão do

Espírito Santo. É Ele que nos faz conhecer o ressuscitado e por essa razão

vivemos sob o mesmo Espírito. “A esperança não decepciona porque o amor de

Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”

(Rm 5,5). Somente Ele é capaz de atingir-nos pela graça, mediante a ressurreição

de Cristo, como prelúdio futuro de toda a realização humana. Paulo vê a esperança

como uma espera confiante e paciente e, pela certeza da fé o-a cristão-ã deve

esperar mesmo contra toda a desesperança (cf. Rm 4,18). Na sua teologia a

esperança é vista de maneira inseparável da fé e da caridade. Estas três virtudes

teologais formam o que chamamos de Trilogia paulina.

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Tendo feito isso, encaminhamos nosso estudo num segundo momento para

aprofundar a esperança cristã em MOLTMANN. O objetivo aqui era descobrir

como que a esperança passou a fazer parte da vida do autor? Como que ele a

descobriu? Quais foram as suas experiências? Somente inserido no contexto do

autor é que se torna possível discernir os fundamentos e as reflexões da esperança

cristã em sua teologia, o que apresentamos na segunda parte desse capítulo que

aqui explicamos. Afirmamos aqui que, MOLTMANN descobre a esperança

primeiramente em sua vida e só depois é que ele a repassa para a teologia.

Vejamos o nosso processo.

Iniciamos esta parte do trabalho apresentando MOLTMANN e seu

contexto histórico. Aqui destacamos alguns acenos biográficos de sua vida

particular, eclesial e acadêmica. Destas três partes notamos que é na sua vida

particular que ele concebeu a esperança cristã. Logicamente que, mais tarde diante

de um caminhar cristão e acadêmico esta noção tornou-se mais abrangente,

todavia, este é um momento central para a sua vida, tanto que ele sempre faz dele

um retorno nas suas reflexões. O que marca aí é a experiência que ele viveu na

Segunda Grande Guerra Mundial, como vítima, soldado e prisioneiro de campo de

concentração.

Percebemos nestes episódios que a revelação de Deus continua com a

mesma característica peculiar de sempre, pois é na fraqueza humana que Deus se

torna forte, que Ele se manifesta e que se mostra. Na desilusão de um soldado

abatido, diante da fraqueza de um sistema cruel, Deus se revela como o único

capaz de suscitar esperança e fazer que estes que o percebem destinem-se para

uma nova vida. Isto aconteceu com MOLTMANN. No momento de maior

fraqueza e hostilidade é que Deus se torna forte e revela a sua compaixão e

solidariedade. Neste momento caem por terra todas as nossas máscaras e as nossas

aflições. O ser humano se vê pequeno diante de Deus e, também, percebe-se

impotente diante da crueldade humana.

Foi um momento singular em sua vida e, posteriormente, num período

pós-guerra, a grande pergunta que surgia nas discussões era: como falar de Deus

depois de Auschwitz? Temos aqui alguém que sentiu na pele isso, mesmo não

sendo prisioneiro deste campo, viu-se ferido na sua integridade. Por isso, com um

olhar mais atento à esperança preferiu visualizar a pergunta que fez Wiesel

(sobrevivente de Auschwitz): Como não falar de Deus depois de Auschwitz?

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Realmente são momentos que marcam e mancham a história da

humanidade e, além de tudo, essas marcas não cicatrizam de maneira fácil. Por

isso, procuramos reproduzir aqui aspectos que ele levanta dessas experiências,

sejam elas em Auschwitz ou em seu campo de concentração de Northon Camp, ou

ainda como uma experiência atrás do arame farpado, modo como ele relata.

Nesses momentos é que podemos perceber tópicos importantes de sua teologia

vivida primeiramente de uma experiência. Ali ele encontra o sentido do existir e

descobre a importância de Cristo para sua vida. Vê no grito do Cristo na cruz

alguém que sentiu o que ele sentiu e, assim, identifica-se com Ele.

É uma identificação radical, na qual pela solidariedade descobre-se a

esperança e pela esperança descobre-se a vida e, vida com Deus. Nestas

experiências a esperança foi sua única companheira, a única força capaz de mantê-

lo vivo. Para ele o retorno a elas trata-se de um re-início vital, onde ele encontrou

força e desejo de viver.

Dentre os principais fundamentos de sua teologia que podemos destacar

encontramos: 1) O Cristo ressuscitado; 2) O Cristo ressuscitado é o Cristo

crucificado; 3) O Reino de Deus; 4) O futuro de Cristo e a realização humana.

Tais fundamentos foram por nós aprofundados e refletidos e, dessa forma,

perpassam por toda a sua teologia. É neles que o nosso autor deposita a sua

esperança.

Resta-nos agora o último passo para concluir esta pesquisa: Como que essa

esperança cristã caminhou a partir do autor?

Fez-se necessário verificar como que esses fundamentos por ele

sistematizados caminharam a partir dele. Para responder a isso, entendemos que a

melhor maneira de ser fiel ao seu pensamento seria um estudo de sua primeira

grande obra, que após a sua publicação fez um caminho próprio, seguindo o seu

próprio destino. Falamos aqui da Teologia da Esperança (Theologie der

Hoffnung), de 1964.

Ao analisar o contexto em que surge tal obra, o autor nos diz que o tema

da esperança “estava no ar”. E, em virtude disso, parece que a Teologia da

Esperança acertou o seu kairós. Tratava-se de um momento em que se buscava

uma teologia que fosse biblicamente fundamentada, uma teologia que visasse uma

perspectiva de futuro para um mundo mais justo, mais pacífico e mais humano.

Para superar o existencialismo do período pós-guerra, procurou-se resgatar

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aspectos da tradição judaica antiga que estavam presentes no AT e, por razões

diversas, foram deixados de lado. Ao utilizar-se de Ernt Bloch com a obra O

Princípio Esperança (Das Prinzip Hoffnung), MOLTMANN procura fazer uma re-

leitura da realidade e enfatiza a teologia a partir de um novo enfoque, o da

esperança.

O conjunto de sua obra, composta de cinco capítulos, além de um apêndice

sobre E. Bloch, apresenta, segundo H-G Geyer, três teses principais: 1) O

Cristianismo é escatologia do princípio ao fim; 2) O fundamento cristológico da

escatologia cristã: a fé cristã vive da ressurreição de Cristo; 3) O Problema do

futuro. Olhando para o conjunto da obra notamos que nestas três teses resume-se o

objetivo principal de sua reflexão. Ou segundo Gibellini tais teses são o Teorema

da Teologia da Esperança. Com isso ele apresenta a escatologia a partir de uma

definição de esperança, que é dinâmica e, ao mesmo tempo, crítica da realidade.

Este é um ponto importante que depois terá reflexo em sua teologia posterior. Ele

a vê numa dimensão histórico-indutiva, pela qual a teologia insere-se na história e

a projeta para um horizonte escatológico.

Segundo outro autor, J. M. Jong, MOLTMANN faz uma reordenação da

teologia, pela qual ele apresenta problemas específicos, que é sobre os quais nos

debruçamos para refletir sobre ela: O primeiro problema diz respeito à

escatologia, ele a tem como a essência do cristianismo. O segundo problema trata

da ressurreição de Cristo. O terceiro problema refere-se à relação entre Deus e a

história e, por fim, o quarto problema discute as conseqüências de uma

escatologia cristã na sociedade.

Estes quatro problemas atingem a obra de maneira completa, porém a

esperança que MOLTMANN concerne vai ainda mais além. Ele não é um autor

fechado em seu discurso, mas aberto a novas perspectivas teológicas, mesmo

quando sua obra recebeu críticas ele as acolheu tranquilamente, confirmando

algumas opiniões ou até mesmo mudando de discurso se necessário. Para ele, a

teologia não é um discurso completo, mas singelo daquilo que nós na nossa

humildade ousamos falar de Deus. Assim sendo, todo o discurso teológico cai na

unilateralidade. Por certo, a novidade do discurso teológico está em aventurar-se

dentro do mistério infinito e insondável de Deus e ver dessa maneira a teologia

como uma aventura.

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Concluímos sabendo que não é possível absorver o todo da teologia de

MOLTMANN dentro de um único trabalho de pesquisa. Tal pretensão necessita

de uma constante vontade em aventurar-se com ele nos caminhos da esperança.

Todavia, encerramos este trabalho satisfeitos de termos cumprido pelo menos em

parte aquilo que nos prepusemos no início.

Contudo, como dissemos acima, este tema mostrou-se relevante e

pertinente, o que nos provoca outras indagações a respeito da esperança cristã e

suas conseqüências na sociedade. Falamos aqui da missio cristã, que

fundamentada numa promissio orienta-se para o futuro de Cristo e age desde já na

atualidade. MOLTMANN termina a sua obra refletindo sobre isso, no entanto, tal

reflexão dizia respeito aquele momento específico de sua vida e a situação

presente de sua obra. Como afirmamos, estes elementos que ele nos colocou são

fundamentais para a teologia e foram por ele vistos dentro de um contexto. Hoje o

contexto é outro e acreditamos que os fundamentos e reflexões aqui apresentados

de maneira sistemática podem servir de base e apoio para outras reflexões. Vemos

que a missão da esperança cristã irrompe por toda a Igreja e precisa inserir-se na

sociedade atual, dividida e desorientada pelos valores modernos e pós-modernos.

O mundo ainda não está concluído, mas é entendido como algo que está em processo histórico. É, portanto, o mundo do possível, em que se pode estar a serviço da futura verdade, da justiça e da paz prometidas. Este é o tempo da diáspora, da sementeira em esperança, da entrega e do sacrifício, pois este tempo situa-se no horizonte de um futuro novo. Assim, torna-se possível realizar a exteriorização neste mundo, o amor cotidiano cheio de esperança, que se torna humano no horizonte de expectativa que transcende a este mundo. A glória da auto-realização e a miséria da auto-alienação têm ambos sua fonte na ausência de esperança, na desesperança, de um mundo que perdeu o horizonte. A tarefa da comunidade cristã é abri-lhe o horizonte do futuro do Cristo crucificado392. Com este texto MOLTMANN termina a Teologia da Esperança.

Perguntamos: Que respostas atuais a esperança cristã pode fornecer à sociedade?

A Teologia da Esperança de MOLTMANN ainda é atual? É possível aproximá-la

de outra teologia para responder aos anseios humanos atualmente? Como se daria

uma aproximação com a teologia latino-americana? Acreditamos que estas e

outras perguntas possam encontrar futuramente um horizonte teológico propício

de reflexão. A teologia deve e necessita confrontar-se com a atualidade para que

392 MOLTMANN, J. Teologia da Esperança, p. 421.

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seu discurso seja verdadeiro e transforme aquilo que se propõe. É fundamental, a

nosso ver, para uma reflexão teológica hodierna uma compreensão sensível da

missão da esperança cristã. Isto é o que pode fazer a sociedade atual

desvencilhar-se do que é supérfluo e apropriar-se do que é eterno.

Por ora, resta-nos mergulhar nesta audaciosa aventura proporcionada pela

esperança cristã, fundamentada e refletida na teologia de Jürgen MOLTMANN.

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6 Referências Bibliográficas 6.1 Obras de MOLTMANN MOLTMANN, Jürgen. A alegria de ser livre. São Paulo: Paulinas, 1974. __________. A fonte da vida: o Espírito Santo e a teologia da vida. São Paulo: Loyola, 2002. __________. A Vinda de Deus: Escatologia cristã. Trad. Nélio Schneider. São Leopoldo: Unisinos, 2003. Título original: Das Kommen Gottes: Christliche Eschatologie, 1995. __________. Cristo, fin de la tortura. Selecciones de teologia, Barcelona, v. 31, n. 124, p. 311-316, oct./dic. 1992. __________. El Dios crucificado. Salamanca: Sígueme, 1975. __________. El experimento esperanza. Introduciones. Salamanca: Sígueme, 1977. __________. El hombre: Antropologia cristiana en los conflictos del presente. Salamanca: Sígueme, 1973, p. 143-157. __________. Geschichte des dreieinigen Gottes, p. 222. Apud: HAMMES, E. J. A cristologia escatológica de J. Moltmann. Teo comunicação. Porto Alegre, 2000, n. 130, v. 30, p. 606. __________. La critica como deber. In: ARNDT, A.; MOLTMANN, J. Hacia una sociedad critica. Salamanca: Sígueme, p. 21-25. __________. La dignidad humana. Salamanca: Sígueme, 1983. __________. La pasión de Cristo y el dolor de Dios. Selecciones de teologia, Barcelona, v. 33, n. 129, p. 17-24, ene./mar. 1994. __________. Messianic Theology in the Making VIII. Apud: HAMES, E. J. A cristologia escatológica de J. Moltmann. Teo comunicação. Porto Alegre, 2000, n. 130, v. 30, p. 605-606.

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__________. My theological career, 1991, p. 170. Apud: MUELLER, E. R. Apresentação da 3ª edição. São Leopoldo, 2005. In: MOLTMANN, J. Teologia da Esperança. Estudos sobre os fundamentos e as conseqüências de uma escatologia cristã. Trad. Helmuth Alfredo Simon. 3. ed. São Paulo: Teológica, Loyola, 2005, p. 14-15. __________. O Espírito da vida. Uma pneumatologia integral. Trad. Carlos Almeida Pereira. Petrópolis, Vozes, 1999. __________. Paixão pela vida. São Paulo: ASTE, 1978. __________. Prefácio do autor: Trinta e três anos de Teologia da esperança. In: MOLTMANN, J. Teologia da esperança. Estudos sobre os fundamentos e as conseqüências de uma escatologia cristã. Trad. Helmuth Alfredo Simon. 3. ed. São Paulo: Teológica, Loyola, 2005. __________. Primero el Reino de Dios. Selecciones de teologia, Barcelona, v. 30, n. 117, p. 3-12, ene./mar. __________. Progresso y precipício. Recuerdos del futuro del mundo moderno. Revista latinoamericana de teologia, San Salvador, n. 54, p. 235-253, sep./dic. 2001. __________. Quem é Jesus Cristo para nós hoje? Petrópolis: Vozes, 1997, p. 11-32. __________. Ressurreição – fundamento, força e meta da nossa esperança. Concilium, n. 283, p. 110-120, 1999/5. __________. Teologia da Esperança: Estudos sobre os fundamentos e as conseqüências de uma escatologia cristã. Trad. Helmuth Alfredo Simon. 3. ed. São Paulo: Teológica, Loyola, 2005. Título Original: Theologie der Hoffnung. __________. Temas para una teología de la esperanza. Buenos Aires: La aurora, [?]. __________. Theologie der Hoffnung: Untersuchungen zur Begründung und zu den Konsequenzen einer christlichen Eschatologie. Kaiser Verlag München, 1968. __________. Trindade e Reino de Deus: uma contribuição para a teologia. Petrópolis: Vozes, 2000. __________. In: SUSIN, L. C. O mar se abriu: Trinta anos de teologia na América Latina.

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6.2 MOLTMANN e demais autores ARNDT, Adolf.; MOLTMANN, Jürgen. Hacia una sociedad critica. Salamanca: Sígueme. BLOCH, E. et al. El futuro de la esperança. Salamanca: Sígueme, 1973. MARSCH, W. –D.; MOLTMANN, Jürgen. Discusión sobre teologia de la esperanza. Salamanca: Sígueme, 1972. MOLTMANN, J; METZ J. B. El dolor de Dios: una discussion teológica. Apud: CORMENZANA, F. J. V. Jürgen Moltmann. El fin de la indiferencia. Sal terrae: revista de teologia pastoral, t. 86/10, n. 1006, p. 852-853, nov./1997. MOLTMANN, Jürgen. et al. Hope for the Church. Moltmann in Dialogue with Practical Theology. Nashville: Abingdon, p. 128-136. __________. The future of hope. Theology as Eschatology. Herder and Herder.

6.3 Obras sobre MOLTMANN

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MARSCH, W-D. Para introducir: A donde? Hacia más allá de las alternativas. In: MARSCH, W.-D.; MOLTMANN, J. Discusión sobre teologia de la esperanza. Salamanca: Sígueme, 1972. MUELLER, E. R. Apresentação da 3ª edição. São Leopoldo, 2005. In: MOLTMANN, J. Teologia da Esperança..., p. 11-18. 6.4 Demais obras

ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ACCORDINI, G. Wolfhart Pannenberg. Col. Teólogos do século XX. São Paulo: Loyola, 2006. AGOSTINHO. A graça I. Trad. Agustinho Belmonte. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1999. __________. A graça II. Trad. Agustinho Belmonte. São Paulo: Paulus, 1999. ALLMEN, J-J. V. (Dir.). Vocabulario bíblico. Madrid: Marova, 1968. ALTOBELLI, R.; PRIVITERA, S. Speranza umana e speranza escatológica. Turin: San Paolo, 2004. ALVES, Rubem. O que é religião. 7.ed. São Paulo: Loyola, 1999. BARAÚNA, G. (Dir.). A Igreja do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1965. BARBAGLIO, G.; DIANICH, S. Nuovo dizionario di teologia. Milano: Paoline, 1985. BARTH, K. Comentário a carta aos Romanos, 1922. Apud: MOLTMANN, J. Teologia da Esperança..., p. 58. BAURER, J. B. Dicionário de teologia bíblica. São Paulo: Loyola, 1973. BELLOSO, J. M. R. Esperança. In: Dicionário de conceitos fundamentais do cristianismo. São Paulo: Paulus, 1999, p. 227-233. BENTO XVI. Deus é amor. São Paulo: Paulinas, 2005. Título original: Deus caritas est. BERNABÉ, C. Reino de Deus. In: Dicionário de conceitos fundamentais do cristianismo. São Paulo: Paulus, 1999, p. 674-683.

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CALVINO. Comentário sobre Hebreus 11,1. Apud: MOLTMANN, J. Teologia da Esperança..., p. 33. __________. Institutio, III2, 42. Apud: MOLTMANN, J. Teologia da Esperança..., p. 35. CELAM. Conclusões da Conferência de Medellín, 1968: Trinta anos depois, Medellín ainda é atual? São Paulo: Paulinas, 1998. COMISSÃO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA. A esperança cristã na ressurreição. Petrópolis: Vozes, 1994. DICCIONARIO bíblico. Barcelona: Editorial Litúrgica española, 1959. DICIONÁRIO bíblico universal. Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário, 1997, p. 246-249. DICIONÁRIO de conceitos fundamentais de teologia. São Paulo: Paulus, 1993. DICIONÁRIO de conceitos fundamentais do cristinismo. São Paulo: Paulus, 1999. DICIONÁRIO enciclopédico da Bíblia. Petrópolis: Vozes, 1971, p. 476-478. DICIONÁRIO patrístico e de antiguidades cristãs. Petrópolis, São Paulo: Vozes, Paulus, 2002. DUNN, J. D. G. A teologia do apóstolo Paulo. Trad. Edwino Royer. São Paulo: Paulus, 2003. Título original: The theology of Paul apostle. ENGELHARDT, P. Esperança. In: Dicionário de conceitos fundamentais de teologia. FRAIJÓ, M. Fragmentos de esperança. São Paulo: Paulinas, 1999. __________. Ressurreição. In: Dicionário de conceitos fundamentais do cristianismo. São Paulo: Paulus, 1999, p. 719-730. FRIES, H. (Dir.). Dicionário de teologia. Conceitos fundamentais da teologia atual. São Paulo: Loyola, 1970. FURTER, P. Dialética da esperança: uma interpretação do pensamento utópico de Ernst Bloch. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974. GIBELINI, R. A teologia do século XX. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1998. __________. La teologia di Jürgen Moltmann. Brescia: Queriniana, 1975.

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